Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
vida.
Com os investimentos volumosos surge o agronegócio, que emprega grandes
quantidades de produtos químicos nos cultivos, envenenando não apenas as
plantações, o ar e as águas, mas as próprias trabalhadoras e trabalhadores.
Patenteia-se o inalienável direito à vida com a introdução dos organismos
geneticamente modificados (GMO’s, na sigla em inglês) e com novas regras
de propriedade intelectual, utilizando-se nas plantações sementes estéreis que
expropriam de camponesas e camponeses a base de sua produção, tornando-os
dependentes, endividados e “estranhados” de seu saber tradicional.
Em fins dos anos de 1980 e princípios de 1990, com a “Revolução Verde” já
consolidada, não só não presenciamos a propalada redução nos níveis da fome
no mundo como elevou-se a pobreza no meio rural. A fim de “solucionar”
essa questão, apela-se para a proposição de que era preciso garantir a
circulação da produção mundial de alimentos, fazendo avançar ainda mais o
projeto neoliberal. Em 1986, inicia-se uma rodada de negociações bilaterais
do GATT (sigla em inglês paraAcordo Geral para Tarifas e Comércio),
sediada no Uruguai, a qual é concluída em 1994, com a criação
da Organização Mundial do Comércio (OMC), o que marcou uma nova fase
para o comércio mundial, especialmente de alimentos.
Com maior poder em suas atribuições a OMC, poderia fiscalizar e punir
países que desrespeitassem a liberalização do comércio, impedindo que as
nações protegessem seus mercados internos, algo que para a agricultura foi
desastroso. Liberalizar a economia permitiu que um punhado de empresas
estendesse seu controle ao redor do mundo, determinando que alimentos
produzir, onde fazê-lo, por quem, e o seu preço, controlando, dessa forma,
todo o processo produtivo e de distribuição (para que se tenha uma ideia,
cinco corporações controlam mais de 75% do comércio mundial de grãos).
Além da concentração e valorização do Capital, o custo social do processo foi
tremendo, ocorrendo a diminuição do consumo de alimentos pelos mais
pobres e um amento da fome no mundo.
Nesse contexto de avanço neoliberal no campo surgem as associações
camponesas regionais, como a CLOC (Coordinadoria Latinoamericana de
Organizaciones del Campo), ou a CPE (Confederação Camponesa Europeia),
no esforço inicial de unificação das lutas. A Via Campesina coroa esse
processo, constituindo-se como uma articulação mundial de organizações
rurais de vários países, sendo o ponto de culminância do internacionalismo
camponês construído ao longo das lutas do século XX, especialmente com as
independências e revoluções na América Latina, África e Ásia, que tiveram
ativa participação camponesa.
Unidade na Diversidade
A Via Campesina reúne uma grande diversidade de perspectivas, vivências e
realidades locais – atualmente são 164 organizações de 73 países, sendo 7 do
Brasil –, o que necessariamente significa consideráveis divergências internas.
Para se manter coesa e ativa, a Via busca o consenso a partir de uma estrutura
descentralizada, não havendo um presidente ou um secretário geral, mas sim
umComitê Coordenador
Internacional (CCI).
alimentar.
A ideia de soberania visa ampliar e dar novas bases à noção de “segurança
alimentar” que é defendida pela Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO). Amplia porque não se preocupa apenas
com a quantidade de comida disponível per capita, mas também com a
qualidade e com a escolha do que vai ser plantado e colhido. Dá novas bases
ao reformular a ideia de soberania, deslocando-a do controle estatal para o dos
povos organizados a partir de uma produção diversificada e saudável, pondo
fim à homogeneização da alimentação mundial – “mcdonaldização” – e à
proliferação da junk food.
A soberania alimentar passa também por um conceito de reforma agrária
radical que, apesar de encontrar divergências no interior da organização,
pretende excluir a terra e os recursos produtivos do âmbito do mercado. Ou
seja, que o acesso à terra, às sementes, à água etc. passe a assumir a condição
de direitos humanos essenciais no lugar de constituírem-se como propriedades
privadas, tornando as camponesas e os camponeses guardiões do meio-
ambiente, produzindo em prol das sociedades e garantindo o equilíbrio
ecológico. Assim sendo, o uso de organismos geneticamente modificados e a
infertilização das sementes são inaceitáveis, pois suprimem a autonomia das
produtoras e produtores de todo o mundo. Contudo, é bom frisar, não se trata
de negar os avanços das forças produtivias na modernidade, buscando
restabelecer um passado bucólico perdido, mas sim de associar o
conhecimento científico socialmente produzido e embasado com os saberes
tradicionais camponeses.