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FURB – UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU

ACADÊMICA: JULIE FRANCINE RICARDO.


DISCIPLINA: HISTÓRIA DA AMÉRICA I.
FICHAMENTO
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
RUZINSKI, Serge. O Historiador, o Macaco e a Centaura: a “História Cultural” no novo
milênio. Estudos Avançados, ano 17, N° 49, 2003. p. 321-342.
SOBRE O AUTOR:
Serge Gruzinski é historiador e paleógrafo francês formado pela École de Chartes, além
de atuar como professor na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris,
pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), curador do Museu
do Quai Branly, de Paris. É autor de vários artigos e ensaios e também das seguintes obras
já com tradução brasileira: A Colonização do Imaginário: Sociedades Indígenas e
ocidentalização no México Espanhol, sécs. XVI-XVIII; A Guerra das Imagens: de
Cristovão Colombo a Blade Runner(1492-2019); O Pensamento Mestiço. Seu livro: As
Quatro Partes do Mundo foi publicado pela Editora da UFMG.
RESUMO:
 Dialogando com um macaco e uma centaura:
Gruzinski apresenta o macaco Ozomatli, que possui origem pré-hispânica e era um
dos signos do calendário asteca, correspondendo ao dia onze e associando-se à boa
fortuna, alegria e vida licenciosa; e também a centaura Ocyrhoe, uma semideusa do
paganismo grego e que revelava os segredos do destino. Os dois seres vivem sobre um
afresco pintado no fim do século XVI, separados por uma flor – da qual parece ser de
poyomatli, uma espécie de alucinógeno utilizado antes e depois da conquista, deveras
disseminada. Através da convivência entre os dois, que tem como função anunciar o
destino, e que compartilham os meios – nesse caso, a flor –, o autor afirma que será
possível tecer conjecturas sobre o que deverá ser a “história cultural” neste milênio.
1. Etnocentrismos. A análise do afresco nos obriga a sair duma visão
europocêntrica e etnocêntrica da História.
O autor afirma que os historiadores europeus manifestam pouco interesse pelo
passado e historiografia dos lugares fora da Europa – e mesmo de sua própria nação. Os
especialistas em história mundial costumam ver o mundo a partir da Europa ocidental ou
de problemáticas provindas da mesma. Assim, na Europa e, principalmente na França,
aqueles que estudam a história da América se chamam americanistas, enquanto que os
historiadores que se dedicam à história da França ou da Europa ganham o “h” maiúsculo.
Desde 1980, a denúncia desse conservadorismo do europocentrismo tornou-se comum
nos Estados Unidos. O foco da mesma era que se produzia uma projeção somente do
Ocidente, de suas categorias e de suas ambições em relação ao resto do mundo.
Segundo Gruzinski, o etnocentrismo não pode ser reduzido ao europocentrismo. Não
devemos nos contentar com a análise da realidade local. Os especialistas do México, por
exemplo, podem muitas vezes limitar a sua visão, esquecendo a península ibérica, a
Europa e o restante do continente americano.
2. A história comparada.
Gruzinski afirma que “para limitar o etnocentrismo e ampliar os nossos horizontes, a
história comparada pareceu uma alternativa possível. Mas as perspectivas que propõe
podem ser enganosas” (GRUZINSKI, 2003, p. 322). Afinal, a seleção do que será
comparado é submetida às filosofias ou teorias da história que por vezes já respondem às
questões do historiador.
O autor questiona como seria possível comparar, no campo da “história cultural”,
culturas se tais são entidades que remetem mais à nossa tradição antropológica do que a
realidades históricas atuais ou passadas. O termo “cultura”, ao longo do tempo, tomou
várias formas. Contudo, ele manteve a crença “consciente ou não – de que existiria um
conjunto complexo, uma totalidade coerente, estável, com limites precisos e que seria
capaz de condicionar, de regular os comportamentos dos grupos e dos indivíduos”
(GRUZINSKI, 2013, p. 322).
Por fim, Gruzinski menciona a maneira como as empresas que inspiraram a história
comparada tiveram pouca continuidade.
3. Connected histories.
Seria possível o historiador sair de suas fronteiras sem recorrer a história comparada?
Para tanto, Gruzinski escolhe dar uma resposta pessoal. Ao estudar os fenômenos de
aculturação no México colonial, ele sempre se deparou com processos que pertenciam,
ao mesmo tempo, a dois mundos distintos. Dessa forma, é preciso se distanciar das visões
dualistas, que costumam colocar o Ocidente contra os outros, os espanhóis contra os
índios, os vencedores contra os índios. O objetivo é a reflexão sobre a ligação entre os
dois. Para Gruzinski,
“parece-me que a tarefa do historiador pode ser a de exumar as
ligações históricas ou, antes, para ser mais exato, a de explorar as
connected histories se adotamos a expressão proposta pelo
historiador do império português, Sanjay Subrahmanyam. O que
implica que as histórias só podem ser múltiplas – em vez de falar
de uma História única e unificada com “h” maiúsculo. Essa
perspectiva permite também a observação de que estas histórias
estão ligadas e que se comunicam entre elas. Diante de realidades
que convêm estudar sob diversos aspectos, o historiador tem de
converter-se numa espécie de eletricista encarregado de
restabelecer as conexões internacionais e intercontinentais que as
historiografias nacionais e as histórias culturais desligaram ou
esconderam, entaipando as suas respectivas fronteiras”.
(GRUZINSKI, 2003, p. 323)
4. Outros obstáculos.
Essas retóricas da alteridade opõem outros desafios, como o peso das historiografias
nacionais. O historiador precisa encontrar, em meio a diferenças criadas pelas tradições
locais e pelas visões antropológicas, continuidades, conexões ou passagens, das quais
podem estar minimizadas e excluídas. Segundo o autor, acaba se preferindo falar do Outro
– existem muitos trabalhos sobre os ameríndios – do que sobre os espaços intermediários
nos quais o mesmo se insere e se funde – enquanto que os grupos mestiços são pouco
estudados. O afresco do macaco e da centaura apresenta um olhar duplo: Ozomatli é o
passado revisitado por um pintor cristianizado, já a centaura é reinterpretada.
O interesse pela micro-história igualmente influenciou o olhar do historiador,
fazendo-o esquecer do contexto geral e, dessa forma, focalizar no particular.
5. Os mundos da Monarquia católica.
O autor questiona em que mundo o macaco e a centaura foram pintados. Para ele, tal
pesquisa deve ganhar horizontes amplos, tendo em vista conjuntos políticos com grandes
ambições. O mundo permite o diálogo entre um macaco mexicano e uma centaura grega,
sendo que esse mesmo mundo associa regiões e reinos gregos, assim como vários
continentes para constituir a chamada Monarquia católica. Esse império pode ser
estudado de diferentes maneiras. Uma delas é política.
A Monarquia católica foi o berço da primeira “economia-mundo”, ganhando
vários estudos por volta de 1970. Esses trabalhos, contudo, não deram conta de aspectos
importantes, como a constituição das primeiras burocracias operando numa escala
planetária, burocracias que tinham estreitas ligações com a Igreja, por causa do padroado
português e do patronato espanhol. As ordens religiosas, os jesuítas e os cristãos-novos,
por exemplo, formaram redes internacionais. A Europa dos Habsburgos desenvolveu uma
arte, denominada maneirista, que obteve difusão internacional – sendo o primeiro estilo
europeu a conseguir isso. Com isso, o autor conclui que o historiador não deve se limitar
a abordar a Monarquia apenas em termos políticos ou dinásticos.
Gruzinski afirma que a Monarquia católica
“cobre um espaço que reúne vários continentes, aproxima
ou conecta várias formas de governo, de exploração e de
organização social, confronta de maneira às vezes bastante
brutal tradições religiosas totalmente distintas. A
Monarquia é o teatro de interações planetárias entre o
cristianismo, o islã e o que os ibéricos chamavam de
idolatrias, uma categoria que agrupava indistintamente os
cultos americanos e africanos com as grandes religiões da
Ásia.” (GRUZINSKI, 2003, p. 325)
6. A primeira mundialização e a dilatação dos horizontes europeus.
A questão não é definir o território, pois ele é indissociável de uma certa problemática.
Para o autor, a perspectiva da Monarquia católica torna possível abordar a questão da
modernidade, pois destaca o conjunto hispano-português. Esse caminho é geralmente
ignorado pela tradição intelectual europeia, porém ele remete a um espaço onde estão os
processos relacionados ao o que atualmente chamamos de globalização ou
mundialização. Portanto, Gruzinski propõe analisar os mundos da Monarquia a partir
disso.
A Monarquia católica esteve presente em lugares afastados na história e no espaço:
Salvador da Bahia, México (1521), Lima (1536), Manila (1571), Macau (1557), Goa
(1510) e Luanda (1576). Nessas diferentes regiões, os indivíduos tiveram de descobrir e
enfrentar tradições que não possuíam qualquer ligação com a Europa ocidental. Tal
fenômeno conduziu uma mudança de escala, que pode ser observada em vários âmbitos,
como no urbanismo, na literatura e no direito. Por exemplo, um público internacional de
leitores acabou surgindo e, assim, os livros impressos na península ibérica e na Europa
começaram a cruzar os oceanos.
Contudo, essa difusão mundial dos saberes e dos imaginários representa somente
uma dimensão de um processo muito mais complexo. Ao mesmo tempo, acontecia o
descobrimento de outras línguas, saberes e modos de expressão. Afinal, pela primeira vez,
os letrados de uma monarquia europeia tiveram contato com as principais civilizações do
globo. No mesmo período, as comparações planetárias cresceram. Os cronistas
geralmente introduziam paralelos entre as Índias ocidentais e as orientais, além de
comparações entre o Brasil e as Américas feitas por Manuel Correia de Montenegro, entre
outras.
A partir da dispersão dos ibéricos nos espaços da Monarquia, as perspectivas
aumentaram. Novas comparações podem ser feitas por meio do ponto de vista das terras
longínquas, oferecendo um novo quadro de referência. Afinal, os moradores da Nova
Espanha viam a Ásia espanhola e portuguesa como uma fonte de dinheiro e possibilidade
de autonomia em relação à Madri. O autor questiona, ainda, se os brasileiros igualmente
não teriam desenvolvido sua própria visão sobre o continente. Dessa forma, Gruzinski
conclui que “estas novas perspectivas nos ensinam a sair do velho dualismo ‘Europa
versus os outros’ para pensar a Ásia ou a África a partir da América ibérica”
(GRUZINSKI, 2003, p. 328).
7. Mundialização e compressão de distâncias.
Segundo o autor, é errado reduzir o espaço da Monarquia católica ao do Ocidente e
vê-lo somente em termos de expansão da Europa. Através da expansão, o Ocidente integra
outros aspectos, mas não os absorve. Nesse processo, observamos “uma compressão sem
precedente das distâncias: o desconhecido torna-se familiar, o inacessível disponível,
enquanto o longínquo aproxima-se de maneira espetacular” (GRUZINSKI, 2003, p. 328).
Além disso, o consumo de produtos extra-europeus na Europa ocidental aumentou.
Novas plantas e drogas começaram a circular, ganhando consumidores europeus. Nicolas
Bautista Monardes, um médico de Sevilha, descreveu a chegada da “raíz de Michocan” e
comentou que seu uso era comum em todo mundo. Essa circulação estabeleceu laços não
só entre a Europa ocidental e a América espanhola, mas também com a Ásia. Dessa forma,
“no coração editorial da Monarquia católica, ficam reunidos os novos saberes oriundos
da América espanhola e da Ásia portuguesa” (GRUZINSKI, 2003, p. 329).
8. A mundialização e o choque dos tempos.
O tempo ocidental e cristão foi imposto aos colonizados, apesar da história ter sido
complicada: Gruzinski retorna ao afresco que retrata o encontro do macaco e da centaura,
no qual ambos representam o domínio do tempo.
Além de calcular dias e horas, o tempo ocidental é também uma concepção de passado
e uma maneira de prever o futuro por meio da astronomia e astrologia. Tal tempo é
imposto pelo calendário litúrgico. A imposição do tempo europeu aconteceu de maneira
distante quando experimentado de um território americano ou asiático. No Repertorio de
los tiempos, de Heinrich Martin, a cronologia da Nova Espanha é integrada à europeia e
à mundial: ou seja, são calculadas diferenças horárias entre a capital do México e
diferentes cidades. Sob essa visão, a cidade do México torna-se um centro geográfico por
meio do qual o tempo europeu torna-se o tempo ocidental.
Contudo, a vitória do tempo cristão não foi absoluta. Muitos dos povos resistiram à
unificação do tempo. Os filipinos, por exemplo, continuam seguindo a hora chinesa,
enquanto que os indígenas da Nova Espanha tentaram estabelecer concordâncias entre os
seus calendários e o dos cristãos. Dessa forma, “tempos e espaços cruzam-se e
confrontam-se no seio da Monarquia e mesmo fora dela” (GRUZINSKI, 2003, p. 330).
9. O “local” e o “global”, a pátria e o mundo.
A circulação de novas drogas mostra a forma como o “local” consegue uma
visibilidade na escala “global”. No centro da Monarquia, os testemunhos enxergam duas
esferas de atividade,
“aquela de onde se vem, e para onde por vezes se volta, e
aquela na qual nos movemos. Localmente, é a ‘pátria’, o
‘pátrio ninho’ que serve de ponto de ancoragem. É o lugar
para o qual se volta depois de ter percorrido os mares e os
continentes, ‘como o pássaro ausente do patrio ninho’,
enquanto o global seria o ‘mundo’” (GRUZINSKI, 2003, p.
330).
Durante o século XVI, a relação entre o “local” (pátria) e o “global” (mundo)
mudou conforme ambos ganharam outros sentidos. Tais mudanças possuem ligação com
a expansão ibérica. Assim, a redefinição do “local” acompanhou a eclosão e a emergência
de um “global”, que viria a se identificar cada vez mais com o espaço planetário. Nessa
mesma época, surgia um espaço global, com escala planetária. A partir de Magalhães e
El Cano, podia-se dar a volta ao mundo. Segundo o autor,
“os progressos das técnicas de navegação, a herança da
tradição imperial do Ocidente latino, o expansionismo
ibérico e a realização das ambições universalistas do
cristianismo, favoreceram a difusão de uma outra visão do
mundo, concebido como um conjunto de terras ligadas entre
elas e colocadas sob uma mesma dominação”
(GRUZINSKI, 2003, p. 331).
Dessa forma, os cronistas da época falavam de um mundo formado por quatro
partes: Europa, América, África e Ásia, das quais estão distribuídas em dois hemisférios,
com regiões conquistadas ou que deveriam ser.
No século XVI, o “global” colocou-se como a sua realidade física e na sua
integralidade nos mapa-mundi, nas esferas armilares e nas tapeçarias.
10. As relações do global e do local.
Tommaso Campanella (calabrês), Juan de Torquemada e Bernardo de Balbuena
(espanhóis estabelecidos no México) foram autores da Monarquia católica com visões
diferentes de global e local, mas que concordaram quanto a missão providencial da
Espanha e que imaginaram o local como uma pequena sociedade ideal ou idealizada.
Segundo Gruzinski, os sistemas de representação da Monarquia mostram que a
unidade dinástica e religiosa combina com os vários pontos de vista que reservavam a
cada região do império um papel dinâmico. Portanto, nas periferias da Monarquia,
nasceram representações que articularam o “local” e o “global” sob as diferentes formas
que poderiam assumir no centro dessa mesma Monarquia. Em outras palavras, “em vez
de só estudar o ‘olhar europeu’ sobre o resto do mundo ou a ‘representação do Outro’,
preferimos considerar olhares e representações cruzados” (GRUZINSKI, 2003, p. 332).
11. Viver entre os mundos.
Além de produções intelectuais, o estudo dos indivíduos igualmente pode auxiliar no
estudo e mostrar a forma como o local e o global são rearticulados. A partir dessa
afirmação, o autor busca apresentar exemplos. Na Monarquia, uma das grandes
características dos homens era ser nômades. Isso, no sentido de que,
“como no Mediterrâneo de Braudel, o movimento dos homens é o
elemento que dá unidade ao gigantesco espaço aqui considerado,
como, por exemplo, o nomadismo dos pintores europeus, que
introduziram o Maneirismo nas quatro partes do mundo [...]”
(GRUZINSKI, 2003, p. 332).
O pintor Simon Pereyns foi um desses nômades. Muitos desses homens acabaram
dando a volta ao mundo e hoje, estão esquecidos. Tais deslocamentos, inclusive, não tinha
sentido único: Inca Garcilaso de la Veja eram mestiços americanos enviados para a
Europa, enquanto que outros visitavam cidades diferentes. Gruzinski questiona a
representividade destes casos. O eurocentrismo nos leva a repelir certas figuras, como os
africanos e ameríndios. Portanto, “as coisas tornam-se distintas se fazemos da Monarquia,
e não da Europa ocidental, a nossa base de pesquisa e de observação” (GRUZINSKI,
2003, p. 334).
A Monarquia induziu novos comportamentos através de suas dimensões
planetárias, como as mobilidades intercontinentais, nomadismos, facilidade de
locomoção e adaptação entre civilizações, entre outros. Esse último, inclusive, é analisado
pelo autor. Nos relatos de Carletti e Ordónez de Ceballos, é possível encontrar várias
informações sobre diferentes sociedades. Apesar dos estereótipos, esses olhares mostram
a vontade de acumular informações sobre a Monarquia e seus vizinhos e um desejo de
dominação e conquista.
A adaptação pode acontecer de outras maneiras, relacionando-se à alimentação,
ao clima, ao corpo, às técnicas como à penetração das redes locais feitas numa escada
planetária. Tais experiências “envolveram vários europeus e não-europeus que
aprenderam a viver e a sobreviver – no caso dos escravos africanos ou das massas
ameríndias – entre vários mundos” (GRUZINSKI, 2003, p. 335).
12. Mundialização e ocidentalização.
A mundialização ibérica abrange duas dimensões ligadas à difusão planetária da
dominação ibérica: a ocidentalização e a globalização.
A ocidentalização é todo um conjunto de empresas que buscam transformar a
natureza, os seres, as sociedades e os imaginários dominados pela Monarquia católica.
São estratégias complexas e de dominação que sucedem o século XV, tal como
cristianização, a sujeição dos autóctones a uma dominação política ocidental, a
urbanização de tipo europeu, a difusão do alfabeto latino, da imprensa e do livro, a
exploração econômica, entre outros. Segundo Gruzinski, elas são destruidoras. Podem
ser: as mestiçagens biológicas – os mestiços do México, os mamelucos do Brasil; as
mestiçagens das línguas e das crenças; as mesclas dos saberes e das técnicas; a
sobreposição e a imbricação das formas de organização do trabalho – o trabalho
comunitário de origem pré-hispânica e as exigências do mercado espanhol; a conexão dos
circuitos indígenas com os circuitos internacionais (o comércio do cacau, do anil etc.).
13. Mundialização e globalização.
Em certos campos, como o filosófico, artístico e literário, tudo acontece como se o
contexto fora da Europa e suas características não precisassem ser levadas em conta. Já
no caso da globalização, “as idéias e as formas desenvolvem-se em esferas que parecem
ser totalmente indiferentes aos lugares, impermeáveis às tradições locais e cegas às
sociedades extra-européias” (GRUZINSKI, 2003, p. 336). Isso é a globalização, diferente
da mundialização (que é a difusão planetária dos traços) e da ocidentalização (nascida do
confronto com as realidades extra-europeias).
No século XVI, os espaços essenciais da globalização são o sistema e ensino
universitários, os quadros e os mecanismos conceituais, as normas jurídicas, as línguas
formais e simbólicas, entre outros. Na Monarquia católica, pode-se citar a universidade
do México, o sistema aristotélico e os Emblemas de Alciati.
A globalização segue um esquema comum, sendo ele:
“• um desdobramento planetário, uma extensão nas quatro partes
do mundo, que se integra à trajetória da globalização; • um
enraizamento local que acompanha as etapas da ocidentalização; •
uma interação regular com as bases européias; • uma homologação
contínua: as produções extra-européias devem ser constantemente
validadas, legitimadas pelos centros europeus: por exemplo, a
publicação em Europa dos escritos filosóficos ou literários dos
europeus estabelecidos na América; • uma indiferença às idéias, às
formas e às expressões de origem autóctone; • uma propensão ou
uma tendência sistemática a transformar e a converter o que era
europeu em ocidental: processo que corresponde a um tipo de
ocidentalização distinta da anterior, já que não ocidentaliza o
mundo exterior mas produz o ocidental” (GRUZINSKI, 2003, p.
337).
Para Gruzinski, a globalização seria um fenômeno de hegemonia ideológica
particular. Assim, qualquer forma de pensamento alternativo local deve ser erradicada.
14. Os mundos misturados da Monarquia.
As terras da Monarquia são submetidas a globalização e a ocidentalização, sendo
mesclas, de confrontos e conflitos, além de limites e em contatos com outros universos,
como os turcos, a Índia e a China. Essas sociedades mestiças poderiam ser estudadas de
várias formas: pode-se repertoriar e explorar as mestiçagens biológicas, estudar a forma
como os europeus americanizam-se, africanizam-se ou orientalizam-se. Podemos,
também, buscar entender o funcionamento das sociedades do México, dos Andes, do
Brasil, nas Filipinas, entre outros. Por muito tempo, uma forma encontrada para deixar de
lado essas realidades foi chama-las de “colônias”, colocando-as numa situação de
dependência. Isso subestima suas capacidades de autonomia, reação e invenção.
15. O macaco, a centaura e o político.
A mestiçagem tem uma dimensão política. Os índios pintores responsáveis pelo
encontro do macaco e da centaura tinham um objetivo: queriam que seu passado religioso
conquistasse estatuto privilegiado, tal como a mitologia greco-romana possuía como um
culto pagão tolerado e valorizado; e também desejavam construir para si uma relação com
o seu próprio passado em vez de aceitar a ruptura imposta pela cristianização.
Ozomatli e Ocyrhoe mostram como o político influencia sobre as manifestações locais
da mestiçagem. Gruzinski considera a dominação da Monarquia através do jogo
complexo da ocidentalização e da globalização. O autor ainda adiciona a dimensão
planetária e “interativa”. Afinal, a existência da Monarquia promove espaços de
circulações, intercâmbios e conflitos que escapam a qualquer estratégia global. Com isso,
pode-se afirmar que
“a análise das mestiçagens na Monarquia católica nos obriga a
superar as frágeis fronteiras das disciplinas e das áreas culturais
tradicionais. Convida-nos também a buscar no contato com as
ciências duras, como a teoria da complexidade, categorias e
métodos novos para poder ‘pensar o mundo’” (GRUZINSKI, 2003,
p. 340).

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