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PROLOGO
-1-
pelos podres do Companhia de JeS�,�S, -poro aí. cursor os huma
nidades. Acompanhavam-no o podre Déoge, seu preceptor, e
Jorge Rollond, que lhe devia servir de criado até o morte.
Francisco fez o curso de retórico com grande aplicação
e- brilho, edificando se1.1s mestres e condiscípulos pelo emi�
nêncio de s1.1o virtude, �modo e venerado de todos pelo suo
bondade sempre humilde e suo i nolterâvel doçura.
Deus poro temperar seu valor, enviou-lhe uma horrível
tentação: Francisco convence1.1-se que estava condenado, e,
perseguido por esta idéio fixo, perdeu o sono e o apetite.
Redobrou os orações e austeridades, porém o demônio lhe .repe
tia sem cessar: "Se rãs condenado".
"Senhor, exclamava então o santo jovem, se não vos
posso amor no outro vida, concedei-me ao menos que opro
. veite poro vos amar todos os momentos da minha breve exis
tência terrestre".
Torturado dêste modo durante seis semanas, entrou um
dia no igreja de Santo Estevão des. Gres, e rezou o "Lembrai-vos"
perante o imagem do Santíssimo Virgem venerado ainda hoje
na capela dos Domas de Santo Tomoz de Villonovo; e, depols
d(• ter rezado o dito oração, renovou seu - voto de castidade.
Caiu-lhe no mesmo instante o véu que lhe obscurecia o espírito,
e o provo terminou poro sempre. Apenas acabados, em Paris,
seus .. estudos literârios e filosóficos, Francisco após breve per--
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monêncio entre os seus, foi enviado pbr seu poi poro estudar
Direito no Universidade de Pâduo, onde chegou em i Sli6.
Ali suo piedade sempre crescente, grongeou-lhe t6dos os
vontades. Contudo, alguns libertinos, aos quais seus exemplos
e conselhos não tinham lógrodo conduzir oo bem, resolveram
fazer-lhe perder o estimo geral, expondo-o oo ridículo de
possor por covarde. Tendo-se colocado alguns dêles riumo ruo
deserto, por onde Francisco devia possor, cercaram-no simu
lando um atentado à suo vida. Poré·ni, o santo jovem, usando
o direito de legítimo defeso, desembainhou o espada, pôs-se
em guardo e ameaçou· utilizar-se do armo se não se retirassem.
Intimidados por tal atitude, os tolos desapareceram e não mais
molestaram Francisco quando passava pelo meio dêles.
Uma grave 'enfermidade veio interromper,' tempCJ!r!ário
mente, seus estudos. Chegou-se o temer pelo suo vida, e no
momento em que o perigo era maior, êle mesmo expressou ao
podre Dêoge o desejo de que seu corpo fôsse levado ao· anfi
teatro poro os pesquisas de anatomia. Deus, movido por esta
humildade- e destinando Froncisco o uma alto posição, resti
tuiu-lhe o saúde· quosi subitamente.·
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tambén"! ao ompa_ro divino o . não ser devorado pelo ma�.
Resolvendo viajar de Ancona a Veneza, uma doma napolitano
pretendia. ter reservado para si e poro seu séquito o embar
cação �m que Francisco tinha tomado passagem. Apesar dos
razões do jovem, a domo insistiu com tanta arrogância e tei
mosia que o santo julgou oportuno ceder.
Mal o navio afastara-se da costa, uma tempestade, que de
súbito se desencadeou, tragou-o com todos os. seus passageiros.
Após uma breve demoro em Veneza, Francisco voltou
para Sabóia, e reuniu-se à suo família depois de uma ausênCia
de vãrios _anos; contava vinte e cinco anos.
Suo inteligência, sua virtude, e ainda o compostura de
�uo pessoa, causaram uma indizível alegria a seus pois. O
Senhor de Boisy e de Sales, persuadido de que seu filho havia
de ser o orgulho da família e dos pais, quis que procurasse a,
dignidade de advogado no Parlamento de Sabóia.
Francisco, sempre submisso, partiu poro Chombery, onde,
depois das provas solenes, foi recebido e proclamado advo
gado. Porém, em consideração o um prodígio, três vezes
renovado, Francisco, convencido de que tinha chegado para
êle o hora de Deus, e aconselhado pelos mais sãbios conse
lheiros, dispôs-se a solicitar ·a autorização paterna poro ,abra
çar o estado sacerdotal.
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Tão longe estava o senhor -de' aoisy de· imaginar que 'Seu
filho pudesse abandonar o ·mw:tdo, que prfmeiro pe-nSO\I em
arranjar-lhe ·um· matrim&nio e lago instou cóm éle p::Jl'a que
aceitasse as altas funções de senador com que então à quise
ram brindar.
.
Luiz de Sales, pr imo de nosso Santo cônego do cabido
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a palavra de .Deus, multiplicando seus esf6rços a favor dos
protestantes arrastados e seduzidos pelo cisma de Lutero e
Calvino, conduzindo-os pelos seus sermões do grêmio da Igreja.
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Foi à fortaleza dos Allinges, castelo situado o 6 quilôme
tros de Tonon, onde Francisco o principio, fixou o_ suo resi
dência. Indo tôdos os manhãs o Tonon, reunia os poucos ca
tólicos que ali restavam. Mos, apenas conhecido o suo chegado,
os ministros protestantes amotinaram o povo contra êle. Uma
tarde e � que Francisco regressava ao castelo dos Allinges,
lançaram-se contra êle, espada em mão, dois fanáticos. Fran
cisco aproximou-se, falou-lhes com doçura e outoridáde sobre
humano, excitou neles o orrependÚ nento e lhes abriu os braços.
Os a&sossinos cairom de joelhos e juraram converter-se.
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escorregadio, que Francisco tinha de atravessar de gatinhes
êsse pcsscdouro improvisado, suspenso sôbre o -abismo.
O exemplo de tantos virtudes produzia já frutos abun
dantes, porque os almas vinham c êle, os pecadores se con
vertiam, e dia por dia voltavam c Deus alguns protestantes.
Abriram c marcha os IJObres e os humildes, mas muito em
breve os con:versões famosos, c de Pedra Poncet, advogado de
grande conceito, e c do barão de Avully, o primeiro persona
gem do Chcblcis, cccbcrcm de resolver muitos fracos e vaci
lantes c abandonar c heresia.
Um dós- principais ministros calvinistas de Genebra, cha
mado Lo Foye, cometeu c imprudência de escrever co barão
de Avully taxando-a de vítima do engano de Francisco e com
prometendo-se c convercer o Sento de êrro.
�ste, contendo com · o auxílio de Deus, aceitou o desafio,
e como o ministro não aparecesse em Tonon, conforme c sue
promessa, Francisco foi c êle acompanhado do sr. de Avul ly
e grande número de protestantes. Realizou-se c conferência
publicamente, e com tente lógico refutou Francisco os erros
do hereje que êste rematou a discussão com uma descarga de
insultos. I menso foi o efeito em todo c país: comoveu�se tôdc
o povoação, registrarem-se centenas de conversões e aldeias
inteires voltarem à unidade de fé.
Sobremodo satisfeito ficou o duque de Sabóia com estes
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maravilhas; en\liau Francisca a Turim e se propôs facilitar
com tôdas as veres o restabelecimento do culta católico em
seus estados. Ordenou que se restituísse aos párocos do
Chablais os bens eclesiásticos que lhes. tinham sido arreba
tados pelos cplvinistas e devolveu as igrejas ao culto católico.
Francisco, de volta a Tonon, teve a consolação de cele
brar ali a missa da Noite de. Natal, apesar das ameaças dos
protestantes, que quiseram impedí-lo pela violência, e desde
oquêle dia ofereceu-se ininterruptamente o santo sacrifício
naquela feliz povoação, onde a heresia tinha triunfado por
mais de sessenta anos.
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Francisco, lhe expôs seu desejo e sua atrevida empresa; porém
subjugado pela santidade de seu visitante, aceitou ·discutir com êle.
Nesta primeira conferência, Beza viu-se forçado a con
fessar que é possível alcançar a salvação na Igreja romana;
porém insistiu em atribuir aos abusos exteriores que nela se
haviam introduzido, os revoluções, guerras, matanças e in
cêndios provocados pelos calvinistas, e se estendeu, poro de
fender sua causa, sôbre o grande princípio elo protestant'lsmo:
que a fé sem as obras é suficiente para a salvação.
Duas vezes mais Francisco voltou a Genebra, porém todos
os seus esforços esfacelaram-se contra a endurecimento do
ancião, o qual via a verdaqe, mas não tinha, para segui-la, a
fôrça de lhe sacrificar suas honras e fortuna. Conta-se que_
tentou fugir de Genebra, porém, foi tão bem guardado pelos
protestantes, que escravo, até o fim, dêstes sectários, morreu
sem se atrever a abjurar a heresia.
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No albergue em que se alojava, vrvro uma pobre filho
do campo, chamado Jacobo Coste, que desempenhava o hu
milde ofício de servente. Deus, que o destinava poro ser um
dia uma dos primeiros filhos de São Francisco de Soles rio
futuro Ordem do Visitação, tinha-o levado com tal fim o
Genebra.
Todos os domingos ia elo à missa num povoado perto do
cidod'e, porque em Genebra estava rigorosamente proibido o
exercício do culto católico, e a celebração da missa era um
crime castigado com a morte; ali, como em todo lugar onde
dominava o Reforma, êste era o primeiro ·artigo do código do
liberdade religiosa· inaugurada pelo protestantismo.
Apenas Francisco se retirou o seu quarto, apresentou-se-lhe
Jacobo, que o tinha reconhecido. Recebeu-a com bondade,
ouviu-o em confissão, e, depois de ter anoitecido, deu-lhe a
santo comunhão. Perguntou-lhe elo ingenuamente: "Como
fareis, padre, pois não tendes clérigos que vos assistam?" -
"Minha filha, respondeu, não repore nisto porque os nossos
anjos aqui presentes lhes farão os vez
. es, porque seu oficio
é orar no presença do Santo Sacramento". Deixou o pobre
e santa donzela contente e consolada, e êle por suo vez tirou
da entrevista o pressentimento de· que mais adiante haveria de
encontrar nela uma ajudo paro o cumprimento do vontade de
Deus.
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De volto o Tt:>non, Francisco obteve de seu bispo três
zt>losos missionários poro trabalharem com êle no evongeli:
zoção do Choblois. Os novos missionários puseram logo mãos
à obra e recolheram abundantes frutos do messe semeado e
preparado por Francisco. Um dos seus primeiros pensamentos
foi o de celebrar com o maior solenidade posslvel o ceremônio
dos Quarenta Horas, no localidade de Annemosse, o uma
légua de Genebra.
Para lá se tronsladou Francisco, no dia fixado, precedido
do fiel Rolando, que levava o cruz, e seguido de uma multidão
de católicos, cujo número ia crescendo em cada povoação por
onde passavam. Continuaram-se os procissões durante três
dias e só cessaram com o mesmo . solenidade.
A ereção do cruz com que se rematou o ceremônia, foi
ainda mais comovedora. No momento em que o sagrado
signo do salvação, levado pelos penitentes de Annecy, foi ele
vado nos ores e fixado no solo, frente à herético Genebra,
um estremecimento passou por tôdo aquela gente que não
contava menos de trinta mil católicos. Os protestantes asso
ciados à multidão diziam com lágrimas: "Aí está Deus e
nós jamais vimos coisa parecido". Converteram-se muitos,
muitos ficaram profundamente impressionados, e uma porte
dos ministros de Tonon e dos arredores, renunciando o lutar
contra o corrente geral e contra os missionários, ausentaram-se
do lugar.
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Tendo ido Fronciséo o Annecy poro pôr em ordem diver
sos assuntos, encontrou tado o região consternado por uma en
fermidade contagioso, que causava espantosos estragos, cei�
fondo cada dia novos vítimas. Em vez de tomar um descanso
de que tonto necessitava, o santo sacerdote pôs-se o lutar com
tôdas os suas fôrças contra o terrível flagelo. Noite e dia
visitava os doentes, servia-lhes pessoalmente, consolava e pre
parava-os à morte. A suo saúde, já exgotado pelos inauditos
fadigas do apostolado, não pade resistir o tal prova, e, em
4 de janeiro de 1598, viu-se Francisco atacado do mal que o
levou em poucas horas às portos do túmulo. O bispo Gronier,
desolado pelo iminente perda de quem era seu braço direito,
entregou-se à oração com a cidade inteira paro pedir a Deus
o cura do Santo. Aplacado o céu, o enfermo recobrou subita
mente a saúde.
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de eompones.es. A prático daquele" desconhecido, sua fé e seu
zêlo chegaram-lhe á olmo. Averigou seu nome, foi ter com
êle e abjurou publicamente em suas mãos.
·- O mérito e a honro de tôdas estas conversões, ante
o� homens e Deus, pertenciam o Francisco. Um milagre es
tro11doso, produzido por suo intercessão, veio o impnmrr .um
como sêlo à suo fomo de santidade. Num dos arrabaldes de
Toncn vivia uma senhora protestante que até então, apesar de
tudo, tinha permanecido na adesão ao calvinismo. Deu à luz
um· menino o quem não se apressou em batizar;· o menino
morreu pouco tempo depois. A pobre mãe, errlouquecido de
dor, quis levar .nos próprios braços o filho ao cemitério. En
contrando-se por ocaso no cominho com São FranCisco, corre
poro êle exclamando: "Meu podre, devolvei-me meu filhinho,
ao menos pelo tempo suficiente paro que possa ser batizado,
e eu me farei católica�. Francisco coi de joelhos e oro. Apenas
terminado o aroçãp, o menino abre os olhos, movimenta os
membros e volto à vida. A mãe, fora de sí de alegria, fá-lo
batizar na mesma momento pelo Santo que está rodeado por
imenso turbo de gente. A r:nãe converteu-se pouco depois com
tôdo o família.
O duque de Sabóia tinha procurado ir em pessôo organizar
no Choblois o religião católica e castigar os perseguidores de
outrora. Mas Õ$ instâncias do. sr. bispo Granier e de Francisco
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que advogaram pelos culpados e pelos membros do consistório;
renunciou o infligir-lhes castigo. Tanta clemência acabou por
ganhar todos os corações: trinta mil almas 'voltaram à Igreja
Católico.
A obro do apóstolo estava cumprida; Deus o chamava a
outros trabalhos.
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poro Annecy com o título de bispo de Nicópolis; porém o suo
modéstia fez-lhe odiar o ceremônia do consagração episcopal .
Ao cabo d e alguns meses Francisco teve d e apresentar-se
perante Henrique IV, que chegara o declarar o guerra ao .duque
de Sabóia. A benevolência e respeito do rei foram tais, que o
enviado do duque obteve primeiro o paz, e logo, apesar dos
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resolver-se o aceitar por inteiro o ministério episcopal, de
cujas dignidades havia fugido até então.
Suo consagração foi assinalada com um prodígio: ao
ajoelhar ante o prelado consagrante, iluminou-se seu rosto,
viu claramente a Santíssimo Trindade· e cada uma dos três
Pessôos divinas deu-lhe uma bênção particular, enquanto o
Santíssima Virgem, São Pedro e São Paulo, igualmente visíveis
o seus olhos, tomavam-no sob o seu amparo.
O ·fervor e a piedade de Francisco aumentaram ainda
mais pelas graças do consagração; o nosso bispo, resolvido o
entregar-se sem medida ao serviçp de Deus, começou o or
ganizar por tôda a porte o obra dos catecismos, que êle con
siderava o primeira de tôdas; e, para pregar com o exemplo,
êle mesmo o dava às crianças • de sua cidade episcopal, jul
gando seu dever ensinar-lhes os princípios de nossa sanla fé,
·
as primeiras virtudes da infância e da juventude. Então ins·
tituiu para seus sacerdotes reuniões sinodais que lhe permitis
sem conhecê-los melhor e os entusiasmassem a dedicar-se mais
ao estudo.
Rogado paro pregar a quaresma em Dijon, aceitoy, dllpois
de se ter aconselhado com o Papa e o duque de Sabóia.
Antes de partir poro o cidade mendonada, quis fazer um
retiro no castelo de Sales. Foi alí onde, por inspiração divi
na, viu em espírito a senhora Joana Fremiot de Chontat
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que devia ser, por meio dêle, instrumento da Providênci.J
para conduzir muitíssimas · almas à sant1dade. Dom Fremiot,
célebre arcebispo .de Bourges, era precisamente o irmão da se
nhora de Chantal. Após ter resolvido com êste diversas di
ficuldades concernentes à sua diocese, o apóstolo entregou-se
à pregação com o zêlo já costumado.
Tôda a povoação agrupava-se ao redor de seu púlpito.
Acudiu também a senhora de Chontol, e encontrando-se
com o Santo à mesa de seu irmão, entregou-lhe o direção de.
suo vida e travou ·com êle tJmo dos amizades mais afetuoso;;
e angelicais que jamais tenham existido.
A senhora de Chontol, que tinha então trinta e dois
anos, era o modêlo dos espôsos. Consorte durante oito anos
do intrépido e piedoso barão de Chontol, morto casualmente
por um dos seus amigos durante uma caçado, tinha con
sagrado a sua vida aos pobres e aos meninas. Desejando
preparar esta olmo eleito aos desígnios de Deus, que êle já
pressentia sem conhecer, Francisco levou� pelos suas cortas,
a senhora de Chontol o uma piedade mais elevado. Porém,
enquanto se empenhava, no recolhimento e oração, o planejar
esta Ordem com que Deus queria, por seu intermédio, adornar
a Igreja do terra e o do céu, não descuidava nenhuma dós
obras de suo diocese.
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Amado por todos, o todos se prodigalizava. Logo que
saio de casa, os meninos corriam o. êle, seguiam seus passos
e t"ecolhiam-se, por assim dizer, em seus braços paternais; os
pobres, por sua vez, encontravam nele o mais seguro e fiel
apôio, e os pecadores o mais prodigiosa misericórdia. Todo
poro cada um, esforçava-se por atrair o Deus os almas que
Deus lhe havia confiado. O dom do profecia iluminov-:1
amiude suo direção espiritual, e penetrando o segredo das
corações, arrojava seus penitentes à fogueira do divino amor.
A seus trabalhos juntavam-se as visitas pastorais, que
êle fêz até o morte com perfeito exatidão e caridade sem
igual, falando a todos, recebendo as confidências, as con
fissões, as lágrimas, reanimando e fortalecendo os corações,
feito objeto de admiração universal não menos pela sua hu-
mildode do que pela suo abnegação.
Livrou publicamente mais de oitenta possessos; sua bon
dade para com os · doentes, que êle se comprozia em visitar
e ainda muitos vezes em cuidar dêles pessoalmente, chegou
o alcançar de Deus estrondosos milagres de cura.
Durante o quaresma de 1606, que Francisco pregou em
Chombery na presença do Senado e de numeroso auditório,
um dia em que falava do amor divino, tanto se acendeu sua
palavra e inflamou seu rosto que se teria dito que ·-percebia
daromente a majestade de Deus. Ao mesmo tempo tim cru-
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cifixo que pendia do parede fronteiro ao púlpito, projetou
sôbre êle raios de glória. A multidão ouvia com devoção
aquela palavra cujo santidade era proclamado por tontos pro-
digios retumbantes.
Antes de deixar essa cidade, Francisco· conferiu as sa
grados ordens o cem eclesiásticos, os quais quis êle próprio
confessor antes de ordená-los. E como q repreendessem, por
tol motivo de não cuidar de si, respondeu: "Não devia eu
lc:vor pessoalmente· estas pobres ovelhas, quando eu mesmo
era quem os devia tosquiar?" Com estas doces e encantado
ras formas de linguagem velava suo austeridade e os santos
excessos de suo caridade.
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Seu valor, haurido nos divinos mononc1o1s, raiava às
vézes pelo temeridade . Tendo recebido ordem de Henrique
IV poro se transladar o Gex e conferenciar com o lugar-tenente
geral sôbre os medidos tocantes ao exercício do culto, partiu
imediatamente. Porém, não sendo possível vadear o Ródono
por coüso de uma enchente, tinha que passar pelo ponte de
Genebra. Francisco não vaci lou: "Vamos, disse, e j untos
à mão de Deus" Ao chegar às portos de Genebra, pergun
taram ao séquito o quem acompanhava. "Ao bispo do
diocese", responderam os interrogados. Não sabendo o ofi
cial o que significava o palavra diocese, deixou-o passar
De tal sorte, Francisco e os seus atravessaram o cidade onde
o esperava o morte, se tivesse sido p rêso. Grande foi o des
peito e o raiva dos calvinistas quando soubl(!rom deste ato
heróico. Declararam ainda que se Francisco voltasse, lhe
fariam cortar o ca beça no praça de Molord, onde êle um dia
numa' conferência tinha convéncido de mentira e heresia aos
ministros dissidentes.
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serviu de modêlo em muitos pontos, difundiu-se muito de
pressa, por tôda a Sabóia e cabe dizer de São Francisco de
Sales que, tanto por seu estilo como pela fundação dest3
academia, foi um dos pais da literatura francesa.
Essa ciência da linguagem primorosa e êsse incompa
rável encanto da palavra que brilham nas cartas do Santo,
campêam sobretudo nos a9miráveis livros que nos deixou e
que atravessam os séculos como monumento imperecível de
sua ciência e virtude.
Referimo-nos ao "Tratado do amor de Deus" que compôs
nos seus últimos anos, e à "I ntrodução à vida devota", com
que principiou sua carreira de escritor. �ste último é, dépois
da "Imitação" o livro mais formoso saído das .mãos � umanas .
Foi escrito a pedido de seus amigos e às instâncias
encarecidas de Henrique IV, que, digam o que quiserem as
numerosas historiadores, transformou-se depois da sua conver:
são em um cristão convicto e praticante.
A ressonância desta obra foi imensa e maior ainda o
bem que ela faz. Papas, cardeais, bispos, príncipes cristãos,
fizeram dêle seu livra ·de leitura habitual, livro em que en
contravam, como os mais humildes fiéis, a ciência de servir
o Deus e a fôrça de amá-lo. Tpdo o rumor feito por êste
l:vro tornava pesaroso o nosso Santo, que não procurava senão
humilhar-se. "Eu quisera que me conhecêsseis bem, escrevia
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á senhora de Chantal; então em pouco me terleis. Havfeis
de dizer: Eis aí um j unco em que Deus quer que me apeie:
esteja bem segura, porque Deus o quer; porém o junco ·nada
vale". "As águas da graça, dizia outro vez, correm paro as
olmos humildes e deixam sêcos os cimos dos montanhas, isto
é, as olmos soberbas". Tais eram o simplicidade e a humil
dade admiráveis deste homem todo divino, no qual o gênio
igualava o santidade.
Se Fro
: ncisco procurava e amava Deus em tôdos os
coisas, bendizia sobretudo o mão paternal do mesmo Deus
nos provas que se dignava enviar-lhe. No ano de 1 � 1 O repe
tiram-se sôbre êle os mciis terríveis golpes, sem lhe arrebatarem
o .serenidade no meio dos padecimentos mais duros poro seu cora
ção amante. A senhora de Boisy, suo mãe, aproximava-se do
termo de seus dias. Movido por um pressentimento desconhe
cido, tinha vindo poro fazer, junto de seu filho, um retiro de
um mês poro se preparar à morte. Apenas de volto o seu cas
telo de Soles, foi acometido por um ataque de apoplexia. Fran
cisco correu o suo cabeceira. A santo mãe reconheceu o filho,
tomou-lhe o mão, e beijando-o piedosamente, disse: "Eu vos
dou êste testemunho de respeito como o meu pai". �le; beijan
do-o na fronte, respondeu: "E eu vos dou êste sinal de carinho
-30 -
como a minha filha". Recebeu lago os últimos sacramentos e
adormeceu placidamente no Senhor.
Ainda a chorava Francisco quando perdeu o P.e Déage, seu
preceptor e amigo, que lhe morreu nos braços.
Nunca tinha deixado o mestre de repreender o aluno quan
do se lhe oferecia o ocasião, e o aluno, sempre humilde, nunca
havia deixado de escutar os conselhos de seu mestre.
Enfim o morte trágico de Henrique IV acabou de fazer
poro Francisco dêsse ano de 16 1 O, o época mais doloroso de
suo vida. Seu afeto, reconhecimento e admiração poro com o
grande monor.co, tinham conquistado desde muito tempo ao
rei de F rança um grande lugar no coração do santo bispo.
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Segundo se vê, o Santo pensava em dar à sua nova Ordem
um fim de caridade; porém Deus, que reservava esta glória c
São Vicente de Paulo, dispôs de outra maneira e a Ordem da
Visitação devia responder a outros necessidades.
Desde o ano precedente, Santa Joana de Chantol tinha
comunicado a seu pai, o presidente Frémiot, o desejo de cansa-.
grar-se a Deus. Devendo o barão de Thorens, irmão de Francis
co, casar-se com a filha mais velha da santa viúva, apresenta
va-se a ocasião de ver ao santo Prelado e tratar com êle. Depois
que o bispo de Genebra expôs e demonstrou que tal era a von
tade de Deus, o pai e o irmão de Santo Joana deram-lhe seu
consentimento, e, tendo-se tomado a respeito dos filhos as
providências de família que reclamava a nova situação da mãe,
fixou-se a saída desta para fins de novembro. Um novo prazo
pedido então pelo pre_sidente Frémiot fez prorrogar a dita saído
até a Páscoa se�uinte.
A hora de Deus sôo infalivelmente: podem os homens crer
que a retardam, porém, apesar de tudo, chega no instante assi
nalado pela Providência.
Poucas cenas mais comovedoras do que esta separação,
encerra a história do dor humana. Achava-se tôda a família
reunida na casa do presidente Frémiot. O pai dominado pela
emoção, soíu improvisomente de seu aposento para dar largas
ao pranto.
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Igualmente Joana, com a rasto banhada em lágrimas, dava
�lnais da mais viva comoção. Seu filho Benigno que a amava
apaixonadamente, arrojou-se-lhe aos pés e chamando-a com os
nomes mais amáveis, suplicava-a entre soluços que desistisse de
\eu prop.ósito. Desolada, ainda que sem titub.ear, ela o estreitou
rm seus braços e lhe expôs as razões de sua partida, que ne
nhum alívio, porém, causaram ao filho.
Quando, esgotadas as fôrças, dirigiu-se a pobre rnõe para
\Oir do aposento, Benigno estendeu-se diante da porta: "Já que
não vos consegui convencer, exclamava, saiba-se ao menos que
calcastes aos pés vosso filho". A êste grito, ante semelhante
atitude, a santa mulher detém-se por um momento, eleva ao
céu os olhos rasos de lágrimas e soltando um gemido que re
percute no coração de todos os assistentes, passa por cima do
corpo, e pára na' porta, transida de dor e como vencida por
sua própria .vitória.
Estava consumado o sacrifício! A senhora de Chantal,
acompanhada de suas filhas e seu genro, chegou a Annecy, onde
Francisco a aguardava e a recebeu saindo-lhe ao encontro com
alguns notáveis da cidade. Em 6 de junho de 161 O, Joana
Frémiot de Chantal e suas duas companheiras, as senhoritas de
Bréchard e Favre, tendo-se despojado de todos os seus bens dêste
mundo, entravam na pequena casa que lhes· tinha sido apare-
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lhodo. O Santo deu-lhes o comunhão e dirigiu-lhes palavras
caídos do céu; o seguir' abençoando-os, deixou-os com seu Deus.
Começaram logo os três religiosos seu noviciado e durante
êste primeiro ano vieram dez novas irmãs poro aumentar o nú�
mero dos noviços. '
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Tão rapidamente .desenvolveu-se a Ordem da Visitação.
que Francisco, a pedido do cardeal de Marquembnt, arcebispo
rio Lião, consentiu em fundar nessa cidade uma segunda casa.
Foi o ponto de partida de uma importante transformação. Ce
dendo aos rogos do cordial, Francisco modificou as. constituições
de suo Ordem e converteu-a numa comunidade de clausura,
Inteiramente animada do espírito de mansidão, amor e suavi
dade, sem austeridades corporais consideráveis, porém, com
absoluta mortificação do coração e da vontade. Nos "Entreteni
mentos Espirituais" do Santo com suas filhas, campeia o duplo
l1m do Fundador: o a...,or de Deus e o despreendimento de si
mesmas.
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a missa pontificai no dia de P'entecostes, uma pomba, qu
voou da abó6ada, foi pousar no sua cabeça.
Igual prodígio operou-se no dia de Natal.. O povo con
penetrado da virtude do prelado, viu nestes fatos extraordin�
rios a provo do santidade que Francisco procurava debald
ocultar aos olhos de todos.
Nõo passava dia sem que Francisco convertesse algur
hereje ou algum grande pecador. Seu porte, seu olhar, um
palavra suo enterneciam os corações mais endurecidos. A
mesmo tempo em que curava os olmos, sarava os corpos
afugentava os demônios com sua bênçõo. Um dia, em qu
lhe tinham trazido muitos doentes ao palácio episcopal,
fiel Rolando suplicou-lhe os curasse: "Alegro-me, disse so1
rindo, de que o senhor Rolando me ensine o fazer milagres"
Logo orou sôbre êles, e abençoando-os, curou {] todos.
Sem embargo, êste poder sôbre os demônios e os alma
pecadoras tropeçava às vezes, com um obstáculo insuperá
vel daquelas mesmos olmos. Um advogado de Genebra hovi
concebido um ódio i mplacável contra o Sonto e, sempre qu
o encontrava prorrompia em injúrias e calúnias contra êle
Tendo-se Francisco encontrado com êle, . acercou-se e lhe cfisse
""Vós me quereis mal, e contudo se me arrancardes um off,(:
nõo deixarei de -vos olhar carinhosamente com o outro".
Tal doçura nõo foi capaz de desarmar êste inimigo, qu<
36 -
chegou o ati rar, de noite, com o pistola contra as janelas do
palácio episcopal e o ferir com espada o vigário geral. Preso
11 condenado à morte, ia ser executado, quando os rogos de
Francisco. alcançaram-lhe o graça.
O Santo foi-lho levar ao cárcere e ajoelhond«;�-se pediu
lhe perdão pela ofensa que lhe tivesse podido causar sem
o saber.
- 37-
Todo dinheiro que possuia, seus recursos pessoais, e até os cas
tiçais de sua capela, tudo· ia caír nas mãos dos indigentes
apesar dos protestos de seus domésticos. Num dia de fri1
glacial, vi�t�" entrar em seu ,quarto um homem tão pobrement'
vestido, que tiritava. Movido de compaixão, o Santo foi exa
minar o guarda-roupa; mas como não achasse nada nele, des
pojando-se das roupas que levava d�baixo de sua batina, deu-a
ao pobre. Tendo ocultado muito bem o fato aos seus, perma
neceu deste modo até a noite, exposto ao frio de que havi1
preservado seu visit� nte.
Sabendo que o ·sacerdote vive do altar, o bispo de Genebrc
aceitava com singeleza aqueles pequenos presentes com qu1
os do lugar o brindavam na ocasião de seu ministério: eran
nozes, castanhas, outras frutas, ovos, queijos. Dava aos pobre
o dinheiro que recebia e queria que o resto servisse para se1
próprio sustento, repetindo com alegria esta .palavra da Escri
tura: "Ditosos sois porque comeis o fruto de vosso trabalho''
Fazia mais do que dar seu dinheiro: dava-se. a si mesma
prodigalizando ·seu tempo, sua saúde, seu coração e não pou
pondo nada quando se tratava do ?erviço de Deus e das almas
Reprovava-o um 'dia seu irmão por ter concedido umc
audiência demasiado longa a uma pqbre criada que tinha id1
ter com êle. - "Nclio sabeis, vós, disse-lhe Francisc:;o, . que. o
"
bispos são coma grandes bebedouros públicos, de onde todo
-38-
têm direito de tirar e onde vão matar a sêde, não só os homens,
�enão também os animais?"
Enfim, para re\lumir a vida de nosso Santo, servir-ncís-emos
do expressão de S. Vicente de Paulo, que tão be,.traduzia a
opinião unânime dos povos: "Que sereis vós, ó -meu Deus se
o bispo de Genebra, que não. é mais que homem, é tão bom?"
- 39 -
XIII e o duque de Sobóio.Alojou-se no convento do Visitação,
numa pobre olcovo da casa do jardineiro.
Quase ao �esmo tempo chegou a Li �o Santa Joana de
Chantal, que andava então visitando os mosteiros de sua Ordem.
Três anos já se tinham passada que- não via seu pai espiritual.
Entreteve-se com êle quatro horas e recebeu, como de Deus
mesmo, suas instruções que haviam de s�r ·os últimos.
A madre Chontol tinha prosseguido o curso de suas v isi
tas, e Francisco, por suo porte, dispunha-se a deixar o cidade
de Lião, que tinha edificado com suas virtudes, e onde, entre
outros predições, tinha anunciado à senhora de Olier que ·seu
filho havia de ser um dia uma dos glórias do Igreja do França,
quando, em 27 de dezembro de 1622 pelos duas horas do tarde,
foi acometido de um ataque de apoplexia.
Os solicitas cuidados com que o socorreram imediatamente,
fizeram-no voltar o si; porém, Francisco bem sabia que tinha
chegado poro êle o hora· do recompenso.
Preparou-se, portanto, à morte com o mais intenso fervor,
recebeu o extrema-unção e aguardou, tronquilo e impossível até
o fim, o instante de adormecer no ósculo do Senhor.
- O santo enfermo não cessou até o ultimo transe de
consolar, aos que o cercavam, abençoando-os e exortondo:os a
submeter-se à vontade divino. Em 29 de dezembro, ao cair da
noite, pronunciou o nome de Jesus, e, enq�.:�onto se rezavam os
-40
últimas orações, entregou sua alma ao Creador. Desde oquele
·
momento começou para o Santo um culto público que Deus mes-
mo favoreceu com, inumeráveis milagres. O corpo foi transportada
paro Annecy, onde descansa até hoje. Dez onos mais tarde,
quando foi aberto o ataude na presença de Santa Chantal e
dos comissários do Papa, encontrou-se o 'corpo inteiro, como
no momento em que a olmo o tinha deixado para o céu.
Santa Chantal, tomando a mão do Santo, colocou-a sôbre a
própria cabeça, e a mão, animando-se, estreitou-lha como em
uma c9rícia paternal.
-41 -
Aí está · finalmente o Obro Solesiono, de São João Bosco.
' Extroimos do volume 1 1 dos suas Memórias Biográficos: Al
guém poderio perguntar aqui: - Como e porque · O Oratório
foi dedicado o São F rancisco de Soles e honrado com seu nome?
- Dom Bosco, achando-se ainda no Instituto Eclesiástico (poro
aperfeiçoar-se nos estudos e no sagrado ministério) já tinha for
modo o propósito de pôr tôdos os suas obras debaixo do pro
teção do Apóstolo do Choblois; mos esperava que o P.e Co
fosso lhe manifestasse seu pensamento sôbre êste particular.
O P.c Cofosso pronuncio�-se e escolheu São Francisco de. Soles
poro patrono do Oratório. Dom Bosco aprovou a eleição por
três razões: Primeiro, porque no local que o marquesa Barolo
lhe tinha cedido poro iniciar o suo obro mondara pintor um
quadro do santo bispo de Genebra. Em segundo lugar, porque
o missão que Dom Bosco tinha empreendido poro com o ju
ventude, requeria grande colmo e mansidão, e por isso o que
rio pôr sob o proteção de um santo que fôsse modêlo perfeito
desta virtude.
Uma terceiro razão tinha também suo fôrça: Vários erros,
especialmente o protestantismo, começavam o insinuar-se insi
diosamente no povo e de modo particular no cidade de Turim.
Oro, recebendo-o por patrono, Dom· Bosco quis gronge-ar poro
si o f�vor daquele santo, poro lhe alcançar do céu aptidão es
pecial no emprêso de ganhar os olmos poro o Senhor; luz e
- 42 -
coragem poro combater com êxito os mesmos inimigos do6
quais São Francisco tão gloriosamente tinha triunfado durante
sua vida mortal poro glória de Deus e do Igreja, e poro proveito
de inumeráveis cristãos. Em uma palavra, julgava que o es
pírito de São Francisca de Sales era o mais adaptado aos tempos
paro o educação e instrução popular.
A São Francisco de Sales dedicou São João Bosco sua pri
mei ra igreja; com grande solenidade celebrava suo festa, data
na qual reunia, nos primeiros tempos, todos os diretores de
sua.s casas poro ouvir relações e propostas e comunicar instru
ções. Quis que sua família religiosa, tivesse; em vez do nome
do fundador, o do santo bispo e doutor da Igreja, intitulando-se
Pia Sociedade de São Francisco de Sales ou Pia Sociedade Sa
lesiana.
Continue o Santo a exercer sua proteção sôbre o Obra de
Dom Bosco com a maravi lhosa eficácia com que . o tem feito
até o dia de hoje!
A. R • . R.
- 43 -
PRIMEIRA PARTE
§ I
Da Verdade Caritativa
- 45 -
um fruto mal maduro, que por insípido e indigesto, nada
terá de bom alimento.
§ 11
Como se pode conhecer se tem a verdade
a · raiz na caridade
§ III
§ IV
.
Da caridade -e castidade
- 47 -
duas virtudes, quais eram a caridade e a castidade. Por
qUanto a caridade, como forte e robusta, se avança a
grandes emprêsas paro honra e glóriq de Deus. Ela não
teme a fome, a sêde, a nudez, a perseguição, os cárceres,
os suplicios, nem ainda a mesma morte, e o que é mais,
nem também a todo o inferno,· contanto que não perca a
gra94 dO ·seu Divino Amado, e lhe ofereça hóstias vivas,
santas e agradáveis qos seus puríssimos olhos.
E pelo contrário a castidade, que é uma virtude
tenra, tímida e delicada, qualquer vista a espanta e uma
simples palavra o, inquieta, por isso mesmo que anda,
como coberta de olhos e ouvidos; ou como aquêle que
levando muito ouro ·e d'hamantes pelo meio de um espêsso
bosque, ao menor rumor se esconde, temendo ser acome
tido roubado e morto pelos inimigos ladrões.
Em suma a caridade manda socorrer ao próximo, ou
seja são, ou enfermo, pobre o·u rico, moço, ou velho, sem
atender à idade, nem ao sexo, nem ao · estado; respei
'bando somente a Deus. Em tôdas as coisas, e a tôdas as
coisas em Deus. E pela outra parte, a castidade, sabendo
que traz num vaso de vidro um precioso tesouro, que
pode perecer em qualquer encontro, anda numa perene
ansiedade, e temor contínuo. Logo como poderão con
cordar-se em 'um só sujeito estas dwas diferentes virtudes?
A esta proposta deu o nosso Oráculo uma solução
tôda celeste, como sua. E' necessário, .disse êle, distin
guir as pessoas constituídas em dignidade, que têm súdi
tos a seu cargo, dos que se o,oham em uma vida parti
cul!ar, sem outros cuidados, que de si mesmos. O que
suposto, devem as primeiras encomendar a sua castidade
à sua caridade: a qual, sendo verdadeira, lhe servirá de
]orte escudo, e invencível defesa. E as pessôas parti
cu�ares obrarão com ma:s acêrto, e maior proveito,· come
tendo a guarda da caridade à sua própria castidade.
E a razão disto vem a ser: porque os superiores, que
pelo seu cargo, se vêm obrigados a expôr-se aos perigos
inseparáveis dias ocasiões, são assistidos da divina graça,
- 48 -
contanto que não tentem a Deus por temeridade. O quE
1140 gozam os particulares, expondo-se aos acasos, sem
llgit�ma vocação; senão sempre certo, QUE o QUE AMA c
I'IRIGO (e muito mais o que o procura) PEQCERÁ NiLE
§ v
Notável paciência
- 49 -
qual recebia tôdas aquelas injúrias, como se fõsselll pé-
rolas e .rosas.
·
§ VI
Sua destreza em desculpar ao próximo
- 50 -
pa.fs. E sendo cura.do daquêle d�lírio pela. diligência dos
aeus amigos, os fez citar a todos pa� que lhe restituíssem
1JOr justiça a sua JJgradável Zoucur.a.
Falando-se outra vez na presença do santo varão com
srandes exclamações, e invectivas fortes sôbre Um. crime
de fragilidade, cometido por uma pessoa religiosa, êle· só
dizia, repetindo de quando- em quando : Miseria humana,
mtseria· humana! . . . E que se pode . esperar de nós, senão
clelinquir7 . . . Muito pior obraria q'IJ)qlquer de nós dUtros,
se nos fa�tasse o divino auxílio.
Por último, continuando ainda a censura e detrações
picantes sôbre aquêle delito, exclamou o Santo com espí
rito profético : Oh venturosa quéda, que será ocasião ãe
um grande bfr!Tt/ Se aquela alma se não perdesse agora,
ctepola se perderia com outras mais. Mas a sua perda
será motivo para um grande lucro.
Alguns não deram crédito, nem fizeram aprêço deste
expresso vaticínio : mas o sucesso depois o mbstrou ver
dadeiro. Por quanto a confusão da pecadora deu glória
&. Deus, não só pela sua conversão, que foi notória; senão
também pela que inspirou com o seu exemplo a tô4a
a Comunidade, que com geral escândalo andava em
desordem.
§ VII
Da Repreensão
- 51 -
Eu dq minha parte vos protesto, que vos amo com
extremo, e não posso ver em vós nem o menor defeito.
Quisera sim, que fôsseis tal, como desejava S. Paulo ao
seu Timóteo. Quisera-vos inteiramente irrepreensível : e
por isso as faltas que em qualquer Clutro talvez me pare
cessem ligeiras moscas, reputo-as nq vossa pessôa por
gigantes desmarcados.
§ VIII
§ X
§ XI
- 54 -
Levantando-se pois o mancebO no seu t�po costu
mado, e vendo ao entrar no quarto do amo, que êle estava
trabalhando, já de todo compostã, lhe perguntou seca
mente, quem o ajudara a vestir-se? Eu mesmo, respon•
deu o santo prelado, eu só; ·que 1á não sou menino, e
tenho parct isto o vigor que bast4. - Pois custava-vos
muito, replicou o maneebo, o chamar por mim, segundo
o costume? - .O' meu fliho, disse o santo v.arão, eu assim
o fiz mais àe uma vez. Porém vós não me respondeste&.
Eu pois querendo saber onde estáveis� e vend�-vos
dormir com tão bela graça, ;uzguei que o despertar-vos
seria matéria de consciência. - Vós senhor, . replicou o
criado pouco atento, teríeis ainda melhor graça, se não
Jizésseis de mim zombaria. - O' meu amigo, respondeu o
paciente e humilde prelado, eu talo sério, e não gracejo.
Mas eu vos prometo, que não deixarei de vos chamar até
que acordeis: e quando não, eu mesmo vos farei levantar,
E como o quereis assim, nunca mais me tornarei a vestir,
sem q.ue vós me ajudeis.
§ XII
- 55 -
matéria po_rquanto, depois do embarque, tOdo arrependt
mento é inútü, � o matrimônio é uma certa ordem, que
se tivesse primeiro um ano de aprovação, como se pratica
nos claustros, contaria depois poucos professas.
Além de que, que mal vos fiz eu, para me quererdes
dei:Dàr! Eu como já ve'Uto, não tenho de viver muito; e
deixando-vos recomendado a meu irmão, êle vos dará um
bom cômodo, que n ada será interior ao que agora pode
reis ter. Ouvidas estas palavras prostrou-se aquêle man
cebo aos pés de seu amo, pedindo-lhe perdão do seu
pensamento, e fazendo-lhe muitos protestos de o se.rvir
até a morte. E o santo lhe disse logo: Não, meu filho,
eu nada empreendo sôbre a vossa liberdade : mas dou-vos
um conselho de amigo, como eu faria com meu irmão,
se êle fôsse da vossa idade. Assim tratava o servo de
Deus aos seus domésticos, como verdadeiro pai de família;
reputando e estimando a todos; como seus próprios filhos.
§ XIII
§ XIV
- 57 -
Lêde o capítulo 8 dos Atos Apostóllcos: e vereu; ao Diá
cono S. Filipe viajando em carruagem com b eunuco da
Rainha Candace.
Oh! replicou o protestante-, a carroça era do eunuco,
e não do diácono. - A3sim é, respondeu o santo, mas eu
não vos disse, que a carruagem era sua; senão que ofe
recida, a ocasião, andavam os santos ooquele tempo em
carruagem. Contudo, replicou o fidalgo, - não eram car
ruagens douradas, como aquelas em que vos vejo. E se
assim se pode ser santo, não há caminho mais cômodo
para. chegar ao ParaJ,so.
Ah Monsieur, exclamou o nosso santo, os governado
res de Genebra, que retêm os bens do meu bispado, me
constituíram· em tal pobreza, que. ainda que eu quisera,
não podia ter carruagem própria. - Pois· a carruagem
em que vos tenho visto, instou o protestante, tão majes
tosa e magnífica, não é vos�? ·- Não, respondeu o santo
bispo, e vós tendes razão para a denominar majestosa,
pertencendo ela a sua Majestade, como bem podeis co
nhecer pelas librés dos condutores.
Estou satisfeito, concluiu o fi d algo, e já vejo, que soiS
um varão santo : e me compadeço de serdes um pobre
bispo. - Eu não 111J:. queixo da minha pobreza, disse o
servo de Deus, porque tenho o que basta para viver com
parcimonia. Nem devo, nem posso ressentir-me d� uma
coisa, que o Divino Salvador praticou neste mundo, vi
vendo e morrendo entre os braços da maior pobreza.
§ XV
§ XVI
- 59 -
Deus todo o respeito, como a seu pai, diretor e mestre.
E chegando depois a ser bispo, lhe deu logo uma conesia,
conservando-o sempre em casa e à sua mesa.
Tinha pois êste bom padre, justamente agra.decido,
um tal zêlo da honra do seu discípulo, que- não podia
suportar se dissesse na sua presença uma só palavra em
seu desabono. Mas o servo de Deus (cuja grande b,umil
dade n� quisera que o virtuoso eclesiástico fôsse tão sen
sível a seu respeito> lhe disse uma vez: Vós fazei:3 juizo
de que eu sou todo perfeito, ou que já sou santo? - Se
o não sois, respondeu o mestre, desejo Cfue o sejais.
Para cujo efeito o sincero eclesiástico lhe censurava
em tôda a ocasião várias coisas (que êle sem razão repu
tava por faltas) com uma tal liberdade, que alteraria
sem dúvida a qualquer outra paciência; e que só poderia
ter escusa pelo zêlo ardente do mestre, e doçura incom
parável do discípulo.
§ XVII
§ XVIII
- 61 -
da alma; porque nos transfer� da morte do pecado à vid�J
da grar;a. Ela, enfim, nos participa a fé, a esperança e
tôdas as outrqs virtudes inteiramente vivas e animadas.
Por onde, assim como a alma dà vida, e robustez ao corpo
·
:
também a oa,ridad� é a vida e perfeição da alma,.
Tudo isso confesso, instou o discípulo, mas desejo
instruir-me sôbre o que devo fazer para amar a Deus
sôbre tudo e ao próximo como a mim m esmo? - E' pre
ci3o, repetiu o Mestre, amar a Deus sôbre tudo, ao pró
ximo como a si mesmo. Ainda fico na me.mw dúvida.
replicou o discípulo, porq·ue de,sejo saber um meio pró
prio para amar a Deus sôbre tudo, e ao próximo como a
mim mesmo. - Sim, respondeu o santo, o meio mais pró
prio, mais útil, mais breve, e mais cômodo .para amar a
Deus sôbre tudo é amar à Deus com todo o coração . . .
Assim teve o santo e sábio Mestre suspenso ao seu
discípulo, até que por fim se explicou, dizendo : Muitos,
como vós, me têm perguntado pelo método e meio par
ticular para conseguir a perfeição. E eu sern.pre lhes res
pondi que não sabia outro meio mais eficaz, nem mais
próprio do que amar a Deus sôbre tudo, e ao próximo
como a si mesmo.
Assim pois, todo o grande segredo para chegar a este
amor, é amar. Porque assim como se aprende a estudar.
estudando; a falar falando; a correr, correndo; a tra
balhar, trabalhando; etc., assim também se aprende a
amar a . Deus e ao próximo, amando.
&im, meu caríssimo, e firmai-vos bem neste ponto.
Amai a Deus e ao próximo. Amai muito e em todo o
tempo. Amai a tôda hora e cada vez mais. Amai, amai.
e não descanseis. Fazei cada dia novos progressos .em
tão suave exercício; porque a caridade neste mundo, por
mais sublimes que sejam os seus vôos, nunca chega a
tão alto ponto, q'Ue não possa receber aumento. Razão
pela qual ainda os mais adiantados, considerando-se sem
pre, como no princípio, vão dízendo como Davi: - Agora
começo.
- 62 -
§ XIX
- 63 -
pois o que é ter legítima caridade, a.mando sinceramente
a Deus por amor dêle mesmo, e ao próximo também por
amor do mesmo Deus, em que sempre consiste a verda
deira perfeição.
§ XX
- 64 -
Jesus Cristo na Cruz orando pelos seus inimigos, que não
eram sómente os que o blasfemavam, e lhe pregavam
os cravos: senão também aquêles, que o maltratam e
perseguem em nós outros, por Ble muito amados, como
seus místicos membros.
- 85 -
SEGUNDA PARTE
§ I
Da humildade e castidade
- 67 -
3. Louvar a humildade em alguma pessoa, é tentá�
la de vaidade com perigosa lisonja; porque será tanto
expô-la a ser menos humilde, quanto mais vir que a
estimam por tal.
Por outra parte : 1. Louvar a castidade em si
mesma, é deixar nos espíritos uma oculta e quase imper
ceptível idéia do vício contrário, ele que se pode originar
algum fatal perigo.
2 . Louvar esta virtude em alguma pessoa, encarecen
do-lhe o seu valor, e não menos a suq fragilidade, será
também de algum modo, como pôr-lhe diante dos pés
um tropeço; para cair depois no precipício.
3. Porque ninguém jamais deve confiar na castidiade
passada; sendo esta virtude uma joia, qu� tendo os en
gastes de vidro, pode perigar sempre em qualquer encon
tro futuro.
Ora eu não. digo que o escrúpulo nesta matéria deve
chegar a tal ponto que ninguém se atreva q nomear estas
virtudes, de que uma é o mqts precioso ornamento do
espírito e outra o mais belo esmalte do corpo. Antes,
devendo ser elas em todo o tempo estimadas, deveriam
ser à tôda a hora aplaudidas. Digo sàmente e recomendo
muito a maior cautela, para que se não exponha a risco
a sua prática; porque tôdas as folhas dos maiores elo
gios não podem suprir o valor do menor dos seus frutos .
. § li
- 68 -
que quando vejo os meus parentes e domésticos, todos
desvelados por motivo da minha moléstia; porque tenho
por sem dúvida, que Deus Zhes compensará os seus
trabalhos.
- 69 -
§ III
- 70 -
Podíeis, respondeu o santo mestre, e deveríeis inti
"
mar-lhes que por isso mesmo qu� estavam em pé vigia$..
sem sempre, para não cair. E suposto que a vossa inten-
ção jôsse animá-las, e dar-lhes fôrça. para continuarem
a santa emprêsa e perfeição da viàa, contudo, esta
exortação para a virtude sempre se deve jazer, sem pe
rigo de pre3unção e àa própria vaiàaàe.
· M!Uldou logo o santo, quase como em penitência, ao
seu discípulo pregar no dia seguinte na igreja de wn
Mosteiro das Religiosas de S. Clara, aonde não e).'a menor
o concurso. com efeito, êle fez o seu discurso com uma
grande simplicidade de palavras e pensamentos, dirigin
do-se não mais que a uma espiritual edüicação.
Voltando pois para · casa, o santo o abraçou com ter
nura, e lhe disse logo :
--'- Eu ontem vos amava muito, hoje porém muito
'
mais. Vós sois na verdade segundo Q meu coração,· e,
se me não engano, também como Deus quer que sejais,
os vossos ouvintes não vos aplaudiram tanto como
ontem; mas também aquêle que então se não agradou elo
vosso discurSD, vos declara, hoje, que se dá por plenamente
satisfeito.
Continuai pois desta maneira e jareis grandes ser
viços ao Senhor d·a v_inha. Segui este modo, ou êste estilo
com fidelidade; e Deus fará os vossos trabalhos frutuosos
§ IV
e:lremp lo.
Pregando o Bispo de Belley na catedral de Anneey,
e lembrando-se de umas palavras, que em certa ocasião
lhe dissera o Bispo de Saluces : - Tu sal es; ego vero,
neque sal neque lux: Tu és sal, e eu nem sal, nem luz :
quis acomo dar estas mesmas palavras ao seu santo Mestre,
que estava presente ; dizendo que êle era o sal (Sàl-es)
que preservava da corrupção todo aquéle povo etc.
Mas o humilde santo ficou tão mal satisfeito daquele
inopinado elogio, que repreendendo-o depois, lhe falou
assim :
§ v
- 72 -
que perigava esta virtude. E por isso 'dizia algumas vêzes
que falar qualquer de si próprio (tanto no bem, como no
mal) sem alguma culpa, não era menos difícü, do que
dançar bem sôbre uma corda; necessitando de grandes
circunspecções, como indispensável contrapeso, para não
cair em algum defeito.
Quereis vós saber, dizia êle, o que me poderá resultar
de todos os louvores e estimação dessas boas gentes? Será
talvez o padecer mais tempo no Purgatório; porque depois
de eu morrer, não orarão a Deus pela minha pobre alma;
tendo para si, como de certo, que ela irá logo direta
mente ao Paraiso. Eis aqui todO o fruto, que produzirá
o conceito com que me reputam por santo.
Eu pois mais quisera , achar em todos o fruto de boas
obras fl o óleo da misericórdia do que as tolhas e flores
de tantos aplausos e fantásticos elogios.
§ VI
Lembrança dos mortos
- 73 -
Porquanto, dizia êle, o impetrar com as no.çsa.o; orações
o alívio das almas, que estão no Purgatório, não é em
certo modo visitar uns pobres enfermos? Não é dar de
beber a quem tem tão grande sêde da visão de Deus
entre as mais vivas chamas, o subminist1·ar-lhe com as
nossas orações um swavíssimo refrigério?
E não é isto ao mesmo passo dar de comer a quem
tem tome, visitar os presos, vestir os nús, e hospedar os
peregrinos, introduzindo-os felizmente nas etemas mora
das? - E quanto às outras obras de espiritttal misericór..:
dia: Que grande consolação, ou poderoso auxílio se usará
com os necessitados neste mundo, que se possa compa
rar, com o que recebem pelas nossas or-ações e sufrágios
aquelas pobres almas extremamente afligidas?
§ VII
A sua resignação
- 74 -
obstante, eu me conservo, q·uanto posso entre os dois ex
tremo3 indiferente, como de todo entregue à Providência
de Deus, que sabe mais do que nos convém, do que nós
mesmos. �le tem as chaves da vida e da morte; e os que
nêle esperam, não serão jamais contundidos. ·
E a outro, que lhe disse ser muito para sentir o
morrer êle na flôr da sua idade (porque era então de
trinta anos) respondeu logo : O nosso Salvador morreu
mais moço. O numero dos nossos dias não lhe é incogni
to; e em tôdas �s sortes de estações sabe recoLher os
frutos, que são seus.
Conformemo-nos pois em tudo e por tudo com a sua
santa vontade. Seja êle a única estrêla, que nos conduza
em todo o espaço da nossa vida: e sua luz indefectível
disszpará !sempre tôdas a� trevas at;é a nossa última
hora.
§ VIII
- 75 -
de Francisco, em contraposição à dita sala, chamada por
êle Câmara do Bispo.
Falando êle uma vez com o bispo de Belley seu discí
pulo, mostrando-lhe a roupa, que trazia debaixo da ba
tina, lhe disse com a sua graça costumada : As minhas
gentes jazem uns pequenos milagres: porque de uma
ro·upa velha me formaram esta nova. E o discípulo
acrescentou logo dizendo : Pa1"ece-me êsse milagre seme
lhante aos dos filhos de Israel, cujos vestidos não tiveram
consumo em todo o espaço de quarenta anos, que habi-
taram no deserto. .
Com efeito, parecia coisa milagrosa sustentar-se com
tão pouca renda a sua casa. E perguntando-lhe o discí
pulo, como isto se fazia, respondeu êle:· Se isto se pu
desse dizer, não seria milagre, como vós pensais. E não
somos nós felizes em viver por milagre? Se e·u · posSttisse
mais, teria maior cuidado em ponderar onde bem o gas
taria. E aquêle que mais tem, maior é a conta que deve
dar.
§ IX
Das importunidades
§ X
Sôbre as tentações
- 77 -
{le blasjêm1Ja, de impiedade e outros semelhantes. Mas
contanto que êstes pensamentos lhes desagradem, não
lhes podem causar dano, antes lhes vêm a servir para
lançar profundas raizes na fé, e jazem-se mais agradá
veis MS olhos do Divino Senhor.
§ XI
§ XII
- 79 ·-
Dizeis bem (replicou o sábio mestre) e isso creio eu
mais do que vós: e pode ser que eu veja, e conheça
melhor tudo o que vós protestais. Eu vos considero como
um homem, que escapou das ruinas,· e que saiu de um
incêndio, de que ainda sente o fumo.
Porém vendo-vos agora bispo, considero tambem, que
deveis ter sentimentos de pai, e dirigir os vossos passos
para a mais alta perfeição. Já vos não podeis contentar
só com beber a água da vossa, cisterna: deveis também
comunicá-la aos outros; porque Deus, a razão, e o vosso
emprêgo assim o pedem, e para isso vos ajudam. Se
vós pois confiais em vós mesmo, nada de bom tareis.
Mas se confiais em Deus, que não !areis vós? Tudo
podert:is.
O segundo exemplo é de uma religiosa, que sendo
eleita s_uperiora, recusava aquêle emprêgo, alegando e pro
pondo deveras ao nosso santo os seus poucos .anos, e a
sua muita indignidade. Sôbre o que tomando-lhe êle a
palavra, e encarecendo ainda sôbre o que ela propunha
lhe dizia: Que na verdade entre filoo e tolha havia
pouca diferença.
Com o que lhe dava a entender, que bem conheciam
as religiosas a sua insuficiência, a pequenez do seu espí-:
rito, a fraqueza do seu juizo, a grosseria do seu gênio, e
sobretudo o seu mau exemplo. O que não obstante, podia
ser que permitisse Deus a sua eleição, para se emendar
. . dos seus defeitos ; ou pelo menos para que tratasse de
os ocultar e regular bem os seus passos; vendo que estava
:eonstituida em espetáculo a Deus, aos anj os e aos homens.
E. como tal se persuadisse, que se não confiava a
ela a sua comunidade, mas a Deus, que elege algumas
v�es as pessôas loucas para conduzir e confundir as
sábias; :6:le que nos quis salvar pela estultícia da Cruz,
como diz S. Paulo. Mas por outra parte entendesse bem,
que assim cana fragil, como era, conservando-se e con
fiando na onipotente mão de Jesus Cristo, poderia fazer
se uma forte coluna do seu templo.
- 80 -
§ XIII
Da política
- 81 -
conhecem logo este meu carater, que nadq tem de pró
prio para um cortesão político. E, quando assim não
jôsse, devêra sempre lembrar-me aquela divina máxima
do Apóstolo S. "Paulo : "O que é consagrado a Deus, não
deve intrometer-se nos negócios seculares".
§ XIV
. '
Sua grande caridade com uma moribunda
- 83 -
filha, disse logo o santo, e q·ue grande alívio me dais!
Vós me tirais o gravíssimo pêso que tinha s6bre o .meu
coração.
Mas, meu padre, disse ela, dlqts-me agora a certeza,
de que nisto não há culpa? - Eu vo-lo asseguro, respon
deu o santo, na minha consciência s6bre a minha própria
alma. - MC13 eu vejo-me assim · precisada, replicou ainda
a moribunda, a jazer um ato '!e laxidão no extremo da
minha vida. Eu sinto-me bem oprimida do mal; e o
dizer eu isto não é uma laxidão insigne e uma infideli
dade grande para com o Senhor?
Vendo então o santo pastor ser êste todo o veneno,
que tinha aquela pobre moribunda sôbre o seu coração,
exclamou em alta voz : Não, não, dei parte de Deus; não,
minha amada filha, aí não há -laxidão, nem infidelidade
alguma. E nada mais tendes? - Não, meu padre, respon-
·
- 85 -
TERCEIRA PARTE
§ I
- 87 -
com legítimo zêlo aproveitássemos as miudas ocasiões, que
se nos apresentam a cada passo no serviço de Deus.
Não basta pois praticar ações de heróica virtude, não
sendo feitas com grande caridade, que é a que dá funda
mento, pêso e valor às boas obras diante de Deus. E pelo
contrário, uma ação de .pequena virtude, feita com grande
amor de De·us, é de maior mérito e muito mais excelente,
que qualquer outra que não tenha os mesmos quilates do
amor divino.
E na verdade um copo de água fria, dado com este
amor, merece a vida eternct; como também dois dinheiros
de valor mínimo, dados com êste amor por uma pobre
viuvez, sabemos qu�: tiveram maior aceitação na divina
presença, ào que vários donativos consideráveis, que ofe
receram os ricos para a fábrica do Templo, segundo nos
declara o Evange'Lho.
Faça-se logo o devido apreço, e pratiquem-se como
é justo, aquêles atos virtuosos, que frequentemente se nos
oferecem; como vem a ser, o modesto sofrimento de um·
máu gênio, de um leve desprêzo, de uma pequena injus
tiça; o falar com agrado a quem nos trata com aspereza,
o receber com doç·ura a negação de uma graça pedida; o
tratar com amor a.os nossos inferiores, e domésticos, etc.
Porque de tudo isto, ainda que parecem coisas de pouca
entidade, se pode bem firmar na wesença de Deus, me
diante o seu divino amor, um grande tesouro.
§ li
- 88 -
Se assim pois, dizia c nosso santo, o temor se jaz
tão preciso para a conservação da castidade, também a
castidade do temor nos é igualmente necessária para ha
vermos de conseguir a nossa eterna salvação.
E, perguntando-lhe o bispo de Belley, que era o que
êle entendia por CASTIDADE no TEliiJOR? Respondeu-lhe : O
temor casto, denominado SANTa pelo real Projeta, é o que
procede do amor divino, como animado da caridade; a
qual nos jaz atender aos interêsses de Deus mais do que
aos nossos; e consequentemente a temer mais a ofensa
cometida do qu� a sua pena futura.
De maneira que, quando nós tememos ofender a Deus ,
porque Rl� é bom em si mesmo, e não por ser Deus das
vinganças; então o nosso temor é castQ e puro; semelhante
a uma espôsa fiel, que teme ofender ao seu consorte, a
quem ama e reconhece que é dêle· amada. Numa palavra :
o temor casto e santo é um temor de reverência, de amor
e respeito; não servil, nem mercenário; mas ftlial e afe
tivo, como é próprio dos santos .
§ 111
- 89 -
como vemos em Daví, Manassés e outros muitos, q·u e edi
ficaram mais com a sua penitência, do que arruinaram
com o seu escândalo. Deus sabe jazer das mesmas pedras
filhos de Abraão, e preciosas peças de honra dos mesmos
vasos de ignomínia.
Não queria pois o nosso bem-aventurado, que j amais
se desesperasse da conversão dos pecadores até a seu
último suspiro ; dizendo que a vida presente era uma voz
continua da nossa última sorte, podendo sempre a im
pulsos da natureza corrupta, cair 6s que estão em pé e
levantar-se também com o socôrro da graça, os que hou
verem caído.
E passava mais adiante ; porque ainda depois da morte
não ccmsentia que se j ulgasse mal, até daqueles, cuja vida
fôra perversa, senão só dos que a Escritura declara por
condenados. Por quanto, dizia êle, só podemos ter nesta
matériq umas simples conjecturas, fundadas sôbre o exte
rior, em que até os mais hábeis e de melhor juizo se podem
enganar.
§ IV
§ v
Que não há verdadeira desconfiança de si mesmo,
sem uma legítima confiança em Deus
- 91 -
gítima desco'l]jiança de si mesmo, fundada na caridade,
é uma desconfiança alegre e animosa, que nos jaz dizer
ao mesmo passo: EU NÃO, .MAS A GRAÇA DE DEUS COMIGO,
sem a qual nada posso, nem ainda formar um bom pen
samento. E com essa posso tudo; pois o que é impossível
ao homem é m'uito jacil a Deus, que póde tudo o que
quer, tanto no céu, como na terra.
§ VI
- 92 -
e muito mais vossa, que assim o deixeis sem lhe jazer
compqnhio,.
- Meu filho, respondeu o sincero prelado, creio que
tens razão e reconheço que obrei mal. Voltando pois para
o nosso santo, lhe disse ingenuamente o que passára com
o seu procurador. E lhe pediu humildemente perdão da
quela sua falta, protestando-lhe que a cometêra sem
reflexão alguma.
Edificou-se muito o nosso bem-aventurado da ingênua
candura daquêle virtuoso varão, e afirmou depois ao refe
rí-la, que lhe. fizera impressão · maior do que se o vira
fazer um milagre.
§ VII
Dos Escrúpulos
- 93 -
das suas erradas opiniões, e se conservam sempre afer
rados às suas falsas idéias, por mais exortações que se
lhes façam contra o suposto fundamento dos seus temores,
imaginando sempre, que ou os lisongeam, ou não os per
cebem, ou êles não bem se explicam ? Deus nos ilustre
e nos preserve de tão perigoso e pernicioso mal que quase
fecha inteiramente a porta à mais zelosa deligência, ne
gando teimosamente a entrada a tôda espiritual medicina.
§ vm
� 94 -
bordou a malícia. E pelo contrário, a sua clemência se
eleva sempre sôbre sua justiça, e se realça muito com o
perdão dos nossos pecados, servindo-lhe a nossa mesma
miséria, como um glorioso trono à sua benigna miseri
córdia.
Assim com êstes discursos, fundados sôbre os prin
cípios da fé, que não estava de todo extinta naquela
pobre alma, foi avivando a sua esperança, que se achava
como amortecida, até se resignar e abandonar inteira
mente nas mãos de Deus, assim para a vida como para
a morte, tanto temporal, como eterna.
- Porém Deus, dizia ainda o réu, certamente que me
condenará, porque é justo.
- E porque vos não salvará, replicava o santo, sendo
tle in/initament� misericordioso; e havendo prometido o
perdão a qualquer que lho pedisse com ânimo contrito e
humiLhado?
- Ora seja como fôr, concluiu o padecente, condene
me, ou salve-me o Senhor, como quiser; porque eu sou
todo seu, e me entrego nas suas mãos.
E confessando-se logo com íntimo pesar, e contrição,
continuou até a morte no arrependimento das suas culpas
e resignação com a vontade de Deus, sendo as últimas
palavras, que o nosso bem-aventurado lhe fez proferir :
O' meu Jesus, eu me entrego de todo na vossa santa
vontade.
§ IX
- 95 -
mal da culpa, ainda que o permite, deixando agir a
vontade humana, segundo a liberdade natural, que Ele
mesmo lhe deu.
Pensemos pois, como é justo, nesta importante ver
dq,de, respeitando sempre a Deus, em todos os sucessos,
e a todos os sucessos em Deus ou sejam prósperos, ou
adversos; e será grande a consolação e felicidade nossa,
se assim recebermos tôdas as coisas da benigna mão pa
terna daquele poderoso Senhor, que abrindo-a de qual
quer modo, felicita com a sua bênção a tudo o que tem
vida.
§ X
__; 93 -
nada- bastou para que não fôssem muitos dêles ouvir as
suas doutrinas, de que saíam todos edificados, e alguns
também convertidos.
Tiveram depois aquêles ministros vários consistórios
para descobrirem os meios mais eficazes com que repre
sentassem a Monsieur de Lesdlgulêres o escândalo que
causavam a todos os protestantes, de que êle era a
principal coluna, a honra que dava ao bispo de Annecy, a
familiaridade que com êle tinha, a assistência e elogios
grandes que dava aos seus sermões. E para êste efeito
destinaram alguns mais distintos do seu partido.
Mas advertido aquêle Senhor desta intenção logo que
os tais deputados chegaram ao seu palácio, antes de os
admitir, lhes fez dizer : Que se êles o procuravam para
algum seu particular negócio, ou da república, de boa von
tade os receberia. Mas se vinham com intenção de lhe
propor alguma exortação consistorial, tivessem logo a cer
teza, de que entrando pela porta, sairiam pela janela.
Vendo então aquêles ímpios frustrado êste meio toma
ram o expediente de move:r a um dos principais senhores
da província, que era da sua mesma crença, para expor
em uma particular conferência a Monsieur de Lesdiguiêres;
o que os ministros consistoriais se não atreveram a fazer
pessoalmente, pelo temor da sua indignação.
Feito isto, assim respondeu aquêle senhor :
- Dizei a esta gente que eu tenho idade bo,stante
para saber como hei de viver no mundo. Até a idade de
trin"ba anos, em qué me fiz protestante, vi como os cató
licos-romanos tratam os seus bispos, ainda os mesmos
reis e príncipes, que os respeitam e veneram. E entre
nós outros, (depois de rejeitada a dignidade episçopal,
ainda que bem fundada na Escritura) não passam os
nossos ministros de uns desprezíveis c·ur.ados.
E dizei particularmente a tal ministro . . . (que sõbre
ser de baixo nascime.nto, tinha sido seu doméstico, e
subira :Por favor à dignidade de governar a igrej a pre
tendida reformada de Grenoble ) que quando ett vir feitos
- 97 -
ministros entre nós outros . os filhos dos reis, e ,piíncipes,
como 08 vejo . Ós cardeais, arc�bispos e blspos én tie 08
. católicos romanos, então considerarei a honra ciue �lhes
devo dar.
E pelo que tocq qo I;Jispo de Annecy, se eu iôsse,
. como êle 'é, _ bispo ,e príncipe de Genebra, eu me iar.�a ser
.
§ XI
- · - J
um médico responderia melhor d:o que eu ao que vós me
perguntais. -Mas o que eu vos posso dizer, é que ve_jo a
vossa alTML em boa disposição; e que sendo vós chamado
em _ outro tempo, . talvez não estaríeis tão bem prepa
rado para partir.
Nestes têr71Ws, o melhor que d.eveis praticar, é aban
donlir o cuiialiô e. desejo de viver, entregq,ndo-vos inteira
me.,;te· d provid éncit:t e misericordia ·a,e Deus, afim de que
disponha da vossa pessôa, segundo a suez: vontade san
tíssima.
- O' Monse.nhor, :.;:epllcou o enfermo, não é o temor
àa morte o q·ue me obriga a jazer-vos essa pergunta: mas
antas é o temor de ·não morrer; · porque eu, por vontade
nitnha não quis'era mellwrar desta moléstia.
Adnlirou-se muito o santo bi.l;po de ouvir falar por
êste modo aquêle enfermo sabendo muito bem que o
·
- 99 -
E pelo que toca, aos bens temporais, eu, graças ao ceu,
sempre os possuí com abundância, de modo que nunca
vi a cara à pobre2o,.
Perguntou-lhe ainda o nosso santo se tinha algum
desprazer dos seus filhos, ou da sua mulher.
- Tenho de todos os meus, respondeu êle, a melhor
satisfação, que justamente se pode desejar. E se eu tivesse
pena por deixar agora êste mundo, só dêles, ou por êles
me poderia nascer, o motivo.
'
Ora, não podendo adivinhar o santo bispo, donde
vinha àquêle enfermo o desgosto da vida lhe disse :
- Pois, meu irmão,. qual é o motivo, porque _desejais
a morte? - E', meu senhor, lhe respondeu, por ter ouvido
nas pregações, ta2er tanto aprêço do outro mundo, e das
glórias do Paraiso, que reputo o assistir na terra, como
viver num cárcere e prisão penosa.
E continuando a falar sôbre êste agradável assunto,
disse tão belas coisas, que o santo bispo admirado se
banhou em lágrimas de ternura, vendo que a maravi
lhosa locução daquêle virtuoso enfermo não lhe fôra su
gerida pela carne e sangue, mas pelo magistério do Divino
Espírito.
E logo o mesmo enfermo, descendo daquelas altas
especulações celestes, entrou a descrever a bal..xeza des
prezível das mais eminentes grandezas, das riquezas mais
suntuosas e dos prazeres mais exquisitos do mundo, tanto
ao natural, e com tão vivas côres, que até .imprimiu a
êste respeito um desprêzo novo no mesmo coração do
nosso bem-aventurado.
Mas, para maior segurança, concluiu a prática com
:fazer muitos atos de resignação e conformidade com a
vontade divina, assim para viver, como para morrer. E
dali a poucas horas ( depois de receber a extrema unção
pelas mãos do santo bispo) expirou, sem se queixar de
alguma dor; e ficou depois da morte ainda com mais
agradável presença do que a boa, que tivera em vida.
10Q -
§ Xll
Eserápulos de um homem rico e grande esmoler
- 101 " -
último, além dos muitos legadqs pios, que deixou em seu
testamento, instituiu a Jesus Cristo por seu principal Jler
deiro, aplicando o resto das suas rendas para bem dos
pobres enfermos ; e coroou tal vida com a morte mais
ditpsa.
§ XIII
Das securas na oração
·
Quando alguma religiosa se lhe queixava das des
consolações interiores e securas que padecia no exerc1c1o
da oração, respondia com graça: Eu quanto a mim, sem
pre tive por melhores os doces secos que os líquidos. E
repetia logo aquêle texto de Daví : "Na terra deserta, sein
caminho e sem água, assim me apresentei diante de vós,
como no lugar santo para contemplar o vosso poder e a
vossa glória":
Poucos se persuadem desta verdade, não obstante o
ser infalivel, que a união com Deus de urna · alma j usta e
fiel, é mais intimamente estreita nos desamparos e se
curas, do que nas consolações e delícias. Pois, quanto
mais a alma se �ntretém na consolação com Deus, tài:ito
menos se chega a unir com o Deus das .consolações. E
as . abelhas que aj untam menos porção de mel, são as
gue fazem mais cera. _
.§ I
Da singularidade
dência. •
193 -
Por isso êle costumava dizer, que a nossa conversa
ção, e comportamento exterior devia ter as qualidades
da água corrente, que é sempre a mesma; e a melhor é
a mais clara, mais simples, e que não tem no seu próprio
sabor gõsto algum particular.
§ II
- 104 -
§ ID
§ IV
- 105 -
Intentava pois retirar-se a êste deserto, depois de
entregar ao bispo de Calcedônia, seu irmão e coadjutor
seu, o govêrno do -bispado. E falando várias vêzes dêste
retiro com o prior do mosteiro vizinho, dizia : Q'uando nós
estivermos na nossa amada solidão, alí serviremos a Deus
com o nosso breviário e rosário, e também com � nossa
pena.
Oh quem me dera, dizia muitas vêzes, quem me df3ra
·
ásas de p011iba, para voar àquêle espiritual deseanso; onde
pudesse respirar à sombra da, santa cruz; até chegar o
feliz momento da minha final mudança,' ou total' �aida
dêste mundo. :tstes eram os desejos do nosso bem-aven
turado; porém Deus lhe preparava no mesmo tempo outro
descanso, q ue era o fruto dos seus trabalhos.
§ v
, :· ·
Depois, falando o santo com o bispo de Belley sôbre
tdiberdade· de espírit� referindo..:lhe êste passo lhe · disse
que a condescendência era filha da caridade, assil'll' !Coíno
- 106 -
o jejum era irmão da obediência. E- nesses têrmos, se a
obêdiêncià. era maior· que o sacriiício, não havia dif�cul;.
dade · em preferir a condescendência e a· hospitalidade ao.
j ejum.
E por aqui vereis, concluiu dizendo, que não se de1.1e.
ter tanto apêgo, ainda aos exercícios mais pios, que se não
hajam de interrompqr algumas vêzes. Porque do con
trário pode suceder que, com o pretexto de fidelidade e
jirineaa de espírito, se introduza um finíssimo amor pró
prio, que jaz deiXar o fim pelo meio, quando em lugar de
sé unir a. Deus, se une ao meio que a .tle conduz .
E pelo qlle respeita ao fato, de que se falou acima, �:
certo qué aqU:êle j ejum da sextJt-feira, por então inter- ,
rompido, ocultaria o s outros; e ocultar tais -virtudes não
é virtude menor do que as mesmas que se ocultam. Po-
dia pois aquêle prelado reservar o seu j ejum de sexta
feira para o dia ou semana seguinte. E podia não menos
omiti-lo inteiramente, substituindo em seu lugar a vir
tude da condescendência. Exceto se a obrigação proce
dia de voto ; pórque nêste caso a fidelidade para com
Deus precede a tudo.
§ VI
Do jejum
,··. :'
Perguntou uma vez o nosso santo ao bispo de B.eUey
seu discípulo, se tinha facilidade em j ejuar. Tanta, lhe
respondeu, 'como quem nunca tem: fome; e quando me
ponho à mesa., é quase sempre --sem a.petêneia. -'- · Visto
isso, lhe disse o. bem-av.enturado; jejuai_ .só nos dias -de
precéito.
- Logo, para quem , se dispôs, rêplicou o discípulo, .
esta espécie ·de mórtijicàção tão recomendctda nas. Es--
crituras? - Para a.quêles, respondeu· o _ santo; que têm
melhor ou maior apetite· do que vós. E portanto; comu
tat· ·o jejum em. outra obra àe mortificação,. ·quanto per
mitir · a prudência� segun·cto. .a vossa débil natureza.
- tOT -
Com efeito, o nosso santo, que não aprovava os j ejuns
imoderados, costumava dizer: O espírito não pode supor
tar o· corpo m-uito nutridO : nem também o corpo mace
rado com exce83o pode suportar bem o espírito. Amava
pois o santo igual tratamento; dizendo, que Deus queria
ser honrado com juizo.
E acrescentava, dizendo que pode cada um quando
quer, diminuir as fôrças do próprio corpo, mas não póde
com igual facilidade repará-las, depois de abatidas; por
que o ferir é mais facil que o curar. Em suma, a regra
geral na presente matéria vem a ser esta : - o espírito
deve tratar ao corpo como a seu� filho, sem o oprimir,
ttuando lhe obed�ce ; e dar-lhe o castigo, como a vassalo
rebelde, quando 8e lhe revolta i segundo -dizia e p�:aticava
S. Paulo : "Castigo o meu corpo, e o faço obedecer como
servo".
§ VII
- 108 -
sem eleição nossa, do que naquelas que nós escolhemos e
talvez viciamos com o nosso amor próprid e ordinárias
paixões da natureza humana.
§ VIII
Da pobreza de espírito
- 109 -
§ IX
§ X
- 1 10 -
li: quanto à pensão oferecida, como vinha de mão tão
respeitável, ·não podia · recusar, Ma$ CJ,J.le suplicava a. sua
Majestade o · haver por bem que ficasse em depósito n�
mãos do tesoureiro, até lhe ser n�essária Pl\1-ra o serviçp
da �religião . católica, ou remédio c!.os pobres. : Pois quanto
·a. -:-súa 'própria péssôa tin,h"a. · o · que past!J,va para passar ,�
vida.
Admirou o generoso monarca a sua destreza, juizo e
desinterêsse. E louvando também sua grande prudência,
disse : Ejs. aqui a mais agradável � màis bem temperada
repulsa, que até agora se me tem jeito. �ste homem é
tora de tôda a corrupção e excede a todos 'os mais.
§ XI
I
Que alimentos se podem permitir ·aos sold!Ldos no tempo
da quaresma em caso de necessidade?
Achando-se a guarnição militar em tempo de qua'
resmfJ. no bispado de Belley, foram os capitães pedir fa:..
culdade ao bispci para os seus soldados poderem comer
ovos e queijo. E como aquêle bispo (que era discípulo ·do
nosso santo ) não costumava dar estas permissões, senão
aos enfermos, achou-se embaraçado com a proposta sú
plica; principalmente por ser em uma terra onde a qu a
resma é tão estritamente observada, que os . habitantes
se escandalizavam muito, quando por falta de azeite se
lhes permitia usar de manteiga.
Despachando pois um correio ao nosso bem-a.ventu
rado para o consultar na presente matéria, teve dêle esta
resposta :
Venero muito a piedade e boa fé dêsses capitães, cujo
requerimento me parece justo, e como tal, de11e ser aten
dido. O que suposto, dissera eu, que o que pedem se lhes
pode conceder e ainda ampliar. De maneira que além
de_ .se lhes permitir o us� de ovos e de queijo, se lhes con
cedesse também o poderem servir-se de manteiga � carne
· de vaca.
- 1 11 -
Ora vós, meu cansslmo, tendes boa graça em me
consultar sôbre o que os soldados poderão comer na qua
resma; como se . a lei da guerra e da necessidade não fôs
sem mais violentas, que tôdas as outr'laS. E prouvera a
Deus que êles não praticassem coisas piores! De maneira,
que não causando tão grandes desordens e criminais
excessos, não h·ouvesse contra êles tão justas queixas!
§ XII
§ XIII
- 112 -
sorte adversa, caem dez mil à direita da fortuna próspera..
Tanto é difícil o caminhar sem tropeço na estrada da
abundância. E por isso dizia Salomão a Deus "Senhor
não me deis pobreza nem rigueza: dai-me só o que fôr
necessário para o meu sustento".
Com efeito, saber guardar a moderação entre as ri
quezas, tem semelhança com a sarça, que ardia sem se
queimar, e com os três mancebos de Babilônia, que saíram
ilesos da fornalha. E assim como a humildade corre
perigo entre as honras, e a castidade entre as delícias,
também têm ambas grande risco entre as riquezas.
E por outra parte, saber gozar a abundância, padecer
a penúria com igual coração, é sinal evidente de que
aquêle que assim se porta atende só a Deus, tanto na
pobreza como nas riquezas; pois nem os espinhos da
pobreza o lastimam, nem as comodidades das riquezas o
entumecem.
§ XIV
- 113 -
Quando se lhe falava de edifícios, pinturas, plantas,
flores, caça, música etc., êle não censurava os que a isto
se aplicavam. Quisera, sim, que êles se servissem de
tôdas estas ocupações, comQ de outros tantos meios para
elevarem o espírito e o coração a Deus. Sôbre o que lhes
dava êle o exemplo, deduzindo de tudo isto virtuosoe afe
tos, que o seu espírito lhe excitava; como quem via tôdas
as coisas em Deus. Ou, para o dizer melhor, como quem
não via mais, do que uma só coisa, a qual era Deus.
§ xy
Nada pedir e nada recusar
Segundo esta grande máxima, costumava o nosso
santo receber os pequenos donativos, que as gentes pobres
lhe ofertavam pela administração dos sacramentos. E
era coisa bem edificante vêr o bom a.grado, com que o
santo bispo naquelas ocasiões recebia um punhado de
nozes ou de castanhas, de ovos ou queijos pequenos, que
os meninos e pobres lhe presenteavam, e quando muito,
algumas mínimas moedas de cobre. E êle por tudo isto,
com benigno aspecto se lhes mostrava obrigado e
agradecido.
E o que se lhe dava em dinheiro o distribuia por si
mesmo aos pobres, logo ao saír da igreja. Ma.S o que era
coisa de comer, o levava nos seus bolsos; e colocando-o
nas prateleiras do seu aposento, recomendava ao seu mor
domo, que lhe fôsse apresentado à mesa, verificando por
êste modo na sua pessôa, o que lhe dizia o real profeta :
Tu, que comerás o fruto de teus trabalhos, és feliz, e tudo
te sairá bem.
§ XVI
'
- 1 14 -
uma enfermidade p�rigosa se. bem que sarou dela com
presteza.
Disseram-lhe então algumas pessoas de respeito e
amantes da sua conservação, que não se encarregasse de
tantas emprêsas superiores às. suas fôrças, para não cau
sar ruína à tua própria saúde. Ao que êle respondeu,
que todos aquêles que eram por ofício, luz do mundo,
deviam consumir-se como as tochas, até se acabar a cera.
- Mas as pregações . tão frequentes, instaram os
mesmos, jazem a palavra de Deus menos preciosa; porque
o mundo só estima o que é raro. - Pois se i3to assim é,
replicou o bom prelado, será preciso nomear-me um vi
gário destinado para as escusas; porque a mesma pala
vra que eu anuncio, me ensina, que somos devedores a
todos, para lhes darmos o que nos· pedem com justi9Q.; e
a escusa nestes casos, além de grosseira incivilidade, seria
inteiramente oposta à caridade fraterna.
§ XVII
- llli -
Sim, respondeu o saqto, e a palavra MOCIDADE
decide e satisfaz �C� pergunta. Porqut: agora sem dúvida
não fizera eu aquêle voto, que então ofereci com menos
con3ideração e madureza. E, se vai a dizer tudo, mais de
uma vez me tem embaraçado e ainda ocorr�do o fazer-111,e
dispensar o tal voto, ou com·utá-lo em outra obra de igual
importância, mas de menor sujeição.
Aconselho-vos, pois, e vos exorto, quanto mais me é
possível que não passeis algum d� sem . o rezar; por ser
uma deiJoção muito agradavel a DeU3 e· à Santíssima Vir
gem. Porém seja sempre como um propósito firme e
nunca por voto; para que tendQ alguma vez de omitir,
não vos exponhais a perigo de pecm·.
§ XVIII
- 116 -
era daquêles chamados mudos, pelo total silêncio que
fazem guardar aos miseráveis possessos, sôbre os quais se
lhes concede poder, para mais os afligir.
E o mais ·é que êle no mesmo tempo, se viu privado
da suavidade do am_or divino, a:inda que não ·da fid,eli
dade, por meio da qual, como com um escudo impene
trável, procurava repulsar, ainda que sem o perceber, os
ardentes impulsos e sugestões do inimigo. Então as de
lícias, espirituais que góstara com tanto prazer antes
desta tempestade, lhe vinham na memória e lhe duplica
vam a pena.
Em vão, dizia êle a si mesmo, esperava eu algum
tempo ser inebriado com a abundância das doçuras da
casa de De·us, e ver-me .submergido na torrente dos seus
inefáveis prazeres. O' amaveis tabernáculos e deliciosos
aposentos do templo do. Senhor! Eu não terei de ver-vos
jamais, nem ser um dos vossos teliz�s moradores? Que
desgraça}
Um mês inteiro padeceu o nosso santo estas amargas
agonias, que êle podia comparar às dores da morte e aos
perigos do inferno; passando os dias em gemidos dolo
rosos, e assim também as noites sem descansar nem dor
mir, regando o próprio leito com amargos e copiosos
prantos.
Até que por fim, movido de wna divina inspiração,
entrou na igrej a de S. Estêvão para invocar a misericór
dia de Deus sôbre a sua miseria. E pôsto de joelhos
diante de uma imagem da Santíssima Virgem, rogou fer
vorosamente a esta Mãe de misericórdia, que fôsse advo
gada sua para com Deus, e lhe obtivesse de sua bondade,
que, se êle miserável tinha de ser tão infeliz, que hou
vesse de ficar eternamente' separado do mesmo Senhor,
pudesse ao menos amá-lo com todo o seu coração en
quanto lhe durasse a vida. E cóncluiu a sua súplica com
a seguinte oração de S. Bernardo :
"Lembrai-vos, ó puríssima Virgem Maria, d e que
"nu,nca se ouviu dizer que de todos os que têm recorrido
- 117 -
"à vossa proteção, pedindo o vosso socorro e implorando
"o vosso patrocínio, fôsse algum rejeitado. Animado eu
"pois com esta confiança ó Virgem, Mãe das virgens,
"corro e venho a vós; e gemendo com o pêso dos meus
"pecados, me prostro aôs vossos pés. O' Mãe do Divino
"Verbo, não desprezeis as minhas rogatlvas ; mas recebel
"as benignamente, e fazei com a vossa intercessão, que
"Deus me atenda e me perdõe as minhas culpas. Amen".
Acabada esta oração, sentiu o nosso bem-aventurado
o desejado efeito do socorro da Mãe de Deus, e o poder
do seu patrocínio na presença do mesmo Senhor. Porque,
sem mais demora, aquêle dragão maligno, que lhe en
chera o coração das suas ilusões funestas, se retirou total
totalmente ; e o santo ficou posSuindo tal prazer e con
solação, que onde abundaram as trevas, superabundou a
·
luz.
Êste combate e esta vitória, êste cativeiro e êste . livra
mento, esta tempestade e esta bonança lhe deram depois
tanta prudência e destreza no manejo das armas espiri
tuais, que era êle �omo um arsenal, que subministrava
defesas, armas e indústrias a todos os que lhe manifes
tavam as tentações e opressão das suas almas, aconse
lhando-lhes sobretudo, que recorressem ao patrocínio da
Mãe de Deus; a qual era sempre contra todo o inferno,
como um exército ordenado em batalha.
- 118 -
QUINTA PARTE
§ I
- 119 -
motivo de empregar o seu afeto em uma peça tão pre
c iosa. E a segunda, porque a divina Providência forma
ria talvez o. fortuna de alguma pessôa mais pobre, que
achasse o tal anel, com que houvesse de passar mais
comodamente o resto dos seus dias.
Porém não sucedeu assim ; porque achado o anel por
um pobre que ignorava o seu valor, e sendo mostrado na
vila . que lhe ficava mais próxima, onde era já sabida
'
aquela .p êrda, foi logo restituído ao santo prelado, que
premiou com liberalidade grande, não só ao que o achou
senão também ao que lho trouxe.
Por aqui se deixa vêr, quanto o coração dêste bem
aventurado não fazia aprêço das coisas que os homens
tanto estimam, como quem esperava gozar no Céu mais
sólidos e preciosos bens.
§ li
- 120 -
Mas ainda assim para mostrar:.me agradecido à vossa
boa vontade, prontamente vos satisfarei a êste mesmo
respeito. Porque depois de haver tomado os alimentos
mais fortes e mais nutritivos, receberei também uma pe
quenf!- porção dêstes mais delicados, que agora me· apre
senta o vosso generoso amor.
Oh quanta& virtudes entram nesta breve ação, que à
primeira vista nada excede ao comum. A sinceridade, a
verdade, a candura, a simplicidade, a- temperança, a con-.
descendência, a· benevolência, a doçura, a benignidade, a
prudência, a igualdade ! O certo é que as almas puras,
como sempre agem pelo impulso da graça, nada pro
duzem que não seja grande. Porque as obras de Deus,
cíirigidas pela sua graça, tôdas são perfeitas e têm a
glória por corôa. E por isto dizia S. Pauío na sua pri
Vós outros, ou comen
meira carta aos fiéis de. Corinto :
do, ou bebendo, e geralmente em qualquer coisa que jizer
des, fazei tudo para glória de De'us.
§ rn
- 121 --'
viço do mesmo Senhor. Porque é sem dúvlda, que agrada
a Deus, e é por Éle amado, aquêle a quem Deus agrada;
segundo está definido pelo mesmo Senhor no sagradG
Livro dos Provérbios : Eu amo aos que me ama7it.
O terceiro vem a ser, quando em comparação do
Criador nada estimamos as creaturas. O que no Evan
gelho se exprime com o nome de ódio, dizendo Jesus
Cristo no capítulo 10 de S. Lucas : Aqu�le que não tem
ódio a · seu pai, a sua mãi e ainda a si mesmo (isto é à
sua vida) não é digno de ser meu discíptllo .
E o nos8o glorioso santo reduz tudo isto a êstes dois
pontos. O primeiro é examinar, se no fundo da alma,
l'eside uma firme e invariável resolução de não ofender
j amais a Deus com algum pecado mortal ; porque nêste
particular consiste a nossa grande união com a vontade
de Deus. .
E o segundo ponto é examinar, se temos um firme e
§ IV
'--- 122 -
urgências, como eram as do Duque, entrou logo em wn
ardente zêlo,. assim pela Casa de Deus, como pela do
seu Príncipe; e impelido do seu religioso fervor, lhes falou
desta maneira.
- Meus reverendos senhores e meus carissimos
irmãos! · Quem nos de·u autoridade para nos opormos
com razões aôs decretos de dois soberanos, que concorrem
uniformes no mesmo preceito? Nós, que não devemos
entrar nos seus conselhos, podemos perguntar-�hes os
motivos?
Não o fazemos nós assim, pelo que toca às ordens da
Côrte, e dos tribunais, e ainda quanto aos despaehos e
sentenças difinitivas dos juizes inferiores conformando
nos, como é. justo com as decisões do seu juizo. E falando
aquí dois oráculos supremos, que só têm de dar conta a
Deus do que ordenam, quereremos nós indagar os seus
sentimentos, como se fôssemos seus indicantes? Eu por
mim declaro, que tal não aprotJo, nem tal consinto.
o certo é, que estamos bem remotos da pura perfei
ção dos cristãos primitivos, aos quais dizia. S. Paulo: Vós
vistes com prazer todos os vossos bens roubados, sabendo
no mesmo tempo, que tínheis outros muitos, e mais exce
lentes, que não perecerão jamais.
Se assim pois falava o Apóstolo àquêles fiéis do in
justo roubo de todos os seus bens; repugnaremos, e nega
remos nós outros um leve donativo do nosso rendimento
anual, podendo aliviar por êste modo o nosso bom Prín
cipe, amavel Pai da Pátria, a cujo valor e zêlo deveremos
o estabelecimento da religião católica em todo o bailia
do, ou bailiados de Chablais?
E, por fim, sendo. a 1!0ssa ordem q primeira das três
que compõem os Estados dos príncipes cristãos, é m·uito
justo, que todos nós, quanto mais pudermos contribua
mos, não só com os nossos bens, senão ainda com as
nossas orações, para q defesa dos nossos altares, das
nossas vidas e do nosso descanso; quando para isto
mesmo concorre também o povo com os seus dinheiros, e
- 1 23 -
a n o bre.c a com o seu sangue. Ah meus caríssimos/ Lem
hrai-1JCI.• das guerras passadas, e temei que -a vossa deso
hlldi,.IIC·Ia e grosseira ingratidão não vos jaça ainda pa
tfcwtlr mais/
A estas vivas palavras ajuntou o Santo o seu exem
p l o , fazendo por si mesmo a sua taxa tão excessiva em
eomparação de sua diminuta renda, que não só não houve
depois quem se atrevesse a queixar-se, senão ainda que
não tivesse pêso de haver repugnado. Assim é que êle
obedecia e ensinava os outros a obedecer ; como pode
roSo em palavre.s e obras ; podendo dizer, como Gedeão :
Fazei b que me virdes jazer".
§ v
Excelências do voto
- 1 24 -
é a que dá o prêço às nossas obras diante de Deus. E
.por ,isso as pessôas que fazem boas obras por voto, devem
amiudar, e aumentar os atos da caridade, para não per
derem o merito.
§ VI
Da pontualidade
§ VII
- 125 -
sito : Dai-me as pessôas e tomai o restante; falando da
sua Genebra, que êle chamava sempre a sua pobre, a. sua
amada, não obstante a sua rebeldia.
Prouvéra a Deus, acrescentava êle que aquelas gentes
tomassem também o rendimento diminuto, que me ficou
de resto; contanto que naquela deplorável cidade possuis•
semos livremente, como os católicos na Rochella, uma
capela pequena, onde celebrássemos os ofícios diviJWs e
.as mais .junções da nossa religião! Se assim fôsse, estou
certo que em breve espaço veríamos aquêles prevarica
dOres voltarem ao seu coração, e nós têrmos a deliciosa
alegria da .s·ua reconciliação com a Igreja Romana.
E como êle não perdia_ de todo, antes nutria no seu
seio esta gostosa -esperança, sempre que se cantava no
côro o salmo Super Ilumina Babylonis . . lembrava-se
.
§ VIII
- 126 -
Quando · se lhe perguntava, se queria tomar um re
médio ou um caldo, ou sangria, .ou coisas semelhantes,
respondia : Deus me entregou . à disposição dos médicos:
e eu estou pronto para o que êles me ordenarem. Assim
honrava a Deus nos médicos; como quem não ignorava,
que l!:le fizera a medicina ; e esta honra que lhes dava era
inseparável da obediência.
l!:le dizia simplesmente o seu mal, sem o aumentar
com excessivas queixas, e também sem o diminuir com
afetada dissimulação. E suposto que a parte inferior da
alma se achasse oprimida com o pêso das veementes
dôres, contudo a parte superior da mesma mostrava sem
pre· no rosto, e principalmente nos olhos . uma perfeita
serenidade, apesar das dolorosas nuvens, que lhe assom
bravam e molestavam o corpo.
§ IX
- 127 -
___,Não por certo, respondeu o santo. Mas se- a cari
dade estiver senhora do coração, saberá dar lugar à pru
dência, à justiça à moderação, à magnanidade, e assim
também à humildade, abjeção,� paoilência, tolerância e
'doçura.
Eu digo sempre a respeito dos noS3os domésticos que
os devemos amar, como a nós mesmos, por. serem nossos
irmãos, e nossos próximos que vivem conosco debaixo de
um mesmo teto, e como tais os devemos tratar segundo
quiséramos que se usasse a nosso respeito, se nos achás
-semos na mesma situação e circunstâncias.
E' bem verdade, que não se devem dissimular as s'uas
faltas notáveis, nem poupar-lhes a correção; mas tam
bém por outra parte devemos reconhecer agradecidos o
bem que por êles reeebemos; e ainda mostrar-lhes algu
mas vêzes o nosso agrado pelos seus serviços. Pois, assi'"!
como 'uma rajada de bom vento nas velas de uma embar
cação a jaz vkl,jar muito mais do que o impulso de muitos
remos, assim também uma demonstração de amizade, e
benevolência tirará mais e melhor serviço de um domés
tico, do que muitos preceitos a,ltivos; ou rigorosos castigos.-
§ X
- 128 -
senão o puro, santo e bom. E .por isso vemos, que todos
os escritos do nosso bem-aventurado respiram amor san
to ; porque as suas expressões, ainda que ternas, são tão
castas, que se justificam por si mesmas.
E quanto à paixão da ira a que era inclinado, êle a
venceu com tanta fôrça e valor, ou com tanto esfôrço e
constância, como · nêle se viu depois de morto ; em que
lhe acharam junto ao fel umas tantas pedrinhas, que,
segundo o j uizo dos médicos, se formaram pelas santas vio
lências, que êle a cada . passo fazia sôbre si mesmo.
§ XI
Da simplicidade
- 129 -
Aprendamos pois do nosso bem-aventurado a ligar
bem o nosso interior com o exterior por uma justiça pru
dente, afim de evitar ainda. o menor dólo. Porque assim
como pela boa disposição do rosto se faz j uizo da · que há
por todo o corpo ; da mesma · sorte, pela bondade das
nossas ações externas se pode bem j ulgar da santidade
do nosso interior.
§ XII
Do adiantamento na virtude
O nosso bem-a:venturado recomendava sôbre tudo o
evitar o defeito da precipitação no agir porquanto o apro
veitamento virtuoso não consiste em fazer muito, mas em
fazer bem o que se faz. E por isso costumava dizer : Vale
mais jazer pouco e bem, do que muito e sem perfeição.
Porque não depende da multidão das coisas, que jazemos
o adiantarmo-nos na perfeição, mas do fervor e pureza
de intenção, com que as jazemos. Donde se vêm a dedu
zir t6das estas cons�quências.
1. Que o nosso progresso no oaminho do espífito não
depende tanto, como fica dito, da m?fltidáo das nossas
obras, quanto do fervor do -santo amor, com que as pra
ticamos.
2. Que uma ação boa, feita com grande fervor, vale
mais· e é mais agradavel a Deus, do que muitas da mesma
e3pécie, feitas com frouxidão e tibieza.
3. Que a pureza da intenção exalta o mérito da boa
obra; porque dando o fim o prêço à obra, quanto o fim
é mais puro, tanto mais a obra é excelente. E que fim
mais alto podemos ter em as nossas obras do que a glória
de Deus?
Nas conversações particulares queria que se falasse
pouco e bom. E quanto às obras aconselhava que se não
empreendessem muitas; mas que o pouco que se fizesse,
se fizesse com perfeição, segundo do proloquio :
Assáz depressa, se assáa bem.
- 130 -
SEXTA PARTE
D I
- 131 -
1 n
Da perfeição do estado
§ III
§ IV
§ v
Do .. amor de Deus
§ VI
- 135 -
perder os que pela dureza de seus corações impenitentes
'
ajuntam tesouros de ira para o dia das vinganças. E mais
não deixa o mesmo Senhor de nos solicitar com inspira
ções, por mais que rej eitemos os seus atrativos ·e não quei
ramos seguir os seus caminhos.
E assim também aos nossos Anjos custódios, que imi..:
tam a respeito de nós outros os procedimentos divinos.
De maneira, que ainda que abandonemos a Deus pelas
nossas iniquidades, êles sempre �os assistem, nos inspi
ram e nos socorrem. Não há maiores nem melhores
exemplos para regularmos santamente a nossa prática
para com os nossos inferiores.
§ VII
§ VIII
.
Da sinceridade
Aquela máxima do mundo, que se há de amar como
quem tem de àborrecer, e aborrecer como quem tem de
- 136 -
amar, era abominada pelo nosso santo. E' bem verdade,
dizia êle, que a segunda parte desta máxima é mais su
portavel do que a primeira; por ser menos mal aborre
cer mediocremente, e como pensando em renovar a ami
zade, do que nutrir no coração aquêles ódios implacáveis,
fomentados pelo demônio. E pela outra, parte, aborrecer
como tendo ainda de amar, é uma espécie, que dispõe
para a futura reconciliação .
Perguntando-se pois ao nosso bem-aventurado, que
entendia êle por sinceridade verdadeira? O mesmo que
a palavra sôa, respondeu isto é sem cera. E não enten
dida ·a resposta, declarou êle, dizendo : Vós não sabeis o
qu� é mel sem cera? E' o que se tira do favo, total
mente puro. E o mesmo é o espírito purificado de todo
o refôlho; porque então merece o nome de puro, cândido
e sincero.
§ IX
Da ciência e da consciência
- 137 -
E' bem verdade, que ha um gráu tal de ignorância
crassa e tão grosseira que é inexcusável, e faria um cego
condutor de outro cego. Porém quando se louva a pie
dade de um homem, é sinal de que êle tem a verdadeira
luz, que conduz a Jesus Cristo. E se êle não tem os
grandes talentos, que o façam brilhar no púlpito e na
cátedra, basta que possa (como o Apóstolo dizia) exortar
com doutrina sã, e corrigir os que se apartam do seu
dever; porque enfim vale mais uma onça de consciência
boa, do que muitas arrobas de vaidosa ciência.
§ X
- 138 -
e a minha revolta, universal. Seriam grand�s os meus
gritos, ·sensíveis os meus a,batimentos, e talvez as minhas
maldições notórias. Porém Deus mEl prende os lábios por
tal modo, que não posso queixar-me debaixo dos golpes
da sua mão benigna, que tudo ordena para sua maior
glória, e utilidade nossa.
Retirando-s e pois o nosso santo disse aos que o con
duziram : Á enferma tem a verdadeira paciência cristã.
E ·nós devemo-nos alegrar, mais do que sentir as suas
dôres; porque a 1Jerdadeira, virtude se aperfeiçoa nas en
fermidades, jazendo-se como ali vêdes, não somente ani
mosa, senão também no mesmo tempo afetuosa e humilde.
Porém guardai-vos, de lhe referir o que acabo de
dizer; para, que lhe não resulte alguma vaidade, e se lhe
venha a perverter a bela economia da, graça; cujas águas
só correm claras no vale da humildade. Deixai-a pois
possuir tranquilamente a própria alma na sua paciência,
perseverando em paz ná sua extremosa q.margura.
§ XI
- 139 -
Um peregrino espanhol, pouco provido de dinheiro
ohegou a uma hospedaria, onde depois de ser assáz mal
tratado, tudo se lhe descontou por tão alto prêço, que
êle cheio de furor exclamou com aspereza contra a injus
tiça, que se lhe fazia ! Mas foi-lhe preciso conter-se,
porque não podia despicar-se.
Saindo pois da hospedaria, que estava f;onteira de
outra casa do me�mo ministério' e entre ambas havia uma
praça, em cujo meio estava colocada uma grande cruz,
alí com esta reflexão desafogou êle a sua dôr dizendo
assim : Verdadeiramente esta praça é um calvário, onde
�:e plantou a cruz do Senhor entre dois famosos ladrões.
Ouvindo isto o estalaj adeiro d!!- outra casa, que suce
deu estar à porta e percebeu logo que lhe tocava uma
parte daquêle impropério, chegou-se ao peregrino e lhe
perguntou magoado, que mal lhe tinha êle feito, para o
injuriar daquêle modo. Então o peregrino, a quem o furor
não ofuscára o ·j uizo respondeu pronto : Calae-vos, meu
amigo; vós que me não fizestes mal, sois o bom ladrão.
Mas que quereis que diga do outro, que me esfolou vivo?
Depois disto, passou o santo suavemente a dizer que
assim como o tal peregrino terminou a sua ira com aquela
graça, assim era necessário, como pedia a prudência, evi
tar a geral censura, como que se dizia das nações e dos
estados, que todos eram ladrões, arrogantes, traidores.
Porque,_ ainda que se não apontasse algum particu.l.ar, os
particulares das nações e dos estados se interessavam e
se ressentiam daquelas mesmas censuras.
'
'
Do espírito de pobreza nas riquezas ;
e do espírito de
mapificência na pobreza
Da Paixão do Senhor
§ XIV
Do Rosário
- 143 -
SETIMA PARTE
§ I
Da prudência e sinceridade
- 145 -
§ li
Do amor ao prQximo em Deus
O IV
- 147 -
recerem, e disserem de vós todos os males por meu res
peito . . . ; porque a vossa recompensa é grande no céu".
Deste modo pois se deve amar o ser aborrecido. E no
mesmo tempo se deve aborrecer o ser amado (não sendo
em Deus, ou por Deus) pelas razões seguintes :
1. Por causa do grande perigo, de que a amizade
humana (por mais honesta e legítima que seja na sua
origem) degenere em criminal, principalmente versada
em pessoas de diferente sexo.
2. Porque o querer &er amado, sem ser em Deus, é
uma especie de latrocínio, com que se rouba ao mesmo
'
Senhór aqu•ela parte do coração, que para nós queremos,
e é devida a Deus por innumeráveis títulos.
3. Porque é ferir de zêlos a Deus, que não admite
companheiro, nem competidor na esfera do nosso cora
ção. E portanto, se o nosso amor para com l!:le não é
todo, é nenhum.
4. Porque é uma vaidade assáz grosseira em qual
quer o pensar, que tem por si algum mérito, pelo qual
'
possa ter direito sôbre o amor de cada um.
- Oh como são venturosos (dizia o glorioso Sales)
aquêles que nada têm de amável! Porque nestes supos
tos estão certos, de que o amor, com que os tratam, é
excelente, verdadeiro e puro; por ser todo fundado em
Deus .
. A·h !, piedoso Senhor! Ou tirai-nos do mundo, ou tirai
o mundo de nós. Arrancai o nosso coração do mundo, ou
arrancai o mundo do nosso coração. Tudo o q·ue não é
Deus, é menos do que pouco, é -nadia. E que é o que nós
queremos, ou devemos querer. na terra, e no céu, senão a
Deu.p"'
§ v
- 149 -
ter outra ocupação tora de refletir sôbre o que faz, não
aumenta a glória do Pai Celeste; antes é uma atenção,
que por fim se taz incõmod� e de modo ordinário se
dirige ao nosso próprio interêsse. Em suma, o sal e o
açucar, ainda que por si são coisas boas, devem,-se usar
com moderação.
§ VI
§ vn
Das reformas
- 151 -
casa religiosa . . . respondeu êle : Permitam-se-lhe os sa
patos ; por ser necessário reformar a cabeça e não os pés.
§ VIII
§ IX
- 153 -
lágrimas, que eu vi correr dos vossos olhos, causaram no
meu espírito o q·ue jaz a água lançada pelos terreiros
sôbre os carvões; que acende e não extingue o jôgo deu
suas fornalhas.
Com efeito, aquêle penitente foi tão satisfeito do
tribunal da clemência, que depois (como declarou a um
dos seus amigos) não havia para êle maior delícia, que o
voltar ao mesmo tribunal; o que êle fàzia com tal fre
quência, que chegava a importunar os sacerdotes com
as suas repetidas confissões; dizendo a cada passo com
fervoroso espírito : Lavai-me, Senhor, lavai-me cada vez
mais.
§ X
- 154 -
obras. tle escolhe o fraco, para contundir o forte, a igno
rdncia, para confund�r a ciência e Q que é nada, para
destruir o que parece ser alguma coisa.
Que não fez tle com uma vara na mão de Aarão?
com uma queixada na mão de Sansão? Por quem venceu
a Holofernes, senão pela mão de uma mulher? Quando
creou o mundo donde tirou a matéria, senão do nada?
Além de que, por isso mesmo que o sexo feminino é
mais fraco, necessita de maior auxílio e deve-se-lhe ter
mais compazxao. O Divino Salvador não se dedignou,
nem proibiu às m'ulheres a sua assistência. tle de modo
ordinário era seguido de muitas, ainda, até ao mesmo Cal
vário, onde exceto o Evangelista amado, o abandonaram
os discípulos. E a Santa Igreja, que dá a êste sexo o nome
de devoto, bem mostra que o estima muito.
De resto não é considerável o exemplo, que. elas p o
dem produzir onde o mesmo Deus as chamar? Das duas
qualidades que devem ter os eclesiásticos pastores (a pa
lavra, e o exemplo) qual é, segundo o vosso juizo, a que
merece maior aprêço? Eu por mim çonfesso, que est�mo
mais uma onça de exemplo santo, do que muitas libras
de eloquência. A ciência instrui,· mas ao que a tem sem
a boa vida, se converte em escandalo e se lhe diz justa
mente: Médico, cura-te q ti mesmo.
É bem verdade, que há outras congregações na Igreja,
em que poderiam ser religiosas algumas que professam
nesta. Mas também é certo, que muitas aquí professas
não ser�m admitidas nas outras, por causa dos seus anos,
das. suas moléstias, com que · não poderiam cumprir as
austeridades corporais daquelas ordens. E por outra parte,
se nesta congregaÇão se ·aceitam algumas mulheres for
tes, é com o desígnio de servirem às enfermas, para as
qUais principalmente foi esta ordem instituída.
E pelo que respeita à exortação que me fazeis para
eu instituir uma congregação de. eclesiásticos devo dizer
vos que já lançou mão dessa alta emprêsa o grande e
fiel servo de Deus, Monsieur de Berulle, que tem maior
- 155 -
talento para isto e muito mais tempo do que eu, que
tenho a carga de uma diocese tão pesada, e que é como
o centro dos erros que perturbam a Igreja. Deixemcu; pois
aos grandes operários os grandes desígnios; e Deus tará
o que fôr servido dêste pequeno emprêgo do meu trabalho.
- 156 :....__
OITAVA PARTE
§ I
Do desprezo da estima
- 157 -
São logo êsses delicados os que se ressentem de qua1s
quer murmurações, que por si mesmas não são mais do
que uma· pequena cruz de palavras, que o vento leva.
E é necessário que tenha os o·uvidos nimiamente mimo
sos todo o que não pode tolerar por um pouco o imper
tinente som de um mosquito.
§ li
Da verdadeira humildade
....:.... 1&1 -
graça, nem lhes manifesta os seus juizos com tanta bon
dade. E por isso deveis reconhecer o favor que vos fee,
em vos castigar com tanto amor.
§ v
§ VI
Bonança na tempestade
§ VII
- 1M -
visto que os santos só o tiveram para gOZILr de Deus e o
glorificar mais, e não afim de o não ofender. E se há_
quem assim o diga, eu sempre julgo que não é êste o
único motivo que lhe jaz desejar a morte; outr(L coisa sem
dúvida lhe jará aborrecer q vtda.
Haverá talvez quem afirme, que deseja q morte par�
entrar mais cedo no paro,iso. Mas para isto não basta
o não pecar; é necessário agir bem por moàQ que agrad,t!_
a Deus e consiga, tanta graça que se jaça benemérito
daquela eterna recompen�. Finalmente haverá quem
pretenda sair dêste mundo para entrar logo no p·urga
tório? Eu tal não creio, antes me asseguro, que se êsse
tal chegasse à sua porta retrataria logo (sendo-lhe pos
sível) o seu desejo, e suplicaria o seu regresso a esta vida
para uma austera penitência por todo um século, antes
do que residir por po·uoos ·horas naquele jogo devorante,
naqueles formidáveis ardores.
§ VIII
- 165 �
ela graça e caridade? Tudo isso lhe serà inutil, dls o
apóstolo; porque sem aquela circunstância de nada serve
para o céu.
Aquêle, pois, (diz o nosso bem-aventurado) que tem boas
inclinações naturais, lembre-se que são bens de que deve dar
conta a Deus. Tenha pois, perene cuidado de bem os
empregar no zeloso serviço do mesmo Senhor que nos deu.
§ IX
Que se pode ser devoto e muito mau
Não vos enganeis (dizia o nosso bem-aventurado ao seu
discípulo) pode-se ser muito devoto (ainda falando da
verdadeira devoção) e no mesmo tempo ser muito mau.
Porque a devoção por sua natureza é uma virtude moral e
adquirida, não divina e infusa; pois de outra sorte, seria
virtude teologal e o não é,· sendo só uma virtude subordinada
à que se chama religião, a qual é compreendida em uma das
quatro cardiais, denominada justiça.
Assim pois, como se pode ter f é, com que se f açam
transportar os montes, sem ter caridade, e se pode ser
profeta e mau homem, como foram Saul, Balaão e Caifaz;
e se podem fazer milagres como se diz os fez Judas, e ser
mau como êle; e se podem repartir pelos pobres todos os
próprios bens, sem ter caridade, muito mais facilmente e
pod erá ser devoto e muito devoto, e no mesmo tempo ser
mau e muito mau; porqua�to a devoção é uma virtude de sua
natureza menos estimável, do que as outras agora referidas.
Assim pois não se deve estranhar o dizer-se que se pode
ser devoto e muito ma·u, quando se pode ter fé, misericórdia,
paciência e constância, ainda tend o muitos vicios capitais,
como soberba, inveja, ódio, intemperança e outros semelhan-
·
tes segundo a doutrina do Doutor das Gentes.
- 166 -
Ora tal devoção, ainda que verdadeira, é morta. Pois
Cl3sim como o corpo morto, inteiro e perfeito de um ho
mem, é verdadeiro corpo de um homem verdadeiro, mas
privado da alma, assim também a devoção sem a cari
dade, qu� é a alma. da virtude, é devoção verdadeira,
porém morta,· é devoção sem alma, devoção informe e
nada viva.
o homem, pois, pela devoção pode ser devoto; porém
como só pela cariclqde é bom, faltq.ndo-Zhe esta pode ser
devoto e· juntamente mau; pois pelo pecado mortal não
se perdem os hábitos adquiridos nem ass.sim mesmo a fé
e a esperança senão só pelos atos contrários plenamente
formados de infidelidade e desesperação.
§ X
Da devoção, com a vocação
trabaÍho e dificuldade.
- Í67 -
Os segundos, sã_o os que exerc1tam estas me�as
coisas com mais facilidade, marchando no caminho de
Deus com prest�za e prontic;lão.
E ·os terceiros, são o.s que praticam as mesmas obras
com júbilo, alegria e um prazer extremo. Os primeiros,
agem por Déus com algum pêso ; os segundos caminham
com presteza ; e os terceiros correm e voam com prazer e
alegria ;· observando, não só os mandamentos da lei de
Deus, mas também· os conselhos e inspirações do céu.
- 168 -
Pelo que, quando se não fazia oração mental ou vocal,
por causa de ocupações necessãrias, queria que se suprisse
esta falta com o retiro interior e mais frequentes aspi
ra ções. E assegurava que por êste modo se reparavam
tôdas as ruínas, e se podia fazer um grande progresso
na virtude.
- 169 -
NONA PARTE
§ I
Do amor da Palavra de Deus
Dizia o glorioso ·sales, que entre os sinais de predes
tinação era um dos melhores o ouvir com prazer a pala
vra do Senhor. Porquanto (como se diz no Evangelho)
aquêle que é de De'us, gosta de ouvir a palavra de Deus;
e o que ama a Deus ama a sua palavra e a guarda no
'
seu coração. E na verdade, gost�r de ouvir a voz do pró
prio pastor, é sinal de ser boa ovelha, e de que estará
à direita no ultimo dia, para ouvir da bôca do Salvador :
Vem para mim, bendito do meu Pai . . .
Poréni. desejava o santo, que se não recebesse em vão,
nem se tornasse inútil a divina palavra, por falta da le
'
gítima observância. E por isso dizia, que Deus se dispunha
a
a atender às noss s rogativas, quando nos esforçávamos
para cumprir o que :i!:le nos propunha pelos seus embai
xadores e intérpretes das suas vontades.
Porque, assim como nós lhe pedimos na oração domi
nical (ou do Padre nosso) que nos perdôe as nossas dívidas,
como nós perdoamos aos nossos devedor�s; assim também
está disposto o mesmo Senhor a fazer o que lhe pedimos
na oração, estando nós prontos para executar o que de
nó� pretende pela sua palavra.
§ Il
Da leitura espiritual
o glorioso Sales a recomenda, .como um alimento. da
alma, que nos acompanha por tôda a parte, e em tod9
- 171 -
o tempo; uma vez que nem sempre temos pregações,
condutores, e diretores espirituais ; e nem sempre a nossa
memória nos subministra o que temos ouvido nas exorta
ções públicas e particulares.
Desejava pois o glorioso Santo que se fizesse provisão
de livros de piedade, como de outros tantos estímulos do
santo amor ; e que se não passal)se dia algum, sem tomar
dêles alguma refeição ; lendo-os com devoção e respeito,
como se fôsse cada um dêles uma carta enviada do
céu, para nos ensinar o caminho da nossa salvação.
.
Com efeito, não há mais seguros diretores do que
estes mortos, que 1,1os falam tão '\fivamente - nos seus escrf
·
tos. :6:les foram pela maior parte os intérpretes das von
tades. de Deus, e seus fiéis embaixadores na administra
ção da sua palavra pelas suas próprias línguas, que lhes
serviam de penas ; e depois da morte as suas penas lhes
servem de línguas com que perenemente nos falam e san
tamente nos ensinam.
Entre os livros dêste gênero inculcava o glorioso Sales
os_ que descrevem as vidas. do� santos ; dizendo que eram
o Ev:angelho posto em obra, donde pelo menos se extraía
um. grande gõsto de piedad�, com tanto que se lessem
COJll religiosa humildade e sincero desej o · de imitar, em
·
todo o possível , aos mesmos santos.
P!J.rec�-se esta leitura com o maná dos Israelitas, que
se aeomodava a todos os gostos. E assim, de tão dife
rentes flores é fácil formar, como abelhas industriosas, o
favo -de mel de uma �xcelente piedade .
·E, suposto que as qualidades do espírito de Deus
sejam mais diferentes nas ahpas do que nos corpos .os •
- i72 -
§ Ill
Da ·Penitência e Eucaristia
- l73 -
bem uma cousa, senão fazendo-a, como se ap-renderá a
receber bem a Jesus Cristo, senão recebendo-o?
§ IV
§ v
- 174 -
!. ·Não queria que se julgasse da grandeza ou pe
quenez sobrenatural de uma virtude pela sua ação exter
na; porquanto uma pequena na aparência podia ser pra
ticada com muita graça e caridade, que é a regra do preço
e valor diante de Deus.
3. Preferia sempre as virtudes mais universais às qlie
eram mais particulares, excetuando em todo o caso a ca
ridade. Por exemplo : Estimava mais a oração, que é a
luz de tôdas as outras ; a devoção, que consagra e dirige
as nossas ações ao serviço de Deus; a humildade, que nos
faz ter um baixo sentimento de nós, e das nossas obras;
a doçura, que nos faz ceder a todos os mais: a paciência,
que nos faz sofrer tudo com sossego.
4. As virtudes notórias lhe eram um pouco suspei
tas; porquanto (dizia êle) davam com o seu público res
plendor um poderoso incentivo à vanglória, que é o per
nicioso veneno das virtudes.
5. rue censurava os que só fazem aprêço das virtudes
estimadas pelo vulgo, tão mau avaliador a êste proposito,
que de modo ordinário prefere a esmola temporal à espi
ritual, o cilicio ao jejum, e as austeridades corporais à
doçura, à modestia, e à mortificação do espírito, que são
na verdade muito mais excelentes.
6. rue enfim, repreendia aquêles que 13ó queriam
exercitar-se nas virtudes, que eram do seu gôsto, sem
tratar daquelas, que eram mais próprias ao seu cargo e
ao seu dever, servindo assim a Deus pelo seu modo, e
não segundo . a vontade do mesmo Senhor, abuso tão vul
gar nos seus tempos, que compreendia inumerâvets
pessôas.
§ VI
- 175 -
queixar-se à j ustiça das injúrias, e ofensas que se lhe fi
zerem nem também porque nW� suas moléstias ninguém
possa queixar-se e dizer o seu mal ao médico e ainda aos
a�stentes, para receber algum alívio ; pois persw:�.dir o
contrãrio seria demasiado rigor.
Falava :pois o santo daquelas queixas que vem a dar
·
- 176 -
Com efeito, vanas pessôas, que assistiram ao bem
aventurado nas suas moléstias até na mesma de que
morreu; publicamente atestaram que j amais lhe ouviram
formular ainda uma só queixa; dizendo êle só simples
mente o seu mal, como o sentia, sem aumentar, nem di
minuir; abandonando-se inteiramente às disposições dos
médicos, tomando sem repugnância tudo o que se lhe mi
nistrava e ainda com algumas demonstrações de alegria.
§ VII
� 177 -
6. A fôrça e grandeza de ânimo aqui vencem tudo,
unindo-se com a temperança, que refreia as paixões, para
lhes impedir os excessos.
7. A humildade tem neste caso uma porção grapde
fazendo-nos conhecer e amar a nossa abjeção.
8. A .fé nestàs circunstâncias nos faz lembrar de
Jesus Cristo Salvador nosso, carregado de opróbrios e
ignomínias e aos mesmo passo observando um profundo
silêncio.
9. A esperança, que nos faz ter por nada qualquer
tribulação que nos oprima.
10. Finalmente a caridade concorre muito e põe a
corôa ao nosso sofrimento ; pois como benigna, paciente e
graciosa, dissimula, padece e tolera tudo. ·
Como, pois, são amaveis as ofensas e injúrias, consi
deradas pela parte com que nos subminlstram os meios
mais próprios para exercitar no mesmo tempo tantas
ações agradáveis a Deus!
§ vnr
\
Resposta do bem-aventurado sôbre o mal que diziam dêle
§ IX
� 179 -
como de Deus; isto é, com piedade e reverência, com
espírito de doçuro, de caridade e humildade.
O primeiro aviso, pertence aos que fa�m das coisas
da religião, como de qualquer assunto de conversação e
divertimento, sem atender ao tempo, ao lugar e às pessôas.
Miséria de que já no seu tempo se lamentava S. Jerônimo,
dizendo que tendo tôdas as artes e ciências pessôas prá
ticas e instruidas, às quais pertencia o falar como mes
tres, só a Escritura santa e a sagrada Teologia, com serem
a raíz das ciências, eram tão indignamente tratadas, que
muitas vêzes se resolviam decisivamente as suas questões
mais altas, não só nas casas particulares, mas ainda nas
mesmas tavernas e praças públicas.
O segundo aviso é para aquêles a aquelas, que nas
suas conversações familiares querem passar por pessôas
·
de grande instrução em matéria de ciência mística e
�oral, sustentando as suas opiniões com . o maior calor
e teimosa soberba e voz estrondosa; como se o clamar
mais alto pudesse dar maior pêso e solidez a um bem
·
fundado raciocínio.
· E; por isso o nosso bem-aventurado concluía dizend� :
Não faleis jamais de Deus nem da devoção por modo de
conversação e passatempo; mas sempre com atenção, hu
mildade e reiJpe�to. E por êsse modo evitar·eis a indigna
vaidade que se acha em muitos, que parecendo devotos,
a qualquer propósito acomodam palavras do sagrado
texto, para se mostrarem instruidos na divina escritura.
§ X
Contra a zombaria
- 180 -
dizendo por êste ou semelhante modo : Quem nos deu
direito para nos divertirmos à custa dos outros? Quiséra
mos nós, que nos tratassem desta sorte, fazendo anato
mia das nossas misérias com o trinchete da língua?
Suportar as fraquezas do próximo, e os seus defeitos
é perfeição grande ; e . consequentemente o zombar dêle é
tão grande imperfeição, que uma das maiores criminais
qualidades, que qualquer pode ter, é ser mofador ; vício
que Deus extremamente aborrece, como tem mostrado em
muitos com rigorosos castigos.
Uma senhora ilustre, falandó na presença do glo
rioso Sales de outra senhora, que nada tinha de bela e
motejando-lhe alguns naturais defeitos com que ela viera
ao mundo, lhe dis.s e o santo modestamente, que Deus,
Criador nosso, nos fizera e que tôdas as suas obras eram
perfeitas . . . Sôbre o que, sorrindo-se a outra por modo
de zombaria, lhe disse o santo prelado : Crêde-me, que
essa criatura é perfeita e formosa na alma, como vos
posso dizer com certeza. E assim a fez calar.
Outra vez, rindo-se certa pessôa na presença do santo
de um ausente, que era corcunda, acudiu logo em suá
defesa, alegando a mesma sentença da Escritura : Que as
obras - de Deus eram perfeitas. Como perfeitas, (replicoú
o outro) , em um talhe tão disforme? Sim por certo,
(disse o santo, referindo-se à perfeição interior) , porque
hã corcundas tão perfeitos, como aquêles que o não são.
O que eu digo é verdade. Porém basta ; tratemos de coisa
melhor.
§ XI
- 181 -
bem e do mal, em que era proibido tocar por expresso
preceito de Deus.
E notava também uma desigualdade de espírito mul
to ordinária entre os homens : querendo julgar o que
não conhecem, que é o interior alheio e fugindo de j ulgar
o que conhecem, ou devem conhecer, que é o seu próprio
interior. O primeiro lhes é proibido, e o segundo lhes é
ordenado.
E' bem verdade, que se não proíbe o formar suspei
tas, fundadas sôbre fortes e boas conjecturas; porque o
suspeitar deste modo não é julgar, sendo só discorrer com
fundamento. Mas ainda assim é necessária muita vigi
lância, para que se não intrometam indícios falsos, que
façam antecipar e precipitar o juizo; porque este é o tro
pêço em que naufragam muitos com os seus j uizos
temerários.
Para evitar na presente matéria tôda a desordem,
dava o nosso bem-aventurado estas excelentes regras:
Se uma qção criminal pode ter mais aspectos, veja-se
sempre por onde é menos má. Se a ação é tal, que se não
pode desculpar a quem a fez, excuse-se cio menos, adoçan
do-lhe a intenção. E se nem ela se pode excusar acuse-se
em tal caso a violência da tentação, ou ignorância ·e fra
gilidade humana, para a fazer menos escandalosa.
§ xn
Contra a maledicência
- 182 -
1. Porque os pecados de pensamento só se fazem
notórios a. quem os comete ; e não causam escândalo, nem
mau exemplo. Só Deus é por êles ultraj ado ; e depois,
por um . regresso para o mesmo Senhor no tribunal da
penitência, com arrependimento verdadeiro, ficam intei
ramente abolldos. Porém os de palavra na detração ma
ligna, passam mais adiante ; porque saída a palavra da
bôca, só pode ser avocada, por uma retratação humilde e
ainda assim fica o coração do próximo envenenado pelos
ouvidos.
2. Porque os pecados de obra, quando são notáveis
estão sujeitos ao castigo público ; e a murmuração, se não
é extremamente atroz e infamatória, passa livre; o que
faz que tantas pessôas, ainda das mais distintas, caiam
com frequência nesta culpa.
3. E' a pouca restituição, ou falta de reparação, que
se faz, ou não faz a êste respeito; talvez por serem os
condutores das almas indulgentes com excesso, por não
dizer relaxados, sôbre êste artigo.
- 183 -
DÉCIMA PARTE
§ ·I
- 185 -
§ 11
Sôbre as aversões
§ m
Da presença de Deus
- 187 -
Ah! (dizia o glorioso Sales) _esta é à ocupação sua
víssima de todos os cortesãos celestes; ou antes o contínuo
exercício da sua pe rene bem-aventurança, como atesta o
Salvador no evangelho de S. Mateus : Vêm os anjos sem
interrupção a face de meu Pai, que está no Céu.
E se a Rainha de Sabá reputava por felicíssimos aos
domésticos de Salomão, que estavam sempre à sua vista,
e ouviam as palavras da sua bôca, quanto serão mais
venturosos, os que atendem . continuamente à presença
daquêle Senhor, que os Anjos desejam vêr, depois de o
ver sem cessar. O certo é (concluía o nosso Santo) que
a maior parte dos defeitos, que cometem as pessoas pias,
é por falta do exercício da presença de Deus.
§ IV
- 1 88 -
Ora, o amor sobrenatural de nós mesmos pode pro
ceder ou da esperança ou da caridade. O amor da espe
rança não é tão puro; porque leva seu interêsse, amando
nós a Deus, como a nosso sumo bem e não como a bem
sumo em si mesmo, e por si mesmo. Ji:ste é o amor de
caridade : amor disinteressado e perfeití�simo, com o qual
amamos a Deus só por Ji:le ser quem é, e a nós outros nêle
e por Ji:le, referindo tudo à sua glória.
Donde se segue, que o amor legítimo de nós mesmos,
ainda que nem sempre se refere a Deus, sempre contudo
se lhe pode referir. E o amor santo da caridade, como
puro e isento de todo o interêsse� tanto virtual, como
atualmente, sempre se refere e vai dirigido a Deus.
O Divino Salvador, que nos remiu pelo seu sangue,
desej a infinitamente que nós o amemos, para que seja
mos eternamente venturosos. E desej a que nos salvemos,
para o amarmos sem fim ; dirigindo-se por êste modo o
seu amor à nossa salvação, e a nossa salvação ao seu
amor. Deve-se pois estender a nossa salvação no seu total,
tanto para a glória, que Deus nos dará no Céu, como
para aquela, que nós lhe daremos, na proporção da
mesma glória.
E nisto se enganam os que falam da salvação eterna,
pensando só no seu interêsse ; isto é, na glória que Deus
lhes dará no céu, e não naquela que êles darão a Deus;
pois esta é o principal, e o último fim pelo qual fez Deus
o paraiso ; pois só glorific a a Deus no Céu aquêle a quem
Deus glorifica, para ser nêle glorificado.
§ v
- 189 -
espíritos, que pretendiam encerrar êste amor em uns tan
tos deveres, fora dos quais não queriam estender-se ; como
se houvessem de enclausurar o espírito de Deus nas suas
mãos.
Donde bem se deduz, que na prática dêste amor,
quem não ganha, perde; quem não sobe, desce ; e se na
dificuldade não fica vencedor, é vencido. Nós vivemos
entre batalhas, que nos apresentam vár�os inimigos, onde
se não resistimos, perecemos. Porém semp-re que amamos,
resistimos; e se sempre resistimos, .triunfamos. Por isso,
pois, o não adiantar, é retroceder; por que navegando
nós em um mar tempestuoso, se não remamos com tôdas
as fôrças, seremos levados pela corrente das águas.
§ VI
Da mortificação e oração
- 190 -
§ VII
§ VIII
- 191 -
As obras mortificadas são as que se fizeram em estado
<l.e graça, e tiveram a raíz na caridade ; mas sobrevindo o
pecado mortal, as despojou de todo o vigor, _deixando-as
.como planta no inverno, as quais se êle sempre durasse,
de todo morreriam. Mas o sol da primavera, dando novo
calor à terra, lhe faz produzir flôres, folhas, e frutos e
por uma espécie da 'ressurreição lhes renova a primeira
vida.
E estas são as obras, que se deno�inam vivijicadas;
isto é, renovadas, e reevocadas da morte à vida. O que
sucede, quando ao sair do pecado mortal, se entra na
vida da graça. Porque então tôdas as obras santas, que
-estavam mortificadas pela culpa mortal, tornam a viver e
recobram o primeiro vigor.
·
§ IX
- 192 -
E algumas pessôas de alta qualidade, cuja conver
sação ordinária era com os maiores príncipes e princezas,
protestavam que sempre se compunham com mais aten
ção, quando estavam diante do glorioso Sales do que fa
Zi!Uil na presença daquêles deuses da terra ; porque divi
savam no seu rosto uma gravidade tal, e uma como es
pécie de resplendor que os obrigava ao maior respeito,
e à mais profunda veneração.
E quanto à sua doçura {que só ignoravam os que
nunca o tinham visto) parecia nêle esta virtude tão
presente que era mais a mesma doçura revestida de uma
forma humana, do que um homem, que ali falava. E isto
lhe dava tal ascendente s�bre os coraçõ�s dos outros, que
era raro o que lhe não cedia. E como êle condescendia
a cada qual, fazendo-se todo a todos; assim também se
acomodavam todos ao seu desejo, que era só de os ver
entrar no serviço de Deus e no c�minho da salvação.
§ X
- 193 -
em graça, é de alguma consideração : porém quanto à
glória essencial tôd a a medida deve tomar-se da caridade .
Censurando-se, pois, por alguns mundanos ao glo
rioso Sales a Congregação das Religiosas, ou o instituto
que êle lhes prescrevêra, pelo reputarem muito suave, e
não menos cômodo; êle só re�ndeu, que o prêço é dado
ao amor ; e assim, quem mais amar, será mais amado, e
quem fôr mais amado, sel'á mais glorificado.
O que é bem conforme à doutrina do Espírito Santo,
ditada por S. Paulo ; o qual não dava algum valor, nem
à fé, nem à esmola, nem ainda ao martirio de fôgo, sem
a união da caridade, por ser ela o laço da perfeição, sem
o qual tôdas as virtudes são imperfeitas e incapazes por
si mesmas de nos introduzirem de�ois no celestial
Paraíso.
§ XI
- 194 -
Passou logo o santo a propor ao mesmo fidalgo, que
ao menos houvesse por bem, que êle examinasse em par
tkular ao pretendente. Porém êste, que era fraco licen
ciado, não quis aceitar o partido. Disse então o nosso
Santo ao injusto patrono : E quereis vós que en com
olhos fechdos �he entregue as almas, que me estão come
tidas? Porém nada disto bastou para a,placar aquêle so
berbo; antes se pôs a gritar mais alto, e a vomitar injú
rias, indignas de escrever-se, contra o nosso bem-aven
turado.
Perguntou-lhe então um Eclesiástico, que ali se achou,
depois que se retirou aquêle insolente, como pôde êle
sofrer tôdas aquelas indignidades com tanto sossêgo?
Porque não era êle (respondeu o santo) o que falava; era
a sua cólera, que o pervertia. E quanto a êle, t6ra disto,
6 um dos meus melhores amigos; e vós vereis que ainda o
meu silêncio me dará maior lugar no seu agrado .
Com efeito, assim sucedeu; porquanto aquêle fidalgo
entrando em si, e refletindo nos termos indiscretos, com
que tratára indignissimamente ao santo prelado, o foi
logo procurar para pedir-lhe perdão com as lágrimas nos
olhos e com tal desprazer, que custou muito ao santo o
poder consolá-lo ; e veio a ser depois muito mais seu
amigo.
§ XII
- 195 -
o exemplo injusto, que recebem os circunstantes) é culpa
venial. Mas o rir sem reflexão ainda que com excesso,
por causa de um repentino e veemente desejo, é sàmente
uma imperfeição.
Uma ira leve mas deliberada e que mostra algum
principio de aversão, é pecado venial. Porém quando so
brevém de repente e sem deliberação, como um relâm
-pago, que se extingue quase no mesmo instante em que
aparece, é não mais do que uma imperfeição; etc.
Ora tais imperfeições não são matéria suficiente para
a absolvição, ainda que o pecado venial o seja, se bem
que não necessária; como disse o nosso Santo a uma alma
boa, que achou na confissão só com semelhantes ·imper
feições, reputadas por êle como pecados veniais. O que
serviu de motivo para lhe tira;r êste engano, ensinando
lhe a diferença . que há entre uma e outra cousa.
- 196 -
UNDÉCIMA PARTE
§ I
Converte o glorioso Sales a um eclesiástico escandaloso ;
e confessa-se depois a êle
Visitando o nosso santo o seu bispado, denunciaram
lhe um eclesiástico de vida escandalosa, cujas desordens
não correspondiam à sua ciência .mais que ordinária. Fa
zendo-o pois chamar o santo bispo, êle se expôs na sua
presença com tão livre desembaraço, como se de todo. esti
vera inocente, protestando ao mesmo passo, que tôdas as
·
culpas que lhe impunham eram calunias formadas pelos
seus inimigos.
O santo o recebeu com todo o agrado, cheio da sua
ordinária benignidade. Porém vendo a injusta constân
cia, com que o réu se defendia, abaixou os olhos, como
envergonhado ; o que só foi bastante para comover o co
ração daquêle impenitente. E querendo êste prevenir a
face do seu Juiz por meio da confissão, pediu ao santo
bispo, que tivesse a bondade de o ouvir no tribunal da
penitência. O que sendo-lhe prontamente concedido,
saiu logo daquela saudavel piscina, revestido já com a
preciosa túnica da graça, qU:e introduz os pecadores peni
tentes ao magnifico banquete da eterna glória.
Disse-lhe então o venturoso eclesiástico : Ah! Mon
senhor, e que pensais VÓS agora do 1'fl.ICIJor pecador da
terra? Que o misericordioso Deus (lhe respondeu o santo)
derramou sôbre vós a sua grande misericórdia, com que
pareceis aos meus olhos todo brilhante com os resplen
dores da sua gra,ça.
- 197 -
Pois vós, meu senhor, (replicou o penitente) não vos
lembrais do que eu fui? Não (respondeu o bem-aventu
rado) nem eu posso guardar 711q minha memória o que
Deus tem pôsto em esquecimento. E de outra sorte eu
imitaria aquêle jariseu, que reputava a Madalena por
aquela que antes tôra, e não pela que já era, quando
regava com .suas lágrimas os venerandos pés do Salvador.
E para saberdes com evidênci(L o juizo que eu formo,
de q·ue recebestes na alma U'1114 copiosa torrente de
graças, rogo-vos com instância, que me participeis uma
parte dando-me a vossa bênção . ·. . E dizendo isto, se
prostrou a seus pés, de que o outro ficou atônito e con
fuso. Porém o santo na mesma postura lhe disse ainda :
Aqui não há tingimento; e portanto vos rogo, que me
jaçais o mesmo ofício que agora recebestes de. mim,
O'Uvindo-me e1n confissão.
Ainda o sacerdote repugnava; mas o santo prelado o
obrigou, e confessando-o com efeito, recebeu uma edifi-:
cação inex,plicavel. E o mesmo santo para melhor lhe
mostrar a boa estimação em que o tinha, ainda se con
fessou com êle duas ou três vêzes em públlco; dei
xando para decidir, qual era mais para admirar, ou �
humildade profunda do santo bispo, ou a conversão mila
grosa do venturoso eclesiástico?
§ li
Da pobreza contente
199
§ 111
200 -
o celibato, sem censurar o matrimônio ; nem a vida co
mum, sem diminuir a estimação da vida particular, etc.
§ IV
- 201 -
castigos temporais. E pela outra parte , fazem muito
pouco, se êles têm abandonado tôda a crença das penas
da outra vida, de modo que não cheguem a tem-er <J que
lhes propõe a fé contra todo o seu mal.
E a respeito daqueles que ainda têm algum cuidado
da sua salvação, protestando que se não querem perder,
certamente ( dizia o nosso santo) uma grande parte dêles,
ou fazem muitp, ou quase nada. Muito, se êles não obser
vam os seus passos, imaginando que não . precisam ser
tão pontuais nem tão exatos para conseguir a vida eter
na, suposta a divina misericórdia. Ou fazem quase nada
pelo pouco bem que fazem; e ainda êsse pouco tão im
perfeitamente e com tanta negligência, quanta é a sua
contínua tibieza. E não há muitos dêstes, ainda entre
aquêles que fazem profissão de praticar uma vida devota?
§ v
- 202 -
a detestarmos os nossos pecados e, retrocenermos dos
nossos máus caminhos; oh ! quanto a penitência é neces
sária para merecer a salvação eterna! Como é bela a
virtude; amável o pêso da cruz, leve o jugo da lt�i, mons
truoso e aborrecivel o pecado ! E, em suma, ainda sem
tantos discursos, se os ouvintes mostram o fruto das pre
gações pela pronta emenda, e total reforma das suas
vidas, julga então por muito bom e louvável o pregador
não para glória sua, mas de Deus, que o enviou e 'falou
por sua bôca depois de o encher do seu espírito.
Um célebre pregador, referia o santo a êste propósito,
chegando a Annecy, lhe pediu licença ,para pregar um
sermão na sua catedral, o que facilmente lhe concedeu.
E o famoso pregador o fez com tão altos e tão �ublimes
conceitos, ,têrmos tão pomposos, e tão magnífica eloquên
cia, que admirou a todos os bons montanheses, que ali
concorreram em grande número.
Acabada a pregação, tudo eram exclamações de
assombro, louvor e aplauso, que exaltavam o pregador
até as estrêlas. Mas o nosso bem-aventurado, que tam
·
bém assistira ao sermão e reconhecia quanto era êle su
perior à capacidade daquêles ouvintes, perguntou depois
a alguns que particular doutrina haviam conservado, e
que utilidade virtuosa haviam deduzido? Ao que não
souberam responder coisa alguma.
Só um dêles mais cândido e de melhor juizo respon
deu dêste modo : Se eu percebesse, e compreendesse tudo
o que ouvi naquêle sermão, êle nada teria que não fôsse
vulgar. A nossa ignorância é a que nos excitou aquelas
admirações; porque o sábio orador disporreu sôbre coisas
tão altas e com têrmos tão sublimes, que totalmente
excedem a nossa grosseira capacidade. E isso é o que
nos obriga a fazer maior aprêço da grandeza dos mis
térios da nossa santa religião.
Ouvindo isto o nosso santo, louvou a probidade in
gênua daquêle bom homem ; achando com efeit� que êle
tirára da pregação algum fruto. Mas concluiu dizendo
- 203 -
que se o pregador não tem mais do que folhas de lingua
gem e belas idéias, está .no perigo de ser pôsto em o
número daquelas árvores infrutuOsas, ameaçadas no
evangelho com o machado, e com o fogo. E o Senhor
disse a seus Apóstolos : Eu vos tenho escolhido para
irdes, frutificardes, de modo que o vosso fruto permaneça.
§ VI
- 204 -
A maior parte dos ouvintes seguem aquêle que dizia
a um profeta: An'unciai-nos coisas que nos agradem; e
daquele rei, que se queixava doutro profeta por lhe vati
cinar só coisas fúnebres. Querem somente que se lhes
fale de perdão e misericórdia, e não gostam de que lhes
censurem os pecados, nem que os ameacem com os eter
nos castigos. Em sum a todos os que tratam simplesmente
de os admoestar e instruir são desprezados; e consequen
temente só os que se aplicam a recreá-los com artifícios
retóricos são procurados e aplaudidos.
O nosso santo alegava a êste propósito um belo
exemplo.
Quando eu, di2ja êle, escrevo a uma pessôa que me
ama, em máu papel, e por consequência com má letra,
ela . sem embargo disto, agradece a minha correspondên
cia com tanto afeto, como quandQ lhe escrevo em papel
mais fino e com letra mais bem formada. E porque é
isto, s_enão porquf: ela não atende à bondade do papel,
nem à formosura da letra, senão a· mim somente, que por
aquêle modo lhe falo?
Isto é pois o que se deve observar a respeito da pala
vra de Deus. Não se deve olhar para as qualidades de
quem a profere, e no-la intima. Baste-nos saber, que
De,us se serve daquêle pregador para nos ensinar. E,
vendo nós outros que Deus Zhe concede a honra de falar
pela sua bôca, como deimremos. de venerar a s·ua dou
trina e resptttar a sua pessôa?
§ VII
- 205 -
pé, depois de arruinados os outros pelo cristiJanismo! Deus
preserve de ser filhos da, fortuna, os que são da sua di
vina providencia; na qual somente devem colocar tôda a
sua esperança.
Além de que, o puro amor de Deus é mais fácil de
· ·
praticar-se nos tempos adversos, do que na vida próspera.
Porque a tribulação, fião tendo de si coisa amável mais
do que a mão do Deus que a envia, dá melhor meio para
irmos por ela imediatamente até à vontade do mesmo
Senhor e virmos ao seu beneplácito, do que andando na
prosperidade ; a qual por si mesm"a tem bastantes atra
tivos para lisonjear os nossos sentidos; e por êles (como
outra Dalila) adormecer a nossa razão, de sorte que nos
faça amar insen�velmente a mesma prosperidade, que
Deus nos concede sem atendermos ao reconhecimento
que devemos ao benigno Senhor, que assim nos quis
favorecer.
E, dado ainda que sirva aquel a prosperidade para
glorificar a Deus referindo-a à sua ho!lra, sempre se mis
tura algum interêsse próprio com o do benfeitor supremo.
que faz o nosso amor menos puro ou menos perfeito ; se
gundo a judiciosa sentença da águia dos doutores S.
Agostinho: Menos vos ama, Senhor, do que deve, aquêle
que ama alguma coisa convosco, se a não ama por amor
de Vós.
§ VIII
-- 206 -
E' bem verdade haver um certo natural temor, que
por si mesmo é indiferente, e se pode achar em pessõas
de grande virtude e santidade . Como sabemos do angé
lico doutor S. Tomaz, não menos ilustre por sua piedade,
qué por sua doutrina ; o qual temia coni o maior excesso
os relâmpagos, trovões e raios . E de Júlio Cesar também
se diz, ·que mostrando-se . mais que homem nos perigos da
guerra, perdida não só todo o valor senão ainda todo o
acõrdo nas oca.siões de tempestade.
Contudo, há e tem havido umas almas tão firmes e
com tal confiança em Deu s ; que, parecidas com .o monte
Sião (cuja parte mais alta está sempre superior as nuvens
e tôdas as tempestades) , se conservam sempre numa
serena tranquilidade, ainda no meio das maiores tor
mentas; de que temos um claro exemplo no nosso mesmo
santo.
§ IX
Do p urgatório
- 207 -
vém de que os pregadores de modo ordinário representam
as penas daquele lugar e não a deliciosa paz, que ali se
goza.
E' bem verdade, que os tormentos daquêle cárcere
são tão grandes, que as mais dolorosas penas desta vida
não lhe podem ser comparadas. Mas também é certo,
que as satisfações internas, que ali se gozam, são tais e
tantas, que não há prazer, nem prosperidade na presente
vida, que lhe possa ter semelhança.
Primeiramente, as almas ali se acham em continua
união com Deus. Elas têm a sua vontade transformada
por tal modo na do mesmo Senhor, que só podem desejar
o que êle quer. E tanto assim, que ainda que se lhes
abrisse o paraíso, não quereriam entrar nêle, sem pri
meiro se purificarem no purgatório.
Elas ali são impecáveis; e por isso não podem ter o
mais leve movimento de impaciência, nem a menor som
bra de imperfeição. Elas amam a Deus mais do que a si
mesmas, com um amor puro e desinteressado. Os santos
anjos as consolam e lhes dão tôda a certeza da sua sal
vação eterna.
E suposto que alí padecem uma como espécie de in
ferno, quanto ao rigor do tormento, gozam também como
u� antecipado paraíso, quanto a. doçura que derrama a
caridade em seus corações. Estado felicíssimo, mais de
sejável, que temível; sendo as suas chamas tôdas envol
tas em amor e caridade.
Mas com ser isto assim, j ustamente se recomenda a
devota piedade para com as almas do purgatório ; porque
apesar de tão preciosas circunstâncias, é sumamente do
loroso, e não menos digno da nossa compaixão, o estado
daquelas almas ; e também porque as suas penas retar
dam a. glória que elas darãq a Deus no céu. E êstes
dois principais motivos devem sempre obrigar-nos a pro
curar-lhes sem descuido o seu pronto livramento com as
nossas orações, nossos j ejuns, nossas esmolas, e tôdas as
- 208 -
sortes de obras boas, e mais que tudo, com o santo sa
crifício da missa.
§ X
- 209 -
§ XI
- 210 -
Julgando, pois, que as suas pa1xoes estavam já de todo
amortecidas, pareceu-lhe que poderia praticar alguma
galanteria para recrear a seus irmãos. Mas enganou-se ;
porque despertando-se a sua paixão antiga, passou pouco
a pouco das galanterias a dissoluções tais, que o dester
rariam do mosteiro, se um bom irmão se não oferecesse
por fiador da sua emenda, como assim sucedeu; vivendo
dali em diante no perene exercício de tôdas as virtu
des até o ponto da sua morte.
- 211 -
DUODÉCIMA PARTE
§ I
Da mudança de Confessor
- 213 -
Sem uma grande razão, não se deve permitir a varia
ção de confessor; mas também por outra parte não se
deve ser invariável a êste respeito : podendo haver causas
legítimas que jaçq,m justa esta mudança. E os superiores
não SIJ devem ligar as mãos de tal sorte, que nif,o possam
jazer esta graça,· quando tor expediente; e sobre tudo,
quando a mesma Comunidade fizer tal requerimento.
§ II
Das desculpas
- 214 -
artifício, acusa-se expressamente e com verdade. E
aquêle que se acusa com h'umildade e simplesmente, do
cemente se excusa e merece o perdão com benignidade.
Porquanto, como di2 S. Ambrósio, há uma confissão
que traz contusão, e outra que dá glória. A confissão
humilde e sincera é o remédio verdadeiro para o peni
tente arrependido.
§ lll
- 2 15 -
que agrada se teme. E se vós pudesseis refletir, em que
a teniJação era um mal, não vos podia causar prazer.
E no caso. de haver alguma, demora na tentação,
deve-se saber que, se a tal demora foi sem advertência,
não é de grande importcincia; pois para ser criminal a
deleit.açátJ chamada morosa, é sempre necessário, q'l4,e
haja expresso consentimento e voluntária malícia.
Mas como hei de conhecer (instou ainda o discípulo)
se tive em tal oaso êsse criminal consentimento?
- Ainda que não é fácil de conhecer (respondeu o
santo) , contudo segui sempre esta regra. Quando vós
duvidardes ·de haver consentido no mal, tomai essa vossa
dúvida por uma e:Dpressa negativa; porque não pode
haver 'culpa, sem concurso da vontade; e se êste concurso
está duvidoso, e como tal não é conhecido, podeis ficar
em sossego.
§ IV
Da vaidade
- 216 -
dão, em lugar dos grandes empregos ; j ulgando-se indigno
dêles, pelo baixo conceito que formava de si próprio.
E perguntando-lhe um amigo seu como se podia con
servar humilde entre tantos aplausos, e louvores respon
deu logo :
§ v
- 217 -
Sei que no mar do mundo ha contínuos movimentos;
mas também a solidão tem seus assaltos; e a fidelidade
para com Deus mostra-se melhor nos casos adversos.
Tudo enfim é mar tempestuoso ; mas contanto que haja
em nós coração reto, intenção boa, valor firme, constância
e confiança em Deus, não há perigo em qualquer em
prego.
§ VI
Da mortificação
- 218 -
Outro haverá também, que dará liberalmente consi
deraveis esmolas e concorrerá com mão larga para fun
dações magníficas . . . mas tremerá de horror, à vista da
menor enfermidade, e ainda por uma leve dor corporal
exa!ará contínuos gelllidos.
De maneira que, segundo uns ou outros são mais ou
mencis apegados aos bens honoríficos, úteis, ou deleita
veis, portam-se com mais ou menos paciência na ocur
rência dos males contrários àquelas sortes de bens; sem
considerar, que Deus os tira ou os concede, como é de
seu agrado. E a razão ou sem razão do nosso máu modo
de proceder é sem dúvida, por querermos servir a Deus,
não conforme a sua vontade, mas segundo a nossa ; ao
nosso modo, e não como é j usto ; nem como �le quer e
deve ser servido. Contente-se pois cada um (porque Deus
assim o quer) e sofra as pensões do estado em que se
acha, sej a êle mais ou menos aflitivo, mais ou menos
penoso ; que com a graça divina tudo pode a humana
vontade.
§ VII
Do amor do próximo
- 219 -
:t!:ste é um degráu de amor do próximo, ao qual �obem
sàmente os adiantados na virtude. Aqui é que se acha
o amor dos inimigos e daquêles que nos são onerosos ;
porque amar aos que nos consolam e nos beneficiam, é
coisa fácil, e que demanda pouca virtude. Mas amar aos
que nos tem ódio e nos são incômodos, só porque Deus
assim o quer, é amar ao próximo com um amor verda
deiramente sobrenatural, amando só em Deus e unica
mente por Deus.
§ VIII
§ IX
- 221. -
lente lição : E' preciso _(diz êle) . evitar uma imperfeição
imensivel, mas grandemente prejudicial de que poucas
gentes se abstêm; e vem a ser que, censurando nós ao
próximo, ou queixando-nos dêle (o que ra,ra vez se devia
praticarJ não acabamos jamais, antes começamos sem
pre, e repetimos de novo as mesmas r;tueixaB; o que é
sinal de um coração ofendido, e que nada tem de ver
dadeira caridade.
E pelo contrário, os corações fortes e generosos não
se afligem sem grandes motivos ,· e ainda nestes casos se
.
portam sem perturbação e com sossego.
E estas últimas ,palavras, sem perturbação e com
sossego, são a pedra de toque, que distingue as queixas
justas das ímpias e excessivas; dando a conhecer os que
são, ou não são como a pomba, que não tem fel e só se
queixa com amor.
§ X
- 222 -
mais vigorosa compleição; e que só depois de multo
tempo, e jã tarde, veio a conhecer êste erro.
E a uma religiosa, que com o pretêxto de penitência
praticava as maiores afij)erezas corporais, superiores em
tudo ao seu delicado temperamento, deu o nosso mesmo
santo este sábio conselho, digno da sua natural doçura e
discreta prudência : Não oprimais a fraqueza do vosso
-
§ XI
- 223 -
em melancolia, por se ver assaltada de vários pensamen
tos contra a fé ( ainda que sumamente lhe desagradavam>
consolou o nosso bem-aventurado, respondendo-lhe desta
sorte :
Desprezai as tentações que vos sobrevierem contra a
fé, não lfls replicando, nem com uma só palavra; e não
vos causarão nem o menor dano. Porém vós pensais
muito nelas, vós temeis muito, vós as apreendeis com
excesso; e daquí procede o vosso desassossego. Vós soÍS
muito sensivel às tentações; e como amais a virtude da
fé, de modo que não quiséreis contra ela tenta,ção alguma,
uma 3Ó que vos toque, vos contrista e vos perturba, pare
cendo-vos talvez, que tudo a ofenda e corrompa.
Porém, não, minha jilJI.a, deixai correr o vento; e não
penseis, que o reboliço das tolhas é estrondo de armas.
Estando eu qoondo menino junto a um cortiço de
abelhas, e acometendo-me algumas ao rosto, levantei a
mão para expulsá-las. Porém disse-me logo 'Um cam
pônio, que as deixasse sem as tocar e não me fariam
dtano algum. Com ejetio, observando-o eu assim, nenhuma
me picou. Crêde-me, pois, para não temerde3 as ten
tações, que se não as tocardes, e com elas não vos entre
tiverdes, passarão 3empre sem ofensa vossa.
§ XII
- 224 -
.E' pois um êrro manüesto pensar, que as ocupaçõe&
legítimas nos apartam do divino amor. Antes pelo con
trário, não há meio mais forte para nos unir a Deus, do
que o dirigir as obras puramente para sua glória. E pelo
contrário, o deixar de as fazer para se unir a Deus pela
oração, leitura, silêncio e recolhimento . . . é mais deixar
a Deus para se unir a si mesmo e ao seu amor próprio.
Qualquer pois que omite as obrigações do seu estado
para se entregar às ocupações do seu gôsto, por mais
pias que pareçam, nada faz que tenha valor ; e querendo
servir a Deus pelo seu modo, nada faz por Deus, nem por
si mesmo. Porque Deus quer ser servido segundo a sua
vontade, e não segundo a nossa : e assim não podemos
unir-nos a Deus separando a nossa vontade da sua.
Há grande düerença entre o estar distraído de Deus
e distraído da doçura que se acha no sentimento da sua
presença. E suposto que nas ocupações e cuidados in
separáveis do govêrno não se goza sempre desta suavi
dade, contudo, quem dela se priva por serviço do mesmo
Deus, e dirige todos os cuidados à sua glória, nada perde,
antes consegue maior lucro, deixando o suave pelo sólido.
E se Deus está conosco na tribulação, segundo 1l:le mesmo
nos diz pelo real profeta, como não estará também, e por
um modo especial, quando só trabalhamos pelo servir e
por únic a glória do seu amor?
§ XIII
- 225 -
Eu sei que há enfermos, que vendo-se obrigadas à
cama, não S'e queixam tanto das suas dores, quanto da
impossibilidade, em que se ·acham, de não poderem cum
prir as devoções, que praticavam no tempo da saúde.
Mas enganam-se muito a êste respeito; pois uma hora
de sofrimento por amor e submissão à vontade de Deus,
vale mais do que muitos di�s de trabalho, feito com
menos amor.
E o êrro nesta matéria vem a ser, querermos servir
a Deus pelo nosso modo e não como rue quer; segundo a
nossa vontade e não conforme a sua.
E assim quando :a:1e quer que estejamos enfermos,
queremos nós praticar a humildade, a oração e outras
virtudes, não por serem do seu divino agrado, mas por
se conformarem ao nosso gôsto.
De maneira, que só amamos a virtude temperada
com açucar, e não com fel e vinagre. Nem o Calvário
nos agrada tanto, como o Tabor, onde, e não naquêle,
quiséramos estabelecer a nossa morada. Em vez de amar
o amor de Deus, amamos a doçura dêste amor; quem
ama só a Deus, ama-o igualmente em todo o tempo de
enfermidade e saúde, de prosperidade e adversidade, de
trabalho e descanso ; porque sendo Deus sempre igual a
si mesmo, a desigualdade do nosso amor para com l!:le,
só pode vir de coisa que não seja rue.
Por isto o nosso bem-aventurado dizia a uma alma,
·
que por uma longa enfermidade se queixavm de não
poder aplicar-se à oração : Jl(ão tomeis t'tiste2a por êste
motivo; porque os flagelos do nosso Salvador não são
menor bem, do que o meditar.
Não, sem dúvida; porque o estar na Cru2 com o Sal
vador é muito melhor, do que o vê-la somente.
Portai-vos poi3 com sossego de tinimo; e quando os
médicos vos prozõirem qwalquer exercício, o:u de oração
mental ou vocal, ainda, o mesmo ofício divino (exceto
as orações jaculatórias) rogo-vos, quanto posso, pelo
respeito e amor, que me tendes, que obedeçais pronta-
- 226 -
mente; porque Deus assim o quer. E quanto recobrardes
a .saúde perdid!a, tareis no caminho do espzrito novos e
maiores progressos.
§ XIV
..!... 227 -
curar a sua glória, senão a daquêle que o enviára; pro
testando a êste respeito, que a sua glória seria nada, se
•
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- 228 -'-
INDICE
PRIMEIRA PARTE
PÁG.
I. Da verdade caritativa 3
11. Como se conhecerá, se tem a verdade a raiz na
caridade 45
111. Outro sinal da verdade proceder da caridade 46
IV. Da caridade e castidade 47
V. Notável paciência 49
VI. Sua destreza em desculpar ao próximo 50
VII. Da repreensão 51
VIII. Das palavras de humildade 52
IX. Da obediência dos. superiores 53
X. O seu amor à justiça e seu desprêzo das coisas
temporais 53
XI. Sua humildade modestíssima 54
XII. Sua doçura para com os domésticos 55
XIII. Caridade da castidade e castidade da caridade 56
XN. Sôbre o procedimento pomposo 57
XV. Aceita o desafio de um ministro protestante . . . . . 58
XVI. Estimação que fazia o . santo de um eclesiâstico,
que fôra seu mestre 59
XVII. Sôbre a verdadeira perfeição 60
XVIII. Conferência do santo com o seu discípulo a res-
peito do ponto precedente 61
XIX. Prossegue-se a conferência do assunto precedente 63
XX. Do amor dos inimigos 64
- 229
SEGUNDA PARTE
P..\.c.
I. Da humildade e castidade 67
.11. Como se portava com os enfermos 68
III. O seu juizo sôbre uns sermões 70
IV. Aversão aos seus louvores 71
V. Sua grande humildade 72
VI. Lembrança dos mortos 73
VII. A · sua resignação 74
VIII. Do seu amor à pobreza 75
IX. Das importunidades 76
X. Sôbre as tentações 77
XI. Sôbre a conversação com as mulheres, assim de
palavras, como por escritos .. ... ... ... . .. . . 78
XII. Dos que se humilham na presença do santo 79
XIII. Da política 81
XIV. Sua grande caridade com uma moribunda 82
TERCEIRA PARTE
- 230 -
QUARTA PARTE
PÁG.
I. Da singularidade
II. O seu parecer a respeito das dignidades e a resi-
dência dos bispos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
III. Recusa o Santo de ser arcebispo de Paris 105
IV. O seu desejo de retiro 105
v. Que se devem ocultar as virtudes 106
VI. Do jejum ...................... 107
VII. Diversas espécies de humildade 108
VIII. Da pobreza de espírito 109
IX. Do amor para com os pobres 110
X. Recusa uma pensão, que o rei lhe oferecia . . . . . . 110
XI. Que alimento se pode permitir acis soldados no
tempo da quaresma em çaso de necessidade. 111
XII. Sôbre o ocultar as suas austeridades 1 12
XIII. Saber gozar a abundância e padec!'lr a penúria 112
XIV. Da recreação, e como lhe servia assim como tudo
o mais para se elevar a Deus 1 13
XV. Nada pedir e nada recusar 1 14
XVI. Na,da recusava do que justamente lhe se pedia 114
1(VII. Da devoção para com a Mãe de Deus 115
:VIII. Tentação fortíssima, que padeceu o nosso bem
aventurado 116
QUINTA PARTE
- 231 -
PÁG.
SEXTA PARTE
SJ!;TIMA PARTE
- 232 -
PÁG.
OITAVA PARTE
NONA PARTE
- 238 -
PÁG.
D:E:CIMA PARTE
UND:E:CIMA PARTE
DUOD:E:CIMA PARTE ·
- 234 -
PÁc.
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- 235 -