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HISTÓRIA DA POLÍTICA

DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL

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EMENTA: O Módulo 1 visa oferecer noções sobre história da assistência psiquiátrica no
Brasil, o movimento de reforma psiquiátrica, suas implicações no modelo contemporâneo
de atenção à saúde mental e conhecer a Rede de Atenção Psicossocial. Este módulo
proporciona o discente realizar análise crítica e reflexiva sobre a evolução da assistência
psiquiátrica brasileira. CH: 10h

INTRODUÇÃO

Olá, vamos dar início ao nosso curso conhecendo um pouco sobre a história da
assistência psiquiátrica no Brasil e os principais pontos que marcaram o movimento da
reforma psiquiátrica em nosso país.

UNIDADE PEDAGÓGICA 1 – Da criação do primeiro asilo ao “boom”


dos hospitais psiquiátricos: a loucura institucionalizada

Não nos propomos a realizar uma periodização para a história da psiquiatria


no Brasil, tarefa que apesar de oportuna, nos desviaria de nosso objetivo principal.
No entanto, faz-se necessário uma breve incursão histórica, com a finalidade de nos
fornecer ferramentas para compreensão do direcionamento da assistência em saúde
mental ao longo do tempo em nosso País.
É apenas no ano de 1841 que o imperador D. Pedro II assina um decreto criando
o primeiro hospital psiquiátrico no Brasil. Localizado na cidade do Rio de Janeiro, a
instituição, cuja inauguração deu-se em 1852, recebe o nome do então Imperador. Até
esse momento, a semelhança do que ocorria na Europa no século anterior, os doentes
mentais eram confinados em celas especiais dos hospitais gerais da Santa Casa de
Misericórdia. A lógica excludente do internamento também era a mesma, ou seja, tirar
da vista da sociedade toda sorte de indivíduos indesejáveis, os ditos “perigosos” e
improdutivos. Aqueles que viviam pelas ruas eram comumente encarcerados nas prisões
sob a alegação de vagabundagem ou perturbação da ordem pública. Mesmo confiados
aos cuidados dos hospitais, eram sujeitos a péssimas condições de acomodação, como
também por vezes submetidos a castigos físicos como forma de tratamento.
Em seus primeiros anos, o Hospício ficou sob a direção dos religiosos da
Santa Casa de Misericórdia, ganhando uma direção médica apenas em 1881, com a
criação da cadeira de “Doenças Nervosas e Mentais”. Com o início do ensino regular
de psiquiatria aos médicos generalistas (1886), o médico psiquiatra Teixeira Brandão
passou a dirigir o Pedro II –. No entanto, a ciência psiquiátrica no Brasil ainda era
insipiente, e apesar da influência da psiquiatria francesa, que com a contribuição de
Pinel passou a revestir o internamento de características médicas e terapêuticas, a
superlotação e a visão preconceituosa da época pouco mudou a realidade no interior
do referido Hospital Psiquiátrico.

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Com a proclamação da república, o Pedro II passou a chamar-se Hospital Nacional dos
Alienados, sendo sua administração transferida para responsabilidade do Estado. Porém, a qualidade
da assistência psiquiátrica só piora, resultando inclusive em inquérito interno de investigação durante
o governo Rodrigues Alves (1902-1906). Este decide reformular a assistência psiquiátrica prestada
até então, e nomeia o psiquiatra Juliano Moreira como novo diretor do Hospital Nacional. É sob a
influência deste psiquiatra que é promulgada a 1ª Lei Federal de Assistência aos Alienados (Decreto
1132/1903). Em 1907 foi criada a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal.
Em 1912 a psiquiatria torna-se uma especialidade médica autônoma, o que coincide com o
aumento significativo de instituições destinadas ao internamento de doentes mentais, movimento
que se observa até início dos anos 20. Nesta época são inaugurados no Rio de Janeiro o primeiro
hospital psiquiátrico destinado somente as mulheres – Colônia de Psicopatas Mulheres do Engenho
de Dentro (1911), a Colônia de Alienados de Jacarepaguá (1923), e o 1º Manicômio Judiciário da
América Latina (1921). Em Pernambuco, o Hospital de Alienados do Recife, atual Hospital Ulysses
Pernambucano – ou “Hospital da Tamarineira”, foi inaugurado em 1883.

Na década de 20 temos o aumento do número de Hospitais Colônias, que recebiam os pacientes


crônicos provenientes dos hospitais situados nos centros urbanos, com o objetivo de recuperá-los
através do trabalho agrícola e reintegrá-los a vida social. Porém, a industrialização crescente e a não
absorção da mão de obra saída destas instituições pela moderna lavoura, mostrou a baixa eficiência
desse modelo. Em 1923 é criada a Liga Brasileira de Higiene Mental (LBHM), uma entidade civil
de utilidade pública que abrigava a elite psiquiátrica brasileira da época, e que tinha como objetivo
inicial “melhorar a assistência aos doentes mentais através da renovação dos quadros profissionais
e dos estabelecimentos psiquiátricos” (COSTA, 2007). O seu fundador, o psiquiatra Gustavo Riedel,
havia sido diretor da Colônia do Engenho de Dentro, onde organizou um “serviço aberto” para
psicopatas, no qual os pacientes que não necessitavam de internamento ou que precisavam de
curto acolhimento eram atendidos, também criou o primeiro ambulatório de psiquiatria da América
Latina e uma “escola de enfermeiras” (Escola Alfredo Pinto) anexa ao hospital, com a finalidade de
melhor capacitar as enfermeiras que prestavam assistência aos doentes mentais. Estas e outras
medidas por ele adotadas influenciaram a ideologia da assistência psiquiátrica do país na época.
Nos anos 30, o Serviço de Assistência aos Doentes Mentais do Distrito Federal é incorporado
ao Ministério da Educação e Saúde, que, “obedecendo à tendência centralizadora do governo surgido
da Revolução de 1930, assume a responsabilidade de todos os serviços psiquiátricos do país”
(COSTA, 2007). A psiquiatria alemã, através da teoria eugenista1, influencia a prática psiquiátrica
brasileira, sendo observada uma mudança de objetivos da LBHM a partir de 1931. A proposta inicial
dos psiquiatras higienistas de intervenção preventiva que tinha em foco o indivíduo doente passa
a atingir a sociedade como um todo, criando a noção de “melhoria e aperfeiçoamento da raça”.
Importante frisar que no contexto mundial, temos o avanço do nazismo – que promoveu uma nova
concepção da teoria eugênica para servir ao objetivo de “arianização” do povo alemão, enquanto

1 Eugenia é um termo inventado pelo fisiologista inglês Galton para designar ‘o estudo dos
fatores socialmente controláveis que podem elevar ou rebaixar as qualidades raciais das gerações
futuras, tanto física quanto mentalmente’” (Costa, 2007);
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no plano nacional as tensões sociais da jovem República são agravadas pela recente abolição da
escravatura, a migração dos antigos escravos e camponeses para os centros urbanos e a imigração
europeia. Artigos científicos produzidos a época deixam antever o caráter puramente racista que
acometia grande parte dos psiquiatras da LBHM, alguns são proposta de verdadeiro “saneamento
racial”, com medidas como programas de esterilização dos ditos “loucos e degenerados”, como
também, considerando inferiores os negros, nordestinos e orientais, para citar apenas alguns.
Críticas abertas são feitas as instituições sociais que prestavam auxílio ao que eles consideravam
“resíduos humanos”. Era a concepção organicista em voga desviando do caminho da cientificidade
e adentrando na seara perigosa da ideologia preconceituosa.
Digno de nota é que psiquiatras como Ulysses Pernambucano, reconhecido e respeitado
pela LBHM, orientavam suas pesquisas numa direção completamente oposta, mais coerente com
a proposta inicial da LBHM, que era de melhoria e humanização da assistência psiquiátrica no
Brasil, e conduzindo a reforma da assistência aos psicopatas do estado de Pernambuco. Nesta
época também, as chamadas terapias biológicas ganham força na corrida pela busca da “cura” da
doença mental, passando a fazer parte da terapêutica dos manicômios as lobotomias2, o choque
insulínico3, a eletroconvulsoterapia (ECT)4 e a malarioterapia5. Os internamentos passam a ser
mais frequentes, atingindo seu auge na década seguinte.
Nos anos 1950 com o advento dos psicotrópicos uma verdadeira revolução se instala,
porém, em pouco ou nada muda a lógica psiquiátrica vigente, centrada no internamento, que tem na
medicalização sua “nova menina dos olhos”. Em 1956 foi criado o Departamento Nacional de Saúde
Mental.
A década de 60 é marcada por um contexto de mudanças políticas, com ações maciças de
privatização na área de assistência à saúde, e em particular, na assistência psiquiátrica, principalmente
após a criação do INPS, quando o Estado passa não só a pagar por internações psiquiátricas
no setor privado, como também financia a construção e ampliação de instituições psiquiátricas
particulares através do chamado Fundo de Apoio Social (FAS). O setor era extremamente lucrativo,
e ao mesmo tempo, de difícil controle pelos entes estatais e “se multiplicou movida única ou
predominantemente pela busca de lucro. O doente mental se transformou numa fonte inesgotável
de lucro para empresários que viviam dessa condição” (MIRANDA-SÁ Jr, 2007, p.157).

2 Técnica de psicocirurgia em que as ligações entre os lobos frontais e o resto do cérebro


são cortadas. Alguns autores chamam a atenção de que o procedimento seria mais corretamente
denominado leucotomia.
3 Aplicação de insulina em indivíduos não diabéticos com o intuito de causar uma crise
convulsiva por hipoglicemia
4 Aplicação de estimulação elétrica no cérebro para induzir uma crise convulsiva de curta
duração. Técnica ainda utilizada atualmente, em casos restritos, em ambiente hospitalar propício;
5 Consistia na contaminação do indivíduo pela malária, com o intuito de que na ocorrência da febre alta,
característica da doença, houvesse a crise convulsiva.

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A lógica privatista vigente na época priorizou a hospitalização psiquiátrica em detrimento de
outras experiências, como a assistência ambulatorial que era meta da assistência pública direta
para substituir as internações psiquiátricas. Com isso, proliferou desenfreadamente o número de
hospitais psiquiátricos no país. (AMARANTE, 2000). Segundo Nobre (1998, apud Lima, 2011), nos
anos 60, cerca de 97% do total de recursos da saúde mental foram destinados ao pagamento de
internações psiquiátricas na rede privada. É nesta época que são criados a maioria dos hospitais
psiquiátricos de Pernambuco, inclusive um dos maiores do país, o Hospital José Alberto Maia (1965),
na região metropolitana do Recife (atual município de Camaragibe), que chegou a abrigar quase
2.000 internos, e que foi descredenciado do SUS apenas em 2010.

No final da década de 70, a situação das instituições psiquiátricas se agrava com o aumento
de denúncias de superlotação e violência (física e moral) no interior das mesmas. Em 1978 é criado
o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), um grupo de profissionais de saúde que
começa a pensar em alternativas para a visão hospitalocêntrica. Os trabalhadores e a sociedade já
não podem mais permanecer na inércia, e sob a influência dos movimentos ocorridos na Europa e
EUA, bem como sob os preceitos da reforma sanitária em curso, tem início o movimento de Reforma
Psiquiátrica brasileira.

A partir da década de 1980 o movimento da Reforma Sanitária as transformações na


assistência Psiquiátrica passaram a ter maior visibilidade, culminando com a VIII Conferência
Nacional de Saúde (1986). Foi realizada, no Rio de Janeiro, a I Conferência Nacional de Saúde
Mental (CNSM), em 1987, tinha como lema “Por uma Sociedade sem Manicômicos”. No estado de
São Paulo foi criado o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) Luiz Cerqueira. Em 1988 foi criado o
Sistema Único de Saúde em sintonia com a Constituição da República Federativa do Brasil. Ao final
desta década, em 1989, foi decretada pela prefeitura da cidade de Santos, com o apoio de vários
setores da sociedade, a intervenção no Hospital Psiquiátrico Padre Anchieta, a “Casa dos Horrores”.

A década de 1990 foi marcada com a Declaração de Caracas em que orientou a reestruturação
da atenção Psiquiátrica nas Américas. Foram realizadas em 1992 a IX Conferencia nacional de
Saúde e a II Conferencia nacional de Saúde Mental e, em 1994, o III Encontro de Entidades de
Usuários e familiares (EEUF), um marco na consolidação da Reforma Psiquiátrica no Brasil. Neste
ano, em Pernambuco, foi criada a Lei 11064/94 do deputado Humberto Costa, que dispõem sobre a
substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por outros recursos assistenciais e regulamenta
a internação involuntária. Nesta década, o Ministério da Saúde publicou um grande número de
portarias com a finalidade de redirecionar o modelo assistencial.

Foi sancionada a Lei número 10.216/2001, originalmente apresentada pelo deputado Paulo
Delgado, que trata dos direitos dos usuários dos serviços de Saúde Mental e retira o manicômio
do centro do tratamento. Neste ano aconteceu a III Conferencia Nacional de Saúde Mental, com o
tema “Cuidar sim, excluir não”. A lei 10.708/2003 institui o auxilio-reabilitação psicossocial para

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pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações . Parte integrante de um
programa de ressocialização do Ministério da Saúde do denominado “De Volta Para Casa”. Em 2006,
foi um marco na consolidação da Rede de Atenção de Serviço Psicossocial do Brasil, primeira vez
em que há maior investimento em ações comunitárias do que em Hospitais Psiquiátricos. Em 2008,
foi instituída a Portaria GM/MS nº 154, que cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF),
recomendando a inclusão de profissionais de Saúde Mental na Atenção Básica. Nesta década, foram
intensificadas as ações de tratamento e prevenção da dependência de álcool e outras drogas, por
meio do Plano Emergencial de Ampliação ao Tratamento e Prevenção em Álcool e outras Drogas
(PEAD2009-2010)
Foi publicado o Decreto nº 7.179/2010, que dispõem sobre o Plano Integrado de Enfrentamento
ao Crack e outras Drogas. Neste mesmo ano foi realizada, em Brasília, a IV Conferência Nacional
de Saúde Mental – Intersetorial, com o tema “Saúde Mental Direito e Compromisso de Todos:
consolidar avanços e enfrentar desafios”. Também ocorreu o fechamento do Hospital Alberto Maia
(Camaragibe-PE), um dos últimos macro-hospitais psiquiátricos do país.

Reforma Psiquiátrica e a ética do cuidar em saúde mental.

A hegemonia do modelo centrado no hospital (hospitalocêntrico) na assistência psiquiátrica


foi realidade no mundo todo, apesar das denúncias sobre a falta de eficiência e eficácia, baixa
qualidade e violação dos direitos humanos advindas da prática manicomial.
A partir da II Grande Guerra, vimos surgir na Europa e nos EUA, uma série de experiências
no sentido de transformar a assistência psiquiátrica: na Inglaterra a proposta da Comunidade
Terapêutica e o movimento das Psicoterapias de Grupo; na França, a Psicoterapia Institucional e a
Psiquiatria de Setor; as Psiquiatrias Comunitárias e Preventivas nos EUA e na Itália, o movimento
de Desinstitucionalização6.
Essas experiências influenciaram o processo de reforma aqui no Brasil e no geral, buscavam
superar gradualmente a internação nos manicômios e criar novos serviços substitutivos na
comunidade; porém, a maioria delas acabou tendo a desospitalização como resultado, reduzindo
sua abrangência.
O MTSM, num primeiro momento, organizou várias críticas ao modelo psiquiátrico clássico,
constatando-as na prática das instituições psiquiátricas. Procurando entender à função social da
psiquiatria e suas instituições, para além de seu papel explicitamente médico-terapêutico, o MTSM
constrói um pensamento crítico no campo da saúde mental que permite visualizar uma possibilidade
de inversão deste modelo a partir do conceito de desinstitucionalização, ganhando visibilidade no
cenário de reformulação do sistema de saúde brasileiro. (PITTA, 2011)

6 O termo DESINSTITUCIONALIZAÇÃO teve origem no movimento italiano de reforma


psiquiátrica, cujo principal capitaneador foi Franco Basaglia. Desinstitucionalizar significa deslocar o
centro da assistência da instituição para a comunidade, distrito e território indo além, no sentido que
propõe uma ruptura mesmo com o saber médico constituinte da psiquiatria tradicional (Roteli, 1990).
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O movimento da Reforma Psiquiátrica foi protagonizado por vários atores, entre eles, usuários,
familiares, profissionais de saúde mental, políticos, artistas, donos de hospitais psiquiátricos. Os
conflitos advindos desse processo levaram a mudanças na política, na legislação e no modelo de
atenção à saúde mental, preconizando equipamentos múltiplos para atender a complexidade do
sofrimento psíquico. (PITTA, 2011; TENÓRIO, 2002)

A criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em sintonia com a Constituição de 1988,


preconizou a universalização do acesso aos serviços de saúde, a integralidade da atenção, a
equidade e a hierarquização dos serviços, em um contexto descentralizado e municipalizado. O
SUS contemplou em suas diretrizes os princípios da reforma psiquiátrica, incluindo o processo de
desospitalização e a garantia dos direitos de cidadania dos doentes mentais. (ROTELLI, LEONARDIS,
MAURI, RISIO, 1990)

No âmbito da legislação, foi promulgada pelo Congresso Nacional em 6 de abril de 2001, a


lei federal da Reforma Psiquiátrica, nº. 10.216, que assegura os direitos e a proteção das pessoas
portadoras de transtornos mentais, redireciona o modelo de atenção à saúde mental, propondo
a criação de redes de serviços locais, extra-hospitalares, abertos no território. Mesmo antes da
aprovação da lei federal, várias leis estaduais provocaram importantes transformações na legislação
de seus Estados e respectivos municípios. No caso de Pernambuco, a lei nº 11.064/94 do deputado
Humberto Costa, dispõe sobre a substituição progressiva dos hospitais psiquiátricos por outros
recursos assistenciais e regulamenta a internação involuntária.

UNIDADE PEDAGÓGICA 2 – O Modelo contemporâneo de Atenção à Saúde


Mental

Como vimos, as diretrizes da reforma psiquiátrica foram concebidas no contexto do SUS


e no âmbito das reformas do modelo de atenção à saúde surgindo diversas propostas para sua
reconstrução, baseadas em princípios e estratégias tais como integralidade, promoção da saúde,
humanização, vigilância da saúde, etc.. A seguir apresentamos de forma sucinta os principais
significados desses aspectos importantes para entendermos a lógica do modelo atual de atenção à
saúde mental.

No SUS, a Humanização7 é vista como política que atravessa as diferentes ações e


instâncias gestoras. Nesse sentido, humanizar significa também transformar as ações assistenciais
propriamente ditas, indo além das suas implicações para a formulação das políticas de saúde, para
a gestão dos serviços, para a formação e supervisão técnica e ética dos profissionais.

7 De acordo como Ministério da Saúde a Humanização refere-se à valorização dos diferentes


sujeitos implicados no processo de produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores. Os
valores que norteiam esta política são a autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a co-
responsabilidade entre eles, o estabelecimento de vínculos solidários e a participação coletiva
no processo de gestão (BRASIL, 2004, p.8).
8
Nesse contexto, a noção de Cuidado é importante, pois ela transcende o âmbito técnico do
atendimento ou do nível de atenção em saúde, embora represente a materialidade das relações
interpessoais que se estabelecem nesse campo. (BRASIL, 2004)

Para Ayres (2004), a condição básica para que o Cuidado se estabeleça será a partir do
legítimo diálogo, ou seja, poder ouvir e fazer-se ouvir. A esta capacidade de escuta e diálogo tem
sido relacionado um dispositivo tecnológico de destacada relevância nas propostas de humanização
da saúde: o acolhimento8.

Essa estratégia deve se concretizar no cotidiano das práticas de saúde como uma escuta
qualificada, ou seja, escutar a queixa do paciente, identificar riscos e vulnerabilidades aliada à
capacidade de pactuação entre a demanda do usuário e a possibilidade de resposta do serviço, com
responsabilização daquilo que não se pode responder de imediato, mas que é possível direcionar
de maneira ética e resolutiva, com segurança de acesso ao usuário. Não deve ser confundido com
recepção ou com pronto-atendimento, pois é na interação entre usuários e serviços de saúde, em
todas as oportunidades em que se faça presente a possibilidade de escuta do outro, que se dá o
acolhimento.

Nesse cenário de humanização das práticas de saúde ganha destaque outro conceito também
instituído como princípio do SUS, a Integralidade. Trata-se de um dispositivo político de crítica de
saberes e poderes instituídos, por práticas cotidianas e novos arranjos sociais e institucionais em
saúde, muitas vezes marcados por conflitos e contradições em defesa da saúde como direito de
cidadania.

Como prática social, a Integralidade ganha riqueza e expressão no campo da saúde, à medida
que se almeja um enriquecimento das possibilidades terapêuticas, incluindo soluções diferentes
para o manejo de situações, vinculadas a situações existenciais, como mais uma alternativa inscrita
entre mudanças que podem humanizar as práticas assistenciais.

No âmbito da terapêutica médica, por exemplo, o uso de parâmetros diagnósticos, medicações,


doses e combinações podem seguir critérios mais singularizados, distintos do padrão convencional,
sempre que o manejo prático da situação particular demonstrar sua variação em relação a
comportamentos esperados. Além disso, outras terapêuticas devem ser pensadas para além do
âmbito estrito dos serviços de saúde, embora articulados a ele, tanto em termos de indivíduos
quanto de populações.

8 A Política Nacional de Humanização (PNH) define Acolhimento como um modo de operar os


processos de trabalho em saúde de forma a atender a todos que procuram o serviço, ouvindo seus
pedidos e assumindo uma postura capaz de acolher, escutar e pactuar respostas mais adequadas
aos usuários. (Brasil, 2004)
9
Considerando as noções de humanização e integralidade, apontamos como exemplos de
possibilidades de intervenções orientadas pelo Cuidado em saúde:

• Apoio à escolarização e aquisição de competências profissionais;


• Desenvolvimento de talentos e vocações;
• Atividades físicas e de vivências corporais;
• Atividades de lazer e socialização;
• Promoção e defesa de direitos, proteção legal e policial;
• Integração a ações de desenvolvimento comunitário e participação política.

Dessa forma, reconhece-se que o usuário, além de apresentar um problema de saúde, traz
consigo relações sociais e familiares, uma dada subjetividade que expressa sua história e, portanto,
este conjunto deve ser olhado. Ao considerar esses aspectos, trabalha-se com a transferência de
conhecimentos para o auto-cuidado, formas diversas de intervir sobre a subjetividade do usuário,
valorizando-o e aumentando sua auto-estima e autonomia (AYRES, 2004; MERHY, FRANCO, 2003).

Partindo dessa concepção ampliada de cuidado passamos a discorrer sobre como se organiza
o modelo de atenção à saúde mental. O modelo assistencial proposto a partir da reforma psiquiátrica
é constituído de uma rede de atenção psicossocial, com serviços de base comunitária, com
potencial de construção coletiva de soluções e capaz de fazer face à complexidade das demandas
no território.

A noção de território aqui mencionada envolve não apenas a definição de uma área geográfica
onde se vive, mas da dinamicidade deste espaço, das pessoas, das instituições, das redes e dos
cenários nos quais se dão a vida em comunidade. Trabalhar no território significa resgatar todos os
saberes e as potencialidades dos recursos da comunidade, construindo coletivamente as soluções,
a multiplicidade de trocas entre as pessoas e os cuidados em saúde mental.
Além disso, a Rede de Atenção psicossocial também deve garantir a resolutividade e ações
intersetoriais e trabalhos interdisciplinares objetivando a promoção da saúde integralmente. Um
exemplo dessa rede é o que visualizamos na figura 1, com alguns dos equipamentos sociais.

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Figura 1: Rede de Atenção Psicossocial

Considerando a realidade local, a rede de serviços de saúde mental pode ser composta pelos
seguintes componentes:
• Atenção Básica em Saúde;
• Atenção Psicossocial Especializada;
• Atenção de Urgência e Emergência;
• Atenção Residencial de Caráter Transitório;
• Atenção Hospitalar; Estratégias de Desinstitucionalização;
• Reabilitação Psicossocial.
Em todos os cenários, as equipes constroem coletivamente as estratégias para abordagem de
problemas vinculados à violência, ao abuso de álcool e outras drogas, às estratégias para redução
de danos, o fomento de ações para a diminuição da segregação pela loucura e combate ao estígma,
e mobilização dos recursos comunitários para a reabilitação psicossocial.
O Ministério da Saúde (MS) através da portaria GM/nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011
instituiu a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e
com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do SUS. Os
componentes e serviços dessa rede e as principais ações e responsabilidades desses serviços
estão apresentados no Anexo 1. (BRASIL, 2011a)

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Fique
Atento
A Rede de Atenção à Saúde Mental9 é maior que do que o conjunto dos
serviços de saúde mental do município, uma vez que são articuladas a outras
instituições, associações, cooperativas e variados espaços das cidades. É essa
articulação intersetorial em rede que pode garantir resolutividade, promoção
de autonomia e da cidadania das pessoas com transtornos mentais.
Caracteriza-se pela formação de relações horizontais entre os pontos de
atenção com a Atenção Primária à Saúde, pela responsabilização
na atenção contínua e integral, pelo cuidado multiprofissional, pelo
compartilhamento de objetivos e compromissos com os resultados sanitários
e econômicos

Para que esse processo de articulação em rede se efetue é importante considerar uma
mudança na lógica tradicional de encaminhamento (referência e contra-referência) dos usuários.
Os sistemas de saúde tradicionais se organizam de uma forma vertical (hierárquica), conforme
observada na organização piramidal, havendo uma transferência de responsabilidade ao encaminhar.
A comunicação entre os dois ou mais níveis hierárquicos ocorre, muitas vezes, de forma precária
e irregular, geralmente por meio de informes escritos, como pedidos de parecer e formulários de
contra-referência que não oferecem uma boa resolubilidade.

A proposta baseada na integralidade visa transformar essa lógica tradicional dos sistemas
de saúde, substituindo-a por ações horizontais que integrem os componentes e seus saberes nos
diferentes níveis assistenciais, organizada em redes, como se observa na figura 2.

Figura 2 - Organização do sistema de saúde

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FONTE: MENDES, 2012

A integração da saúde mental à atenção primária na realidade brasileira tem o modelo de


apoio matricial, formulado por Gastão Wagner Campos (1999), como o norteador das experiências
implementadas em diversos municípios. Segundo esse autor, Matriciamento ou apoio matricial
é um modo de produzir saúde em que duas ou mais equipes, num processo de construção
compartilhada, criam uma proposta de intervenção pedagógico-terapêutica. (CAMPOS, 2007;
FIGUEIREDO, CAMPOS, 2009)

No caso da saúde mental, alguns municípios organizam o apoio matricial através de equipes
formada por profissionais dos CAPS e/ou do NASF que apoiam as equipes de saúde da família,
também chamadas de equipes de referência, incluindo qualquer ator da rede necessário para aquele
indivíduo e sua família.

Nesse contexto destacam-se alguns tipos de rede importantes para o matriciamento:

Rede de serviços de saúde


Rede intersetorial9
Rede social do indivíduo10

O apoio matricial se caracteriza pelas dimensões de suporte assistencial e técnico-pedagógico.


A dimensão assistencial é aquela que vai produzir ação clínica direta com os usuários, e o apoio se
dá na construção de projetos terapêuticos, incluindo qualquer ator da rede necessário para aquele
indivíduo e sua família.
A ação técnico-pedagógica vai produzir ação de apoio educativo com e para a equipe, a partir
das discussões de casos e temas, de forma a compartilhar o conhecimento específico com a equipe
de referência, para que possa lidar com esse saber e fazer dele conhecimento de todos. Essas duas
dimensões podem e devem misturar-se nos diversos momentos.
A abordagem familiar é a ferramenta fundamental no planejamento do cuidado integral em
saúde mental dos profissionais de saúde, independente se é na atuação conjunta com a equipe de
apoio matricial ou na atuação individual na atenção básica, pois a família tem um papel essencial
na recuperação da saúde do usuário com sofrimento mental. No quadro 1 encontram-se alguns
instrumentos úteis para avaliar a estrutura e a dinâmica familiar:

9 É composto por instituições públicas ou não que devem fazer parte do projeto terapêutico
do indivíduo, considerando o conceito amplo de saúde, como as escolas, ONG’s, Conselho tutelar,
igrejas, entre outras
10 É uma estrutura social com ações de apoio ao indivíduo com sofrimento mental, composta
por pessoas ou organizações, conectadas por um ou vários tipos de relações, que partilham valores
e objetivos comuns
13
Quadro 1- Instrumentos úteis para avaliar a estrutura e a dinâmica familiar

Objetiva realizar a caracterização do sistema familiar (estrutura,


Entrevista familiar desenvolvimento e funcionamento familiar, condições materiais de
vida, estado de saúde dos integrantes, rede social da família etc.).

O Genograma Familiar é uma representação gráfica da família.


Identifica suas relações e ligações dentro de um sistema
Genograma multigeracional (no mínimo três gerações). Instrumento amplamente
utilizado na Terapia Familiar, na formação de terapeutas familiares,
na Atenção Básica à Saúde e, mais recentemente, em pesquisas
sobre família.

Ecomapa, tal como o Genograma, integra o conjunto dos


instrumentos de avaliação familiar. Entretanto, enquanto o
Genograma identifica as relações e ligações dentro do sistema
Ecomapa multigeracional da família, o Ecomapa identifica as relações e
ligações da família com o meio onde ela vive. Foi desenvolvido em
1975 por Ann Hartman. É uma representação gráfica do sistema
ecológico da família. Identifica os padrões organizacionais da
família e a natureza das suas relações com o meio, mostrando-nos
o equilíbrio entre as necessidades e os recursos da família.
Objetiva compreender melhor o funcionamento da família
estudando as suas relações de poder,
F.I.R.O.
comunicação e afeto. A família é estudada nas dimensões de
Fundamental
inclusão, controle e intimidade.
Interpersonal
Essa ferramenta é bastante útil quando a família se depara
Relations Orientation
com situações que provocam crises familiares e demandam
(Orientações
negociações e alterações de papéis entre os seus membros, tais
Fundamentais nas
como problemas de saúde, mudanças, doenças agudas e crônicas,
Relações
hospitalizações etc. Também é utilizada na avaliação de problemas
Interpessoais):
conjugais ou familiares, para entender como a família está lidando
com alterações no ciclo da vida.

Discussão e reflexão Discussão e reflexão de casos com equipe multiprofissional -


de casos clínicos discussão dos casos clínicos, estudo de caso etc.

Permite conhecer e construir um projeto terapêutico de cuidado


Projeto terapêutico para a família. O Projeto Terapêutico é um conjunto de propostas
de cuidado à família de condutas terapêuticas articuladas a partir da discussão em
equipe interdisciplinar, com apoio matricial, se necessário, e com a
participação da família na sua elaboração.

14
Objetiva a avaliação do funcionamento da família de um paciente
específico. Fornece informações sobre a organização familiar e o
posicionamento da família diante dos problemas
enfrentados, possibilitando o manejo daquele caso específico.
Essa ferramenta foca no problema, permite uma aproximação
esquematizada para trabalhar com a família, facilita a coleta
de informações e a elaboração da avaliação com construção de
intervenção.
P.R.A.C.T.I.C.E
Presenting problem (problema apresentado)
Roles and structure (papéis e estrutura)
Affect (afeto)
Comunication (comunicação)
Time of life cycle (fase do ciclo de vida)
Illness in family (doença na família)
Copingwith stress (enfrentamento do estresse)
Ecology (meio ambiente, rede de apoio)

FONTE: BRASIL, 2013

A atuação do profissional de saúde na abordagem familiar deve visar:

• Identificar os integrantes familiares com maior vínculo ao usuário e que podem auxiliar no
cuidado em saúde mental;
• Priorizar atendimento às famílias com maiores dificuldades psicossociais;
• Ouvir os integrantes familiares sem recriminá-los ou julgamentos baseado em qualquer tipo
de preconceito;
• Observe como os integrantes familiares comunicam-se e colocam-se no contexto do
atendimento.

De acordo com as produções do Ministério da Saúde (Brasil 2009; 2011b), descrevemos


alguns instrumentos do processo de matriciamento em saúde mental:

A - Elaboração do projeto terapêutico singular (PTS)

O PTS é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, para um sujeito


individual, para grupos ou famílias, resultado da discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar.
É fundamental levar em consideração não só o indivíduo ou grupo, mas todo o contexto social
envolvido. Trata-se de uma variação da discussão de “caso clínico”, principalmente dos casos mais
complexos, no âmbito da atuação integrada da equipe valorizando outros aspectos no tratamento
dos usuários, além do diagnóstico psiquiátrico e da medicação.

15
O PTS se desenvolve em quatro momentos, sintetizados a seguir:

• Diagnóstico - Em toda discussão de caso deve-se buscar uma formulação diagnóstica, mesmo
que temporária, pois, mais importante do que acertar o código diagnóstico, é compreender
a situação em suas várias facetas. Essa etapa constitui a avaliação/problematização dos
aspectos orgânicos, psicológicos e sociais, buscando uma conclusão, ainda que provisória, a
respeito dos riscos e da vulnerabilidade do usuário. A equipe deve evitar restringir-se somente
aos problemas e dificuldades procurando compreender como o sujeito singular se coproduz
diante da vida e da situação de adoecimento. Buscando as potencialidades, os interesses, as
vitalidades do sujeito, assim como o trabalho, a cultura, a família e a rede social é mais fácil
encontrar aliados para o PTS. Outro aspecto importante desse momento é a produção de
algum consenso operativo sobre quais os problemas relevantes tanto do ponto de vista dos
vários membros da equipe quanto do ponto de vista do(s) usuário(s).

• Definição das metas - A equipe trabalha as propostas de curto, médio e longo prazo que
serão negociadas com o sujeito “doente” e as pessoas envolvidas no enfrentamento dos
problemas. A negociação deverá ser feita, preferencialmente, pelo membro da equipe que
tiver um vínculo melhor com o usuário.

• Divisão de responsabilidades - Os casos devem ter um profissional de referência, que na


Atenção Básica pode ser qualquer membro da equipe de Saúde da Família, independentemente
da formação. Essa estratégia visa favorecer a continuidade e articulação entre formulação,
ações e reavaliações. Cabe a esse profissional se manter informado do andamento de todas
as ações planejadas no PTS e será aquele que a família procura quando sente necessidade
e com o qual negocia as propostas terapêuticas. Ele também aciona a equipe do NASF
caso aconteça um evento muito importante e articula grupos menores de profissionais para a
resolução de questões pontuais surgidas no andamento da implementação do PTS.

• Reavaliação - Momento em que se discutirá a evolução e se farão as devidas correções dos


rumos tomados. É importante a retomada periódica do PTS para atualizar a evolução dos
casos, repactuar e reformular as metas e, também, para avaliar o que deu certo e o que não
deu.

B - Consulta conjunta de saúde mental na atenção primária

Quando um profissional necessita de apoio para complementar e/ou esclarecer aspectos da


situação de cuidado para traçar um plano terapêutico ele pode solicitar uma consulta conjunta, ou
seja, reunir profissionais de saúde de diferentes categorias, o paciente e, se necessário, a família
deste para discutirem o caso.

16
A consulta conjunta é uma técnica de aprendizagem em serviço e deve combinar elementos de
atenção com características pedagógicas. Ou seja, além de contribuir para o caso, no esclarecimento
de questões diagnósticas e na elaboração de possibilidades terapêuticas, esse recurso favorece ao
matriciador e a equipe de referência o desenvolvimento de competências de compreender e lidar com
as demandas e peculiaridades da atenção primária e da ESF. Essa estratégia deve proporcionar a
avaliação de risco, o manejo dos casos com a elaboração de projetos terapêuticos, caracterizando-
se como um processo de educação permanente, onde vários profissionais têm a oportunidade de
aprender na prática cotidiana do atendimento das demandas de saúde mental.

Cabe ao matriciador dialogar com a equipe de referência sobre as dúvidas e, principalmente,


perguntar a opinião sobre condutas, instigando os profissionais a raciocinarem a partir de uma
posição ativa na condução do caso.

Sobre a quantidade de profissionais envolvidos na consulta conjunta observa-se que não há


uma definição (5 ou 6 em muitos casos), porém, é imprescindível que os usuários e familiares sejam
consultados sobre a aceitação desse tipo de consulta e considere-se os limites da confidencialidade.
Quando manifestam desconforto com essa situação pode-se recorrer a equipe mínima, ou seja, um
matriciador e um profissional da ESF.

C - Visita domiciliar conjunta

A visita domiciliar é um recurso bastante utilizado nas intervenções dos serviços de base
territorial, principalmente para atender pessoas com dificuldade de deambulação, recusa ao cuidado
e/ou que não podem ser atendidos nas unidades de saúde.

Geralmente, os profissionais dos CAPS realizam visita domiciliar de pacientes portadores


de transtornos mentais graves e persistentes, comumente de maior gravidade, o que acentua um
caráter quase terciário a esse tipo de atendimento.

A visita domiciliar conjunta de saúde mental na atenção primária apresenta diversas


características comuns à consulta conjunta. No entanto, pode haver uma tendência de repetir a
seleção de casos com características semelhantes aos atendidos pelos CAPS.
No caso da atenção primária é importante a ampliação da necessidade de atenção em saúde
mental para os casos de maior complexidade social ou psicossocial. Nesse sentido, se faz necessário
discutir com a ESF quais são os grupos de risco nessa população e que tipos de usuários com
questões psicossociais têm dificuldade de acesso ao serviço. Por exemplo, cárcere privado; abuso
ou negligência familiar; suspeita de maus-tratos e abuso sexual de crianças e adolescentes, além
de outras evidências de violência intrafamiliar; situações de extremo isolamento social; situações
de grave exclusão social (idoso ou pessoa com deficiência em situação de abandono, crianças e
adolescentes em situação de risco pessoal ou social, população em situação de rua); entre outros.

17
As discussões coletivas envolvendo profissionais (matriciador e equipe de referência),
usuário e familiares têm as mesmas características da consulta conjunta. Porém, considerando que
o ambiente da visita é o domicílio dos usuários, algumas ponderações são necessárias na hora de
decidir a conduta a ser tomada. Pode-se explicar ao usuário que a equipe irá se reunir na unidade
de saúde para a tomada de decisões e que as propostas serão trazidas para ele pela equipe de
referência ou as decisões são tomadas diante do paciente, o que só é recomendável para equipes
que já estejam trabalhando com um grau suficiente de integração.

Uma questão importante é a revisão dos casos acompanhados pela visita domiciliar que,
devido à sua complexidade, devem ser observados. Uma estratégia para facilitar o controle e
manutenção desses casos pode ser um registro das intervenções, o que pode contribuir para avaliar
como estão evoluindo.

D - Contato a distância: uso do telefone e de outras tecnologias de comunicação

O uso do telefone ou outras tecnologias de comunicação (Telessaúde) podem facilitar as


ações de matriciamento quando não for possível acionar os matriciadores ou a situação requerer um
apoio com mais urgência. No caso do telefone, os profissionais da equipe de referência podem tentar
um contato com os matriciadores e esclarecer situações, como a dosagem de um medicamento, por
exemplo.

Já o Telessaúde necessita de uma unidade de saúde mais estruturada, com disponibilidade


de um terminal com acesso à internet, tendo como referência um outro polo com a opinião de
especialistas. Na saúde mental, o uso de câmeras e microfones pode minimizar o efeito da distância
no contato entre as pessoas, personalizando o atendimento. Nesses serviços, além da comunicação
imediata e mediada por recursos como e-mail ou fóruns, há possibilidade de agregar outras
funcionalidades, como os prontuários eletrônicos, o acesso à informação científica e as atividades
educativas.

Esses são alguns exemplos de instrumentos utilizados no processo de matriciamento.


Cada município, partindo de sua realidade local, deve organizar ações de saúde mental,
a partir da responsabilidade conjunta das equipes e das características.

18
REFERÊNCIAS

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Janeiro: Fiocruz; 2000.

AYRES, J.R.C.M. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas em saúde. Saúde Soc.,
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Acesso em 1 mai. 2012

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de Humanização. Documento base para gestores e trabalhadores do SUS. Brasília: Ministério
da Saúde, 2004. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_
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da Saúde, 2009. 160 p. : il. – (Série B. Textos Básicos de Saúde) (Cadernos de Atenção Básica ;
n. 27). Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderno_atencao_basica_diretrizes_
nasf.pdf.> Acesso em: 1 jun. 2012

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Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes
do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasília, DF,
2011a. Disponível em: <http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/gm/111276-3088.html> Acesso em 22
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2011b. Disponível em: <http://www.twiki.ufba.br/twiki/pub/CetadObserva/Outros/guia-matriciamento_MS_
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BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.


Cadernos de Atenção Básica: Saúde Mental, n. 34. Brasília : Ministério da Saúde, 2013. 176 p.
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20
PITTA, A.M.F.. Um balanço da reforma psiquiátrica brasileira: instituições, atores e polí­ticas. Ciênc.
saúde coletiva [online]. 2011, vol.16, n.12 [citado  2012-04-25], pp. 4579-4589. Disponí­vel em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232011001300002&lng=pt&nrm=i
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ROTELLI, F; LEONARDIS, O; MAURI, D; RISIO, C. Desinstitucionalização. São Paulo: Hucitec;


1990.

TENÓRIO, F. A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e
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<http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v9n1/a03v9n1.pdf.> Acesso em 22 mai. de 2012.

21
REFERÊNCIA DE APOIO

Arquivos:

• BRASIL. Portaria GM nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção


Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades
decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de
Saúde. Brasília, DF, 2011a. Disponível em: < http://www.brasilsus.com.br/legislacoes/
gm/111276-3088.html>.Acesso em 22 mai. 2012.
• LAVALL, E.; OLSCHOWSKY, A. KANTORSKI, L.P. Avaliação de família: rede de apoio
social na atenção em saúde mental. Rev Gaúcha Enferm., Porto Alegre (RS) 2009
jun;30(2):198-205 Disponível em http://seer.ufrgs.br/RevistaGauchadeEnfermagem/article/
view/4200/6676
• RABELO, I.V.M. Matriciamento e Saúde Mental na Estratégia Saúde da Família. Anais
do XV Encontro Nacional da ABRAPSO – Associação Brasileira de Psicologia Social.
Maceió, 2009. Disponível em http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/images/Anais_
XVENABRAPSO/606.%20matriciamento%20e%20sa%DAde%20mental%20na%20
estrat%C9gia%20sa%DAde%20da%20fam%CDlia.pdf

Vídeo:

• Reforma Psiquiátrica. Entrevista do Programa Unidiversidade, pelo Canal Saúde Fiocruz, no


dia 12/12/11. Fonte www.canal.fiocruz.br
• Filme “Bicho de sete cabeças”, dirigido por Laís Bodanzky e com roteiro de Luiz Bolognesi.
2001

22
ANEXO

Anexo 1- Componentes e principais ações dos serviços da Rede Psicossocial para Pessoa com
Sofrimento Mental

Quadro 1: Serviços e ações de saúde mental na atenção básica


Quadro 2 - Serviço e ações de saúde mental na atenção especializada
Quadro 3 - Serviços e ações de saúde mental na atenção urgência e emergência

Serviços Definição e Ações

SAMU 192, Sala de São responsáveis, em seu âmbito de atuação, pelo   colhimento,
Estabilização, UPA 24 horas, classificação de risco e cuidado nas situações de urgência e emergência
portas hospitalares de das pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades
atenção à urgência/pronto decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas
socorro, UBS

Realizam o acolhimento e o cuidado das pessoas em fase aguda do


transtorno mental, seja ele decorrente ou não do uso de crack, álcool
e outras drogas, devendo nas situações que necessitem de internação
CAPS
ou de serviços residenciais de caráter transitório, articular e coordenar o
cuidado.

Quadro 4 - Serviços e ações de saúde mental na atenção residencial de caráter transitório


Serviços Definição e Ações

É um ponto de atenção que oferece cuidados contínuos de saúde, com funcionamento


24 horas, em ambiente residencial, para pessoas com necessidade decorrentes do
uso de crack, álcool e outras drogas, de ambos os sexos, que apresentem acentuada
vulnerabilidade social e/ou familiar e demandem acompanhamento terapêutico e protetivo
de caráter transitório. O tempo de permanência na Unidade de Acolhimento é de até seis
(06) meses. O acolhimento neste ponto de atenção será definido exclusivamente pela
Unidade de equipe do CAPS de referência que será responsável pela elaboração do PTS do usuário,
Acolhimento considerando a hierarquização do cuidado, priorizando a atenção em serviços comunitários
de saúde. São organizadas nas seguintes modalidades:

- Unidade de acolhimento Adulto, destinados a pessoas que fazem uso do Crack, Álcool
e Outras Drogas, maiores de 18 (dezoito) anos;

- Unidade de Acolhimento Infanto-Juvenil, destinadas a adolescentes e jovens (de


doze até dezoito anos completos).

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Comunidades Terapêuticas - serviço de saúde destinado a oferecer cuidados contínuos
de saúde, de caráter residencial transitório por até nove (09) meses para adultos com
Serviços necessidades clínicas estáveis decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas.
de Atenção Funciona de forma articulada com a atenção básica - que apoia e reforça o cuidado clínico
em Regime geral dos seus usuários - e com o CAPS que é responsável pela indicação  do acolhimento,
Residencial pelo acompanhamento especializado durante este período, pelo planejamento da saída e
pelo seguimento do cuidado, bem como, participa de forma ativa da articulação intersetorial
para promover a reinserção do usuário na comunidade.

Quadro 5 - Serviços e ações de saúde mental na atenção hospitalar

Serviços Definição e Ações

E n f e r m a r i a Oferece tratamento hospitalar para casos graves relacionados aos


especializada no transtornos mentais e ao uso de álcool, crack e outras drogas, em
Hospital Geral para especial de abstinências e intoxicações severas. O cuidado ofertado
atenção às pessoas deve estar articulado com o Projeto Terapêutico Singular desenvolvido
com sofrimento mental pelo serviço de referência do usuário e a internação deve ser de curta
e com necessidades duração até a estabilidade clínica. O acesso aos leitos neste ponto de
decorrentes do uso de atenção deve ser regulado com base em critérios clínicos e de gestão
crack, álcool e outras por intermédio do CAPS de referência. No caso do usuário acessar
drogas a rede por meio deste ponto de atenção, deve ser providenciado sua
vinculação e referência a um CAPS, que assumirá o caso. A equipe que
atua nessas enfermarias deve ter garantida composição multidisciplinar
e modo de funcionamento interdisciplinar.

Hospital Psiquiátrico Oferece suporte hospitalar, por meio de internações de curta duração,
de Referência para para usuários de álcool e/ou outras drogas, em situações assistenciais
Atenção às pessoas que evidenciarem indicativos de ocorrência de comorbidades de ordem
com sofrimento mental clínica e/ou psíquica, sempre respeitadas as determinações da Lei
e com necessidades No- 10.216, de 2001, e sempre acolhendo os pacientes em regime
decorrentes do uso de de curtíssima ou curta permanência. Funciona em regime integral,
crack, álcool e outras durante 24 horas diárias, nos sete dias da semana, sem interrupção
drogas da continuidade entre os turnos. Em nível local ou regional, compõe a
rede hospitalar de retaguarda aos usuários de álcool e outras drogas,
observando o território, a lógica da redução de danos e outras  premissas
e princípios do SUS.

24
Quadro 6 - Serviços e ações de saúde mental nas Estratégias de Desinstitucionalização

Serviços Definição e Ações

São moradias inseridas na comunidade, destinadas a acolher


Serviços Residenciais pessoas egressas de internação de longa permanência (dois anos
Terapêuticos ou mais ininterruptos), egressas de hospitais psiquiátricos e hospitais
de custódia, entre outros.
Visa contribuir e fortalecer o processo de desinstitucionalização,
Programa de Volta para instituída pela Lei 10.708/2003, que provê auxílio reabilitação para
Casa (política pública de pessoas com transtorno mental egressas de internação de longa
inclusão social) permanência.

São ações de caráter intersetorial destinadas à reabilitação


psicossocial, por meio da inclusão produtiva, formação e qualificação
para o trabalho de pessoas com transtorno mental ou com
Iniciativas de geração necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas
de trabalho e renda/ em iniciativas de geração de trabalho e renda/empreendimentos
empreendimentos solidários/ cooperativas sociais. Tais iniciativas devem articular
solidários ou sistematicamente as redes de saúde e de economia solidária com
cooperativas sociais os recursos disponíveis no território para garantir a melhoria das
condições concretas de vida, ampliação da autonomia, contratualidade
e inclusão social de usuários da rede e seus familiares.

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