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A CIVILIZAGAO IMPERFEITA: topicos em torno da remodelagao urbana de Salvador e outras cenas de civilidade, 1912-1916 Rinaldo Cesar Nascimento Leite* Abstract — The article discusses the urban modernization of the city of Salvador (Bahia-Brazil), between 1912-1916. Making use of civilization categories, the author analyses some aspects of that process (especially the perceptions and expectations), and indicates the results obtained. Introdugao Os jornais que circulavam em Salvador, na década de 1910, reve- lavam uma cidade pensada nos seus diversos aspectos e avaliada nos seus intimeros problemas em termos comparativos aos elementos ca- racteristicos da civilizagio e do progresso. Tudo que dissesse respeito a cidade se convertia (ou deveria converter-se) em objeto de civiliza- ao. Residia, assim, no intimo de muitos soteropolitanos, a vontade de ver a capital baiana transformada em um exemplo expressivo do que as boas intengdes modernizadoras poderiam fazer em uma cidade. E em que consistia esse ideal civilizador? Era a aproximacao aos modelos culturais europeus, nos seus aspectos mais abrangentes e variados, um dos principais fundamentos definidores da civilizacaio e do progresso, termos, de certo modo, correlatos, abarcando um mes- mo espectro de elementos. No momento da virada do século XIX para * Professor de Histéria na Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia, Brasil Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. XXIV, 1, p. 95-129, junho 1998 96 Estudos Ibero-Americanos, XXIV(1) — junho, 1998 o XX, civilizar — nao apenas em Salvador, mas, de um modo geral, na ideologia das elites brasileiras — era “ficar em pé de igualdade com a Europa no que se refere a cotidiano, instituigdes, economia, idéias liberais etc.” Correspondia ao ideal das elites (cujos membros pare~ ciam nutrir um forte “desejo de ser estrangeiros”)’ para a sociedade brasileira, a realizag4o “nos tr6picos de uma civilizagéo européia”* Na visio de certos segmentos sociais baianos, Salvador, que fora a primeira capital do pais, uma das maiores cidades coloniais das Américas, 0 segundo centro urbano brasileiro durante 0 século XIX e, conforme se dizia, uma cidade que sempre estivera em plano destaca- do no cendrio nacional, encontrava-se, entao, em uma posi¢ao consi- derada como de atraso nos caminhos do progresso. Capitais menores, fosse em populacio, fosse em projecdo politica, econdmica ou cultu- ral, eram apontadas pela ac&io que empreendiam em pro] do desenvol- vimento e da civilizagao. Salvador se mantinha inerte, paralisada no tempo, conservando “lembrangas dos tempos coloniais, resquicios memoriais das épocas de antanho”,' isto tanto nos habitos da popula- Ao quanto nos aspectos materiais. Esse sentimento reflete-se clara- mente nos jornais do periodo: “E quando ouviamos, quando Ifamos, quando sabfamos o que € 5S. Paulo, 0 que € 0 Rio de Janeiro, o Parana, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Para, Amazonas, com suas avenidas extensas, suas ruas largas, seus edificios clegantes, seus teatros, seus jar- dins, sua iluminagao magnifica, para 0 gozo, o conforto, o bem- estar de todos da sua populagao, ricos e pobres, nds invejavamos o bom fado que ha presidido a vida daqueles departamentos feli- zes do nosso pais.”* 1 HERSCHMANN, Micael & PEREIRA, Carlos A. M. “O imagindrio moderno no Brasil”. In: ria nos anos 2 “A invengao do Brasil moderno: medicina, educagao e engenha- (0. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p. 12. SEVCENKO, Nicolau. A literatura como missdo: tenses sociais e criagdo cultu- ral na Primeira Repiblica. So Paulo: Brasiliense, 1995, p. 36. PINHEIRO, Elofsa Petti. Intervencdes piblicas na freguesia da Sé em Salvador de 1850 a 1920: um estudo de modernizagéo urbana. Dissertagio de Mestrado, Sal- vador, Mestrado em Arquitetura e Urbanismo/UFBa, 1993, p. 16. “Criangas aos cemitérios” (Editorial). Didrio de Noticias, Salvador, 7 fey. 1912, p. 1. “De moveis as costas” (Editorial), Didrio de Noticias, Salvador, 15 jul. 1912, p. 1. A civilizacao imperfeita: 97 Se o Rio de Janeiro ja havia conhecido com as obras do prefeito Pereira Passos, no principio do século, a importancia da atividade modernizadora; se Sao Paulo passava por transformacgGes progressis- tas animadoras; se, de um modo geral, as capitais do Sul, e mesmo algumas do norte, se metiam nos percursos da civilizacdo,° somente em 1912, Salvador conheceu a mais concreta oportunidade de seguir os mesmos passos. A ascensao de J. J. Seabra ao governo do Estado, com seus projetos modernizadores da cidade, provocou expectativas promissoras quando ele deu infcio a varias obras de remodelamento. Os melhoramentos fisicos, motor inicial de uma série extensiva de transformagées que deveriam processar-se na cidade, estenderiam-se, A urbanizagio e os melhoramentos materiais, enquanto aspiragdes modernizado- ras, alastraram-se por diversas capitais do pafs, entre clas, Recife, Manaus, Belém, Porto Alegre, Fortaleza, Rio de Janeiro e Séo Paulo; acrescente-se, ainda, a cons- trugdo de Belo Horizonte em fins do século XIX. Ver SEVCENKO, op. cit., p. 29- 41; Sevcenxo, Nicolau. Orfeu extdtico na metrépole: Sado Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. S40 Paulo: Companhia das Letras, 1992; NEEDBLL, Jeffrey. Belle époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. Sao Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 55-73; RAGO, Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar, Brasil, 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985; PINHEIRO, op. cit. p. 8-10; HAUNER, June. Pobreza e politica: 0s pobres urbanos no Brasil, 1870/1920. 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