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Globalizar a Esperança: Internacionalismo Camponês e

um Modelo Contra-Hegemônico de Sociedade


Publicado em 17 de abril de 2015 por Eduardo Daflon
Um camponês vem da zona rural. Sempre houve camponeses. O que não existia antes
era investidores, industriais, partidos políticos etc. Os camponeses sempre existiram e
sempre existirão. Eles nunca serão extintos (Marcelo Carreon Mundo, líder camponês
mexicano).
Ao longo dos séculos XIX e XX, muitas foram as análises, dentro da tradição
liberal ou mesmo entre as posições dos encontros da I e II Internacionais, que
legaram ao campesinato um papel absolutamente secundário no contexto
contemporâneo, abundando as previsões de que seriam um grupo fadado ao
desaparecimento, tanto em uma sociedade capitalista avançada quanto numa
sociedade comunista. Tratar-se-ia de uma classe cujo progresso das técnicas e
da ciência encarregaria de sepultar, dado seu – suposto – milenar e inerente
atraso. Contudo, as camponesas e os camponeses desobedientemente
frustraram as várias profecias que lhes negavam qualquer existência futura,
mantendo-se vivos e vibrantes para assumirem um papel preponderante nas
lutas pela transformação social no alvorecer do século XXI.
Aqui tento realizar uma contribuição, ainda que bastante modesta, à
divulgação e agregação das lutas destes agentes sociais, que defendem um
projeto contra-hegemônico efetivo em meio a um contexto de crise das formas
tradicionais de lutas e associação da classe trabalhadora. Nesse sentido,
apresento nesse texto aquela que hoje, talvez, seja a mais vigorosa experiência
classista de internacionalismo: a Via Campesina.
Contexto e surgimento
Ao longo das décadas de 1970 e 1980, a agricultura sofreu profundas
mudanças em diversas partes do mundo com a chamada “Revolução Verde”,
que prometia elevar os níveis da produção alimentícia e baixar seus preços,
supostamente ampliando o acesso aos alimentos. Contudo, esse processo
fundou-se na entrada massiva do Capital no campo com uma força até então
desconhecida, derivando dela o êxodo rural e o inchamento urbano,
especialmente nos países periféricos. Historicamente expropriado de seus
direitos comunais e de suas terras em fases pretéritas do desenvolvimento
capitalista, o campesinato agora experimenta a mais brutal de todas as
usurpações, a do saber e da sua própria

vida.
Com os investimentos volumosos surge o agronegócio, que emprega grandes
quantidades de produtos químicos nos cultivos, envenenando não apenas as
plantações, o ar e as águas, mas as próprias trabalhadoras e trabalhadores.
Patenteia-se o inalienável direito à vida com a introdução dos organismos
geneticamente modificados (GMO’s, na sigla em inglês) e com novas regras
de propriedade intelectual, utilizando-se nas plantações sementes estéreis que
expropriam de camponesas e camponeses a base de sua produção, tornando-os
dependentes, endividados e “estranhados” de seu saber tradicional.
Em fins dos anos de 1980 e princípios de 1990, com a “Revolução Verde” já
consolidada, não só não presenciamos a propalada redução nos níveis da fome
no mundo como elevou-se a pobreza no meio rural. A fim de “solucionar”
essa questão, apela-se para a proposição de que era preciso garantir a
circulação da produção mundial de alimentos, fazendo avançar ainda mais o
projeto neoliberal. Em 1986, inicia-se uma rodada de negociações bilaterais
do GATT (sigla em inglês paraAcordo Geral para Tarifas e Comércio),
sediada no Uruguai, a qual é concluída em 1994, com a criação
da Organização Mundial do Comércio (OMC), o que marcou uma nova fase
para o comércio mundial, especialmente de alimentos.
Com maior poder em suas atribuições a OMC, poderia fiscalizar e punir
países que desrespeitassem a liberalização do comércio, impedindo que as
nações protegessem seus mercados internos, algo que para a agricultura foi
desastroso. Liberalizar a economia permitiu que um punhado de empresas
estendesse seu controle ao redor do mundo, determinando que alimentos
produzir, onde fazê-lo, por quem, e o seu preço, controlando, dessa forma,
todo o processo produtivo e de distribuição (para que se tenha uma ideia,
cinco corporações controlam mais de 75% do comércio mundial de grãos).
Além da concentração e valorização do Capital, o custo social do processo foi
tremendo, ocorrendo a diminuição do consumo de alimentos pelos mais
pobres e um amento da fome no mundo.
Nesse contexto de avanço neoliberal no campo surgem as associações
camponesas regionais, como a CLOC (Coordinadoria Latinoamericana de
Organizaciones del Campo), ou a CPE (Confederação Camponesa Europeia),
no esforço inicial de unificação das lutas. A Via Campesina coroa esse
processo, constituindo-se como uma articulação mundial de organizações
rurais de vários países, sendo o ponto de culminância do internacionalismo
camponês construído ao longo das lutas do século XX, especialmente com as
independências e revoluções na América Latina, África e Ásia, que tiveram
ativa participação camponesa.

Unidade na Diversidade
A Via Campesina reúne uma grande diversidade de perspectivas, vivências e
realidades locais – atualmente são 164 organizações de 73 países, sendo 7 do
Brasil –, o que necessariamente significa consideráveis divergências internas.
Para se manter coesa e ativa, a Via busca o consenso a partir de uma estrutura
descentralizada, não havendo um presidente ou um secretário geral, mas sim
umComitê Coordenador
Internacional (CCI).

Integram o CCI um representante e uma representante de cada uma das nove


regiões que compõem a Via, e qualquer decisão do comitê envolve uma
exaustiva consulta aos integrantes dos movimentos nacionais de cada região, o
que a torna mais lenta, porém ideologicamente coesa e em sintonia com as
bases. A composição do CCI traduz ainda uma grande preocupação da
associação com as questões de gênero, fazendo das organizações colegiadas
espaços igualmente ocupados por homens e mulheres. Também os espaços de
deliberação máxima do movimento, as conferências internacionais, que
ocorrem a cada quatro anos, procuram preservar a paridade de gênero.
Dessa forma, a Via Campesina pretende constituir uma instituição horizontal
avessa à burocracia e às hierarquias internas, tocada pela autogestão de seus
militantes, perspectiva que deriva do entendimento de que a verticalização de
suas estruturas sempre pôs em xeque os movimentos internacionais,
especialmente a experiência da III Internacional Comunista. Apesar de sua
heterogeneidade, ou mesmo em decorrência dela, a Via tem cumprido sua
proposição de manter-se diversa na unidade, atuando como articuladora
mundial da solidariedade camponesa e como referência identitária essencial às
gentes do campo.
Outro mundo possível: Soberania Alimentar
Vivemos em uma realidade opressora que nos massacra com sua
autoproclamada imutabilidade, com os profetas do fim da História
vociferando aos quatro ventos a vitória triunfal do capitalismo. Discurso
massificado por uma mídia burguesa que não se acanha em reforçar essas
profecias, ainda mais após a queda do Muro de Berlim e do colapso dos
regimes socialistas. Felizmente, como já vimos, os profetas correm um alto
risco de estarem errados…
Entretanto, observamos um doloroso refluxo dos projetos contra-hegemônicos
a partir dos anos de 1990, o que faz com que este horizonte tenha que ser
reconstruído, uma iniciativa que vem tendo lugar em várias partes ao redor do
globo, com os Fóruns Sociais Mundiais ou com as grandes manifestações que
tomaram Wall Street, Istambul, Madri e Rio de Janeiro. Porém, é notória a
ausência de um elaborado projeto alternativo. Muitas vezes travamos contato
com proposições que, apesar de belas e fundamentais, ainda parecem
demasiado genéricas, como: “um outro mundo é possível”. Mas, em que
bases, através de que meios?
A Via Campesina propõe-se a debater e a representar – como seu próprio
nome sugere – um caminho camponês para uma sociedade mais justa, em
oposição ao neoliberalismo, via que se orienta por um conceito central que se
desdobra na construção de uma nova sociedade, o de soberania

alimentar.
A ideia de soberania visa ampliar e dar novas bases à noção de “segurança
alimentar” que é defendida pela Organização das Nações Unidas para
Alimentação e Agricultura (FAO). Amplia porque não se preocupa apenas
com a quantidade de comida disponível per capita, mas também com a
qualidade e com a escolha do que vai ser plantado e colhido. Dá novas bases
ao reformular a ideia de soberania, deslocando-a do controle estatal para o dos
povos organizados a partir de uma produção diversificada e saudável, pondo
fim à homogeneização da alimentação mundial – “mcdonaldização” – e à
proliferação da junk food.
A soberania alimentar passa também por um conceito de reforma agrária
radical que, apesar de encontrar divergências no interior da organização,
pretende excluir a terra e os recursos produtivos do âmbito do mercado. Ou
seja, que o acesso à terra, às sementes, à água etc. passe a assumir a condição
de direitos humanos essenciais no lugar de constituírem-se como propriedades
privadas, tornando as camponesas e os camponeses guardiões do meio-
ambiente, produzindo em prol das sociedades e garantindo o equilíbrio
ecológico. Assim sendo, o uso de organismos geneticamente modificados e a
infertilização das sementes são inaceitáveis, pois suprimem a autonomia das
produtoras e produtores de todo o mundo. Contudo, é bom frisar, não se trata
de negar os avanços das forças produtivias na modernidade, buscando
restabelecer um passado bucólico perdido, mas sim de associar o
conhecimento científico socialmente produzido e embasado com os saberes
tradicionais camponeses.

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