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Fisiologia do Sangue

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A palavra homeostasia significa a ma- nicos está concentrado no sangue. O equi-
nutenção das condições de funcionamen- líbrio e a distribuição de água, a regulação
to dos diferentes componentes celulares do do pH através os sistemas tampões, o con-
organismo. Todos os órgãos realizam fun- trole da coagulação e a regulação da tem-
ções que contribuem para a homeostasia. peratura correspondem a outras importan-
A comunicação entre os diversos órgãos é tes funções desempenhadas pelo sangue.
feita pelo sangue. Este, pode ser entendido As células do corpo humano, para fun-
como um sistema de transporte em que as cionar adequadamente, precisam consumir
artérias, veias e capilares seriam as vias per- oxigênio. As moléculas de hemoglobina
corridas. O sangue é o meio líquido que flui contidas nos glóbulos vermelhos do san-
pelo sistema circulatório entre os diversos gue transportam o oxigênio aos tecidos e,
órgãos transportando nutrientes, hormô- quando a sua oferta é reduzida, o funcio-
nios, eletrólitos, água, resíduos do metabo- namento celular se deteriora, podendo ces-
lismo celular e diversas outras substânci- sar e determinar a morte.
as. A fisiologia do sangue estuda as suas O volume de sangue contido no siste-
múltiplas funções em interação com a nu- ma circulatório (coração, artérias, veias e
trição dos demais tecidos do organismo. capilares) constitui o volume sanguíneo to-
O deslocamento do sangue no sistema tal, também chamado volemia. Um adul-
circulatório ocorre por ação da bomba to, dependendo do seu porte físico, pode
cardíaca e da sua condução pelas artérias, ter de 4 a 8 litros de sangue no organismo.
veias e capilares. O sangue circula no or- Em geral, a volemia tem relação com a ida-
ganismo humano, transportando oxigênio de e o peso dos indivíduos (Tabela 6.1). O
dos pulmões para os tecidos, onde é libera-
do nos capilares. Ao retornar dos tecidos,
o sangue conduz o dióxido de carbono e os
demais resíduos do metabolismo celular,
para eliminação através da respiração, do
suor, da urina ou das fezes.
O sistema de defesa do organismo con-
tra doenças e a invasão de germes patogê- Tabela 6.1. Volemia estimada.

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FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

adulto tem aproximadamente 60 ml de san- processo de coagulação do sangue.


gue para cada quilograma de peso corporal. O organismo humano contém uma gran-
Os elementos celulares correspondem a de quantidade de água, capaz de migrar en-
aproximadamente 45% do volume de san- tre os diversos compartimentos, impulsiona-
gue, enquanto o plasma corresponde a 55%. da pelo fenômeno da osmose. A osmose é
O sangue é um tecido que contém uma um processo físico que ocorre entre duas so-
fase sólida, que compreende os elementos luções separadas por uma membrana per-
celulares, e uma fase líquida, que correspon- meável, em que a água atravessa a mem-
de ao plasma (Fig. 6.1). brana para o lado que contém o maior nú-
Os elementos celulares do sangue são mero de solutos, para igualar a sua
as hemácias, os leucócitos e as plaquetas. quantidade nos dois lados da membrana.
As hemácias são as células encarrega-
das do transporte de oxigênio para os teci- ORIGEM DAS CÉLULAS DO SANGUE
dos e do gás carbônico resultante do meta- No início da gravidez, o embrião retira
bolismo celular; os leucócitos constituem os alimentos de que precisa das paredes do
um exército de defesa do organismo con- útero materno. À partir da terceira sema-
tra a invasão por agentes estranhos e as na, passa a alimentar-se através o sangue
plaquetas são fragmentos celulares funda- materno. No final do primeiro mês, o feto
mentais aos processos de hemostasia e co- já tem um coração rudimentar, que bom-
agulação do sangue. beia o sangue para o corpo em formação.
O plasma sanguíneo é constituido por Nas primeiras semanas de gestação, o em-
elementos sólidos e água. Os elementos sóli- brião humano é acompanhado de uma es-
dos do plasma são, principalmente as pécie de bolsa, chamada saco vitelino.
proteinas, gorduras, hidratos de carbono,
eletrólitos, sais orgânicos e minerais, e hor-
mônios. O plasma é um líquido
viscoso que contém 90% de água
e 10% de sólidos, como protei-
nas, lipídeos, glicose, ácidos e
sais, vitaminas, minerais, hormô-
nios e enzimas. Em cada litro de
sangue existem 60 a 80 gramas
de proteina. A maior parte é
constituida pela albumina; em
menor proporção estão as
globulinas, relacionadas à forma-
ção de anticorpos para a defesa
do organismo e o fibrinogênio,
Fig. 6.1. Diagrama que mostra a composição do sangue. Lista os
uma proteina fundamental no elementos celulares e o plasma sanguíneo.

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CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

À partir de três semanas de gestação óssea começa a produzir o sangue, proces-


na parede externa do saco vitelino surgem so que se continua durante toda a vida ex-
pequenas massas celulares, que vão se tra-uterina.
transformando em agrupamentos sanguí- Após o nascimento, a grande maioria
neos, chamados ilhotas de Wolff. As pare- das células do sangue é produzida pela me-
des dos primeiros vasos sanguíneos são for- dula óssea, o miolo gelatinoso que preen-
madas pelas células que contornam as che o interior dos ossos longos e do esterno.
ilhotas e, aos poucos, o interior das ilhotas Os tecidos linfoides, localizados no baço,
vai ficando vazio. As células mais internas timo, amigdalas, gânglios linfáticos e pla-
das ilhotas transformam-se em glóbulos cas de Peyer no intestino, também colabo-
vermelhos primitivos. ram nesta tarefa. A própria medula óssea
O estudo das células precursoras dos contém tecido linfoide e, em situações es-
glóbulos vermelhos e das demais células do peciais, encarrega-se sozinha da produção
organismo, nos dias atuais, adquiriu enor- de todas as células do sangue. A medula
me importância, devido ao potencial óssea de praticamente todos os ossos pro-
terapêutico desse grupo de células especi- duz eritrócitos até os cinco anos de idade.
ais, denominadas células-tronco. A célu- À partir daí, a medula dos ossos longos tor-
la-tronco hemopoiética tem uma grande na-se mais gordurosa, exceto o úmero e a
capacidade de auto-renovação e um gran- tíbia, e deixam de produzir células após os
de potencial proliferativo. Estas proprieda- vinte anos de idade. Acima dos vinte anos,
des permitem que as células-troncos pos- a medula dos ossos membranosos, como as
sam diferenciar-se em todas as linhagens vértebras, as costelas, o esterno e a pelve
de células sanguíneas. Além disso, como são os grandes produtores dos eritrócitos.
recentemente demonstrado, as células- A matriz celular, existente na medula
tronco hemopoiéticas tem a capacidade de óssea e nos tecidos linfoides é a célula
converter-se em outros tipos celulares, reticular primitiva, que aparece nas primei-
como o miocárdio, para citar o melhor ras fases de formação do embrião e funcio-
exemplo das pesquisas nacionais. na como uma fonte permanente de célu-
No início do segundo mês, o sangue já las sanguíneas. A célula reticular primiti-
tem glóbulos vermelhos, glóbulos brancos va origina dois tipos distintos de células:
e plaquetas. Os vasos sanguíneos e glóbulos as células reticuloendoteliais, que desempe-
vermelhos se originam fora do organismo nham funções protetoras, englobando par-
do embrião, ou seja, são de origem extra- tículas estranhas e os hemocitoblastos, que
embrionária. são as células produtoras de sangue e que
Após o terceiro mês de vida fetal, a for- dão origem às hemácias, alguns tipos de
mação do sangue se processa no fígado e leucócitos e plaquetas.
no baço. Esta fase é conhecida como fase O hemocitoblasto é uma célula volu-
hepática da fabricação do sangue fetal. Na mosa que tem um núcleo ovoide. No inte-
metade do período da vida fetal, a medula rior da medula óssea os hemocitoblastos

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FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

dividem-se e originam células menores, os os megacariócitos, que, como o nome in-


proeritroblastos. Estas outras células tam- dica, são células que apresentam núcleos
bém se dividem e originam os eritroblastos caracteristicamente grandes. O citoplasma
que sofrem diversas transformações até que, do megacariócito fragmenta-se em diver-
finalmente, perdem o núcleo e se consti- sas porções, que ficam totalmente envol-
tuem nos eritrócitos. O processo de forma- vidas por uma membrana. Quando o me-
ção das hemácias é denominado eritropoiese. gacariócito se rompe, libera diversas pla-
Nas malhas do retículo da medula dos quetas que são lançadas na circulação. As
ossos também se desenvolvem os granuló- plaquetas, portanto, não são células e sim,
citos que, como as hemácias, descendem elementos celulares, porque são fragmen-
da célula reticular primitiva. Origina-se tos de uma célula principal derivada da
inicialmente, um tipo celular chamado célula primitiva hemocitoblasto.
mieloblasto que, por sua vez se diferencia As células sanguíneas e as plaquetas
em promielócito, cujo citoplasma tem grâ- tem origem comum nas células reticulares
nulos. Conforme a coloração dos grânulos primitivas. A sua produção é contínua,
seja violeta, azul ou vermelha, é que os durante toda a vida do indivíduo, e regu-
promielócitos se diferenciam nas células lada por diversos fatores que, em condições
brancas neutrófilos, eosinófilos e basófilos. normais, mantém a concentração adequa-
Estes três tipos de leucócitos tem núcleos da de cada tipo celular, no sentido de
com dois ou mais lobos e, por essa razão, otimizar as funções do sangue. Cada ele-
são chamados de polimorfonucleares. Eles mento celular do sangue, hemácias, leucó-
tem granulações no interior do seu citos e plaquetas desempenha funções es-
citoplasma e por isso são também chama- pecíficas, relacionadas ao transporte de
dos de granulócitos. gases, aos mecanismos de defesa do orga-
O tecido linfoide, que forma a estrutu- nismo e ao sistema de hemostasia.
ra básica do baço, do timo, dos gânglios lin-
fáticos e de outros órgãos é o encarregado HEMÁCIAS
da produção dos outros dois tipos de leu- A principal função das hemácias é
cócitos, os monócitos e os linfócitos. Estas transportar oxigênio dos pulmões para os
células tem núcleo simples e não tem tecidos e o dióxido de carbono, dos teci-
granulações no seu citoplasma. dos para os pulmões. O transporte do oxi-
Os leucócitos são as unidades móveis gênio é feito pela hemoglobina, através de
do sistema protetor do organismo. Após ligações químicas. As hemácias contém a
a sua formação, os leucócitos são trans- enzima anidrase carbônica, que acelera a
portados pelo sangue, para as diferentes reação da água com o dióxido de carbono,
partes do organismo, onde poderão atu- tornando possível a remoção de grandes
ar, promovendo a defesa rápida contra quantidades de dióxido de carbono, para
qualquer agente invasor. eliminação pelos pulmões. A hemoglobi-
Os hemocitoblastos também formam na funciona ainda como um sistema tam-

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CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

pão adicional, na manutenção do equilí- hemácia é constituida pela água e o res-


brio ácido-básico do organismo. tante pelos elementos sólidos. Da parte
As hemácias, glóbulos vermelhos ou sólida, 90% é ocupada pela hemoglobi-
eritrócitos, são as células mais numerosas na e o restante corresponde às proteinas,
no sangue. Tem a forma de um disco substâncias gordurosas, fosfatos, cloro e
bicôncavo, com um excesso de membra- íons de sódio.
na, em relação ao conteudo celular. A A quantidade de hemácias no sistema
membrana em excesso permite à hemácia circulatório é controlada pelo organismo,
alterar a sua forma na passagem pelos ca- de tal forma que um certo número de
pilares, sem sofrer distensão ou rotura. A eritrócitos está sempre disponível para o
forma bicôncava da hemácia favorece a transporte de oxigênio aos tecidos. Qual-
existência de uma grande superfície de di- quer condição que diminua a quantidade
fusão, em relação ao seu tamanho e volu- de oxigênio nos tecidos, tende a aumentar
me. A hemácia circulante não tem núcleo, a produção de eritrócitos.
seu diâmetro médio é de aproximadamen- Quando a medula óssea produz hemá-
te 8 microns e a espessura é de 2 microns cias muito rapidamente, várias células são
na periferia e cerca de 1 micron na sua por- liberadas no sangue antes de se tornarem
ção central. eritrócitos maduros. Estas células mal de-
A quantidade de hemácias no san- senvolvidas podem transportar o oxigênio
gue varia com o sexo. No homem adulto com eficiência porém, são muito frágeis e
normal, sua concentração é de aproxi- o seu tempo de vida é menor.
madamente 5.200.000 por mililitro de A vida média das hemácias no orga-
sangue, enquanto na mulher normal é de nismo é de 100 a 120 dias. Ao final desse
4.800.000. período suas membranas tornam-se frágeis
A altitude em que a pessoa vive afeta e elas são, na maioria, removidas da circu-
o número de hemácias em circulação. As lação pelo baço, enquanto a medula óssea
populações que vivem em grandes altitu- forma novas hemácias, para serem lançadas
des, onde a pressão parcial de oxigênio no na circulação. Este processo de formação
ar é mais baixa, tem necessidade de uma de hemácias é contínuo.
maior quantidade de hemácias na circula- A hipóxia renal estimula a liberação
ção, para manter a oxigenação dos tecidos de um fator eritropoiético que modifica uma
adequada. proteina do plasma, transformando-a em
No recém-nascido, a contagem de eritropoietina ou hemopoietina que, por sua
hemácias revela quantidades superiores vez, estimula a produção de glóbulos ver-
às do adulto. No decorrer das duas pri- melhos. A eritropoietina pode ser usada
meiras semanas de vida, a quantidade de para acelerar a produção de hemácias em
hemácias se reduz e estabiliza, até atin- pacientes anêmicos ou em candidatos a
gir os níveis do adulto normal. procedimentos cirúrgicos de grande porte.
Aproximadamente 60% da célula da A medula óssea para elaborar novos

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FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

glóbulos vermelhos aproveita restos de he- de polipeptídeos chamados cadeias alfa (a)
mácias envelhecidas e destruidas. O ferro e um par de polipeptídeos chamados ca-
contido na hemoglobina é reaproveitado, deias beta (b). O pigmento ou radical heme
para formar novas moléculas do pigmen- contém moléculas de ferro no estado
to. Células fagocitárias do baço, fígado, ferroso e é o responsável pela cor verme-
gânglios linfáticos e da própria medula en- lha da hemoglobina.(Fig. 6.2).
carregam-se de destruir os glóbulos verme- A cadeia alfa-globina é constituida por
lhos envelhecidos. À seguir, lançam na cir- um grupo de 141 resíduos de aminoácidos
culação o ferro que sobra, para que possa e tem o peso molecular de 15.750 Daltons.
ser reaproveitado. A produção de hemáci- A cadeias beta é formada pela união de 146
as exige a presença de cianocobalamina resíduos de aminoácidos e tem o peso
(vitamina B12) e um fator da mucosa do molecular de 16.500 Daltons. A hemoglo-
estômago, chamado de fator intrínseco, que bina A resultante, tem um peso molecular
se combina com a vitamina B12. O ácido aproximado de 64.725 Daltons.
fólico também participa do processo de for- A estrutura química da molécula da he-
mação e maturação das hemácias. moglobina foi demonstrada por Perutz e
Kendrew que, em 1962 receberam o prê-
HEMOGLOBINA
A hemoglobina é o principal compo-
nente da hemácia. Ela é formada no inte-
rior dos eritroblastos na medula óssea.
A hemoglobina é o pigmento respon-
sável pelo transporte do oxigênio para os
tecidos e confere à hemácia a sua colora-
ção avermelhada. Quando a quantidade de
hemoglobina combinada com o oxigênio é
grande, o sangue toma a coloração verme-
lho viva, do sangue arterial. Quando a com-
binação com o oxigênio existe em peque-
nas quantidades, a coloração do sangue é
vermelho escura, do sangue venoso.
A hemoglobina é formada pela união
de radicais heme com uma proteina, cha-
mada globina. Cada molécula de hemoglo-
bina contém quatro moléculas do radical
heme e dois pares de cadeias de polipeptí-
deos, estruturalmente formadas por diver- Fig. 6.2. Esquema da molécula da hemoglobina A que
sos amino-ácidos. A hemoglobina A, do mostra os os quatro grupos heme ligados às cadeias de
polipeptídeos (alfa e beta) e a ligação do radical heme
adulto, é formada por um par de cadeias com as quatro moléculas de oxigênio.

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CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

mio Nobel de química, pelos seus traba- duas cadeias do tipo gama (g). A hemoglo-
lhos com aquele pigmento. A configura- bina F se mantém nas hemácias circulantes
ção química da hemoglobina permite um em grande quantidade, nos recém-natos e
aproveitamento excepcional; cada molécu- vai desaparecendo gradualmente nos pri-
la pode transportar quatro moléculas de meiros meses de vida, para dar lugar à he-
oxigênio. A combinação química do radi- moglobina A, predominante no sangue do
cal heme com a molécula de oxigênio é indivíduo adulto.
facilmente reversível, o que facilita a sua A capacidade de oxigenação dos teci-
captação nos capilares pulmonares e a sua dos pelo sangue está relacionada ao núme-
liberação nos capilares dos tecidos. A li- ro de glóbulos vermelhos circulantes e à
gação do oxigênio à hemoglobina é do quantidade de hemoglobina que contém.
tipo cooperativo. Isto significa que a liga- No adulto normal, cada 100 ml. de sangue
ção de uma molécula de oxigênio ao gru- contém aproximadamente 15 gramas de
po heme facilita a ligação da segunda hemoglobina.
molécula, que torna mais fácil a ligação A forma bicôncava dos glóbulos ver-
com a terceira molécula e, mais fácil ain- melhos é ideal para a absorção e libera-
da, a ligação com a quarta e última mo- ção rápida de gases. A ausência de nú-
lécula, numa espécie de reação cuja ve- cleo também favorece o transporte de
locidade aumenta à medida em que vai oxigênio, porque a célula pode conter
sendo processada. A oxihemoglobina é a maior quantidade de hemoglobina, con-
molécula da hemoglobina saturada com tribuindo para sua maior eficiência por
quatro moléculas de oxigênio. unidade de volume.
Durante as primeiras fases do desen- A estrutura molecular tetramérica,
volvimento embrionário do ser humano, o com quatro moléculas do radical heme e a
sangue contém uma hemoglobina embrio- característica ligação cooperativa com o
nária, chamada hemoglobina E, composta oxigênio, permitem à hemoglobina modi-
por duas cadeias de polipeptídeos do tipo ficar a sua afinidade pelo oxigênio, depen-
alfa e duas cadeias de tipo epsilon (e). Du- dendo de diversos fatores, como o número
rante o estágio de vida fetal a hemoglobi- de moléculas de oxigênio já combinadas à
na embrionária é substituida pela hemo- sua própria molécula, a presença e quanti-
globina fetal, denominada hemoglobina F. dade de dióxido de carbono, o pH do san-
Este tipo de hemoglobina, tem enorme afi- gue, a temperatura e a quantidade de fos-
nidade pelo oxigênio, e constitui uma fatos orgânicos presentes. Esses fatores
adaptação fisiológica, com a finalidade de constituem um importante mecanismo de
extrair mais oxigênio da circulação mater- controle, que permite à hemoglobina cap-
na da placenta, que tem uma PO2 relativa- tar oxigênio em um instante e liberá-lo efi-
mente baixo. A hemoglobina fetal é forma- cientemente no instante seguinte.
da pelos quatro radicais heme ligados à A afinidade pelo oxigênio e a capaci-
duas cadeias de polipeptídeos alfa (a) e dade de liberação desse gás, são descritas

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FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

por equações e curvas que representam a lula, reduzindo o PO2 intracelular e com-
dissociação da hemoglobina. A curva de prometendo o metabolismo celular.
dissociação da hemoglobina representa a A afinidade da hemoglobina pelo oxi-
relação entre a pressão parcial de oxigênio gênio é um fenômeno dinâmico que pode
no sangue e o percentual de saturação da ser afetado por diversos mecanismos. As
hemoglobina. O sangue que deixa os pul- manipulações da fisiologia induzidas duran-
mões tem uma PO2 de 100 mmHg e, nes- te a circulação extracorpórea, como a hi-
sas condições, a hemoglobina está plena- potermia, as alterações do equilíbrio áci-
mente saturada. A curva de dissociação de- do-base, a hemodiluição e outras, podem
monstra o percentual de saturação da modificar a afinidade da hemoglobina pelo
hemoglobina correspondente a cada valor oxigênio, levando à alterações da satura-
da PO2 do sangue, conforme demonstra o ção e da liberação do oxigênio nos tecidos.
gráfico da figura 6.3. A curva de dissociação da hemoglobi-
A análise da curva de dissociação da na pode ser modificada por alterações do
hemoglobina e a influência de diversos fa- pH. Se o sangue se tornar ácido, com o pH
tores na sua configuração, facilitam a com- de 7,2 por exemplo, a curva de dissociação
preensão dos mecanismos de liberação do se desloca cerca de 15% para a direita. Se
oxigênio nos tecidos. Quando a afinidade o sangue, ao contrário, estiver alcalino, com
da hemoglobina pelo oxigênio está aumen- o pH de 7,6, a curva se desloca para a es-
tada, menos oxigênio é liberado nos teci- querda. O aumento da concentração do
dos. O consumo celular de oxigênio dimi- dióxido de carbono e o aumento da tem-
nui a sua concentração no ambiente em peratura corporal, também deslocam a cur-
que a célula se encontra. Com a redução va para a direita.
da concentração do oxigênio, o gradiente Quando a afinidade da hemoglobina
do oxigênio através a membrana celular se pelo oxigênio está aumentada em rela-
reduz e menos oxigênio se difunde na cé- ção ao normal, a curva de dissociação se
desvia para a direita e, menos oxigênio é
liberado. Se a afinidade da hemoglobina
está diminuida a curva de dissociação se
desvia para a esquerda e o oxigênio é li-
berado com mais facilidade. A presença
de grandes quantidades de hemoglobina
fetal desvia a curva de dissociação da
hemoglobina para a esquerda, no feto e
no recém-nato, facilitando a liberação de
oxigênio aos tecidos.
Fig. 6.3. Curva de dissociação da hemoglobina. Mostra
a correlação da saturação de oxigênio com a p02 do
sangue. Alterações da curva refletem modificações do HEMATÓCRITO
sangue produzidas por diversos fatores, conforme
explanação do texto. A massa de glóbulos vermelhos exis-

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CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

tente no sangue constitui o hematócrito. gue centrifugado, dividirmos o compri-


O hematócrito é o percentual do volume mento da coluna de glóbulos vermelhos
de sangue ocupado pelas hemácias e, por- pelo comprimento total da amostra
tanto, representa um índice da concentra- (glóbulos + plasma), teremos o valor do
ção dos glóbulos vermelhos. hematócrito (Fig.6.4).
Quando se diz que uma pessoa tem o Quando a quantidade de glóbulos ver-
hematócrito de 40 significa que 40% do melhos no sangue é inferior ao valor nor-
volume sanguíneo são células vermelhas e mal, existe anemia. Nestes casos a determi-
o restante corresponde ao plasma. O he- nação do hematócrito mostra valores abai-
matócrito do homem normal varia de 40 a xo de 42% no homem e de 40% na mulher.
45% (média de 42%), e o da mulher nor- Ao contrário, quando a quantidade de he-
mal oscila entre 38 e 42% (média de 40%). mácias é superior ao normal, existe poliglo-
O hematócrito, na ausência de anemia, tem bulia. O hematócrito estará acima de 45%.
correlação com a quantidade de hemoglo- A hemodiluição usada na perfusão
bina existente no sangue. O valor de 15g% reduz a concentração dos elementos ce-
de hemoglobina no sangue, corresponde lulares do sangue; o hematócrito baixa a
aproximadamente ao hematócrito de 45%. valores de 20 a 25%, dependendo do gráu
A razão aproximada é de 1:3 em relação de hemodiluição. A redução do hemató-
ao hematócrito, o que equivale a dizer que, crito a níveis abaixo de 15% representa
o valor da hemoglobina multiplicado por um valor de hemoglobina de 5 g%, que
três, corresponde ao valor aproximado do pode prejudicar o transporte e a oferta
hematócrito. de oxigênio para os tecidos, causando
O hematócrito é determinado pela hipóxia celular e acidose metabólica,
centrifugação de uma amostra de sangue mesmo que a saturação de oxigênio do
em um tubo capilar. Após 3 minutos de sangue arterial seja normal.
centrifugação, as hemácias, por sua maior
densidade, se depositarão no fundo do
tubo. Sobre estas se depositará uma cama-
da bem fina de glóbulos brancos e de pla-
quetas, e no topo do tubo ficará o plasma.
A camada que contém os leucócitos e pla-
quetas é tão fina que não é considerada na
leitura. No sangue normal, após a centri-
fugação, se para toda a coluna ocupada,
atribuirmos o valor 100, teremos 45% ocu-
pados pelas hemácias e 55% pelo plasma.
Fig. 6.4. Esquema dos tubos de hematócrito. Demonstra
Uma escala graduada permite a leitura di- o resultado da centrifugação do sangue no tubo. As
hemácias se depositam no fundo do tubo, pela sua maior
reta da percentagem de hemácias existen- densidade. Ilustra o aspecto do sangue normal, das
tes no sangue. Se, em uma amostra de san- anemias e das policitemias.

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FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

Quanto maior o hematócrito, maior é trínseco e o ácido fólico. Outras anemias


o atrito entre as camadas ou lâminas do são causadas por excessiva destruição das
sangue que se desloca nos vasos sanguíne- hemácias circulantes, como as anemias
os. O atrito entre aquelas camadas é um hemolíticas.
fator importante na determinação da vis- Anemias Hemolíticas – Em conseqüên-
cosidade do sangue. A viscosidade eleva- cia de diversas alterações, freqüentemen-
da dificulta o fluxo de sangue através dos te hereditárias, um organismo pode pro-
vasos de pequeno calibre e dos capilares. duzir hemácias com anomalias diversas, in-
Em função de mecanismos fisiológicos clusive da membrana celular, que as tor-
de adaptação, ou em conseqüência de al- nam particularmente frágeis e permitem
terações patológicas, podem ocorrer alte- que se rompam com facilidade, ao passar
rações da quantidade de hemácias no san- pelos capilares. Nessas condições, mesmo
gue circulante (anemia ou policitemia) quando o número de eritrócitos é normal,
bem como alterações da estrutura e função pode ocorrer anemia, porque o período de
da hemoglobina (hemoglobinopatias). vida útil das hemácias é muito curto. Um
exemplo dessas anemias hemolíticas é a
ANEMIA esferocitose hereditária, em que as hemá-
A anemia corresponde à redução do cias tem a forma esférica, ao invés de
número de hemácias circulantes ou à re- discóides. Essas células não tem a estrutu-
dução do teor de hemoglobina contida nas ra da membrana normal dos discos
hemácias. As anemias podem ser causadas bicôncavos e não podem ser comprimidas,
por hemorragias ou por deficiente produ- rompendo-se com muita facilidade. Outros
ção de hemácias. exemplos seriam a talassemia ou anemia
Se a perda de sangue é rápida, o indi- de Cooley e a anemia falciforme, esta últi-
víduo apresenta hipovolemia, que suscita ma de grande importância em nosso meio.
a absorção de líquidos do interstício para o
sangue, diluindo os glóbulos vermelhos, POLICITEMIA
produzindo a anemia. A perda crônica ou A policitemia representa um aumen-
lenta de sangue também resulta em ane- to, fisiológico ou patológico, da quantida-
mia, porque a formação de novas hemáci- de de hemácias no sangue circulante. A
as não é suficientemente rápida para repor contagem das hemácias é superior a
a perda continuada. 5.200.000 por mililitro de sangue e o he-
Existem anemias causadas por incapa- matócrito, em conseqüência, está acima de
cidade da medula óssea produzir as células 45%. O exemplo mais comum de policite-
vermelhas, como a anemia aplástica, por mia fisiológica é o das grandes altitudes,
exemplo, bem como anemias causadas por em que as populações tem maior quanti-
falta de componentes essenciais ao meta- dade de hemácias na circulação para com-
bolismo formador da hemoglobina, como pensar a menor concentração de oxigênio
o ferro, a vitamina B12, o fator gástrico in- no ar atmosférico. Os efeitos da altitude

112
CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

sobre o ser humano começam à partir dos comumente encontrada. Já foram identifi-
2.400 metros. cadas e catalogadas mais de 300 tipos dife-
A policitemia mais importante é a de rentes de hemoglobinas, das quais cerca de
origem patológica e pode ser primária ou 10% podem se acompanhar de alterações
secundária. funcionais e clínicas. Estas alterações da
Policitemia Primária – A medula óssea hemoglobina são raras e são encontradas
produz quantidades excessivas de hemáci- apenas em alguns indivíduos de uma mes-
as, sem que isso represente qualquer me- ma família. Sua importância reside no fato
canismo de adaptação. O tipo clássico é a de que um paciente portador dessas anor-
Policitemia vera, uma condição neoplási- malidades pode eventualmente, ser subme-
ca ou tumoral dos órgãos produtores de tido à circulação extracorpórea e a
células sanguíneas. Ela gera uma excessi- hemoglobinopatia potenciar o desenvolvi-
va produção de eritrócitos, leucócitos e mento de crise hemolítica severa, capaz de
plaquetas. O hematócrito nestas pessoas comprometer a função renal.
pode chegar aos 70 ou 80%. O sistema Anemia Falciforme – É relativamente co-
vascular se torna intumescido, muitos ca- mum na população negra especialmente da
pilares são obstruidos devido à viscosidade África Central, onde parece ter se origina-
do sangue, que nesta doença, pode aumen- do, por mutação genética. Na atualidade a
tar até cinco vezes em relação ao normal. sua distribuição é bastante extensa, graças
Policitemia Secundária – Os tecidos do à migração do povo africano para a maio-
organismo são hipóxicos, como ocorre ria dos continentes. A doença ou seus tra-
nas cardiopatias congênitas cianóticas ços são facilmente encontrados na popu-
que se acompanham de shunt intra-car- lação negra ou em seus descendentes, in-
díaco da direita para a esquerda. A clusive em nosso país.
hipóxia crônica, estimula o organismo a A alteração primária da anemia
produzir glóbulos vermelhos em excesso, falciforme ocorre na hemoglobina. Existe
lançando-os na circulação para aumen- alteração de um dos resíduos de aminoáci-
tar a oferta de oxigênio aos tecidos. O do nas cadeias da globulina beta, originan-
hematócrito destas crianças pode alcan- do um tipo de hemoglobina chamada he-
çar os 80% e a viscosidade do sangue moglobina S. A composição anormal da
aumenta proporcionalmente. Nestas cir- porção globina da hemoglobina, favorece
cunstâncias, a hemodiluição pré-opera- a fácil cristalização do pigmento no interi-
tória é importante para favorecer a per- or das hemácias, além de tornar as células
fusão e a oxigenação tissulares, durante mais frágeis. Os cristais da hemoglobina S
a circulação extracorpórea. são longos e tendem a alongar as hemáci-
Com freqüência, as alterações das hemá- as, alterando a sua forma normal no san-
cias são devidas à alterações da hemoglo- gue. Quando a hemoglobina S cristaliza e
bina, como ocorre na anemia falciforme, que se alonga, a hemácia deformada assume um
é, provavelmente, a hemoglobinopatia mais formato curvo, como uma “foice”, fato que

113
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

originou a designação de falciforme. Estes A circulação extracorpórea em paci-


pacientes podem ter baixa tensão de oxi- entes com anemia falciforme pode desen-
gênio tecidual, por diversas razões, inclu- cadear crises hemolíticas extremamente
sive a formação de grumos celulares que severas além de oclusões vasculares e ou-
obstruem os capilares e reduzem o fluxo tras complicações sistêmicas.
sanguíneo para diversos tecidos.
As hemoglobinopatias, como as de- HEMÓLISE
mais alterações de origem genética, podem A lise ou rotura das membranas das
ser do tipo homozigótico onde os dois pro- células sanguíneas vermelhas é conheci-
genitores transmitem o gene deficiente ou da como hemólise. A lesão da membrana
pode ser do tipo heterozigótico onde o gene das hemácias permite a liberação da he-
deficiente provém de apenas um dos pro- moglobina para o plasma, constituindo
genitores. Na anemia falciforme, a hemo- a hemoglobina livre. O fenômeno gera-
globina patológica pode ser do tipo Hb-SS do pelo aumento de hemoglobina livre
(homozigótico) ou do tipo Hb-AS (hete- no plasma em conseqüência da hemóli-
rozigótico), em que coexiste o caráter A da se é a hemoglobinemia.
hemoglobina normal. A doença apenas se A quantidade de hemoglobina livre no
manifesta nos portadores do tipo Hb-SS, plasma depende da capacidade e da velo-
sendo os demais indivíduos, portadores do cidade de remoção do pigmento pelo or-
tipo Hb-AS, conhecidos como portadores ganismo de cada indivíduo. Normalmen-
do traço falciforme. Na população negra te, o sistema retículo-endotelial é capaz de
americana 8% dos indivíduos tem o traço remover cerca de 0,1 mg de hemoglobina/
falciforme, enquanto 0,2% tem a anemia Kg/minuto. Quando a hemoglobina livre
na sua forma plena. no plasma supera o valor de 100 mg%, a
A anemia falciforme é transmitida atra- hemoglobina é filtrada pelos rins. A urina
vés do cromossoma 11, onde se localiza o que contém hemoglobina adquire a colo-
gene mutante causador da alteração da ração avermelhada, característica da
cadeia beta da globina. A miscigenação das hemoglobinúria. Dependendo da quantida-
raças produziu a expansão da doença que, de de hemoglobina, a coloração da urina
em nosso país, pode cursar com formas de pode variar de levemente avermelhada a
extrema gravidade. francamente vinhosa ou cor de “coca-cola”.
As manifestações clínicas da anemia A lesão renal produzida pela hemoglobina
falciforme incluem anemia hemolítica crô- pode ocorrer quando os valores da hemo-
nica, complicações sistêmicas produzidas globina livre no plasma são superiores a
por infartos de diversos órgãos, complica- 3.000 mg%. Existem estudos que demons-
ções renais da mesma origem e oclusões vas- tram que a lesão renal ocorre por ação do
culares periféricas. A vida média das hemá- estroma das hemácias que perdem a he-
cias falciformes é encurtada e, nos casos moglobina. A existência de hemoglobinas
mais severos, pode ser de apenas 10 dias. puras usadas em solução, como substitu-

114
CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

tos do sangue, comprovam a importância sistema inclui as células brancas ou leu-


do estroma celular na produção da insufi- cócitos, os macrófagos dos tecidos e o
ciência renal conseguente à hemólise. sistema linfóide.
O plasma normal contém uma peque- Os leucócitos são considerados as uni-
na quantidade de hemoglobina livre, que dades móveis do sistema protetor do orga-
corresponde à hemoglobina liberada pela nismo, porque podem deixar a corrente
destruição das hemácias “velhas”, para a sanguínea e migrar para locais onde sua
sua renovação. A quantidade de hemoglo- ação seja necessária. Após a sua formação,
bina livre no plasma normal é de aproxi- as células brancas são lançadas no sangue
madamente 6 mg%. A circulação extracor- onde circulam, até que sejam necessárias
pórea adequadamente conduzida, com os em algum ponto do organismo. Quando
equipamentos atualmente disponíveis, ele- isso ocorre, os leucócitos migram para o
va a hemoglobina livre para 20 a 40 mg%, local necessário, especificamente as áreas
em função da hemólise produzida pelo trau- de inflamação, fazendo uma defesa rápida
ma. Quando o trauma celular na perfusão contra os agentes infecciosos. Na eventu-
é excessivo, a hemoglobinemia é acentua- alidade de invasão do organismo por bac-
da e supera os 100 mg%, produzindo a térias, os leucócitos são lançados na circu-
hemoglobinúria. lação em grandes quantidades.
A hemólise pode ser produzida por re- Existem normalmente no sangue peri-
ações a certos medicamentos, como um férico de 6.000 a 8.000 leucócitos por mili-
processo auto-imune, devido à presença de litro de sangue, divididos em cinco tipos:
hemoglobinas anormais ou, no caso mais neutrófilos, eosinófilos, basófilos, monó-
freqüente da circulação extracorpórea, por citos e linfócitos. Sua distribuição
trauma físico. percentual no sangue periférico corres-
O tratamento mais utilizado para pre- ponde à da tabela 6.2.
venir as conseqüências da hemólise exces- Os neutrófilos no sangue periférico se
siva consiste em administrar bicarbonato distribuem em formas jovens, com o nú-
de sódio, para alcalinizar o plasma e a uri- cleo em bastão e formas adultas, com o
na, inibindo a cristalização da hemoglobi- núcleo segmentado.
na livre. Administra-se ainda o manitol, Os três primeiros tipos de leucócitos,
na tentativa de promover a lavagem dos
túbulos renais, por uma diurese osmótica
abundante.

LEUCÓCITOS
O organismo possui um eficiente sis-
tema de combate aos diferentes agentes
agressores, tóxicos ou infecciosos como
bactérias, fungos, vírus e parasitas. Este Tabela 6.2.Tipos de leucócitos no sangue periférico.

115
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

os neutrófilos os eosinófilos e os basófilos imunológico, na resposta às invasões por


são chamados de leucócitos polimorfonu- agentes estranhos. Os linfócitos T e os
cleares porque tem núcleos com dois ou linfócitos B podem ser produzidos nos te-
mais lobos. Além desta característica dos cidos linfóides e na medula óssea. Os
núcleos, os leucócitos polimorfonucleares linfócitos T ativados podem destruir um
apresentam granulações no interior do seu agente invasor do organismo, enquanto os
citoplasma, sendo, por essa razão, também linfócitos B produzem anti-corpos contra
chamados de granulócitos. os agentes invasores. Ao reconhecer um
Os monócitos e os linfócitos tem nú- antígeno, os linfócitos T estimulam os
cleo simples, e não tem granulações no linfócitos B a produzir anti-corpos especí-
citoplasma, sendo conhecidos como leucó- ficos para aquele antígeno.
citos agranulócitos. Os neutrófilos e os monócitos atacam
Os leucócitos formados na medula ós- e destroem as bactérias, vírus invasores e
sea, especialmente os granulócitos, ficam qualquer outro agente lesivo. Ao penetrar
armazenados na medula. Vários fatores nos tecidos, os neutrófilos intumescem, au-
podem promover a sua liberação no siste- mentam de tamanho e, ao mesmo tempo,
ma circulatório, quando necessários. desenvolvem no citoplasma, um número
O tempo de vida dos leucócitos em cir- elevado de lisossomas e de mitocôndrias,
culação no sangue é curto. A maior parte que possuem grânulos. Estas células au-
deles fica armazenada e só vai para a circu- mentadas denominam-se macrófagos, que
lação quando requisitada. Após serem li- tem grande atividade no combate aos agen-
berados da medula óssea, passam de seis a tes patogênicos.
oito horas circulando no sangue e duram Os neutrófilos e os monócitos se mo-
de dois a três dias nos tecidos. Quando há vimentam rapidamente através das pare-
infecção localizada nos tecidos, o tempo des dos capilares sanguíneos; podem des-
dos leucócitos em circulação é ainda me- locar-se até três vezes o seu próprio com-
nor, porque vão direto à área infectada, primento a cada minuto.
onde ingerem os organismos invasores e a A função mais importante dos neutrófilos
seguir são destruidos. e macrófagos é a fagocitose. Os neutrófilos
Os monócitos passam pouco tempo na ingerem e digerem as partículas estranhas,
circulação, porque vão direto aos tecidos, até que alguma substância tóxica ou enzima
onde aumentam de tamanho e podem so- liberadas no seu interior os destruam. Nor-
breviver até alguns meses antes de serem malmente, isto ocorre depois que o
destruidos. neutrófilo tenha fagocitado cerca de 5 a
Os linfócitos entram no sistema circu- 25 bactérias. Em seguida, os macrófagos
latório de forma contínua e permanecem fagocitam os neutrófilos mortos.
no sangue apenas por algumas horas. Os
linfócitos são os leocócitos mais comple- EOSINÓFILOS E BASÓFILOS
xos e atuam em conjunto com o sistema Ao surgir uma proteina estranha no

116
CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

organismo, os eosinófilos entram na circu- Quando a medula óssea interrompe a


lação em grandes quantidades. Os eosinó- produção de leucócitos, o organismo fica
filos são também importantes na destrui- desprotegido contra agentes invasores
ção de coágulos velhos ou organizados. Fi- bacterianos ou de outra natureza. A inabi-
cam armazenados nos tecidos, onde lidade para produzir leucócitos na medula
ocorrem as reações antígeno-anticorpo. óssea é conhecida como agranulocitose.
Tem a propriedade de fagocitar e digerir o Diversos medicamentos e alguns hipnóti-
complexo antígeno-anticorpo, após o pro- cos barbitúricos podem produzir agranulo-
cesso imune ter desempenhado suas fun- citose, por inibição da medula óssea.
ções. Durante as reações alérgicas, a produ-
ção de eosinófilos pela medula óssea é au- OS LEUCÓCITOS
mentada. Os eosinófilos só atingem as áreas DURANTE A PERFUSÃO
inflamadas nas fases finais do processo infla- A circulação extracorpórea ativa os
matório. A maior importância dos eosinófi- neutrófilos por diversos mecanismos,
los é na detoxificação de proteinas estranhas dentre os quais a liberação de frações do
e nos mecanismos de alergia. Os eosinófi- complemento e de calicreina, além de
los possuem receptores para as imunoglo- outros fatores. Os neutrófilos, quando
bulinas IgE e IgG e para algumas proteinas ativados, liberam substâncias que contri-
do sistema do complemento. buem para a gênese da reação inflama-
A função dos basófilos parece estar re- tória generalizada que a circulação ex-
lacionada à liberação de heparina no local tracorpórea determina. Alguns radicais
de uma agressão, para impedir a coagula- tóxicos e peroxidases são também produ-
ção no sangue. Os basófilos no sangue tos liberados pelos leucócitos ativados.
circulante se localizam perto da parede dos Durante a perfusão, os neutrófilos ten-
capilares. O sangue transporta os basófilos dem a se acumular nos pulmões, onde
para os tecidos, onde se transformam em seus produtos tóxicos produzem aumen-
mastócitos e liberam heparina, histamina to da permeabilidade vascular e edema
e quantidades menores de bradicinina e intersticial.
serotonina. Eles são muito importantes em Os leucócitos ativados liberam radi-
alguns tipos de reações alérgicas, porque o cais livres de oxigênio que em determi-
tipo de imunoglobulina ligado à estas rea- nadas circunstâncias podem produzir
ções é a IgE, que tem propensão a se fixar oclusão microvascular. Os efeitos desses
aos mastócitos e basófilos. Nesta ocasião, radicais são melhor conhecidos durante
o antígeno específico reage com o anticor- a fase de reperfusão coronariana, após o
po e esta reação faz com que o mastócito desclampeamento da aorta. Uma quan-
se rompa, liberando histamina, bradicinina tidade de agentes produzidos pelos leu-
e serotonina que provocam as reações dos cócitos participam ativamente das rea-
vasos sanguíneos dos tecidos, que consti- ções que constituem a resposta inflama-
tuem as manifestações da alergia. tória sistêmica do organismo (RISO).

117
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

PLAQUETAS
As plaquetas são corpúsculos ou frag-
mentos de células gigantes, os megacarió-
citos, formadas na medula óssea. Elas tem
a forma de discos diminutos arredondados,
e na realidade, não representam células e
sim corpúsculos celulares. Os magacario-
citos se fragmentam em plaquetas, que são Tabela 6.3. Principais propriedades das plaquetas.

liberadas na circulação sanguínea.


As plaquetas não tem núcleo; seu diâ- as plaquetas possam aderir umas às outras,
metro médio é de 1,5 μ (micron) e a espes- constituindo grumos plaquetários que são
sura varia de 0,5 a 1 m. a origem do futuro coágulo. A serotonina
As plaquetas são de fundamental im- liberada pelas plaquetas estimula a
portância nos processos de hemostasia e adesividade e a aglutinação, além de pro-
coagulação do sangue. Quando oocorre duzir vasodilatação local. Os fatores
lesão do endotélio de um vaso sanguíneo, plaquetários III e IV participam das rea-
as plaquetas são ativadas, aderem ao local ções da cascata da coagulação. As plaque-
da lesão e aglutinam-se umas às outras. Ao tas participam ainda, em conjunto com a
mesmo tempo liberam substâncias que ati- fibrina da elaboração de um coágulo final,
vam outras plaquetas promovendo a for- cuja retração produz uma massa firme, com
mação de grumos plaquetários, que obstru- expulsão do soro do seu interior.
em o local da lesão do vaso e, em última A estrutura interna das plaquetas é
análise, promovem a interrupção da perda bastante complexa, quando analisada ao
sanguínea. Essa é a principal função das microscópio eletrônico (Fig. 6.5). Uma ca-
plaquetas no fenômeno de hemostasia. mada externa, chamada glicocálice, rica em
Além disso, as plaquetas participam ativa- glicoproteinas, envolve as plaquetas e con-
mente da cascata da coagulação do san- tém receptores para diversos agentes ca-
gue, liberando várias proteinas e lipopro- pazes de ativar as plaquetas. Algumas
teinas que ativam determinados fatores da glicoproteinas da camada de revestimento
coagulação. da membrana plaquetária são importantes
As propriedades mais importantes das para as funções de adesividade e agrega-
plaquetas, relacionadas à sua participação ção. Abaixo dessa camada glicoproteica
nos mecanismos da hemostasia e da coa- existe a membrana plaquetária, que tem
gulação do sangue estão relacionadas na três lâminas. Em contato com a lâmina mais
tabela 6.3. interna da membrana da plaqueta existe
A adesividade permite que a plaqueta um conjunto de filamentos especializados,
possa aderir ao endotélio vascular lesado próximos de um sistema canalicular, com
ou à qualquer outra superfície diferente do diversos canalículos, que penetram no in-
endotélio normal. A agregação permite que terior das plaquetas, chamado sistema

118
CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

cipa da coagulação do sangue, e contém


ainda betatromboglobulina e fibrinogênio.
Os grânulos densos contém reservas de
difosfato de adenosina (ADP), trifosfato de
adenosina (ATP), cálcio e serotonina.
Outros grânulos do citoplasma contém ain-
da catalase, fosfatase ácida e outras
enzimas. O sistema tubular denso contém
ciclo-oxigenase que converte o ácido
aracdônico da membrana em prostaglan-
dinas e em tromboxano A2, que é a subs-
Fig. 6.5. Diagrama da plaqueta vista ao mocroscópio tância vasoconstritora mais potente do orga-
eletrônico. Indica a composição da membrana e de
numerosas estruturas e organelas intra-plaquetárias, nismo, cujo metabolito é o tromboxano B2.
conforme a descrição do texto.
A adesão e a agregação das plaquetas
podem ser estimuladas por uma série de
canalicular aberto. Esse sistema canalicular substâncias, chamados agentes agregantes,
aumenta bastante a área da superfície da como ADP, adrenalina, trombina, coláge-
plaqueta e permite a expulsão de produtos no, vasopressina, serotonina, ácido arac-
secretados para o plasma. O citoplasma das dônico e tromboxano A2. Estes agentes
plaquetas é viscoso e contém numerosas agregantes estimulam receptores da superfí-
organelas e grânulos. No citoplasma existem cie das plaquetas, que liberam cálcio no
microfilamentos e túbulos densos, que contém citoplasma e desencadeiam a sua contração
actina e miosina e contribuem para man- e a compressão das organelas e grânulos.
ter a forma discoide, bem como para for- O A.T.P. (trifosfato de adenosina), li-
mar alongamentos ou pseudópodos, além berado pelas plaquetas, fornece energia
de contrair as plaquetas, quando estimu- para a formação de um coágulo firme e
ladas pelo aumento do cálcio no interior estável.
do citoplasma. A contração desses micro- A concentração normal das plaquetas
filamentos comprime as organelas e grânu- no sangue é de 150.000 a 400.000 por mi-
los do citoplasma, e expremem o seu con- lilitro de sangue. Cerca de 30.000 plaque-
teúdo para o plasma através do sistema tas são formadas por dia, para cada milili-
canalicular aberto, constituindo um sofis- tro de sangue; as plaquetas circulantes são
ticado mecanismo de liberação das diver- totalmente substituidas a cada 10 dias. A
sas substâncias produzidas pelas plaquetas. quantidade mínima de plaquetas capaz de
As organelas e os grânulos do interior assegurar a hemostasia adequada oscila em
do citoplasma são de vários tipos, como as torno de 50.000 por mililitro de sangue. É
mitocôndrias, os grânulos densos e os grânu- necessário, contudo, que as plaquetas te-
los alfa, principalmente. Os grânulos alfa nham função normal, para que a
contém o fator IV plaquetário, que parti- hemostasia se processe adequadamente. As

119
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

plaquetas danificadas se mantém na circu- as plaquetas; seu uso prolongado é associ-


lação porém, sua atividade fica prejudica- ado a redução do número de plaquetas
da, não sendo eficazes para a manutenção circulantes. A trombocitopenia observada
da hemostasia. na perfusão também é resultado da ação da
heparina utilizada para a anticoagulação.
AS PLAQUETAS NA Nos primeiros minutos da perfusão,
CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA ocorre um rápido desaparecimento das pla-
As plaquetas sofrem alterações bas- quetas do sangue circulante. Essa redução
tante significativas durante a circulação do número de plaquetas independe da he-
extracorpórea, que resultam em dificul- modiluição e ocorre tanto com os oxige-
dades com a hemostasia e a coagulação nadores de bolhas como com os oxigena-
do sangue. dores de membranas, sendo, contudo, mais
O início da perfusão se acompanha de acentuada nos primeiros, devido à interface
adsorção e deposição de proteinas do plas- com o gás (Fig. 6.6).
ma nas superfícies internas dos tubos, oxi- A conseqüência mais importante do
genadores e filtros, especialmente fibrino- contato das plaquetas com os circuitos da
gênio, gamaglobulinas e em menor propor- circulação extracorpórea é a redução da
ção, a albumina. Forma-se uma verdadeira capacidade de agregação, causa das difi-
camada de revestimento proteico, que em culdades com a hemostasia, logo após o fi-
cinco segundos tem a espessura de aproxi- nal da perfusão.
madamente 5 Angstron e, em 1 minuto de As plaquetas reagem sempre do mes-
perfusão, alcança a espessura de 125 mo modo aos diversos estímulos a que são
Angstron. Outras proteinas, inclusive fa- submetidas. O contato das plaquetas com
tores de coagulação e lipoproteinas, são as superfícies não endoteliais dos circuitos
também adsorvidas, porém em menores e aparelhos da circulação extracorpórea
quantidades que o fibrinogênio. Sobre esse
revestimento proteico, rico em fibrinogê-
nio, depositam-se plaquetas que são, dessa
forma, seqüestradas da circulação.
Antes do início da perfusão, certos pro-
dutos liberados pela incisão dos tecidos,
como a tromboplastina tissular, estimulam
as plaquetas de forma a reduzir a resposta
ao estímulo agregante da adenosina em
cerca de 40%. Esta redução da capacidade
funcional das plaquetas coincide com a ele-
vação do nível de tromboxano B2 no plas- Fig. 6.6. Alterações da quantidade de plaquetas
circulantes durante perfusão com oxigenadores de bolhas
ma, de duas a quatro vêzes o valor inicial. e de membranas. Nos oxigenadores de membranas, a
A heparina tem um efeito direto sobre recuperação do número de plaquetas é mais rápida.

120
CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

provoca a ativação plaquetária, que ocor- O número de plaquetas inativadas, de


re em quatro fases sucessivas: forma discóide aos 8 minutos de perfusão
1. Alterações da forma da plaqueta; é de aproximadamente 57% do normal.
2. Agregação primária; Após os primeiros 15 minutos da perfusão
3. Agregação secundária; parece haver uma pequena recuperação das
4. Depleção do conteudo granular. plaquetas que mudaram de forma; a seguir
Imediatamente após o contato com as as alterações se estabilizam e persistem em
superfícies estranhas do circuito, os elemen- um mesmo nível até o final da perfusão.
tos contráteis do citoplasma das plaquetas Nesta fase, o troboxano B2 está elevado;
produzem modificações da sua forma, tor- seus valores, contudo, dependem de vari-
nando-as globosas, mais arredondadas. Em ações individuais.
seguida, as plaquetas formam pequenos O ponto máximo de redução da fun-
aglomerados que podem ser desfeitos com ção plaquetária ocorre logo após a admi-
facilidade, denominados agregados primá- nistração da protamina. Após a perfusão,
rios. Quando o estímulo que ativa as pla- e até o final das primeiras 24 horas, o nú-
quetas é de grande intensidade, os agrega- mero de plaquetas circulantes permanece
dos primários transformam-se em agrega- baixo, ligeiramente acima de 120 a 130.000/
dos secundários, que já não se dissolvem, ml. Os indicadores da função plaquetária
formando agregados irreversíveis. O está- vão se recuperando progressivamente.
gio final da ativação das plaquetas é a fase Existe correlação entre a estrutura
de liberação ou depleção. Diversas subs- microscópica das plaquetas e a sua fun-
tâncias são liberadas das organelas e grâ- ção, inclusive a secreção e eliminação de
nulos das plaquetas, para o plasma, das seus produtos.
quais as principais são o fator IV Pela microscopia eletrônica, o número
plaquetário, betatromboglobulina, fibrino- de plaquetas funcionalmente normais caiu
gênio e outras substâncias dos grânulos alfa. de 96% para 54%, oito minutos após o iní-
As granulações densas liberam ADP, ATP, cio da perfusão, o que significa que, prati-
cálcio e serotonina. camente, metade das plaquetas foi ativa-
As fases iniciais, de alterações da for- da por oito minutos de circulação extra-
ma das plaquetas e a formação dos agrega- corpórea. Próximo ao final da perfusão há
dos primários, são reversíveis. As fases ir- um aumento considerável do teor de subs-
reversíveis dependem da intensidade do tâncias liberadas pelas plaquetas no plas-
estímulo e apenas ocorrem na circulação ma, devido à destruição de plaquetas e à
extracorpórea, quando o traumatismo é formação de agregados secundários. Ou-
muito intenso. tros estudos realizados com auxílio da
O número de plaquetas 3 minutos agregometria, com e sem estimulação pelo
após o início da perfusão é de aproxima- ADP, mostraram resultados semelhantes
damente 78% do normal, caindo para aos da microscopia eletrônica.
70% após 5 minutos. A hemodiluição causa trombo-

121
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

citopenia, pelo efeito dilucional sobre as molécula, em condições habituais, não


plaquetas. Numerosas plaquetas são tam- atravessam a membrana capilar, permane-
bém seqüestradas pelo baço e pelo fígado, cendo no plasma. Outras substâncias dis-
retornando à circulação, após a saida de solvidas no plasma e as moléculas de água,
perfusão. A quantidade normal de plaque- contudo, se difundem livremente. A saída
tas de 150.000 a 300.000/mm3 cai, duran- da água do plasma através os capilares é
te a circulação extracorpórea, para cerca controlada pela pressão coloido-osmótica
de 100.000/mm3 e, ocasionalmente, para e pelo estado da permeabilidade das mem-
valores mais baixos. branas; o que equivale dizer que as protei-
A reversão das alterações das plaque- nas extraem água dos tecidos para os capi-
tas na perfusão não é imediata e parece lares, mas, dificultam a sua saída dos capi-
durar 6 a 8 horas, durante as quais podem lares para os tecidos. A albumina é o
persistir alterações de diversos gráus na principal responsável pela manutenção da
hemostasia. pressão coloido-osmótica do plasma.
Quando a hemostasia é difícil usa-se in- O volume médio de sangue de um adul-
fundir concentrado de plaquetas na quanti- to normal, de 60 ml/Kg de peso, correspon-
dade aproximada de 1 unidade de concen- de aproximadamente a 35 ml de plasma e
trado para cada 10 Kg de peso do paciente, 25 ml de hemácias por cada quilograma,
até um máximo de 5 a 6 unidades. As pla- quando o hematócrito está normal.
quetas preservadas em refrigerador, contudo, A concentração de proteinas no plas-
também tem a função deprimida e a recu- ma é três vezes maior que no líquido in-
peração completa da sua função após a tersticial.
transfusão, também não é imediata.
PROTEINAS PLASMÁTICAS
PLASMA As proteinas são o principal componen-
A fase líquida, não celular, do sangue, te do plasma; as suas moléculas são de gran-
é constituida pelo plasma sanguíneo. O des dimensões e de elevado peso molecular;
plasma é uma solução amarelo pálida ou são responsáveis por diversas característi-
âmbar, viscosa, cuja composição tem 91% cas biofísicas do plasma, tais como a den-
de água e 9% de substâncias dissolvidas. sidade, a viscosidade e a pressão osmótica.
As principais substâncias em solução no As proteinas plasmáticas participam dos
plasma são as proteinas, hidratos de car- processos de nutrição, coagulação, regula-
bono, lipídeos, eletrólitos, pigmentos, vi- ção do equilíbrio ácido-base e da imunida-
taminas e hormônios. de do organismo.
O plasma permite o livre intercâmbio As proteinas do plasma são de três ti-
de diversos dos seus componentes com o pos principais, a albumina, as globulinas e
líquido intersticial, através dos poros exis- o fibrinogênio.
tentes na membrana capilar. As proteinas A albumina tem o peso molecular de
plasmáticas, devido às dimensões da sua 69.000 Dalton e corresponde a 55% do total

122
CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

de proteinas plasmáticas, ou seja 4 a 6 g%. GRUPOS SANGUÍNEOS


A sua principal função está relacionada à O sangue dos diferentes indivíduos
manutenção da pressão coloido-osmótica. possui propriedades antigênicas e imunes
As globulinas, tem o peso molecular en- distintas. Anticorpos existentes no plasma
tre 80.000 e 200.000 Dalton; correspondem de um indivíduo, podem reagir com os
a três tipos principais: alfaglobulinas, antígenos existentes nas hemácias de ou-
betaglobulinas e gamaglobulinas. Juntas, as tro indivíduo. Raramente, os antígenos e
globulinas correspondem a 38% do total os anticorpos de dois indivíduos, são iguais.
de proteinas. As globulinas alfa e beta trans- Quando ocorrem hemorragias ou ane-
portam diversas substâncias ligadas às suas mia, freqüentemente são necessárias trans-
moléculas, para todo o organismo. As fusões de sangue para repor a volemia e
gamaglo-bulinas e algumas betaglobulinas recompor a dinâmica circulatória. A trans-
participam do sistema de defesa e nos me- fusão de sangue entre dois indivíduos deve
canismos de imunidade e alergia. respeitar a presença dos antígenos especi-
O fibrinogênio tem peso molecular en- ais dos góbulos vermelhos e dos anticorpos
tre 350.000 e 400.000 Dalton; correspon- do plasma sanguíneo. Testes simples de la-
de a 7% do total de proteinas do plasma. boratório, permitem determinar o grupo
O fibrinogênio é fundamental nos fenôme- sanguíneo dos indivíduos ou a presença dos
nos da coagulação sanguínea. Existe entre antígenos e anticorpos existentes no san-
100 e 700 mg de fibrinogênio em cada gue do doador e do receptor da transfusão.
100ml de plasma. O fibrinogênio é forma- A transfusão de sangue entre indivíduos
do no fígado e, devido ao seu grande peso de grupos sanguíneos não compatíveis,
molecular, não costuma passar para o lí- determina reações de aglutinação dos
quido intersticial. Contudo, quando a per- eritrócitos, hemólise e outras reações mais
meabilidade dos capilares está aumentada, severas que podem produzir a morte.
o fibrinogênio pode surgir no interstício, Foram identificados aproximadamen-
em quantidades suficientes para permitir te trezentos antígenos nas células san-
coagulação. guíneas humanas, dos quais apenas trin-
As proteinas plasmáticas são muito ta tem ocorrência relativamente freqüen-
sensíveis aos diversos tipos de traumatis- te. Os demais surgem apenas em algumas
mos, inclusive o térmico. Se submetidas à pessoas de determinadas famílias, e são
temperaturas elevadas, da ordem de 45o C, muito raros.
podem ser desnaturadas ou destruidas, per- Os antígenos existentes nas hemácias
dendo as suas funções. são constituidos de glicolipídeos ou
Os demais constituintes do plasma são mucopolissacarídeos. Dentre os antígenos
importantes no equilíbrio eletrolítico, na conhecidos, dois grupos ou sistemas, ocor-
nutrição dos tecidos, no equilíbrio ácido- rem em todos os indivíduos e podem cau-
básico e no controle e regulação hormonal sar reações de incompatibilidade nas trans-
do organismo. fusões. São o sistema de antígenos ABO e

123
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

o sistema de antígenos Rh. O sangue é clas- Esses antígenos das hemácias também são
sificado em grupos, conforme a presença conhecidos como aglutinógenos, pela sua
dos antígenos do sistema ABO nas hemá- capacidade de produzir aglutinação das
cias e em tipos, conforme a presença dos células do sangue.
antígenos Rh no plasma.
ANTICORPOS DO PLASMA
SISTEMA ABO No plasma sanguíneo existem anticor-
Na superfície das hemácias podem exis- pos produzidos por determinação genética
tir dois antígenos específicos desse sistema, de cada um dos genótipos. Os indivíduos
denominados antígeno A e antígeno B. De- com sangue do grupo A, que tem o antígeno
vido ao modo de transmissão hereditária des- A nas hemácias, possuem os anticorpos
ses antígenos, os diferentes indivíduos podem anti-B. Os indivíduos com sangue do gru-
ter apenas um dos antígenos, ambos ou ne- po B, tem anticorpos anti-A; os indivíduos
nhum dos antígenos, em suas hemácias. do grupo AB não tem anticorpos e os indi-
A presença dos antígenos A e B é de- víduos do grupo O possuem ambos os an-
terminada por genes que existem em ticorpos, anti-A e anti-B. Os anticorpos do
cromossomas adjacentes, um gene em cada plasma sanguíneo também são chamados
cromossoma. A presença dos genes deter- de aglutininas, pela sua capacidade de re-
mina se a hemácia irá conter o antígeno. agir com os antígenos das hemácias pro-
Por essa razão, existem seis possibilidades duzindo aglutinação celular (Tabela 6.4).
de combinações genéticas, uma vez que As aglutininas (anticorpos) são gama-
cada indivíduo recebe dois genes, um de globulinas, e a sua maior parte correspon-
cada progenitor. As possibilidades genéti- de a moléculas de imunoglobulinas das fra-
cas são OO, OA, OB, AA, BB e AB. Essas ções IgM e IgG.
combinações de genes são conhecidas As aglutininas só começam a ser for-
como genótipos; cada indivíduo possui um madas após o nascimento, estando com-
dos seis diferentes genótipos. O genótipo pletas, após os primeiros meses de idade.
OO determina a presença do grupo san-
guíneo O; os genótipos OA e AA determi- SISTEMA OU FATOR Rh
nam o grupo sanguíneo A; os genótipos OB Além dos grupos sanguíneos O,A,B e
e BB determinam o grupo sanguíneo B, AB outros sistemas de antígenos determi-
enquanto o genótipo AB determina o gru-
po sanguíneo AB.
O sangue do grupo A contém hemáci-
as com o antígeno A e o sangue do grupo
B contém hemácias com o antígeno B. O
sangue do grupo AB contém hemácias com
os antígenos A e B e o sangue do grupo O
Tabela 6.4. Características dos Diferentes Grupos
contém hemácias sem nenhum antígeno. Sanguineos.

124
CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

nam características do sangue, dos quais o dois sistemas A-B-O e Rh, a distribuição
mais importante é o sistema ou fator Rh. dos diferentes tipos sanguíneos na popula-
Existem seis tipos comuns de antíge- ção, passa a ser a da tabela 6.6.
nos Rh, designados por C, D, E, c, d, e.
Um indivíduo que tem o antígeno C, não
terá o antígeno c; ao contrário, o indiví-
duo que não tem o antígeno C, sempre
terá o antígeno c. A mesma relação ocor-
re com os antígenos D-d e E-e. A forma Tabela 6.5. Grupos sanguíneos na população geral.
de transmissão dos caracteres relaciona-
dos ao fator Rh, faz com que cada pessoa
tenha um antígeno de cada um dos três
pares. Os antígenos C, D e E, podem es-
timular o desenvolvimento de anticorpos
anti-Rh, que causam reações às transfu-
sões. Os indivíduos que possuem um dos
três antígenos, C,D ou E são chamados
de Rh(+), ou Rh positivo. Os demais in-
divíduos, que possuem os antígenos c, d Tabela 6.6. Incidência dos diferentes tipos sanguíneos na
e, são chamados de Rh(-), ou Rh negati- população.

vo. Cerca de 85% dos indivíduos da po-


pulação branca são Rh positivo, enquan- Para determinar o grupo sanguíneo dos
to os restantes 15%, são Rh negativo. Isto indivíduos, duas gotas de sangue são colo-
significa, com relação ao sistema Rh que, cadas em lâminas de vidro e misturadas a
85% da população tem o fator Rh pre- amostras de soros que contém os anticorpos
sente no sangue, enquanto 15% não tem anti-A e anti-B; observa-se o comporta-
o fator Rh. Na população negra ameri- mento da mistura. Se houver aglutinação
cana, cerca de 95% dos indivíduos são com o soro anti-A, o sangue será do grupo
do tipo Rh positivo. A; se houver aglutinação com o soro anti-
Outros fatores existentes, como os B, o sangue será do grupo B; se houver aglu-
antígenos M, N, S, P, Kell, Lewis, Duffy, tinação com os dois soros, o sangue será
Kidd, Diego e Lutheran, podem ser im- do grupo AB e, se não houver aglutinação,
portantes em circunstâncias especiais, o sangue será do grupo O.
não sendo, contudo, testados na prática A determinação da presença do fator
clínica diária. Rh é feita de modo semelhante. O soro para
A distribuição dos diferentes grupos o teste contém anticorpos anti-Rh. Se hou-
sanguíneos na população de acordo com o ver aglutinação, o sangue será do tipo Rh
sistema ABO é a da tabela 6.5. Quando positivo. Quando não há aglutinação, o
levamos em consideração a presença dos sangue é do tipo Rh negativo.

125
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

TRANSFUSÃO DE SANGUE ro doador universal é o tipo O Rh negati-


A transfusão de sangue entre diferen- vo, que pode ser administrado a qualquer
tes indivíduos é possível, respeitando-se a grupo sanguíneo, com qualquer tipo de fa-
presença dos antígenos e anticorpos, o que tor Rh. O diagrama da figura 6.7 mmostra
significa, na prática, a determinação da o sentido em que as transfusões podem ser
compatibilidade entre o sangue doador e o feitas, segundo os diferentes grupos sanguí-
sangue do indivíduo receptor. neos do sistema ABO.
Em geral, a transfusão de sangue deve
respeitar os grupos sanguíneos, cada qual REAÇÕES ÁS TRANSFUSÕES
podendo servir como doador para indiví- Antes de se fazer uma transfusão de
duos do mesmo grupo, após o resultados sangue, é necessário determinar o grupo
das provas cruzadas. Em condições excep- sanguíneo do receptor e do doador e fa-
cionais, contudo, pode-se admitir a trans- zer a “prova cruzada”, ou seja testar o re-
fusão entre indivíduos de grupos diferen- sultado da mistura do soro do receptor
tes, desde que exista compatibilidade. com o sangue do doador. A ocorrência de
O sangue do grupo O não tem aglutinação das hemácias indica incom-
antígenos e, portanto, pode ser doado a patibilidade.
qualquer indivíduo do mesmo grupo, ou dos As reações às transfusões por incom-
grupos A, B ou AB. Entretanto, o sangue patibilidade de grupos sanguíneos, inclu-
do grupo O tem ambos os anticorpos anti- em a hemólise dos eritrócitos, que pode ser
A e o anti-B e, dessa forma, o indivíduo do intensa, reações alérgicas de diversos gráus
grupo O, somente poderá receber sangue e, ao choque anafilático.
do mesmo grupo. O doador de sangue do Outro tipo de reação às transfusões é a
grupo A, poderá doar ao receptor A; o gru- insuficiência renal aguda, que, nessas cir-
po B, poderá doar ao receptor B. As pesso- cunstâncias, se acompanha de mortalida-
as que tem sangue do grupo AB, podem
receber doação de qualquer tipo de san- Orientação das transfusões de sangue
A
gue, porque o tipo de sangue AB, não pos-
sui anticorpos. Essas pessoas, são chama- O AB

das de receptores universais. Todos os que B


tem o sangue tipo O, tem anticorpos anti- Grupo O: doador universal
Grupo AB: receptor universal
A e anti-B, e por isso podem doar seu san-
gue a qualquer pessoa, mas só podem re- Fig. 6.7. Diagrama que representa o sentido em que as
transfusões de sangue são possíveis entre os diferentes
ceber sangue do grupo O, são chamadas indivíduos. Os indivíduos do grupo O, apenas podem
receber o sangue do seu próprio grupo sanguíneo,porém
doadores universais. As pessoas com Rh podem doas para os demais, A, B e AB. Os indivíduos do
positivo, só podem doar e receber sangue grupo A, podem doar para o mesmo grupo e para o grupo
AB, bem como podem receber do grupo O. Os do grupo B,
de outro Rh positivo. Quem tem Rh nega- podem doar para o mesmo grupo e para o grupo AB; podem
contudo, receber do grupo O. Finalmente, os indivíduos
tivo, pode doar para um Rh positivo, mas do grupo AB podem doar apenas para os indivíduos do
só pode receber Rh negativo. O verdadei- mesmo grupo e podem receber dos demais grupos.

126
CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

de superior a 50%. A insuficiência renal agu- Alguns indivíduos são portadores dos
da é causada pela reação antígeno-anticor- agentes causadores das doenças, mas não
po, com liberação acentuada de substân- apresentam os seus sintomas ou sinais. São
cias tóxicas que produzem intensa vaso- chamados de portadores sadios. Quando o
constrição renal. A hemólise dos eritrócitos sangue destes portadores é doado, transmi-
circulantes, a queda da pressão arterial, o te a doença ao receptor, quase sempre de
fluxo renal reduzido e o débito urinário uma forma aguda e de evolução rápida.
baixo, acompanham o quadro clínico. A É imprescindível verificar a presença
vasoconstrição renal e o choque circula- daquelas doenças, antes de liberar o san-
tório agem em conjunto, na origem da in- gue para a doação. Os portadores de vírus
suficiência renal. ou outros agentes infecciosos não podem
As reações anafiláticas são o resultado ser doadores, em nenhuma circunstância.
da ação das proteinas plasmáticas do doador, Os doadores de sangue, em nosso
mas, algumas vezes, podem ser devidas aos meio, são habitualmente testados para a
anticorpos do receptor que reagem com os presença de malária, doença de Chagas,
leucócitos do sangue transfundido, liberan- hepatites A, B,C e D, sífilis, e a presença
do inclusive a histamina dos basófilos. do vírus HIV, causador da AIDS.
Na atualidade, a grande preocupação
TRANSMISSÃO DE DOENÇAS com a transmissão de doenças por inter-
PELAS TRANSFUSÕES médio das transfusões, está diretamente re-
As transfusões de sangue ou dos seus lacionada aos riscos da transmissão do ví-
componentes não são procedimentos isen- rus da imunodeficiência adquirida (HIV)
tos de riscos. A transfusão de sangue cole- e outros não menos graves. A contamina-
tado de portadores de diversas doenças ção via transfusões, nos anos oitenta, viti-
pode contaminar os indivíduos receptores mou uma grande quantidade de hemofíli-
das transfusões. Numerosas doenças po- cos e outros receptores, em todo o mundo.
dem ser transmitidas pelas transfusões, das O vírus, aparentemente, pode permanecer
quais as mais importantes são as diversas no organismo por vários anos, sem que
formas de hepatites e outras viroses, malá- hajam manifestações da doença. Em de-
ria, doença de Chagas, sífilis e AIDS ou terminadas circunstâncias, contudo, a
SIDA (Síndrome da Imunodeficiência doença pode se manifestar muito rapi-
Adquirida), além de citomegalovirus e damente, após a transfusão do sangue
retroviroses transmitidas pelos vírus infectado pelo vírus.
HTLV-I e HTLV-II, dentre outras. A trans- Os elevados riscos da transmissão de
missão da doença de Creutzfeldt-Jacob, doenças pelas transfusões, tem estimulado
popularmente conhecida como uma vari- as equipes ao desenvolvimento de proto-
ante do “mal da vaca louca” em seres hu- colos especiais, visando à redução do uso
manos é objeto de numerosos estudos, de sangue, durante a cirurgia e a circula-
principalmente na Inglaterra. ção extracorpórea.

127
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

CUIDADOS NA CIRCULAÇÃO tidas pelo sangue, possivelmente pelo ma-


EXTRACORPÓREA nuseio durante a perfusão.
Nos dias atuais há uma extraordinária Diversos estudos tem demonstrado a
tendência à eliminar o uso de sangue ou, eficiência das medidas preventivas simples,
pelo menos, reduzir o seu emprego na mai- para proteção do pessoal contra contami-
oria dos procedimentos cirúrgicos de gran- nação acidental.
de porte. A expansão do vírus HIV exigiu a in-
Os cuidados com o manuseio do san- trodução de novas rotinas de cuidados no
gue, visam proteger não apenas os pacien- ambiente hospitalar, que privilegia a pro-
tes, mas também os profissionais que par- teção do pessoal que tem contato com os
ticipam dos procedimentos. pacientes.
Todos os indivíduos que manuseiam Além dos cuidados gerais contra o cru-
sangue, devem se precaver contra a possi- zamento de infecções, em casos de cirur-
bilidade de transmissão de doenças. As gia de pacientes portadores do vírus HIV,
hepatites B, C e D, por exemplo, tem con- recomenda-se, ao final do procedimento e
taminado incontáveis profissionais, entre antes do descarte dos equipamentos, cir-
cirurgiões, perfusionistas e enfermeiros de cular no oxigenador, cardiotomia e circui-
centro cirúrgico. Nos dias atuais, é alta- tos usados, uma solução de formaldeido a
mente recomendável a vacinação preven- 10%, com o objetivo de esterilizar o mate-
tiva de todo o pessoal do ambiente hospi- rial que vai ser desprezado. Esta medida é
talar, contra a hepatite B. O uso de luvas um importante complemento na proteção
de látex além da máscara facial, pelos per- contra infecção acidental do pessoal res-
fusionistas, é eficaz na prevenção contra a ponsável pelo manuseio do lixo hospitalar.
inoculação acidental de agentes do sangue
dos pacientes. As luvas devem ser usadas HEMOSTASIA E COAGULAÇÃO
não apenas durante o preparo do material DO SANGUE
e da perfusão, mas durante todo o tempo Normalmente o sangue flui no orga-
de contato com os equipamentos, até o seu nismo em contato com o endotélio vascular.
descarte final. A fluidez do sangue depende, além da in-
Em um estudo publicado em 1988, tegridade do endotélio, da velocidade do
Williams e cols. relatam a incidência de fluxo sanguíneo, do número de células san-
25% de infeccão de cirurgiões pelo vírus guíneas circulantes e, possivelmente, da
da hepatite B. Fry, em 1993 discutiu a esti- presença de heparina como anticoagulan-
mativa de 250 óbitos dentre o pessoal hos- te natural, produzido pelos mastócitos.
pitalar, no ano de 1992, em conseqüência Quando o sangue sai do interior dos
de infecção por hepatite B. Kurusz, em re- vasos, perde a fluidez, torna-se viscoso e
cente pesquisa nos Estados Unidos, encon- em pouco tempo forma um coágulo que,
trou que 4,6% do total de perfusionistas posteriormente se retrái, organiza ou dis-
em atividade contrairam doenças transmi- solve. Este é o fenômeno normal da

128
CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

hemostasia, que consiste de um conjunto lesão vascular. A primeira reação das pla-
de fenômenos que visam interromper a quetas em contato com superfícies não
perda continuada de sangue. revestidas por endotélio, mesmo que de
Existem três mecanismos principais, natureza biológica, é a adesão. Aquele con-
que se destinam a interromper a perda de tato ativa as plaquetas que, imediatamen-
sangue através de um vaso lesado, e que te, aderem à superfície não endotelial. A
constituem os alicerces da hemostasia. Es- seguir, as plaquetas entumescem, assumem
ses mecanismos são: resposta vascular, ati- formas irregulares com prolongamentos ou
vidade plaquetária e coagulação do sangue. pseudópodos, tornam-se pegajosas, secre-
tam e liberam grandes quantidades de
1. RESPOSTA VASCULAR enzimas, difosfato de adenosina (ADP) e
Quando um vaso sanguíneo é lesado, tromboxano A2. A presença da trombina
ocorre imediata contração da sua parede, contribui para acelerar a agregação das pla-
que reduz o fluxo de sangue no seu interi- quetas, enquanto o tromboxano A2 atua
or, na tentativa de interromper a perda de sobre as plaquetas próximas, agregando-as
sangue. A redução de calibre do vaso re- às plaquetas anteriormente ativadas, para
sulta da contração das suas fibras muscu- formar o grumo ou tampão. A serotonina
lares e o espasmo vascular local pode du- liberada pelas plaquetas, contribui para
rar até 20 ou 30 minutos. manter a vasoconstrição. A conversão do
Os tecidos injuriados liberam diversas trifosfato de adenosina em difosfato, libe-
substâncias, como serotonina, histamina e ra energia para manter a agregação das pla-
a tromboplastina tissular, modernamente quetas. O fator IV plaquetário inibe a ati-
denominada fator tissular, capaz de atuar vidade anticoagulante da heparina, para
nas duas vias da coagulação. Localmente, preservar o grumo e permitir a formação
a serotonina induz vasoconstrição que con- do coágulo.
tribui para a eficiência do mecanismo
vascular da hemostasia. Tanto a serotonina, 3. FORMAÇÃO DO COÁGULO
como a histamina, se liberadas em grandes O mecanismo hemostático final se
quantidades, são absorvidas e, na circula- constitui na modificação das proteinas do
ção sistêmica tem efeito vasodilatador, que plasma para a formação do coágulo no lo-
tende a reduzir a pressão arterial e, em con- cal da injúria do vaso, interrompendo a
seqüência minimizar a perda sanguínea. perda de sangue. Substâncias da parede
vascular lesada, das plaquetas, como o fa-
2. ATIVIDADE PLAQUETÁRIA tor III plaquetário, e proteinas plasmáticas
Quando as plaquetas ou trombócitos aderem à parede vascular lesada, inician-
entram em contato com os tecidos, no vaso do o processo de coagulação do sangue. A
lesado, aderem à região da injúria e agre- formação do coágulo é resultado de com-
gam-se a outras plaquetas, formando um plexas alterações de um conjunto de pro-
tampão plaquetário, que busca obstruir a teinas do plasma, cuja etapa final é a trans-

129
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

formação do fibrinogênio em fibrina. A bem a coagulação, sendo denominadas


fibrina é a matriz proteica do coágulo, que anticoagulantes. Em condições normais,
forma um emaranhado semelhante à uma predomina a ação das substâncias antico-
rede, em que ficam retidas as plaquetas e agulantes e o sangue circulante não coa-
as células vermelhas que participam do co- gula. Quando, entretanto, um vaso se rom-
águlo formado. pe, a atividade dos pró-coagulantes na área
O conjunto de proteinas plasmáticas lesada torna-se predominante e se desen-
que determinam a formação do coágulo é volve um coágulo.
chamado sistema de coagulação. De uma maneira simplificada, podemos
Após a sua formação, o coágulo sofre dizer que a formação do coágulo ocorre em
um processo de organização, que consiste três etapas principais: a. um complexo de
na invasão por fibroblastos que formarão substâncias, denominado ativador da
tecido conjuntivo cicatricial ou, simples- protrombina é formado, em resposta à rotura
mente pode ser dissolvido, como resultado de um vaso, b. o ativador da protrombina
da ação de enzimas proteolíticas. Em ge- promove a conversão da protrombina em
ral, ambos os mecanismos ocorrem; o mais trombina, e c. a trombina atua como uma
precoce é a lise ou dissolução de parte do enzima, para converter o fibrinogênio em
coágulo, enquanto a sua organização com- filamentos de fibrina, que retém as plaquetas,
pleta em tecido conjuntivo fibroso, demo- hemácias e plasma, formando o coágulo
ra de 5 a 10 dias. propriamente dito.
A formação do coágulo de fibrina é
SISTEMA DE COAGULAÇÃO iniciada pela ativação de um grupo de pro-
A hemostasia natural envolve meca- teinas do sangue, que constituem um sis-
nismos vasculares, plaquetários e das pro- tema complexo e não inteiramente conhe-
teinas plasmáticas, atuando em sinergia cido, denominado sistema de coagulação
para interromper a perda de sangue atra- do sangue. O sistema de coagulação funci-
vés um vaso seccionado. Durante os pro- ona “em cascata”, mediante reações em
cedimentos cirúrgicos a hemostasia é obti- cadeia, em que uma reação desencadeia ou
da por meios mecânicos e térmicos, como acelera a reação seguinte.
a ligadura dos vasos seccionados ou a co- As proteinas da cascata da coagulação,
agulação com o termocautério. circulam continuamente no sangue e são
A coagulação do sangue, cuja etapa fi- conhecidas como fatores da coagulação. Es-
nal é a conversão do fibrinogênio em ses fatores são representados internacional-
fibrina, envolve a participação de um gran- mente por algarismos romanos. Reagem em
de número de substâncias, possivelmente cadeia, em uma determinada seqüência,
mais de trinta, identificadas no sangue e diferente da sua seqüência numérica que
nos tecidos. Algumas dessas substâncias representa a ordem em que os fatores fo-
promovem a coagulação e são denomina- ram descobertos. A tabela 6.7, lista os fa-
das pró-coagulantes enquanto outras, ini- tores da coagulação pela ordem numérica,

130
CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

com os nomes pelos quais são mais conhe- A via mais comum é a via extrínseca,
cidos. Note que a relação não inclui o fa- que ocorre pela lesão de vasos sanguíneos
tor VI, que ainda não foi descrito. ou à partir de estímulos tissulares. Na via
Tradicionalmente a coagulação do san- extrínseca, uma substância dos tecidos, a
gue tem sido estudada de um modo simpli- tromboplastina (FT) é liberada no local da
ficado, para favorecer a compreensão des- injúria do endotélio vascular e desencadeia
se fenômeno de alta complexidade. Os me- as reações da coagulação. A tromboplastina
canismos da coagulação do sangue, tecidual ou fator III, se combina com o fa-
conforme a natureza do estímulo desenca- tor VII (acelerador da conversão da
deador, tem sido propostos como se ocor- protrombina do soro), na presença do fa-
ressem seguindo duas vias distintas, conhe- tor IV (cálcio), para ativar o fator X (
cidas como via intrínseca e via extrínseca, Stuart-Prower), conforme o diagrama da
capazes de serem ativadas simultânea ou figura 6.8.
separadamente, convergindo ambas para A via intrínseca envolve a ativação de
uma via terminal comum que consiste na um fator existente no sangue, o fator
formação do coágulo. A coagulação, con- Hageman (fator XII), também conhecido
tudo, na prática ocorre de um modo bas- como fator de ativação pelo contato. Este
tante diferente e as vias intrínseca e ex- fator se ativa ao contato com qualquer su-
trínsecas são interdependentes e sem limi- perfície que não seja o endotélio vascular
tes tão precisos quanto se aceitava, até e, em seguida ativa o fator XI. Ambos os
alguns anos passados. O fator tissular (FT) fatores forçam a ativação do fator IX que,
é o desencadeador do fenômeno da coa- por uma vez ativado, converte o fator VIII
gulação e pode atuar sobre fatores da coa-
gulação tanto da via intrínseca quanto da
via extrínseca.

Fig. 6.8. Representa a via extrínseca da coagulação do


sangue à partir da estimulação pela tromboplastina
Tabela 6.7. Fatores da coagulação do sangue. tissular.

131
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

(fator anti-hemofílico) à sua forma ativa, IV. Contudo, a ação mais importante da
que forma um complexo com o cálcio e um trombina ocorre sobre o fator I (fibrino-
fosfolipídeo (fator plaquetário III). Este gênio). A trombina fragmenta o fibrino-
complexo do fator VIII, cálcio e o gênio em um monômero da fibrina e dois
fosfolipídeo, ativa o fator X (Fig. 6.9). outros peptídeos, os fibrinopeptídeos A
As vias extrínseca e intrínseca de ati- e B. Os monômeros da fibrina se unem
vação da coagulação iniciam-se à partir de para formar os filamentos de fibrina, atra-
estímulos diferentes, mas convergem na vés a polimerização. Os filamentos de
ativação do fator X. O resultado da ativa- fibrina aderem entre sí, estimuladas pelo
ção da via extrínseca ou da via intrínseca fator XIII, o fator estabilizador da fibrina,
é o mesmo, a presença do fator X ativado. que exige a presença da trombina e do
A via extrínseca é mais veloz que a intrín- cálcio. A malha de fibrina resultante, en-
seca. À partir da ativação do fator X, ambas globa plaquetas, hemácias e plasma, for-
as vias, extrínseca e intrínseca, seguem a mando o coágulo definitivo. A antitrom-
mesma via comum de estimulação, até a bina III (ATIII) é um inibidor da
formação do coágulo final (Fig. 6.10). trombina circulante e contribui para im-
O fator X ativado, juntamente com pedir a polimerização da fibrina.
o fator V (pró-acelerina), o fator IV (Cál- As plaquetas retidas no interior dos
cio) e o fosfolipídeo convertem o fator II coágulos liberam certas substâncias pró-
(protrombina) em trombina. A trombina coagulantes. À medida que o coágulo se
estimula uma série de reações, como a retrai, as bordas dos vasos sanguíneos rom-
agregação plaquetária, a liberação de pidos aproximam-se, para o final da
serotonina, ADP e do fator plaquetário hemostasia.

Fig. 6.10. Representa a via comum da coagulação do


sangue, à partir da ativação do fator X (Stuart-Power). O
estímulo ativador inicial pode ter percorrido a via
extrínseca, a via intrínseca ou ambas as vias. A coagulação
Fig. 6.9. Representa a via intrínseca da coagulação do sempre ocorre através aquelas vias, independente da
sangue, à partir da ativação pelo fator XII (Hageman). natureza do estímulo inicial.

132
CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

Uma vez formado, um coágulo san- ativador do plasminogênio. Esse mecanis-


guíneo pode se estender ao sangue mo é de grande importância na manuten-
circundante, ou seja, o próprio coágulo ção do equilíbrio entre as forças que ten-
pode iniciar um ciclo vicioso para pro- dem a produzir coagulação e as que ten-
mover mais coagulação. Uma das causas dem a impedi-la.
desse fenômeno é a ação proteolítica da
trombina sobre diversos outros fatores da DOENÇAS HEMORRÁGICAS
coagulação, além do fibrinogênio. A Existem doenças que afetam os siste-
trombina possui um efeito proteolítico di- mas da hemostasia ou da coagulação e pre-
reto sobre a protrombina, que induz a for- dispõem os seus portadores a fenômenos
mação de mais trombina. Isto não ocor- hemorrágicos espontâneos ou desencade-
re regularmente no interior dos vasos por- ados por procedimentos cirúrgicos. Alte-
que o fluxo sanguíneo remove a trombina rações do fígado podem produzir deficiên-
e outros pró-coagulantes, liberados du- cia de vitamina K e produzir hemorragias,
rante o processo de coagulação, com em circunstâncias semelhantes. As princi-
grande rapidez. Contudo, pode ocorrer pais alterações da coagulação e da
com sangue extravasado para o pericárdio hemostasia são:
ou para o mediastino. 1. Deficiência de vitamina K
O sistema fibrinolítico, que dissolve os 2. Hemofilia
coágulos formados é incorporado ao siste- 3. Trombocitopenia
ma de hemostasia. A fibrinólise (dissolu- Algumas doenças hepáticas podem
ção do coágulo) depende do plasminogê- diminuir a formação de protrombina e
nio ou da pró-fibrinolisina, uma globulina dos fatores VII, IX e X. A vitamina K é
que, quando ativada, transforma-se em sintetizada por bactérias no aparelho
plasmina. A plasmina é uma enzima que gastro-intestinal. A deficiência da vita-
digere o filamento de fibrina e outras subs- mina K ocorre como resultado de absor-
tâncias como o fibrinogênio, o fator V, o ção insuficiente de gorduras e da vita-
fator VIII, a protrombina e o fator XII. mina, pelo aparelho gastrointestinal. A
A heparina atua no sistema de coagu- diminuição ou a ausência de bile impe-
lação, impedindo a ação da trombina so- dem a digestão e a absorção pelo apare-
bre o fibrinogênio, mediante a formação de lho gastrointestinal. Por essas razões, as
um complexo heparina-antitrombina III. doenças hepáticas podem diminuir a pro-
O sistema fibrinolítico é de extraordi- dução de vitamina K. Em um paciente
nária importância na delimitação da for- com deficiência de vitamina K, quando
mação de trombos intravasculares; é ati- seu fígado tem, pelo menos metade da
vado ao mesmo tempo que a cascata de função normal, a administração de vita-
coagulação. O ativador tissular do plasmi- mina K, pode promover a formação de
nogênio (t-Pa) é sintetisado pelas células fatores da coagulação em deficit no san-
endoteliais e funcionam como o principal gue circulante.

133
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

HEMOFILIA também produzir grande diminuição no nú-


Alguns tipos de deficiências hereditá- mero de plaquetas, abaixo do nível mínimo
rias da coagulação, que causam sangramen- necessário à hemostasia adequada.
to excessivo são as hemofilias. Cerca de Algumas crianças portadoras de cardi-
83% das pessoas que apresentam síndrome opatias congênitas cianóticas, com gráus
hemofílica, tem deficiências do fator VIII. elevados de poliglobulia e hematócrito su-
Deficiências do fator XI são apontadas em perior a 60%, podem apresentam distúrbi-
2% daqueles indivíduos. os da coagulação. Nestes casos, com freqü-
Modernamente consideram-se três ti- ência coexiste redução da concentração de
pos de hemofilias. A hemofilia clássica, alguns dos fatores da coagulação. Estas
conhecida como hemofilia A, que ocorre deficiências tornam-se manifestas imedi-
no sexo masculino é devida à deficiência atamente após a circulação extracorpórea.
da atividade hemostática do fator VIII. A Algumas vezes, embora o número de
hemofilia B resulta da deficiência do fator plaquetas circulantes seja normal, a sua
IX, enquanto a deficiência do fator XI da função é deficiente. Esta condição é co-
cascata da coagulação produz a hemofilia nhecida como trombastenia. Moderna-
C, que é a forma mais rara. mente a aspirina e uma variedade crescente
de agentes farmacológicos inibem as pro-
TROMBOCITOPENIA priedades de adesão plaquetária, como pre-
Trombocitopenia corresponde à redu- venção das tromboses, resultando em um
ção do número de plaquetas (trombócitos) fenômeno semelhante à trombastenia.
em circulação no sangue periférico. Esta
alteração predispõe os indivíduos à peque- TRANSPLANTES COM E
nas hemorragias em todos os tecidos do SEM COMPATIBILIDADE ABO
corpo. Estas hemorragias, em geral, provém O transplante de órgãos pode ser
dos capilares e não dos vasos maiores, como considerado um dos grandes avanços da
na hemofilia. A maior parte das pessoas que ciência médica do século XX. Não por
possuem trombocitopenia, desenvolve acaso, dentre os principais ganhadores
anticorpos específicos que destroem as pla- do Prêmio Nobel incluem-se alguns dos
quetas. Em alguns casos, esses anticorpos pesquisadores e pioneiros das técnicas de
apareceram em conseqüência de transfu- transplante de órgãos. O grande fascínio
sões de sangue recebidas, porém, em geral, exercido pelos transplantes de órgãos
a causa mais comum está relacionada à deve-se ao fato de que a técnica pode ser
alterações auto-imunes, que favorece o de- aplicada a uma variedade de órgãos, con-
senvolvimento de anticorpos contra as pró- tribuindo para a recuperação funcional
prias plaquetas. de indivíduos que, de outra forma, esta-
A lesão da medula óssea por irradiação, riam condenados à morte ou à uma exis-
a aplasia da medula por hipersensibilidade a tência com severas limitações.
medicamentos e a anemia perniciosa, podem A atual pletora de conhecimentos e

134
CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

potenciais aplicações das células-tronco tâncias especiais, cada vez mais raras. As
totipotenciais (embrionárias) tem desvi- incompatibilidades de outros sistemas san-
ado as atenções da comunidade científi- guíneos são detectadas pelas provas cruza-
ca para os transplantes de tecidos e de das. A grande disponibilidade de doadores,
órgãos e, conseqüentemente, tem estimu- em relação aos demais transplantes, faz
lado a busca de doadores compatíveis ou com que um doador compatível seja en-
a busca de métodos capazes de minimi- contrado com grande facilidade.
zar os efeitos das pequenas incompatibi- Ao contrário do que ocorre com a
lidade que, naturalmente, são decorren- córnea, os órgãos vascularizados e habitu-
tes da necessidade de aproveitar-se ao almente transplantados, como coração,
máximo o sempre escasso número de pulmão, pâncreas, rim e fígado, represen-
doadores disponíveis. tando os principais, requerem uma avalia-
O transplante de órgãos tornou-se uma ção completa do doador, em busca de do-
modalidade de tratamento de pacientes enças capazes de serem transmitidas ao re-
portadores de diversas doenças, em seus es- ceptor. Além disso, a remoção dos órgãos a
tágios terminais. Vários tipos de transplan- serem transplantados apenas pode ser fei-
tes de órgãos são feitos com grande mar- ta após a constatação da morte cerebral
gem de sucesso enquanto outros transplan- que requer uma bateria de exames e avali-
tes são tecnicamente mais complexos ou ações neurológicas por um grupo de espe-
dependem de uma compatibilidade quase cialistas, conforme um protocolo definido
absoluta para que não haja rejeição. A bar- pela legislação específica.
reira imunitária, contudo, ainda constitui Em linhas gerais podemos dizer que um
o grande obstáculo, à aceitação dos órgãos potencial doador deve preencher os se-
transplantados. Uma linha de drogas anti- guintes critérios:
rejeição procura “domar” a acentuada ati- Não apresentar insuficiência orgânica
vidade do sistema de defesa do organismo que comprometa a função dos órgãos ou
que interpreta o órgão transplantado como tecidos que possam ser doados, como in-
um “agente agressor ou invasor”. suficiência renal, hepática, cardíaca, pul-
monar, pancreática e medular;
TRANSFUSÃO (TRANSPLANTE) Não apresentar doenças infecto-con-
DE SANGUE tagiosas transmissíveis por meio do trans-
O transplante mais realizado no mun- plante, como soropositivos para HIV, he-
do é o transplante de tecidos sangue-san- patite C, doença de Chagas, etc...
gue, ou seja, a transfusão de sangue entre Não apresentar sepsis ou falência múl-
dois indivíduos, doador e receptor. A com- tipla de órgãos;
patibilidade exigida refere-se exclusiva- Não apresentar neoplasias, exceto tu-
mente aos sistemas de antígenos ABO e mores restritos ao sistema nervoso central,
Rh. Recomenda-se sempre transfundir carcinoma de pele;
sangue do mesmo tipo, exceto em circuns- Não apresentar doenças degenera-

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FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

tivas crônicas e com caráter de trans- O sistema de antígenos que determina


missibilidade. a histocompatibilidade é genericamente
A compatibilidade sanguínea (sistema denominado HLA, sigla derivada de
ABO) e a compatibilidade tissular (histo- Human Leukocyte Antigens. Correspon-
compatibilidade) são condições essenciais de à uma série de antígenos presentes nas
para o sucesso de um transplante de ór- células brancas do sangue (leucócitos) e
gãos, ainda que, em alguns centros e para nas células dos demais tecidos.
determinados transplantes, o protocolo seja O sistema HLA possui mais de 100
resumido apenas à tipagem ABO e ao uso genes, que são responsáveis pela presença
prévio e posterior de potentes drogas de antígenos HLA na superfície da mem-
imunosupressoras. Esse, em verdade, é o brana de nossas células. A tipagem de te-
caso mais comum na maioria dos centros, cidos é o nome dado ao teste que identifi-
devido às dificuldades logísticas para fazer ca as características do sistema HLA. Esta
o encontro do melhor receptor para o do- tipagem é fundamental para as pessoas que
ador disponível. recebem transplantes de órgãos.
No caso do transplante renal, com do- Os conjuntos de HLA são herdados dos
ador vivo, além da compatibilidade ABO, nossos pais, portanto, é possível identificar
são realizadas a prova cruzada HLA e a qual conjunto de informações são proveni-
tipagem HLA em seis loci, A, B e DR. No entes do pai e qual conjunto é herdado da
caso de doadores aparentados usa-se tam- mãe, se a tipagem for realizada para a família.
bém a cultura mista de linfócitos. Neste Os antígenos mais freqüentemente
caso geralmente é escolhido aquele que, analisados são representados por letras, (A,
gozando de boa saúde, apresente melhor B, C)/(G, H, I).
compatibilidade imunológica. É possível que entre os seus familiares
Quando se trata de um doador cadá- (avós, tios, sobrinhos, etc..) você encontre
ver, são necessárias a tipagem ABO e a au- algum indivíduo com características do sis-
sência de anticorpos linfotóxicos, eviden- tema HLA semelhantes ao seu. Entre in-
ciada através da prova cruzada HLA com divíduos sem graus de parentesco, as
linfócitos T e B. O receptor que apresen- chances de encontrar-se características
tar o perfil de antígenos mais aproximado semelhantes do sistema HLA variam en-
do perfil do doador será o receptor mais tre 1:100 e 1:100.000.
adequado para o transplante.
Em todos os casos é indispensável a co- TRANSPLANTES SEM
bertura do receptor com um esquema far- COMPATIBILIDADE ABO
macológico capaz de suprimir as defesas O transplante cardíaco em crianças,
imunológicas e, desse modo, tornar impro- especialmente, neonatos portadores de le-
vável a rejeição. Várias combinações de sões de extrema gravidade, como é o caso
drogas incluem glicocorticoides, ciclospo- da hipoplasia do coração esquerdo, algu-
rina e outros agentes imunosupressores. mas vezes apenas podem sobreviver por um

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CAPÍTULO 6 – FISIOLOGIA DO SANGUE

curto período de tempo. Nesses casos, es- TESTES DE COAGULAÇÃO


sas crianças ou são colocadas em sistemas DO SANGUE
de suporte circulatório temporário, en- A perfusão, com alguma freqüência se
quanto aguardam um doador compatível acompanha de dificuldades com a
ou sucumbem à sua doença. hemostasia e a coagulação, mesmo após a
A disponibilidade de doadores nessa neutralização adequada da heparina admi-
faixa etária é mínima. Além dessa restri- nistrada para o procedimento. Esta tendên-
ção a necessidade de compatibilidade cia à hemorragia pós-perfusão é maior nas
ABO e tissular costumam inviabilizar uma crianças de baixo peso, ocorrendo, contu-
substancial parcela dos poucos transplan- do, em qualquer faixa etária.
tes possíveis. A cirurgia cardíaca com circulação ex-
Com o objetivo de otimizar o aprovei- tracorpórea requer o estudo pré-operató-
tamento dos poucos doadores existentes, rio da coagulação do sangue. Os testes mais
algumas equipes de cirurgia cardíaca op- comumente usados, são os tempos de coa-
taram por realizar os transplantes indepen- gulação e sangramento, contagem de pla-
dentemente de compatibilidade de qual- quetas, tempo e atividade de protrombina
quer natureza. Assim, a compatibilidade e tempo parcial de tromboplastina. A ati-
ABO deixa de ser um pré-requisito essen- vidade de protrombina mínima aceitável
cial para a realização do transplante. para uma coagulação adequada, após a cir-
Essa conduta tem oferecido bons resul- culação extracorpórea, corresponde a
tados iniciais. A incidência de rejeição é aproximadamente 75 a 80% do normal.
maior do que quando a compatibilidade O conjunto de testes acima listados,
ABO é respeitada mas, apesar disso, um constitui um bom rastreamento de defici-
maior número de vidas podem ser salvas, ências qualitativas da hemostasia e da co-
devido ao melhor aproveitamento dos pou- agulação. Valores anormais de qualquer
cos órgãos disponíveis para os muitos re- dos testes, indicam a necessidade de estu-
ceptores das listas de espera. dos mais detalhados da coagulação e ava-
liação por especialistas.

137
FUNDAMENTOS DA CIRCULAÇÃO EXTRACORPÓREA

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