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OS PENSADORES

PRIMEIRA PARTE
A FÉ

PRIMEIRO TRATADO

Deus uno e trino, e as coisas por Ele criadas

CAPÍTULO II — Seqüência da exposição sobre a fé


2. A fé constitui um certo antegozo daquele conhecimento
que nos fará felizes no futuro. Por isso diz o Apóstolo São Paulo
na Epístola aos Hebreus (11, 1) que a fé constitui "a substância
das coisas que se esperam", como que fazendo já viverem em
nós as coisas esperadas, ou seja, a felicidade futura, à guisa de
prelúdio. O Senhor ensinou que este conhecimento que nos tor-
na felizes tem por objeto duas coisas: a divindade da Santíssima
Trindade e a humanidade de Jesus Cristo. Eis por que, em se
dirigindo ao Pai, Jesus exclamou (Jo, 17, 3): "A vida eterna con-
siste no seguinte: que conheçam a Ti, Deus verdadeiro, e a Jesus
Cristo que enviaste".
Em conseqüência, é em torno destas duas verdades que
gira todo o conhecimento da fé: a divindade da Santíssima Trin-
dade e a humanidade de Jesus Cristo. Tal não é de admirar,
visto que a humanidade de Cristo constitui o caminho pelo
qual se chega à Divindade. Por isso é necessário, para os que
peregrinam no mundo, conhecer a via pela qual se possa atingir
a meta. Por outra parte, na pátria ceieste a ação de graças a
Deus não seria suficiente, se os santos não conhecessem o ca-
minho pelo qual alcançaram a salvação. Eis por que o Senhor
Jesus Cristo disse aos seus discípulos (Jo, 14, 4): Conheceis
para onde vou, conheceis também o caminho".
No que concerne à Divindade, importa conhecer três coisas:
primeiramente a unidade da essência divina, em segundo lugar
a trindade das Pessoas, em terceiro lugar os efeitos, ou seja, a
obra da criação produzida pela Divindade.

CAPÍTULO III — Deus existe

3. Quanto à unidade da essência divina, a primeira


coisa a crer é que Deus existe, o que aliás é óbvio à própria
razão.
Efetivamente, observamos que tudo quanto se move é
movido por outros. Assim, os seres inferiores são movidos
pelos superiores, da mesma forma como os elementos são
movidos pelos corpos celestes. Nos elementos terrestres, por
sua vez, o que é mais forte move o que é mais fraco. Também
nos corpos celestes, os inferiores são movidos pelos superio-
res. Ora, é impossível que este processo se prolongue até ao
infinito. Com efeito, se tudo aquilo que é movido por outro
é como que um instrumento da primeira causa movente, caso
não existisse uma primeira causa movente, todas as causas
motoras seriam instrumentos. Se procedermos até ao infinito
na sucessão das causas motoras, não existe uma primeira cau-
sa motora. Nesta hipótese, todos os infinitos que movem e
que são movidos serão instrumentos. Ora, até mesmo os não-
letrados percebem que seria irrisório afirmar que os instru-
mentos não são movidos por algum agente principal. Equi-
valería isto aproximadamente a afirmar a possibilidade de
fazer uma caixa ou uma cama com a serra e o machado, porém
sem a intervenção de um carpinteiro.
Em conseqüência, é indispensável que haja uma primeira
causa motora, superior a todas as outras. A esta causa motora
denominamos Deus.
STO. TOMÁS DE AQUINO

CAPÍTULO IV — Deus é imóvel

4. Daqui se infere ser necessário que o Deus que põe em


movimento todas as coisas é imóvel. Com efeito, por ser a pri-
meira causa motora, se Ele mesmo fosse movido, sê-lo-ia ou
por si mesmo ou por outro. Ora, Deus não pode ser posto em
movimento por outra causa motora, pois neste caso haveria
uma outra causa anterior a Ele, com o que já não seria Ele a
primeira causa motora. Se fosse movido por si mesmo, teori-
camente isto poderia ocorrer de duas maneiras: ou sendo Deus,
sob o mesmo aspecto, causa e efeito ao mesmo tempo, ou sendo
Ele, sob um aspecto, causa de si mesmo, e, sob outro, efeito.
Ora, a primeira hipótese não pode ocorrer, pois tudo o
que é movido está em potência, ao passo que o que move está
em ato (na qualidade de causa motora). Se Deus fosse sob um
e mesmo aspecto causa e efeito ao mesmo tempo, seria neces-
sariamente potência e ato sob o mesmo aspecto é ao mesmo
tempo, o que é impossível.
Tampouco pode-se verificar a segunda hipótese acima
apontada. Pois, se Deus fosse sob um aspecto causa motora, e
sob outro efeito movido, já não seria a primeira causa em virtude
de si mesmo. Ora, o que é por si mesmo, é anterior ao que não
o é. Logo, é necessário que a primeira causa motora seja total-
mente imóvel.
5. A mesma argumentação pode ser feita a partir das causas
motoras e dos defeitos existentes no universo criado. Com efeito,
parece que todo o movimento procede de uma causa imóvel,
a qual não é movida segundo o mesmo tipo de movimento.
Assim, observamos que os processos de alteração, de geração
e de corrupção verificados no reino criado inferior se reduzem
ao corpo celeste (o sol) como à sua primeira causa motora, a
qual por sua vez não é movida por nenhuma outra situada
dentro da mesma esfera, uma vez que não pode ser gerada,
nem corrompida, nem alterada. Conclui-se, portanto, necessa-
riamente que Aquele que constitui o princípio primário de todo
movimento é totalmente imóvel.
CAPÍTULO V — Deus é eterno

6. Do exposto se infere outrossim que Deus é eterno. Pois,


se algo começa a ser e deixa de ser, isto ocorre porque passa
por movimentos ou alterações. Ora, já ficou demonstrado (cf.
capítulo IV) que Deus é totalmente imóvel, conseqüentemente
é também eterno.

CAPÍTULO VI — Deus existe necessariamente por si mesmo

7. Com isto se demonstra necessário que Deus exista. Pois


tudo aquilo que uma vez pode existir e outra vez não existir,
é mutável. Já demonstramos, porém, que Deus é totalmente
imutável. Portanto, não é possível que Deus uma vez exista e
outra vez não exista. Ora, tudo aquilo que existe sem possibi-
lidade de não existir, existe necessariamente, visto ser a mesma
coisa o existir necessariamente e o ser impossível não existir.
Portanto, a existência de Deus constitui uma necessidade.
8. Além disso, tudo o que pode existir e não existir, ne-
cessita de uma outra causa que o faça passar da não-existência
para a existência. Ora, tal causa lhe é necessariamente anterior.
Nada há, porém, antes de Deus. Portanto, é impossível que
Deus uma vez exista e outra vez não exista, senão que a sua
existência constitui uma necessidade. Todavia, visto haver al-
gumas coisas necessárias que têm a causa da sua necessidade,
a qual necessariamente é anterior às mesmas, Deus, por ser o
princípio anterior a tudo quanto existe, não tem, fora de si mes-
mo, nenhuma causa da sua necessidade de existir. Daqui se
infere a necessidade de que Deus exista por sí mesmo.

CAPÍTULO VII — Deus existe sempre

9. Disto se conclui que Deus existe sempre. Pois tudo


quanto existe necessariamente existe sempre, já que uma coisa
cuja não-existência é impossível não pode existir, e por conse-
quência nunca pode deixar de existir. Ora, Deus existe neces-
sariamente, segundo já foi demonstrado (cf. capítulo VI). Por-
tanto, Deus existe sempre.
10. Além disso, nada começa ou deixa de existir a não ser
em virtude de algum movimento ou de alguma alteração. Já
demonstramos, porém, que Deus é absolutamente imutável (cf.
capítulo IV). Em conseqüência, é impossível que tenha uma vez
começado a existir, ou que um dia deixe de existir.
11. Há mais. Tudo aquilo que não existiu sempre, se um
dia começa a existir, carece de uma outra causa que o traga à
existência, visto que nada pode passar por si mesmo da
potência
ao ato, do não-ser ao ser. Deus, porém, não pode ter nenhuma
causa fora de si mesmo, por ser o primeiro ente, e a causa é
anterior ao efeito. E portanto necessário que Deus tenha
existido
sempre.
12. Finalmente, alguém que não existe em virtude de al-
guma causa extrínseca, existe por si mesmo. Ora, Deus não tem
a causa do seu existir fora de si mesmo, pois se assim fosse
esta causa lhe seria anterior. Logo, Deus tem o ser de si mesmo
e por si mesmo. Ora, o que existe por si mesmo existe sempre
e necessariamente. Conseqüentemente, Deus existe sempre.

CAPÍTULO VIII — Em Deus não há sucessão temporal

13. De quanto expusemos até aqui evidencia-se que não


há em Deus qualquer sucessão temporal, senão que Deus exis-
te totalmente e simultaneamente, A sucessão temporal ocorre
exclusivamente nas coisas que de um modo ou de outro estão
sujeitas ao movimento, de vez que são o antes e o depois no
movimento que constituem a sucessão temporal. Ora, Deus
não está em absoluto sujeito ao movimento, conforme ficou
demonstrado (cf. capítulo IV). Donde se infere que não há
n'Ele qualquer sucessão de tempo. Deus existe em sua tota-
lidade e simultaneamente.
14. Além disso, se o ser de alguma coisa não existir total
e simultaneamente, necessariamente algo dela pode desapare-
cer, e algo de novo lhe pode ocorrer. Desaparece o que nela é
passageiro, ocorrendo-lhe de novo o que se espera no futuro.
Deus, porém, nada pode perder, tampouco nada de novo pode
ocorrer-lhe, por ser Ele imóvel. Por isso o seu ser existe na
totalidade e simultaneamente.
A partir desses dois argumentos depreende-se que Deus
é eterno em toda a propriedade do termo. Eterno no sentido
estrito da palavra é aquilo que existe sempre, e cujo ser existe
totalmente e ao mesmo tempo. E o que ensina Boécio ao dizer
que "a eternidade consiste na posse total, simultânea e perfeita
da vida sem fim" (A Consolação da Filosofia, livro V, prosa 6a).

CAPÍTULO IX — Deus é simples

15. Do exposto segue também que a causa primeira motora


é necessariamente simples. Pois em tudo quanto é composto
há dois elementos que estão um para o outro como a potência
está para o ato. Ora, na primeira causa motora, se for totalmente
imóvel, é impossível que haja potência e ato, pois tudo o que
está em potência é passível de movimento. Conclui-se daqui a
impossibilidade de a primeira causa motora ser composta.
16. Além disso, todo ser composto tem necessariamente
um outro que o antecede, uma vez que os elementos de um
composto são necessariamente anteriores ao próprio composto.
Aliás, ao observarmos a ordem dos compostos, constatamos
que os elementos mais simples vêm antes, uma vez que os ele-
mentos mais simples precedem por natureza aos corpos mistos
ou compostos.
Entre os próprios elementos, aliás, o primeiro é o fogo, o
mais simples de todos. A todos os elementos precede o corpo
celeste (o sol), o qual reveste maior simplicidade, isento de qual-
quer alteração. Também daqui se infere que o primeiro dentre
os seres deve ser, por necessidade, totalmente simples.

CAPÍTULO X — Deus é a sua própria essência

17. Conclui-se outrossim que Deus é a sua própria


essência.
Pois a essência de uma coisa consiste naquilo que significa a
sua definição. Ora, isto é idêntico à coisa da qual constitui a
definição, a não ser acidentalmente, isto é, enquanto à coisa
definida ocorre algo que vai além da sua definição. Assim, ao
homem pode acrescentar-se o ser branco, além da sua definição
de animal racional e mortal. Daí que dizer animal racional e
mortal equivale a dizer homem, porém nãoé a mesma coisa
que dizer homem branco, considerando-se o seu ser branco.
Por isso, em todas as coisas que não constam de dois ele-
mentos, dos quais um é por si mesmo e o outro acidental-
mente, a essência das mesmas coincide necessária e totalmente
com elas mesmas. Em Deus, que é simples, conforme ficou
demonstrado (cf. capítulo IX), não existem dois elementos,
dos quais um seria por si mesmo e o outro acidentalmente.
Em conseqüência, é necessário que a sua essência seja abso-
lutamente idêntica a Ele mesmo.
18. Além do mais, em todas as coisas em que a essência
não coincide totalmente com o ser, encontra-se algo de potência
e algo de ato, pois a essência está formalmente para a coisa da
qual é a essência da mesma forma que o ser-homem está para
o homem. Sendo que em Deus não há potência e ato, mas ex-
clusivamente ato, Ele mesmo constitui a sua essência.

CAPÍTULO XI — A essência de Deus coincide com o seu ser

19. É necessário outrossim que a essência de Deus


coincida
com o seu ser. Com efeito, em todas aquelas coisas em que a
essência difere do ser, necessariamente há uma diferença entre
o seu ser e a sua essência, pois é em virtude do seu ser que se
diz existir uma coisa, ao passo que é em virtude da sua essência
que se diz o que tal coisa é. Daqui que a definição, ao manifestar
a essência de uma coisa, demonstra o que ela é. Ora, em Deus
não há diferença entre o seu ser e a sua existência, visto não
ser Ele um ser composto, mas simples (cf. capítulo IX). N'Ele,
portanto, coincidem totalmente a essência e o existir.
20. Além disso, ficou demonstrado (no capítulo X) que
Deus é puro ato, sem qualquer vestígio de potencialidade. Con-
sequentemente, é necessário que a sua essência seja o ato último,
pois todo ato que se refere ao último está em potência para o
ato último.
Acontece que o ato último é o próprio ser. Uma vez que
todo movimento consiste em passar da potência ao ato, neces-
sariamente o ato último será aquele para o qual tende todo
movimento. E uma vez que o movimento natural tende àquilo
que é desejado naturalmente, é necessário que o ato último seja
aquele que todos os seres desejam. Tal é o ser. Necessariamente,
por conseguinte, a essência divina, por ser o ato puro e último,
coincide com o próprio ser de Deus.

CAPÍTULO XII — Deus não constitui uma espécie


enquadrada em um gênero

21. Conclui-se que Deus não constitui uma espécie enqua-


drada em algum gênero. Com efeito, é a diferença somada ao
gênero que constitui a espécie, donde segue que a essência de
qualquer espécie contém algo a mais com respeito ao gênero.
Entretanto, o próprio ser, que é a essência divina, nada contém
em si que lhe possa ser acrescentado. Por conseguinte, Deus
não constitui uma espécie englobada em algum gênero.
22. Analogamente, já que o gênero contém diferenças, em
qualquer composto de gênero e diferenças existe ato mesclado
à potencialidade. Já mostramos, entretanto, que Deus é puro
ato, sem vestígio de potencialidade. Consequentemente, a sua
essência não se constitui de gênero e diferenças, e logicamente
não está englobada em nenhum gênero.

CAPÍTULO XIII — E impossível que Deus seja um


gênero de alguma coisa

23. Cumpre agora mostrar que tampouco é possível que


Deus seja um gênero.
O gênero permite saber o que é uma determinada coisa,
não, porém, que a mesma existe, uma vez que são as diferenças
específicas que constituem as coisas em seu próprio ser. Ora,
o que Deus é, é o próprio ser. Logo, é impossível que Ele seja
um gênero.
24. Todo gênero é subdividido por uma série de
diferenças
específicas. Ao contrário, o próprio ser não comporta diferenças,
pois estas não participam do gênero a não ser acidentalmente,
enquanto as espécies constituídas pelas diferenças participam
do gênero. Não pode haver qualquer diferença que não
participe
do ser, porquanto o não-ser não constitui diferença específica
STO. TOMAS D£ AQUINO

de nada. Por conseqüência, é impossível que Deus seja o g êi


comum que se predica de várias espécies.

CAPÍTULO XIV — Deus não constitui uma espécie


predicável de uma pluralidade de indivíduos

25. Tampouco é possível que Deus seja como que uma


espécie predicável de uma pluralidade de indivíduos. Com
efei-
to, os diversos indivíduos que coincidem em uma essência de
espécie distinguem-se por alguns elementos que vão além da
essência da espécie, assim como os homens coincidem no "ser-
homem" ("humanidade"), diferenciando-se, entretanto, um do
outro por aquilo que vai além do conceito de homem. Tal não
pode ocorrer em Deus, porquanto Deus é a sua própria
essência,
conforme ficou demonstrado (no capítulo X). Por conseguinte,
é impossível que Deus seja uma espécie predicável de uma plu-
ralidade de indivíduos.
26. Vários indivíduos compreendidos sob uma espécie
di-
ferem segundo o ser, e todavia coincidem em uma só essência.
Por conseguinte, onde quer que haja vários indivíduos sob uma
só espécie, necessariamente o ser difere da essência da espécie.
Em Deus, contudo, o ser e a essência identificam-se (cf. capítulo
X), sendo portanto impossível que Ele seja uma espécie predi-
cável de uma pluralidade de indivíduos.

CAPÍTULO XV — Deus é necessariamente uno

27. Evidencia-se também que necessariamente só pode ha-


ver um Deus.
Com efeito, na hipótese de haver vários deuses, estes se
chamariam tais ou em sentido equívoco ou em sentido uní-
voco. Se em sentido equívoco, a hipótese não vinga, porquan-
to nada impede que outros chamem Deus ao que nós deno-
minamos pedra. Se for em sentido unívoco, será necessário
que esses pretensos deuses convenham ou no gênero ou na
espécie. Ora, já ficou demonstrado (cf. capítulos XIII e XIV)
que Deus não pode ser nem um gênero nem uma espécie a
englobar uma pluralidade de indivíduos. Logo, é impossível a
existência de mais de um Deus.
28. É impossível atribuir a mais de um aquilo que indivi-
dualiza a essência comum. Por conseguinte, embora possa haver
muitos homens, é impossível que deste homem concreto possa
existir mais do que um exemplar. Se, porém, a essência é indi-
vidualizada por si mesma e não por algo diferente, é impossível
atribuí-la a mais de um indivíduo. Ora, é sabido que a essência
divina se individualiza por si própria, visto que em Deus não
há diferença entre a essência e o ser, uma vez que ficou de-
monstrado (no capítulo X) que Deus é a sua própria essência.
Logo, é impossível existir mais do que um Deus.
29. Há uma dupla maneira pela qual uma forma pode ser
múltipla: uma é pelas diferenças, como a cor em diversas va-
riantes da mesma; a outra é pelo sujeito, como a brancura. Por
conseguinte, toda forma que não pode ser multiplicada através
de diferenças, se não for uma forma existente no sujeito, não
pode ser multiplicada. Assim, por exemplo, a brancura, se não
se concretizar num sujeito, será necessariamente uma só. Acon-
tece que a essência divina é o próprio ser, o qual não comporta
diferenças, conforme demonstramos acima (cf. capítulo XI). Em
conseqüência, já que o próprio ser divino é como que uma forma
subsistente em si mesma, é impossível que a essência de Deus
seja mais do que uma, sendo portanto impossível a existência
de mais do que um Deus.

CAPITULO XVI — E impossível que Deus seja corpo

30. Partindo dessas premissas, toma-se também evidente


ser impossível que Deus seja corpo. Efetivamente, todo corpo
é um conglomerado de partes múltiplas. Aquele que é total-
mente simples não pode, por conseguinte, ser um corpo.
31. Como é óbvio, nenhum corpo é capaz de colocar
outros
em movimentos, a não ser movendo-se a si mesmo. Se a
primeira
causa motora, que é Deus, é absolutamente imóvel, conclui-se
para a impossibilidade de ser Ele um corpo.
CAPÍTULO XVII — É impossível que Deus seja uma forma
do corpo ou uma força no corpo

32. Tampouco é possível que Deus seja uma forma do


corpo
ou uma força no corpo.
Com efeito, todo corpo é móvel, e, ao mover-se, move-se
também, ao menos acidentalmente, o que nele está. Entretan-
to, a primeira causa motora não pode mover-se, nem por si
mesma nem acidentalmente, por ser ela necessariamente imó-
vel, conforme ficou comprovado no capítulo IV. Conseqüen-
temente, é impossível que Deus seja uma forma ou uma força
no corpo.
33. Todo ser ou coisa que move outro, para poder
fazê-lo,
deve necessariamente ter domínio sobre a coisa movida. De
fato, observa-se que, quanto mais a força motora superar a da
coisa movida, tanto mais rápido é o movimento. Ora, a que é
a primeira de todas as causas motoras deve necessariamente
ter o máximo domínio sobre as coisas movidas. Tal não poderia
acontecer se a causa motora primária estivesse de qualquer for-
ma subordinada à coisa movida, o que necessariamente ocor-
rería se fosse a sua forma ou a sua força.
Deduz-se, por conseguinte, que a primeira causa motora
não pode ser um corpo, nem uma força no corpo, nem uma
forma do mesmo. Eis por que Anaxágoras postulou uma inte-
ligência capaz de comandar e de pôr em movimento tudo
quanto
existe (cf. Aristóteles, Física, livro VIII, capítulo V).

CAPÍTULO XVIII — Deus é infinito na sua essência

34. Do exposto pode-se também inferir que Deus é


infinito.
Não por via de privação, isto é, numa linha de quantidade,
como quando se denomina infinito o que, em razão do seu
gênero, deveria ter conaturalmente fim, mas na realidade não
tem Deus é infinito por via de negação, isto é, no sentido de
que não tem nenhum limite. Pois todo ato é finito em razão da
potencialidade, a qual é uma força receptiva. Com efeito, cons-
tatamos que as formas são limitadas, segundo a potência da
mações contrárias aos dogmas da Igreja, Inicia-se assim a cris-
tianização da filosofia aristótélica, o que só veio a se tornar
possível graças ao espírito analítico, à capacidade de ordenação
metódica e à habilidade dialética de Tomás de Aquino, que ele
aliava a um profundo sentimento de fé cristã.

A PERFEIÇÃO DIVINA

O ponto de partida para a construção do tomismo — e a


conseqüente cristianização de Aristóteles — parece residir na
hábil transformação que Santo Tomás operou na distinção aris-
totélica entre essência e existência. Aristóteles, nos Segundos Ana-
líticos, distingue entre as questões "o que é um ser?" e "esse ser
existe?”. A resposta à primeira pergunta constitui a definição
de uma essência; mas, para Aristóteles, uma definição não im-
plica jamais a existência, lógica ou empírica, do definido. Assim,
em Aristóteles, a distinção entre essência e existência é pura-
mente conceituai, lógica. Tomás de Aquino, ao contrário, inter-
preta aquela distinção como ontológica, real. Com isso, altera
num ponto básico o conteúdo da filosofia aristótélica, embora
mantenha seu arcabouço racional. Mas é o bastante para torná-la
capaz de servir de fundamentação racional para os dogmas da
revelação cristã, defender a ortodoxia da Igreja e dar combate
às correntes consideradas heréticas. Fazendo apelo ao princípio
do realismo ontológico (segundo o qual "tudo o que está contido
na definição de uma coisa não pertence a essa coisa essencial-
mente, mas acidentalmente por outra"), Tomás de Aquino con-
clui que a definição da essência das criaturas não implica sua
existência e, portanto, elas não existem por si mesmas, e sim
devido a uma outra realidade (ab alio). A distinção real entre
essência e existência torna-se, assim, o fundamento metafísico
da contingência das criaturas humanas e permite introduzir no
peripatetismo a idéia de criação.
Apenas em Deus havería identidade entre essência e exis-
tência. Deus existe por si e Ele mesmo teria se revelado a
Moisés,
afirmando: "Eu sou aquele que sou". Deus seria, assim, criador
de todas as coisas e fundamento de suas existências contingen-
tes. Deus seria o puro ato de existir, não sendo uma essência
qualquer — como o uno, o bem ou o pensamento — à qual se
atribuiría a existência. Ele não seria um modo eminente de
existir
— como a eternidade, a imutabilidade ou a necessidade, que
Lhe podem ser atribuídas — mas o próprio existir, tomado em
si mesmo e ao qual nada pode ser acrescentado, pois isso seria
pressupor uma limitação que não Lhe cabe. {Desse modo, Deus
não se identifica a seus atributos; estes é que, ao contrário, de-
vem ser referidos a Ele, pois se é o existir puro, Ele é o ser
pleno, nada podendo ser-Lhe atribuído e nada Lhe faltando.
Deus é imóvel e eterno^ pois não é possível conceber Nele ne-
nhuma transformação. Deus é a perfeição pura.
' ir
As VIAS QUE LEVAM A DEUS

Segundo Santo Tomás a razão pode provar a existência


de Deus através de cinco vias, todas de índole realista: consi-
dera-se algum aspecto da realidade dada pelos sentidos como
o efeito do qual se procura a causa.
A primeira fundamenta-se na constatação de que no uni-
verso existe movimento. Baseado em Aristóteles, Santo Tomás
considera que todo movimento tem uma causa, que deve ser
exterior ao próprio ser que está em movimento, pois não se
pode admitir que uma mesma coisa possa ser ela mesma a
coisa movida e o princípio motor que a faz movimentar-se.
Por outro lado, o próprio motor deve ser movido por um
outro, este por um terceiro, e assim por diante. Nessas con-
dições, é necessário admitir ou que a série de motores é in-
finita e não existe um primeiro termo (não se conseguindo,
assim, explicar o movimento), ou que a série é finita e seu
primeiro termo é Deus.
A segunda via diz respeito à idéia de causa em geral. Todas
as coisas ou são causas ou são efeitos, não se podendo conceber
que alguma coisa seja causa de si mesma. Nesse caso, ela seria
causa e efeito ao mesmo tempo, sendo, assim, anterior e pos-
terior, o que seria absurdo. Por outro lado, toda causa, por sua
vez, deve ter sido causada por outra e esta por uma terceira,
e assim sucessivamente. Impõe-se, portanto, admitir uma pri-
meira causa não causada, Deus, ou aceitar uma série infinita e
não explicar a causalidade. (
' A terceira via refere-se aos conceitos de necessidade e pos-
sibilidade. Todos os seres estão em permanente transformação,
alguns sendo gerados, outros se corrompendo e deixando de
existir.; Masfpoder ou não existir não é possuir uma existência
necessária e sim contingente, já quelaquilo que é necessário não
precisa de causa para existir. Assim, o possível não teria em si
razão suficiente de existência e, se nas coisas houvesse apenas
o possível, não havería nada. Para que o possível exista é ne-
es s rio portanl que algo o faça existir. Ou seja: se alguma
coisa existe é porque participa do necessário. Este, por sua vez,
exige uma cadeia de causas, que culmina no necessário absoluto,
ou seja, Deus.
A quarta via tomista para provar a existência de Deus é
de índole platônica e baseia-se nos graus hierárquicos de per-
feição observados nas coisas. Há graus na bondade, na verdade,
na nobreza e nas outras perfeições desse gênero. O mais e o
menos, implicados na noção de grau, pressupõem um termo
de comparação que seja absoluto. Deverá existir, portanto, uma
verdade e um bem em si: Deus.
A quinta via fundamenta-se na ordem das coisas. De
acordo com o finalismo aristotélico adotado por Tomás de
Aquino, todas as operações dos corpos materiais tenderíam
a uni fim, mesmo quando desprovidos da consciência disso.
A regularidade com que alcançam seu fim mostraria que eles
não estão movidos pelo acaso; a regularidade seria intencional
e desejada. Uma vez que aqueles corpos estão privados de
conhecimento, pode-se concluir que há uma inteligência pri-
meira, ordenadora da finalidade das coisas. Essa inteligência
soberana seria Deus.

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