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FORTALEZA
2013
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FORTALEZA
2013
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(Orientadora)
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(Examinadora)
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(Examinadora)
FORTALEZA
2013
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83f. Il.
Orientador: Profª. Esp. Klycia Fontelene Oliveira.
AGRADECIMENTOS
Muitos contribuíram para este sonho se tornar realidade, pois não conseguimos
conquistar nada sozinhos. Portanto, nas próximas linhas, expresso meus sinceros
agradecimentos aos que de alguma forma me ajudaram a chegar aqui.
À minha mãe, Edwa Magalhães Montenegro, que sempre esteve ao meu lado em
todos os momentos da minha vida, com o amor que só uma mãe pode oferecer, além de seu
apoio moral e financeiro que foram imprescindíveis para a conclusão do curso.
À minha querida irmã, Waleska Montenegro Moreira Sampaio, por sempre me
incentivar a estudar e a ler e mesmo sem saber, foi quem mais me incentivou, torcendo pelo
meu crescimento e sucesso, mostrando-se sempre um pouco irmã e um pouco mãe.
Aos meus verdadeiros amigos, Antônio Lucas Silva, Leandro Alencar Alves e
Júnior Rocha, que são os irmãos que Deus me permitiu escolher, por todas as conversas,
confidências e risadas, o que eu sou hoje devo em parte a vocês.
Às minhas amigas de faculdade, Marcília Sousa, Jorsandra Cunha, Karol Miranda,
Maila Gomes e Gessika Vasconcelos, que trilharam comigo um caminho árduo, mas
gratificante, obrigada por me proporcionarem tantos momentos felizes e de boas gargalhadas,
além de compartilharem comigo o grande amor pelos livros.
Aos professores, que ao longo desses quatro anos muito me ensinaram e
contribuíram para a profissional que me tornei.
À minha querida orientadora, Klycia Fontenele Oliveira, por quem tenho uma
grande admiração, tanto pela professora, quanto pela pessoa que é. Por sua paciência comigo,
por me apoiar na escolha do meu tema, por me escutar nas horas de desespero da monografia,
por sua dedicação e atenção e por tratar seus alunos com respeito e amor, motivos esses que
fazem com que seja uma das professoras mais queridas da faculdade.
Ao bom Deus, por me dar forças para conquistar esse sonho e não me deixar
desistir, colocando pessoas especiais no meu caminho e me tornando forte, para realizar todos
os meus sonhos.
Ao meu amado irmão, Alfredo Azevedo Montenegro Neto (in memoriam), que
me proporcionou felizes lembranças de minha infância e tenho certeza de que, onde estiver,
estará levando a alegria de suas brincadeiras e irradiando a bondade que sempre fez parte
dele, nunca lhe esquecerei, presente em meu coração para sempre.
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RESUMO
O presente trabalho realiza uma análise de discurso do livro A Sangue Frio, de Trumam
Capote – publicado em 1965, nos Estados Unidos – para refletir sobre como o livro em
questão, cuja narrativa é própria do Novo Jornalismo, apresenta o discurso da violência. Para
tanto, apresentam-se alguns pressupostos teóricos da relação entre jornalismo e literatura, e
entre mídia e violência. Tendo como ponto de partida a leitura de diversos autores, entre eles,
Amoroso Lima (1990), Marques de Melo (2003), Felipe Pena (2006), Aparecida Baccega
(1998) e Carlos Vicchiatti (2005). Ao final, é possível encontrar elementos ficcionais nos
textos de jornalismo e os fatos reais no literário, concluindo-se que a partir da relação entre
Jornalismo e Literatura, tem-se o chamado jornalismo literário que trás de forma inovadora
uma visão muito mais ampla e completa da notícia para o leitor. Diante da análise do livro
que aborda o tema da violência, ficam evidentes em seu discurso, as semelhanças e diferenças
entre esse tema tratado no jornalismo literário e na mídia comum. No livro, os detalhes estão
desde a forma como Capote pesquisou suas informações, as conversas com as fontes e o
envolvimento com o caso. Percebe-se a diferença com que a mídia padrão tratou do assunto,
uma vez que a exploração das vítimas e dos assassinos só aumentou a dramaticidade, além
disso, o livro ressalta o despreparo desses jornais, estampando nas manchetes títulos que não
eram coerentes com os acontecimentos, apenas visavam à vendagem e ao sensacionalismo.
Em consequência, um jornalismo baseado somente no sensacionalismo e no exagero, peca por
não se comprometer com a busca pela verdade e a formação social, já que a base do
jornalismo está em levar a informação para as pessoas, de forma clara e justa.
RESUMEN
El presente trabajo realiza un análisis de discurso del libro A Sangue Frio, de Trumam
Capote, – publicado en 1965, en los Estados Unidos – para reflejar sobre como el libro en
cuestión, cuya narrativa es propia del Nuevo Periodismo, presenta el discurso de la violencia.
Para tanto, se presentan algunos presupuestos teóricos de la relación entre periodismo y
literatura, y entre prensa y violencia. Teniendo como punto de partida la lectura de diversos
autores, entre ellos, Amoroso Lima (1990), Marques de Melo (2003), Felipe Pena (2006),
Aparecida Baccega (1998) y Carlos Vicchiatti (2005).. Al final, es posible encontrar
elementos ficcionales en los textos de periodismo y los hechos reales en el literario,
concluyéndose que a partir del Periodismo y de la Literatura, se tiene el nombrado periodismo
literario que tras de forma innovadora una mirada mucho más amplia y completa de la noticia
para el lector. Delante de la análisis del libro que aborda el tema de la violencia, se pone en
evidencia en su discurso, las semejanzas y diferencias entre ese tema tratado en el periodismo
literario y en la prensa común. En el libro, los detalles están desde la forma como Capote
investigó sus informaciones, las charlas con las fuentes y el envolvimiento con el caso. Se
percibe la diferencia con que la prensa patrón trató del asunto, una vez que la exploración de
las víctimas y de los asesinos sólo aumentó el catastrofismo, además, el libro pone en relieve
la falta de preparación de esos periódicos, presentando titulares que no eran coherentes con
los acontecimientos, sólo miraban a la venta y al sensacionalismo. En consecuencia, un
periodismo basado solamente en el sensacionalismo y en el exagero, peca por no se
comprometer con la búsqueda por la verdad y la formación social, ya que la base del
periodismo está en llevar la información para las personas, de forma clara y justa.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................10
6 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................62
ANEXOS .................................................................................................................................65
10
1 INTRODUÇÃO
[...] não exclui nem a verdade, nem o bem, nem a história, nem a autobiografia, nem
a filosofia, nem as ciências, nada. Tudo é literatura desde que no seu meio de
expressão, a palavra, haja uma acentuação, uma ênfase no próprio meio de
expressão, que é seu valor de beleza (LIMA, 1990, p. 36-37).
passe a apresentar, por méritos de seu autor e/ou de sua feitura, características que façam dele
um texto literário – vale dizer, um texto artístico.” (WANDERLEY, apud JOBIM, 1992, p.
253).
A literatura, porém, acaba sendo não somente um conceito estético, mas também,
um produto social, como afirma Candido (1967), ao dizer que a literatura relata a realidade no
contexto ao qual está inserida, independente do seu escritor. A literatura, por conseguinte,
“depende da ação de fatores do meio, que se exprimem na obra em graus diversos de
sublimação; e produz sobre os indivíduos um efeito prático, modificando a sua conduta e
concepção do mundo, ou reforçando neles o sentimento dos valores sociais.” (CANDIDO,
1967, p. 24).
Com o passar dos anos, a literatura foi se moldando e ganhando espaço ao se
manifestar de acordo com os acontecimentos da época. O romantismo e o modernismo, de
acordo com Candido (1967), foram momentos de extrema importância para a literatura, ao
construir uma ciência literária.
O que não é estranho é que, sendo exercida majoritariamente por jornalistas, essa
Literatura tenha tomado emprestado da imprensa várias de suas técnicas. Esse misto
de ficção e Jornalismo podia resultar numa Literatura esteticamente inovadora, como
o caso de A Festa2, de Ivan Ângelo. Ou gerar um faction [grifo nosso],
1
A Ditadura Militar foi o período da política brasileira em que os militares governaram o Brasil. Esta época vai
de 1964 a 1985. Caracterizou-se pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura,
perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar.
2
A Festa, romance de Ivan Ângelo, publicado em 1976, é uma obra que discorre, através de artimanhas e
gradativos jogos de revelações, uma festa que está o tempo todo implícita. O autor utiliza metáforas para
explorar o cotidiano de um Brasil sob a ditadura, temas como a censura, cerceamento da privacidade das pessoas
e violência são exploradas com naturalidade, além de romance.
13
Entre os anos 60 e 80 [século XX], por ser menos censurada, a Literatura passou a
exercer a função de informar, própria do Jornalismo. “Se nos jornais e meios de
comunicação de massa a informação era controlada, cabia à Literatura exercer uma
função parajornalística” aponta Flora Süssekind (COSTA, 2005, p. 154).
Essa nova literatura sofre influência da literatura americana, que passava por uma
fase realista e os escritores literários usavam de técnicas do jornalismo nos seus textos, como
a apuração dos fatos e as técnicas de investigação, sendo chamado assim, de New Journalism,
sobre o qual falaremos mais adiante.
O início do jornalismo está atrelado à literatura, mas para se entender melhor essa
relação, faz-se necessário voltar para quando o jornalismo começou, e mostrar que não foi
meramente ao acaso que a literatura e o jornalismo se interligaram em dado momento da
história.
3
Romance-reportagem é uma linguagem lida como romance, porém, mantendo-se fiel aos fatos, garantindo
conceitos objetivos moldados pela subjetividade da narrativa.
4
O AI-5 (Ato Institucional número 5) foi o quinto decreto emitido pelo governo militar brasileiro (1964-1985).
É considerado o mais duro golpe na democracia e deu poderes quase absolutos ao regime militar. Redigido pelo
então ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, o AI-5 entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968,
durante o governo do então presidente Artur da Costa e Silva.
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A palavra Jornalismo significa hoje, todas as formas nas quais as notícias e seus
comentários chegam ao público. Todos os acontecimentos mundiais, desde que
interessem ao público, e todo o pensamento, ação e ideias que esses acontecimentos
estimulam, constituem material básico para o jornalismo (BOND, 1962, p. 15).
literatura faz uso de uma linguagem cuja preocupação estética predomina, tornando-a poética.
Assim,
No Brasil, a questão econômica também foi outro fator para a ligação entre o
jornalismo e a literatura, uma vez que muitos escritores tinham dificuldade em viver somente
da literatura e ao escrever para jornais, ganhava-se tanto notoriedade quanto a garantia de
pagamento, muito incerto no mercado literário da época. Como ressalta Costa (2005), ao dizer
que o escritor acabava alugando sua escrita para os jornais, a fim de ter uma forma para se
sustentar, às vezes, até deixando a literatura pela falta de tempo para se dedicar a ambas as
escritas.
Assim, com a predominância de escritores no jornalismo, a literatura estava
marcada nos textos de jornal, distanciando-se somente quando o jornalismo passa a se tornar
mais profissionalizado e a procura por jornalistas tornou-se mais frequente, fazendo com que
a literatura perdesse seu espaço nas redações. Começava então um jornalismo mais comercial,
para o qual características foram impostas, baseadas na: atualidade, universalidade, fidelidade
aos fatos, publicidade, multiplicidade e natureza institucional (BOND, 1962). O que, segundo
este autor, são regras que levariam o leitor à formação de opinião.
5
Objetividade entendida como a correspondência entre realidade social e realidade midiática (Bentele, 1988) é
um dos princípios centrais do jornalismo. A idéia de objetividade em jornalismo está diretamente ligada à função
deste como mediador entre a realidade social e o público.
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O caráter efêmero do texto jornalístico não implica que ele seja estilisticamente
pobre e descuidado, como pensam algumas pessoas, pois em geral ocorre justamente
o inverso. Para funcionar jornalisticamente, uma notícia precisa ser trabalhada e
retrabalhada muitas vezes, até chegar a um nível desejável de objetividade. A
compreensão de qualquer matéria é condição indispensável à sua publicação. Frases
herméticas, períodos longos e cheios de adjetivos ou com palavras inusitadas devem
ser sistematicamente evitadas (ERBOLATO, 2008, p. 107).
Esses valores e essas técnicas cumprem bem sua função naquele segmento do
Jornalismo dedicado a registrar, de modo puramente informativo, um fato social.
[...] Nem sempre percebe, claramente, que a base dessa abordagem, proveniente dos
procedimentos científicos de mais de um século atrás e de perspectivas filosóficas
empoeiradas no tempo, está sendo questionada em vários núcleos de pensamento
científico e filosófico que propõe um novo conjunto de valores e premissas para a
atuação do homem em busca da compreensão de si mesmo, bem como do mundo
que o rodeia (LIMA, 2000, p. 26).
Lima (2000) diz que o jornalismo nasceu dos valores intrínsecos à sociedade,
onde também com o tempo foi se transformando e adotando técnicas, conhecidas como a
“linguagem jornalística”, ou jornalismo convencional.
A “factualidade” é outro valor tido como sagrado nas redações dos veículos
impressos e nas emissoras do jornalismo eletrônico de nossos dias. A notícia –
unidade primordial de informação, a partir da qual a mensagem jornalística é
construída – bem como outras modalidades de expressão do relacionamento
jornalístico, como a reportagem, o comentário, o ensaio, tomam o fato social como
matéria- prima vital para sua razão de ser (LIMA, 2000, p. 31).
Segundo Piza (2002), o jornalismo literário quase não é aproveitado nos jornais
brasileiros devido ao medo de fugir do padrão, do convencional. Precisa-se perder esse medo
de usar a ironia, o lirismo, o óbvio, para que se comece uma nova mudança.
Para ser mais exata, Vicchiatti (2005) explica as frequentes dúvidas entre
jornalismo e literatura, abordando a humanização no texto: “O que parece suscitar dúvidas na
maioria dos teóricos que veem barreiras, e não limites, entre a literatura e o jornalismo, é a
chamada humanização dos textos e o uso de outros recursos que buscam conferir veracidade
aos fatos que estão sendo narrados.” (VICCHIATTI, 2005, p. 91).
Logo, quando os profissionais de jornalismo tiverem espaço longe de textos pré-
estabelecidos e consequentemente se expressarem de forma mais própria, as futuras
produções começarão a ser elaboradas com mais aproveitamento por parte das redações, que
também se beneficiarão com bons textos.
Para Castro (2002) jornalismo e literatura são gêneros bem parecidos, já que
ambos trabalham com palavras e comunicam uma história, além disso, o jornalista não deixa
de ser um escritor. Para o autor, escritor jornalista ou jornalista escritor procuram a mesma
finalidade, seja em uma reportagem ou em um poema, esse é o futuro, a união dos dois
gêneros em busca do mesmo interesse. Entende-se então, que desde muito tempo, os
escritores de literatura e os profissionais de jornalismo eram os mesmos, uma vez que esses
escritores escreviam para os jornais, antes de serem substituídos por jornalistas mais técnicos
e assim, começava a ligação entre ambos os gêneros. Logo, veremos no próximo tópico o
resultado dessa união de gêneros.
Para Gastão (1959), o texto jornalístico exige certos requisitos como clareza e
concisão. Mas isso não deve prejudicar a criação desses textos. Ainda segundo este autor, o
jornalista não pode se preocupar somente com o estilo, para assim, convertê-lo em uma
literatura diária. Desse modo, o jornalismo se direciona para um campo mais comercial, com
uma tendência empresarial, que visava ao faturamento com as notícias publicadas, motivo
esse que levou o jornalismo a ser mais conciso, perdendo as formas da literatura inseridas
pelos escritores da época.
Alguns autores questionam o futuro do jornalismo e o empobrecimento de seus
textos. Vicchiatti (2005) reflete o cotidiano mecânico do jornalismo e o despreparo para com
a carência de reflexões da sociedade ao ler as notícias nos jornais. É necessário então, que o
jornalista esteja cada vez mais preparado em vários setores, para que dessa forma, seja capaz
de abordar os diversos ângulos das informações, interpretando a notícia por ele produzida.
O jornalismo é composto por todos os fatos que, para alguém, acaba sendo
pertinente e informativo. Seria, então, uma busca por tudo que possa ter significado no
cotidiano. O importante para um, não é para outro, mas ainda é para alguém, com isso, faz-se
necessária uma análise mais aprofundada do tema.
com uma narrativa nos moldes da ficção. Assim, os autores relatavam o que queriam dizer, ao
mesmo tempo em que fugiam da censura.
Logo, o jornalismo literário adquiria a função de abordar assuntos sobre
manifestações e a insatisfação da sociedade, em forma de crônicas e críticas nas obras
literárias publicadas nos jornais, podendo ser abordadas inclusive através do humor, como as
caricaturas que mesmo sem nenhuma escrita refletia a imagem do que de fato estava
acontecendo.
6
Entrevistados que falam para jornais, como autoridades e especialistas famosos.
21
mais abrangente possível, romper com as correntes do lead7, e a perenidade. Afinal, uma obra
formada das técnicas do jornalismo literário não pode ser superficial.
Defendendo o jornalismo literário como um gênero, Pena (2006) diz que ele é
uma “linguagem de transformação expressiva e informacional [..] não se trata nem de
jornalismo, nem de literatura, mas sim de melodia.” (PENA, 2006, p. 21).
A beleza é uma integração de todos os valores. Não um valor em si. É tudo mais,
com uma acentuação primacial na sua forma de expressão, seja a palavra, na
literatura, seja o som na música, seja a cor na pintura e assim por diante. Sendo
assim, não vejo como negar ao jornalismo o seu cartão de entrada no recinto literário
(LIMA, 1969, p. 22).
A literatura ligada ao jornalismo tomou moldes que eram reconhecidos nos textos
jornalísticos. Ao falar sobre jornalismo literário, Lima (1990) ressalta que o profissional teria
um texto mais preciso e preocupado com a veiculação da informação honesta. Mas sem
abdicar da criatividade, permitindo aos repórteres, desenvolver textos mais parecidos com
seus estilos, além de fazer seu papel social, que segundo o autor, ultrapassa a beleza estética.
Outro autor que discorre sobre os textos do jornalismo literário é Cotta (2005).
Em seu estudo, ele afirma que formas e gêneros literários podem ter uma narração e descrição
romântica e dramática, dependendo do modo como o fato é narrado pelo autor. Os textos
produzidos nas redações procuram sempre informar e passar algo ao leitor, porém, esses
profissionais também são capazes de produzir textos literários. Afinal, tudo vem das palavras
e através delas é possível expressar o que o escritor está sentindo e o objetivo real.
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Parte principal da matéria, que apresenta as clássicas perguntas: o que, quem, quando, onde, como e por quê.
Corresponde à abertura do texto, por isso, possui fundamental importância, pois deve trazer as principais
informações, além de instigar o leitor a prosseguir na leitura.
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Mais do que uma escrita que flerta com técnicas típicas do labor literário e se propõe
a instigar, seduzir, provocar sensações e despertar o interesse do leitor, o chamado
jornalismo literário foge de olhares pré-formatados e rende textos – sejam
reportagens ou perfis – que surpreendem a partir de uma pauta que rompe com
visões óbvias ou hegemônicas sobre a realidade (NECCHI, 2007, p. 5).
Apesar de ser uma atividade feita já desde muito tempo, o jornalismo literário é
visto como algo recente, pois “os livros de memórias, as narrativas ou relatos de movimentos
políticos e revolucionários, também podem estar enquadrados na classe do jornalismo em
forma literária” (OLINTO, 2008, p. 95).
A cerca disso, o jornalismo literário mostrou outro jornalismo, capaz de informar,
com base em fatos reais, porém, à sua maneira. O New Journalism, explorado fora do Brasil,
foi feito principalmente por jornalistas que estavam insatisfeitos com suas limitações e com
determinados padrões estipulados para o jornalismo.
O New Journalism, então, trazia uma narrativa nascida das páginas policiais dos
jornais, com fatos apurados a partir de técnicas jornalísticas e com um texto objetivo. No caso
de Capote, sua reportagem foi trabalhada por longos cinco anos – publicada, em quatro
capítulos, na revista The New Yorker, em 1965 – para só então, ser lançada em formato de
livro, em 1966, como o próprio livro A Sangue Frio cita.
Para isso, ele precisou viajar até o interior de Kansas para fazer entrevistas e
capturar todo material necessário para escrever esses capítulos, contando com o apoio
financeiro do jornal para o qual trabalhava. O que vemos hoje, porém, não é um retrato dessa
época, já que muitos jornalistas não recebem o mesmo suporte e incentivo para tal trabalho,
pelo contrário, é exigido por diversas vezes que o profissional dessa área busque a informação
e a repasse instantaneamente, interrompendo esse processo de pesquisa do jornalista.
8
Realidade foi uma revista brasileira lançada pela Editora Abril em 1966. Circulou até janeiro de 1976.
Apresentava características inovadoras para a época, com matérias em primeira pessoa, fotos que deixavam
perceber a existência do fotógrafo e design gráfico pouco tradicional. Destacou-se também por suas grandes
reportagens, permitindo que o repórter 'vivesse' a matéria por um mês ou mais, até a publicação.
24
Sendo assim, o jornalismo literário é considerado por muitos como arte, porém,
uma arte com o intuito de informar e levar para sociedade a possibilidade de uma
conscientização. Age, também, como forma de denúncia social, que irá combater e denunciar,
mostrando todos os lados do fato. Logo, além de informar, esse jornalismo também tem como
missão mostrar a notícia pelo olhar da literatura, adaptando-se a ambos os gêneros ao ser
usado.
verossimilhança. Não ignorando, assim, o que foi aprendido no jornalismo diário, apenas
desenvolvendo tal aprendizado para assim chegar a uma nova abordagem, porém, com uma
apuração rigorosa e uma observação atenta.
O objetivo, então, do autor de jornalismo literário é levar para a sociedade a
realidade do que acontece nas ruas e que o leitor, muitas vezes, não sabe ou acaba por ignorar,
por ser mais cômodo. Realidade que, muitas vezes, traz o futuro da nossa sociedade, sendo
necessário se manter consciente dos fatos para que possamos mudá-los, analisando assim as
palavras desse novo jornalismo e procurando soluções e melhorias para fazermos, também,
nosso papel na sociedade.
26
As discussões feitas neste capítulo têm como intuito perceber as diferentes formas
de manifestação da violência refletidas na mídia e os discursos usados pelos meios de
comunicação. Abordam-se também o sensacionalismo na mídia e a forma como o discurso
jornalístico e o discurso literário são influenciados nas notícias.
por uma maior ou menor participação das relações entre um “eu” e um “tu”; em
segundo lugar, o discurso caracteriza-se por uma maior ou menor presença de
indicadores de situação; em terceiro lugar, tendo em vista sua pragmaticidade, o
discurso é necessariamente significativo na medida em que só se pode conceber sua
existência enquanto ligada a um processo pelo qual “eu” e “tu” se aproximam pelo
significado; e, finalmente, o discurso tem sua semanticidade garantida
situacionalmente, isto é, no processo de relação que se estabelece entre suas pessoas
(eu/tu) e as pessoas da situação, entre seus indicadores de tempo, lugar etc. e o
tempo, lugar etc. da própria situação (OSAKABE, 1979, p. 3).
Assim, essa influência sobre determinada pessoa está ligada ao discurso relatado,
presente também no discurso jornalístico, com o intuito de influenciar o público. Quanto ao
27
discurso jornalístico, ou discurso da notícia 9, este está relacionado ao fator real como uma
função ou
Segundo Caldas (1999), é preciso estar atento ao discurso utilizado pela mídia,
uma vez que ele sofre diversos processos para chegar à sociedade, com um determinado
objetivo a passar. Além disso, o discurso pode ser visto como “espaço do jogo estratégico e
polêmico”, que não pode ser analisado “simplesmente do ponto de vista linguístico, como
uma relação de dominação e de assujeitamento.” (FOUCAULT, apud CALDAS, 2002, p.
137).
Os jornais, as notícias, procedem por redundância, pelo fato de nos dizerem o que é
‘necessário’ pensar, reter, esperar etc. A linguagem não é informativa nem
comunicativa, não é comunicação de informação, mas – o que é bastante diferente –
transmissão de palavras de ordem, seja de um enunciado a um outro, seja no interior
de cada enunciado, uma vez que o enunciado realiza um ato e que o ato se realiza no
enunciado (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 16-17).
Gomes (2003) declara que os discursos, tanto pró/contra, têm estratégias comuns
com as quais pretendem eliminar outros métodos. Essa estratégia de exclusão ou oposição é
implicada tanto em discurso quanto em ideologia. E, conforme sinaliza Foucault (1996), eles
estão imbricados na relação com o poder.
Com relação ao Brasil e o discurso da violência, Gomes (2003) nos mostra que é
implantada uma visão enganosa de que o Brasil é um lugar não agressivo e com pessoas não
violentas.
9
Expressão usada por Teun A. van Dijk (1987), que, ao estudar o discurso da mídia, apresentou o termo discurso
da notícia com o qual quis dizer que os relatos de notícia são, na verdade, uma forma de narrativa pública, além
de serem diferentes das notícias convencionais ou das narrativas literárias, não representando as experiências
pessoais do autor/narrador.
28
Assim, Gomes (2003) nos questiona, ao dizer que mídia e palavras de ordem
teriam como objetivo operar como dispositivos disciplinares. Para ela, estamos sendo
educados para aceitar um fato como situação de fato, já que a educação proporciona uma
visão do mundo. O exercício pleno de uma cidadania, só é feito se existir compreensão clara
do papel da indústria cultural e do educador como agentes transformadores.
Sendo assim, o conteúdo abordado nas mídias deveria ter como prioridade a
disciplina de quem lhe assiste, já que o objetivo deveria ser a educação da sociedade, porém,
essa educação nada mais é do que uma possível alienação por parte da mídia. O discurso,
portanto, acaba assumindo dois papéis: um instrumento de poder e uma intervenção. Por isso,
“é preciso admitir um jogo complexo e instável em que o discurso pode ser ao mesmo tempo,
instrumento e feito de poder, e também obstáculo, escora, ponto de resistência e ponto de
partida de uma estratégia oposta.” (FOUCAULT, 1997, p. 96).
De acordo com Gomes (2003), a visibilidade nas mídias trata do espetáculo, que
está ligado à cena. Com isso, há sempre um “maquiamento” para que as pessoas entrem em
cena e convivam com o cenário que nos é imposto, algo que Foucault (1997) fundamenta. A
visibilidade na mídia está relacionada com as táticas de majoração.
Portanto, a mídia serve como um suporte para os governantes manifestarem a sua
vontade, tornando assim a sociedade reprimida, pois nos é mostrado aquilo que nos conforta,
baseado em uma comunicação que é mandada pelo poder. “[...] os circuitos da comunicação
são os suportes de apoio do poder; a totalidade do indivíduo não é amputada, reprimida,
alterada por nossa ordem social, mas o indivíduo é cuidadosamente fabricado, segundo uma
tática das forças e dos corpos.” (FOUCAULT, 1999, p. 179).
Já, nas observações de Gomes (2003), como anteriormente observado, devido à
visibilidade, a mídia assume o papel de disciplinar e controlar. A mídia disciplina pela
maneira do mostrar, pois enquanto a mídia mostra, ela controla ao mesmo tempo. Então,
vemos o papel da mídia na sociedade e suas consequências: ela acaba orientando a sociedade.
Assim, o que realmente acontece é nada mais que imposição por parte desta mídia, imposição
essa que usa de camuflagem para que as pessoas não percebam o que acontece ao seu redor.
Segundo Chauí (2006), existe uma obscuridade proposital no discurso da mídia,
para assim, fazer com que a sociedade se sinta informada, ao mesmo tempo em que a mantem
sob a ignorância dos fatos, uma vez que o cidadão acredita que tudo está nas mãos de
especialistas confiáveis, que lidam com problemas que os leigos não entendem.
29
Além disso, a imagem do Mal e a da vítima são dotadas de poder midiático: são
poderosas imagens de espetáculo para nossa indignação e compaixão, acalmando
nossa consciência. Precisamos das imagens da violência e do Mal para nos
considerarmos sujeitos éticos (CHAUÍ, 1999)10.
De acordo com Castro (1994), jornalismo e literatura são discursos que apesar dos
elementos comuns, mantêm técnicas diferenciadas. “A literatura pode ensinar algo ao
jornalismo, como a cuidar da forma, a escrever e reescrever, como a privilegiar a imaginação,
mas não demais: realidade é realidade, ficção é ficção.” (CASTRO, 1994, p. 14).
Para Olinto (1960), a diferença do jornalismo em relação a literatura está nas
diferentes técnicas utilizadas para narrar a mesma informação. O discurso literário tem como
principal característica a estética e poesia, mas sem descartar a função referencial, que por sua
vez está ligada ao discurso jornalístico. Apesar de possuírem bases de discursos diferentes,
ambos acabam interligados por transmitir informações objetivas e sem fazer avaliações, além
de informar fatos reais para o indivíduo.
10
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/dc_1_4.htm>. Último acesso: 08/06/2013.
30
Vicchiatti (2005) ressalta que para dar vida aos personagens e seus textos, é
preciso primeiramente entendê-los. Segundo o autor, existem casos comprovados em que a
emoção é recuperada por meio dos textos jornalísticos, utilizando recursos literários. Esses
recursos literários ligam pessoas ao discurso, espaços, datas, locais, tornando-os mais reais.
Um texto com toda a veracidade do caso e a subjetividade que o olhar pode carregar.
Já, segundo Resende (2002), o discurso literário é visto como ocupante dos
múltiplos discursos que se cruzam e se transformam. Refletir sobre o factual, para o autor, é
deixar sobressair uma dessas vozes que ecoam no universo literário (RESENDE, 2002). O
discurso literário acaba por sua vez, oferecendo uma visão importante do que está
acontecendo ao nosso redor, levando-nos a refletir sobre esses acontecimentos e garantir uma
ampla visão da realidade em que estamos vivendo. A diferença, porém, é que na literatura
essa realidade não é obrigatória, e se podem criar histórias, baseadas no real.
Assim, o escritor ou jornalista que aborda essas realidades estimulam uma
reflexão na sociedade. Para Vicchiatti (2005), com o avanço da tecnologia, os leitores
demandaram para os jornais de qualidade, informações e notícias diferenciadas, permitindo
uma leitura mais culta e complexa, fugindo dos textos rápidos criados nas redações.
11
“Violência vem do latim violentia, que significa violência, caráter violento ou bravio, força. O verbo violare
significa tratar com violência, profanar, transgredir. Tais termos devem ser referidos a “vis”, que quer dizer
força, vigor, mas também quantidade, abundância, essência ou caráter essencial de uma coisa.” (DIAS, 2008, p.
102).
32
abordagem feita pela mídia com relação à violência faz um uso frequente de determinadas
palavras como crise, surto, epidemia. Gomes (2003) ressalta que essas palavras direcionam o
público a entender que essa violência é uma exceção e que nosso país é bom e não violento,
descartando uma necessidade de aprofundamento no problema e em reflexões sobre os reais
causadores da violência.
A violência deve ser entendida como qualquer “ato físico, psíquico, moral ou
político pelo qual um sujeito é tratado como coisa ou objeto. A violência é a brutalidade que
transgrede o humano dos humanos e que, usando a força, viola a subjetividade (pessoal,
individual, social), reduzindo-a a condição de coisa.” (CHAUI, 2006, p. 123). Ainda segundo
a autora, para muitos, a violência é vista somente como chacina ou massacre, decorrentes de
crimes.
A violência estaria expressa nessa forma, porém, ela nos lembra que, violência é
tudo que age usando a força para ir contra a natureza de algo ou alguém, ou para manchar
algo considerado sagrado. É interessante pensarmos que, sob a perspectiva de Chauí (2006), a
mídia na violência pode ser vista como uma perda de julgamento para decidirmos sobre uma
imagem, uma ideia, um sentimento, ou discurso.
Logo, ao recebermos um determinado direcionamento de ideias imposto pela
mídia, estamos abdicando de uma formação de opinião própria, que também poderia ser
caracterizado como um ato violento dirigido à sociedade, ao lhe tirarem o direito de pensar
por si só. Assim, percebe-se que o conteúdo elaborado pela mídia está ligado diretamente à
escolha de temas violentos e que instigam a sociedade a pensar e agir como manda os meios
de comunicação.
Já, de acordo com Sodré (2002), o “grotesco” sofre mudanças ao longo dos
séculos, tornando-se um adjetivo do gosto generalizado, qualificando figuras da vida social
como discursos, roupas e comportamentos. O grotesco não é somente algo monstruoso ou
uma aberração, no contexto do espetáculo ou da literatura, ele pode ser visto como efeitos do
medo ou do riso nervoso, criando um estranhamento no mundo (SODRÉ, 2002). O autor é
apontado aqui, pois ele explica o aparecimento do grotesco na mídia, abordando o tema de
violência e sensacionalismo.
Quando se fala sobre esse tipo de discurso na mídia cita-se, por exemplo, as
reportagens com temas violentos como assassinatos e outros do gênero. Alguns dizem que
esse tipo de notícia é mostrado por ser essa a nossa realidade, enquanto outros asseguram que
os jornalistas têm consciência de que esses textos ou reportagens são produzidos para atingir
determinado objetivo e público.
O sensacionalismo está na manipulação da informação de modo incompleto ou
completo e na forma como essa informação é mostrada com exagero ou distorções ao público.
As notícias sensacionalistas acabam gerando audiência, mas também podem acarretar em
mais sensacionalismo dependendo da forma como são repercutidas. Segundo Chauí (2006)
essa concorrência acaba quebrando a regra do jornalismo onde se deve participar da formação
da opinião pública de modo claro e sensato.
De fato, a imprensa sensacionalista tem uma forma polêmica de abordar
determinadas notícias, principalmente quando se trata de violência. Essa linguagem no
jornalismo, construída baseada na violência, acaba sendo uma característica da realidade em
que vivemos. As notícias que os jornais julgam importantes para o público têm como função
despertar no leitor determinados pontos de interesse, encaminhando assim a sociedade para
uma determinada linha de raciocínio, já que nada é colocado por acaso na mídia, mostrando
assim, suas verdadeiras estratégias para a recepção da notícia.
Um exemplo disso foi Trumam Capote, que teve como inspiração para sua
investigação jornalística as notícias publicadas nos jornais sobre o assassinato da família
Clutter, em Kansas, Estados Unidos. Assim, vemos que as informações passadas pelos jornais
afetam e instigam a curiosidade dos leitores, que acabam fazendo parte desse sistema
midiático. O que muitas vezes deixamos passar, entretanto, é que a força expressiva do que é
dito, em certos discursos da comunicação, potencializa no jornalismo o registro
sensacionalista dos fatos.
Com isso, vem a banalização dos conteúdos de violência e até a exploração desse
cenário, onde a mídia faz questão de mostrar essa realidade de forma pitoresca, com o intuito
de conseguir audiência e público, que acabam sendo atraídos pela desgraça alheia e se
acostumando com essas cenas vistas diariamente. Diante disso, “a excrescência e o nojo são
conotados como o antídoto para a banalidade da existência humana.” (SODRÉ, 2002, p. 79).
34
Lima (1990) sugere uma relação entre violência e o jornalismo muito além de um
simples desvio de imprensa.
De tudo isso deveríamos depreender, como lição que a violência não é apenas um
desvio da imprensa, muito mais que isso, é uma tendência universal do jornalismo.
De qualquer aspecto que se considere o problema e qualquer que seja a natureza da
imprensa, as mais legítimas seduções a arrastaram para a invectiva, que está de
acordo com a psicologia popular e o jornal se faz para o povo e precisa por isso falar
a linguagem apropriada ao elemento a que se dirige (LIMA, 1990 p. 26).
12
Em junho de 2013, enquanto o Brasil sediava as Copas das Confederações, ocorreram várias manifestações
populares em todo o país, que reivindicavam uma pluralidade de demandas que iam desde a diminuição do preço
da passagem de ônibus até melhorias na educação e saúde.
35
interessar pelo que ocorre de violento no mundo, esse mesmo público se vê envolvido pela
notícia, esperando cada vez mais informações. A mídia, por sua vez, produz mais informações
espetacularizadas, com base em uma realidade muitas vezes distorcida pela própria imprensa.
Ou seja, é um círculo vicioso, onde notícia violenta e desejo de ver essa notícia são elementos
que se completam e se impulsionam num jogo de interesses entre imprensa e sociedade.
Para Sodré (2002), o texto jornalístico carrega o julgamento de valor até se
encontrar com o conhecimento, para então produzir um efeito de desvelamento grotesco da
realidade. No discurso mais popular, a violência não está só relacionada ao “crime”, mas
também a vários delitos que as classes populares sofrem, representados na mídia, que por sua
vez distorce os fatos para melhor se adequar à comunicação noticiosa. Os meios de
comunicação denunciam os fatos de violência diariamente, porém, os casos menos violentos
acabam sendo deixados de lado, pois não se podem abordar todos os casos de violência
ocorridos todos os dias, eles já fazem parte da sociedade.
O discurso da violência e o discurso da notícia estão atrelados, segundo Djik
(1987), revelando um processo de elaboração presente na sociedade, porém, mais direcionado
para determinadas pessoas, acostumadas a esse tipo de abordagem noticiosa, compreendendo
assim os fatos apresentados na mídia.
Segue-se então uma tendência a instigar o público com os dramas e violências
abordados na mídia. Fatos esses que compõe a vida das classes populares, logo, o crime em si
não interessa tanto quanto a curiosidade por detalhes banais referentes à vida dos envolvidos.
Nesse contexto noticioso, as imagens e palavras, juntas, são usadas para atrair a atenção do
leitor, que recebe com muita naturalidade os fatos.
Costa (2005) ressalta o modo como o jornalismo literário é abordado e o olhar da
sociedade e dos leitores sobre essa versão menos agressiva da violência na mídia é um
diferencial. E cabe ao jornalista buscar essa interação com a sociedade, por meio do seu
trabalho e técnica, podendo sim, informar uma notícia trágica ou violenta, sem enaltecer esse
lado. Segundo Sodré (2002), esse estilo se vê presente nas crônicas jornalísticas cujos textos
irão antecipar a abordagem da violência nas mídias de comunicação jornalística, estando
relacionado à “comunicação grotesca”.
Este estudo tem como objetivo analisar o discurso do livro A Sangue Frio, escrito
por Truman Capote, no qual foi publicado em 1965, pela revista The New Yorker.
Inicialmente em quatro partes, para só então, no ano seguinte, ser lançado no formato de livro,
denominado pelo próprio autor como romance de não-ficção.
A Sangue Frio é considerado um marco na relação entre jornalismo e literatura,
inaugurando o chamado New Journalism. A história se refere ao assassinato da família
Clutter, cometido por Perry Smith e Dick Hickcock, em Holcomb, Kansas, Estados Unidos.
Antes da análise, que tem como foco o discurso da violência, apresentamos breve
contextualização da obra e do autor, a construção do corpus da análise, a partir dos
personagens, espaço, foco narrativo, recursos de linguagem, estilo do autor e relação com a
verossimilhança; e a análise propriamente dita.
passou a procurar incansavelmente os criminosos, que só foram presos meses depois, devido
aos descuidos dos assassinos.
Truman Capote chegou a Holcomb um mês após o crime, depois de ter lido uma
pequena notícia sobre o caso no New York Times. Ele entrevistou familiares das vítimas e dos
assassinos, recolheu documentos oficiais, leu cartas e diários, observou a rotina dos
moradores e por fim, assistiu ao enforcamento dos criminosos, depois de cinco anos.
Capote passou mais de um ano na região, entrevistando os moradores e
investigando todas as circunstâncias do crime, a partir de conversas com os assassinos. Para
narrar essa história, ele não se limitou aos habitantes da pacata cidade, foi mais além ao
procurar os assassinos e até obter a amizade e confiança dos criminosos, e assim, conseguir o
relato do que aconteceu naquela noite. Ele foi ainda buscar, no passado de ambos, uma
explicação para tal violência.
Fez uso, portanto, de seu olhar investigativo, próprio de um bom jornalista.
Buscou informações desde a rotina da comunidade, os últimos momentos de vida das vítimas
e os relatos dos jovens assassinos até a cena do crime, julgamento e o corredor da morte. É
importante ressaltar que o autor em nenhum momento fez uso de gravador, caneta e bloco de
anotações – recursos usados pelos jornalistas convencionais, mas que para Capote, eram
dispensáveis, uma vez que era possível para ele descrever em detalhes o assassinato que
chocou a pequena cidade, usando somente sua “excelente memória”, como disse em
entrevista ao jornal The New Yorker, pois havia treinado com um amigo uma técnica de
prestar atenção a tudo que ouvia, gabando-se de conseguir guardar na memória cerca de 95%
de total precisão.
A técnica de anotações e gravação, segundo Capote, prejudica tanto na
observação do ambiente e dos personagens, quanto intimidam as fontes, que muitas vezes
deixam de fazer relatos importantes, perdendo assim, a naturalidade do momento. Ao
“conversar” com uma fonte e não entrevistá-la, o jornalista está mais atento ao que ela lhe diz
e se de fato aquilo é verdade, já que alguns entrevistados acabam ficando mais reservados
com relação ao que irão dizer, perdendo-se assim, boas informações.
De acordo com a introdução do livro A Sangue Frio, Truman Streckfus Persons
nasceu em Nova Orleans, em 1924. Seus pais se divorciaram quando ele tinha apenas quatro
anos, logo, foi mandado para Monroeville, no Alabama, onde cresceu com seus parentes
maternos. Sendo uma criança solitária e criada rigorosamente, Capote aprendeu sozinho a ler
e escrever antes de entrar na primeira série. Aos onze anos, adotava por conta própria o
sobrenome do padrasto, Joseph Garcia Capote.
39
Como consta em seu livro A Sangue Frio, de 1941 a 1944, trabalhou como office-
boy na editoria de arte da The New Yorker, onde chegaria a trabalhar como escritor. Em 1945,
publicou dois contos: na revista Mademoiselle e outro na revista Harper’s Bazaar. Aos 24
nos, Capote era descrito como baixo, voz suave e irônica. Publicou em 1949, a coletânea de
seus contos góticos, A tree of night e em 1951, um romance, A harpa de erva, que virou uma
peça. Mas, seria em 1958, que ele chegaria ao sucesso publicando uma noveleta intitulada de
Breakfast at Tiffany’s, que três anos mais tarde, viraria filme com a estrela Audrey Hepburn, e
que no Brasil ganhou o nome de Bonequinha de Luxo13.
Em 1959, ao folhear o The New Yorker, com seu olhar jornalístico, leu sobre um
assassinato brutalmente cometido na cidade de Holcomb, Kansas e segundo seu próprio
relato, pensou que isso poderia dar um excelente livro sobre crime e sobre um estado que
desconhecia. Partia então, para Holcomb, com sua amiga e escritora Harper Lee, atrás de mais
informações. Nessa época, os assassinos ainda eram desconhecidos, assim como a causa do
crime.
Truman Capote batizou seu livro A Sangue Frio, como um “romance não-ficção”,
já que como o próprio autor relata no livro, o jornalismo era uma fotografia literária e ele
ambicionava um novo gênero, que ele dizia ser preciso mais que “bater à máquina”, e sair às
ruas, procurando informações e interagindo com as fontes. A Sangue Frio foi lançado em
1966, virando um estrondoso sucesso de crítica e vendas, levando o autor ao ápice de seu
reconhecimento e notoriedade.
Um dia, comecei a escrever, sem saber que me acorrentara por toda vida a um
senhor nobre, porém implacável. Quando Deus lhe dá um dom, ele também lhe dá
um chicote; e o chicote se destina apenas à auto-flagelação [...] Estou aqui sozinho
na escuridão de minha loucura, sozinho com meu baralho – e, é claro, o chicote que
Deus me deu (CAPOTE, 1965, p. 12).
Faleceu em 1984, na Califórnia, deixando um legado literário que até hoje fascina
e inspira muitos autores e jornalistas, sendo considerado por muitos o pai do New Journalism.
O New Journalism apareceu durante a década de 1960, nos Estados Unidos, sendo
uma alternativa ao jornalismo mais padronizado das redações, que estava presente na
13
Holly Golightly é uma garota de programa nova-iorquina que está decidida a casar-se com um milionário.
Perdida entre a inocência, ambição e futilidade, ela toma seus cafés da manhã em frente à famosa joalheria
Tiffany`s, na intenção de fugir dos problemas. Seus planos mudam quando conhece Paul Varjak, um jovem
escritor bancado pela amante que se torna seu vizinho, com quem se envolve. Apesar do interesse em Paul, Holly
reluta em se entregar a um amor que contraria seus objetivos de tornar-se rica.
40
imprensa americana. Logo, a reportagem passava a ser mais que uma simples notícia, para se
transformar em um texto literário, que, a partir da vivência do jornalista, relatava os
acontecimentos desde suas origens, ao desfecho.
A vida e o mundo não se cansam de mostrar que não cabem em, nem suportam, uma
pirâmide invertida. Inútil arrochar o cinto do presente imediato para tentar fazê-lo
entrar, aos tapas e empurrões, na cela forte do pensamento monocausal redutor e
determinista, das técnicas e vícios que desse pensamento emergem e nele se
sustentam. Pessoas, fatos e situações não se deixam reproduzir simbolicamente nos
estreitos limites da certeza que pretende se revestir um conceito (DIMAS, 2000, p.
17).
14
Gay Talese, nasceu em 07 de fevereiro de 1932. É um escritor norte-americano, que tem como obras perfis
que entraram para a história do jornalismo, como os do cantor Frank Sinatra, o jogador de baseball Joe
DiMaggio e os boxeadores Floyd Patterson e Joe Louis. Foi o convidado de honra da Festa Literária
Internacional de Paraty em 2009.
15
Thomas Kennerly Wolfe, mais conhecido como Tom Wolfe, nasceu em 02 de Março de 1931. É
um jornalista e escritor norte-americano, conhecido por seu estilo marcadamente irônico. Nos EUA, é
considerado um dos fundadores do new journalism, um dos mais notáveis exemplos dessa idéia é The Electic
Kool-Aid Acid Test, escrito por Wolfe.
41
o texto a interpretar não precisa ser extraordinário; pode-se então analisar não
importa qual corpus: da conversação ordinária ao texto religioso, passando pelos
jornais. Mesmo quando o texto se pretende extraordinário, é considerado ordinário
(MAINGUENEAU, 2010, p. 70).
Tempo...
Até uma certa manhã de meados de novembro de 1959, poucos americanos – e bem
poucos habitantes do Kansas, na verdade – jamais tinham ouvido falar de Holcomb
[...] Nas primeiras horas daquela madrugada de novembro, porém, sons nada
costumeiros sobrepuseram-se aos ruídos noturnos normais de Holcomb [...]
(CAPOTE, 1965, p. 23-24).
Nota-se que o autor fez uso tanto de personagens esféricos, como foi usado para
descrever Perry, um dos assassinos, quanto planos, como é o caso de alguns habitantes da
cidade de Kansas, que foram citados, superficialmente, para falar sobre o ponto de vista de
algumas pessoas, utilizando assim, descrições sobre as mudanças que eles sofreram ao longo
dos anos, tanto psicológicas, quanto físicas.
Entende-se por personagens esféricos, personagens que são aprofundados, tanto
fisicamente, quanto psicologicamente e personagens planos, os que os que são descritos de
forma superficial, destacando-se apenas traços comuns dentro da sociedade, como o autor
aborda no livro, ao falar de alguns membros da cidade.
É possível notar também, que Capote elegeu um dos criminosos para ser seu
protagonista, tornando-o um personagem importante e levando o leitor a se interessar pelo que
o autor tem a contar sobre o assassino e seu passado. Essa escolha é notada em diversas
passagens do livro, principalmente no segundo capítulo, o qual Capote dedicou especialmente
para relatar a vida de Perry, da infância até o momento em que ele se torna um criminoso.
Muitas críticas foram feitas na época do lançamento do livro quanto à ética dessa
pesquisa, uma vez que o autor teria se envolvido intimamente com Perry, segundo pessoas
próximas aos dois. Esse fato, porém, é questionável, uma vez que o próprio Capote relata no
livro conversas e histórias em que o assassino era homofóbico devido a traumas do passado.
Além disso, o criminoso fala sobre a relação com um grande amigo que era homossexual, no
qual muitos dizem ser o próprio Capote.
Essa seria talvez, uma das grandes diferenças entre o jornalismo padrão para o
jornalismo literário: o envolvimento com a fonte. Para ser feito um jornalismo mais
humanizado, é necessário essa proximidade com as fontes e uma ligação que faz o jornalista
sentir e entender melhor os fatos. Não se trata de perder por completo certo distanciamento
entre quem narra e quem é a história, mas o jornalista de redação não tem tempo nem
oportunidade para se envolver da mesma forma com os entrevistados. Afinal, ele precisa
produzir diversas matérias ao longo do dia e isso impossibilita o profissional de estabelecer
uma proximidade que gere de fato a confiança mútua do jornalista e sua fonte.
Capote descreve as pessoas da cidade para que assim possa situar o leitor sobre a
vida que aquelas pessoas levavam no lugar, logo, podemos também ter uma noção do porquê
de elas se chocarem tanto com o crime. Como observamos na citação seguinte: “Ao lado da
estação do trem, uma mulher magra de calças jeans, botas de caubói e jaqueta de couro cru
comanda uma agência dos Correios caindo aos pedaços.” (p. 22).
Logo, ao detalhar a aparência física e seus comportamentos, Capote passa ao
leitor como a vida de qualquer pessoa pode ser interrompida, como mostra o trecho em
seguida, de um pai de família saudável, que levava sua vida pacificamente.
[...] O proprietário da fazenda River Valley, Herbert William Clutter, tinha 48 anos
de idade e, graças aos resultados de exames médicos que fizera recentemente para
um seguro de vida, sabia estar em perfeitas condições de saúde (p. 24) [...] Sempre
seguro do que queria da vida, o sr. Clutter conseguira praticamente tudo o que
desejava. Em sua mão esquerda, no que lhe restava de um dedo esmagado por um
equipamento agrícola, usava uma aliança de ouro, que simbolizava, havia um quarto
de século, seu casamento com uma mulher que tinha escolhido – a irmã de uma
colega da faculdade, uma moça tímida, religiosa e delicada chamada Bonnie Fox,
três anos mais jovem do que ele [...] (p. 25).
No que dizia respeito à sua família, o sr. Clutter só tinha um motivo sério de
preocupação – a saúde da mulher. Ela tinha “problemas nervosos”, sofria “pequenas
crises” – de acordo com as expressões delicadas usadas pelos que lhe eram
próximos. Não que a verdade acerca dos “problemas da pobre Bonnie” fosse
mantida em segredo; todos sabiam que volta e meia ela vinha consultando
psiquiatras nos últimos seis anos (p. 25-26).
44
[...] porque aquele jovem era um incansável planejador de viagens, algumas das
quais tinha efetivamente chegado a fazer [...]. Agora, graças a uma carta, a um
convite para participar de uma “jogada”, ali estava ele com tudo o que possuía no
mundo: uma mala de papelão, um violão e duas caixas grandes cheias de livros,
mapas, canções, poemas e antigas cartas, num peso de 250 quilos (p. 35).
Essa descrição também feita sobre o físico dele mostrava não somente a
impressão que ele causava nos demais, mas também possibilitava ao leitor se sensibilizar com
seu estado.
[...] Sentado, dava a impressão de ser um homem forte, maior que o normal, com os
ombros, os braços e o tronco largos e modelados de halterofilista – e o seu hobby era
de fato o levantamento de peso. Mas algumas partes de seu corpo não estavam em
proporção com as demais. Seus pés pequenos, enfiados em botinas pretas com
fivelas de metal, poderiam caber nas delicadas sapatilhas de uma bailarina; quando
se pôs de pé, revelou que sua altura não era maior que a de um menino de doze anos,
e agora, atarracado sobre as pernas tortas que pareciam grotescas de tão inadequadas
para o tronco crescido que sustentavam, não lembrava mais um corpulento motorista
de caminhão e sim um jóquei aposentado, desenvolvido além da conta e cheio de
músculos (p. 36-37).
De acordo com Chauí (2006) se prestarmos atenção nas matérias dos jornais, os
criminosos são sempre descritos de forma negativa, mas sua semelhança com pessoas de bem
nunca são mostradas, ou para não ofender alguém, ou para se ganhar mais audiência, uma vez
que se cria um monstro e o joga na sociedade, para que ela o julgue, abstendo-se de seus
próprios defeitos. Certamente, este aspecto seja um dos motivos que causou estranhamento
entre a sociedade e o A Sangue Frio.
É interessante também, observar como Capote notava alguns detalhes do
comportamento de Perry, ao descrever suas ações e o propósito por trás delas, traçando assim
um perfil dele.
Perry era fascinado pelo próprio rosto. Cada ângulo produzia uma impressão
diferente. Seu rosto era mutável, e experiências conduzidas diante do espelho lhe
haviam ensinado a controlar aquelas mudanças de expressão a adquirir uma
aparência assustadora, depois maliciosa e depois nobre; bastava uma inclinação da
cabeça, uma torção dos lábios, para o cigano perverso transforma-se num romântico
inofensivo (p. 37).
45
[...] Parecia que o sangue índio tinha anulado qualquer vestígio da origem céltica.
Ainda assim, a ascendência era confirmada pelos lábios rosados e pelo nariz
atrevido, além de um cero ânimo velhaco, um petulante egoísmo irlandês, que
muitas vezes se percebia por trás da máscara cherokee e assumia totalmente o
controle quando ele pegava o violão e cantava. Cantar, e cultivar o projeto de um dia
fazê-lo diante de uma plateia, era outra maneira hipnótica de ir passando as horas.
Perry sempre usava o mesmo cenário imaginário – uma boate em Las Vegas, por
acaso sua cidade natal. Era uma sala elegante, repleta de celebridades animadas e
atentas à sensacional versão que o novo astro criara para “I’ll be seeing you”, com
acompanhamento de violinos, e depois à última balada que ele próprio compusera”
(p. 37-38).
Mesmo assim, seu devaneio com o sucesso em Las Vegas, por mais agradável que
fosse, não se comparava a outra de suas visões. Desde a infância, por mais da
metade de seus 31 anos, Perry vinha pedindo o envio de folhetos [...] e respondendo
aos anúncios [...] que despertassem o desejo de uma aventura que sua imaginação
logo lhe permitia repetir vezes sem conta: o sonho de descer ao fundo de águas
desconhecidas, de mergulhar cada vez mais nas profundezas verdes e sombrias,
passando diante dos olhos selvagens dos peixes guardiães de um casco de navio que
o esperava mais adiante, um galeão espanhol – com sua carga submersa de
diamantes e pérolas, arcas e mais arcas repletas de ouro (p. 38-39).
Por mais que Capote mostrasse certa preferência por Perry, era impossível não
descrever Dick, o outro assassino, que como dito pelo autor, era bem menos educado que
Perry. Além de ser um típico pervertido, como o próprio autor cita em diversos trechos do
livro, dando a impressão que ele lhe causou e a dos relatos de Perry e a de outros com quem o
criminoso teve contanto. Embora carregasse um humor e aceitação ao ser tantas vezes
ensinado e corrigido por seu parceiro de crime mais culto, porém, como o autor mesmo
ressalta, Dick era muito inteligente e até mesmo um exame de QI na prisão revelou 130
pontos, onde a média era de 90 a 110.
Duas vezes casado, duas vezes divorciado, agora com 28 anos e pai de três meninos,
Dick conseguira a condicional contando que ficasse morando com os pais; a família,
que incluía ainda um irmão mais novo, vivia numa pequena propriedade rural perto
de Olathe (p. 47).
46
Essa descrição que Capote faz de ambos os assassinos, serve também como
comparação entre eles, uma vez que o autor deixa claro suas impressões sobre a personalidade
de cada um.
Mas nem o físico de Dick nem a galeria de desenhos que o adornava causavam uma
impressão tão notável quanto o seu rosto, que parecia composto por duas partes
desencontradas. Era como se a cabeça tivesse sido cortada ao meio como uma maçã,
e depois remontada um pouco fora do alinhamento. [...] um acidente que entortara
seu rosto estreito e de queixo comprido, fazendo com que o lado esquerdo ficasse
um pouco mais baixo que o direito, o que por sua vez tinha deixado os lábios um
pouco enviesados, o nariz torto e seus olhos não só desnivelados como com
tamanhos díspares, o olho esquerdo francamente viperino, com uma expressão
franzina e venenosa, e uma cor azul doentia que, embora involuntariamente
adquirida, parecia ainda assim anunciar o sedimento amargo que havia no fundo de
sua natureza. Mas Perry lhe dissera: “O olho não tem importância. Porque o seu
sorriso é uma beleza. É um desses sorrisos que realmente funcionam”. E era verdade
(p. 55-56).
Assim, notamos que mesmo tendo uma vida difícil, as marcas deixadas em ambos
tiveram consequências diferentes. Dick, mesmo com ferimentos, ainda teve uma vida mais
normalizada, com esposa e filhos. Já em Perry, as marcas de seu acidente o impossibilitaram
de ter uma convivência comum com outras pessoas, uma vez que ele mesmo tinha vergonha
do corpo e se mantinha afastado das pessoas por isso.
Perry também sofrera um acidente grave, e seus ferimentos, produzidos por uma
queda de motocicleta, tinham sido mais graves que os de Dick; passara meio ano
num hospital no estado de Washington e mais seis meses andando de muletas, e
embora o acidente tivesse ocorrido em 1952, suas pernas grossas e semelhantes às
de um anão, quebradas em cinco lugares e cobertas de cicatrizes, ainda lhe causavam
dores tão fortes que ele ficara viciado em aspirina. Ostentava menos tatuagens que
seu companheiro, mas as suas eram mais sofisticadas – não a obra auto-infligida de
algum amador, mas produtos superiores da arte praticada pelos mestres de Honolulu
e Yokohama (p. 56-57).
Em muitas passagens, é possível para alguns, ter uma noção dos homens que
Perry e Dick poderiam ter sido, caso tivessem uma vida diferente. Presente em determinadas
falas ou gestos dos dois, ou para outras pessoas, a visão “correta” seria a de que eles
simplesmente já haviam nascido com um mau caráter e que a sociedade em nada tem culpa, se
o instinto já estava nos dois.
[...] quando ele tinha sete anos, uma criança mestiça detestada e cheia de ódio que
vivia em num orfanato da Califórnia dirigido por freiras – disciplinadoras de hábito
que o açoitavam por fazer xixi na cama. Foi depois de uma dessas surras, uma que
ele jamais conseguiu esquecer (“Ela me acordou. Estava com uma lanterna, e bateu
em mim com ela. E quando a lanterna quebrou, continuou a me bater no escuro”)
[...] (p. 127).
47
Em uma conversa com sua irmã, é possível notar o ressentimento de Perry quanto
à educação e às chances que lhe foram negadas e a consequência disso. É interessante como
Capote frisa determinadas palavras para mostrar todo o desespero e rancor de Perry.
Por favor, Bobo. Por favor, escute. Você acha que eu gosto de mim? Ah, o homem
que eu podia ter sido! Mas aquele desgraçado não me deu a menor chance. Não me
deixava ir à escola. Eu sei, eu sei, eu me comportei bem mal. Mas houve um
momento supliquei para ir à escola. Eu sou muito inteligente. Se te interessa saber.
Sou brilhante e muito talentoso. Mas ignorante, porque ele não queria que eu
aprendesse nada, só a trabalhar para ele. Burro. Analfabeto. Era assim que ele queria
que eu fosse. Para eu nunca poder fugir dele. Mas você, Bobo. Você foi para a
escola. Você, Jimmy e Fern. Todos vocês se instruíram. Todos, menos eu. E eu
detesto vocês, todos – Papai e todo mundo (p. 233).
Por sua vez, o autor também relata a personalidade doce e altruísta de Nancy, uma
das vítimas e que possivelmente a mais sentida por muitos.
[...] Nancy era uma bela moça, magra e ágil como um menino, e as coisas mais
bonitas que tinha eram seu reluzente cabelo castanho aparado curto ( escovado cem
vezes toda manhã e mais cem à noite) e sua pele lustrosa, ainda um pouco sardenta e
bronzeada pelo sol do verão passado. Mas eram seus olhos, muito afastados,
castanhos e translúcidos como um copo de cerveja escura levantado contra a luz, que
a tornavam adorável de imediato, que anunciavam desde o início sua falta de
malícia, sua gentileza ponderada mas ainda assim tão fácil de despertar (p. 41-42).
Outra personagem que acabou tendo bastante destaque no livro, devido ao final
polêmico que o autor escreveu e que será falado mais adiante, é a melhor amiga de Nancy,
Susan Kidwell, que também é descrita pelo autor.
[...] Assim que chegara a Holcomb, uma criança melancólica e imaginativa, volúvel,
frágil e sensível, então com oito anos, um a menos do que Nancy, os Clutter a
48
haviam adotado com tamanho ardor que aquela pequena californiana sem pai em
pouco tempo passou a ser considerada membro da família. Por sete anos as duas
tinham sido amigas inseparáveis, cada uma delas, em virtude da escassez de
sensibilidades semelhantes e em mesmo grau, insubstituível para a outra (p. 43-44).
Notando assim, que em todas as passagens do livro, o autor foi criando ligações
entre os acontecimentos e preparando o leitor para o desfecho, com diversos detalhes ao longo
dos capítulos.
Espaço...
A cidade de Holcomb fica nas planícies do oeste do Kansas, lá onde cresce o trigo,
uma área isolada que mesmo os demais habitantes do Kansas consideram distante. A
uns 110 quilômetros da divisa entre o Kansas e o Colorado, a paisagem, com seu céu
muito azul e o límpido ar do deserto, tem uma aparência que está mais para o Velho
Oeste do que para a do Meio-Oeste (p. 21).
Como foi abordado por Sodré (2002), é possível notar, logo nesse começo da
descrição do autor, a preparação que ele fez para contar a vida das vítimas, algo dispensável
no jornalismo de redação.
Foco Narrativo...
O foco narrativo está baseado diretamente no olhar do autor e seu ponto de vista.
Uma vez que no jornalismo a imparcialidade faz-se obrigatória e é necessária uma narrativa
em 3º pessoa, no jornalismo literário já é possível haver essa variação entre 1ª e 3ª pessoas,
assim, nota-se quando o autor interfere ou influencia no texto, com comentários ou ironias.
Esse foco narrativo também se faz presente quanto às atitudes do autor na sua
narração e o que ele de fato quer passar para o texto. No caso de Capote, o autor optou por
manter-se discreto quanto ao seu ponto de vista, mesmo que ele estivesse presente no rumo de
sua obra, mas ainda assim, fez apenas com o papel de um observador que somente colhia
detalhes para serem revelados mais tarde.
Durante a leitura, o leitor coloca-se na pele tanto das vítimas, quanto dos
assassinos, familiares, policiais e da sociedade ali afetada, mas em nenhum momento o autor
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contou a história sob sua própria pessoa, ou comentou que fez parte de muitas cenas relatadas
no livro.
Em determinados trechos, o autor faz um gancho entre as conversas do dia do
assassinato em cima de algumas palavras, tendo essas passagens sido colocadas
propositalmente, a fim de que para o leitor, que sabe o que acontecerá com as vítimas, sinta
empatia e tenha suas emoções despertadas, deixando um ar triste, ao ver a rotina de uma
família e os planos para o futuro serem interrompidos. Isso é possível notar na citação
seguinte: “[...] E depois, tocando a aba de seu boné, tomou a direção de casa e do trabalho
daquele dia, sem saber que seria o último de sua vida.” (p. 34).
A forma como o autor casa determinados trechos e prepara o leitor para as
próximas cenas é o que mais tem de marcante em sua escrita, uma vez que ele cria todo um
cenário melancólico e sentimental.
Embora assinasse vários periódicos [...], nenhum deles se encontrava em sua mesa-
de-cabeceira – só uma Bíblia. Havia um marcador entre suas páginas, um pedaço
endurecido de seda desbotada em que fora bordada uma advertência: “Prestai
atenção, observai e rezai: pois não sabeis quando chega a hora” (p. 55).
[...] comentando uma das características do sr. Clutter que era reconhecida por
todos: uma destemida segurança de si que o destacava, e que ao mesmo tempo que
impunha respeito também limitava um pouco a afeição dos outros. “Não consigo
imaginar você com medo. Aconteça o que acontecer, você sempre há de dar um jeito
de sair da situação só na conversa” (p. 62).
O sr. Helm pegou a pá. Os corvos crocitavam, o crepúsculo estava próximo, mas sua
casa não; a aléia de olmos chineses se transformara num túnel verde-escuro, e ele
morava no final dela, a quase um quilômetro de distância. “Boa noite”, disse ele, e
começou sua jornada. Mas olhou para trás uma vez. “E foi”, testemunharia ele no
dia seguinte, “a última vez que vi os dois. Nancy levando a velha babe para o
celeiro. Como eu disse, nada fora do comum.” (p. 68).
Essas passagens são citadas propositadamente pelo autor, para que assim se crie
um clima de pesar, preparando e lembrando o leitor a todo o tempo sobre o que irá acontecer.
50
Estilo do autor...
Aqui a abordagem está no olhar e cuidado que Capote teve durante todos os anos
de sua pesquisa, para colocar vários detalhes, marcando o leitor e levando o suspense até o
final da narração. Esses trechos mostram as peças que o autor encaixou e a evolução da
história, quando o leitor vai descobrindo o que de fato aconteceu naquela trágica noite.
Mesmo sendo acusado de pender para o lado dos assassinos, Capote demostrou
fazer uma descrição justa e não poupou ao relatar as cenas da morte dos Clutters e o horror e
choque das pessoas que os encontraram, sendo impossível ao leitor não se sentir angustiado e
tocado com certos detalhes.
Era uma cena horrível. Aquela moça maravilhosa – mas não dava nem pra
reconhecer. Tinha levado um tiro de espingarda na nuca, a uma distância de uns
cinco centímetros. Estava deitada de lado, de frente para a parede, e a parede ficara
coberta de sangue. As cobertas estavam puxadas até os ombros. O xerife Robinson
desceu-as, e vimos que ela vestia um roupão de banho, um pijama, meia soquete e
chinelos – como se, na hora em que tudo aquilo aconteceu, ainda não tivesse ido
para a cama. Suas mãos estavam amarradas atrás das costas, e os tornozelos atados
com o tipo de cordão usado para abrir e fechar venezianas. O xerife perguntou: “É
essa a Nancy?” – ele nunca tinha visto a moça. E eu respondi: “É, é Nancy” (p. 93).
Então seguimos até o final do corredor, a última porta, e lá, na cama dela,
encontramos a senhora Clutter. Também tinha sido amarrada. Mas de maneira
diferente – com as mãos à frente do corpo, de maneira que parecia estar rezando – e
numa das mãos estava segurando, agarrando, um lenço. [...] Sua boca tinha sido
fechada com fita adesiva, mas ela tinha levado um tiro à queima-roupa, no lado da
cabeça, e o disparo – o impacto – tinha arrancado a fita. Os olhos estavam abertos.
Bem abertos. Como se ainda estivesse olhando para os assassinos. Porque ela deve
ter visto quando ele se aproximou e apontou a arma. Ninguém disse nada.
Estávamos perplexos demais (p. 94).
A informação terrível, anunciada dos púlpitos das igrejas, distribuída pelos fios
telefônicos, divulgada pela estação de rádio de Garden City, a KIUL (“Uma
tragédia, inacreditável e muito mais chocante do que as palavras conseguem
exprimir, atingiu quatro membros da família de Herb Clutter no fim da noite de
sábado ou no início do dia de hoje. A morte, brutal e sem motivo aparente...”) (p.
102).
A exploração da mídia em cima do caso se deve também, pelo fato desse tipo de
crime nunca ter ocorrido antes e aparentemente sem nenhum motivo, o que só causou
indignação por parte de todos. Nesse trecho, podemos notar um exemplo: “O caso, que
chegou às manchetes até de Chicago, a leste, e de Denver, a oeste, tinha de fato atraído para
Garden City uma quantidade considerável de jornalistas” (p. 112).
Vale ressaltar que mesmo Capote não se mencionando em nenhum momento, há
certas cenas em que o próprio estava presente, não sendo apenas relatos ou entrevistas, mas
sua própria experiência no caso, que o dava margem para falar sobre o que viu e a reação dos
que estavam envolvidos.
O Capitão Murray observou: “Acho que o clima aqui não é exatamente esse”. (p.
309).
[...] Mas quando a multidão viu os assassinos, com sua escolta de policiais
rodoviários de casaco azul, ficou em silêncio, como se espantada de constar que os
dois tinham forma humana. Os homens algemados, com o rosto pálido e piscando
cegamente, apareciam em clarões à luz de flashes e refletores. Os cinegrafistas,
perseguindo os prisioneiros e os policiais para dentro do tribunal e pelos três andares
que subiram de escada, fotografaram a porta da cadeia do condado fechando à sua
frente (p. 310).
Agora era verdade – estavam a caminho – a caminho, e nunca mais iam voltar – sem
arrependimentos, pelo menos no que lhe dizia respeito, porque não deixava nada
para trás e ninguém que pudesse se perguntar onde ele tinha desaparecido. O mesmo
já não se podia dizer de Dick. Havia as pessoas que ele garantia amar: seus três
filhos, sua mãe, seu pai, o irmão – pessoas a quem ele não se atrevera a revelar seus
planos ou dizer adeus, embora julgasse que nunca mais tornaria a vê-las – não nesta
vida (p. 143).
Já a terceira parte, com o título Resposta, Capote abordaria o real motivo dos
assassinos terem ido até essa pequena cidade do Kansas, para matar toda uma família, que
eles nem ao menos conheciam. Esse começo vem com um relato de Floyd Wells, um ex-
53
empregado dos Clutter, que havia comentado com Dick, seu parceiro de prisão, sobre o
senhor Clutter, despertando o interesse do parceiro sobre o possível dinheiro no cofre que
estaria na fazenda.
Não me lembro exatamente da primeira vez que falei do senhor Clutter. Deve ter
sido numa conversa sobre emprego, sobre os vários trabalhos que tínhamos feito.
[...] contei a ele como tinha trabalhado um ano numa imensa plantação de trigo no
oeste do Kansas. Ele quis saber se o senhor Clutter era rico. Era, eu disse. Era, sim.
E contei que o senhor Clutter uma vez me disse que já tinha desembolsado 10 mil
dólares em uma semana. Quer dizer, que às vezes tinha de gastar 10 mil dólares por
semana para tocar os negócios dele. Depois disso Dick nunca mais parou de me
perguntar sobre a família. [...] Daí Dick começou a dizer que ia matar o senhor
Clutter. [...] Mas, com toda honestidade, não posso dizer que eu tenha tentado
convencê-lo a mudar de ideia. Porque eu jamais acreditei, nem por um minuto, que
ele tivesse mesmo a intenção de fazer isso. Achei que era conversa fiada. [...] Foi
por isso que, quando ouvi o que eu ouvi no rádio – mal pude acreditar. Ainda assim,
aconteceu. Exatamente do jeito que Dick dizia (p. 204-205).
Fiquei com medo, mas me lembrei do senhor Clutter, que ele nunca tinha me feito
mal nenhum, de como no Natal ele tinha me dado uma bolsinha com uma nota de
cinquenta dólares dentro. E falei com o subdiretor. Depois contei para o diretor
também. E enquanto ainda estava sentado lá, no gabinete do diretor Hand, ele pegou
o telefone (p. 207).
Em seguida, Capote detalha como foi fácil para a polícia localizar os criminosos,
indo na casa de Dick e descobrindo pelas datas e encontrando a arma do crime, que eles eram
de fato os assassinos. Logo após, o autor, que tinha ouvido do próprio assassino a versão do
crime, conta em detalhes a confissão de Perry ao detetive Dewey e a reação do policial ao,
finalmente, ouvir como tudo tinha sido planejado.
Por ter ficado com os diários pessoais de Perry, o autor conseguiu entrar de fato
na cabeça do assassino, resgatando conversas e pensamentos que até então somente o
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criminoso sabia, mas que por algum motivo Capote se negava a deixar que certos detalhes
morressem com Perry, mesmo que se mostrasse frio por diversas vezes, também era solitário
e não tinha ninguém em quem confiar.
[...] Se eu me sinto arrependido? Se é isso que você quer saber – não. Não sinto
nada. Bem que eu queria. Mas nada daquilo me incomoda nem um pouco. Meia hora
depois que acabou – Dick já estava fazendo piadas e eu já estava rindo delas. Talvez
nem eu nem ele sejamos humanos. Sou humano o bastante para sentir pena de mim
mesmo. Pena de não poder também sair andando daqui quando você for embora.
Más é só. [...] Soldados não perdem o sono. Matam gente e ganham medalha por
matar. Os bons habitantes do Kansas querem me matar – e algum carrasco vai ficar
bem satisfeito de ser encarregado da tarefa. Matar é fácil – muito mais fácil do que
passar um cheque sem fundos. Lembre-se: eu só tinha conhecido os Clutter mais ou
menos uma hora antes. Se eu conhecesse aquelas pessoas de verdade, acho que o
meu sentimento seria outro, e talvez eu não conseguisse viver em paz comigo
mesmo (p. 359).
[...] os condenados foram levados embora. Quando chegaram à porta, Smith disse a
Hickock: “Esses não tiveram coração acovardados!”. Os dois riram alto, e um
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Após irem para o corredor da morte, entre apelações, anos se passaram. Outros
presos que estavam no mesmo corredor com a dupla e que acabaram se tornando amigos
foram para a forca e ao ser perguntado sobre seu fim, Dick relatou suas esperanças de um dia
sair da prisão, mesmo no corredor da morte, ele acreditava até o último segundo que iria
escapar.
O que posso dizer sobre a pena de morte? Não sou contra. Não passa de vingança,
mas eu não vejo problema nenhum na vingança. É uma coisa muito importante. [...]
As pessoas escrevem essas cartas para os jornais. Saíram duas num jornal de Topeka
outro dia – uma delas de um pastor. Perguntando que farsa legal é essas, por que
esses filhos-da-puta Smith e Hickock ainda não foram pendurados pelo pescoço, por
que esses assassinos filhos-da-puta ainda estão comendo às custas do dinheiro dos
contribuintes? Bem, eu entendo o lado deles. Estão danados porque ainda não
conseguiram o que querem – vingança. E não vão conseguir, se depender de mim.
Eu acredito na forca. Contanto que não seja eu o enforcado (p. 413-414).
Logo após, Capote faz um contraste das esperanças de Dick, com o que de fato
viria a acontecer.
Em março de 1965, quando já fazia quase 2 mil dias que Smith e Hickock estavam
confinados no Corredor da Morte, a Suprema Corte do Kansas decidiu que suas
vidas deveriam ter um fim entre meia noite e duas da manhã de quarta-feira 14 de
abril de 1965. Em seguida, um pedido de clemência foi apresentado ao governador
recém-eleito do Kansas, William Avery, mas Avery, um rico proprietário rural
sensível à opinião pública, recusou-se a interferir – uma decisão que julgava atender
ao “mais alto interesse do povo de Kansas”. (Dois meses mais tarde, Avery negou o
pedido de clemência também para York e Latham, que também foram enforcados
em 22 de junho de 1965.) (p. 415).
Encerrando esse longo drama cuja leitura deixa notória até as últimas páginas, a
literatura e o jornalismo juntos, sendo contados de uma forma que só o jornalismo literário
torna possível.
nossas mãos várias notícias e seguir adiante, ele tem o intuito de resgatar toda a trajetória das
pessoas envolvidas no caso, de contar os fatores que levaram aquele fato a acontecer.
Foi o caso do livro A Sangue Frio, que mesmo com um título que remete a um
crime brutal, o autor teve o interesse e foi até o fim com uma obstinação incrível para saber
sobre a vida das vítimas e dos assassinos, dos habitantes da cidade, da família dos envolvidos,
do passado deles, tudo que de alguma forma contribuiu para a peça final do crime.
Para Capote, um crime tinha muito mais a ser desvendado do que somente saber
quem o cometeu. A superficialidade não fazia parte deste livro, uma vez que o autor relata tão
profundamente a personalidade de todos e pequenos detalhes que não foram deixados de lado,
como teria acontecido em um jornalismo mais enxuto.
Prova disso são as cartas que o pai de Perry lhe escrevia, contando sobre um
tempo não muito distante, em que seu filho sempre fora motivo de orgulho para ele, mesmo
tendo uma infância difícil, com uma mãe alcoólatra, que por ventura acabou morrendo pelo
próprio vômito; da morte dos irmãos, do tempo em que viveu em orfanatos e era espancado
pelas freiras ou afogado até ficar com pneumonia e até mesmo da época em que serviu ao
exército e ganhou medalha por honra. De sua juventude, no qual ensinava as crianças a ler e
tocar, todas essas visões que de alguma forma remetem qualquer leitor para essa época, como
se pudesse ver o menino e o homem que Perry chegou a ser, antes de se desviar.
Nesse ponto, o jornalismo também está presente, uma vez que ele também faz o
papel de denúncia social, então não seria seu dever mostrar todas as faces da verdade e deixar
o leitor tomar sua própria decisão, ao invés de fazer o papel de juiz e julgar culpadas outras
pessoas? Muitas vezes, essa encenação toda da mídia serve apenas para garantir audiência,
quando deveria servir para conscientizar a sociedade.
Verossimilhança...
Para Vicchiatti (2005), esse talvez seja o elemento mais importante, uma vez que
deve estar presente tanto no jornalismo padrão, quanto no jornalismo literário, para que assim
seja possível averiguar a coerência interna da obra, garantindo a verdade dos fatos. No livro
de Capote, essa verossimilhança fez-se presente tanto pelo caso real do crime, quanto pelas
fontes usadas, os relatos e suas fundamentações nas pesquisas, exigidas até pelos leitores da
obra.
É importante, porém, ressaltar que em nenhum momento esta pesquisa teve como
intuito dar razão ou defender o crime cometido pelos assassinos. De fato, o objetivo do
trabalho é mostrar como um mesmo fato pode ser descrito com olhares distintos. Logo, deve-
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se dar ao leitor o direito de ver todos os ângulos dos fatos, ou, as várias faces da verdade, para
que assim, ele possa criar sua própria opinião.
Assim como nos textos jornalísticos que clamam a objetividade, Capote evitou
deixar suas evidências na narrativa, esquivando-se de comentários e opiniões, que faziam
parte da retórica do silêncio, sem intervenções diretas. O próprio autor comentou sobre isso:
“Acredito que, para a forma do romance de não-ficção ser inteiramente bem-sucedida, o autor
não deve aparecer na obra” (CAPOTE, 1965, p. 429).
No próprio livro de Capote, o autor começa suas considerações relatando que tudo
que foi escrito no livro está baseado em fontes e fatos reais garantindo a verossimilhança da
história. Essa citação aborda exatamente isso: “Todo material contido neste livro que não
provém de minha própria observação, ou foi retirado dos registros oficiais ou resulta de
conversas com as pessoas diretamente envolvidas, entrevistas em geral realizadas ao longo de
um extenso período” (p. 17).
Porém, não se deve esquecer a “polêmica” cena final e tentar entender sobre a
atitude de Capote ao inserir essa parte, uma vez que o autor inventou que Alvin Dewey
encontrava-se casualmente com Susan Kidwell no cemitério de Garden City, onde os mortos
da família Clutter estavam enterrados. Alvin Dewey era o investigador que trabalhou no caso e
auxiliou as pesquisas de Capote, e Susan Kidwell era a melhor amiga de Nancy Clutter, uma
das vítimas. Essa informação está em “Capote - Uma Biografia” (1988), de Gerald Clarke,
onde segundo o autor, o próprio Truman teria lhe confessado a mentira.
Talvez Capote tenha se perguntado sobre o destino de Nancy se ela estivesse viva,
já que se envolveu tanto com a história e a morte da família, ou o real objetivo do autor tenha
sido tocar o leitor, uma vez que a conversa remete-o ao que Nancy poderia ter se tornado, se
sua vida não tivesse sido interrompida tão brutalmente. Algo pelo qual muitos leitores possam
sentir empatia, ao ter perdido um conhecido ou um ente querido e também se perguntar que
pessoa ele teria se tornado.
[...] Estou no primeiro ano da Universidade do Kansas” disse ela. “só vim passar uns
dias em casa”.
“Que beleza, Sue. E o que você está estudando?”
“Tudo. Principalmente artes, que eu adoro. Estou muito feliz.”
Ela olhou para a pradaria. “Nancy e eu planejávamos ir juntas para a faculdade.
Íamos morar no mesmo quarto. Às vezes eu penso nisso. De repente, quando eu fico
muito feliz, eu me lembro dos planos que a gente fazia.”
Dewey olhou para a lápide cinzenta onde estavam inscritos quatro nomes, e a data
da morte: 15 de novembro de 1959. [...]
“[...] É um prazer para mim encontrar você, Sue. Boa sorte”, gritou ele enquanto ela
desaparecia pela alameda, uma linda moça apressada, os cabelos macios balançando
e brilhando ao sol – exatamente como a moça que Nancy teria sido. E então,
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tomando o caminho de casa, ele voltou para a sombra das árvores, deixando para
trás o vasto céu e o murmúrio das vozes do vento que curvava o trigo (p. 422).
É interessante então, pensar que o livro como um todo, ou pelo menos trechos
fundamentais da obra, seriam descritos de uma maneira mais direta e fria nas mãos de um
jornalista convencional, limitando assim a visão do leitor.
Mesmo sendo bastante criticado por outros jornalistas também consagrados, a
magnitude das palavras de Capote não pode ser ignorada. Apesar de ser um relato de um
crime aparentemente comum dentre tantos outros crimes, o livro acaba prendendo a atenção
dos leitores a cada momento, tanto pelos detalhes minuciosos, quanto pelo poder de segurar o
leitor pela linguagem fluida e penetrante da obra. A cada momento é necessário prosseguir a
leitura para saber como o autor chegou a um final, dessa maneira, o leitor se vê envolvido
pelos personagens e os acontecimentos.
O que se vê nas reportagens ditas objetivas de hoje é que estas estão baseadas em
“aconteceu ontem” ou “fulano disse” e que por diversas vezes enfrentam reações iradas das
fontes. No jornalismo literário, essas fontes também podem se tornar um problema, ao se
arrependerem de dizer algo, como o ocorrido com alguns personagens de A Sangue Frio, que
se queixaram de cenas, diálogos, pensamentos e atitudes que não lembravam ter mencionado.
Porém, ao voltar à cena final, é no mínimo curioso e estranho que os dois protagonistas dessa
tal cena inventada, ao que se sabe, nunca reclamaram de terem seus nomes em conversas
nunca ditas.
Vale lembrar que o jornalismo literário também faz uso de determinados
elementos usados para descrever um fato real, como Gastão (1959) estabeleceu. São eles:
envolvimento total do autor no tema abordado, estrutura narrativa que capte a atenção do
início ao fim, linguagem aprimorada, exatidão, responsabilidade, uma visão ampla do mundo
para que vários pontos sejam emitidos. Outras características também são de suma
importância para o autor levar em conta, como criatividade, inovação, relação de confiança
com as fontes, compromisso com os fatos, humanismo, muitos desses elementos estão
também presentes no jornalismo padrão.
Capote foi o confidente de Perry e Dick por seis anos, como conta no livro. Para o
autor, a última parte, em que relata a morte dos dois assassinos, foi o mais marcante de sua
vida e muito difícil de ser escrito, afirmando que sua mão ficou paralisada.
Na véspera da execução, os dois pediram para que o autor os visse pela última
vez, o que teria abalado seriamente Capote, estando às lágrimas o tempo todo e dizendo que
não conseguiria fazer isso. Por fim, foi ao encontro dos dois na antecâmara da morte: eles que
foram os principais personagens do seu Best Seller, A Sangue Frio, um livro que foi o seu
auge, como também seu tormento, uma vez que ele nunca mais conseguiu escrever como em
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A Sangue Frio, atormentado por todos os acontecimentos dessa história, especialmente por ter
assistido de perto à execução daqueles criminosos que para o autor também foram pessoas.
Entretanto, seria questionável a delicadeza da literatura, contida em um caso que
deveria ser somente mais uma matéria jornalística, de um crime em uma pequena cidade, mas
que em vez disso ganhou o universo do jornalismo de uma forma arrebatadora?
A violência está sim presente neste livro, porém, é importante lembrar, que o tema
abordado, é um crime e respeitando as normas do jornalismo em sempre relatar a verdade, no
jornalismo literário isso não poderia ser modificado, mas é na visão do autor, que esse crime
pode ser relatado de forma poética e ainda sim, justa, sem perder o realismo do momento, não
para expor e criar um espetáculo, mas para despertar no leitor algum sentimento diante de
notícias, que aos poucos se tornam banais, como se mais uma vida perdida fosse normal.
Espera-se que esta pesquisa tenha contribuído de alguma forma, para a reflexão
que muitos acabam tendo, sobre o jornalismo literário, ampliando assim, outra visão sobre
esse jornalismo que mesmo intitulado de “novo”, tem trilhado um longo caminhando, levando
às pessoas a conscientização pela busca da humanização não somente na comunicação, mas
também no crescimento da sociedade.
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ANEXOS16
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Fotos retiradas do Memoria de Kansas. Disponíveis em: <http://www.kansasmemory.org/> e
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07/07/2013.
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