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Antiseri
HISTÓRIA
DA FILOSOFIA
Do Romantismo
ao Empiriocriticismo
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Reale, G.
História da filosofia, 5: do romantismo ao empiriocriticismo / G. Reale, D. Antiseri;
[tradução Ivo Storniolo]. - São Paulo: Paulus, 2005. - (Coleção história da filosofia)
ISBN 85-349-2359-0
05-1795 CDD-109
Título original
Storia delia filosofia - Volume III: Dal Romanticismo ai nostri glorni
© Editrice LA SCUOLA, Brescia, Itália, 1997
ISBN 88-350-9273-6
Tradução
Ivo Storniolo
Revisão
Zolferino Tonon
Impressão e acabamento
PAULUS
© PAULUS - 2005
Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil)
Fax (11) 5579-3627 •Tel. (11) 5084-3066
www.paulus.com.br • editorial@paulus.com.br
ISBN 85-349-2359-0
y\ p re.se.nfação
* * * * *
1. A filo so fia deve estar ligada com o 1. O debate sobre a “ evolução” na França:
desenvolvimento das teorias científicas, Lamark, Cuvier e Saint-Hilaire, 342; 2. Char
324; 2. A posição de Roberto Ardigò, 324; les Darwin e “ a origem das espécies” , 343;
2.1. Da sacralidade da religião à sacralidade3. A origem do homem, 344.
do “ fato” , 324; 2.2. O ignorado não é o
incognoscível, 325; 2.3. A evolução como V. A física no século X IX -------- 346
passagem do indistinto ao distinto, 325; 1. A física nos inícios do século, 346; 2. O
2.4. M oral e sociedade, 326. mecanicismo determinista como “ programa
de pesquisa” , 346; 3. Da eletrostática à ele-
III. O positivismo materialista trodinâmica, 348; 4. O eletromagnetismo e
na A lem anha_____________ 327 a nova síntese teórica, 348; 5. O desencontro
1. Contra as metafísicas da transcendência, com a mecânica de Newton, 350.
327; 2. Os principais representantes, 328.
VI. A lingüística: Humboldt,
T e x t o s _ H. Spencer: 1. N ão há antagonis
mo entre ciência e religião, 329.
Bopp, a “ lei de Grimm”
e os “ neogramáticos” -------- 351
1. W. von Humboldt: a língua cria o pensa
Sétima parte mento, 351; 2. A construção da “ gramática
co m p arad a” , 351; 3. O contributo dos
O DESENVOLVIMENTO “ neogramáticos” , 352.
DAS CIÊNCIAS VII. O nascimento
NO SÉCULO XIX, da psicologia
O EMPIRIOCRITICISMO experimental_____________ 353
1. A “ lei psicofísica fundamental” de Weber-
E O CONVENCIONALISMO Fechner, 353; 2. W. Wundt e o laboratório de
psicologia experimental de Leipzig, 354.
* Neste índice:
-reportam -se em versalete os nomes dos filósofos e dos homens de cultura ligados ao desenvolvimento
do pensamento ocidental, para os quais indicam-se em negrito as páginas em que o autor é tratado de
acordo com o tema, e em itálico as páginas dos textos;
-reportam -se em itálico os nomes dos críticos;
-reportam -se em redondo todos os nomes não pertencentes aos agrupamentos precedentes.
X V III
mais-valia, 182
dialética, 106 materialismo dialético, 179
materialismo histórico, 178
especulativo, 109
espírito,127 não-eu, 53
eu, 50 natureza, 124
possibilidade, 233
filosofia negativa e filosofia positiva,
utilitarismo, 302
idéia, 105
identidade absoluta, 85
incognoscível, 319
indivíduo, 229 vontade (vontade de viver), 213
DO ROMANTISMO
AO EMPIRIOCRITICISMO
O MOVIMENTO
ROMÂNTICO
E A FORMAÇÃO
DO IDEALISMO
Capítulo segundo
Capítulo terceiro
Caspar David Friednch, “ Um homem e uma mulher diante da lu a” (Berlim, Staatliche Museen).
Este quadro exprime certo clima intelectual e certa atmosfera espiritual do romantismo
(em clara antítese com o Iluminismo), que trazem em primeiro plano
os misteriosos encantamentos das sombras noturnas, com suas evocações
e com a inspiradora atmosfera “lunar", juntamente com a nostalgia que suscita
(recordemos os poetas Novalis e Hõlderlin). Os dois personagens que contemplam a lua,
assim como Friedrich os representa, exprimem de modo verdadeiramente emblemático,
como os estudiosos bem salientaram, a “ romântica fuga do espírito, para além daquilo que vemos
:------- ÍTT. ,A c o m p l e x i d a d e
d o -fenômeno r o m â n t i c o
e suas c a r a c te r ís tic a s essen ciais
e h y\ s e d e d o infinito
Estreitamente ligado a esse sentido da
Todo romântico tem sede de infinito; natureza está o sentimento de “ pânico” , ou
e aquela “ ansiedade” , que é desejo irre- seja, o sentimento de pertencer ao uno-todo,
alizável, o é precisamente porque aquilo o sentimento de ser um momento orgânico
pelo que anseia, na realidade, é o infinito. da totalidade.
E talvez nunca como nessa época se tenha O todo se reflete de alguma forma no
falado tanto de infinito, entendido nos mais homem, assim como, ao contrário, o homem
diversos modos. se reflete no todo.
O romântico expressa essa tendência Outro trecho de Hõlderlin pode nos
ao infinito também como "Streben” , ou fornecer exemplo mais claro disso: “Ser um
seja, como perene “ tender” que nunca cessa, com o todo: isto é o viver dos deuses; isto
porque as experiências humanas são todas é o céu para o homem. Ser um com tudo o
finitas, ao passo que seu objeto é sempre infi que vive e, em feliz esquecimento de si mes
nito e, como tais, são sempre transcendidas. mo, retornar ao todo da natureza: esse é o
A propósito, é exemplar a razão pela qual se ponto mais alto do pensamento e da alegria,
salva o protagonista do Fausto goethiano, é o pico sagrado da montanha, é o lugar da
uma das criações mais significativas desse calma eterna, onde o meio-dia perde o seu
período: ele se salva precisamente porque mormaço, o trovão a sua voz e o mar, fre-
consumiu a existência nesse perene “ Stre mente e espumejante, se assemelha às ondas
ben” (mas disso voltaremos a falar adiante). de um campo de trigo. Ser um com tudo o
O infinito é o sentido e a raiz do finito. que vive! Com essas palavras, a virtude des
Nesse ponto, tanto a filosofia como pe sua couraça austera, o espírito humano
a poesia estão absolutamente de acordo: a despoja-se do cetro e todos os pensamentos
filosofia deve captar e mostrar a relação do se dispersam diante da imagem do mundo
infinito com o finito, ao passo que a arte eternamente uno, como as regras do artista
deve realizá-la: a obra de arte é o infinito dedicado diante de sua Urânia, bem como
que se manifesta no finito. a fatalidade férrea renuncia ao seu poder, a
morte desaparece da sociedade das criaturas
e a indissolubilidade e a eterna juventude
E U O n o v o s e n t id o d a n a t u f e z a tornam o mundo belo e feliz” .
A natureza assume importância fun
damental, sendo inteiramente subtraída à >A f u n ç ã o d o g ê n io
concepção mecanicista-iluminista. e d a c r i a ç ã o a r t ís t ic a
A natureza passa a ser entendida como
vida que cria eternamente, na qual a morte O gênio e a criação artística são ele
nada mais é do que “ artifício para ter mais vados a suprema expressão do verdadeiro
vida” (Goethe). e do absoluto.
A natureza é um grande organismo, Novalis escreve: “A natureza tem ins
inteiramente afim com o organismo huma tinto artístico — por isso, não passa de
no; é jogo móvel de forças que, operando palavrório quando se pretende distinguir
Cãpítulo pYlTYieÍYO - C Ã ê n a s e e c a r a c t e r í s t i c a s e s s e n c i a i s d o r o m a n t is m o
entre natureza e arte. N o poeta, elas se dis esclarecedor: quase todos os expoentes de
tinguem quando muito pelo fato de serem destaque do rom antism o tiveram fortes
inteiramente intelectuais e não passionais e, crises religiosas e momentos de intensa re
por paixão, se tornarem involuntariamente ligiosidade, de Schlegel a Novalis, de Jacobi
fenômenos musicais e poéticos [...]” . Ou a Schleiermacher, a Fichte e a Schelling.
então: “ Sem genialidade, nós todos não N o próprio Hegel, a religião é o momento
existiríamos. Em tudo é necessário o gê mais elevado do espírito, superado somente
nio” . Ou ainda: “ A poesia cura as feridas pela filosofia. E a religião por excelência é
infligidas pelo intelecto” . E, por fim: “ O considerada a cristã, embora entendida de
poeta compreende a natureza melhor do variados modos.
que o cientista” .
Para N ovalis, o gênio torna-se até in flu ên cia d o elem en to c lá s s i c o
“ instinto m ágico” , a “ pedra filosofal” do e o u tro s te m a s e s p e c ífic o s
espírito, ou seja, aquilo que pode tornar-se
tudo. Sobre o componente constituído pela
Schelling fará da arte até mesmo, co grecidade e sobre a influência do elemento
mo veremos, o órgão supremo da filosofia clássico já falamos acima.
transcendental. Recordamos apenas que se trata de
grecidade revisitada com nova sensibilidade
e amplamente idealizada.
EO O a n s e io p e la lib e r d a d e Quanto a outros temas específicos,
este não é o lugar para o aprofundamento:
Ademais, os românticos nutrem o for como, por exemplo, o amor pelas origens,
tíssim o anseio pela liberdade, que para o sentimento nacional, o renascido interesse
muitos deles expressa o próprio fundamento pela Idade Média e, em geral, pela história.
da realidade — e, por isso, apreciam-na em Bastam essas observações, às quais, aliás,
todas as suas manifestações. teremos oportunidade de retornar.
N o Henrique de Ofterdingen, é ainda
Novalis quem escreve: “Toda cultura leva
àquilo que não se pode chamar senão de
liberdade, porquanto com esse termo se 6 y \ p re v a lê n c ia d o "c o n te ú d o "
deva designar não um simples conceito, so b re a fo rm a
mas o fundamento operativo de todo o ser.
Essa liberdade é magistério. O mestre exerce
plenos poderes, de modo planejado e em N o que se refere à forma de arte tipi
seqüência bem determinada e mediada. Os camente romântica, a característica essen
objetos de sua arte são de seu arbítrio, pois cial é a que Schlegel já indicara, ou seja, a
ela não é limitada ou impedida por eles. E prevalência do “conteúdo” sobre a forma
precisamente essa liberdade, ou magistério e, portanto, a reavaliação expressiva do in
ou domínio, constitui a essência e o fer formal (de onde o fragmento, o inconcluso
mento da consciência. E nela que se forja e o esboço que caracterizam as obras dos
a individualidade sagrada, a ação imediata autores desse período).
da personalidade. E cada ato do mestre
é, ao mesmo tempo, revelação do mundo
superior, simples e explicado, é palavra de
D eus.” Fichte fará da liberdade o fulcro 7 A s lig a ç õ e s
do seu sistema, e o próprio Hegel verá na e n t r e ro m a n tism o e filo so fia
liberdade a essência do espírito.
~ I. y\ c o n s t itu iç ã o —
d o c í r c u l o d o s r o m â n tic o s ,
a r e v i s t a /y \ t k e n a e u m //
e a d i f u s ã o d o ro m a n tis m o
• Jena foi a cidade em que no último lustro do século XVIII se constituiu o cír
culo dos românticos, cujos animadores foram os irmãos Schlegel, August Wilhelm
e Friedrich; este último fundou em Berlim em 1798 o órgão oficial
do novo movimento, a revista "Athenaeum" (cujas publicações A Escola
cessaram em 1800). Ao movimento aderiram Novalis, Tieck, Wa- romântica
ckenroder, Fichte, Schelling e, principalmente, Schleiermacher. $'
_ ~ II. F V iedricK -S c k le g e l, —
o c o n c e i t o de^ironia^
e a arte. c o m o |orma s upre-vncn d o e s p ír ito
2 A a r te co m o sín te se
Fnedrich Schlegel (1772-1829)
criador do círculo dos românticos d e fin ito e in fin ito
e fundador da revista “Atbenaeum
Para ele a arte é síntese de finito e infinito.
Por tudo o que dissemos, é evidente que
essa superação do espírito humano e o pôr-
infinito, enquanto é sempre pensamento se gradualmente acima dos limites e de toda
determinado. Ora, a ironia se insere nesse finitude valem não apenas para a filosofia,
contexto com o a atitude espiritual que mas também para a ética, para a arte e para
tende a superar e dissolver esse “determi todas as formas da vida espiritual, consti
n ado ” e, portanto, tende a impelir sempre tuindo autêntica marca do romantismo.
para mais além. A ironia, portanto, tende Segundo Schlegel, a arte é obra do
a suscitar um sentimento de contradição gênio criador que, precisamente por ser
não eliminável entre condicionado (finito) gênio, opera a síntese entre finito e infinito.
e incondicionado (infinito) e, ao mesmo O artista, o verdadeiro artista, é aquele
tempo, o desejo de eliminá-la e, por isso, o que se anula como finito para poder ser
sentimento da “ impossibilidade e necessida veículo do infinito. E, como tal, desenvolve
de da perfeita m ediação” ao mesmo tempo. elevadíssima missão entre os homens. Assim
Desse modo, a “ ironia” posiciona-se sem entendida, ou seja, como síntese de finito
pre acima de todo o nosso conhecimento, de e infinito, a arte assume também aspecto
toda a nossa ação ou obra. Em conclusão, a religioso, porque religião é “ toda relação
nova “ ironia” posiciona-se como o sentido do homem com o infinito” , e toda religião
de inadequação em relação à infinitude é mística, porque é “vida em Deus” .
de todo fato ou ato do espírito humano, Por fim, Schlegel apontou a “ indivi
exercendo nela papel decisivo o elemento dualidade” humana que se desdobra como
do “ espirituoso” ou do “ brincalhão” , ou a essência da moralidade. A máxima que
seja, do humor. melhor resume seu pensamento a esse res
Esse conceito de “ ironia” é quase o peito é a seguinte: “ Pensa-te como ser finito
pendant, de tonalidade aparentemente clas- educado para o infinito, e então pensarás
sicizante, mas na realidade profundamente um homem.”
romântico, do sentimento sério da Sehnsu- Em 1808, Schlegel se converteu e
cht (ansiedade), que descrevemos. abraçou o catolicismo. Era o desembocar
O filósofo Nicolai Hartmann nos deu flagrante da crise religiosa que grassava
disso caracterização muito eficaz: “ Schlegel praticamente em todos os românticos, mas
estava profundamente convicto da inex- que ele, diversamente dos outros, quis e
primibilidade e da incompreensibilidade soube levar às suas extremas conseqüências.
mística de tudo o que é último e autêntico
18
Primeira parte - O m o v im e n to r o m â n t ic o e a f o r m a ç ã o d o id e a lis m o
III. A) o v a l is :
d o i d e a l i s m o m ã g i c o a o cr is tia n is m o
c o m o r e l i g i ã o un iversal
escapa exatamente quando lhe parece mais considerava como elevadíssima mensagem
próxima, e que constitui o símbolo daquele de serenidade e harmonia. Entretanto, se
“ não sei quê” sempre perseguido e sonha gundo N ovalis, sem a mensagem cristã, a
do, mas nunca alcançado: a “ flor azul” é a única que sabe explicar o sentido da morte,
representação viva da romântica Sehnsucht, aquela harmonia não seria suficiente. Num
que nesse romance alcança expressões pa dos Hinos à noite, ele faz vir da Hélade um
radigmáticas. cantor (que sim boliza ele próprio) para
venerar o Cristo que veio ao mundo: “ De
uma costa distante, nascido sob o sereno
O c ristia n ism o céu da Hélade, um cantor veio à Palestina,
c o m o re lig iã o u n iv e rsal ofertando todo o seu coração ao menino
m iraculoso” , aquele menino que dava novo
sentido à m orte, trazendo-nos a “ vida
Novalis, porém, passou do idealismo eterna” .
mágico à visão inspirada no cristianismo, dan A “ noite” dos Hinos constitui impor
do início a uma reavaliação radical da Idade tante símbolo: é a antítese daquela mes
Média católica (no ensaio A cristandade ou a quinha “ luz” do intelecto iluminista, que
Europa), na qual via realizada a feliz unidade ilumina mediocridades, ao passo que a Noite
destruída por Lutero, considerado em certo é Absoluto. (Trata-se de uma retomada da
sentido como o precursor do tedioso, árido e célebre metáfora da “ noite” cara aos místi
estéril intelectualismo iluminista. “ Eram be cos). Nesses Hinos, a cruz de Cristo ergue-se
los e esplêndidos os tempos em que a Europa triunfalmente, símbolo da vitória sobre a
era terra cristã... ” — assim começa o ensaio, morte: “ Incombustível é a cruz, bandeira
que colheu de surpresa o próprio Schlegel e triunfal da nossa estirpe” : símbolo triunfal
que estava destinado a dar grande impulso porque é a única que sabe nos ajudar na dor
à reavaliação romântica da Idade Média. e na angústia e, como já dissemos, porque
Ele subordinou ao cristianismo a pró é a única que sabe explicar o sentido da
pria m ensagem grega, que, no entanto, morte.
Novalis (1772-1801)
representou a voz lírica
mais pura do círculo
reunido pelos Schlegel
em torno da revista “Athenaeum'
Com a esplêndida imagem
da “flor azul inatingível"
criou o símbolo da romântica
Sehnsucht (anseio do infinito).
Primeira parte - CD m o v im e n to r o m â n t ic o e a f o r m a ç ã o d o i d e a lis m o
“ IV. .Sckleie.^mache.r: zz
a i n t e r p r e t a ç ã o d a r e lig iã o ,
o r e l a n ç a m e n t o d e 1-^1a tã o
e a U.arvne.nê-iAÍ\<zcK
§riet>n($ Sdjfeiertttadjer^
lítemífdjet
V. -Holderl in
T • | I V_/ I V-- r I I » \
e. a d i v i n i z a ç ã o d a n a t u r e z a
V. 5ckiller:
a c o n c e p ç ã o d a ^ a l m a b e l a /;
e d a e d u c a ç ã o estática
das faculdades), que precisamente medeia próprio natureza e, portanto, expressão ime
a realidade e a forma, a contingência e a diata da natureza. Já o poeta “ sentimental” ,
necessidade. Esse jogo livre das faculdades que é o poeta moderno, não é natureza, mas
é a liberdade. Schiller também chama o sente a natureza, ou, melhor ainda, reflete
primeiro instinto de “ vida” , o segundo de sobre o sentir, e nisso se alicerça a comoção
“ form a” e o jogo livre de “ forma viva” , e poética. Escreve Schiller: “Aqui, o objeto
esta é a beleza. Para tornar o homem ver é referido a uma idéia, e sua força poética
dadeiramente racional, é preciso torná-lo reside apenas nessa referência. O poeta
“ estético” . A educação estética é educação sentimental, portanto, está sempre diante de
para a liberdade através da liberdade (por duas representações e sentimentos em luta,
que a beleza é liberdade). tendo a realidade por limite e a sua idéia por
infinito. E o sentimento misto que ele suscita
refletirá sempre essa dupla fonte.”
Os fermentos rom ânticos são mais
3. P o e s ia in g ê n u a que evidentes nessa concepção. O próprio
e p o e s ia se n tim e n tal Goethe, como todos os poetas modernos,
contra as intenções de Schiller e as apa
rências exteriores, com base nessa análise não
N o terceiro ensaio importante, Sobre a podia deixar de ser catalogado como poeta
poesia ingênua e sentimental, Schiller ilustra “ sentimental” . O cânon da beleza clássica
uma tese interessante. A poesia antiga era não podia mais realizar-se imediatamente
ingênua porque o homem antigo agia como na dimensão da natureza, mas apenas ser
unidade harmônica e natural e “ sentia natu “ buscado” através de itinerário mediato,
ralmente” : em suma, o antigo poeta era ele ou seja, como ideal romântico.
Primeira parte - O m o v im e n to r o m â n t ic o e a f o r m a ç ã o d o id e a lis m o
vi. ao e tke,
s u a s r e l a ç õ e s c o m o ro m a n tis m o
e a c o n c e p ç ã o d a natureza
johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) fui o grande dominador da era romântica
com sua poesia, seu estilo de vida e seu pensamento.
Teve também influencia extraordinária íobre a política cultural da época.
Este belo retrato de Goethe sobre o fundo da campanha romana,
executado por jobann Heinnch Wilhelm Tischbein em 1787.
encontra-se no Stádelsches Kunstinstitut de hrankfurt.
28
Primeira parte - O m o v im e n to r o m â n t ic o e a f o r m a ç ã o d o id e a lis m o
O s ig n ific a d o d e F a u sto
N o v a lis
Cristcindcide ou Curopa
O ensaio R Cristandade ou o Guropa (1799), apesar de sua brevidade, é um texto muito
denso e complexo, ao mesmo tempo um ensaio histórico, um estudo Filosófico e teológico e
uma obra de poesia.
Na história existe, segundo Novalis, uma relação particular entre passado e futuro: o passado
contém em si os germes daguilo gue será realizado apenas no Futuro e, portanto, o preFigura.
Saber ver em eventos passados estas preFigurações de eventos Futuros, sober colher a existência
de analogias proFundos entre eventos distantes entre si, indo além das aparências, signiFica lera
história de modo proFético e revelar seu íntimo progresso em direção à liberdade e à completude:
isto é o gue deve Fazer o historiador, gue é chamado não a registrar objetivamente os Fatos,
mas a interpretá-los, colocá-los em reloção mútuo, Fazer emergir seu significado proFundo. Nesta
leitura "em proFundidade" dos Fotos do história o historiador é assistido pelo "senso sagrado"
gue tem lugar no coração do homem. Graças ao senso sagrado é possível um conhecimento
mois aproFundado do mundo terreno, gue permite descobrir o aspecto moral do universo gue,
como um Fio, abre caminho através do mundo dos coisas visíveis e revelo sua ordem interior, o
sentido escondido. Revelar o sentido escondido dos eventos é o gue Novolis Faz nesse ensoio.
A Cristandade ou a £uropa percorre em grandes possos a história da Idade Médio até o
Fim do século XVIII e caracterizo os períodos históricos com base na presença ou na ausência do
senso sagrado. O ensaio obre-se com um olhar para os tempos míticos do Idode Médio, trans
Formado guose em uma "era de ouro", cujo senso sagrado era Florescente de modo espontâneo
e inconsciente, para passar depois paro o período da ReFormo protestante, em gue é Forte o
contraste entre senso sogrodo e racionalidade, entre Fé e saber. Com a Contra-reForma parece
voltor um período de renascimento do senso sagrado, mas na época das Luzes e da Revolução
Francesa ele será oFuscado em Favor das Faculdades racionais. Novalis capta, porém, no FinoI
do século XVIII, os sinais de umo época nova gue está poro nascer e gue são particularmente
evidentes justamente na fílemanha. fís últimas páginas do ensaio, extraordinárias por causa
da sugestão visionária gue o anima, traçam o perFil de umo nova era de ouro em gue o senso
sogrodo atingirá pleno e consciente realização.
Os trechos propostos apresentam a interpretação que Novalis oFerece do Iluminismo e da
époco nova que ele vê chegar.
O primeiro trecho reFaz as origens do Iluminismo (a oposição entre o senso sagrado e a razão).
O segundo ilustra suas característicos, limites e contradições (o Iluminismo,).
Novalis abandona depois o Iluminismo e passa a tratar dos traços de umo época nova gue
está paro nascer (terceiro trecho: O renascimento do senso sagrado no Fílemanha: os sinais
de uma época novaj).
Na perspectiva dessa nova época, Novolis volta Finalmente o olhar poro trás, a Fim de pro
curar compreender, para além dos limites e dos deFeitos do iluminismo, suo Função histórica,
oFerecendo um exemplo da leitura proFundo dos Fatos históricos de gue se Folou acima (guarto
trecho: Fl necessidade do Iluminismo para o progresso da história,).
1. fl oposição entre o senso sagrado blevaram com arrogância tanto maior contra a
e a razão antiga constituição. Instintivamente o erudito é
R Reforma havia sido um sinal do tempo, inimigo do clero segundo a antiga constituição;1
foi importante paro toda a 6uropa, embora o grupo dos eruditos e o do clero não podem
tendo explodido publicamente apenas na deixar de entravar guerras destrutivas, quan
Alemanha verdadeiramente livre. Os melhores do estão separados: eles de fato lutam pela
gênios de todas as nações haviam se tornado
secretamente maiores de idade e, enganan Trata-se da constituição em classes antes do Revo
do-se no sentimento de sua vocação, se su- lução francesa.
Cãpítulo segundo - O s f u n d a d o r e s d a E s c o l a r o m â n t ic a
próprio posição. €sta separação se acentuou ornamento colorido. A luz, por sua docilidade
sempre mais e os eruditos conquistaram tanto matemática e por seu atrevimento, tornou-se o
mais terreno quanto mais o clero da humani predileta deles. Alegravam-se pelo fato de que
dade européia aproximava-se do período da ela se deixasse decompor mais do que pelo
erudição triunfante, e o saber e a Pé entravam fato de que tivesse brincado com os cores e
em uma oposição mais saliente. Na fé se assim, da luz, chamaram sua grande empresa
procurou o motivo da estagnação geral e se lluminismo. Na Alemanha essa empresa foi con
esperou eliminá-la por meio de um saber que duzida de modo mais aprofundado, reformou-se
abrisse uma brecha naquela estagnação. £m a instrução, procurou-se dar à velha religião um
todo lugar o senso sagrado sofreu numerosas sentido moderno, racional, mais comum, lavan
perseguições nos formas por ele assumidas até do-a meticulosamente de todo traço de milagre
então e na sua configuração atual. O resultado e de mistério; mobilizou-se toda a erudição
do modo de pensar moderno foi chamado de para barrar qualquer escapatória para a histó
filosofio e lhe foi atribuído tudo aquilo que se ria, empenhando-se em enobrecer a história,
opunha ao antigo e, portanto, sobretudo toda transformando-a em um quadrinho de gênero,
idéia contra o religião. Aquilo que inicialmente Familiar e moral, doméstico e burguês.
era um ódio pessoal em relação à fé católica se Deus foi transformado em preguiçoso
transformou, pouco a pouco, em ódio em rela expectador do grande e comovente espetácu
ção à Bíblia, à fé cristã e, por fim, até à religião.
lo encenado pelos eruditos, que no fim devia
Mas não basta: o ódio em relação à religião oferecer uma suntuoso recepção e cumprimentar
se estendeu, de modo perfeitamente natural e solenemente os autores e os atores. A gente
conseqüente, a qualquer coisa que fosse objeto comum era iluminada com verdadeira predile
de entusiasmo; declarou heresia a fantasia e o ção e educada naquele entusiasmo erudito;
sentimento, a moralidade e o amor pela arte, nasceu assim uma nova corporação européia:
pelo futuro e pelo passado; colocou com difi a dos filantropos e dos iluministas. Pena que a
culdade o homem no cimo da série dos seres natureza, apesar dos esforços realizados para
naturais e transformou a infinita música criadoramodernizá-la, permanecesse tão maravilhosa
do universo no rangido monótono de um enorme e incompreensível, tão poética e infinita. Se,
moinho acionado pela corrente do acaso e a de algum lugar, surgia uma velha superstição
ela entregue, um moinho em si, sem construtor a respeito de um mundo superior ou de outro,
e sem moleiro, um verdadeiro e próprio perpe- logo, de toda parte, levantava-se um grande
tuum móbile. um moinho que mói a si mesmo. rumor e, se possível, a perigosa centelha era su
focada pela filosofia e pela argúcia; todavia, o
2. O lluminismo palavra de ordem dos eruditos era tolerância e,
flpenas um entusiasmo foi generosamente particularmente na frança, sinônimo de filosofia.
deixado ao pobre ser humano e tornado indis €ssa historio da irreligiosidode moderna
pensável como pedra de comparação da mais é singuloríssimo e é a chave de todos os fenô
alta cultura para todo acionista desta última. O menos gigantescos da época moderna. 0a tem
entusiasmo por esta esplêndida e grandiosa início apenas nesse século e particularmente na
filosofia, e de modo marcante para seus sa segundo metade, e em breve tempo assume
cerdotes e mistagogos.2 A frança, portanto, dimensão e variedade que não podem ser
ficou contente de se tornar o útero e a sede descuradas; uma segunda Reforma, que fos
desta nova fé que era uma mistura de puro se mais ampla e mais peculiar, era inevitável
saber. ímbora nessa nova Igreja a poesia fosse e devia necessariamente atingir em primeiro
desvalorizada, ainda assim existiam entre eles lugar aquele país que estavo mais de acordo
alguns de seus poetas que, para impressionar, com os tempos e que mais tempo permaneceu
recorriam aos antigos ornamentos e às velhas em estado de astenia pela falta de liberdade.
luzes, arriscando, porém, deste modo, iluminar Há tempo o fogo ultraterreno teria avançado e
o novo sistema do mundo com fogo velho. tomado vãos os plonos agudos do lluminismo,
Todavia, membros mais inteligentes sabiam caso não tivessem estado a seu favor a pressão
derramar logo água fria sobre ouvintes que já e a influência do mundo. Porém, no momento
haviam sido aquecidos. Os membros estavam em que surgiu um conflito entre os eruditos e os
empenhados sem descanso a limpara nature governos, entre os inimigos da religião e toda
za, o solo terrestre, as almas dos homens e as a sua companhia, eis que a religião teve de
ciências da poesia, a eliminar qualquer traço do
sagrado, a arruinar a lembrança de todos os
eventos e dos homens edificantes, servindo-se 2Os mistagogos soo os guias espirituais nos etapas
do sarcasmo, e a despojar o mundo de todo da asç0s0 .
Primeira parte - CD m o v im e n to r o m â n t ic o e a f o r m a ç ã o d o i d e a lis m o
oferecido também aqui era aplicado, como é mais se torna indolente em seus movimentos de
natural, especialmente às obros da antiguidade modo inversamente proporcional à sua recepti
clássica assim como na maior parte dos manuais vidade, e também nos mais vivazes, justamente
no âmbito peculiar das Sagrados êscrituras, não porque cada um em seu ser singular é o não
fiquei mais satisfeito do que antes. ser dos outros, o não compreensão jamais se
fl partir daí os ensaios mencionados no resolverá inteiramente. Mas se agora se tira dos
título constituem o quanto de mais significativo primeiros inícios a rapidez dos acontecimentos,
apareceu até hoje sobre este assunto. Ora, a reflexão é favorecida pela maior lentidão dos
quanto mais LUolf representa entre nós o espí movimentos e pelo mais longo atraso sobre a
rito mais refinodo, o genialidade mais livre da operação singular, e assim começa finalmente
filologia, e quanto mais o senhor Ast4ambiciona aquele período em que são coletadas expe
proceder em todo caso como um filólogo qu® riências hermenêuticas e adiantadas propostas:
opero filosoficamente, tanto mais instrutiva e fe eu com efeito preferiria defini-las ossim ao invés
cundo deve ser a associação dos dois autores. de falar de regras. Mas uma metodologia - e
€, assim, para o momento parece-me que a coi isso parece derivar quase por si do que foi dito
sa mais conveniente, seguindo estes guias, seja até agora - pode-se ter apenas quando tanto o
a de ligar meus pensamentos sobre o assunto língua em sua objetividade quanto o processo
da interpretação a seus princípios. [...] da produção dos pensamentos enquanto função
Todavia, examinando as coisas mais cla da vida espiritual do indivíduo são pesquisa
ramente, em todo momento de não compreen dos tão o fundo, em sua relação com o ser do
são nos encontramos ainda em uma situação próprio pensamento, que do modo em que se
análoga, mesmo que de menor porte. Mesmo procede em reunir e comunicar os pensamentos
se nos encontramos no mundo que nos é fami pode-se extrair um modelo pora expor em uma
liar, é todavia algo de estranho que nos vem concatenação completa o modo em que se deve
ao encontro na língua quando uma ligação de proceder na compreensão.
palavras recusa tornar-se clara, algo de estra Todavia, para esclarecer perfeitamente
nho que encontramos em nossa produção do este ponto devemos antes - e isso seria uma
pensamento e, embora seja análogo à nossa segundo tarefa em relação à primeira que aca
produção, não conseguimos fixar o nexo entre bamos de expor - ter feito plena justiça a uma
os membros particulares de uma série ou então idéia que o senhor Ast parece ter tido antes de
suo extensão, e por conseguinte oscilamos LUolf, uma idéia que, antes que se determine
inseguros; portanto, podemos iniciar sempre de modo decisivo por meio dela a configuração
apenas com a mesma audácia divinatório. da hermenêutica, parece ser mais um achado
Assim não podemos simplesmente contrapor do que uma descoberta: refiro-me à idéia se
nosso estado presente àqueles inícios gigan gundo a qual cada elemento particular pode
tescos da infância. Mas esso tarefa de com ser compreendido apenas por meio do todo e,
preender e de interpretar é um todo contínuo portanto, toda explicação do elemento particular
que se desenvolve gradualmente, e em seu pressupõe já a compreensão do todo.
contínuo proceder nos sustentamos sempre
mais mutuamente enquanto cada um oferece f. Schleiermacher,
aos outros termos de confronto e analogias, Os discursos acadêmicos de 1829,
mas ele começo sempre em cada ponto na Gm Hermenêutica.
mesma maneira presencial. Trata-se do lento
reencontrar-se do espírito pensante. Apenas 40 filólogo 0 filósofo Friedrich Ast (1778-1841) ensinou
que, como lentamente diminui tonto a circulação emJeno, landshut 0 Munique. Schleiermacher foz aqui umo
do sangue como a renovação da respiração, referência à sua obra Grundiinien der Grommotik, Herme-
também a alma quanto mais já possui tanto neutik und Hritik (Landshut, 1808).
íS a p í+ u lo t e r c e i r o
I. -hl a m a n n :
a r e v o Ita r e l i g i o s a c o n t r a a m z ã o ilumimsta
• Johann Georg Hamann (1730-1788) foi talvez o mais áspero e genial crítico
do Iluminismo, e o mais ardoroso defensor da religiosidade cristã que o Iluminismo
havia minado nas raízes.
• À razão iluminista, abstrata e despudoradamente divini-Crítica
zada, Hamann contrapõe a vida, a experiência concreta, os fatos do Iluminismo
reais e a história; contra o dualismo kantiano de "sensibilidade" e e defesa
"razão", ele acrescenta a linguagem, que é a razão que se torna da dimensão
sensível, assim como o Logos divino é o tornar-se carne de Deus. religiosa
Nesse horizonte assume por isso papel importante o conceito de ^ § 7
Revelação e se torna central a fé, principalmente a cristã.
concreta, os fatos reais e a história. E tam a ignorância daquelas regras de arte que
bém faz valer energicamente contra a abs Aristóteles descobriu refletindo sobre ele,
tração do conceito a concretude da imagem: e a ignorância ou a violação daquelas leis
“ Todo o tesouro do conhecimento humano críticas em Shakespeare? O gênio. Essa é a
e da felicidade é feito de imagens” . Contra resposta unânime. Sócrates, portanto, podia
o dualismo kantiano de “ sensibilidade” e até ser ignorante, pois tinha um gênio em
“ razão” , ele apresenta a linguagem como cuja ciência podia confiar, que ele amava e
o desmentido mais belo dessa concepção: temia como o seu Deus, cuja paz lhe impor
com efeito, a linguagem é a razão que se faz tava mais do que toda a razão dos egípcios
sensível, como o Logos ou “ Verbo” divino e dos gregos, em cuja voz ele acreditava e
é Deus que se faz carne. através de cujo sopro [...] o vazio intelecto
Conseqüentemente, em Hamann as de um Sócrates podia tornar-se tão fecundo
sume papel muito importante o conceito quanto o ventre de uma virgem intacta” .
de Revelação: “ O livro da criação contém E evidente que, nesse horizonte de
exemplos de conceitos universais que Deus pensamento, a fé torna-se elemento central,
quis revelar à criatura através da criatura. apresentando-se como o fulcro em torno do
“ Os livros da aliança contêm exemplos de qual tudo deve girar.
artigos secretos que Deus quis revelar ao Hamann foi talvez o mais áspero e ge
homem por meio dos homens” . nial crítico do Iluminismo e o mais denoda-
Sócrates, pai do racionalism o para do defensor daquela religiosidade e daquele
os iluministas, torna-se para Hamann, ao cristianismo, que o Iluminismo minara pelas
contrário, uma espécie de gênio profético raízes. Sem dúvida, ele foi profeta e corifeu
inspirado por Deus. Eis algumas afirmações de uma nova época, ainda que o espírito da
importantes dos hamannianos Memoriais nova época se tenha desviado para direções
socráticos: “ O que substitui em Homero opostas às apontadas pelo “mago do Norte” .
Cãpltulo terceiro - " P e n s a d o r e s q u e c o n t r ib u í r a m p a r a a s u p e r a ç ã o d o CJIum m ism o
i i . 3 a c o bi e a reava liaçao d a fe
diação, que, para ele, são a filosofia. M as ferozes adversários de Jacobi nas respectivas
considera a posição de Jacobi até paradig fases finais do seu pensamento, seriam obri
mática, dedicando-lhe amplo exame. Para gados, contra a vontade e sem reconhecê-la,
Hegel, Jacobi representa a posição do acesso a concordar com muito daquilo que ele dis
imediato ao absoluto, em relação à qual a se. Tudo isso é suficiente para demonstrar
posição hegeliana pretende ser a exata antí que Jacobi foi uma das figuras-chave entre
tese. O próprio Fichte, e também Schelling, os corifeus do pensamento da era romântica.
III. "Herder:
a c o n c e p ç ã o an+iiluminis+a d a l i n g u a g e m
e d a kisíóna
distingue-se do animal pela “ reflexão” . E a inteiramente nela. Todavia, seu livro sobre
reflexão cria a linguagem, fixando o jogo o assunto, Deus, já citado, está cheio de
móvel das sensações e dos sentimentos na apor ias e incertezas.
expressão lingüística. A poesia é algo de
profundamente natural, que se constitui 4) Por fim, destaca-se a idéia de cristia
ainda antes da prosa que, ao contrário, nismo, entendido não tanto como uma das
pressupõe a mediação lógica. A língua fixa o religiões, mas como a religião da humani
marejar dos sentimentos, oferece ao homem dade. Porém também nesse ponto Herder
os meios para expressá-los e faz com que se m ostra am bíguo, porque não parece
todo progresso humano ocorra com e pela disposto a conceder a divindade a Cristo,
língua, a ponto de Herder afirmar que nós no sentido da teologia cristã. Entretanto,
somos “ criaturas da língua” . não o transforma em idéia ou símbolo, mas
o considera como homem que viveu aquele
2) tipo de vida que leva de modo perfeito a
A visão herderiana da história tam
bém é profundamente nova em relação à Deus. E nesta chave ele interpreta também
visão iluminista. a teologia paulina.
a) Como a natureza é organismo que Muitos dos conceitos que Herder ex
se desenvolve e progride segundo esquema pressou em uma moldura teórica incerta,
finalístico, da mesma forma a história é de quando situados em novas perspectivas
senvolvimento da humanidade que também idealistas, conhecerão desenvolvimento
se desdobra conforme um esquema finalísti essencial; sucesso particular terá a filosofia
co. Deus opera e se revela tanto na primeira da história, que encontrará em Hegel sua
como na segunda. máxima expressão.
b) Portanto, a história está necessaria
mente voltada para a concretização dos fins
da Providência de Deus; por conseguinte, o
progresso não é simples obra do homem,
mas obra de Deus que leva a humanidade à
plenitude da realização.
c) N o decurso histórico, toda fase (e
não somente a fase terminal) tem significado
próprio (Herder reavalia fortemente a Idade
Média na obra Ainda uma filosofia da histó
ria, ao passo que na mais breve Idéias para
uma filosofia da história da humanidade
a valorização que faz se revela bem mais
contida).
d) Por fim, à concepção iluminista do
Estado, Herder contrapõe a idéia de “ povo”
considerado como unidade viva, quase como
organism o (idéia, aliás, que prosperaria
muito).
V. O s d e b a te s so b re as a p o ria s
d o k a n tism o
e o s p r e lú d io s d o id e a lis m o
Capítulo quinto
Capítulo sexto
R ck+ e
e o idealismo etico
I. j A v i d a e a s o b r a s
pelas idéias da Revolução Francesa. Conhecia revelar a verdade e o nome do autor, Fichte
Kant apenas de nome. M as um estudante tornou-se repentinamente célebre. Já em
pediu-lhe aulas exatamente sobre Kant. E, 1794, por indicação de Goethe, foi chamado
assim, Fichte foi obrigado a ler as obras do à Universidade de Jena, onde permaneceu
filósofo de Kónigsberg, que constituíram até 1799.
para ele uma autêntica revelação. A Crítica Esse período constitui seus anos doura
da razão prática descerrou-lhe os insuspei- dos, os anos de sucesso e de popularidade,
tados horizontes da liberdade, sugeriu-lhe com as obras que tiveram maior ressonância,
novo sentido da vida e o fez sair do pessimis entre as quais recordamos: os Fundamentos
mo fechado que o oprimia. Em Kant, Fichte da doutrina da ciência (1794), os Discursos
descobriu a chave de sua própria vocação e sobre a missão do erudito (1794), os Funda
de seu próprio destino. Apesar da carência mentos do direito natural (1796) e o Sistema
de meios materiais e de ganhar a duras penas da doutrina moral (1798).
o que necessitava para sobreviver, escreveu Em 1799 explodiu acalorada polê
que aquela descoberta o tornou interiormen mica sobre o ateísmo, na qual Fichte foi
te riquíssimo, a ponto de sentir-se até “ um envolvido, sobretudo por causa de artigo
dos homens mais felizes do mundo” . de seu discípulo Forberg. Fichte sustentava
Fichte compreendeu tão bem o pensa que Deus coincide com a ordem moral do
mento de Kant que no ano seguinte, depois mundo e que, portanto, não se pode duvidar
de uma estadia em Varsóvia (para onde se de Deus. Forberg, porém, ia além, susten
dirigira na qualidade de preceptor), já estava tando que era possível não crer em Deus e,
em condições de escrever a obra intitulada não obstante, ser religioso, porque, para
Ensaio de crítica de toda revelação, na qual ser religioso, basta crer na virtude (e, por
aplicava de m odo perfeito os princípios tanto, se podia ser religioso até sendo ateu
do criticismo, apresentando-a ao próprio ou agnóstico). A polêmica degenerou, em
Kant, em Kónigsberg. Esse escrito marcou virtude do comportamento imprudente de
o destino de Fichte. O editor Hartung o pu Fichte em relação à autoridade política e à
blicou em 1792, por intercessão de Kant, sua atitude orgulhosa, tanto que, no fim das
mas sem imprimir o nome do autor, de contas, o filósofo foi obrigado a apresentar
modo que foi confundido com trabalho do sua demissão.
próprio Kant. Quando Kant interveio para
político-m ilitar m ediante renascim ento toda a sua vida. Os estudiosos chegaram a
moral e cultural, e afirmava inclusive o pri contar cerca de doze e até quinze escritos
mado espiritual do povo alemão, levaram que constituem reelaborações explícitas
novamente Fichte ao auge. Em 1810, com ou que podem ser considerados nessa ótica
a fundação da Universidade de Berlim, foi (muitos deles publicados somente depois
chamado pelo rei como professor efetivo, e da morte do filósofo). São importantes as
chegou a ser eleito reitor. Morreu em 1814 reelaborações de 1801, 1804, 1806, 1810,
de cólera, contagiado pela mulher, que con 1812 e 1813, nas quais, como veremos, Fi
traíra a doença cuidando dos soldados nos chte vai decididamente além dos horizontes
hospitais militares. da redação primitiva.
As obras do período berlinense mar Todavia, o sucesso de Fichte permane
cam, no pensamento de nosso filósofo, uma ceu ligado à Doutrina da ciência de 1794,
reviravolta notável do ponto de vista teórico. na qual os românticos encontraram resposta
Além do Estado comercial fechado (1800), fundamental às suas instâncias, como vere
recordamos: A missão do homem (1800), a mos, e da qual F. Schlegel chegou até a dizer
Introdução à vida bem-aventurada (1806) que, juntamente com o Wilhelm Meister de
e os Traços fundamentais da época presente Goethe e a Revolução Francesa, represen
(1806). M as devemos destacar sobretudo as tava uma das três diretrizes principais do
inumeráveis reelaborações da Doutrina da século. Vejamos, portanto, em que consiste
ciência. Fichte reescreveu essa obra durante essa grande “ diretriz do século” .
mundo novo. Ela demole afirmações que eu chegar às últimas conclusões que lhe permi
pensava irrefutáveis e demonstra teses que tissem unificar o sensível e o inteligível.
cria indemonstráveis, como o conceito de A grande novidade de Fichte, o golpe
liberdade absoluta, de dever etc.” de gênio que o levou à criação da nova filo
M as Fichte também estava convencido sofia, consistiu na transformação do Eu pen
de que o discurso de Kant não era conclusi so kantiano em Eu puro, entendido como
vo. Kant forneceu todos os dados para cons intuição pura, que se autopõe (se autocria)
truir o sistema, mas não o construiu. O que e, autopondo-se, cria toda a realidade, e na
Fichte pretendia era construir esse sistema, relativa identificação da essência desse Eu
transformando a filosofia em ciência rigo com a liberdade.
rosa, que brotasse de um princípio primeiro Fichte insistiu várias vezes em dizer
supremo: trata-se da chamada “ doutrina da que seu sistema nada mais era do que a fi
ciência” (Wissenscbaftslehre). losofia kantiana, exposta com procedimento
diferente do de Kant. Entretanto, Kant não
se reconheceu na “ doutrina da ciência” de
21| l ^ o " í r t i pen so*
Fichte. E tinha razão: ao pôr o Eu como
princípio primeiro e dele deduzir a realida
-' u
a o csu pu^o
n
de, Fichte criava o idealismo, cujos pontos
principais devemos examinar agora.
//
III. ^doutrina d a c iê n c ia
Visto que tanto um quanto outro mo é evidente que a autoconsciência pura per
mento se verificam no âmbito do Eu infinito, manece como limite do qual podemos nos
conseqüentemente se dá uma dinâmica que, aproximar, mas que nunca podemos atingir,
nos dois âmbitos, de modo diferente, se des exatamente por razões estruturais (derrubar
dobra em progressiva superação e domínio todo limite significaria derrubar a própria
do limite, como veremos. consciência).
IV . T-Vob Ie m a s m o ra is
v . * s e g u n d a fa s e
d o p e n s a m e n t o d e Tnckte ( Í 8 0 0 - Í 8 Í 4)
V I . (Sorvclusões:
F ick + e e o s ro m â n tic o s
FICHTE
O EU PURO E OS TRÊS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
DA DOUTRINA DA CIÊNCIA
1. ( ) liu oftóe absolutam ente a si. denlro de si. um não-eu i.AN I I IF.SF.l
Nn l:n absoluto, o eu lim ilaJo e o não-eu lintilado lim ilam -se reciprocamente |SIN"I I S F.)
p or meio da
liberdade
que v p oder a b so lu to
de determinar
J. G. F it c h e
Poro responder às críticos suscitados pela sua Doutrina do ciência de 1794, Fichte empreen
de a publicação em partes na revista "Jornal filosófico", o partir de 1797, do pensamento ex
presso naquela obra, expondo-o em uma forma novo e respondendo a problemas que havia
levantado.
Na primeira porte da obra, projetada por Fichte com o título £nsaio de uma nova exposição
da doutrina da ciência, estava contida a Introdução que apresentamos aqui integralmente, e
que o filho de Fichte, ao publicar os escritos do pai, intitulou de Primeira introdução à doutrina
da ciência, título que permaneceu canônico.
Esta Introdução constitui o "manifesto" do idealismo e é apresentado com argúcia e notável
darezo.
O objetivo que Fichte se propõe é o de apresentar a idéia de fundo do idealismo, o que
deveria se impor como o único sistema filosófico coerente. O idealismo, segundo Fichte, não seria
refutável; quem procura refutá-lo, demonstra não entendê-lo. O motivo de fundo que impele a
escolher o idealismo não é de caráter intelectual, mas moral: com efeito, escolhe o idealismo
quem ama a liberdade, porque é apenas o idealismo que verdadeiramente a justifica.
Para alcançar este objetivo, Fichte procede como segue.
Temos representações de dois tipos: algumas são livres, outras se apresentam sempre
acompanhadas de um sentimento de necessidade.
O conjunto dos representações acompanhados pelo sentimento da necessidade é o que
chamamos de experiência, fí tarefa da filosofia é justamente a de fornecer explicação da ex
periência e, portanto, do sistema das representações acompanhadas da necessidade.
Ora, aquilo que dá razão da experiência está fora da experiência, pelo motivo de que o
fundamento, enquanto tol, está fora daquilo que é fundamentado.
Os sistemas filosóficos que procuraram prestar contas da experiência são apenas dois: o
idealismo e o dogmatismo. O primeiro, para explicar a experiência, prescinde da coisa em si 0
se dirige à inteligência; o segundo, ao contrário, se dirige sobre a coisa em si.
/Vias aquilo sobre o que se fundamenta o dogmatismo, a coisa em si, não tem realidade
e pode ser considerada mera "invenção", ao passo que o objeto do idealismo faz referência
a dados precisos e incontroversos de consciência.
Dogmatismo e idealismo não têm entre si pontos em comum, e, portanto, não podem ser
refutados com armas lógicas. Seus princípios não são ulteriormente dedutíveis, e por isso suas
aceitações não podem ser discutidas logicamente. O idealista não pode refutar o dogmático,
porque este porte do coiso em si e dela foz derivor tudo, inclusive o consciência e a liberdade.
O dogmático não pode refutar o idealista, porque este não admite a existência da coiso em
si, sobre a qual o dogmático fundamento todos os seus raciocínios.
Coloca-se, então, o problema de fundo: do que depende a escolho que alguém faz?
Fundamentalmente, o interesse supremo que o homem tem é oquele que se refere a si
mesmo. /1/las há dois modos opostos de interessar-se por si mesmo, dois tipos diversos de
homens que atuam estes dois interesses. De um lado, há aqueles que, não estando ainda
elevados ao sentimento da liberdade e da autonomia em sentido adequado, têm apenas uma
consciência dispersa e apegada às coisas e, portanto, se dirigem às coisas e têm fé nelas por
amor a si. Do outro lado, ao contrário, há aqueles que se dirigem não às coisas, mas o si, ou
seja, à própria liberdade e autonomia.
Fls conclusões de Fichte, portanto, são as seguintes: o tipo de filosofia que alguém
escolhe, depende do tipo de homem que ele é; se tem fé nas coisos mais do que no liber
dade, será um dogmático; se tem, ao contrário, uma autêntica fé em si e na liberdade, será
um idealista.
*■
Segunda parte - F u n d a ç ã o e a b s o l u t i z a ç ã o e s p e c u l a t i v a d o i d e a lis m o
sõo acompanhadas pelo sentimento da neces a ciência que se preocupa de realizar a tarefa
sidade chama-se também experiência, tanto que indicamos.
interna quanto externa. Portanto, a filosofia
- para dizê-lo em outras palavras - deve indicar
o fundamento de toda experiência. II. O fundamento que dá a razão
de toda experiência
4. Três objeções e respostas às mesmas está fora da experiência
Contra o que acabamos de afirmar po
dem ser levantados apenas três tipos de ob
jeções. 1. O fundamento que explica aquilo
fllguém poderia, de um lado, negar que que está fundamentado
existam na consciência representações que não entra no âmbito deste último
sejam acompanhadas pelo sentimento da C possível indagar-se a respeito do fun
necessidade e que se refiram a uma verdade damento apenas para aquilo que se julgou
determinada sem nenhuma contribuição neste como contingente, isto é, como algo do qual
sentido de nossa parte. Quem levanta essa se pressupõe a possibilidade de ser também
objeção, ou nega, indo contra a boa-fé, ou diferente de como é, e que, todovia. não deva
então é preciso supor que ele seja feito de ser determinado pela liberdade; e justamente
modo diverso em relação aos outros homens: pelo fato de que nos interrogamos sobre seu
mas se assim fossem as coisas, então para ele fundamento, ele se torna contingente para
não existiria sequer aquilo que ele nega, e não aquele que se põe esta pergunta, fl tarefa de
existiria nenhuma negação, e por isso podemos buscar o fundamento de uma coisa contingente
com razão descurar sua objeção. significa mostrar alguma outra coiso de cuja
Ou então alguém poderia dizer que a determinação se possa compreender por que
questão levantada é completamente insolúvel, o principiado1 assumiu, entre as múltiplas de
que, a respeito, nos encontramos em um esta terminações possíveis, justamente aqueío que
do intransponível de ignorância no qual somos tem. Conseqüentemente ao conceito de funda
forçados a permanecer. Deixar-se envolver por mento, este último cai fora do fundamentado;
alguém que levante questões deste tipo, e adu ambos, fundamentado e fundamento, à medida
zir motivações e contramotivações é totalmente que são tais, são opostos um ao outro e são
inútil. O melhor modo de refutá-lo é fornecer postos lado a lado, de modo que o primeiro é
uma resposta efetiva à pergunta; não lhe resta explicado graças ao segundo.
rá, então, nada mais a não ser examinar nossa
tentativa e indicar os pontos e as razões pelas 2. O conceito de fundamento
quais isso não lhe pareça suficiente. não pode ser entendido
Por fim, alguém poderia pôr em discus a não ser deste modo
são a denominação, e afirmar que a filosofia
é algo totalmente diferente, ou então que ela Ora, a filosofia deve indicar o fundamento
compreende também outras coisas além daque de toda experiência e, portanto, seu objeto
las que foram por nós indicadas, fl este seria necessariamente está fora de toda experiência.
fácil provar que desde sempre, e por parte de Cste princípio vale para toda filosofia, e teve
todas as pessoas que se ocuparam dela com igualmente valor universal até a época dos
competência, justamente aquilo que indicamos kantianos e de seus dados da consciência, ou
foi considerado filosofia; que tudo aquilo que seja, da experiência interna.
ele gostaria de passar como filosofia tem já Não há nenhuma objeção contra o prin
outros nomes; que, se este termo deve designar cípio aqui enunciado: com efeito, a premissa
algo de preciso, ele deve designar justamente de nosso raciocínio consiste "simplesmente na
a ciência que indicamos. análise do conceito de filosofia que enuncia
mos, e o resto é aquilo que se segue de tal
5. fl doutrina da ciência responde premissa. C se alguém quisesse lembrar que
a estes problemas o conceito de fundamento deve ser explicado
de modo diverso, não podemos certamente
fl partir do momento, porém, que não pre impedir que, ao usar esta expressão, ele pense
tendemos de foto deixar-nos envolver em uma aquilo que quiser: somos, porém, autorizados a
infrutuosa disputa centrada sobre um termo,
de nossa parte temos já renunciado há tempo
a este nome e chamamos doutrina do ciência € tudo oquilo que derivo do Princípio. [N. do T.]
Segunda parte - F u n d a ç ã o e a b s o l u t i z a ç ã o e s p e c u l a t i v a d o id e a lis m o
declarar que nós, na definição de filosofia que dogmatismo, elas são o produto de uma coisa
propusemos mais acima, não queremos enten em si que é seu pressuposto.
der nada mais que aquilo que indicamos. Se Se alguém quisesse negar este princípio,
não se devesse atribuir à filosofia o significado deveria demonstrar ou que existe também um
que indicamos, isso comportaria a negação da outro modo, diverso da abstração, para ele
possibilidade da filosofia em geral assim como var-se acima do experiência, ou então que na
nós a entendemos: mas, em relação o isso, já consciência da experiência existe algo o mais
tomamos posição mais acima. que os duas partes que mencionamos.
Ora, quanto ao que se refere ao primeiro
ponto, emergirá mais claramente mais à frente
III. Os dois sistemas filosóficos que aquilo que indicamos como inteligência
aparece, com efeito, na consciência sob outro
que procuram dar razão predicado, e que não é, portanto, algo que é
de toda experiência possível produzido unicamente por meio da abstração;
mas também se demonstrará que a consciên
cia da inteligência se fundamenta sobre uma
1. Paro explicar a experiência abstração que é perfeitamente natural para o
pode-se prescindir da coisa em si, homem.
dirigindo-se à inteligência Não se nego absolutamente que seja
(como o idealismo), perfeitamente possível fundir em um conjunto
ou então prescindir da inteligência fragmentos destes dois diferentes sistemos,
dirigindo-se à coisa em si e que este trabalho inconseqüente tenha sido
(como o dogmatismo) feito com muita freqüência; queremos negar,
O ser racional finito não possui nada fora porém, que, seguindo um procedimento con
do experiência: é ela que contém toda a matéria seqüente, sejo possível um número maior de
de seu pensamento. O filósofo se encontra ne sistemas além destes dois.
cessariamente nas mesmas condições: parece,
portanto, inconcebível que ele posso elevor-se
acima da experiência. IV. O fundamento que o idealismo
€le, porém, pode abstrair; pode separar e o dogmatismo apresentam
por meio da liberdade do pensamento aquilo
que na experiência permanece preso. No ex para explicar a experiência
periência, a coisa, ou seja, aquilo que aparece
como determinado de modo independente de
nossa liberdade e sobre o qual nossa experiên 1 .0 objeto de uma filosofia
cia deve se regular, e o inteligência, que deve
conhecer, estão unidas de modo inseparável. O Definimos objeto de uma filosofia o funda
filósofo pode abstrair de uma das duas, e, des mento que explica a experiência proposto por
se modo, ele abstrai da experiência e se eleva uma filosofia, pois ele parece existir apenas
acima dela. Se ele abstrair da coisa, resta-lhe graças a esta última e para esta última. (Entre o
uma inteligência em si, isto é, separada da ex objeto do idealismo e o do dogmatismo existe
periência; se abstrair da inteligência, então lhe uma diferença importante a propósito de sua
resto uma coisa em si, isto é, separada do fato relação com a consciência. Tudo aquilo de que
de que o coisa em si aparece na experiência, estou consciente chama-se objeto da consciên
como fundamento explicativo desta última. O cia. Gxistem três tipos de relação possíveis entre
primeiro procedimento chama-se idealismo, o este objeto e o sujeito das representações:
segundo chama-se dogmatismo. 1) ou o objeto aparece como produto do
representação da inteligência;
2. Idealismo e dogmatismo
2) ou aparece como existente sem nenhu
são os únicos dois sistemas
ma contribuição por parte da própria inteligência;
filosóficos possíveis
3) ou então aparece, por fim, ou como
determinado também no que se refere à própria
O que acabamos de dizer deveria ter natureza, ou como existente unicamente pelo
persuadido de que são possíveis apenas estes fato de que existe, mos determinável pela livre
dois sistemas filosóficos. Conforme o idealis inteligência no que se refere à sua natureza.
mo, as representações acompanhadas pelo fl primeira relação diz respeito a algo
sentimento da necessidade são o produto da puramente inventado, com ou sem um fim; o
inteligência que é seu pressuposto; conforme o segundo diz respeito a um objeto da experiên
Capitulo quarto - T"ick+e e o i d e a lis m o é tic o
cia; o terceiro diz respeito apenas a um único a experiência pode ser efetivamente explicada
objeto que queremos logo mostrar. recorrendo à coisa em si, e que, sem ela, não é
absolutamente explicável: mas a questão está
2. O objeto do idealismo é o "€u em si” justamente nisto, e não é lícito pressupor aquilo
que ao contrário deve ser demonstrado.
Sem dúvida posso induzir-me livremente
a pensar isto ou aquilo: por exemplo, o pensar 4. fl vantagem que o objeto do idealismo
a coisa em si do dogmático. Se agoro abstraio tem sobre o do dogmatismo
daquilo que é pensado, e dirijo o olhar unica
mente sobre mim, eis que eu me torno para O objeto do idealismo tem, portanto, em
mim mesmo, neste objeto, o objeto de uma relação ao do dogmatismo, a vantagem de que
representação determinada. O Pato de que eu ele deve ser demonstrado não como fundamen
apareça para mim mesmo determinado justa to explicativo da experiência - o que resultaria
mente deste modo e não de outro, exatamente contraditório e transformaria este sistema em
como pensante, e pensante, entre todos os uma parte da experiência - mas, em geral,
pensamentos possíveis, justamente na coisa na consciência; o objeto do dogmatismo, ao
em si, deve depender, a meu ver, de minha contrário, não pode ser mais que pura invenção
determinação que eu faço de mim mesmo: eu que deve sua realização apenas pelo êxito do
me tornei livremente a mim mesmo o tal objeto. sistema.
Cu, porém, não me tornei o mim mesmo em si, Cstas observações foram feitas apenas
mas, ao contrário, sou levado necessariamente para permitir uma compreensão mais clara das
a pressupor a mim mesmo como aquilo que diferenças entre os dois sistemas e, portanto,
deve ser determinado pelo autodeterminação. não para delas deduzir conseqüências lógicas
Mas eu próprio sou, para mim, um objeto cuja contra o dogmatismo. Longe de querer que
natureza, em determinadas condições, depende isso se transforme em desvantagem para um
unicamente da inteligência, cuja existência deve sistema, é a própria natureza da filosofia que
sempre ser pressuposta. exige que o objeto de toda filosofia, como
Ora, justamente este €u em si2 constitui o fundamento explicativo da experiência, deve
objeto do idealismo. O objeto deste sistema, encontrar-se fora da própria experiência. Por
portanto, se apresenta verdadeiramente na qual razão o objeto deva depois se encontrar na
consciência como algo de real; não como uma consciência de modo particular, a isso ainda não
coiso em si, o que comportaria que o idealismo estornos em grau de fornecer explicações.
deixasse de ser aquilo que é, e o transforma
ria em dogmatismo, e sim como 6u em si: não 5. Respostas a algumas objeções
compreendido como objeto da experiência, pois contra o idealismo
o Cu em si não é determinado, mas torna-se
determinado apenas por mim mesmo, e, sem Caso alguém não conseguisse estar
esta determinação, não seria nada e de fato convencido do que acabamos de afirmar, isso
não existiria; mas é entendido como algo que não prejudicaria ainda a possibilidade de se
se eleva acima de todo experiência. convencer do conjunto, a partir do momento de
que tudo o que dissemos constitui apenas uma
observação de passagem. Além disso, como me
3. O objeto do dogmatismo é a "coisa em si" propus, levarei em consideração as possíveis
O objeto do dogmatismo, ao contrário, objeções também a este ponto.
pertence aos objetos da primeira classe, os fllguém poderio negar a existência, que
quais são produzidos somente pelo pensa nós sustentamos, da autoconsciência imediata
mento livre; a coisa em si é pura invenção, em uma atividade livre do espírito. R quem o
e não possui nenhuma consistência. €la não fizesse, deveremos apenas lembrar, mais uma
aparece na experiência: com efeito, o sistema vez, as condições indicadas a propósito. Fl
da experiência é tão-somente o pensar que autoconsciência não se impõe, e não vem por
é acompanhado pelo sentimento da necessi si; é preciso de fato agir de modo livre, depois
dade; e nem mesmo o dogmático, que deve, abstrair do objeto e dirigir o olhar apenas sobre
como todo filósofo, indicar seu fundamento,
pode substituí-lo por alguma outro coisa. O
dogmático quer, na verdade, garantir à coisa 2flté agoro evitei esto expressão paro não dar ocasião
em si a consistência, ou seja, a necessidade poro uma representação do €u como coiso em si. Minho
de ser pensado como o fundamento de todo cautela foi inútil: por este motivo agoro me servirei dela
pois não vejo com quem eu deveria tomar cuidado. [Nota
experiência; e poderá fazê-lo, caso prove que de fichte]
Segunda parte - F u n d a ç ã o e a b s o l u t i z a ç ã o e s p e c u l a t i v a d o id e a lis m o
si mesmos. Ninguém pode ser obrigado o fazê- de umo coisa em si e, portanto, assim aparecem
lo, e mesmo que desse o entender que o seria, também nossas supostas determinações por
jornais se poderia dizer se nisso ele procede meio da liberdade, juntamente com a opinião se
corretamente e como lhe é pedido fazer. Cm gundo o quol nós sejamos livres. Csta opinião se
suma: esta consciência não pode ser demons produz em nós por efeito da coisa em si; de igual
trada a ninguém; coda um deve produzi-la em modo são produzidas as determinações que nós
si mesmo por meio da liberdade. deduzimos de nosso liberdade, porém nós não
Contra a segunda afirmação, ou seja, que o sabemos, e é por isso que não os atribuímos
a coisa em si é pura invenção, poder-se-ia le a nenhuma causo, e podemos, portanto, atribuí-
vantar objeções openos se ela fosse mal-enten las à liberdade. Todo dogmático que seja con
dida. Nós o remeteremos, então, ã descrição, seqüente é necessariamente fatal isto: ele não
feito mais acima, da origem deste conceito. nega o fato da consciência pela qual nós nos
consideramos livres, porque isso seria contrário
à razão; todavia, ele demonstra, deduzindo-a
V. Idealismo e dogmatismo de seu princípio, o falsidade desta afirmação.
não têm pontos em comum Cie contesta completamente a autonomia
do Cu, sobre a qual se fundamenta, ao contrário,
e são incompatíveis entre si o idealista, e o reduz apenas o um produto das
coisas, a um acidente do mundo; o dogmático
conseqüente é tombém necessariamente mate
1. Os dois sistemas rialista. Cie poderio ser refutado apenos partin
não podem ser refutados um pelo outro do do postulado da liberdade e do autonomia
porque seus princípios do Cu: mos é justamente isso que ele nega.
não podem ser deduzidos
Nenhum destes dois sistemas pode re 3. Por que o dogmatismo
futar diretamente o oposto: com efeito, suo não pode refutar o idealismo
controvérsia refere-se ao princípio primeiro, não Do mesmo modo, nem o dogmático pode
ulteriormente dedutível. Cada um deles refuta o refutar o idealista.
princípio primeiro do outro apenas se é aceito O princípio do dogmático, a coisa em
somente o próprio. Cada um nega inteiramente si, não é nada e, como deve reconhecer seu
o somente, e não têm sequer um ponto em co próprio defensor, ela não possui nenhuma rea
mum sobre o qual se apoiar para se compreen lidade exceto a que lhe derivaria do foto de
derem e se conciliarem reciprocamente. Mesmo que openos partindo do coiso em si é possível
que eles possam parecer de acordo sobre as explicar a experiência.
palavras de uma proposição, cada um, todovia, O idealista aniquila esta demonstração
as entende em sentido diferente.3 explicando a experiência de modo diverso e,
portanto, contesta justamente o fundamento
2. Por que o idealismo
não pode refutar o dogmatismo
Cm primeiro lugar, o idealismo não pode 56 este o motivo pelo qual Kant nõo foi compreendido e
refutar o dogmatismo. O idealismo, como vimos, o doutrina da ciência nõo encontrou nenhuma vio de acesso,
nem é provável que a encontre logo. O sistema kantiano e o
tem de foto o vantagem sobre o dogmatismo da doutrino da ciência são ambos idealistas, nõo segundo
de estar em grau de mostrar no consciência seu o costumeiro significado impreciso, mas conforme o preci
fundamento explicativo da experiência, isto é, so que acabo de ser indicado; os filósofos modernos, ao
a inteligência que age livremente. Também o contrário, são no conjunto dogmáticos, e estão firmemente
decididos o permanecer tais. Kant é suportado apenas
dogmático deve admitir este fato como tal: coso pelo fato de que foi possível dele fazer um dogmático; a
contrário, com efeito, ele se veria impossibilita doutrina da ciência, que não permite uma transformação
do de manter qualquer conversa posterior com o desse tipo, resulta necessariamente intolerável para estes
idealista; mas o dogmático transformo este fato expertos das coisas do mundo. A rápida difusão do filosofia
em aparência e ilusão, partindo de seu princípio kantiano, depois que foi compreendida como o foi, não é
uma prova da profundidade, e sim da superficialidade de
e deduzindo corretamente suas conseqüências: nosso tempo. Nesta imagem ela é, em parte, o porto mais
assim fazendo, ele o torna inadequado paro se bizarramente monstruoso que o fantosia humano jornais
tomar fundamento explicativo de outros coisas, tenha produzido, e pouco honra o intelecto de seus defen
a partir do momento que, em suo filosofia, isso sores o fato de que el®s nõo perceberam isso; em parte, é
fácil demonstrar que ela deu boa impressão apenas porque
não é sustentável. se acreditou afastar toda especulação séria e possibilitou
Conforme o dogmático, tudo aquilo que um régio "deixe passar" para dedicar-se posteriormente ao
está presente em nossa consciência é o produto querido e superficial empirismo. [Nota de Fichte]
67
Capítulo quarto - F i c k t e e o I d e a l is m o é t ic o — ™,
sobre o qual o dogmatismo constrói seu siste e que o homem antes ou depois consegue al
ma. R coisa em si se torna quimera total; não cançar, com o progresso do pensamento mesmo
se vê mais o motivo pelo qual ela deveria ser sem uma contribuição consciente de sua parte
hipotetizada e, deste modo, todo o edifício do - não encontra nada mais a não ser o foto de
dogmatismo desmorona. que ele deve necessariamente representar-se
estas duas coisas: 1) ser livre e 2) que existam,
4. Impossibilidade de fundir
fora dele, coisas determinadas.
em um único sistema
é impossível para o homem permanecer
idealismo e dogmatismo
neste pensamento; o pensamento do pura re
presentação é openas um pensamento deixado
De tudo o que foi dito temos, ao mesmo pela metade, um fragmento de pensamento;
tempo, a inconciliabilidade absoluta dos dois ele deve figurar para si também algo que
sistemas, uma vez que aquilo que se deduz de corresponda à representação de modo inde
um anula aquilo que se deduz do outro: segue- pendente do representar. €m outras palavras:
se daí, portanto, a inevitável inconseqüência de a representação não pode existir por si. €m si
sua mistura em um único sistema. €m toda ten ela não é nada, e é algo apenas se estiver
tativa nesse sentido, suas partes não são pos ligada a alguma outra coisa, t justamente esto
síveis de serem superpostas e em algum ponto necessidade do pensamento que, partindo do
origina-se uma enorme lacuna. Quem quisesse ponto de vista que foi dito, impele a se per
pôr em discussão tudo o que acabamos de guntar: qual é o princípio das representações,
afirmar deveria demonstrar a possibilidade de ou então, o que é equivalente, o que é aquilo
tal composição, que pressupõe uma passagem que corresponde às representações?
contínuo da matéria para o espírito, ou vice- Ora, podem certamente estar juntas a re
versa, ou então, o que é de fato equivalente, presentação da autonomia d o íu e a represen
da necessidade para a liberdade. tação da autonomia da coisa, mas não podem
estar juntas a autonomia do €u e a autonomia
5. Se o idealismo não pode refutar
da coisa. Rpenas um, o fu o u a coisa, pode ser
o dogmatismo, e vice-versa,
o primeiro, o originário, o independente: o que é
o que pode levar a escolher um ou outro?
segundo, justamente pelo fato de ser segundo,
aparece necessariamente como dependente do
R partir do momento que, pelo que até primeiro ao qual deve estar unido.
agora consideramos, os dois sistemas, do Todavia, qual dos dois deve ser posto
ponto de vista especulativo, parecem ter o como primeiro? O €u ou a coisa? Para resolver
mesmo valor; e a partir do momento que eles o questão, a razão não pode fornecer nenhum
não podem estar juntos, e sequer estão em critério decisivo; não se trata, com efeito, de
grau um de organizar um ataque contra o outro, ligar um elemento em uma série, para o que
é interessante perguntarmo-nos o que pode seriam suficientes os princípios da razão, mas
mover quem perceba isso - e é fácil perceber trata-se do início de toda a série que, enquanto
- a preferir um sistema em relação ao outro, o to primeiro absoluto, depende unicamente
e como pode ocorrer que não se generalize o da liberdade do pensamento. €ste ato é, por
ceticismo, como completa renúncia à solução do tanto, determinado pelo arbítrio e, o partir do
problema levantado. momento que a decisão do arbítrio deve ter
R controvérsia entre o idealista e o dog um motivo, ele é determinado pelo inclinação
mático está na questão se a autonomia da coisa e pelo interesse.
que deve ser sacrificada à do Gu, ou se, ao con O motivo último do diferença entre o ide
trário, é a do €u que deve ser sacrificada à da alista e o dogmático é, portanto, a diversidade
coisa. O que leva, então, um homem razoável do interesse deles.
a declarar-se a favor de um de preferência ao
outro sistema? 7. O interesse de fundo do dogmático
está na fé que muitos homens
6. As razões das quais depende a escolha têm nas coisas por amor de si mesmos
do idealismo ou do dogmatismo
estão estreitamente ligadas ao interesse O interesse mais alto, e o fundamento de
de fundo de quem escolhe
todo outro interesse, é o que alimentamos por
nós mesmos. Isto verifica-se também poro o
Se o filósofo se coloco do ponto de vista filósofo. € o interesse que, invisível, guia todo
que indicamos - segundo o qual se deve neces o seu pensamento, é este: não perder o próprio
sariamente pôr se quiser se tornar um filósofo, eu no raciocínio; ao contrário, mantê-lo e afirmá-
Segunda parte - F u n d a ç ã o e a b s o l u + i z a ç â o e s p e c u l a t i v a d o i d e a lis m o
Io. Oro, existem dois níveis de humanidade, e, que ataca; ele, por isso, se defende com calor
antes que com o progresso do gênero humano e fúria. O idealista, ao contrário, não pode
todos tenhom alcançado o segundo nível, facilmente evitar olhar do alto para baixo, com
existem dois gêneros principais de homens. certo irreverência, o dogmático que não sabe
Alguns homens, que ainda não se elevaram dizer-lhe nada que ele não saiba já há tempo
a um sentimento pleno de sua liberdade e à e que não tenha já rejeitado como folso; com
autonomia absoluta, encontram o si mesmos efeito, ao idealismo se chega, mesmo que não
apenas na representação das coisas: eles mediante o dogmatismo, ao menos por meio
possuem apenas a autoconsciência dispersa, de uma disposição de espírito que dele se
apegada aos objetos, e que deve ser reunido aproxima. O dogmático inflama-se, entrevê as
partindo do multiplicidade destes últimos. Sua coisas e, caso tivesse a força dele, tornar-se-ia
imagem vem a eles refletida pelas coisas como persecutório; o idealista é frio, e arrisca-se de
por um espelho, e se estas lhes são arrancadas, ridicularizar o dogmático.
eis que, ao mesmo tempo, também seu eu vai
embora com elas. Ges não podem renunciar à 10. A escolha de um sistema filosófico
fé na autonomia das coisas por causa do amor depende da natureza
que têm por si mesmos: com efeito, eles sub e do caráter do homem que escolhe
sistem apenas junto com as coisas. Tudo aquilo
que são, assim se tornaram efetivamente por O tipo de filosofia que se escolhe de
meio do mundo exterior. Aquele que, de fato, é pende, portanto, do tipo de homem que se
apenas um produto das coisas não poderá ver é: com efeito, um sistema filosófico não é um
a si próprio a não ser como produto das coisas,
e terá razão enquanto fala de si mesmo e de
seus semelhantes. O princípio do dogmático
é a fé nas coisas por amor de si mesmo: elo
é, portanto, uma fé inteiramente mediada no
próprio eu disperso e sustentado apenas pelos
objetos.
8. O interesse de fundo do idealista
está no amor pela liberdade
Quem, ao contrário, toma consciência da
próprio autonomia e independência de tudo
aquilo que existe fora dele - e esta tomada
de consciência é possível apenas se, indepen
dentemente de tudo, o próprio eu se torna algo
- não tem necessidade das coisas para apoiar
a si mesmo, e pode prescindir delas, porque
elas anulam a autonomia e a transformam em
vã aparência. O eu que ele possui, e que é
objeto de seu interesse, anula a fé nas coisas:
ele tem fé em suo autonomia por inclinação, ele
a prende afetivamente. Sua fé em si mesmo é
imediata.
9. As conseqüências
que derivam da fé no eu
e da fé nas coisas
Partindo desse interesse é possível expli
car também os afetos que normalmente intervém
quando se defendem os sistemas filosóficos.
O dogmático, com o ataque a seu sistema,
corre verdadeiramente o perigo de perder a si
mesmo: todavia, ele não possui armas que o
defendem desse ataque, porque justamente Fichte em um desenho a carvão da época,
em seu íntimo existe algo que o prende àquele conservado na Biblioteca de Munique da Baviera.
. 69
Cãpltulo quarto - F ic k t e e o i d e a lis m o é tic o ____
nada mais depois: um ser para uma possível contraditoriedade. O som simultâneo, e a har
inteligência Fora dele e não para si mesmo. Se monia, não se encontram nos instrumentos; eles
atribuirmos ao objeto do efeito apenas uma se encontram apenos na alma do ouvinte que,
força mecânica, o objeto transmitirá a impressão dentro de si, reúne em unidode a multiplicidade;
recebida àquilo que lhe está mais próximo, e o e, se não se acrescentasse mentalmente tam
movimento que tomou o impulso do primeiro se bém um ouvinte, som simultâneo e harmonia de
transmitirá por toda umo série, longa o quanto fato não existiriam.
se queira; mas em nenhuma parte se encontrará
um membro da série que aja voltando sobre si 5. fl inteligência não pode ser concebida
mesmo. Ou então, caso se atribua ao objeto como uma das "coisas em si”
produzido pela ação o caráter mois elevado que
se puder atribuir a uma coisa, a excitabilidade, Mas quem poderia impedir que o dogma
de modo que ele se regule segundo a próprio tismo admitisse que uma olmo seja como umo
força e em base às leis que a causa lhe confere, das coisas em si? Csta é umo dos coisas que o
como na série do puro mecanismo, então ele dogmatismo postula para a solução da questão
reagirá certamente oo estímulo, e no causa não levantado, C este o único modo para utilizar o
se encontrará o fundamento da determinação princípio de um efeito produzido pelas coisas
de seu ser nessa ação, mos encontrar-se-á sobre a alma, pois no materialismo encontra-se
apenas a condição para ser em geral alguma apenas uma interação das coisas entre si pela
coisa; mas ele é, e permanece, um puro e sim qual o pensamento seria produzido. Para tornar
ples ser, ou seja, um ser para uma inteligência pensável aquilo que não é pensável, desejòu-
possível que está fora dele. fl inteligência se se postulara coisa que causa, ou o alma, ou am
pode ganhar caso não a concebamos como um bas, de modo que mediante o efeito produzido
primeiro absoluto, e sua união com um ser dela pelo causa fossem geradas as representações,
independente seria bem difícil de obter. fl co/so causadora devia ser feita de tal modo
€m base a esta explicação, o série é e que seus efeitos se tornassem representações,
permanece única, e de nenhum modo se ex como por exemplo Deus no sistema de Berkeley
plicou oquilo que deveria ter sido explicado. (que é um sistema dogmático e de foto não
Deveríamos ter demonstrado a passagem do um sistema idealista). Com isso em nada se
ser pora o representar; mas isto os dogmáticos melhoram os coisas: desse modo entende-se
não o fazem nem poderão fazê-lo. Com efeito, apenas um efeito produzido pela ação mecânico
em seu princípio encontra-se unicamente o fun e é simplesmente impossível pensar outra. O
damento de um ser e não do representar, que pressuposto dos dogmáticos, portanto, contém
é totalmente antitético oo ser. Cies fazem um puras palavras, privadas de sentido. Ou então
enorme salto de modo completamente estranho a alma deve ser de tal caráter que todo efeito
a seu princípio. sobre elo se transforme em representação.
Todavia, também aqui nos encontramos nas
4. O enorme salto que os dogmáticos mesmas dificuldades que no caso precedente:
são obrigados a fazer para passar torna-se simplesmente incompreensível.
das "coisas em si" para a inteligência
6. O dogmatismo é incapaz
Os dogmáticos procuram esconder este de deduzir aquilo que deve justificar
solto de vários modos. Cm sentido estrito - e partindo de seu princípio
é este o modo de proceder do dogmatismo
conseqüente, que se torna, ao mesmo tempo, Assim procede, portanto, o dogmatismo
materialismo - a alma não deveria ser alguma sempre e em toda forma que ele assume. Na
coisa, ou melhor, não deveria ser absolutamente enorme lacuna que permanece entre as coisas
nada, mas apenas um produto, apenas o resul e as representações, em vez de uma explicação
tado da interação das coisas entre si. ele põe palavras vazias, que podem de fato ser
Todavia, deste modo se gero apenas aprendidas de memória e repetidas, mas que
algo no âmbito das coisas, nunca, porém, algo não estiveram em grau, nem jamais estarão,
de separado dos coisas, se não se acrescenta de suscitar pensamentos no homem. Se, com
mentalmente também uma inteligência que efeito, se quiser verdadeiramente pensar no
observe as coisas. As semelhanças que os modo em que acontece aquilo que é pressu
dogmáticos oferecem para tornar compreensí posto, eis que todo o conceito desvanece como
vel seu sistema, por exemplo, o da harmonia bolha de sabão.
que nasce ao soar juntos vários instrumentos, O dogmatismo, portanto, pode apenas
tornam melhor compreensível exatamente sua repetir seu princípio sob formas diversas e
Capítulo quartO - F ic k t e e o id e a lis m o é tic o
pode dizê-lo e redizê-lo, mos, tomondo-o tão precisos com as demonstrações como, por
como ponto de portido, jomois poderá alcançar exemplo, ocorre com a matemática. Se essa
aquilo que deve ser explicado e deduzi-lo. €, mentalidade apreende ainda que apenas
ao invés, justamente esta dedução constitui a um par de elementos da série, e entrevê a
filosofia. O dogmatismo, portanto, tombém em regra que guia a dedução, logo elo comple
ótica especulativa, não é de foto uma filosofia, ta globalmente a parte que falto recorrendo
mas apenas uma afirmação e uma garantia à imaginação e sem proceder à indogação
impotente. Como única filosofia possível resto daquilo de que é composta. Se, por exemplo,
apenas o idealismo. um fllexonder von Joch4 diz a eles: todas as
coisas são determinadas pela necessidade da
7. O idealismo não pode ser refutado
natureza e, portanto, nossas representações
pelos adversários,
dependem das características das coisas, e
mas é apenas não compreendido por eles
nossa vontade depende das representações
e, portanto, toda a nosso vontade é determi
Tudo o que até agora enunciamos não nada pela necessidade da natureza, e nossa
terá nada a ver com as objeções do leitor; com idéia da liberdade da vontade é tão-somente
efeito, não há simplesmente nada a objetar, ilusão, tudo isso parece para eles incrivelmente
mas se achará ao invés a ter o que fazer com compreensível e evidente, sem reparar o foto
o absoluta incapacidade da parte de muitos de que carece de bom senso, e eles tornam-se,
de compreendê-lo. Nenhum homem que com portanto, convictos e cheios de admiração pela
preenda as palavras poderá negar que todo precisão de tal demonstração. Devo lembrar
efeito produzido por uma causa é mecânico, e que a doutrina da ciêncio não toma impulso
que por meio de um mecanismo não se origina desta mentalidade leviana, e sequer lhe dá
nenhuma representação. Mas justamente aqui alguma importância. Se um único elemento do
está a dificuldade. € preciso um bom nível de longo codeia que ela deverá percorrer não se
autonomia e de liberdade do espírito poro liga estreitamente àquele que segue, então
saber compreender a natureza da inteligência ela não pretenderá ter demonstrado alguma
que descrevemos e sobre a qual se fundamenta coisa.
inteiramente nosso refutação do dogmatismo.
Muitos, com seu pensamento, não foram além
da compreensão do mero série do mecanis VII. O idealismo perfeito,
mo natural; e para estas pessoas também a
representação, se a quiserem pensar, entra seu fundamento
naturalmente nesta série, que é a única que se e seu modo de proceder
encontro traçada em seu espírito.
Para eles a representação torno-se uma
espécie de coisa, uma extraordinária ilusão 1. fl inteligência como pura atividade
do qual encontramos traços nos mais famosos que age segundo leis necessárias
outores de filosofia. Paro estes o dogmatismo O idealismo, como já foi visto, explica as
é suficiente: eles não notam nenhuma lacuna determinações
porque, para eles, não existe nenhum mundo do inteligência.daPara consciência, partindo da ação
o idealismo, a inteligência
contraposto. é puramente ativa e absoluta, e não sofre pas
fl demonstração adotado, portanto, não sivamente. Isto porque, em conseqüência
pode refutar o dogmático, por mais clara que postulado, ela é aquilo que é primeiro e de seu
supre
ela seja: com efeito, não é possível convencê-lo mo, ao qual nada se antepõe de que se possa
com esto prova, pois ele não tem a capacidade extrair um sofrer passivo. Pelo mesmo motivo,
de compreender a premissa. ela não possui um ser em sentido próprio, um
subsistir, porque este é o fruto de uma interação,
8. fl mentalidade leviana difundida e não existe nada, nem é pressuposto, com o
entre os dogmáticos qual a inteligência possa interagir. €la para o
Também o modo com que aqui se trata algumo idealismo é um fazer, nem se pode chamá-la de
o dogmatismo ofende a mentalidade leviana coisa de ativo, porque, assim dizendo, a
de nosso tempo, que certamente muito se di
fundiu em toda época, mas que apenas agoro ^Fichte refere-se oqui ao livro de C. F. Hommel, fíiexan-
se elevou aos níveis de máxima formulada der von Joch: prêmio e castigo segundo as leis turcas, de
com palavras: não se deve ser tão rigorosos 1770. Hommel ensinou no Universidade de Leipzig, e talvez
ao deduzir, na filosofia não é o coso de ser fichte antes de 1787 foi ouvinte de seus cursos. [N. do T.]
Segunda parte - F u n d a ç ã o e a b s o l u t i s a ç ã o e s p e c u l a t i v a d o i d e a lis m o
expressão se referiria a algo que subsiste e que exatamente deste modo, pode ser ulteriormente
possui a atividade. Pois bem, o ideolismo não explicado se considerarmos o motivo pelo qual
tem nenhum motivo de supor uma coisa deste ela, em uma condição, aja em geral de modo
tipo, porque em seu princípio não há nada de determinado; e esto última coiso pode-se de
semelhante, e todo o resto deve ser deduzido novo explicar partindo de única lei fundamental:
disso. Ora, da ação desta inteligência devem no decorrer de seu agir, a inteligência dá o si
ser deduzidos representações determinados-, mesma as próprias leis, e esta legislação, por
as de um mundo que existe sem nenhuma inter suo vez, acontece por meio de um agir superior
venção de nossa parte, um mundo material que ou de um representar superior necessários, fl
se encontra no espoço, e assim por diante, os lei da causalidade, por exemplo, não é uma
quais são representações que, como é sobido, lei primeira e originária, mas openos um dos
existem na consciência. Mas por alguma coisa diversos modos de ligação do múltiplo, e pode
de indeterminado não é possível deduzir alguma ser deduzido da lei fundamental desta ligação;
coisa de determinado: a fórmula de toda dedu e o lei fundamental desta ligação do múltiplo,
ção, o princípio do fundamento neste caso não por sua vez, como tombém o próprio múltiplo,
encontra aplicação. Por isso o agir da inteligência pode-se deduzir de leis mais elevadas.
que pusemos como fundamento deve ser um
agir determinado, isto é, deve ser, a partir do 3. Dois métodos que se podem seguir
momento que a inteligência é o supremo fun ao determinar as leis da inteligência
damento explicativo, um agir determinado por
ela mesma, por sua natureza, e não por alguma Conseqüente a esta observação, o ideo
coisa de exterior o ela. Portonto, o pressuposto lismo crítico pode pôr-se em operação de dois
do idealismo será o seguinte: o inteligência modos. Ou ele deduz o sistema dos modos
age, mas, por causa de sua própria essên necessários de agir, e ao mesmo tempo as re
cia, ela poderá agir apenas de certo modo. presentações objetivas que assim se originam,
Se pensarmos este modo de agir necessário efetivamente das leis fundamentais da inteli
separadamente do agir, ele se pode chamar, gência, fazendo originar progressivamente sob
com termo adequado, as leis do agir. existem, os olhos do leitor ou do ouvinte todo o comple
portanto, leis necessários do inteligência. xo de nossas representações; ou, então, ele
Por conseguinte, também o sentimento da concebe estas leis em certo sentido assim como
necessidade que acompanha as representações elos aparecem diretamente já aplicadas aos
determinados é explicado: o inteligência, entõo, objetos e, portanto, em seu nível mais baixo
não prova, em tais casos, uma impressão prove (e nesse nível elos tomam o nome de catego
niente do exterior, e sim sente em todo seu agir rias), e sustenta, portanto, que por meio delas
as delimitações de suo próprio essência. A medi os objetos são determinados e ordenados.
do que o idealismo exprime esto pressuposição
da existência de leis da inteligência que são 4. fls leis da inteligência
necessários, pressuposição que é a única de só podem ser deduzidas da essência
terminado razoavelmente e que possui um efe da própria inteligência
tivo poder explicativo, ele se chama idealismo
crítico, ou tombém transcendental. Um idealismo O crítico que seguir o segundo método,
transcendente seria, ao contrário, aquele tipo de e que não deduzir os leis admitidas pela in
sistema que deduzisse as representações deter teligência a partir da essência desta última,
minadas partindo do agir da inteligência livre e de onde tiro seu conhecimento mesmo que
completamente desligado de leis: pressuposto apenas objetivo, ou seja, o conhecimento de
completamente contraditório, uma vez que, como que elas são justamente tais, isto é, a lei da
acabomos de lembrar, a um agir deste tipo não substancialidade, a da causalidade? Porque
se pode aplicar o princípio do fundamento. não quero ainda carregá-lo- com a pergunta:
de onde ele vem a saber que se trata de puras
leis imanentes do inteligência? São as leis que
2. fl inteligência dá a si mesma
as próprias leis específicas
se aplicam imediatamente aos objetos, e ele
poderio tê-las obtido por meio da abstração
em virtude da suprema lei destes objetos e, portanto, apenas em bose
fls leis do agir do inteligência, que devem à experiência. De nada ajuda se ele as tirou
ser admitidos, formom elas próprios um sistema, da lógica, fazendo um desvio: com efeito, a
pelo fato de serem enraizadas na natureza própria lógico, para ele, origino-se tão-somente
única da inteligência; isto é, o fato de que a por meio da abstração dos objetos, e ele faz,
inteligência, nesta condição determinada, aja portanto, apenas indiretamente aquilo que,
, 73
Capitulo Ç[Ua?tO - I -ic h t e e o i d e a lis m o é t ic o ......
disso é algo de encontrado, mos cujo encontro no fim. Foi-lhe dado o ângulo reto do qual ele
é, por outro lodo, condicionado pela liberdade. deve traçar sua reta: tem então necessidade
também de outro ponto para o qual dirigir-se?
8. O idealismo tem apenas
Quero dizer: todos os pontos de suo linha são
um pressuposto fundamental dados contemporaneamente. Dê-se também
e o demonstra com a dedução efetiva um número determinado. Suponhamos que
ele seja o produto de certos fatores. 6 preciso
fl este propósito o idealismo demonstra então apenas encontrar, utilizando os regras
aquilo que afirma na consciência imediata. Mas bem conhecidas, o produto destes fatores. Será
é um puro pressuposto o foto de que oquele openas em um segundo tempo, apenas quando
algo de necessário seja lei fundamental de todo já se tem o produto, que se descobrirá se ele
a razão, e que partindo disso seja possível de coincide com o número dado. O número dado é
duzir todo o sistema de nossas representações a experiência em seu complexo; os fatores são
necessárias, não só das de um mundo, de como aquilo que é mostrado na consciência e nas leis
seus objetos sejam determinados mediante o do pensamento; a multiplicação é o filosofar.
juízo de subsunção e de reflexão,5 mas também Quem aconselha, enquanto se filosofa, o manter
de nós mesmos, como seres livres e práticos sob sempre um olho no experiência, aconselha a
leis. O idealismo deve demonstrar este pressu modificar um pouco os fatores, e a multiplicar de
posto por meio da dedução efetiva, e é exata modo um tonto errado, de maneira que, todavia,
mente nisso que consiste sua tarefa específica. se obtenham números que coincidam: é um pro
No desenvolvimento deste último o idealis cedimento que é tanto desleal quanto superficial.
mo procede do seguinte modo. Qe mostra que
aquilo que foi assumido antes como princípio e 10. Para um idealismo perfeito,
que é provado imediatamente na consciência, "a priori" e ”a posteriori”
não se torna possível sem que contemporanea- são uma mesma realidade
mente aconteça também alguma outra coisa, e vista de dois lados diferentes
que esta alguma outra coisa, por sua vez, não
é possível sem que contemporaneamente acon A medida que os resultados últimos do ide
teça outra terceira; e isso até que as condições alismo se vêem como tais, como conseqüências
daquilo que foi provado em primeiro lugar não do raciocínio, eles são o o priori no espírito hu
estejam completamente esgotadas, e ele pró mano; à medido que eles se vêem, no caso que
prio seja perfeitamente compreensível segundo raciocínio e experiência efetivamente coincidam,
o possibilidade que tem de sê-lo. Seu caminho como dados no experiência, eles são o posterio
é um progresso ininterrupto do condicionado ri. O o priori e o a posteriori para um idealismo
para a condição; toda condição se torna, por perfeito não são de fato duas coisos diferentes,
sua vez, um condicionado e dever-se-á, então, e sim uma só coisa; só que esta é vista de dois
procurar sua condição. lados diferentes, e é distinta apenas do modo
em que o ela se chega. Fl filosofia antecipo toda
9. Como devem ser entendidas as relações
e qualquer experiência, pensa-a apenas como
entre o procedimento do idealismo
necessária e, portanto, em relação à experiência
e a experiência
efetiva ela é o priori. R posteriori é o número, à
medida que é considerado como dado; o mesmo
Se o pressuposto do idealismo estiver número é, oo contrário, o priori, ò medido que
correto, e se na dedução se tiver procedido o fozemos resultar dos fotores como produto.
de modo correto, então, como resultado final, Quem possui uma opinião diversa o propósito,
como soma de todos as condições daquilo que não sobe ele próprio aquilo que diz.
se enunciara no início, deve-se obter o sistema
de todos os representações necessárias, ou 11. Os resultados de uma filosofia devem
seja, toda a experiência, cujo confronto não é coincidir com a experiência
absolutamente feito na própria filosofia, mos No coso em que os resultados do filosofio
apenas sucessivamente. não coincidirem com os da experiência, então
O idealismo, com efeito, não tende a esta
experiência como à meta que já lhe é conhecida essa filosofio será seguramente falsa, porque
de antemão e à qual ele deve chegar. Gm seu
procedimento, ele não sobe nada da experiên sO juízo de subsunção é o ato que leva um objeto o
cia e nem sequer a observo: procede movendo- ser assumido em um conceito, enquanto o juízo de reflexão
se do ponto de portida, segundo suas regras, tende a evidenciar as condições segundo as quais um
e não se preocupa com aquilo que daí derivará conceito se forma. [N. do T.]
. 75
Cãpltulo quarto - F ic k t e e o i d e a lis m o é t ic o _ _
nõo manteve o promessa de deduzir toda a 12. fl experiêncio como produto do atividade
experiência e de explicá-la com o atividade ne de um pensamento livre,
cessária da inteligência. Então, ou é totalmente mas conforme a leis
errado o pressuposto do idealismo transcenden
tal; ou então ele foi utilizado de modo incorreto O caminho deste idealismo parte, como
apenas naquela descrição particular que não se vê, de algo presente na consciência, mas
forneceu aquilo que devia. Como o tareia de só depois de um livre ato de pensamento, para
explicar a experiência partindo de seu funda chegar a toda a experiência. O que se encontra
mento é uma característica da razão humona, entre um e outro é seu verdadeiro e próprio
uma vez que nenhuma pessoa razoável fará a terreno. Não é um fato da consciência e não
hipótese de que nela posso encontrar-se uma pertence à esfera da experiência: como poderia
tarefa cuja solução seja totalmente impossível, chamar-se de filosofia uma coisa deste gênero,
e uma vez que existem apenas dois caminhos a partir do momento que ela deve demonstrar o
paro resolvê-la, o do dogmatismo e o do idea fundamento da experiência, mas o fundamento
lismo transcendental, e que se pode demonstrar se encontra necessariamente fora daquilo que
facilmente que a primeira não está em grau é fundamentado? Trata-se de um produto do
de cumprir as promessas, então o pensador pensamento livre, mas conforme a leis.
decidido tomará sempre decisão pelo segundo Isto se tornará logo muito claro, se exa
caminho, aquele segundo o quol houve erro na minarmos ainda um pouco mais de perto a
dedução mos o pressuposto, em si, é correto, afirmação basilar do idealismo.
e não se deixará desencorajar por nenhum Cste demonstra que aquilo que é simples
fracasso, e provorá novamente até que no fim mente postulado não é possível sem o condição
o sucesso lhe seja propício. de um segundo elemento, e este último nõo o
é sem a condição de um terceiro, e assim por
diante: então, de tudo aquilo que o idealismo
enuncia nado é possível isoladamente, mas
cada elemento particular é possível apenas em
Johann Gottlieli M te ’s
união com todos os outros. Portanto, segundo
o que ele próprio afirma, openos o todo apa
rece na consciência, e esse todo é justamente
s&mmtliche Werke. a experiência. O idealismo quer conhecer este
inteiro mais de perto, por isso deve analisá-lo,
e não procedendo às cegos, mas segundo as
regras determinadas da composição, de modo
a poder ver o todo que se origina sob seus
olhos. Cie está em grau de fazer isso porque
!!< *r a u $ 8 « *? c ln *n está em grau de abstrair, pois no pensamento
*00 livre ele certamente está em grau de captar o
particular isoladamente. Com efeito, na cons
jr . H. r X C H T E. ciência não aparece apenas a necessidade das
representações, mas igualmente sua liberdade;
e, por suo vez, esta liberdade pode proceder
ou de modo conforme às leis ou arbitrariamen
te. Tudo isso lhe é dado do ponto de vista da
consciência necessária: ele o encontra enquanto
Erste AMhellmg.
1 » llieoHlt>tkea Pklloxophle.
encontra a si mesmo. Mas a série que resulta
da composição deste inteiro é produzida pela
E n t e r ftanil.
liberdade. Quem realiza este'ato de liberdade
torna-se consciente dela e, por assim dizer,
predispõe novo âmbito na própria consciência;
Beriia, para quem não o realiza não existe aquilo que
VcrUg ? • it V e i l «ftá C & M p - deriva daquele ato.
O químico compõe um corpo, por exemplo,
um determinado metal, com seus elementos.
O homem comum vê o metal que lhe é bem
Frontispício do primeiro tomo da opera omnia conhecido; o químico vê a composição destes
de J. G. Fichte, organizada pelo filho determinados elementos. Os dois vêem, talvez,
(Berlim, 1845). algo de diferente? Penso que não. Cies vêem
76
___ Segunda parte - F u n d a ç ã o e a b s o l u t i z a ç ã o e s p e c u l a t i v a d o idealisM
o mesmo coisa, mas apenas a vêem de modo condição de querer pensar algo a propósito
diverso. O que é visto pelo químico é o a priori, do fundamento da experiência, fl inteligência
ele vê o particular; o que é visto pelo homem é pensável apenas como ativa, e como ativa
comum é o o posteriori, ele vê o todo. apenas neste determinado modo: isto é o que
€xiste apenas esto diferença entre os dois afirma a filosofia. Tal realidade é inteiramente
modos de ver: o químico deve analisar o todo suficiente, pois deriva do filosofia que não
antes de podê-lo compor, enquanto tem o que existe nenhuma outra realidade.
fazer com um objeto do qual não pode conhecer
as regras de composição antes de proceder à 14. Conclusões
análise; o filósofo, oo invés, sabe proceder à
composição sem ter antes efetuado a análise, fl doutrina da ciência quer traçar o idealis
porque ele já conhece a regra de seu objeto:mo crítico perfeito ora descrito. O que dissemos
o razão. por último contém o conceito da doutrina da
ciência e, a este propósito, não ouvirei objeções
13. Paro a filosofia idealista
porque ninguém melhor do que eu está em grau
não há outra realidade
de saber o que quero fazer. As demonstrações
a não ser a inteligência,
da impossibilidade de uma coisa que está em
de cuja atividade
via de realização, e que em parte já o estivera,
derivam todas as coisas
são apenas ridículas, é preciso apenas seguir
de perto o desenvolvimento e examinar se ela
Portanto, ao conteúdo da filosofia não realiza aquilo que prometeu.
cabe nenhuma outra realidade senão a rea J. G. Fichte,
lidade do pensamento necessário, com a Primeiro introdução à doutrina da ciência.
íS a p íf u lo q u m fo
S c K e llir v 0
e a gestação romarvtica
do idealismo
— .-... I. /\ v id a ,
o d e s e n v o lv im e n t o d o p e n s a m e n to
e a s obi^as d e .S ek e llin g
= II. O s inícios d o p e n s a m e n to =
d e .S c k e llin g e m Tnckte ( i 7 9 5 - Í 7 9 6 )
e a filo s o fia d a n a t u r e z a ( Í 7 9 7 - Í 7 9 9 )
para explicar o organismo universal” . Essa Por fim, o homem — que, considerado
antiquíssima figura teórica (que se tornou na infinitude do cosmo aparece fisicamente
muito famosa de Platão em diante), segundo como algo pequeníssimo —, revela-se, ao
Schelling nada mais é do que a inteligência contrário, como o fim último da natureza,
inconsciente que produz e rege a natureza, porque nele precisamente desperta o espíri
e que só se abre à consciência com o nasci to, que em todos os outros graus da natureza
mento do homem. permanece como que adormecido.
1 1
P a r tir d o su b je tiv o de filosofia do espírito, Schelling concebeu e
escreveu nada menos que uma obra-prima,
p a i^ a a tin g ia o o b je tiv o
O sistema do idealismo transcendental, que
lhe saiu da pena quase perfeito.
Eis como o filósofo anuncia o pro
Uma vez esclarecido que a natureza grama da filosofia transcendental: “ Pôr o
nada mais é do que a história da inteligên objetivo em primeiro lugar e dele extrair
cia inconsciente, que, através de sucessi o subjetivo é, como já observamos, a fun
vos graus de objetivação, chega por fim à ção da filosofia da natureza. Ora, se existe
consciência (no homem), Schelling sentiu a uma filosofia transcendental, não lhe resta
necessidade de retomar o exame da filosofia senão seguir o caminho oposto: partir do
da consciência, ou seja, repensar a fundo a subjetivo como primeiro e absoluto, e dele
Doutrina da ciência de Fichte. Com efeito, fazer derivar o objetivo. Desse modo, a fi
depois de ter examinado como a natureza losofia da natureza e a filosofia do espírito
chega à inteligência, era preciso rever como distinguiram-se segundo as duas possíveis
a inteligência chega à natureza. direções da filosofia. E se toda filosofia deve
E, ao fazer isso, tendo atrás de si tudofazer
o da natureza uma inteligência ou da
que Kant e Fichte já haviam dito em matéria inteligência uma natureza, daí deriva que
Cãpítulo quinto - Schelling} c o. 0e s t a ç ã o r o m â n + ic a d o id e a lis m o
a filosofia transcendental, a que cabe esta E, muito claramente, conclama a uma ati
última função, é a outra ciência fundamental vidade unitária que esteja na base dos dois
necessária da filosofia” . momentos do sistema.
y A “a t i v i d a d e r e a l ”
3,,, ativ id a d e e sté tic a
e a “a t i v i d a d e i d e a l " d o
o id e a l-re a lism o Essa nova perspectiva que se delineia
pode ser mais bem compreendida com base
em outro raciocínio, que Schelling também
Também na construção do idealismo apresenta, inteiramente análogo ao anterior.
transcendental, como na filosofia da nature N a filosofia teórica, os objetos nos aparecem
za, Schelling enfatiza a polaridade de forças, com o “ invariavelmente determ inados” ,
seguindo o princípio próprio de Fichte, nossas representações nos parecem determi
oportunamente readaptado. nadas por eles e o mundo nos parece algo
O esquema de raciocínio seguido por enrijecido fora de nós; na filosofia prática,
Schelling é o seguinte: o Eu é atividade ao contrário, as coisas nos aparecem como
originária que se autopõe ao infinito, ativi variáveis e modificáveis pelas nossas repre
dade produtora que se torna objeto para si sentações, enquanto nos parece que os fins
mesma (e, portanto, é intuição intelectual que nos propomos podem modificá-las.
autocriadora). M as, para não ser apenas Existe aí contradição (pelo menos apa
produtora, tornando-se também produto, rente), dado que no primeiro caso se exige o
a produção pura infinita que é própria do predomínio do mundo sensível sobre o pen
Eu “ deve estabelecer limites ao seu próprio samento, ao passo que, no segundo caso, se
produzir” e, portanto, “ opor algo a si” . exige predomínio do pensamento (do ideal)
M as a atividade do Eu, enquanto é atividade sobre o mundo sensível. Em suma, pareceria
infinita, estabelece o limite e depois também que, para ter a certeza teórica, nós teríamos
o supera, gradualmente, em nível sempre de perder a prática e, para ter a certeza prá
maior, como já dissera Fichte. tica, nós teríamos de perder a teórica.
Schelling chama a atividade que produz Eis então o grande problema que se
ao infinito de “ atividade real” (enquanto pro apresenta: “ De que modo, ao mesmo tempo,
dutora), ao passo que a chama de “ atividade as representações podem ser pensadas como
ideal” enquanto toma consciência, defron determinadas pelos objetos, e os objetos
tando-se com o limite. As duas atividades se podem ser pensados como determinados
pressupõem reciprocamente, “ e dessa mútua pelas representações?”
pressuposição das duas atividades [...] deve A resposta para o problema é a seguin
rá ser derivado todo o mecanismo do Eu” . te: trata-se, diz Schelling, de algo mais pro
Desse modo, porém, os horizontes da fundo do que a “harmonia preestabelecida”
Doutrina da ciência de Fichte se ampliam e de que falava Leibniz, posto que se trata de
o idealismo subjetivo torna-se propriamente identidade inserida no próprio princípio:
ideal-realismo, como diz Schelling nesta trata-se de atividade que, ao mesmo tempo,
passagem: “A filosofia teórica é [...] idealis é consciente e inconsciente e que, como tal,
mo, a filosofia prática é realismo, e somente está presente tanto no espírito como na
juntas formam o sistema completo do idea natureza e gera todas as coisas. Essa ativi
lismo transcendental. Como o idealismo e dade consciente-inconsciente é a “ atividade
o realismo se pressupõem mutuamente, o estética” . Tanto os produtos do espírito
mesmo ocorre com a filosofia teórica e a como os da natureza são gerados por essa
filosofia prática; e, no próprio Eu, é ori- mesma atividade: “ A combinação de um e
ginariamente uno e ligado aquilo que nós do outro (do consciente e do inconsciente),
devemos separar em benefício do sistema sem consciência, dá o mundo real; com a
que estamos construindo” . consciência, dá o mundo estético (e espiri
D evem os n otar que, desse m odo, tual). O mundo objetivo nada mais é do que
Schelling acaba por estabelecer a filosofia a poesia primitiva e ainda inconsciente do
transcendental com o terceiro momento espírito; o órgão universal da filosofia — e
para além da filosofia teórica e da filosofia a chave mestra de todo o seu edifício — é a
prática, mais precisamente como sua síntese. filosofia da a rte ". [ 2]
84
Segunda p U T te - T-i\v\dcxç.c\o e a b s o l u + i z a ç ã o e s p e c u l a t i v a d o i d e a lis m o
I V . y \ filosofia d a ide-n+idade
(1 8 0 1 - 1 8 0 4 )
2 A id e n tid a d e a b so lu ta
■ Identidade absoluta. Partindo do
Eu absoluto de Fichte, que é Eu = Eu,
o jovem Schelling elabora sua con Portanto, “ o único conhecimento ab
cepção do absoluto como identidade soluto é o da identidade absoluta” , e esta
originária de Eu e não-eu, sujeito e identidade absoluta é infinita e, por conse
objeto, consciente e inconsciente, guinte, tudo aquilo que existe é, de algum
espírito e natureza. O absoluto é esta modo, “ identidade” , que, como tal, jamais
identidade originária de ideal e real, pode ser suprimida. Toda coisa que seja
e a filosofia é saber absoluto do ab considerada como ela é em si, resolve-se
soluto, ao qual nos elevam os apenas
com uma intuição originária. nesta “ identidade infinita” , enquanto existe
A identidade absoluta é infinita e não apenas nela e não fora dela.
sai nunca fora de si, e tudo aquilo que Essa identidade não sai de si, mas, ao
existe, existe, de algum modo, nela e contrário, tudo está nela: “ O erro funda
é "identidade": a identidade absoluta mental de toda filosofia é o pressuposto de
é definitivamente o Uno-Todo, fora do que a identidade absoluta saiu realmente de
qual nenhuma coisa existe p o r si mesma. si mesma, bem como o esforço para tornar
A existência das coisas e sua gênese
supõem uma "queda"originária, uma compreensível o modo como acontece esse
"separação" em relação a Deus: em sair para fora. A identidade absoluta, no
Deus, com efeito, há um princípio entanto, nunca deixou de ser tal, e tudo o
obscuro e cego, que é "vontade" irra que existe, considerado em si mesmo, não
cional, e um princípio positivo e racio é mais o fenômeno da identidade absoluta,
nal, e a vida de Deus se explica como mas ela própria” .
vitória do positivo sobre o negativo. Essa “ identidade absoluta” é, portanto,
o “ Uno-Todo” , fora do qual nada existe
por si, é o próprio universo, que é coeter-
no à identidade. As coisas singulares são
manifestações fenomênicas que brotam da
diferenciação qualitativa entre “ subjetivo” e
como “ sujeito” , “ eu” , “ autoconsciência” “ objetivo” , da qual nasce o finito. Todo ser
e semelhantes, para basear-se em nova for individual é a diferenciação qualitativa da
mulação, que entendesse o absoluto como identidade absoluta; ele não só permanece
“ identidade” originária entre eu e não-eu, radicado na identidade (como em seu fun
sujeito e objeto, consciente e inconsciente, damento), mas também pressupõe sempre
espírito e natureza, em suma, como coinci- a totalidade das coisas individuais às quais
dentia oppositorum. está ligado estrutural e organicamente.
O absoluto, portanto, é essa identidade
originária entre ideal e real, e a filosofia é
saber absoluto do absoluto, baseado em
sua intuição, que é condição de todo saber
3 T )a id e n tid a d e
Schelling
em um belo retrato da época,
realizado a carvão e pastel.
Cãpltulo C[UÍHtO - S c k e l l i n g e a g e s t a ç a o r o m â n t ic a d o id e a lis m o
V. A s últimas f a s e s d o p e n sa m en + o
d e 5 c k e llm g
que estão na base da própria existência e da zão, ao passo que a filosofia positiva, além
própria vida de Deus. Existe mal no mundo da razão, também se constrói com base na
porque ele já existe em Deus. religião e na revelação.
Portanto, os aspectos obscuros, nega E evidente que a revelação por exce
tivos e angustiosos da existência têm sua lência é aquela na qual se funda a religião
origem no próprio absoluto. cristã. Schelling, porém, estende o conceito
Da mesma forma, a inteligência, a luz de revelação a todas as religiões históricas,
e o amor que existem no mundo já existem até as politeístas. Além disso, em geral ele
antes em Deus. Como luta entre os dois mo entende o arco histórico das religiões como
mentos, a vida reflete a luta originária que já uma espécie de “ revelação progressiva de
existe em Deus. E a vitória da liberdade, da Deus” . E compreensível, então, que o filóso
inteligência e do positivo, que é o objetivo fo tenha feito, tanto da mitologia pagã como
da história dos homens, é o reflexo daquela da Bíblia, objetos de atenta análise.
vitória que se realiza eternamente em Deus Por fim, é importante destacar que o
e pela qual Deus é “ pessoa” . Deus de que se ocupa essa filosofia positiva
O mal, como o negativo que é supe já é o Deus-pessoa que cria o mundo, se re
rado eternamente em Deus, é eternamente vela e redime o homem da queda: em suma,
rechaçado para o não-ser e, como tal, não é o Deus considerado naquela concretude
contrasta com a liberdade, com o bem, com religiosa que as filosofias modernas quase
a santidade e com o amor. nunca consideraram como objeto específico
Pode-se sentir nessa concepção resso de sua própria reflexão.
nâncias de Eckhart e sobretudo de Jacob Por fim, devemos notar como, nesta
Bõhme (místico e teósofo alemão), em cuja fase, Schelling, pondo em relevo o motivo
leitura Schelling foi iniciado por Franz von da existência não dedutível da essência,
Baader (1756-1841), que foi seu discípulo antecipe elementos “ existencialistas” que
e, ao mesmo tempo, o influenciou com seus Kierkegaard acolherá imediatamente e porá
fortes interesses teosóficos. em primeiro plano.
I
existência efetiva das coisas. A primeira é : a especulação que se funda, além de
relativa à possibilidade lógica das coisas, a sobre a razão, também sobre a reli
segunda à sua existência real. gião e sobre a revelação, e se refere
à existência efetiva das coisas: a filo
Com essa distinção, ele não pretende sofia positiva deve necessariamente
negar a primeira forma de filosofia, mas integrar a negativa. .
fazer valer a necessidade da integração
substancial dessa forma. A filosofia negativa
é inteiramente construída com base na ra
89
Capítulo quinto - 5 c k e ! l i n 0 e a g e s f a ç ã o r o m â n t ic a d o id e a lis m o
VI. Conclusões
s o b ^ e o p e n s a m e n fo d e 5 c k e llin 0
SCHELLING
4 FILOSOFIA DA IDENTIDADE
O Absoluto
é o Uno-Todo,
. ^ identidade originária de
consciente inconsciente
atividade estética,
ao mesmo tempo consciente e inconsciente
(filosofia da arte)
A CONCEPÇÃO DO ABSOLUTO
NA ÚLTIMA FASE DO PENSAMENTO DE SCHELLING
No Absoluto,
isto é, no próprio Deus,
existe a luta entre
um princípio positivo e
um princípio obscuro
e irracional, racional,
do qual derivam, que em Deus vence eternamente
como “ queda originária’’ e se revela pouco a pouco em todas as religiões,
até a religião cristã,
de Deus,
que é a mais perfeita
>
a Natureza a luta entre
bem e mal,
entre liberdade
e necessidade, na história humana o princípio positivo
no homem destina-se a vencer
a f i l o s o f i a p o s i t i v a é a especulação
baseada na religião e na revelação,
e refere-se à existência efetiva das coisas.
Ela deve necessariamente integrar — ------------ a f i l o s o f i a n e g a t i v a ,
que é a especulação baseada apenas na razão
e refere-se à essência (o que-coisa) das coisas
91
Capítulo quinto - S c K e l I in g a a g e s t a ç ã o r o m â n t ic a d o id e a lis m o ____
dição interna. Todavia, esta contradição, pondo e eterna revelação que existe e o milagre que,
em movimento o homem inteiro com todas as mesmo que tivesse existido apenas uma vez,
suas forças, é sem dúvida uma contradição que deveria persuadir-nos da absoluta realidade
investe aquilo que há de último nele, a raiz do sypremo Absoluto.
de toda a sua existência, é como se nos raros F. LU. J
homens que mais do que outros são artistas Sistema do idealismo transcendental.
no sentido mais elevado da palavra, aquele
imutável idêntico sobre o qual está disposta
toda existência tivesse se despojado do véu
com o qual se circunda em outros homens e,
como é afetado imediatamente pelas coisas, 3 O verdadeiro órgão
assim também reaja imediatamente sobre
todas as coisas. Pode ser, portanto, apenas a do filosofio: o arte
contradição entre o consciente e o privado de
consciência no livre agir a pôr em movimento
o impulso artístico, assim como, por sua vez, R Filosofia da arte é para Schelling a
é apenas à arte que pode ser dado satisfazer conclusão sistemática de toda a Filoso
nosso esforço infinito e resolver também em nós Fia, expondo a identidade originária de
a última e mais extrema contradição. consciente e inconsciente, subjetividade
Como a produção estética procede do e objetividade, liberdade e necessidade.
sentimento de uma contradição aparentemente Se a FilosoFia teórica, na determinação de
insolúvel, assim termina, segundo reconhecem sua abstração, permanece em um ponto
todos os artistas e todos aqueles que par de vista ainda isolado, a arte, ao contrário,
ticipam de sua inspiração, no sentimento de consegue tornar comunicável a "identidade
uma harmonia infinita. Que este sentimento originária", Fazendo-a penetrar na consciên
que acompanha a realização seja, ao mesmo cia comum.
tempo, uma comoção, já o demonstra o fato
de que o artista atribui a perfeita solução da
contradição não a si próprio, mas a um favor Se a intuição estética é unicamente a
gratuito de sua natureza que, justamente como transcendental que se tornou objetiva, é evi
o havia impiedosamente posto em contradição dente que a arte é o único documento que dá
consigo mesmo, depois lhe havia concedido a testemunho sempre e incessantemente àquilo
graça de libertá-lo da dor de tal contradição. que a filosofia não pode expor externamente,
Com efeito, como o artista é impulsionado in isto é, o privado de consciência no agir e no
voluntariamente ò produção, e até com íntima produzir, e sua identidade originária com o
resistência (daí as expressões recorrentes nos consciente. Cxatamente por isso a arte é para
antigos, como pati Deum etc., 0 em geral a o filósofo aquilo que há de supremo, porque
idéia de uma inspiração trazida por um sopro lhe abre, por assim dizer, o sancta sanctorum
estranho), da mesma forma também o objetivo onde, em união eterna e originária, quase em
sobrevêm em sua produção quase sem sua uma única chama, arde aquilo que é separado
intervenção, isto é, exatamente de modo mera na natureza e na história, 0 aquilo que na vida
mente objetivo. Assim como o homem marcado e no agir, como também no pensamento, deve
pelo destino não leva a termo aquilo que quer eternamente escapar. A visão da natureza que
ou que tem em mente, mas aquilo que deve rea o filósofo constrói artificiosamente é para a arte
lizar por causa de um destino incompreensível a originária e natural. Aquilo que chamamos de
sob cujo influxo jaz, também o artista, por mais natureza é um poema encerrado em secreta
que seja claramente intencionado, quanto ao e admirável escritura. Todavia, se o enigma
aspecto propriamente objetivo de sua criação pudesse desvelar-se, nele reconheceríamos
parece todavia encontrar-se sob o influxo de a odisséia do espírito que, por surpreendente
um poder que o separa de todos os outros engano, foge de si mesmo no ato de procurar-
homens, e o obriga a exprimir ou a representar se; com efeito, por meio do mundo sensível, o
coisas que ele próprio não vê perfeitamente sentido se mostra apenas mediante palavras, e
e cujo sentido é infinito. Ora, uma vez que o apenas por meio de névoa semidiáfana transluz
absoluto alcançar da coincidência das duas atenuadamente o país da fantasia pelo qual
atividades que escapam não é ulteriormente sempre anelamos. Toda pintura esplêndida
explicável, e todavia é um fenômeno que, nasce, por assim dizer, quando é removido
embora inconcebível, justamente por isso não o diafragma invisível que separa mundo real
pode ser negado, de modo que a arte é a única 0 mundo ideal, e não é mais que a abertura
93
Capítulo quinto - S c M I m g e a g e s t a ç ã o r o m â n t i c a d o id e a lis m o . .
por meio da qual vêm-nos ao encontro em sua próprio eu, até o ponto em que nós mesmos
plenitude as Figuras e as regiões do mundo da estávamos quando começamos a filosofar.
fantasia, o qual apenas imperfeitamente trans- Ora, se apenas a arte consegue tornar
luz no mundo real. Para o artista a natureza não objetivo, com valor universal, aquilo que o
é mais do que ela é para o filósofo, ou seja, filósofo pode expor unicamente de modo sub
apenas o mundo ideal que aparece em meio jetivo, é de se esperar - paro tirar ainda esta
a permanentes limitações, apenas o reflexo conclusão - que a filosofia, assim como brotou
imperfeito de um mundo que existe não fora e foi alimentada pela poesia na infância do
dele, mas dentro dele. saber, e com ela todas as ciências que por
Quanto a saber de onde vem esta afi meio dela foram levadas à perfeição, uma vez
nidade da filosofia e da arte, apesar de sua alcançada sua plenitude, como diversos rios
oposição, as considerações precedentes já particulares confluirão novamente no oceano
deram uma resposta suficiente. universal da poesia do qual haviam saído. Qual
Concluiremos, portanto, observando o será, depois, o trâmite da volta da ciência para
que segue. a poesia não é em geral difícil de dizer, pois
Um sistema é completo quando é re este termo médio existiu na mitologia, antes
conduzido a seu ponto de partida. C este é que tivesse havido esta separação que agora
exatamente o caso de nosso sistema. Com parece insuperável. Todavia, como possa nascer
efeito, justamente o fundamento originário de uma nova mitologia, que não seja invenção do
toda harmonia entre o subjetivo e o objetivo, poeta particular e sim de uma geração nova
fundamento que poderia ser exposto em sua que quase represente, por assim dizer, um único
identidade originária unicamente por meio da poeta, isso é um problema cuja solução se pode
intuição intelectual, graças à obra de arte foi esperar apenas dos destinos futuros do mundo
completamente tirado para fora do subjetivo e do curso ulterior da história.
e se tornou totalmente objetivo, de modo que F. UJ. J
progressivamente conduzimos nosso objeto, o Sistema do idealismo transcendental.
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■Hegel
e o idealismo absoluío
I. y\ v id a , a s o b r a s
e a g ê n e s e d o p e n s a m e n to d e E le g e i
dos estudiosos. Dependendo dos diferentes por causa das estreitas relações que, em
momentos históricos e culturais e das dife Hegel, existem entre o “ elemento lógico” e
rentes tendências dos estudiosos, respondeu- a “ linguagem” , que hoje está no centro dos
se e se responde de modo diferente a essa interesses filosóficos. Entretanto, é verdade
pergunta. Alguns já consideraram e muitos que a lógica contém tudo, porque também
ainda consideram a Fenomenologia do es é uma “ filosofia primeira” , ou seja, uma
pírito como a grande obra-prima de Hegel. “ m etafísica” ; porém, só contém tudo em
M as a Fenomenologia foi concebida como certa perspectiva, que é a da “ Idéia como
uma espécie de “ introdução ao sistema” e, L o go s” (como veremos), visto que a idéia
se é verdade que nela o sistema está presente, lógica ainda deve se desenvolver como
também é verdade que o está somente em “ natureza” e “ espírito” . Portanto, a lógica
esboço; além disso, ao lado de partes belís é somente parte do sistema, conforme decla
simas, ela apresenta também partes bastante ração expressa do próprio Hegel.
problemáticas e rústicas. O material mais rico e interessante se
N o passado, celebrava-se principal encontra nos grandes cursos ministrados em
mente a Enciclopédia das ciências filosóficas Berlim e publicados postumamente. Essa
em compêndio, que apresenta o quadro riqueza é compreensível, dado que eles se
completo do pensamento e do método do fi ocupam da filosofia do espírito, ou seja, do
lósofo. Muitos, porém, destacaram a aspere momento culminante do sistema hegeliano,
za da obra, que, como compêndio, apresenta no qual está inserido, em certo sentido, todo
discurso por vezes muito denso e conciso e, o resto. N ão se deve esquecer, porém, o fato
portanto, nem sempre compreensível. M as, de que esses cursos foram em grande parte
sobretudo, destacaram que a Enciclopédia reconstruídos com base nas anotações dos
revela por demais o defeito do pensamento discípulos, tendo finalidade predominante
hegeliano: a excessiva “ sistem aticidade” , mente didática.
a pretensão de apresentar um saber que N a realidade, todas as obras mencio
não seja visão particular do absoluto, mas nadas, por um ou por outro aspecto, são de
a “ ciência absoluta do absoluto”, com as notável relevo, o que explica a razão pela
relativas pretensões de sabor hegemônico e qual, em tempos diversos ou em diversas
até totalitário. óticas, cada uma delas já tenha sido consi
Houve período em que se apreciavam derada como obra-prima. Talvez não esteja
principalmente os Elementos de filosofia longe da verdade afirmar que, apesar de seus
do direito, pela peculiar concepção da defeitos, a Fenomenologia é a obra mais
ética e pela célebre doutrina do Estado (a viva e fascinante por certos aspectos. M as
concepção do “ espírito objetivo” , da qual a posição histórico-teórica de Hegel emerge
falaremos amplamente). Hoje, porém, essas principalmente na Enciclopédia, particular
doutrinas se apresentam como notavelmente mente na grande, em três volumes, com a
obsoletas e, em sua substância, não são mais devida integração dos cursos ministrados,
aceitáveis. que, como já dissemos, são extraordinaria
De algum tempo para cá, está no auge a mente ricos de análises e anotações, ainda
Ciência da lógica, valorizada principalmente dignas de profunda meditação.
Cãpltulo S e x tO - "H egel e o id ealism o absoluto
II. O s fu n d a m e n to s d o sis+em a
yA r e a l i d a d e c o m o e s p í r i t o :
d e te r m in a ç ã o prelim in ar
d a n o ç ã o K egelian a
d o espírito
Hegel ensina
mi l'nirersidadc
de Berlim.
Inirtiailar
de uma litografia
dc K. Kuglcr.
Capítulo sexto - -f-legel e o i d e a l i s m o a b s o l u t o
si mesma, e o mesmo ocorre também com fato de que, para Hegel, qualquer coisa que
o absoluto: a idéia (que é o logos, a racio exista ou aconteça não está fora do abso
nalidade pura e a subjetividade em sentido luto, mas é um insuprimível momento dele.
idealista, como veremos mais amplamente O mesmo significado tem a afirmação
adiante) tem em si o princípio do seu próprio de que “ ser e dever ser coincidem” : o que é,
desenvolvimento e, em função dele, primeiro é o que devia ser, porque tudo o que existe
se objetiva e se faz natureza, “alienando- é precisamente momento da idéia e do seu
se ”, e depois, superando essa alienação, desenvolver-se (o que acontece é sempre o
retorna a si mesma. Por isso, Hegel pode que merecia acontecer).
dizer perfeitamente que o espírito é a idéia Doravante torna-se claro também o
que se realiza e se contempla por meio de chamado “ panlogismo” hegeliano, ou seja,
seu próprio desenvolvimento. a afirmação de que “ tudo é pensamento” .
E compreensível, portanto, a tríplice Isso não significa que todas as coisas têm
distinção da filosofia hegeliana em: pensamento como o nosso (ou consciência
1) Lógica; como a nossa), e sim que tudo é racional en
2) Filosofia da natureza; quanto é determinação de pensamento. Essa
3) Filosofia do espírito. afirmação, explica Hegel, corresponde à afir
A primeira estuda a “ idéia em si” , a mação dos antigos segundo a qual o Nous
segunda o seu “ alienar-se” e a terceira o (ou seja, a Inteligência) governa o mundo.
momento do “retorno a si” . Eis um esquema
de ilustração e resumo, que pouco a pouco
E 3 o N e g a t i v o ” c o m o m o m en to
esclareceremos:
d ia lé t ic o q w e le v a o e s p ír it o a o p o sitivo
Ele distingue, separa e de-fine, cristalizan ligação com ele (não podemos pensar o uno
do-se nessas separações e de-finições, que de modo rigoroso e adequado sem a relação
considera de certa forma definitivas. que o liga com os muitos), podendo-se dizer
Escreve Hegel na Grande Enciclopédia: o mesmo para os conceitos de “ semelhante”
“ A atividade do intelecto, em geral, consiste e “ dessemelhante” , “ igual” e “ desigual” ,
em conferir ao seu conteúdo a forma da uni “ particular” e “ universal” , “ finito” e “ in
versalidade: mais precisamente, o universal finito” , e assim por diante. Aliás, cada um
posto pelo intelecto é universal abstrato, desses conceitos dialeticamente considera
que, como tal, é mantido solidamente con dos parece inclusive “ transformar-se” no
traposto ao particular, mas que, desse modo, próprio oposto e como que “ dissolver-se”
ao mesmo tempo, também é determinado nele.
por seu turno como particular. À medida que Por isso, escreve Hegel: a dialética “ é
opera em relação a seus objetos separando e esse ultrapassar imanente no qual a unilate-
abstraindo, o intelecto é o contrário da intui ralidade e a limitação das determinações do
ção imediata e da sensação, que, como tal, intelecto se expressam por aquilo que são,
relaciona-se inteiramente com o concreto e isto é, como sua negação. Todo finito é su
nele permanece parad a.” peração de si mesmo. A dialética, portanto,
A potência abstrativa do intelecto é é a alma motriz do procedimento científico,
grande e admirável, e Hegel não poupa sendo o único princípio pelo qual o conteú
elogios em relação ao intelecto, no sentido do da ciência adquire um nexo imanente
de que ele é a potência que destaca e afas ou uma necessidade; assim, em geral, é nele
ta do particular, elevando ao universal. que se encontra a verdadeira elevação, não
Assim, a filosofia não pode prescindir do extrínseca, para além do finito (isto é, para
intelecto e de sua obra, devendo, ao con além de cada simples determinação do fini
trário, começar exatamente pelo trabalho to)” . Hegel tem o cuidado de salientar que
do intelecto. o momento dialético não é absolutamente
Entretanto, o intelecto como tal apre prerrogativa do pensam ento filosófico,
senta conhecimento inadequado, que per mas está presente em todo momento da
manece encerrado no finito (ou, no m áxi realidade: “ Ora, por mais que o intelecto
mo, vai até o “ falso infinito” ), no abstrato comumente solicite a dialética, não se deve
cristalizado, e, por conseguinte, torna-se pensar de modo algum que a dialética seja
vítima das oposições que ele próprio cria, algo presente somente na consciência filosó
distinguindo e separando. O pensamento fica; ao contrário, o procedimento dialético
filosófico, portanto, deve ir além dos limites pode-se encontrar em toda outra forma de
do intelecto. consciência e na experiência geral. Tudo
aquilo que nos circunda pode ser pensado
E U O s e g u n d o m o m e n to como exemplo da dialética. N ós sabemos
d a d i a l é t i c a (a n t ít e s e ) que todo finito, ao invés de ser termo fixo
e último, é mutável e transeunte; isso nada
O ir além dos limites do intelecto é mais é do que a dialética do finito, mediante
peculiaridade da “ razão” , que tem um mo a qual o finito, enquanto em si, é diferente
mento “ negativo” e um “ positivo” . de si, sendo impelido também para além
O momento negativo, que Hegel cha daquilo que é imediatamente e transfor
ma de “ dialético” em sentido estrito (dado mando-se no seu oposto.” (A semente deve
que, em sentido lato, “ dialética” é o con transformar-se no seu oposto para tornar-se
junto dos três momentos que descrevemos), broto, ou seja, deve morrer como semente;
consiste em remover a rigidez do intelecto e a criança deve morrer como tal e transfor
de seus produtos. M as fluidificar os concei mar-se no seu oposto para tornar-se adulto,
tos do intelecto comporta o esclarecimento e assim por diante.) O negativo que emerge
de uma série de contradições e oposições de do momento dialético, em geral, consiste
vários tipos, sufocadas no enrijecimento do na “ falta” que cada um dos opostos revela
intelecto. Desse modo, toda determinação quando se defronta com o outro. M as é
do intelecto transforma-se na determinação exatamente essa “ falta” que se revela como
contrária (e vice-versa). a mola que impele, para além da oposição,
O conceito de “ uno” , tão logo é ex para uma síntese superior, que é o momento
traído de sua rigidez abstrata, requer o especulativo, ou seja, o momento culminan
conceito de “ m uitos” , mostrando estreita te do processo dialético.
Segunda pãTte - F u n d a ç ã o e a b s o lu t iz a ç ã o e s p e c u la t iv a d o ide alism o
um momento, não só da vida humana, mas mas como figuras já depostas do espírito,
também da vida do absoluto: a “ fenome como graus de caminho já traçado e aplai
nologia do espírito” é o caminho que leva nado” .
a consciência finita ao absoluto infinito, Vejamos agora qual é o esquema desse
que coincide com o caminho que o abso itinerário do espírito-que-aparece e da cons
luto percorreu e percorre para alcançar a ciência que o percorre de novo, e quais são
si mesmo (o reentrar em si pelo ser-outro). algumas das “ figuras essenciais do espírito
Portanto, a Fenomenologia marca a passa já depostas” .
gem necessária e científica, como dissemos,
e sua metodologia não pode deixar de ser
a mais rigorosa metodologia científica, ou
seja, a dialética. • A +m rn a
//f. //
e as j\ g u ^ a s
" fe n o m e n o lo g ia ” d a “f e n o m e n o l o g i a ”
c o m o h is+ ó ria d a c o n s c iê n c ia d o in d iv íd u o
e k is + ó H a d o e s p ín + o
E U e t a p a s d o itin e rá r io
Com base nessa premissa, torna-se fácil fe n o m e n o ló g ic o
compreender o termo “ fenomenologia” na
acepção hegeliana. O termo deriva do grego O espírito que se determina e aparece é
pbainómenon, que significa manifestar-se ou a consciência no sentido lato do termo, que
aparecer e, portanto, quer dizer ciência do significa consciência de alguma coisa diversa
aparecer e do manifestar-se. Esse aparecer (tanto interna como externa, e de qualquer
(e, no sistema hegeliano, não poderia ser gênero que seja). Consciência indica sempre
diferente) é o aparecer do próprio espírito relação determinada entre um “ eu” e um
em diferentes etapas, que, a partir da cons “ objeto” , relação sujeito-objeto. A oposição
ciência empírica, pouco a pouco se eleva a sujeito-objeto, portanto, é característica
níveis sempre mais altos. distintiva da consciência.
A fenomenologia, portanto, é a ciência Ora, o itinerário da Fenomenologia
do espírito, que aparece na forma do ser consiste na m ediação progressiva dessa
determinado e do ser múltiplo e que, em oposição, até sua total superação.
uma série sucessiva de “ figuras” , ou seja, Podemos, portanto, dizer também que
de momentos dialeticamente relacionados o objetivo que Hegel persegue na Feno
entre si, alcança o saber absoluto. m enologia é a anulação da cisão entre
N a “ fenomenologia do espírito” , co consciência e objeto, com a demonstração
mo se evidencia do que foi dito, existem de que o objeto nada mais é do que o “ si”
dois planos que se interseccionam e se jus da consciência, isto é, autoconsciência: a
tapõem: autoconsciência que, de Kant em diante, se
1) há o plano constituído pelo caminho tornara o centro da filosofia, e que Hegel
percorrido pelo espírito para chegar a si procura fundamentar cientificamente, dela
mesmo ao longo de todos os acontecimen extraindo ao mesmo tempo as últimas con
tos da história do mundo que, para Hegel, seqüências.
é o caminho ao longo do qual o espírito se Resumidamente, o itinerário fenome-
realizou e se conheceu; ' nológico percorre as seguintes etapas:
2) mas há também o plano próprio do 1) Consciência (em sentido estrito);
simples indivíduo empírico, que deve per 2) Autoconsciência;
correr novamente aquele mesmo caminho 3) Razão;
e apropriar-se dele. 4) Espírito;
A história da consciência do indivíduo, 5) Religião;
portanto, outra coisa não pode ser senão o 6) Saber absoluto.
percorrer de novo a história do espírito. A A tese de Hegel é que toda consciência
introdução fenomenológica à filosofia é o é autoconsciência; por sua vez, a autocons
percorrer novamente esse caminho. Escreve ciência se descobre como razão; por fim, a
Hegel: “ O indivíduo deve percorrer nova razão realiza-se plenamente como espírito,
mente os graus de form ação do espírito que, através da religião, alcança seu ponto
universal, também segundo o conteúdo, culminante no saber absoluto.
Capítulo Sexto - H e g e l e o id e alis m o absolu+o
pólo dialético com o qual o senhor possa tem apenas “ consciência fragmentada de
se confrontar adequadamente (já se notou si” , porque procura seu objeto naquilo que
com razão que ser somente senhor é muito é apenas um além inatingível-, ela está ins
menos do que ser pessoa autoconsciente); talada neste mundo, mas está toda voltada
ao contrário, o escravo tem no senhor um para o outro (inatingível) mundo. Para a
pólo dialético tal que lhe permite reconhe consciência infeliz, toda aproxim ação à di
cer nele a consciência, porque a consciência vindade transcendente significa uma própria
do senhor é a que comanda, enquanto o mortificação e um sentir a própria nulidade.
servo faz o que o senhor ordena. Dessa A superação do negativo próprio dessa cisão
form a, Hegel identifica perfeitamente o (isto é, segundo Hegel, o reconhecimento de
poder dialético que deriva do trabalho. que a transcendência na qual a consciência
Diz ele: “ Precisamente no trabalho, onde infeliz via a única e verdadeira realidade não
parecia ser ela um significado estranho” , a está fora, mas sim dentro dela) leva a uma
consciência servil encontra-se a si mesma síntese superior, que se realiza no plano da
e encaminha-se para encontrar seu signifi “ razão” .
cado próprio.
M as a autoconsciência só alcança a
plena consciência através das etapas su WKM t e r c e ir a e t a p a : a r a z ã o
cessivas: b) do estoicismo, c) do ceticismo,
d) da consciência infeliz. A “razão” nasce no momento em que
b) O “ estoicism o” representa a liber a consciência adquire “ a certeza de ser to
dade da consciência que, reconhecendo- da realidade” . Essa é a posição própria do
se com o pensam ento, in stala-se acim a idealismo.
da senhoria e da escravidão, que, como As etapas fenomenológicas da razão
sab em o s, constituem p ara os estóico s (ou do espírito que se manifesta como ra
m eros “ in d ife re n te s” . M a s, querendo zão) são as etapas dialéticas progressivas da
libertar o homem de todos os im pulsos e aquisição dessa certeza de ser toda coisa,
de todas as paixões, o estoicism o o isola ou seja, da aquisição da unidade de pensar
da vida e, conseqüentem ente, segundo e de ser.
Hegel, sua liberdade permanece abstrata, Essas etapas repetem, em nível mais
retrai-se para dentro de si e não supera a elevado, como espiral que se eleva, em
alteridade. movimento que retorna sempre sobre si,
c) O estoicismo translada-se dialetica- segundo círculos cada vez mais amplos, os
mente para o “ ceticismo” , que transforma três momentos examinados anteriormente.
o afastamento do mundo em atitude de ne O nível mais elevado consiste justamente
gação do mundo. M as, negando tudo o que no fato de que agora, como razão, a cons
a consciência tinha como certo, o ceticismo, ciência sabe ser unidade de pensamento e de
por assim dizer, esvazia a autoconsciência, ser e, nesse nível, as novas etapas consistem
levando-a à autocontradição e à cisão de precisamente em verificar essa certeza. E
si consigo mesma. Com efeito, a autocons assim temos as três etapas: A) da “ razão que
ciência cética nega as próprias coisas que é observa a natureza” ; B) da “ razão que age”
obrigada a fazer e vice-versa: nega a validade e C) da “ razão que adquire a consciência de
da percepção e percebe; nega a validade do ser espírito” .
pensamento e pensa; nega os valores do A) A “ razão-que-observa-a-natureza”
agir moral e, no entanto, age segundo tais é constituída pela ciência da natureza, que
valores. se move desde o princípio no plano da
d) A característica da cisão, implícita consciência de que o mundo é penetrável
na autocontradição do ceticismo, torna-se pela razão, ou seja, é racional. Hegel escre
explícita na “ consciência infeliz” , que é ve: “ A razão procura seu outro, sabendo
a consciência de si como “ duplicada” ou que nisso ela não possuirá mais que a si
“ desdobrada” e “ no aspecto imutável e no mesma; ela busca apenas sua própria infi-
aspecto mutável-, o primeiro é considerado nitude” .
como coincidente com um Deus transcen Portanto, para poder-encontrar-a-si-
dente, e o segundo com o homem. A cons mesma-no-seu-outro, a razão deve superar
ciência infeliz (bimundana), segundo Hegel, o momento “ de observação” e passar para
é o traço que caracteriza principalmente o momento “ ativo” ou “ prático” , ou seja,
o cristianismo medieval. Essa consciência para a esfera moral.
Capítulo sexto - - H e g e l e o ic j e a l i s m o a b s o l u t o
IV. A ló g ic a
próprio pensamento que realiza a si mes modo que se tem o máximo do resultado não
mo e o próprio conteúdo (realizando-se, no momento inicial, e sim no momento final,
realiza contemporaneamente o seu próprio e, portanto, não no Deus-que-é-objeto-da-
conteúdo). lógica, e sim no Deus-como-ele-é-depois-da-
A grande Lógica de Hegel constitui, criação, ou seja, no Deus que conheceremos
por assim dizer, a síntese dos conteúdos que na filosofia do espírito.
se encontram no Organon e na Metafísica O Deus antes da criação é de alguma
de Aristóteles. Portanto, têm perfeita razão forma um minus em relação ao espírito
os intérpretes que afirmam que a lógica depois da criação, enquanto representa o
hegeliana é uma “ filosofia primeira” (em momento da “ tese” , ao passo que o Deus
sentido aristotélico) e, portanto, uma “ teo depois da criação representa o momento da
logia” ou (como já dissemos) uma grandiosa “ síntese” . O Deus da Lógica é o elemento
“ metafísica” . Hegel censura Kant por ter puro do pensamento (o L o go s), que deve
negado a possibilidade de construir uma antes alienar-se na natureza, para depois
metafísica como ciência: com efeito, para superar essa alienação (negando-a) e tornar-
Hegel, “ um povo sem metafísica é como se espírito. O Logos, ou seja, o Deus como
templo sem altar” . era em sua “ eterna essência” , de que fala
Hegel chega até a dizer — e esta é talvez a lógica hegeliana, não corresponde ainda,
sua afirmação mais iluminadora — que as portanto, ao M otor imóvel de Aristóteles,
diversas categorias por meio das quais sua que é pensamento de pensamento, ou ao
lógica pouco a pouco se desenvolve podem nous (cosmo noético) plotiniano ou agos-
ser vistas como definições sucessivas do tiniano, porque não é ainda o máximo de
absoluto. Desde a primeira tríade, até as realidade. Isto será apenas o espírito, como
tríades mais elevadas, nada mais temos que veremos, que é a realização dialética (a auto-
“ definições mais determinadas e mais ricas” realização) daquele Logos de que trata a
do próprio absoluto. Cada categoria que se Lógica. Quando falar do espírito (e somente
desenvolve triadicamente constitui um elo então), Hegel se referirá solenemente ao
sempre mais amplo da espiral. Em suma: a motor imóvel de Aristóteles.
lógica hegeliana pode ser representada como É exatamente isso que Hegel entende
um dizer a mesma coisa de modo progres quando diz que a lógica estuda a idéia “ em
sivamente mais rico (um dizer, porém, que si” , ao passo que a filosofia do espírito estu
coincide com um tornar-se-sempre-mais-rico da a idéia “ em si e para si” , ou seja, em seu
da própria coisa que é dita). “ retornar a si” depois de se ter “ alienado”
na natureza.
Somente tendo presente a concepção
E O A l ó g ic a h e g e lia n a do absoluto como “ processo” (ou auto-
c o m o e x p o s i ç ã o d e X?eus processo) dialético podemos compreender
an tes d a c r ia ç ã o d o m undo a novíssima concepção hegeliana da lógi
ca (a mais difícil de todas as que foram
Usamos acima o termo “teologia” , não apresentadas nó contexto do pensamento
certamente por acaso ou arbitrariamente. ocidental).
E o próprio Hegel quem o diz claramente:
“ A lógica deve [...] ser entendida como o
sistema da razão pura, como o reino do O d e s d o b r a m e n t o d ia lé t ic o
puro pensamento. Esse reino é a verdade, g l o b a l d a ló g i c a h e g e l i a n a
como ela é em si e para si, sem véu. Pode
mos, portanto, nos expressar deste modo: Ainda resta a esclarecer, porém, outro
esse conteúdo é a exposição de Deus, assim ponto muito importante. O Logos da L ó
como ele é em sua eterna essência, antes gica, ou seja, a idéia-em-si, não deve ser
da criação da natureza e de um espírito concebido como uma espécie de realidade
finito” . única e compacta, e sim, por sua vez, como
Ora, devemos atentar bem para esta desenvolvimento e processo dialético. A
expressão: “ Deus, como era antes da criação “ idéia lógica” é a totalidade de suas deter
etc. ” Ela não significa aquilo que quer dizer minações conceituais em seu desdobramento
no contexto da filosofia clássico-cristã, dado dialético, ou seja, a totalidade dos conceitos
que, para Hegel, o absoluto é processo, é determinados e das relações que os ligam e
resultado do processo (auto-resultado), de ligam sua passagem de um a outro em cír
Capítulo sexto - -Hl e ge J e. o i d e a l i s m o a b s o l u t o
culos sempre mais elevados, até o desvendar expressamente que as categorias de sua
total da verdade, que é precisamente a idéia lógica nada mais fazem do que expressar
em seu conjunto. o absoluto em níveis pouco a pouco mais
As três etapas principais da Lógica são elevados (e, portanto, as sucessivas tríades
as que Hegel chama de 1) “ ser” , 2) “ essên expressam sempre tudo, de modo pouco a
cia” e 3) “ conceito” . pouco sempre mais articulado).
1) N a lógica do ser, a dialética procede
em sentido horizontal, por meio de passa
gens que levam de um termo a outro, o qual 3 || y \ lógica d a e s sê n c ia
absorve em si o anterior.
2) N a lógica da essência, ao contrário,
temos um como que desenvolver-se dos
vários termos e um como que “ refletir-se” A lógica da essência (como já aludimos
recíproco de um termo no outro. acima) trabalha escavando em profundida
3) Por fim, na lógica do conceito, cada de, para encontrar as raízes do ser. Aliás, é
termo prossegue no outro e nele continua o próprio ser (que coincide com o pensa
até identificar-se (dialeticamente) com ele. mento que o pensa) que se volta sobre si
Podemos dizer que e se aprofunda re-fletindo sobre si mesmo.
1) na lógica do ser, o pensam ento Para bem compreender esse ponto, é preci
procede como que sobre um plano ou uma so recordar que, em alemão, “ essência” é
superfície; “Wesen”, que deriva do particípio passado
2) na lógica da essência, o pensamento do verbo ser, que é “ gewesen” e, em certo
aprofunda, ou seja, cresce segundo a dimen sentido, significa o refletir-se e o voltar-se
são da profundidade; sobre si mesmo do próprio ser, como que se
3) na lógica do conceito, o pensamento condensando em si. Também em grego, na
torna-se completo, ou seja, se dá segundo a expressão cunhada por Aristóteles, “ essên
dimensão da circularidade. cia” dizia-se de modo análogo, com fórmula
M as o que dissemos sinteticamente (tò tí en einai) que os latinos traduziam por
ficará mais claro nas análises seguintes. quod quid erat esse (literalmente: o aquilo
que era o ser), que indicava precisamente o
ser enquanto refletido e condensado em si.
Em palavras simples, podemos dizer que a
lógica da essência estuda o pensamento que
quer ver o que existe sob a superfície do ser,
e chegar ao fundo dele.
O começo absoluto da Lógica é cons E nesta parte da lógica que se verificam
tituído pela primeira tríade, com a qual se as discussões sobre os célebres princípios de
inicia o movimento lógico da primeira ca identidade e de não-contradição, cuja pri
tegoria (ou seja, a categoria da qualidade) meira consideração foi feita por Aristóteles
e constitui de longe o ponto mais discutido (e, conseqüentemente, sobre o princípio
de toda a lógica hegeliana (e talvez de toda leibniziano de razão suficiente).
a obra de Hegel). Assim como foram form ulados por
Essa tríade é constituída por: a) ser, Aristóteles e codificados pela lógica pos
b) não-ser e c) devir. terior, segundo H egel, esses princípios
São inumeráveis as interpretações e representam o ponto de vista do intelecto
exegeses já apresentadas a esse respeito. abstrato e unilateral, e não o ponto de vista
Alguém já disse que, na realidade, nesse da razão, que é o único ponto de vista da
começo já se encontra toda a lógica e toda a verdade. Para Hegel, a verdadeira identidade
metafísica. “ Ser” , “ não-ser” e “ devir” , com não deve ser entendida do modo indicado
efeito, resumem tudo o que existe e que pode acim a, m as sim “ com o identidade que
ser pensado e dito. inclui as diferenças” . A verdadeira identi
Todavia, para dizer a verdade, o mes dade é aquela que dialeticamente se realiza
mo poderia ser repetido, a títulos diversos, retirando e mantendo as diferenças e que,
para muitas outras tríades posteriores (se portanto, implica “a identidade na distinção
não até para todas elas). E quem com e a distinção na identidade” .
preendeu o que explicamos acima não se Q uanto à relevância da “ contradi
surpreenderá, dado que Hegel afirm ou ção ” e ao papel que ela desempenha no
Segunda pavte - F u n d a ç a o e a b s o lu t iz a ç ã o e s p e c u la t iv a d o id e alism o
aquilo que se entende do ponto de vista termo mais importante torna-se o predicado
superior da razão. Estam os, portanto, em (e não mais o sujeito) da proposição, porque
novo plano. o predicado expressa o universal, ao passo
O conceito, diz Hegel, é “ aquilo que que o sujeito expressa o individual. O juízo,
form a e c r ia ” . Ele diz tam bém que é portanto, expressa o individual no-seu-tor-
“ ab so lu ta negatividade” , no sentido de nar-se-universal.
que é negação de toda determinação e de
toda finitude e superação das mesmas (é,
portanto, negatividade absoluta que se E O Os\Q n if ic a d o d e " s ilo g is m o ”
resolve em positividade absoluta). Por fim,
Hegel também qualifica o conceito como
“ potência livre” e até “ bem-aventurança O “ silogism o” representa a unidade
ilim itada” . Em suma: o conceito é o nome dos três m omentos: a universalidade, a
mais adequado (até este momento) para particularidade (ou especificidade) e a in
expressar o absoluto. dividualidade, com a relação precisa que
E evidente que, mudando de modo tão os liga.
radical o significado do conceito no plano O silogismo (no novo sentido hege
da razão, também o “ juízo” e o “ silogis liano) é o universal que através do parti
m o ” (estreitamente ligados ao conceito) cular (a espécie) se individualiza, e vice-
devem adquirir sentido com pletam ente versa, ou seja, o indivíduo que, através do
novo. particular (a espécie), se universaliza. Por
exemplo: o animal (= universal), através
da espécie homem (= particular), se indi
E 11 O s \ g n if ic a d o de “j w íz o ” vidualiza (por exemplo, em Carlos, Luís)
e, vice-versa, todo homem em particular
N o contexto da lógica hegeliana da (= indivíduo), através da espécie homem
razão, o “ juízo” coincide com aquilo que, (= particular), tende ao universal expresso
acima, vimos ser o significado da “ proposi pelo animal.
ção especulativa” , e à qual remetemos. O é Desse m odo, Hegel pode sustentar
da cópula do juízo hegeliano expressa iden a tese (absolutam ente p a rad o x al para
tidade dinâmica entre sujeito e predicado e o a velha lógica, m as óbvia no contexto
V. A filosof-ia da natureza
1) Em primeiro lugar, aparece a grande idéia decide livremente seu próprio tornar-
sugestão da processão dialética do neopla- se natureza.
tonismo (de que Hegel era fervoroso ad 3) M as com o teorema da criação se
mirador), que concebia o desenvolvimento interseccionam também as sugestões dos
da realidade em sentido triádico como dogm as da encarnação, paixão, morte e
manência (moné) — saída (próodos) — re ressurreição de Cristo, que Hegel entende
torno (epistrophé). A idéia lógica hegeliana como verdades racionais cósmicas. Por in
corresponde à “ manência” , a natureza cor fluência de tais dogmas, ele chega inclusive a
responde à “ saída” (a natureza, como logo dizer que o espírito deve enfrentar a “ morte”
veremos, é a idéia que se afasta de si, que sai para, através da morte, conservar seu ser
de si), ao passo que o espírito hegeliano é (tema que já analisamos na seção dedicada
tematicamente apresentado como “ retorno” à dialética), razão por que a natureza seria
da idéia em si e para si. o momento da “ morte” (da idéia), que é
2) Às sugestões neoplatônicas acres depois superado em uma vida mais elevada
centam-se as do dogma da teologia cristã (a “ idéia” que ressuscita é o espírito” ).
da criação, ao qual Hegel faz referência 4) A essas sugestões, por fim, acrescen
expressa, tanto no texto que lemos acima ta-se a concepção tipicamente romântica do
como em outros textos, nos quais diz que a espírito fazendo-se estranho si mesmo, como
Segunda parte 2
- F u i^ d a ç ã o e a bsolu tt a< :a o e s p e c u l a t i v a d o id e a lis m o
uma espécie de auto-ilusão, com o objetivo esteja retornando ao ser, isto é, à primeira
de tomar consciência de si e realizar-se ple fase da Lógica. M as, na realidade, diz ele,
namente. A natureza, portanto, seria esse “ esse retorno ao início é, ao mesmo tempo,
momento da auto-ilusão da idéia. progresso. Aquilo com que começamos era
o ser, o ser abstrato, e agora temos a idéia
como ser” , e a natureza é precisamente essa
2, O e s q u e m a d ialético
idéia-como-ser (como objeto). Em outros
textos, porém, ele faz uma série de afirma
d a filosofia d a n a t u r e z a ções que parecem ter significado oposto. As
ambigüidades e incertezas de Hegel a esse
respeito só podem ser compreendidas com
O esquema dialético procura reduzir base no que precisamos acima sobre as múl
essas sugestões a uma unidade, entendendo tiplas sugestões pelas quais ele permaneceu
a idéia como tese, a natureza como antítese condicionado. | Ê
(segundo momento negativo-dialético, au-
tonegação da idéia), da qual deverá depois
brotar o terceiro momento da síntese (mo
mento positivo-dialético ou especulativo),
ou seja, o espírito, no qual, através da ne
gação da negação, se realiza o momento da ■ N atureza. A natureza é a idéia em
m áxima positividade. Hegel insiste muito sua alienação, em seu estar-fora-de-si,
no momento de negatividade constituído a qual em sua existência não mostra
pela natureza, que é “ decadência da idéia nenhuma liberdade, mas apenas n e
de si” (parece-nos até ouvir um eco do an cessidade e acidenta/idade.
tigo gnosticismo), e insiste na “ impotência A criação da natureza é propriamente
uma "queda da idéia a partir de si".
da natureza” . M uitos estudiosos pensam A verdade e o fim da natureza, cujos
que, na realidade, trata-se de um “ regres graus ascendentes são a m ecânica, a
so ” em relação à idéia. M as, pelo menos física e a orgânica, é o espírito.
na Grande Enciclopédia, Hegel procurou
dissipar essa suspeita. Com a passagem da
idéia à natureza, poderia parecer que se
VII. y M g u m as re-jlexões c o n c lu s iv a s
• Todo o pensamento moderno posterior a Hegel pode ser visto como uma
espécie de acerto de contas com o "totalitarismo racionalista" hegeliano. Os
irracionalismos e as filosofias antidialéticas posteriores têm todos em comum
a reação contra a razão que Hegel tentou impor em todos os níveis de modo
absolutista.
O próprio totalitarismo político depreendeu suas armas con- £e+
ceituais para a própria autolegitimação em grande parte a partir
de Hegel, freqüentemente abusando dos conceitos hegelianos, os hegeliana
quais, porém, fornecem efetivamente amplo material disponível §7
para tal abuso.
Apesar disso, Hegel renasceu no século XX, e muitos aspectos de seu filosofar
constituem intuições formidáveis e pilares de grande profundidade nos diversos
âmbitos da realidade histórica. É, portanto, oportuno aproximar-se de Hegel es
Segundã pãrte - F u n d a ç ã o e a b s o lu + iz a ç ã o e s p e c u la t iv a d o idealism o
tabelecendo, como dizia Croce, "aquilo que morreu e aquilo que está vivo em sua
filosofia"; e enquanto parece morta sua pretensão de dar ao homem o totalizante
conhecimento absoluto do absoluto, permanece ainda viva toda uma série de
análises extraordinárias, que se estendem nos vários campos do saber e constituem
um material quase inexaurível.
HEGEL
NECESSIDADE DA CIÊNCIA DO ABSOLUTO
A intenção fundamental de Hegel é t r a n s f o r m a r a f il o s o f ia d e
AMOR D O SABER {PH ILO -SO PH IA) E M SABER REAL (SOPH IA).
A época pós-kantiana exige que a ciência seja
c i ê n c i a d o A b s o 1u t o
em duplo sentido
* *.
1. o p ró p rio A b soluto chega a ter ciência de si 2. a ciência tem como objeto o A bsoluto
í
1 . O SER-EM -SI
i
/ que se repetem .
*
em particular (em todos os aspectos do universo):
todo momento do real é momento necessário do Absoluto,
que se realiza progressivamente em cada um e em todos estes momentos,
e apenas no fim do autoprocesso existe em sua verdade
I
A ciência, portanto, tem como características essenciais:
1. a sistematicidade (ciência do Absoluto em cada um e em todos os momentos necessários de seu desenvolvi
mento)
2. a dialeticidade, que repete os três momentos paradigmáticos do automovimento do Absoluto e dá lugar a um
método que se escalona em
I
1. t e s e : momento abstrato ou intelectivo, em que o intelecto está fechado às de-terminações do finito;
2. a n t í t e s e : momento dialético em sentido estrito ou negativamente racional, em que a razão evidencia as con
tradições do finito;
3. s í n t e s e : momento especulativo ou positivamente racional, em que a razão recompõe as contradições e opera
a síntese dos opostos, mostrando a si mesma como totalidade concreta
Capítulo sexto - -H eg el e o id e alism o absolu to
HEGEL
O SISTEMA DA CIÊNCIA
In t r o d u ç ã o : F e n o m e n o lo g ia d o E s p ír ito
Ciência da automanifestação temporal do Espírito,
que da consciência sensível se eleva dialeticamente até o saber absoluto.
Dois planos se entrecruzam:
1. o caminho percorrido pelo Espírito para chegar a si por meio de todas as vicissitudes da
história do mundo
2. o caminho do espírito do homem singular, que deve percorrer de novo aquele caminho, para
dele se apropriar
▼
A meta do itinerário fenomenológico é
o ser como puro pensar,
o absolutamente mediato e, ao mesmo tempo, o absolutamente imediato,
com o qual tem início a
" I
1 . L Ó G IC A : CIÊNCIA DA ID ÉIA EM SI COM O L O G O S DIVINO PURO
A Lógica é a auto-estruturação ideal do Todo, e expõe
“Deus antes da criação do mundo e de todo espírito finito” .
Articula-se nas três esferas:
1. Ser: o pensar em sua imediatez
2. Essência: o pensar em sua mediação
3. Conceito: o pensar que volta para dentro de si como totalidade
y
2 . F il o s o f ia da N a t u r e z a : c iê n c ia d a Id é ia f o r a d e s i , a l ie n a d a
t .
3. F i l o s o f i a d o E s p ír it o : c iê n c ia d a I d é ia em si e p o r si
O Espírito em geral é a verdade e o fim último da Natureza:
é a verdadeira realidade da Idéia, que se desdobra em três estágios:
1. E s p í r i t o s u b j e t i v o : espírito do indivíduo, ainda ligado ao finito
2. E s p í r i t o o b j e t i v o : espírito coletivo que se realiza progressivamente:
a) na família; b) na sociedade civil; c) no Estado.
O Estado é a racionalidade em si e por si, em que a liberdade chega a seu direito absoluto.
A dialética dos Estados dá lugar à História do mundo: nela o Espírito do mundo se desdobra,
servindo-se dos vários povos e das grandes individualidades históricas para tecer
seus próprios desígnios (“astúcia da razão” )
3. E s p í r i t o cujos três momentos progressivos são:
a bso lu to ,
H eg el
propriamente a essência do real. Também aqui, não só segundo o obstáculo interior, mas até
portanto, o pensamento é assim remetido ao o ponto em que o conceito em questão volta
sujeito, e não volta para dentro de si, e sim no para dentro de si.
sujeito do conteúdo. Ora, este movimento, que constitui aquilo
C deste obstáculo insólito que derivam em que no passado devia levará realização da de
grande parte as queixas sobre a incompreensi- monstração, é o movimento dialético do própria
bilidade das obras filosóficas, quando, enten proposição. Apenas ele é o especulativo real,
da-se, no indivíduo estiverem presentes as con e apenas o ato de exprimir esse movimento é
dições culturais requeridas para compreender exposição especulativa. Cnquanto proposição,
escritos do gênero. Vislumbramos assim a razão o especulativo não é mais que o obstáculo
da censura bem precisa e freqüente segundo a interior e a volta, privada de existênàa, do es
qual a maior parte das obras filosóficas devem sência para dentro de si. Cis por que nos vemos
ser lidas mais vezes para poder ser compreen tão freqüentemente remetidos pelos escritos
didas; uma censura tão resoluta e definitiva que, filosóficos a esta intuição interna, e com isso
se fosse fundamentada, não deixaria espaço nos é poupada justamente a exposição que
para nenhuma réplica. exigíamos, isto é, a exposição do movimento
Como as coisas estão, oo contrário, é dialético da proposição.
claro por tudo o que foi dito anteriormente, fl fl proposição deve exprimir o que é o
proposição filosófica, exatamente enquanto verdadeiro. O verdadeiro, porém, é essencial
proposição, dá a impressão de conter a rela mente sujeito, e enquanto tal não é mais que o
ção ordinária entre sujeito e predicado, e de movimento dialético, esse caminho que produz
procedera partir da atitude comum do saber. O a si próprio, projeto-se para a frente e volto
conteúdo filosófico da proposição, ao contrário, para dentro de si.
destrói justamente esta atitude e a opinião G. UJ. F. Hegel,
relativa; a opinião aprende que o significado Fenomenologia do espírito.
é diferente daquilo em que ela acreditava, e
esta correção da própria opinião obriga o saber
a voltar sobre a proposição e a entendê-la de
modo diverso.
4. O verdadeiro
e o movimento dialético
da proposição especulativa
fl mistura do procedimento especulati
vo e do procedimento do raciocínio constitui
uma dificuldade que deveria ser evitada; a
dificuldade consiste precisamente no fato de
que aquilo que é dito do sujeito ora assume
o significado do conceito do próprio sujeito,
ora, ao contrário, apenas o significado de seu
predicado ou acidente. Os dois procedimentos
se perturbam mutuamente, e a exposição filo
sófica se tornará plástica e verdadeiramente
eficaz apenas quando conseguir excluir de si
o tipo de relação ordinária entre as partes de
uma proposição.
No realidade, também o pensamento não
especulativo tem seus direitos válidos, mas
eles não combinam de fato com o modo de ser
da proposição especulativa. Não é possível
ultrapassar a forma da proposição de modo
imediato, nem mediante o mero conteúdo da
proposição. € necessário exprimir, ao contrário, Frontispicio da edição berlincnse de 184A
este movimento oposto, e é necessário expô-lo das obras de Hegel.
, 141
Cãpltulo S e x tO - "H egel e o idealism o abso lu to .........
fí lógica, conforme dissemos, é como "a representação de Deus em suo eterna essência
antes do criação da natureza e de um espírito finito". O "antes” deve ser entendido não em
sentido cronológico, mos lógico-ontológico. C o termo criação deve ser concebido de modo
completamente diferente do sentido que possui no contexto da filosofia clássico-cristã.
Deus é a idéia e a natureza é o outo-alienar-se da idéia, seu auto-estranhar-se, ou seja,
seu sair-de-si-mesma.
Compreende-se melhor este ponto se tivermos presente o tríade de Proclo manência-proces-
são-conversão. R manência corresponde ao momento do idéia em si; a processão corresponde
justamente a este momento do sair de si da idéia; enquanto o conversão ou volta, como veremos,
é o momento do espírito, a idéia que volta o si mesma, o refletir-se sobre si mesma.
Csta parte da filosofia de Hegel é considerada pela maior parte dos estudiosos a menos
interessante. Cntre outras coisos, há tempo se salientou como Hegel não tinho nenhumo simpatia
pela natureza, em clara antítese às posições de muitos românticos.
Muito revelador é o exemplo que leremos no terceiro parágrafo das passagens que a se
guir são apresentadas, onde Hegel objeta a Vanini (um pensador renascentista: 1585-1619)
- o qual afirma que uma pequeno coisa como um cisco pode fazer-nos reconhecer a verdade
e Deus - que de nenhuma coisa da natureza pode-se dizer isso, o que ao invés deve-se dizer
quanto aos otos do espírito, mesmo dos menores. O próprio mal que existe nos homens, por
causa das implicações espirituais que pressupõe (a liberdade), é infinitamente superior às
plantas e aos ostros.
Rs páginas o seguir são as mais sintéticas e interessantes que Hegel escreveu sobre este
tema.
tombém como o quedo do idéia de si mesmo, que é atribuído à natureza é aquele segundo
pelo foto de que o idéia, nesto figuro do exte- o qual ela, embora com toda a acidentalidade
rioridade, ocho-se inadequado a si própria. Fl de suas existências, permaneceria firmemente
natureza aparece como o primeiro, o imediato, sujeita a leis eternas. Mas também o reino da
o o-que-é, apenas para a consciência que é autoconsciência o é l F isso é atestado já pela
ela própria inicialmente exterior e, portanto, fé em uma providência que guiaria os aconteci
imediata. mentos humanos; ou talvez seja preciso pensar
que no campo dos acontecimentos humanos os
3. €xterioridade natural determinações desta providência deveriam ser
e extrinsecação espiritual apenas acidentais e irracionais?
Na realidade, também quando a acidenta
flpesar de se encontrar em tal elemento lidade espiritual - o arbítrio -chega ao mal, este
do exterioridade, a natureza é, em todo caso, último é infinitamente superior aos movimentos
apresentação do idéia, motivo pelo qual cer regulares dos astros ou à inocência das plantas:
tamente se pode e se deve admirar nela a aquele que erra, cometendo o mal, com efeito,
sabedoria de Deus. Mas, diante da afirmação é ainda sempre espírito.
de Vanini, segundo a qual bastaria um cisco
para conhecer o ser de Deus, deve-se repli 5. fl natureza
car que toda representação formulada pelo como sistema de estágios necessários
espírito, a pior de suas fantasias, o jogo de
seu humor mais acidental, qualquer palavra, fl natureza deve ser considerada como
constitui um fundamento mais excelente para o um sistemo de estágios, codo um dos quais sai
conhecimento do ser de Deus em comparação a necessariamente dos outros e constitui a verda
qualquer outro objeto natural. Na natureza não de mais próxima do estágio do qual resulta, fl
se tem apenas a acidentalidade desordenada produção de um estágio a partir de outro acon
e desenfreada do jogo das formas, mas cada tece, porém, não naturalmente, e sim na idéia
figura é, além disso, privada por si do próprio interna que constitui o fundamento da natureza,
conceito. O vértice supremo para o qual está fl metamorfose pertence apenas ao conceito
impulsionada a natureza em seu ser-aí é a enquonto tal, porque apenas a alteração do
vida, a qual, porém, enquanto idéia apenas conceito é desenvolvimento. Ora, no natureza
natural, acha-se abondonoda à irracionalidade o conceito é, em porte, apenas interno, e em
da exterioridade, e a vida individual, em todo parte existe apenas como indivíduo vivente. Por
instante de sua existência, está envolvida com conseguinte, a metamorfose existente limita-se
outras individualidades. Cm toda extrinsecação unicamente a este indivíduo.
espiritual, ao contrário, está contido o momento
da livre revelação universal a si própria. 6. O conceito é imanente
aos estágios da natureza
4. €quívocos relativos a uma superioridade
presumida do elemento natural
Conforme uma errada concepção antigo,
sobre o espiritual
feita justamente antes do moderna filosofia
natural, o processo e a passagem de uma for
Cai-se em um mal-entendido análogo mo e esfera natural a uma superior seria umo
quando o elemento espiritual em geral é va produção exteriormente real, produção que,
lorizado menos que as coisas naturais, como porém, com o fim de tornar mais claça a Forma
por exemplo quando as coisas naturais são natural superior, teria sido depois reconduzida
preferidas às obras de arte do homem pelo na obscuridade do passado. Ora, na realidade,
fato de que o material destas últimas poderia à natureza é peculiar exatamente a exteriori
ser tomado apenas do exterior e porque estos dade, o despedaçamento nas diferenças e o
não seriam vivas. Como se a forma espiritual não deixá-las surgir como existências indiferentes.
contivesse uma vitalidade superior e não fosse O conceito dialético, que serve de guia para di
mais digna do espírito do que a forma natural; versos estágios do desenvolvimento, é o interior
como se o formo em geral não fosse superior dos próprios estágios. € preciso, porém, excluir
ò matéria, e como se em todo fato ético não da consideração pensante as representações
pertencesse unicamente ao espírito também nebulosas, e no fundo sensíveis, como por
aquilo que pode ser chamado "matéria"; como exemplo sobretudo o assim chamado nascer
se aquilo que está situado no estágio natural dos plantas e dos animais da águo, e depois
mais elevado - o vivente - não tomasse ele o nascer dos organismos animais mais desen
também sua matéria do exterior! Outro privilégio volvidos o partir dos inferiores etc.
Segundã parte - F u n d a ç ã o e a b s o lu t i z a ç ã o e s p e c u la t iv a d o id e alism o
Capítulo oitavo
I. A d ir e ita Ke.geliarva
• Hegel morre em 1831. Pouco depois de sua morte seus discípulos se dividem
em duas correntes, que em 1837 David Strauss chamará de "direita" e de "es
querda" hegeliana, em forte dissídio tanto sobre a questão política como sobre a
religiosa.
• A direita hegeliana - representada, entre outros, por Karl Friedrich Gõschel
(1781-1861), Kasimir Conradi (1784-1849) e Georg Andreas Gabler (1786-1853)
- sustenta, substancialmente, os dois pontos seguintes:
a) em política: o Estado prussiano com suas instituições e suas A direita
realizações econômicas e sociais devia ser visto como o ponto de hegeliana
chegada da dialética, como a realização máxima da racionalidade põe Hegel
do espírito; em defesa
b) sobre a questão religiosa: a filosofia de Hegel é segura da religião
mente compatível com os dogmas do cristianismo e representa prussiana e da política
o esforço mais adequado para tornar a fé cristã aceitável ao 1-3
pensamento moderno e justificá-lo diante da razão.
que brotou da espera do M essias pelo povo, a esquerda adquiria relevância sempre
sob o estímulo do poderoso fascínio de Cristo. maior.
O evangelho não é história, é mito; mas Entre 1838 e 1841 saíram os “ Anais de
não é lenda. A lenda também é transfigura Halles sobre a ciência e a arte alemãs” , diri
ção que a tradição opera, talvez a partir de gidos por Arnold Ruge (também expoente
fato histórico, mas nela não há significado da esquerda), e nos quais escreveram, entre
metafísico. N o mito, ao contrário, existe. outros, Feuerbach, M arx e Bauer.
Segundo Strauss, o mito evangélico encontra Com efeito, nesse período Bauer passa
seu significado mais profundo no princípio da direita para a esquerda, acentuando a opo
cristão da encarnação, no homem-Deus' sição entre egoísmo religioso e moralidade
que é Jesus. A idéia da unidade entre finito humana e chegando a posições muito extre
(homem) e infinito (Deus) é mito cristão que mas, a ponto de acabar em ateísmo explícito.
deve encontrar sua expressão adequada na Bauer não quer que a humanidade fique
filosofia. Os cristãos pensam que essa uni ligada “ a um além quimérico” ; o que ele
dade se realizou em um indivíduo, em Jesus, quer é que os homens unam seus esforços
o homem-Deus. M as aí reside, segundo em vista de um progresso contínuo nas artes,
Strauss, o mito: na crença de que a encar na ciência e nas instituições. Para Bauer, “ o
nação se tenha realizado em indivíduo his homem religioso (é aquele que) não encontra
tórico determinado. A realidade é que Jesus nada de bom neste mundo” , e é um egoísta,
“ é aquele no qual a consciência da unidade porque se isola e se ocupa apenas de sua
entre o divino e o humano apareceu pela alma e não se lança na “ frente de combate
primeira vez com energia e, nesse sentido, ele da humanidade” .
é único e inigualável na história do mundo” . Em 1841, Bauer publicou A trombeta
Entretanto, continua dizendo Strauss, do juízo universal contra Hegel ateu e an-
não se trata de que “ a consciência religio ticristo, onde tenta demonstrar que, preci
sa, conquistada e promulgada por ele pela samente a partir da perspectiva hegeliana,
primeira vez, possa se subtrair a ulteriores
a religião deve ser negada e o ateísmo é
justificações e extensões que resultam do verdadeiro. Ainda de 1841 é a obra de Lu-
desenvolvimento progressivo do espírito
dwig Feuerbach A essência do cristianismo,
humano” . E o desenvolvimento do espírito
na qual o ateísmo é proposto como nova
humano, isto é, a consciência filosófica (ou,
melhor ainda, a filosofia hegeliana), faz forma de humanismo.
Daí em diante, Feuerbach substituiria
Strauss dizer que não é em um indivíduo
Strauss na liderança da esquerda que, com
em particular (Jesus) que se deve ver a união
entre o finito e o infinito, e sim que “a hu Feuerbach e M arx, passará à crítica do
manidade é a unificação das duas naturezas, sistema hegeliano e depois, sobretudo com
o Deus tornado homem: é o espírito infinito M arx, se deslocará da crítica do céu (isto é,
que se aliena na finitude e o espírito finito da religião) para a crítica da terra (isto é,
que se recorda de sua infinitude; ela é filha da economia e da política). Todavia, antes
da mãe visível e do pai invisível, isto é, do de tratar de Feuerbach e de M arx, devemos
espírito e da natureza” . recordar duas outras figuras da esquerda
O conteúdo do evangelho e da filoso hegeliana: Stirner e Ruge.
fia, portanto, é o mesmo: é constituído pela
unidade entre o finito e o infinito, do homem
com Deus. N o cristianismo esse conteúdo
3 J^Acxyí S t i rn e r:
se expressa sob forma de representação no *e u d e p o s i t e i m in k a c a u s a
mito de Jesus homem-Deus, ao passo que a no n a d a "
filosofia está em condições de traduzir essa
verdade inadequada de forma racional.
M ax Stirner (pseudônimo de Johann
Caspar Schmidt, 1806-1856), ainda como
2 ,1, B i*w no B a u e i * : aluno de Hegel em Berlim, rebelou-se contra
a re lig iã o c o m o ele em nome do individualismo anárquico,
e censurou Feuerbach por ter substituído o
M esven tu m do m u n d o"
Deus da religião por outro deus, igualmente
perigoso: a humanidade.
Foi candente a polêmica sobre o traba A obra fundamental de Stirner é O úni
lho de Strauss. Nesse meio tempo, porém, co e sua propriedade (1845), onde o autor
Cãpltulo S6Í1ÍHO - Pt'if< i e e s c ju e r d n h e g e l i a n a . l^ e u e ^ b a c h e o s o c i a lis m o u t ó p ic o
defende a tese de que, para ser ateu até as e com prim ido pela Igreja, pelo Estado,
últimas conseqüências, é preciso negar tanto pela sociedade, pelos partidos. Nem pelo
Deus como a humanidade, em nome da úni socialismo que o liberta da escravidão da
ca realidade e do único valor, o indivíduo. propriedade privada, mas que o faz tornar-
O indivíduo, o Eu ou o único, é irrepetível, se servo da sociedade. O centro e o fim da
é medida de todas as coisas, não pode ser liberdade autêntica é o eu singular, o único:
escravo nem de Deus, nem da humanidade, “N ão valho eu mais do que a liberdade? Não
nem dos ideais. Ao único se subordina tudo. sou eu que me torno livre a mim mesmo?
O único é liberdade em relação a todos N ão sou eu talvez o primeiro?”
e nada existe de superior ao homem. E o O indivíduo é a única fonte do direito:
homem não é idéia, essência ou a espécie. nem Deus, nem a sociedade, nem a revolu
O homem vale em sua singularidade e não ção (que sempre cria outras hierarquias e
depende de ninguém: “ Eu depositei a minha outras escravidões) têm legitimidade, para
causa no nada” , diz Stirner. Stirner, de impor regras ao indivíduo. O
A conseqüência das idéias expostas é o indivíduo é um dado imediato: não se pode
egoísmo absoluto. Só o único é que conta, universalizá-lo em uma teoria.
não Deus, a sociedade ou os ideais. Aliás, O único entra em uma associação de
para Stirner, os ideais religiosos, morais homens com o único objetivo de se tornar
ou políticos não diferem das fixações da mais forte, e considera os outros como
loucura. O homem não pode ser sufocado objeto. O único não faz revolução (por
Terceira parte - T )o h e g e lic m is m o a o m a ^ i s m o
que, precisamente, impõe outras servidões política. Essa tendência se acentuará com
obsessivas); sua palavra de ordem é a in M arx. Por isso, é compreensível que esses
surreição. filósofos não tenham tido vida fácil. Em
O único, que ainda deve surgir, não breve falaremos das vicissitudes de Feuerba
será nem um cidadão submetido ao Estado ch e M arx. Ruge foi obrigado a renunciar à
e, portanto, escravo do trabalho, nem um sua livre-docência em Halles; seus “ Anais”
esfarrapado socialista submetido às provi foram fechados e ele próprio acabou na
dências da sociedade e à ética do “ dever” . prisão. Evitou a prisão pela segunda vez,
Ele será apenas sua liberdade, seu po refugiando-se primeiro em Paris, depois
derio, sua vontade. Esta é a sua propriedade. na Suíça e por fim na Inglaterra. Stirner
“ N ão aquela árvore, e sim minha força de acabo u a vida em m iséria degradante.
dispor dela como me aprouver, constitui Bauer, perdendo a cadeira universitária,
minha propriedade” . Minha propriedade, viveu em Berlim como livre-escritor, entre
sentencia Stirner, “ é o meu poder” . 'dificuldades.
4 A m o ld R u g e:
I I I
a v e r d a d e su b m ete
P er (C in jig c
em m a s s a to d o o m u n d o '7
uní
Outro crítico de Hegel foi Arnold Ruge
(1802-1880), cuja influência sobre M arx ftiu
seria notável (ainda que depois, em 1844,
os dois chegassem aó rompimento). Ruge
combate o pensamento de Hegel precisa
mente em nome da história concreta e no
plano da política.
A filosofia não pode, como pretende «H
Hegel, “ elevar a existência ou as determina
ções históricas ao plano de determinações M tn g C t ie n e » .
lógicas.” N a Crítica à filosofia do direito de
Hegel, Ruge escreve: “ A razão, que quer nos
impingir as fluidas existências da história
como determinações eternas, cai em um jogo
ridículo de prestígio” .
A filosofia, ou melhor, os filósofos, de
vem determinar o movimento da história.
Com efeito, para Ruge, o filósofo que 1'ffÍA.i ven C»«t>
sabe compreender que a crítica filosófica IH4V
determina o movimento da história “ está en
quadrado na moldura de sua época” , pois a
verdade submete em massa todo o mundo.” Frontispício da primeira edição da obra
Como se vê, nos jovens da esquerda, Der Einzige (“ O único") de Max Stirner,
a crítica à religião desemboca na crítica à publicada em Leipzig em 1845.
Capítulo sétimo - T>w&ita e e s q u e r d a h e g e l i a n a . F e u e r b a c h e o s o c i a l is m o u íó p l c o
o ser real?” Para Feuerbach, Hegel “ pôs de mas muito mais o homem real, que é, antes
lado os fundamentos e as causas naturais, de mais nada, natureza, corporeidade, sen
as bases da filosofia genético-crítica” . M as sibilidade, necessidade. Portanto, é preciso
uma filosofia que deixa de lado a natureza negar o idealismo, que é somente o extravio
é vã especulação. do homem concreto. E, com maior razão,
Em 1841 sai a obra mais importante é preciso negar o teísmo, já que não é Deus
de Feuerbach, A essência do cristianismo, na que cria o homem, e sim o homem que cria
qual o autor efetua o que ele próprio define Deus.
como a redução da teologia e da religião a
antropologia. O interesse pela religião es
tava claro para Feuerbach desde o início, e 3
.....
te o lo g ia é a n tro p o lo g ia
permaneceu constante em todas as fases de
seu pensamento, que ele assim esquematiza:
“ Meu primeiro pensamento foi Deus, meu Feuerbach admite com Hegel a unidade
segundo foi a razão, meu terceiro e último entre o finito e o infinito. M as, em sua opi
foi o homem” . nião, essa unidade não se realiza em Deus
Hegel suprimira o Deus transcendente ou na idéia absoluta, e sim no homem, em
da tradição, substituindo-o pelo espírito, um homem que a filosofia não pode reduzir
isto é, digam os, a realidade humana em a puro pensamento, mas sim deve considerar
sua abstração. M as aquilo que interessa a em sua inteireza, “ da cabeça ao calcanhar” ,
Feuerbach não é uma idéia de humanidade, em sua naturalidade e em sua sociabilida-
l.udung Feuerbach
(1804-1872)
foi o teórico da concepção
segundo a qual
a teologia é antropologia.
Capitulo setimo - D i r e i t a e e s q u e r d a k e g e l i a n a . F e u e r b a c h e o s o c i a l is m o u t ó p ic o
e P i e ^ r e - 3 ° s e p k 1-VoudkoKv
ria um roubo pela razão de que o capitalista não retribui ao operário todo
o valor do trabalho dele. A propriedade poderia ter uma justificativa apenas
como condição de liberdade; mas, quando a propriedade está organizada de
modo a tornar livres os poucos (os capitalistas) e escravos os
muitos (os operários), ela - escreve exatamente Proudhon - é Proudhon:
um roubo. A ordem burguesa da sociedade deve, portanto, nem capitalismo
ser mudada. Proudhon, porém, descarta desde o começo a so- nem comunismo,
lução comunista, uma vez que o comunismo é, a seu ver, uma mas autogestão
religião intolerante, uma ditadura que subjuga a pessoa ao
coletivo. O comunismo jamais poderá respeitar a dignidade da
pessoa e os valores da família. Ele não elimina os males da propriedade priva
da; ao contrário, leva-os à exasperação, uma vez que o Estado comunista será
o proprietário não só dos bens materiais, mas também dos próprios cidadãos.
A sociedade - esta é a proposta de Proudhon - deve de preferência ser reor
ganizada, fazendo com que os trabalhadores se tornem os proprietários dos
meios de produção e que, portanto, tenham a possibilidade de autogestionar
o processo produtivo. .
Significativas obras de Proudhon, além de O que é a propriedade?, são; A
criação da ordem na humanidade (1843); O sistema das contradições econômicas
ou filosofia da miséria (1846); os três volumes de A justiça na revolução e na igreja
(1858).
reção a uma nova época orgânica, ordenada o Novo cristianismo, Saint-Simon delineia o
pelo princípio da ciência positiva. Segundo advento da futura sociedade como retorno
Saint-Simon, o progresso científico teria ao cristianismo primitivo. Será sociedade
assim destruído aquelas doutrinas teológicas na qual a ciência constituirá o meio para
e aquelas idéias metafísicas que serviam de alcançar aquela fraternidade universal que
fundamento para a época orgânica da Ida “ Deus deu aos homens como regra de sua
de Média. Agora, o mundo dos homens só conduta” .
poderia ser reorganizado e ordenado com
base na ciência positiva. Nessa nova época
e o d ifu s â o d o pensam&nto
orgânica, o poder espiritual será dos homens d e S a in t -S im o n
de ciência, “ que podem predizer o maior
número de coisas” , ao passo que o poder
temporal pertencerá aos industriais, vale N a França, a doutrina de Saint-Simon
dizer, “ aos empreendedores de trabalhos teve razoável difusão. Ela deu dignidade
pacíficos, que ocuparão o maior número de filosófica ao problema social; contribuiu
indivíduos” . Tudo isso para dizer que a afir para tornar m ais viva a consciência da
mação do industrialismo torna impossível importância social da ciência e da técnica;
o poder teocrático feudal da Idade Média, exaltou a atividade industrial e bancária; a
onde a hierarquia eclesiástica detinha o idéia dos canais de Suez e do Panamá é dos
poder espiritual, e o poder temporal estava saint-simonistas; Saint-Simon e seus discípu
nas mãos dos guerreiros. N a era nova, os los desenvolveram firme campanha contra o
eclesiásticos são substituídos pelos cientis parasitismo e a injustiça; e, para favorecer
tas, e os guerreiros pelos industriais. Com a justiçá, insistiram na idéia de eliminar a
efeito, a ciência e a tecnologia estão hoje em propriedade privada, revogar o direito de
condições de resolver os problemas huma herança (de modo a abolir “ o acaso do
nos e sociais. nascimento” ), planejar a economia, tanto
Escreve Saint-Simon que os homens só agrária como industrial. Para Saint-Simon,
podem ser felizes “ satisfazendo suas neces o critério supremo que deveria informar
sidades físicas e suas necessidades m orais” .
E esse é exatamente o fim ao qual tendem
“ as ciências, as belas-artes e os ofícios” .
Fora disso só existem “ os parasitas e os
dominadores” .
Para ilustrar a necessidade de que o
poder político passasse para as mãos dos
técnicos, cientistas e produtores, Saint-Si-
mon apresentou uma conhecida parábola:
se a França perdesse os três mil indivíduos
que exercem os cargos políticos, religiosos e
administrativos mais importantes, o Estado
não sofreria nenhum prejuízo, e tais pessoas
seriam facilmente substituídas; mas, observa
Saint-Simon, se a França perdesse os seus
três mil mais capazes cientistas, artistas e
artesãos, ela “ cairia logo em estado de infe
rioridade diante das nações de que agora é
rival, e continuaria permanecendo subalter
na em relação a elas enquanto não reparasse
a perda e não reerguesse a cabeça” . Assim,
o princípio ordenador da nova sociedade é
o pensamento positivo: esse princípio elimi
nará “ os três principais inconvenientes do
Claude Henri de Saint-Simon (l 760 -1,S’2 SI
sistema político vigente, isto é, o arbítrio, a foi o teórico e o propugnador
incapacidade e a intriga” . de uma nova sociedade,
O progresso em direção à nova época na qual os "eclesiásticos " são substituídos
orgânica, dominada pela filosofia positiva, é pelos “cientistas ", e os "guerreiros "
progresso inevitável. Em seu último escrito, pelos “industriais
C ã p l t u l o s é t i m o - D i r e i t a e e s q u e r d a k e g e l i a n a . F e u e r b a c k e o s o c i a lis m o u tó p ic o
2 C\\cxv-les F o u r ie r
e o V w n d o n o v o s o c i e t ó r i o ,/
E O ;A r a c io n a liz a ç ã o d a s p a ix õ e s
aquele acúmulo de conflitos e dissenções, está em guerra consigo mesmo, pois suas
dos quais nossa sociedade “ civilizada” não paixões chocam-se entre si — e a ciência
está imune. que se chama moral pretende reprimi-las.
A civilisation era grande coisa para M as, como observa Fourier, “ reprimir não
os iluministas (aperfeiçoamento material é harmonizar” , sendo na verdade o objetivo
e espiritual progressivo da humanidade), o de “ alcançar o mecanismo espontâneo das
mas, para Fourier, a “ civilização” significa paixões, sem reprimir nenhuma” . Segundo
o triunfo da mentira, como o demonstra o Fourier, a moral atual bloqueia as paixões
comércio, em virtude do qual, passando de e gera assim a hipocrisia.
mão em mão, as mercadorias aumentam de
preço, mas não de valor.
Para ele, é a “ civilização” que, através E9 A nova o rg a r v ie a ç ã o d o t ra b a lh o
Charles Fourier
(Í772-1837)
sonhou com uma
organização social
que fizesse o homem
superar os danos
provocados por uma
mal-entendida
‘‘civilização ”,
que reprime as paixões
em vez de satisfazê-las.
A experiência
dos falansténos tentada
por seus discípulos
estava, porém,
destinada à falência,
vista a natureza utópica
de suas concepções.
C ã p í t í í l o s é tifflO - I ^ ir e it a e e s q u e r d a k e g e l i a n a . F e u e ^ b a c k e o s o c i a l is m o u t ó p ic o
D ES D E S T IN Ê E S G Ê N Ê R A L E S
3 P i e r r e - ^ o s e p k 1-V o u d k o n :
PHOS P EC TU S a Q M to gesfação o p e r á r ia
« T ANNONCE D l LA DÉCOUVKBTK.
d a produção
J Idtftm
Uttfmtm
V t it t it t .
E U A p r o p r ie d a d e é"um fu r t o ”
Em 1 8 4 0 , Proudhon (180 9 -1 8 6 5 )
publicou o famoso escrito O que é a pro
w á Ê fà k priedade.5; em 1843, aparece A criação da
ordem na humanidade-, em 1846, O sistema
A LKIPZ1G. das contradições econômicas ou filosofia da
miséria-, de 1858 são os três volumes de A
justiça na revolução e na Igreja. Promotor
de m ovimentos sindicais, m utualistas e
Vrontispício da obra de Fourier pacifistas, Proudhon era simultaneamente
A teoria dos quatro movimentos, adversário da propriedade privada tanto
publicada em Leipzig em 1808. quanto do comunismo.
Proudhon vê que a economia burguesa
tem como fundamento a propriedade priva
“ falange” , grupo de cerca de mil e seiscentas da. M as o que é a propriedade? Responde
pessoas que vivem em um “ falanstério” . Os Proudhon: “ A propriedade é furto” . Já se
falanstérios são unidades agrícola-indus- disse que tal resposta foi como que um
triais, nas quais as habitações são albergues tiro de pistola disparado de surpresa para
e não casernas, e onde cada qual encontra chamar a atenção até do burguês tranqüilo
oportunidades variadas para satisfazer suas para a questão social.
inclinações. As mulheres são equiparadas A propriedade é furto, segundo Prou
aos homens; a vida familiar é abolida, já que dhon, porque o capitalista não remunera o
as crianças são educadas pela comunidade; operário com todo o valor do seu trabalho.
desaparece a faina do trabalho doméstico. A “ força coletiva” , resultante da força de
N o falanstério vigora a liberdade sexual. muitos trabalhadores organizados, forne
Ninguém está vinculado a um trabalho ce produtividade muito mais alta do que
específico. C ada qual produz o que lhe aquela que se obteria da soma de simples
agrada produzir. Entretanto, para evitar a trabalhos individuais. É esse o sentido da
monotonia da repetitividade, cada indivíduo frase “ a propriedade é furto” : o capitalista
aprende pelo menos quarenta atividades se apropria do valor do trabalho coletivo.
profissionais e m uda de trabalho várias E a partir daí se cria a contradição funda
vezes ao dia. Os trabalhos desagradáveis mental entre capital e trabalho, contradição
e sujos (como limpar as cloacas e outras que leva o capitalista não só a se apropriar
coisas do gênero) são confiados às crianças, do trabalho do operário, mas também de
que experimentam grande prazer em brincar sua própria existência. Para dizer a verdade,
na sujeira. Proudhon não é contrário à propriedade
N ã o devemos esquecer que alguns enquanto tal, mas somente à propriedade
discípulos de Fourier tentaram realizar seu que assegura “ renda sem trab alh o ” . A
programa. Foram constituídas falanges na propriedade se justifica unicamente como
Europa e nos Estados Unidos. As experiên condição de liberdade. M as, quando está
cias faliram, mostrando o caráter utópico organizada de modo a tornar livres uns pou
das idéias de Fourier. Entretanto, ultima cos (os capitalistas) em troca da escravidão
mente, Fourier voltou a ser levado em con de muitos (os trabalhadores), então ela é
Terceira parte - X )o h e g e J ia n is m o a o m a r x is m o
as qualificações do ser divino são por isso Não o atributo de divindade, mas a divindade
qualificações do ser humano. [...] do atributo é o primeiro ser divino verdadeiro.
Crês que o amor seja um atributo de Deus Portanto, aquilo que até aqui para a teologia
porque tu mesmo amas, crês que Deus seja um e para a filosofia tinha o valor do absoluto, do
ser sábio e bom porque consideras a bondade essencial, de Deus, isso não é Deus; mas é Deus
e a inteligência tuas melhores qualidades; crês precisamente aquilo que para elas não tinha o
que Deus exista, que ele, portanto, seja um valor de Deus, isto é, o atributo, a qualidade, a
sujeito ou um ser - aquilo que existe é um ser, qualificação, a realidade em geral. Verdadeiro
ainda que depois definido e caracterizado como ateu, isto é, ateu no significado habitual da
substância ou como pessoa ou de qualquer palavra, não é por isso aquele que nega Deus,
outro modo - porque tu mesmo existes, porque o sujeito, mas aquele que nega os atributos do
tu mesmo és um ser. Não conheces um bem hu ser divino, como o amor, o sabedoria, a justiça.
mano maior do que amar, ser bom e sábio, como Com efeito, também a negação do sujeito não
também não conheces uma felicidade maior do leva necessariamente à negação dos atributos
que o existir; com efeito, a consciência de todo em si mesmos. Os atributos têm um valor próprio,
bem, de toda felicidade, está em ti ligada à independente; por seu conteúdo eles obrigam
consciência da existência. Deus é para ti um ser o homem a reconhecê-los, impõem-se a ele di
existente pelas mesmas razões pelas quais é retamente, por si mesmos se demonstram como
para ti um ser sábio, feliz, bom. [...] verdadeiros. Bondade, justiça, sabedoria não
fl identidade do sujeito e do atributo re são quimeras pelo fato de que a existência de
sulta d® modo mais evidente pela evolução da Deus é uma quimera, e também não são verda
religião, que se identifica com a evolução da de pelo fato de que a existência de Deus é uma
civilização humana. Cnquanto o homem está no verdade. O conceito de Deus é dependente do
estado de natureza, também seu deus é pura conceito de justiça, de bondade, de sabedoria
mente naturalista. Quando o homem habita nas - um Deus que não seja bom, que não seja justo,
casas, encerra também seus deuses nos tem que não seja sábio, não é Deus - mas não vice-
plos. O templo não é mais que um testemunho versa. Uma qualidade não é divina pelo fato de
do valor que o homem atribui aos edifícios. Os que Deus a possui, mas Deus a possui porque
templos em honra da religião são, na realidade, ela em si e por si mesma é divina, porque Deus
templos em honra da arquitetura. Com a eleva sem ela seria um ser imperfeito. [...]
ção do homem do estado rústico e selvagem O homem - este é o mistério da religião
para o estado de civilização, com a distinção - projeta o próprio ser fora de si e depois se faz
entre aquilo que convém ou não convém ao objeto desse ser metamorfoseado em sujeito,
homem, surge contemporaneamente também a em pessoa; ele se pensa, mas como objeto do
distinção entre aquilo que convém ou não con pensamento de outro ser, e este ser é Deus. Que
vém a Deus. Deus é o conceito da majestade, o homem seja bom ou mau, não é indiferente
da suma dignidade, e o sentimento religioso é o para Deus; pelo contrário! é antes um vivo, um
sentimento do sumo decoro. Apenas em uma era íntimo interesse de Deus que o homem seja bom
posterior os refinados artistas da Grécia concre e seja feliz, pois sem bondade não há felicida
tizaram nos simulacros dos deuses os conceitos de. O homem religioso desmente, portanto, a
de dignidade, de magnanimidade, do repouso nulidade da atividade humana pelo próprio fato
impassível e da serenidade. Todavia, por que de que faz de seus sentimentos, de suas ações,
estas qualidades eram para eles atributos dos o objeto do pensamento de Deus - com efeito,
deuses? Porque já por si mesmas tinham para aquilo que é objeto no pensamento é escopo
eles o valor de divindade. Por que excluíam os na ação -, reduz a atividade divina a nada mais
movimentos de ânimo abjetos e repugnantes? que um meio de salvação para o homem. Deus
Precisamente porque os julgavam inconvenien é ativo para que o homem seja bom e feliz. Sob
tes, indignos, não humanos e, portanto, não as aparências de abaixar o homem ao grau mais
divinos. Os deuses homéricos comem e bebem; ínfimo, na realidade o eleva ao sumo grau. As
isso significa: comer e beber são gozo divino. A sim, o homem em Deus e por meio de Deus tem
presença física é um de seus atributos; Júpiter em mira apenas a si próprio: indubitavelmente o
é o mais forte dos deuses. Por quê? Porque homem tem em mira Deus, mas Deus não mira
a presença física era considerada em si e por a nada mais que à salvação moral e eterna do
si mesma alguma coisa de belo, de divino, fl homem; portanto, o homem não tem em miro
virtude guerreira era para os antigos germanos mais que a si próprio, e a atividade divina não
a suma virtude; por isso também seu sumo difere em nada da atividade humana.
deus, Odin, era o deus da guerra, e a guerra I. Feuerbach,
era para eles a lei originária, a mais antiga lei. fl essência do cristianismo.
( S a p ít w l o o i t a v o
I. K a ^ l jS A & r x
Jm V id a e o b m s
a consciência leva a outra exigência, a de in valor de toda mercadoria é determinado pela
terpretar diversamente o que existe, ou seja, quantidade de trabalho socialmente neces
reconhecê-lo através de uma interpretação sário ou do tempo de trabalho socialmente
diferente” . Pois bem, “ apesar de suas frases, necessário para sua produção” . E prossegue:
que, segundo eles, ‘abalam o mundo’, os “ M as onde os economistas burgueses viam
jovens ideólogos hegelianos são os maiores relações entre objetos (troca de uma merca
conservadores” . Eles combatem contra as doria por outra), M arx descobriu relações
“ frases” e não contra o mundo real do qual entre homens” .
tais “ frases” são o reflexo. Com efeito, “ não Em outros termos, a economia política
é a consciência que determina a vida, mas a vê nas leis que ela evidencia leis eternas,
vida que determina a consciência” . leis imutáveis da natureza. E não percebe
Por tudo isso, também a esquerda he que, desse modo, absolutiza e justifica um
geliana vê o mundo de cabeça para baixo; sistema de relações existentes em determi
o pensamento dos jovens hegelianos, por nado estágio da história humana. Ou seja,
tanto, é um pensamento ideológico, como o transforma um fato em lei — em lei eterna.
de Hegel. Escreve M arx: “N ão veio à mente E ideologia.
de nenhum desses filósofos procurar o nexo M arx conclui, a partir do estudo dos
existente entre a filosofia alemã e a realidade economistas clássicos, que à máxima pro
alemã, o nexo entre sua crítica e seu próprio dução de riqueza corresponde o empobre
ambiente m aterial” . cimento máximo do operário. Pois bem, a
Conseqüentemente, os jovens hegelia economia política nos diz que as coisas são
nos nada tinham de radical. Como já escre assim, mas não nos diz por que são assim
vera M arx: “ Ser radical significa colher as — e, portanto, nem se propõe a questão da
coisas pela raiz. M as, para o homem, a raiz sua mudança. Escreve M arx: “ A economia
é o próprio homem” . E a “ libertação” do política parte do fato da propriedade pri
homem não avança reduzindo “ a filosofia, vada. N ão a explica. Expressa o processo
a teologia, a substância e toda a imundície à material da propriedade privada, o processo
‘auto-consciência’ ” , ou libertando o homem que se dá na realidade, em fórmulas gerais
do domínio dessas frases. e abstratas, que depois faz valer como leis.
“ A libertação é ato histórico e não ato Ela não compreende essas leis, isto é, não
ideal, concretizando-se por condições histó mostra como elas derivam da essência da
ricas, pelo estado da indústria, do comércio, propriedade privada” . Para a economia polí
da agricultura [...]” . Os jovens hegelianos tica “vale [...] como razão última o interesse
mantêm a teoria separada da práxis; M arx do capitalista: isto é, ela supõe aquilo que
as une. deve explicar” .
M arx, ao contrário, procura explicar o
surgimento da propriedade privada e tenta
mostrar que ela é fato e não lei, muito menos
AV-uVv c r í t i c o d o s e c o n o m i s t a s lei eterna. A realidade, diz M arx, é que o ca
c lá ssic o s pital é “ a propriedade privada dos produtos
do trabalho alheio” . A propriedade privada
não é dado absoluto que se deva pressupor
N a opinião de M arx, a anatomia da em toda argumentação. Ela é muito mais
sociedade civil é fornecida pela economia “ o produto, o resultado e a conseqüência
política. E acerta suas contas com os econo necessária do trabalho expropriado
mistas clássicos (Smith, Ricardo, Pecqueur, A propriedade privada é fato que deriva
Say) com os Manuscritos econômico-filo- da alienação do trabalho humano. Como
sóficos, de 1844 (antes de fazê-lo em O na religião, afirma M arx, “ quanto mais o
Capital). homem põe em Deus, menos conserva em si
M arx deve muito ao trabalho desses mesmo. O operário põe sua vida no objeto:
economistas, sobretudo às análises de Ri e ela deixa de pertencer a ele, passando a
cardo. Escreve Lênin: “ Adam Smith e David pertencer ao objeto” . E esse objeto, o seu
Ricardo [...] lançaram as bases da teoria produto, “ existe fora dele, independente,
segundo a qual o valor deriva do trabalho. estranho a ele, como que uma potência
M arx continuou a obra deles, deu rigoro econômica diante dele; e a vida, por ele
sa base científica e desenvolveu de modo dada ao objeto, agora o confronta, estranha
coerente essa teoria. Ele demonstrou que o e inimiga” .
C ã p ✓ltu lo OÍtãVO - K a ^ l AAa^x e P n e d H c h íS n g e Is . O m a+eH alism o U istó n co -d ialé + ico
275
6 c rítico d e 1- V o u d k o n
7 e a c rític a à re lig iã o
somente quando a existência real na socieda encontra um homem que se faz ou se realiza
de de classes impede o desenvolvimento e a transformando ou humanizando a natureza
realização de sua humanidade. Disso deriva no sentido das necessidades, dos conceitos
que, para superar a alienação religiosa, não ou dos projetos e planos do próprio homem,
basta denunciá-la, mas é preciso mudar as juntamente com outros homens. O que
condições de vida que permitem à “ quime encontra são homens alienados, ou seja,
ra celeste” surgir e prosperar. Feuerbach, expropriados de seu valor de homens por
portanto, não viu que “ até o ‘sentimento obra da expropriação ou alienação de seu
religioso’ é produto social e que o indivíduo trabalho.
abstrato que ele analisa pertence a determi N a realidade, “ a aranha realiza ope
nada forma social” . rações que se assemelham às do tecelão, e a
É o homem que cria a religião. M as, diz abelha envergonha muitos arquitetos com
M arx, “ o homem é o mundo do homem, o a construção de suas casinhas de cera. M as
Estado, a sociedade. Esse Estado e essa socie o que desde o princípio distingue o pior ar
dade produzem a religião, que é consciência quiteto da melhor abelha é o fato de que ele
invertida do mundo, porque também são construiu a casinha em sua cabeça antes de
um mundo invertido. A religião é a teoria construí-la de cera. N o fim do processo de
invertida deste mundo Assim, torna-se trabalho, emerge um resultado que no início
evidente que “ a luta contra a religião é [...] já estava presente na idéia do trabalhador e
a luta contra aquele mundo do qual a reli que, portanto, já estava idealmente presen
gião é o aroma espiritual” . Existe o mundo te. N ão que ele efetue somente a mudança
fantástico dos deuses porque existe o mundo de forma do elemento natural” , pois aqui
irracional e injusto dos homens. “ A miséria realiza “ o próprio objetivo, que ele conhe
religiosa é a expressão da miséria real em um ce” , e “ determina como lei o modo do seu
sentido e, em outro, é o protesto contra a mi operar” , escreve M arx em O Capital. Para
séria real. A religião é o suspiro da criatura ele, tudo isso significa que o homem pode
oprimida, o sentimento de um mundo sem viver humanamente, isto é, fazer-se enquan
coração, o espírito de situações em que o to homem, precisamente humanizando a
espírito está ausente. Ela é o ópio do povo” . natureza segundo suas necessidades e suas
M arx não ironiza o fenômeno religio idéias, juntamente com os outros homens. O
so, a religião não é para ele a invenção de pa trabalho social é antropógeno. E distingue
dres enganadores, mas muito mais obra da o homem dos outros animais: com efeito, o
humanidade sofredora e oprimida, obrigada homem pode transformar a natureza, obje
a buscar consolação no universo imaginário tivar-se nela e humanizá-la, pode fazer dela
da fé. M as as ilusões não se desvanecem se seu corpo inorgânico.
não eliminarmos as situações que as criam Entretanto, se olharmos para a histó
e exigem. Escreve M arx nas Teses sobre ria e a sociedade, veremos que o trabalho
Feuerbach: “ Os filósofos limitaram-se a não é mais feito, juntamente com os outros
interpretar o mundo de modos diversos; homens, pela necessidade de apropriação
agora, trata-se de transformá-lo” . da natureza externa, veremos que não é
Substancialmente, a primeira função de mais realizado pela necessidade de obje
uma filosofia a serviço da história, segundo tivar a própria humanidade, as próprias
M arx, é a de desmascarar a auto-alienação idéias e projetos, na matéria-prima. O que
religiosa, “ mostrando suas formas que nada vemos é que o homem trabalha pela sua
têm de sagradas” . Essa é a razão por que “ a pura subsistência. Baseada na divisão do
crítica do céu se transforma [...] em crítica trabalho, a propriedade privada torna o
da terra, a crítica da religião em crítica do trabalho constritivo. Ao operário aliena-
direito, a crítica da teologia em crítica da se a m atéria-prim a; alienam -se os seus
política” . IftfM T I instrumentos de trabalho; o produto do
trabalho lhe é arrancado; com a divisão do
trabalho, é mutilado em sua criatividade
a lie n a ç ã o d o frab alK o e humanidade. O operário é mercadoria
nas mãos do capital. Isso é a alienação do
trabalho, da qual, segundo M arx, derivam
Mediante Feuerbach, M arx passa da todas as outras formas de alienação, como
crítica do céu à crítica da terra. Aqui, po a alienação política (na qual o Estado se
rém, “ em terra firme e redonda” , ele não ergue acima e contra os homens concretos)
Capítulo oitavo - K a rl A W x e T ^ rie d ric k Ê n c je l s . O m a t e r ia lis m o h is + ó r ic o -d ia lé t ic o
de troca. O valor de uso de uma mercadoria nelas empregado” . Para maior facilidade das
(como, por exemplo, vinte quilos de café, trocas, a troca direta foi substituída pela
uma roupa, um par de óculos, uma arroba moeda. M as, faça-se a troca diretamente
de trigo) baseia-se na qualidade da merca ou através da moeda, uma mercadoria não
doria, que, precisamente em função de sua pode ser trocada por outra se o trabalho
qualidade, satisfaz mais a uma necessidade necessário para produzir a primeira não é
que a outra. Entretanto, vemos que, no igual ao trabalho necessário para produzir
mercado, as mercadorias mais diferentes a segunda. Tudo isso mostra que falar da
são trocadas entre si. Vinte quilos de café, mercadoria em si sem atentar para o fato de
por exemplo, são trocados por vinte metros que ela é fruto do trabalho humano acaba
de tecido. M as o que têm em comum duas transformando-a em fetiche. A realidade
mercadorias tão diferentes para que possam é que o intercâmbio de mercadorias não é
ser trocadas? Elas apresentam em comum tanto uma relação entre coisas, mas muito
precisamente o que se chama valor de troca. mais uma relação entre produtores, entre
O valor de troca é algo de idêntico existente homens. E é isso o que a economia clássica
em mercadorias diferentes, que as tornam parece esquecer.
passíveis de troca em dadas proporções mais O valor de troca de uma mercadoria,
do que em outras. M as em que consiste portanto, é dado pelo trabalho social ne
então o valor de troca de uma mercadoria? cessário para produzi-la. M as o trabalho
Com o diz M arx, esse valor é dado pela (a força de trabalho) também é mercadoria
“ quantidade de trabalho socialmente neces que o proprietário da força de trabalho (o
sária” para produzi-la. Em essência, “ como proletário) vende no mercado, em troca do
valores, todas as mercadorias são apenas salário, ao proprietário do capital, isto é, o
medidas determinadas de tempo de trabalho capitalista. E o capitalista paga justamente,
por meio do salário, a mercadoria (força de
trabalho) que adquire: ele a paga segundo
o valor que tal mercadoria tem, valor que
é dado (como qualquer outra mercadoria)
pela quantidade de trabalho necessário para
produzi-la, ou seja, pelo valor das coisas ne
cessárias para manter em vida o trabalhador
e sua família.
(B J J O c o n c e it o de-"mais-va\ia"
E U O p roc&sso d a a(ZiAn\L\\ciçao
c a p i t a li s t a 13 O a d v e n to d o c o m u n ism o
vada e, portanto, sem classes, sem divisão N a realidade, M arx pensava que, abo
do trabalho, sem alienação e, sobretudo, lida a propriedade privada, o poder político
sem Estado. Para M arx, o comunismo é “ o se reduziria gradualmente, até se extinguir,
retorno completo e consciente do homem a porque o poder político nada mais seria que
si mesmo, como homem social, isto é, como a violência organizada de uma classe para a
homem humano” . opressão da outra.
Para dizer a verdade, M arx não adianta
muito como será a nova sociedade, que, de IEJF1 y \ d i t a d u r a d o p r o le t a r i a d o
pois da derrubada da sociedade capitalista,
só poderá se realizar por etapas. N o início, Isso, no entanto, não se realizará de ime
ainda haverá certa desigualdade entre os diato. O que logo teremos será a ditadura do
homens. M as depois, mais tarde, quando proletariado, que usará seu domínio “ para
desaparecer a divisão entre trabalho manual concentrar todos os instrumentos de produ
e trabalho intelectual, e quando o trabalho ção nas mãos do Estado, isto é, do proleta
se houver tornado necessidade e não meio riado organizado como classe dominante” .
de vida, então, escreve M arx na Crítica ao Isso, obviamente, poderá ocorrer atra
program a de Gotha (1875), a nova socie vés de intervenções despóticas que, nas
dade “ poderá escrever em sua bandeira: de diversas situações, levarão a procedimentos
cada qual segundo sua capacidade, a cada como os seguintes:
qual segundo suas necessidades” . “ 1) expropriação da propriedade fun
Para M arx, esse seria o comunismo diária e emprego da renda fundiária para as
autêntico, que, nos Manuscritos de 1844, despesas do Estado;
distinguia do comunismo grosseiro, que não 2) impostos fortemente progressivos;
consiste na abolição da propriedade privada 3) abolição do direito de sucessão;
e sim na atribuição da propriedade privada 4) confisco da propriedade de todos os
ao Estado, o que reduziria todos os homens emigrados e rebeldes;
a proletários e negaria “ a personalidade do 5) concentração do crédito nas mãos
homem” em toda parte. do Estado, mediante um banco nacional
MARX
MATERIALISMO E COMUNISMO
A tarefa principal da filosofia a serviço da história
é o de d e s m a s c a r a r a a l i e n a ç ã o d o h o m e m
analogia e, com isso, os métodos para com primeira negação da propriedade privada
preender os processos de desenvolvimento individual baseada no trabalho pessoal.
que se verificam na natureza, os nexos gerais M as a produção capitalista gera ela pró
e as passagens de um campo de pesquisa pria, com a inelutabilidade de um processo
para outro” . natural, sua própria negação. E a negação
Para Engels, as leis da dialética são as da negação” .
seguintes: Contra essa pretensão de engaiolar a
1) a lei da conversão da quantidade realidade nas malhas da dialética, Dühring
em qualidade (esta lei afirma que grandes escreveu: “ A híbrida forma nebulosa das
mudanças quantitativas produzem por fim idéias de M arx não surpreenderá, além dis
mudanças qualitativas, como no caso da so, quem sabe o que se pode arquitetar ou
revolução, preparada por processos lentos que extravagâncias podem surgir quando se
e trabalhosos); toma por base científica a dialética de Hegel.
2) a lei da compenetração dos opostos Para quem ignore esses artifícios, deve-se
(segundo a qual existem na realidade con notar expressamente que a primeira negação
tradições objetivas que não podem ser con hegeliana é o conceito catequético do pecado
sideradas separadamente uma da outra); original, e a segunda é a de unidade superior
3) a tei da negação da negação (pela que leva à redenção. Ora, não é efetivamen
qual o processo de evolução se desenvolve te possível fundar a lógica dos fatos com
por meio de negações sucessivas, que dão base nesse joguinho analógico tomado do
origem a con form ações sem pre novas, campo da religião [...]. O senhor M arx fica
como no caso do proletariado, que nega a tranqüilamente no mundo nebuloso da sua
burguesia, produzindo uma sociedade mais propriedade ao mesmo tempo individual e
madura e mais elevada). social e deixa para seus adeptos a missão de
Para Engels, essas leis não seriam idéias resolver esse profundo enigma dialético” .
aprioristas impostas à natureza, e sim “ abs A reação de Engels contra Dühring
trações” da história efetiva da natureza e da foi decidida e empenhada. O Antidiihring
história real da ciência. é polêmica “ cujo fim de modo nenhum se
Desse modo Engels toma distância do pode prever” . E, nessa polêmica, Engels
materialismo mecanicista dogmático e estáti reafirma que “ a dialética é um processo
co, sustentando que todo o desenvolvimento muito simples, que se realiza em toda parte
da ciência confirma as leis da dialética. Com e diariamente, e que qualquer criança pode
efeito, são leis que não valem somente para a entender, desde que seja liberto do grande
natureza, mas também, obviamente, para a mistério sob o qual o escondia a velha fi
história social humana e para o pensamento. losofia idealista e sob o qual é de interesse
Para Engels, a dialética é a teoria de todo o de metafísicos pouco aguerridos do tipo do
universo: “A representação exata da totali senhor Dühring continuar a escondê-lo” .
dade do mundo, de seu desenvolvimento e A dialética, portanto, está em ação em
do desenvolvimento da humanidade, bem toda parte e continuamente. Ela, diz Engels,
como da imagem desse desenvolvimento real é “ uma lei de desenvolvimento extremamen
como ele se reflete na cabeça dos homens, só te geral da natureza, da história e do pensa
pode se efetuar [...] por meio da dialética, mento e, precisamente por isso, tem raio de
levando constantemente em conta as ações ação e importância extremamente grandes; é
recíprocas do nascer e do morrer, das mu lei que [...] atua no mundo animal e vegetal,
danças progressivas e regressivas” . na geologia, na matemática, na história, na
filosofia, e à qual, apesar de toda luta e de
toda resistência, também o senhor Dühring,
2 é ^ n g e ls c o n tfa I^ ü k rin g sem sabê-lo, é obrigado a obedecer, a seu
modo [...]. A dialética nada mais é do que
a ciência das leis gerais do movimento e do
Eugen Dühring (1833-1921), o “ se desenvolvimento da natureza, da sociedade
nhor Dühring” , divertia-se em ridicularizar e do pensamento” .
M arx, que, no fim do primeiro volume de Engels escreveu a M arx uma carta em
O Capital, escrevera: “ O modo de apro que dizia encontrar-se envolvido em uma
priação capitalista que nasce do modo de polêmica cujo fim, precisamente, não era
produção capitalista e, portanto, a p ro possível prever. E tinha perfeitamente razão,
priedade privada capitalista, constituem a porque a controvérsia sobre a validade ou
Terceira parte - X^o k e g e l i a r v i s m o ao m arxism o
III. P V o b le m a s a b e r t o s
■àovolbfinfllirnlií^n |artfüuragrr|
«í« »«R
b»ijuo»l)iM n, w tldjir am 5,, E., T. unb 1 , «w ithuU aud) 9. 3 » * i 1 8 9 * im S u l t
„1« ka ètri f ■}■)■'* MMm, IT. • rtfr Ktiftic SI. u # » wirt.
Di* $ufamiM*hinft »S *a f # n m » d i l i t a rmWmfm uni Carta-convite enviada a Engels,
ift tarum èfr Zaitltt mtl f t f t * •K tM iftiaa Mfttt llttU fffla ft* U*l>trtr«4 B« 4 fefftito*
ifl então residente em l.ondres,
3m fflêi jtfí- para o congresso do partido social-de-
t»W 4N«k«r»f/r; •>«**% 9<«tfr, 8»#**, >#%«*ni <&■»!; mocrata austríaco,
«rtartái «naM*, convocado em Viena de 5 a 9 de junho
#**»{•«•» tDW
«, |«^«a IX*»
de 1892.
mais crescente da classe operária; previu que tidade de trabalho exigida para produzi-las,
haveria revolução que levaria ao socialismo; mas muito mais sua escassez em relação
previu que isso aconteceria, antes que em à demanda global. Em outras palavras, o
qualquer outro lugar, em países industrial valor não se cria dentro dos muros de uma
mente avançados; e previu que a evolução fábrica, mas se estabelece no mercado. Toda
técnica dos “ meios de produção” levaria ao mercadoria tem, por assim dizer, um valor
desenvolvimento social, político e ideológi original, que é o valor-custo, e um valor
co, e não ao contrário. M as essas previsões final, que é o valor-preço. E o mercado que
não ocorreram. E os marxistas tiveram de determina este último, ou seja, o conjunto
readaptar continuamente a teoria por meio da demanda dos consumidores que valoriza
de hipóteses ad hoc, ao invés de mudá-la. as mercadorias. E essa demanda nasce das
Assim, deslizou-se para o dogmatismo: o necessidades, dos gostos e das opções in
marxismo infringiu as normas do método dividuais culturalmente plasmadas. M arx
científico. Os m arxistas, como disse Karl ignora todos esses elementos para manter
Popper, interpretaram diversamente M arx: firme sua tese de fundo, isto é, de que só o
trata-se de mudá-lo. trabalho do operariado valoriza as mercado
Uma filosofia da práxis, como é o rias. Se ele tivesse razão, então todos aqueles
marxismo, não pode deixar de atentar para bens — como a terra, o ouro etc. — que não
os resultados práticos das políticas que requerem trabalho para serem produzidos
se consideram m arxistas. As cadeias que não deveriam ter nenhum valor. O que é
deviam ser quebradas tornaram-se sempre manifestamente absurdo. Como também é
mais estreitas e densas. A máquina estatal absurdo considerar estranhos à valorização
que devia desaparecer agigantou-se sempre das mercadorias os que as idealizaram, e os
mais, e a liberdade do indivíduo freqüente que organizaram e dirigiram a produção e
mente foi esmagada. A abolição das classes sua distribuição.
e do Estado foi adiada para futuro impreciso Estas e outras considerações críticas
e indeterminável, mostrando claramente o explicam a radical inadequação da teoria
caráter utópico das idéias de M arx sobre o do valor-trabalho, hoje reconhecida pelos
futuro da sociedade. próprios economistas marxistas. Isso, po
rém, não é tudo. A teoria de M arx também
tem conseqüências práticas claram ente
... O s e c o n o m i s t a s
autoritárias. Com efeito, só num sistema
econômico em que a autoridade central — o
c o n t r a A A arx Estado produtor e distribuidor de todos os
bens e serviços — obriga os consumidores a
comprar as mercadorias segundo preços ri
M as as críticas vão além, pelo fato de gorosamente correspondentes ao custo social
que a teoria econômica de M arx — diver de produção é que a teoria do valor-trabalho
samente da teoria sociológica, que influen seria de certo modo válida. Os consumidores
ciou fortemente as ciências histórico-sociais não teriam nenhuma possibilidade de escolha
— foi considerada pela grande maioria dos e, portanto, o valor das mercadorias não de
economistas como instrumento quase inútil penderia de sua demanda, mas sim do preço
e, além disso, carregado de elementos meta previamente estabelecido pela burocracia es
físicos e teológicos. tatal. Ter-se-ia então aquilo que Agnes Heller
Ela não está em condições de explicar chamou de “ ditadura sobre as necessidades” ,
o essencial, isto é, o comportamento dos que é justamente o regime político-econô
preços. Isso ocorre porque o que determina mico vigente nos países onde o marxismo
o valor das mercadorias não é tanto a quan tornou-se filosofia obrigatória de Estado.
191
Cãpltulo O Ítã V O - K arl JSAaryc e F r ie d r ic k ^ g e l s . O m a te r ia lism o K is+órico-d ialético ™
mercadoria, precisamente na proporção em que se realiza, no qual ele age, do qual e por meio
ele produz mercadorias em geral. do qual ele produz.
Cste fato exprime nada mais que isto: o Todavia, assim como a natureza fornece
objeto, produzido pelo trabalho, seu produto, o alimento do trabalho, no sentido de que o
surge diante do trabalho como um ente estra trabalho não pode subsistir sem objetos sobre
nho, como uma potência independente de quem os quais exercitar-se, ela também fornece por
o produz. O produto do trabalho é o trabalho outro lado os alimentos em sentido estrito, isto
que se fixou em um objeto, que se tornou obje é, os meios para a subsistência física do próprio
tivo: é a objetivaçõo do trabalho. Fl realização operário.
do trabalho é sua objetivaçõo. Csta realização Portanto, quanto mais o operário se apro
do trabalho aparece, na condição descrita pela pria com seu trabalho do mundo externo, da
economia política, como privação do operário, e natureza sensível, tanto mais se priva de alimen
a objetivaçõo aparece como perda e escravidão to, no duplo sentido: pois, em primeiro lugar, o
do objeto, e a apropriação como alienação, mundo exterior sensível deixa sempre mais de
como expropríação. ser um objeto que pertence a seu trabalho, um
fl realização do trabalho torna evidente alimento de seu trabalho e, em segundo lugar,
tal privação que o operário é despojado até a esse mundo sensível deixa sempre mais de ser
morte pela fome. fl objetivaçõo torna evidente alimento no sentido imediato de meio para a
tal perda do objeto que o operário é roubado subsistência física do operário.
não só dos objetos mais necessários à vida, Sob este duplo aspecto, portanto, o
mas também dos objetos mais necessários ao operário torna-se um escravo de seu objeto:
trabalho. O próprio trabalho se torna um objeto primeiramente, enquanto ele recebe um objeto
do qual ele pode apropriar-se apenas com o de trabalho, isto é, trabalho, e secundariamente
esforço maior e as interrupções mais irregula enquanto recebe os meios de subsistência.
res. fl apropriação do objeto produzido torna Primeiramente, portanto, enquanto pode existir
evidente tal estranhamento, que quanto mais como trabalhador, secundariamente enquanto
objetos o operário produz menos pode possuir, pode existir como sujeito físico. O ápice dessa
e tanto mais cai sob o domínio de seu produto, escravidão é que ele apenas enquanto é mais
do capital. que operário pode conservar-se como sujeito
Todas estas conseqüências se encontram físico, e que apenas enquanto é mais que su
na determinação: o operário está em relação jeito físico ele é operário.
com o produto de seu trabalho como com um ob (fl alienação do operário em seu objeto se
jeto estranho. Pois é claro, por este pressuposto, exprime, segundo as leis da economia política,
que quanto mais o operário trabalha tanto mais de modo que, quanto mais o operário produz,
adquire potência o mundo estranho, objetivo, tanto menos tem para consumir, e quanto mais
que ele cria diante de si, e tanto mais pobre cria valores tanto mais ele é sem valor e sem
se torna ele próprio, seu mundo interior, e tanto dignidade, e quanto mais seu produto tem for
menos possui. Como na religião. Quanto mais ma tanto mais o operário é disforme, e quanto
o homem põe em Deus, menos conserva em si mais é refinado seu objeto tanto mais é bar
mesmo. O operário põe no objeto sua vida, e barizado o operário, e quanto mais é potente
esta nõo pertence mais a ele, mas ao objeto. o trabalho tanto mais impotente torna-se o
Quanto maior for sua faculdade, mais o operário operário, e quanto mais é espiritualmente rico
se torna sem objeto, flquilo que é o produto de o trabalho, tanto mais o operário se tornou sem
seu trabalho, ele não o é. Quanto maior, por espírito e escravo da natureza).
tanto, este produto, tonto menor é ele próprio, fí economia política oculta a alienação que
fl expropríação do operário em seu produto não existe na essência do trabalho, por isto ela não
tem apenas o significado de que seu trabalho considera a relação imediata entre o horário [o
torna-se um objeto, uma existência externa, trabalho] 0 a produção. Certamente o trabalho
mas que ele existe fora dele, independente, produz maravilhas para os ricos, mas produz o
estranho a ele, como uma potência indepen despojamento do op0rário. Produz palácios, mas
dente diante dele, e que a vida, por ele dada cavernas para o op0rário. Produz beleza, mas de
ao objeto, o confronta como estranha e inimiga. formidade para o operário. Cie substitui o traba
Consideremos mois de perto a objetiva lho com as máquinas, mas repele uma parte dos
çõo, a produção do operário, e nela a aliena trabalhadores a um trabalho bárbaro, e reduz a
ção, a perda do objeto de seu produto. máquinas a outro parte. Produz espiritualidade, e
O operário não pode fazer nada sem a produz a imbecilidade, o cretinismo do operário.
natureza, sem o mundo externo sensível, fl fí relação imediata do trabalho com seus
natureza é o material sobre o qual seu trabalho produtos é a relação do operário com os obje-
, . ............................. 193
Capítulo oitavo ~ K a r l ^ 4 a r ;< e F -r ie d r ic k S t t g e I s . O m a t e r ia lis m o k i s t ó r ic o -d ia lé t ic o --------
se não atividade - como uma atividade dirigida o que acontece na filosofia alemã, que desce
contra ele mesmo, e independente dele, não do céu para a terra, aqui se sobe da terra até o
pertencente a ele. fl outo-alienoçõo; como céu. Isto é, não se parte daquilo que os homens
víamos acima, a alienação da coisa. dizem, imaginam, representam, nem daquilo que
K. Marx, se diz, se pensa, se imagina, se representa que
Obras filosóficas da juventude. sejam, para chegar daqui até os homens vivos:
mas parte-se dos homens realmente operantes
e sobre a base do processo real de sua vida
O materialismo histórico se desdobra também o desenvolvimento dos
reflexos e dos ecos ideológicos deste processo
de vida. Também as imagens nebulosas que se
"Não é a consciência que determina a formam no cérebro do homem são sublimações
vida, mas a vida que determino a consciência". necessárias do processo material de sua vida,
empiricamente constatável e ligado a pressupos
tos materiais. Por conseguinte, a moral, a reli
O Pato, portanto, é o seguinte: indivíduos gião, a metafísica e toda outra forma ideológica,
determinados que desenvolvem uma ativida e as formas de consciência que a elas corres
de produtiva segundo um modo determinado pondem, não conservam mais que a aparência
entram nestas determinadas relações sociais da autonomia. Cias não têm história, não têm
e políticas. Cm todo caso particular a obser desenvolvimento, mas os homens que desen
vação empírica deve mostrar empiricamente volvem sua produção material e suas relações
e sem nenhuma mistiPicação e especulação a materiais transformam, junto com esta realidade
ligação entre a organização social e política e deles, também seu pensamento e os produtos
a produção, fl organização social e o Cstado de seu pensamento. Não é a consciência que
resultam constantemente do processo da vida determina a vida, mas a vida que determina a
de indivíduos determinados: mas, destes in consciência. No primeiro modo de julgar parte-se
divíduos, não como eles podem aparecer na da consciência como indivíduo vivo; no segundo
representação própria ou de outrem, e sim como modo, que corresponde à vida real, parte-se dos
são realmente, isto é, como operam e produzem próprios indivíduos reais vivos e considera-se a
materialmente e, portanto, agem entre limites, consciência apenas como a consciência deles.
pressupostos e condições materiais determina Cste modo de julgar não é privado de pres
das e independentes de seu arbítrio. supostos. Cie parte de pressupostos reais e não
fl produção das idéias, das represen se afasta deles por um instante sequer. Seus
tações, da consciência, é em primeiro lugar pressupostos são os homens, não de algum
diretamente entrelaçada com a atividade ma modo isolados e fixados fantasticamente, mas
terial e com as relações materiais dos homens, em seu processo de desenvolvimento, real e em
linguagem da vida real. As representações e piricamente contestável, sob condições determi
os pensamentos, o intercâmbio espiritual dos nadas. Tão logo é representado este processo
homens aparecem aqui ainda como emanação de vida ativo, a história deixa de ser uma coleta
direta de seu comportamento material. Isso vale de fatos mortos, como nos empiristos que são
do mesmo modo para a produção espiritual, tal também eles abstratos, ou uma ação imaginária
como ela se manifesta na linguagem da política, de sujeitos imaginários, como nos idealistas.
das leis, da moral, da religião, da metafísica Onde cessa a especulação, na vida real,
etc. de um povo. São os homens os produtores começa, portanto, a ciência real e positiva, a
de suas representações, idéias etc., mas os representação da atividade prática, do processo
homens reais, operantes, assim como são con prático de desenvolvimento dos homens. Caem
dicionados por determinado desenvolvimento as frases sobre a consciência e em seu lugar
de suas Porças produtivas e pelas relações que deve entrar o saber real. '
a elas correspondem até suas formações mais Com a representação da realidade a
amplas. A consciência jamais pode ser alguma filosofia autônoma perde seus meios de exis
coisa de diferente do ser consciente, e o ser tência. Cm seu lugar pode quando muito entrar
dos homens é o processo real de sua vida. Se uma síntese dos resultados mais gerais, que é
em toda ideologia os homens e suas relações possível abstrair do exame do desenvolvimento
aparecem invertidos como em uma câmera escu histórico dos homens.
ra, este fenômeno derivo do processo histórico Cm si, separadas da história real, tais
de sua vida, justamente como a inversão dos abstrações não têm absolutamente valor. Cias
objetos sobre a retina deriva de seu imediato podem servir apenas para facilitar a ordenação
processo físico. Exatamente ao oposto de tudo do material histórico, paro indicar a sucessão
195
C a p ítu lo o ita v o - K a rl M a r x e F r ie d r ic h O m a + e r ia lr s m o h is t ó r ic o -d ic t lé fic o ______
enquanto eu elaborava o primeiro volume de O fl coisa que mais incisivamente faz sentir
Capital, os molestos, presunçosos e medíocres ao burguês, homem prático, o movimento con
epígonos que ogora dominam na Alemanha traditório da sociedade capitalista são as vicis-
culta se compraziam em tratar Hegel como nos situdes alternadas do ciclo periódico percorrido
tempos de Lessing o bravo Moses Mendelssohn pela indústria moderna, e o ponto culminante
tratava Spinoza: como um "cão morto". Por isso dessas vicissitudes: a crise geral. £la está de
me professei abertamente discípulo daquele novo em andamento, embora ainda esteja nos
grande pensador, e até respiguei, aqui e ali, no estágios preliminares; e pela universalidade de
capítulo sobre o teoria do valor, com o modo de sua manifestação, assim como pela intensidade
exprimir-se que lhe era peculiar, fl mistificação à de seus efeitos, inculcorá a dialética até aos
qual subjaz a dialética nas mãos de Hegel não aproveitadores afortunados do novo sagrado
impede de modo nenhum que ele tenha sido o império borusso-germânico.
primeiro a expor amplamente e conscientemen K. Marx,
te as formas gerais do movimento da próprio O Capital, vol. I.
dialética. Nele ela se encontra invertida. 6 pre
ciso invertê-la para descobrir o núcleo racional
dentro da casca mística.
€m sua forma mistificada, a dialética tor 7 fl história
nou-se moda alemã, porque parecia transfigurar
o estado de coisas existente. £m sua forma é história de lutas de classes
racional, a dialética é escândalo e horror para
a burguesia e para seus corifeus doutrinários,
porque na compreensão positiva do estado de "Fl história de toda sociedade que exis
coisas existente inclui simultaneamente também tiu oté este momento é história de lutas de
a compreensão da negação dele, a compreen- classes". Doravante, porém - está é a idéia
são'de seu ocaso necessário, porque concebe de Marx e de Cngels -, o ocaso da burguesia
toda forma realizada no fluir do movimento e, e o vitória do proletariado são dois eventos
portanto, também de seu lado passageiro, "inevitáveis".
porque nada a pode intimidar e ela é crítica e
revolucionária por essência.
fl história de toda sociedade que existiu
até este momento é historio de lutas de classes.
Livres e escravos, patrícios e plebeus,
barões e servos da gleba, membros das cor
KARL MARX porações e aprendizes, em suma, opressores e
oprimidos, estiveram continuamente em contras
te recíproco, e mantiveram luta ininterrupta, ora
latente ora aberta; luta que a cado vez terminou
ou com uma transformação revolucionária de
toda a sociedade, ou com a ruíno comum das
classes em luta.
Nas épocas passadas da história encon
tramos em quase todo lugar uma completa
articulação da sociedade em diferentes ordens,
uma graduação múltipla das posições sociais.
Na Roma antiga temos patrícios, cavaleiros,
plebeus, escravos; na Idade Média, senhores
feudais, vassalos, membros’ dos corporações,
aprendizes, servos da gleba e, ainda, também
graduações particulares em quase cada uma
destas classes.
fl sociedade civil moderna, saída do ocaso
1'ARiS da sociedade feudal, nõo eliminou os antago
feWTÊtft». ü.uftlCE i . A a m u n n t: nismos entre as classes. £la apenas substituiu
as antigas por novas classes, novas condições
de opressão, novas formas de luta.
Frontispício da edição francesa de O Capital Nossa época, a época da burguesia, dis
de Marx, publicada em Paris em 1872. tingue-se, porém, das outras por ter simplificado
, . . . . ,. 197
Cãpítulo O ÍtíZV O - K a r l A 1 'U 'X e T -r ie d r ic h E n g e l s . CD m a t e r ia lis m o K is t ó r i c o -d ia lé t ic o
dade do Cstado. Mas por isso mesmo dsstrói dade. Onde o trabalho social fornece somente
seu caráter de proletariado; ele destrói toda uma somo de produtos que excede apenas
distinção e todo antagonismo de classe e, por aquilo que é estritamente necessário para
conseguinte, ele destrói o Cstado como Cstado. manter a existência de todos; onde o trabalho,
fls sociedades que se haviam movido até aqui por conseguinte, absorve todo ou quase todo
no antagonismo de classes tinham necessidade o tempo da grande maioria dos indivíduos de
do Cstado, isto é, de uma organização da clas que se compõe a sociedade, esta sociedade
se que desfruta, para assegurar as condições divide-se necessariamente em classes. Ao lado
de desfrute e, sobretudo, para manter, com a da grande maioria, entregue exclusivamente ao
força, o classe desfrutada nas condições de trabalho, forma-se uma minoria isenta do traba
submissão (escravidão, servidão, assalariado), lho diretamente produtivo, e encarregada dos
que o modo de produção existente requeria. O assuntos comuns da sociedade; isto é, direção
Cstado era a representação oficial de toda a geral do trabalho, governo, justiça, ciências etc.
sociedade, sua encarnação em um corpo visível, Cxiste, portanto, a lei da divisão do trabalho,
mas ele não era tal a não ser como o €stado da que jaz no fundo desta divisão da sociedade em
classe que, por sua vez, representava toda a classes, o que não impede minimamente que
sociedade. Portanto, a partir do momento que tal divisão seja alcançada por meio da força e
se torna o representante da sociedade inteira, da rapina, da astúcia e da fraude; o que não
ele se evidencia inútil, fl partir do momento que impede sequer que a classe dominante, uma
não existe mais classe para manter na opres vez estabelecida, jamais tenha deixado de
são, e o partir do momento que a dominação consolidar seu poder em detrimento da closse
de classe, e a luta pela existência individual trabalhadora, de mudar a direção social em
baseada sobre a desordem da produção, so desfrute das massas.
bre as coalizões e sobre os excessos que daí Todavia, se a instituição das classes tem
derivam, são afastados, e não há mais nada a certo direito histórico, o tem apenas para uma
reprimir, um Cstado torna-se inútil. O primeiro época determinada, para um conjunto de con
ato com o qual o Cstado se constituirá realmente dições sociais dadas. Cia se baseava sobre a
como representante de toda a sociedade - a insuficiência da produção; esta será expulsa
tomada de posse dos meios de produção em pelo desenvolvimento pleno dela. Com efeito,
nome da sociedade - será ao mesmo tempo nós não podemos pensar na abolição final das
seu último ato como Cstado. fl intervenção do classes, a não ser quando tivermos atingido
Cstado se verificará inútil sobre cada terreno, um nível social em que, não somente a exis
um depois do outro, e ele gradualmente se tência de uma dada classe dominante, mas
extinguirá. O governo das pessoas dá lugar o de qualquer classe dominante, e a própria
à administração das coisas e à direção dos distinção das classes, tiverem se tornado um
processos de produção, fl sociedade livre não anacronismo. Ou seja, tal nível pressupõe um
pode tolerar a existência de um Cstado entre grau de desenvolvimento da produção, em que
si e seus membros. a aprovação dos meios de produção e dos
fl apropriação por parte da sociedade produtos feita por determinado classe e, por
de todos os meios de produção foi, desde a conseguinte, a dominação política, o monopólio
aparição histórica da produção capitalista, um da educação e a direção intelectual por parte
ideal mais ou menos nebuloso, brilhando diante de uma classe social distinta, terão se tornado
dos olhos de indivíduos e de seitas inteiras; coisas não somente supérfluas, mas um obs
mas ela não parecia possível, nem podia se táculo ao desenvolvimento econômico, político
apresentar como uma necessidade histórica, e intelectual. Cste ponto foi hoje alcançado. A
se antes não existiam as condições materiais bancarrota política e intelectual da burguesia
para sua atuação, fl abolição das classes, como quase não é mais um segredo para ela própria;
qualquer outro progresso social, torna-se atuá- sua bancarrota econômica-repete-se regular
vel não pela simples convicção nas massas, mente a cada dez anos. Cm toda crise decenal
pois a existência destas classes é contrária à a sociedade sufoca sob a pressão das forças
igualdade, ou à justiça, ou à fraternidade, não produtivas gigantescas, e dos produtos que ela
pela simples vontade de destruí-las, mas por mesma criou, e que não sabe mais dominar; ela
causa do desenvolvimento de novos condições se acha impotente diante deste absurdo; os
econômicas, fl divisão da sociedade em classe produtores não têm nada para consumir, porque
que desfruta e classe desfrutada, em dominante há falta de consumidores.
e oprimida, foi a conseqüência fatal da produ F. Cngels,
tividade pouco desenvolvida da própria socie Socialismo utópico e socialismo científico.
OS GRANDES
CONTESTADORES
DO SISTEMA HEGELIANO
■ Herbart
■ Trendelenburg
■ Schopenhauer
■ Kierkegaard
H erbart e Trendelenburg.
R elançam ento do realism o e crítica da dialética hegeliana
Capítulo décimo
Arthur Schopenhauer:
o m undo com o “ von tade” e “ represen tação” ____________
Sõren K ierkegaard:
a filosofia existencial do “ indivíduo”
e a “ cau sa do cristianism o” ______________________________
( S a p í+ u lo n o n o
■ H e r b a r t e T r e n d e le n D u r g .
I. O r e a lis m o
d e 3^°^akAKV P r i e d r i c k 'H e r b a r t
3 O set* é uno;
os conkecimentos
sobre o ser são múltiplos
L E IP Z IG ,
Y E I U S VON LEOP0LD VOSS.
como nossas.
É a unidade do mundo de nossas repre Por estética Herbart entende a ciência
sentações que exige e funda o conhecimento da avaliação dos produtos artísticos e tam
da existência da alma. A alma é real e, por bém dos produtos morais.
tanto, é simples. E, como escreve Herbart, E tanto em um campo (o comumente
“ a imortalidade da alma provém de si, pela cham ado “ estético” ) como em outro (o
razão de que o real é intemporal” . “ ético” ), o objetivo da estética está em
A alma é una e as representações são isolar e propor conceitos-modelos ou idéias
múltiplas e variadas, de modo que se propõe que, uma vez liberados de todas as escórias
a questão de compreender por que essas subjetivas, podem funcionar como critérios
representações não constituem um caos, de avaliação ou juízo.
isto é, de compreender a lei que regula a N o que se refere ao âmbito da ética,
vida da consciência. Pois bem, para Herbart esses conceitos-modelos consistem sobre
as representações são forças, atos de auto- tudo:
conservação da alma: “ interpenetrando-se 1) na liberdade interior (que é harmo
mutuamente na alma, una, elas se impedem nia entre vontade e avaliação), pois somos
enquanto opostas e se unificam em força livres quando queremos aquilo que julgamos
comum enquanto não opostas” . A vida psí como bem;
quica é conflito ou integração recíproca de 2) na perfeição (pela qual, sem estar
representações. E essa dinâmica da vida da mos de posse de medida absoluta, aprecia
alma leva àqueles “ estados” que chamamos mos mais o maior);
“ faculdades” (sentimento, vontade etc.). 3) na benevolência (que expressa a
Assim, não são as faculdades presumi harmonia entre o querer próprio e o querer
das que geram as representações, e sim, ao alheio);
contrário, é o ordenamento das representa 4) no direito (fundamento da política e
ções que gera as faculdades. Em todo caso, regulador dos desacordos entre as vontades);
conforme sua qualidade, as representações 5) na eqüidade (pela qual devem ser
se atraem ou se repelem. Então, se massas pagas as ações não retribuídas).
ou conjuntos de representações se unem Essas cinco idéias morais se impõem
de modo ilegítimo, temos aí os sonhos e como critérios da conduta moral, justamente
as ilusões ou até a demência. A razão, ao como conceitos-modelos, ou seja, como
contrário, se exerce na recepção das novas regras de base, ainda que Herbart tenha
representações, em sua elaboração à luz das plena consciência do fato de que eles não
velhas representações e no estabelecimento têm fundamento lógico absoluto, já que um
de mundos coerentes e sempre mais ricos ideal moral é “ tão compreensível” quanto
de experiências. o seu oposto.
Cãpltulo HO HO - "H e rb aH - e T r e n d e l e n b u r g
II. y \ d o l-fT r e n d e l e n b u r g ,
c r ífic o d a ^ d ia lé tic a k eg elia n a ^
e, então, o conceito afirmativo é negado por b) M as não seria possível que a contra
novo conceito afirmativo dição dialética se identifique com a “ oposição
Ora, a) no primeiro caso temos uma real” ? Contudo, também nesse caso surgem
negação lógica, e b) no segundo caso uma dificuldades: por que “ se pode obter uma
o posição real. A prim eira negação é o oposição real com um método lógico?” Essa
oposto contraditório, a outra é o oposto era, precisamente, a pretensão de Hegel: de
contrário. rivar a dialética do real da dialética do pensa
a) Para exemplificar: “ A e não-A” mento
é puro, o que é simplesmente absurdo.
uma contradição lógica, ao passo que o A lógica não pode inventar nem criar a
confronto de dois interesses é uma oposição realidade. Se quisermos falar da realidade,
real. Entretanto, o movimento dialético precisamos recorrer à experiência ou, como
extrai da negação um momento superior. diz Trendelenburg, à “intuição sensível” .
Isso, segundo Trendelenburg, é impossível Em poucas palavras, o sistema de Hegel
se pensarmos na contradição lógica: com é construído com base na confusão entre
efeito, afirmar e negar a mesma coisa não contradição e contrariedade, isto é, em uma
produz de fato nenhuma “ síntese” , não nos mistura indevida entre “contradição lógica”
faz chegar (e necessariamente!) a nenhum e “ oposição real” . As oposições reais, como,
terceiro conceito novo. Portanto, trocar a por exemplo, os contrastes de interesses, as
negação dialética com a negação lógica é, revoluções etc., só podem ser descritas com
segundo Trendelenburg, “ um mal-enten discursos não-contraditórios, e não têm
dido” . nada a ver com as “ contradições lógicas” .
C a p ít u lo d é c im o
y \ r t k u r S c k o p e n K a u e r :
o murvdo
como ^voKvfade^e/VepreseKv+ação^
I. Vida e obras
3c k o p e n k a w e r : a v id a ,, Kierkegaard — o mais apaixonadamente
envolvido, a ponto de chegar a qualificar o
a s o b r a s e a in flu ê n c ia d e s t a s
próprio Hegel como um “ acadêmico mer
s o b r e a c u ltu ra s u c e s s iv a cenário” , um “ sicário da verdade” , e seu
pensamento como uma “ palhaçada filosó
Entre os adversários de Hegel, Schope fica” . E à filosofia submissa dos charlatães,
nhauer foi provavelmente — se excetuarmos para os quais o estipêndio e o ganho são
Capítulo décimo - ywk u r S c k o p e n k a u e r; o m undo c o m o V o n ta d e^e ^V e p ^ese^ta ç âo "
II. O m un do c o m o r e p r e s e n t a ç ã o
1■, O—n
■e o m u n d o 2 yAs d u a s c o m p o n e n t e s
s e ja r e p r e s e n t a ç ã o d a represen tação:
é u m a v e r d a d e a n tig a s u je ito e o b j e t o
em função da outra, ou seja, cada uma existe cializadas e temporalizadas que, depois, o
com a outra e com ela se dissipa” . intelecto entra em ação, ordenando-as em
cosmo cognoscitivo mediante a categoria
da causalidade.
Su p eração Schopenhauer reduz as doze categorias
kantianas unicamente à categoria da causa
d o m a te ria lism o e d o re a lism o lidade. E por meio da categoria da causali
e r e v isã o d o id e a lism o ' dade que os objetos determinados espacial
e temporalmente, que acontecem aqui ou
alhures, neste ou naquele momento, são
Segue-se daí que o materialismo está postos um como determinante (ou causa)
errado por negar o sujeito, reduzindo-o a e outro como determinado (ou efeito), de
matéria, e o idealismo — o de Fichte, por modo que “ toda a existência de todos os
exemplo — está errado também porque nega objetos, enquanto objetos, representações
o objeto, reduzindo-o ao sujeito. N o en e nada mais, em tudo e por tudo encabe
tanto, o idealismo, depurado dos absurdos ça aquela sua necessária e intercambiável
elaborados pelos “ filósofos da Universida relação” .
de” ^ irrefutável: o mundo é representação O mundo, portanto, é uma representa
minha e “ é preciso ser abandonado por ção minha, e a ação causai do objeto sobre os
todos os deuses para imaginar que o mun outros objetos é toda a realidade do objeto.
do intuitivo, posto fora de nós, tal como É compreensível, portanto, desde o escrito
preenche o espaço em suas três dimensões, Sobre a quádrupla raiz do princípio da razão
movendo-se no inexorável curso do tempo, suficiente, a importância que Schopenhauer
regido a cada passo pela indeclinável lei da atribui ao princípio da causalidade, cujas
causalidade [...], existe fora de nós com diversas formas determinam as categorias
absoluta realidade objetiva, sem qualquer dos objetos cognoscíveis:
concurso de nossa parte; e que, depois, por 1) o princípio de razão suficiente do
meio das sensações, entra em nosso cérebro, devir representa a causalidade entre os ob
onde começaria a existir uma segunda vez, jetos naturais;
assim como existe fora de nós” . 2) o princípio de razão suficiente do
Em suma, Schopenhauer é contrário conhecer regula as relações entre os juízos,
tanto ao materialismo (que nega o sujeito, pelos quais a veracidade das premissas de
reduzindo-o à matéria), como ao realismo termina a das conclusões;
(segundo o qual a realidade externa se re 3) o princípio de razão suficiente do ser
fletiria naquilo que está em nossa mente). O regula as relações entre as partes do tempo
mundo como nos aparece em sua imediatici- e do espaço e determina a concatenação dos
dade, e que é considerado como a realidade entes aritméticos e geométricos;
em si, na verdade é um conjunto de represen 4) o princípio de razão suficiente do
tações condicionadas pelas formas a priori agir regula as relações entre as ações e seus
da consciência, que, para Schopenhauer, são motivos.
o tempo, o espaço e a causalidade. Para Schopenhauer, são essas as quatro
formas do princípio de causalidade, quatro
formas de necessidade que estruturam rigi
A s fo rm a s a p rio ri
damente todo o mundo da representação:
necessidade física, necessidade lógica, ne
d o e s p a ç o e d o tem p o cessidade matemática, necessidade moral.
e a c a te g o ria d a c a u sa lid a d e Esta última necessidade, pela qual o homem,
como o animal, age necessariamente com
base em m otivos, exclui a liberdade da
Com o já m ostrava K ant, espaço e vontade: como fenômeno, o homem subme
tempo são formas a priori da representa te-se à lei dos outros fenômenos, ainda que,
ção: toda a nossa sensação e percepção de como veremos, não se reduza ao fenômeno,
objetos é espacializada e temporalizada. E tendo a possibilidade, ligada à sua essência
é sobre essas sensações e percepções espa- numênica, de reconhecer-se livre. E S g fT I
Quarta parte - O s 0r a n d e s c o n t e s l a d o ^ e s d o s is + e m a k e g e l i a n o
III. o m un do c o m o v o n t a d e
jogada ao mendigo, prolonga hoje sua vida, estética, o intelecto rompe sua servidão à
para amanhã continuar seu tormento” . E a vontade, deixando de ser o instrumento que
dor e a tragédia não são somente a essência procura os meios para satisfazê-la; torna-se
da vida dos indivíduos, mas também a essên puro olho que contempla.
cia da história de toda a humanidade. A arte — que, da arquitetura (que
A vida é dor e a história é acaso cego. expressa a idéia das forças naturais) à escul
O progresso é uma ilusão. A história não é, tura, da pintura a poesia, chega à tragédia,
como pretende Hegel, racionalidade e pro a mais elevada forma de arte — objetiva
gresso; todo finalismo e qualquer otimismo a vontade. E quem a contempla está, de
são injustificáveis. certo modo, fora dela. Assim, “ a tragédia
expressa e objetiva a dor sem nome, o afã
da humanidade, o triunfo da perfídia, o
A lib e r ta ç ã o escarnecedor senhorio do acaso e o fatal
precipício dos justos e inocentes” ; e é desse
p o r m e io d a a r + e
modo que ela nos permite contemplar a
natureza do mundo.
Entre as artes, a música não é aquela
O mundo como fenômeno é represen que expressa as idéias, isto é, os graus de ob-
tação. M as, em sua essência, é vontade cega jetivação da vontade, mas expressa a própria
e irrefreável, perenemente insatisfeita, dila vontade. Por isso, ela é a arte mais universal
cerando-se entre forças contrastantes. Toda e profunda: a música é capaz de narrar “ a
via, quando o homem, aprofundando-se em história mais secreta da vontade” .
seu próprio íntimo, consegue compreender A arte, portanto, é libertadora. Entre
isso, ou seja, que a realidade é vontade e que tanto, esses momentos felizes da contempla
ele próprio é vontade, então está pronto para ção estética, nos quais nos sentimos libertos
sua redenção: e esta só pode se dar “ com o da tirania furiosa da vontade, são instantes
deixar de querer” . breves e raros. Conseqüentemente, a liber
Em suma, na opinião de Schopenhauer, tação da dor da vida e a redenção total do
só podemos nos libertar da dor e do tédio e homem devem ocorrer por outro caminho.
nos subtrair à cadeia infinita das necessida E este é o caminho da ascese.
des mediante a arte e a ascese.
Com efeito, na experiência estética,
o indivíduo separa-se das cadeias da von
tade, afasta-se de seus desejos, anula suas v scese e red en ção
necessidades, deixando de olhar os objetos
em função de eles lhe poderem ser úteis ou
nocivos. N a experiência estética, o homem A ascese significa que a libertação do
se aniquila como vontade e se transforma em homem em relação ao alternar-se fatal da
puro olho do mundo, mergulha no objeto e dor e do tédio só pode se realizar suprimin
esquece-se de si mesmo e de sua dor. do em nós mesmos a raiz do mal, isto é, a
E esse puro olho do mundo já não vê vontade de viver. E o primeiro passo para
objetos que têm relações com outras coisas, tal supressão se verifica pela realização da
não vê objetos úteis ou nocivos, mas percebe justiça, ou seja, mediante o reconhecimen
idéias, essências, modelos das coisas, fora do to dos outros como iguais a nós mesmos.
espaço, do tempo e da causalidade. A arte Entretanto, a justiça golpeia o egoísmo,
expressa e objetiva a essência das coisas. E, mas leva-me a considerar os outros como
precisamente por isso, ajuda-nos a nos afas distintos de mim, como diferentes de mim.
tarmos da vontade. O gênio capta as idéias E, por isso, não acaba com o principium
eternas e a contemplação estética mergulha individuationis que fundamenta meu egoís
nelas, anulando aquela vontade que, tendo mo e me contrapõe aos outros. E preciso,
optado pela vida e pelo tempo, é somente portanto, ultrapassar a justiça e ter a cora
pecado e dor. gem de eliminar toda distinção entre nossa
Em suma, na experiência estética não individualidade e a dos outros, abrindo os
estamos mais conscientes de nós mesmos, olhos para o fato de que todos nós estamos
mas somente dos objetos intuídos. A expe envolvidos na mesma desventura.
riência estética é a anulação temporária da Esse passo ulterior é a bondade, o amor
vontade e, portanto, da dor. N a intuição desinteressado para com seres que carregam
Quarta parte - O s g r a n d e s c o n t e s + a d o r e s d o s is + e m a h e g e l i a n o
a mesma cruz e vivem nosso mesmo destino e perfeita” . A castidade perfeita liberta da
trágico. Bondade, portanto, que é com realização fundamental da vontade no seu
paixão, sentir a dor do outro por meio da impulso de geração. A pobreza voluntária
compreensão de nossa própria dor: “Todo e intencional, o conformismo e o sacrifício,
amor (agápe, charitas) é com paixão” . também tendem para o mesmo objetivo, isto
E é precisamente a com paixão que é, a anulação da vontade.
Schopenhauer insere como fundamento da Enquanto fenômeno, o homem é um
ética. Em todo caso, porém, também a pie elo da cadeia causai do mundo fenomênico.
dade, isto é, o compadecer, ainda é padecer. M as, reconhecendo a vontade como coisa
E o caminho para erradicar de modo deci em si, esse conhecimento age sobre ele como
sivo a vontade de viver e, portanto, a dor, é aquietante do seu desejo. E é assim que o
o caminho da ascese, aquela ascese que faz homem se torna livre, se redime e entra na
Schopenhauer sentir-se próximo dos sábios quilo que os cristãos chamam de estado de
hindus e dos santos ascetas do cristianismo. graça. A ascese arranca o homem da vontade
A ascese é o horror que experimen de vida, do vínculo com os objetos, e é assim
tam os pela essência de um mundo cheio que lhe permite aquietar-se.
de dor. E “ o primeiro passo na ascese, ou Quando a voluntas torna-se noluntas,
na negação da vontade, é a castidade livre o homem está redimido.
- - • „ „ » 217
Capítulo décimo - y W K u r S c h o p e n U a u e r : o in u n d o c o m o " v o n t a d e " e 'V e p e e s e n t a ç ã o "
SCHOPENHAUER
O MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO, ISTO È, COMO FENÔMENO
Tudo o que existe para o conhecimento, isto é, o mundo inteiro,
é fenômeno,
ilusão que vela a realidade das coisas em sua essência primigênia e autêntica:
é representação,
que tem duas metades essenciais, necessárias e inseparáveis
o s u je it o : o o b je to :
CAUSALIDADE
1. objetos naturais (necessidade física = tornar-se)
(princípio de razão suficiente), ► 2. juízos e silogismos (necessidade lógica = conhecer)
cujas quatro formas ^ 3. entes aritméticos e geométricos (necessidade matemática = ser)
determinam as categorias 4. ações e seus motivos (necessidade moral = agir)
dos objetos cognoscíveis
_ a VIDA H UM ANA é
um, c q s o não como amedrontadora, oo menos com relógios, que recebem corda e ondam,
merecedora de reflexão: ou seja, esto, que ele sem saber o porquê; e a cada vez que um ho
justamente pode dizer e deve dizer: "o mundo mem é gerado e dado à luz, o relógio da vida
é minha vontade". humana de novo recebe corda, para mais uma
Contudo, por ora, neste primeiro livro, é vez repetir, frase por frase, batida por batida,
necessário considerar, sem disso se afastar, o com variações insignificantes, a mesma música
aspecto do mundo do qual partimos, o aspec já infinitas vezes tocada. Cada indivíduo, cada
to da cognoscibilidade e por isso, deixando vulto humano e cada vida nõo são mais que um
todo relutância, examinar todos os objetos novo breve sonho do infinito espírito natural, da
existentes, compreendendo até nosso corpo permanente vontode de viver; não são mais que
(como será melhor explicado logo depois), ex nova imagem fugitiva, que a vontade traço por
clusivamente como representações; e também brincadeira sobre a folha infinita do espaço e
quais representações definir. De tal modo se do tempo, deixando-a durar um átimo apenas
faz abstração, unicamente e sempre, o partir perceptível diante da imensidão daqueles, e
da vontade, segundo mais tarde será para depois cancelando-o, para dar lugar a outras,
aparecer evidente, espero, para todos; como flpesar disso, e aí está o aspecto grave da
por aquela que sozinha constitui o outro as vida, cada uma de tais imagens fugazes, cada
pecto do mundo: porque como o mundo é de um de tais coprichos insípidos devem ser pagos
um lado, em tudo e para tudo, representação, por toda a vontade de viver, em toda a sua vio
assim também, do outro, em tudo e para tudo, é lência, com muitas e profundas dores, e no fim
vontade. Uma realidade, ao contrário, que não com morte amarga, longamente temida e que
seja nem esta nem aquela, e sim um objeto em finalmente chega. Por este motivo o visão de um
si (como infelizmente se tornou a coisa em si cadáver nos deixa subitamente melancólicos.
de Kant, degenerando em suas mãos) é uma R vido de cada indivíduo, se a olharmos
quimera de sonho, e sua assunção um fogo- em seu conjunto, revelando apenas seus traços
fátuo da filosofia. significativos, na verdade é sempre uma tragé
dia; mas, examinada em seus particulares, tem
fl. Schopenhauer, a característica da comédia. Com efeito, a agi
O mundo como vontade e representação. tação e o tormento do dia, a incessante ironia
do instante, o querer e o temer da semana, os
acidentes desagradáveis de cada momento,
em virtude do acaso sempre ocupado em feios
repentes, são verdadeiras cenas de comédia.
2 A vida de coda indivíduo Todavia, os desejos sempre insatisfeitos, a vã
aspiração, as esperanças apisoadas sem pie
é sempre uma tragédia dade pelo destino, os erros funestos de toda a
vida, com acréscimo da dor e com morte no fim,
constituem sempre uma tragédia. Assim, como
"fl vida de codo indivíduo é um breve se o destino tivesse desejado acrescentar a
sonho [...] do vontade permanente de viver". zombaria ao peso de nossa existência, nossa
Fl vida de cada homem individual "não é vida deve conter todos os moles da tragédia, ao
mais que uma novo imagem Fugitiva, que a passo que não conseguimos sequer conservar
vontade traça por brincadeira sobre a Folho a gravidade de personagens trágicos e, ao
infinito do espaço e do tempo, deixondo-a contrário, somos inevitavelmente, nos muitos
durar um átimo apenas perceptível diante da casos particulares da vida, tipos ridículos de
imensidão daqueles, e depois cancelando-a, comédia.
para dar lugar a outras". Todavia, ainda que os grandes e peque
nos tormentos preencham cada vida humana,
mantendo-a em perene inquietude e movimen
to, eles não podem cobrir o insuficiência da vida
é de fato incrível, assim como insignificante em relação à satisfação do espírito, nem o vazio
e sem sentido, vista de fora, e como opaca e e a falta de sabor da existência, nem afugentar
irrefletidamente, vista de dentro, transcorre o tédio, que sempre está pronto para encher
a vida de quase toda a humanidade. (: um cada pausa deixada pela angústia. Daí proveio
lânguido aspirar e sofrer, um cambalear sonha que o espírito humano, ainda não satisfeito
dor através das quatro idades da vida até a com as angústias, amarguras e ocupações im
morte, com o acompanhamento de uma fila de postas pelo mundo real, cria em acréscimo, na
pensamentos triviais. Os homens se parecem forma de mil variadas superstições, um mundo
Quarta parte - O s g r a n d e s c o n t e s fa d o r e s d o s iste m a h e g e lia n o
por uma demasiadamente fácil satisfação, tre aproxima com cada um de seus passos e até
mendo vazio e tédio o oprimem, ou seja, suo para eles aponta em linho reto o leme, paro o
natureza e seu próprio ser se lhe tornam peso total, inevitável e irreparável naufrágio: a morte.
intolerável. Sua vida oscila, portanto, como um Cste é o termo último da afadigada viagem, e
pêndulo, para cá e para lá, entre a dor e o para ele pior do que todos os escolhos, dos
tédio que, na realidade, são seus verdadeiros quais havia fugido.
elementos constitutivos. Tal condição deveu-se Todavia, aqui se nos apresenta de repente
exprimir particularmente também pelo fato de como muito notável, que de um lado as dores
que, quando o homem pôs no inferno todas as e tormentos da existência possam facilmente
dores e tormentos, pora o céu restou disponível acumular-se a tal ponto que a própria morte,
apenas o tédio. na fuga da qual consiste a vida inteira, torna-se
Todavia, o permanente aspirar, no qual se desejada, e espontaneamente se lhe corre ao
constiui a essência de todo fenômeno da von encontro; do outro, que tão logo a miséria e a
tade, tem nos graus superiores da objetivação dor concedem ao homem uma trégua, o tédio
seu primeiro e mais geral fundamento, pelo fato torna-se tão próximo que ele, por necessidade,
de que aí a vontade aparece a si própria como precisa de um passatempo. Aquilo que ocupa
um corpo vivo, com a obrigação férrea de nutri- e agrava todos os vivos é a fadiga pela exis
lo, e aquilo que dá império a esta obrigação é tência. Todavia, logo que a existência esteja
exatamente o fato desse corpo ser nada mais assegurada, não sabem o que fazer: por isso,
que a própria vontade objetivada de viver. O o segundo impulso, que os faz se moverem, é
homem, como a mais completa objetivação do o esforço de aliviar-se do peso do ser, de tor
vontade, é, por conseguinte, também o mais ná-lo insensível, de ''matar o tempo", ou seja,
necessitado de todos os seres: é em tudo e de fugir do tédio. Vemos, portanto, que quase
para tudo um querer, um necessitar tornado todos os homens ao abrigo de necessidades e
concreto, é a concretização de mil necessidades. cuidados, quando, por fim, removem de si todos
Com estas ele está sobre a terra, abandonado os outros pesos, acham-se pesados para si
a si mesmo, incerto de tudo, exceto da própria mesmos, apesar de terem ganho cada hora que
penúria e das próprias necessidades: a ânsia passa, ou seja, exatamente toda subtração feita
pela conservação da existência, entre tantas daquela vida, para cuja conservação o mais
exigências tão graves e que a cada dia se re possível longa tinham até então empregado
novam, enche em geral a vida humana inteira. todas as forças. C o tédio de modo nenhum é
Aí se junta imediatamente o segundo imperioso um mal que conta pouco: ele acaba imprimindo
anseio, o de continuar a espécie. Ao mesmo um verdadeiro desespero sobre o rosto. Cie faz
tempo ameaçam o homem de todo lado os com que seres, que tão pouco se amam mutua
mais variados perigos, para escapar dos quais mente, como os homens, apesar de tudo se
é preciso vigilância permanente. Com passo aproximem avidamente, e torna-se desse modo
precavido, e ansiosamente espiando ao redor, o princípio da sociabilidade. Também contra
elevai pelo seu caminho, porque mil acidentes ele, assim como contra outras calamidades
e mil inimigos o insidiam. Assim caminhava nas universais, são tomadas precauções públicas, e
florestas, e assim caminha na vida civilizada: até por razão de Cstado; porque este mal, não
para ele não existe segurança de saída: menos que seu extremo oposto, a fome, pode
impelir os homens oos maiores desenfreios:
Qualibus in tenebris vitae, quantisque periclis panem et circenses,3 deseja o povo. O severo
Degitur hoc aevi, quodcunque estl sistema penitenciário de Filadélfia toma como
Lucrécio, II, 15-1 ó2 instrumento de punição o simples tédio, por
meio da solidão e da inação: e é tão terrível
A vida da maioria não é mais que uma que já levou os presos ao suicídio. Assim como
batalha diária pela existência, com a certeza da a necessidade é o flagelo perpétuo do povo,
derrota final. Mas aquilo que os faz continuar também é flagelo o tédio para as classes ele
nessa tão árdua batalha não é tanto o amor vadas. Na vida burguesa isso é representado
pela vida, mas o medo da morte, o qual, ape pelo domingo, assim como a necessidade pelos
sar de tudo, encontra-se inevitável no fundo, seis dias de trabalho.
e pode a cada minuto sobrevir. A própria vida
é um mar cheio de escolhos e vórtices, dos
quais o homem procura escapar com a máxima
prudência e cuidado: embora sabendo, que esto2“€m que trevas, entre quantos perigos transcorre
vida, sejo elo qual for" (lucrécio, De rerum natura,
quando também conseguir, com todo esforço e II, 15-16).
arte, deles fugir, por causa disso justamente se 3"Pão e circo". Juvenal, X, 81.
Quarta parte - O s g r a n d e s c o n ie s t a d o r e s d o s iste m a k e g e lia n o
Cntre o querer e o alcançar transcorre, por puramente intelectuais são inacessíveis à maior
tanto, toda a vida humana. O desejo é, por suo parte dos homens; eles, de fato, são quase
natureza, dor: o alcance gera logo sociedade: a incapazes do prazer, que consiste no puro co
meta era apenas aparente: a posse disperso o nhecimento. Portanto, se nenhuma coisa quiser
atração: de novo formo se reapresenta o dese chamar suo atenção e ser interessante paro
jo, a dor; de outro modo, continua a monotonia, eles, deve (e isso é inerente ao próprio valor
o vazio, o tédio, contra os quais temos a batalha da palavra) estimular de algum modo o vontade
igualmente atormentada como a feita contra a deles, mesmo que apenas paro uma remota e
necessidade. Quando o desejo e a satisfação também meramente possível relação com ela; a
se sucedem sem intervalos demasiado breves vontade jamais pode, de fato, permanecer fora
e demasiado longos, o sofrimento é reduzido, do jogo, porque o ser deles está muito mais no
pois ambos produzem, em termos mínimos, e querer do que no conhecer: ação e reação é o
se tem então a vida mais feliz. Contudo, aquilo único elemento deles, fls manifestações ingê
que fora disso se poderia chamorde parte mais nuas desta natureza deles podem ser colhidas
bela, de mais pura alegria da vida, justamente também em coisas pequenas e em fatos ordi
porque nos eleva sobre a existência real e nos nários como, por exemplo, escrever seu nome
transmuta em serenos expectadores dela: ou nos lugares notáveis que vão visitar, para assim
seja, o puro conhecimento, oo qual todo querer reagir, para agir sobre o lugar, uma vez que o
é estranho, o gozo do belo, o genuíno prazer lugar não agiu sobre eles; além disso, não so
da arte, requerendo atitudes já raras, é dado bem facilmente se contentar de contemplar um
apenas a pouquíssimos, e também a pouquís animal exótico e raro, mas devem açulá-lo, pro
simos apenas como um sonho efêmero. € a vocá-lo, brincar com ele, para sentir nada mais
mais elevada força intelectual torna justamente que ação e reação. Fl necessidade de excitação
estes capazes de bem maiores sofrimentos, do vontade mostra-se sobretudo no invenção e
maiores do que podem sentir os mais obtusos na prática do jogo cortas, que exprime otima
e, além disso, deixa-os solitários entre seres mente o aspecto lamentável da humanidade.
muito diferentes deles, de modo que até aquela fl. Schopenhciuar,
vantagem tem compensação. Mas as olegrias O mundo como vontade e representação.
(S a p í t u l o d é c i m o p r i m e i r o
S oren Kierkegaard:
//
a filosofia existencial do ^indivíduo
e a V a u s a do cristianismo 77
Kierkegaard, é a doença mortal: "um eterno morrer sem todavia morrer", "uma
autodestruição impotente". O desespero é viver a morte do eu. O desesperado
está mortalmente doente. E a causa primeira do desespero é vista por Kierkegaard
no não querer aceitar-se das mãos de Deus; mas, negar a Deus é
aniquilar a si mesmo, e separar-se de Deus eqüivale a arrancar-se o desesperado
das próprias raízes e afastar-se do "único poço no qual se pode é doente
tirar água". - terminal
E a este ponto é evidente que, se a origem do desespero está -> § v.3
em não querer aceitar-se das mãos de Deus, a existência autêntica
é a disponível ao amor de Deus, a daquele que não crê mais em si mesmo, mas
apenas em Deus, que testemunha "a verdade que é da parte de Deus, e que, le
vado ao mais alto grau de tédio da vida", está pronto a sustentar de modo cristão
a prova da vida, maduro para a eternidade.
realizar no ideal ético e impediu-o de casar ser o bastante. Naquele tempo sofri penas
com Regina Olsen ou também de se tornar indescritíveis [...]. O rompimento definitivo
pastor luterano. ocorreu cerca de dois meses depois. Ela se
desesperou
M ais tarde, Regina casou-se com certo
Schlegel e teve um matrimônio tranqüilo.
2 Por cjue Kierkegaard M as Kierkegaard não a esqueceu; no fundo,
não d esp o so u Tvegina Olsen continuou esperando que a oposição do
mundo, de que ele era vítima, talvez lhe con
ferisse “ novo valor” aos olhos de Regina.
Regina Olsen, filha de alto funcionário, Além disso, confessa ele, “ a lei de toda
tinha dezoito anos quando, em 1840, com a minha vida é que ela retorna em todos
vinte e sete anos, Kierkegaard pediu-a em os pontos decisivos. Como aquele general
casamento. N o entanto, ele não conseguiu que com andou pessoalm ente os que o
concluir o noivado. “Pedi uma conversa com fuzilavam, eu também sempre comandei
ela, que ocorreu na tarde de 10 de setembro. quando devia ser ferido [...]. O pensamento
N ão disse uma palavra sequer para seduzi- (e isso era amor) era: eu serei teu, ou te será
la: consentiu [...]. M as, no dia seguinte, permitido ferir-me tão profundamente, no
no meu íntimo, vi que me havia enganado. mais íntimo da minha melancolia e na mi
Um penitente como eu, com minha vida nha relação com Deus de modo que, ainda
ante acta e minha m elancolia... já devia que de ti separado, continuarei sendo teu” .
Sóren Kierkegaard
(1813-1855)
foi o “poeta cristão "
que declarou “ridículo "
o sistema hegeliano,
e para o qual a existência
do indivíduo torna-se
autêntica apenas
diante da “transcendência ” de Deus.
Capítulo décimo primeiro - S ô r e n K ie r k e g a a r d
O te m a d a fe
aceitarmos a fé, como Abraão, então a au período de sua vida ainda mais amargurado
têntica vida religiosa aparece em todo o seu em virtude de uma série de ataques quase
paradoxo, já que a fé em Deus, que ordena cotidianos de um jornal humorístico, “ O
matar o próprio filho, e o princípio moral, corsário” .
que impõe amar o próprio filho, entram em
conflito e levam o crente a ser posto diante
de uma escolha trágica. A fé é paradoxo e 4 O c a r á t e r re lig io so
angústia diante de Deus como possibilidade
d a ob ra d e K ie rk e g a a rd
infinita.
1 A categoria
do^indivíduo”
■ O in d ivíd u o . Mediante a catego
ria do indivíduo, Kierkegaard ataca
É com franqueza co rajosa que, em o sistem a h egeliano ; descartando
nome daquela indedutível realidade que é ■ o hegelianism o e o panteísmo, ele
o indivíduo, Kierkegaard ataca a filosofia > consegue pôr a salvo a causa do cris
especulativa, especialmente o sistema he- tianismo; e dentro do cristianismo o
geliano. Diz ele: “ A existência corresponde ; filósofo readquire um valor absoluto.
à realidade singular, ao indivíduo (o que - "O 'in d iv íd u o ' é a cate go ria pela
Aristóteles já ensinou): ela permanece de ' qual devem passar - do ponto de
- vista religioso - o tempo, a história, a
fora, e de qualquer forma não coincide com
humanidade [...]. Com esta categoria
o conceito [...]. Um homem singular certa o 'indivíduo' quando aqui tudo era
mente não tem existência conceitual” . sistema sobre sistema, eu tomei como
M as a filosofia, reafirma Kierkegaard, mira o sistema, e agora não se fala
pareceu interessada somente nos conceitos; mais de sistema [...]. O 'indivíduo':
ela não se preocupa com o existente concreto : com esta categoria subsiste ou cai a
que podemos ser eu e tu, em nossa irrepetível causa do cristianismo".
e insubstituível singularidade; ao contrário, ; A existência - diz Kierkegaard - cor
; responde à realid ad e singular, ao
a filosofia se preocupa com o homem em ge
! indivíduo: "um homem singular não
ral, com o conceito de homem. A minha ou - tem certamente uma existência con-
a tua existência, porém, não é em absoluto ceitual". A filosofia se interessa pelos
um conceito. 1 conceitos, ela não se preocupa com o
Substancialmente, o indivíduo é o pon > existente concreto que somos eu, ele,
to que Kierkegaard enfatiza para invalidar * tu, em nossa irrepetível singularidade;
as pretensões do sistema. Confessa ele: “ Se 1 a filosofia ocupa-se do conceito de
eu devesse encomendar um epitáfio para : homem, do homem em geral, mas a
meu túmulo, não pediria mais do que ‘aquele \ minha ou a tua existência não é um
: conceito. E se no m undo anim al a
indivíduo’, ainda que, agora, essa categoria s espécie é superior ao indivíduo, no
não seja compreendida. M as o será mais ■ m undo hum ano - justam ente por
tarde. Com essa categoria, ‘o indivíduo’, t- causa do cristianismo - o indivíduo é
quando aqui tudo era sistema em cima de ' superior à espécie.
sistema, eu tomei polemicamente o sistema ; "A lei da existência (que por sua vez
como alvo e, agora, não se fala mais de j é graça) que Cristo instituiu para ser
sistema” . ' homem é: relaciona-te com o indi-
Kierkegaard ligava sua própria impor í- víduo com Deus". A esta categoria
; Kierkegaard ligava sua importância
tância histórica à categoria de “ indivíduo” , í de pensam ento: "o ind ivíd u o é e
vinculando-a também ao desmascaramento : permanece a âncora que deve frear a
da mentira contida nos sistemas filosóficos confusão panteísta; é e permanece o
que, precisamente, se interessam pelos con peso com o qual podemos reprimi-la".
ceitos e não pela existência. “ Isso ocorre i E ainda: "Se eu - confessa Kierkegaard
com a maioria dos filósofos em relação a j - tivesse de pedir um epitáfio para
seus sistemas, como se alguém construísse m inha se p u ltu ra, p ed iria apenas:
um enorme castelo e depois, por sua própria ; 'aquele indivíduo'. Mesmo que agora
j- esta categoria não seja compreendida,
conta, fosse morar em um celeiro. Eles não
l ela o será a seguir".
vivem pessoalmente em seus enormes edifí
cios sistemáticos. Essa é e permanece [...]
uma acusação decisiva” .
Quarta pavte - O s g r a n d e -s c o n t e s t a d o r e s d o s i s t e m a h e g e l i a n o
= IV. (Sristo:
irrupção do eterno no tempo
homem se tornou cristão, mas essa filosofia E essa reduplicação implica em tes
seria cristã” . temunho total, porque, no que se refere
Em outros termos, o crente não pode a Deus, é impossível assumi-lo “ até certo
filosofar como se a Revelação não houvesse ponto” , pelo fato de que Deus é a negação
ocorrido. Com Cristo, tivemos a irrupção de tudo o que é “ até certo ponto” . O que
do eterno no tempo. E, para o “ conheci Kierkegaard contesta é a “ consideração
mento cristão” , esse é um fato absoluto, especulativa do cristianism o” , ou seja, a
que, enquanto tal, não precisa ser demons tentativa de justificá-lo com a filosofia. Não
trado, pela simples razão de que os fatos se trata de justificar, mas de crer. E, para
não existem para serem demonstrados, e crer, não é necessário ser contemporâneo de
sim para serem aceitos ou rejeitados, bem Jesus. A verdade é que ver um homem não
como pelo outro motivo de que, quanto é suficiente para fazer-me crer que aquele
ao absoluto, “ não podemos dar razões: no homem é Deus. E a fé que me faz ver em
máximo, podemos dar razões de que não um fato histórico algo de eterno: e, no que
existem razões” . se refere ao eterno, “ qualquer época está
Para Kierkegaard, a verdade cristã não igualmente próxim a” . A fé é sempre salto,
é verdade para ser demonstrada; ela é muito tanto para quem é contemporâneo de Cristo
mais verdade para ser testemunhada, “ re como para quem não é.
produzindo” a Revelação na própria vida, Por isso, é compreensível a expressão
“ sem reservar, para o caso de necessidade, de Kierkegaard, segundo a qual “ a verdade
um esconderijo para si mesmo e um beijo é subjetividade” : ninguém pode se pôr em
de Judas para as conseqüências” . meu lugar diante de Deus. Deus teve tal mi
Quarta parte - O s g r a n d e s c o n + e s + a d o r e s d o s is + e m a k e g e l i a n o
I V. Possibilidade, -
angus+ia e desespero
rado, exceto quando, “ orientando-se em sua é aquela que está disponível para o amor
própria direção, querendo ser ele mesmo, o de Deus, a existência daquele que não crê
seu eu emerge, através de sua própria trans mais em si mesmo, mas somente em Deus.
parência, na potência que o colocou” . E essa fé em Deus, esse testemunho da
O desespero brota do não querer se “verdade que está do lado de Deus” , leva o
aceitar como estando nas mãos de Deus. cristão a “ entrar em sério e direto conflito
M as, negando Deus, o homem aniquila-se a com este mundo” e, ao mesmo tempo, o faz
si mesmo, pois separar-se de Deus eqüivale a compreender que, do ponto de vista cristão,
arrancar suas próprias raízes e afastar-se do o “ objetivo desta vida é ser levado ao mais
“ único poço do qual pode se obter água” . alto grau de tédio da vida” . E quando se
Todavia, se a raiz do desespero está chegou a esse ponto, então passam os de
em não querer se aceitar nas mãos de Deus, modo cristão pela prova da vida e estamos
então está claro que a autêntica existência maduros para a eternidade. I ? g g l 3 14 1
Retrato
de Sòren Kierkegaard
realizado a carvão
por II. P. Hansen.
Quarta parte - O s g r a n d e s c o n + e s + a d o r e s d o s is + e m a h e g e l i a n o
A FILOSOFIA EXISTENCIAL
______ T .
a ESSÊNCIA ---- Enquanto a essência é própria do animal,
é o reino ao indivíduo é peculiar a existência, _ - - a EXISTÊNCIA
d o NECESSÁRIO, cujo modo de ser é é o reino
de qu e a ciên cia d a LIBERDADE,
a POSSIBILIDADE.
p ro c u ra a s leis de que se o cu p a
Na possibilidade tudo é possível, a filosofia
ela é a ameaça do nada,
e disso brota
a CIÊNCIA a FILOSOFIA
como forma SISTEMÁTICA
de vida a condição fundamental da existência humana: ] se interessa
é existência p elo s con ceitos,
a ANGÚSTIA: |
inautêntica: n ão
o puro sentimento do possível (isto é, do futuro), l p ela existên cia
não compreende
a si própria o sentido daquilo que pode acontecer i
: que pode ser muito mais terrível do que a realidade. I
Pela angústia, o homem pode chegar a verdad eira
FILOSOFIA
; < ~ é filosofia
por meio de saltos cristã
(escolhas livres como aut-aut)
aos estágios
/ ____ > ?
/ ✓•
/ i estetico ético religioso
.......... * __ --------
ao desespero: a vida da f é
DOENÇA MORTAL,
é a forma autêntica da existência finita:
“ um eterno morrer sem porém morrer” ,
é encontro do indivíduo
que consiste no
com a individualidade de Deus:
não querer aceitar-se das mãos de Deus
. ___ — ^ _____________ * _______________ ......
C r is t o ,
irrupção do eterno no tempo,
fato absoluto que não deve ser demonstrado mas testemunhado,
reduplicando a revelação na fé
^ ...... “ ..................................... * --------------- :
O princípio do cristianism o é
a GRAÇA:
o homem não pode absolutamente nada
e é Deus quem dá tudo,
inclusive a fé
Quarta parte - O s g r a n d e s c o n + e s + a d o r e s d o s is + e m a h e g e l i a n o
dialéticos quanto maior é a confusão. Para todo quando esta pesa gravemente sobre ele, se
homem que eu possa atrair sob esta categoria lembrará de que ela é muito mais leve do que
do "indivíduo", empenho-me de fazê-lo tornar-se o teria sido a possibilidade, C apenas deste
cristão; oú melhor, assim como alguém não pode modo que a possibilidade pode formar; por
fazer isso pelo outro, lhe garanto que o será. que a finitude e as condições finitas em que é
5. Kierkegaard, designado ao indivíduo seu lugar, sejam elas
Diário. pequenas e comuns ou de grandeza histórica,
formam apenas em um modo finito; sempre
se pode enganá-las, sempre delas tirar outra
coisa, sempre comercializar, sempre desfrutar
de algum modo, sempre se manter um pouco
3 A existência fora delas, sempre evitar delas aprender algum
princípio de valor absoluto.
como possibilidade S. Kierkegaard,
O conceito da angústia.
fí possibilidade é o modo de ser do
existência. Fl existênào, portanto, é incerteza
e risco. 6 "quem foi realmente educodo me
diante a possibilidade, compreendeu tanto
o lado terrível como o agradável". A escola da angústia
"fl angústia é o possibilidade da liberda
fl possibilidade é a mais pesada de todas de; apenas esta angústio tem, mediante a
as categorias. Verdadeiramente ouve-se dizer fé, a capacidade de formar absolutamente,
freqüentemente o contrário, que a possibilida enquanto destrói todas as finitudes, desco
de é tão leve e a realidade, ao contrário, tão brindo todas as suas ilusões".
pesada. Mas de quem ouvimos tais discursos?
De alguns homens miseráveis, que jamais
souberam o que seja a possibilidade, e tendo
demonstrado a realidade que estes não são Cm uma fábula de Grimm conta-se de
bons para nada e que não serão jamais bons um jovem que andou em busca de aventuras
para nada, refizeram para si, a custo de men para aprender a sentir a angústia. Deixemos
tiras, uma possibilidade que foi tão bela, tão de lado aquele aventureiro sem perguntar de
fascinante; na base desta possibilidade está que modo ele pelo caminho pudesse embater-
muito mais um pouco de presunção juvenil da se no terrível. Cu queria dizer, porém, que isto
qual seria melhor envergonhar-se. Cm geral a - ou seja, aprender a sentir a angústia - é uma
possibilidade da qual se diz que é tão leve, aventura por meio da qual cada homem deve
entende-se como possibilidade de felicidade, passar, para que não caia em perdição, ou por
de fortuna etc. Mas esta não é de fato a pos nunca ter estado em angústia ou por ter-se
sibilidade; esta é uma invenção falaz que os imerso nela; quem, ao contrário, aprendeu a
homens, em sua corrupção, enfeitam para ter sentir a angústia do modo justo, aprendeu a
ao menos um pretexto poro se lamentar da coiso mais elevada.
vida e da Providência, e para ter uma ocasião Se o homem fosse um animal ou um anjo,
de se tornarem importantes a seus próprios não poderia angustiar-se. Uma vez que ele é
olhos. Não, na possibilidade tudo é igualmente uma síntese, pode angustiar-se, e quanto mais
possível, e quem foi realmente educado me profunda for a angústia, maior será o homem;
diante a possibilidade compreendeu tanto o não a angústia, como os homens em geral a
lado terrível como o agradável. Se alguém sai entendem, isto é, a angústia que se refere ao
da Cscola da possibilidade, sabendo, melhor exterior, aquilo que está fora do homem, mas a
que uma criança sabe seu ABC, que ele da angústia que ele próprio produz. Apenas neste
vida não pode pretender absolutamente nada sentido é preciso compreender o relato do Cvan-
e que o lado terrível, a perdição, a aniquilação, gelho quando se diz que Cristo se angustiou até
habitam com cada homem porta a porta, e se a morte (Mateus 26,38), como também quando
tirou proveito da experiência que a angústia, ele diz a Judas: "flquilo que tens a fazer, faze-o
da qual ele se angustiava, o assaltou no mo logo” (João 13,27). Nem a terrível expressão
mento seguinte, então dará à realidade outra de Cristo que pôs em angústia o próprio Lutero
explicação; exaltará a realidade e, mesmo quando pregava sobre elo: "Deus meu, Deus
- 241
Capítulo décimo primeiro - Sôren Kierkegaard _
* - -----------------------------------------
meu, por qu® me abandonaste?" (Mateus
27,46), sequer estas palavras exprimem tão for artista fenomenal que nem todos estão em
temente o sofrimento; com efeito, com o última grau de compreender". Mas eis a indignada
indica-se um estado em que Cristo se encontra; tomada de posição de Hierkegaard: "Rito
a primeiro, oo contrário, indico a relação com lá! Não, o exigência religiosa e humana é
um estado que não existe. que ninguém, absolutamente ninguém, pode
fl angústia é a possibilidade do liberdade; compreender Deus; o mais sábio deve de-
apenas esta angústia tem, mediante a fé, o tçr-se humildemente na 'mesma coisa' que
capacidade de formar absolutamente, enquanto o ingênuo".
destrói todos os finitudes, descobrindo todas
as suas ilusões. € nenhum grande inquisidor
tem preparadas torturas tõo terríveis como fl maior parte das publicações que hoje
a angústia; nenhum espião sobe atacar com pululam sob o nome de ciência (especialmente
tonta astúcia o pessoa suspeita, exatamente as ciências naturais) não é de modo nenhum
no momento em que ela está mais fraca, nem ciência, mas curiosidade. "Todo o ruína virá
sabe preparar tão bem os loços poro enredá- no fim das ciências naturais". Muitos admira
la como a angústia; nenhum juiz, por mais sutil dores ("un sot trouve toujours un plus sot qui
que sejo, sobe examinar tão a fundo o acusado 1'admire") crêem que quando o pesquisa é
como a angústia que jamais o deixa escapar, documentada pelo microscópio tenha-se sem
nem no divertimento, nem no ruído, nem sob o nenhuma dúvida a seriedade científica. Oh, a
trabalho, nem de dia, nem de noite. tola superstição do microscópio, ou melhor, a
Aquele que é formado pelo angústia é for observação microscópica torno a curiosidade
mado mediante possibilidade; e apenas quem é ainda mais cômica! Que um homem ®m perfeito
formado pelo possibilidade é formado segundo boa-fé e ao mesmo tempo com profundidade
sua infinidade. [...] Poro aprender assim, o diga: "Cu não posso ver apenas com meus olhos
indivíduo dev® ter de novo o possibilidade em como se cria a consciência", é óbvio. Mas que
si e formar por si aquilo a partir do qual deve um homem se ponha no microscópio, pasmo
aprender; mesmo se este, no momento, não de ver e descobrir, sem ver nada: isto é cômico
reconheça de fato ter sido formado por ele, mas e é particularmente ridículo, embora isso deva
tolherá absolutamente todo seu poder. ser a seriedade. Considerar a descoberta do
Todavia, para que um indivíduo seja for microscópio como um pequeno passatempo,
mado tão absoluta e infinitamente por meio da umo pequena perda de tempo, tudo bem; mas
possibilidade, ele deve ser sincero diante da considerá-lo como coiso séria é idiotice. Tam
possibilidade e deve ter a fé. Por fé entendo bém a arte da estampa é quase um achado
aqui aquilo que Hegel uma vez, de seu modo, satírico: com efeito, m®u Deus, isso não mostrou
determina muito justamente: a certeza interior suficientemente como são poucos os que têm
que antecipo o infinito. Se as descobertas da verdadeiramente alguma coiso pora comunicar?
possibilidade são trotadas com sinceridade, a Assim, esta enorme descoberta favoreceu o
possibilidade descobrirá todas as coisas finitas, difusão de todas as tagarelices que de outro
idealizando-as, porém, na forma da infinidade, e forma teriam morrido ao nascer.
abaterá na angústia o indivíduo até que ele, de Se Deus se pusesse a vaguear com um
sua parte, não as venço no antecipação da fé. bastão na mão, verias como o buscariam, prin
S. cipalmente tais observadores tão empertigados
Kierkegaard,
O conceito da angústia. com seus microscópios! Com s®u bastão Deus
expulsaria todo hipocrisia deles e dos natura
listas. A hipocrisia consiste de foto em dizer que
os ciências levam a Deus. Sim, em um modo
"superior", mas éjustamente esta a impertinên
5 fi único certeza cia. Podemos facilmente nos persuadir de que
é a ético-religiosa um naturalista é um hipócrita. Pois, se alguém
lhe quisesse dizer que todo homem, depois
de tudo, tem bastante de sua consciência ®
Ciência e fé: há - segundo Hierkegaard do pequeno catecismo de Lutero, o naturalista
- hipocrisia nos naturalistas, que sustentam torceria o nariz. Ge quer - como homem superior!
que "as ciências levam a Deus". €sta é sim - fazer de Deus uma beleza altiva, um artista
plesmente uma impertinência: o naturalista fenomenal qu® n®m todos estão em grau de
quer fazer de Deus "uma beleza altiva, um compreender. Alto lá! Não, a exigência religio
► so e humana é que ninguém, absolutamente
Quarta parte - CDs g r a n d e s c o n t e s t a d o r e s d o s is + e m a k e g e l i a n o
ninguém, pode compreender Deus; o mais bre rosas, eu lhe responderia: “Não, mas existe
sábio deve deter-se humildemente na "mesmo a feliz e indescritível certeza de que tudo é bom
coiso" que o ingênuo. Aqui está o profundidade e que Deus é amor". Ou sou eu o culpado de
do ignorância socrática: "renunciar com toda a que os coisas vão mal; mas também então D®us
força da paixão" a todo saber curioso, para ser é, todavia, amor. Ou a coisa pod® sair b®m: ® se
simplesmente ignorantes em relação a Deus; verá que o mal teve sua importância, mas ainda
renunciar a esta aparência (que seria em todo Deus é amor. Digamos ainda, para zombar de
caso sempre uma diferença de homem para ,um sentimentalismo histérico; talvez tudo não
homem) de poder apetrechar observações com dependa de não ter ido aos pés? Sabemos
o microscópio. Goethe, ao contrário, que não também caçoar dessa seriedade microscópica
era um espírito religioso, apegou-se vilmente que não vale um centavo!
a este saber que teria a partir da criação de £, por fim, quando se consideram as coisas
diferenças. [...] no meio da realidade e do devir, o que sabe
Deste modo, a fisiologia se difunde em no fundo o fisiólogo, o que sabe o médico? C
descrições do reino vegetal e animal, mostra muito fácil para a reflexão (portanto, no meio da
analogias sobre analogias, as quais, todavia, fantasia, onde tudo está em repouso) explicar
não seriam mais que analogias, enquanto o que alma e corpo nõo são princípios contrários,
vida do homem desde o início, desde o primei mas uma única idéia em desenvolvimento, e que
ro germe, é qualitativamente diversa do reino por isso a relação entre eles é um Ineinander.
vegetal e animal. Mas para que servem, então, Mas, na situação da realidade, por onde se
todas as analogias e especialmente todo o deve começar? Deve o paciente tomar antes
enorme aparato de analogias da observação as gotas, ou deve antes crer? Oh, tu, sátira
microscópico? magistral, tantas vezes repetida, de um médico
Ó tremenda sofistica que se difunde quando parece que no fim não sabe de que coi
microscopicamente e telescopicamente em so se trata! Mas o ético diz: "Crê, tu deves crer!".
volumes in-fólio! 6, todavia, por último, do Apenas o homem ético pode falar com entusias
ponto de vista qualitativo, não oferece nada, mo; o médico não crê nem nos remédios nem
absolutamente nada, mas priva com a fraude o na fé. Cntusiasta, o homem ético diz; "Cm certo
homem ingênuo da simples, profunda e apai sentido toda a medicina é uma brincadeira, é o
xonada admiração e maravilho que dá impulso passatempo de salvar por alguns anos a vida
à ética. de um homem. Não é que eu esteja brincando,
"A única certeza é a ético-religiosa". 61a o seriedade é ter uma morte feliz!"
diz; "Crê, tu deves crer". £ s® alguém quisesse 5. Kierkegaard,
me perguntar s® o crer me faz sempre dançar so Diário.
A FILOSOFIA NA FRANÇA
E NA ITÁLIA
NA ERA
DA RESTAURAÇÃO
I. Os ideólogos
• Entre o século XVIII e o século XIX a França passa da revolução para o impé
rio e do império para a restauração. Em relação aos problemas emergentes deste
mais aue agitado período histórico, a filosofia toma duas direções:
a) os ideólogos - liberais em política e contrários, portanto,
a Napoleão - cuja reflexão filosófica tenta avançar no caminho Entre inovação
do Iluminismo; e tradição
b) os tradicionalistas que sustentarão, ao contrário, a volta à -^§1
tradição e se colocarão em defesa do status quo tanto na política
como no âmbito religioso.
• Antoine-Louis-Claude Destutt de Tracy (1754-1836) cunhou
o termo "ideologia" para indicar a "análise das sensações". Amigo Destutt
de Jefferson, contrário à política autoritária de Napoleão, autor de Tracy:
dos Elementos de ideologia (aparecidos em várias partes em contrário um liberal
1801,1803,1805,1815), Destutt de Tracy é um liberal em política, a Napoleão
sustentador do divórcio consensual e fautor de uma educação -*§2-3
centrada sobre o estudo das ciências naturais, também porque
estas ensinam a aprender dos próprios erros.
• Outro prestigioso "ideólogo" é o médico Pierre-Jean Georges Cabanis (1757
1808), cuja obra principal é constituída pelas Relações entre o físico e o moral do
homem (1802). Contrário à psicologia como estudo da alma, ele
reduz a vida consciente ao funcionamento do sistema cerebral:
o cérebro é o "órgão do pensamento e da vontade". Escreve oCabanis: cérebro,
Cabanis: "O cérebro digere de alguma forma as impressões e "órgão
produz organicamente a sanção do pensamento". Em 1806, na do pensamento
Carta ao Senhor Fauriel sobre as causas primeiras, Cabanis admite e da vontade"
a alma imortal, a necessidade de um ente supremo e o finalismo ^ § 4
do universo.
II. O
espinfualismo
de Mame de 3imn
Esse é precisamente o primeiro dado força que move o corpo e que se chama
indubitável que nos é revelado pela reflexão vontade. O eu é essa força agente.
interior: sem aquele sentimento de existência Como Destutt de Tracy, também para
individual que chamamos de consciência Maine de Biran o fato primitivo revelado
não há conhecimento, afirma Biran. E não pelo “ sentido íntimo” é a vontade ou es
há conhecimento se não admitimos “ um forço: se o indivíduo não se movesse, não
sujeito permanente que conhece” . M as o haveria conhecimento, “ se não houvesse
que é essa consciência que ilumina a vida -nada a resistir-lhe, (o indivíduo) não conhe
mental, que ordena e coordena as sensações? ceria nada” . Conseqüentemente, à forma
Ela é “ o sentimento idêntico que temos cartesiana Cogito, ergo sum Biran opõe a
continuamente e sempre de nossa existência seguinte fórmula: “ Eu ajo, eu quero [...],
particular ou de nosso eu” . Em suma, é o eu logo, eu sou minha causa e, portanto, eu
“ que tem o sentido íntimo de sua existência sou, existo realmente em virtude de causa
individual, una, idêntica, e que permanece ou força” . M as, para combater a ameaça
sempre a mesma, ao passo que todas as contínua do hábito, o esforço (o effort)
modificações que ocorrem variam sem cessar criativo da inteligência deve voltar conti
e todos os fenômenos externos e internos, nuamente ao assalto.
sensações, representações e imagens passam Deus está presente na alma assim como
e se sucedem em fluxo contínuo” . esta se encontra no corpo, pelo fato de que
“ a consciência pode ser considerada como
uma espécie [...] de revelação divina” . A
palavra de Deus se expressa “ na própria voz
y \ c o n sc iê n c ia
da consciência” .
com o j- o r ç a agen te A filosofia de Maine de Biran represen
e v o n tad e ta um ponto central daquele espiritualismo
francês que antes dele, por exemplo, se ex
pressava nas obras de Montaigne, Descartes
E a consciência não se revela como a res ou Pascal, e que, depois de Biran, conheceria
cogitans da tradição cartesiana; ela se revela as finezas e os resultados das análises de
imediatamente como causa ou força. E essa Bergson.
Capítulo décimo segundo - " J d e ó Io g o s " , "e s p i ritu a l is + a s we “t r a d ic io n a l i s t a s ” n a I ~ r a n ç a
Victor Cousin
(1792-1867)
foi uma figura
proeminente
do espiritualismo eclético
na filosofia francesa
da era da Restauração.
Cãpítulo décimo segundo - M T d e ó lo g o s ^ / ^ s p ir it u a l is t a s ^ e ^ + r a d ic io n a li s t a s ^ n a F r a n ç a
IV. Os tradicionalistas
• A época da Restauração encontra seus intérpretes em tradicionalistas como
Louis de Bonald (1754-1840) e Joseph de Maistre (1753-1821). O primeiro é autor
da Teoria do poder político e religioso na sociedade civil (1796) e de uma Legisla
ção primitiva (1802); o segundo publica em 1819 O papa, enquanto Os saraus de
Petersburg aparece póstuma, em 1821.
L. de Bonald
• Existe para Louis de Bonald (1754-1840) uma razão universal e J. de Maistre:
que deve se opor à razão individual defendida pelos iluminístas: o papa
ela se manifesta na linguagem, que é um dom feito na origem e o soberano
por Deus ao homem, e que transmitido de geração em geração são
conserva a verdade inata que Deus pôs na mente de todos os instrumentos
homens. E de Deus deriva, segundo de Bonald, a soberania do da Prowdênc/a
Estado e a legitimidade de quem o representa. ^
• A polêmica "antigalicana" e a reação "ultramontanista" atingem seu ápice
na obra de Joseph de Maistre (1753-1821). Apaixonadamente contrário ao indivi
dualismo iluminista, de Maistre divisa na Revolução Francesa a obra do demônio,
e considera o mundo moderno - isto é, a revolução, o terror, Napoleão etc. - como
clara conseqüência da rejeição da teocracia medieval e da monarquia, que encon
tra seu fundamento no direito divino. Para de Maistre o papa e o soberano são
instrumentos da Providência.
portanto, uma revelação natural de Deus a cana” . Com ele a reação “ ultramontanista”
todos os homens. atinge o ponto mais alto.
E é de Deus que deriva a soberania do Ele contraria o individualismo e o es
Estado e a legitimidade de quem o represen pírito abstrato do Iluminismo, vê na Revo
ta. E se o homem dos iluministas tinha di lução a obra atroz do demônio, e considera
reitos individuais a promover e a fazer valer, todas as “ diabólicas estranhezas” do mundo
para de Bonald o homem tem antes deveres moderno (a revolução, o terror, Napoleão
a executar, tanto em relação à autoridade etc.) como conseqüência inequívoca da re
política quanto em relação à religiosa. O jeição da teocracia medieval e da monarquia
homem — segundo de Bonald — existe ape que se fundamenta sobre o direito divino.
nas para a sociedade e a sociedade o forma N ão a razão individualista do Ilumi-
tão-somente para si mesma. " .' pT| nismo, mas as verdades eternas da religião,
que Deus desde a origem revelou ao homem,
deveriam ser o fundamento da vida e da
j J o s e p k d e .A A ^ is+ re história. Todavia, com o pecado original, o
homem assinou sua condenação à ignorân
cia. Daí a necessidade para ele de aceitar e
Autor de uma obra intitulada O papa submeter-se às instituições como a Igreja e
(1819) e de Os saraus de Petersburg (traba o Estado, ou melhor, às autoridades que,
lho que apareceu postumamente em 1821), como o papa e o soberano, representam as
o saboiano Joseph de Maistre é o represen verdades e são instrumentos da Providência.
tante mais decisivo na polêmica “ antigali-
Joseph de Maistre
em uma gravura tirada
de um retrato a lápis,
de Vogel van Vogelstein.
Cdpítulo decimo segundo - ^ITdeólogos^/^spin+ualistas^e^+radicionalis+as^na Trança
dos de seu berço; o frança, a Alemanha, a In demasiadamente pouco admirada. Contudo,
glaterra, os Países baixos, a Suíça, a Boêmia, a sem o papa não há verdadeiro cristianismo; sem
Polônia, onde se introduzira, tornaram-se presa o papa a instituição divina perde sua potência,
dos horrores das discórdias civis; a Cspanha, seu caráter divino e sua força de conversão;
a Itália, Portugal, onde ela não havia podido sem o papa é apenas um sistema, uma crença
penetrar, permaneceram tranqüilos. São fatos humana, incapaz de entrar nos corações e de
incontestáveis, e não me digam que os Refor modificá-los para tornar o homem suscetível de
mados não foram sempre os agressores, porque um mais alto grau de ciência, de moral e de ci
é evidente que a seita que se autopromove é vilização. Toda soberania, cuja fronte não tenha
necessariamente agressiva, ainda que seus sido tocada pelo dedo eficaz do sumo pontífice,
fautores não sejam necessariamente sempre e permanecerá sempre inferior às outras, tanto
em todo lugar os primeiros a atacar, fl Reforma na duração de seus reinos quanto no caráter
foi a causa das desordens ocorridas, porque é de sua dignidade e na forma de seu governo.
a causa das presentes; e a guerra atual, con Toda nação, ainda que cristã, que não tenha
siderando bem, nada mais é que o efeito do sentido de maneira adequada a ação constitu
fanatismo das opiniões que nasceram no seio tiva do papado, permanecerá da mesma forma
da Reforma e que derivam necessariamente de eternamente inferior às outras, embora sendo
seus princípios. Não apenas a Reforma foi e é em tudo o resto igual, e toda nação separada
ainda causa de desordens, mas deve sê-lo; ela depois de ter recebido a impressão do sigilo
o será sempre necessariamente e apesar de universal sentirá que lhe falta alguma coisa e
seus próprios partidários, porque da sociedade será reconduzida, cedo ou tarde, pela razão
religiosa pode-se dizer aquilo que se disse da ou pela desventura. Para todo povo há uma
sociedade política; "Se o legislador, enganan ligação misteriosa, mas visível, entre a duração
do-se em seu objeto, estabelece um princípio dos reinos e a perfeição do princípio religioso.
diferente daquele que nasce da natureza das [...] Os erros dos papas, infinitamente exage
coisas, a sociedade não deixará de ser agitada rados ou apresentados de modo inadequado,
até quando tal princípio seja destruído ou mu e que, em todo caso, resultaram ser em geral
dado, e até quando a natureza invencível não vantajosos para os homens, são por outro lado
tenha retomado seu domínio". apenas a impureza humana, inevitável em toda
L. de Bonald, mistura temporal; e quando se examinou bem
Théorie du pouvoir politique et religieux tudo e se pesou tudo com a balança da filosofia
dons Ia société civile demontrée mais fria e imparcial, permanece demonstrado
par le raisonnement et par 1'histoire. que os papas foram os mestres, os tutores, os
salvadores e os verdadeiros gênios constitutivos
da Europa.
Pora o restante, como todo governo ima
ginável tem seus próprios defeitos, também o
regime sacerdotal - de modo nenhum nego isso
J o se p h d e M a is t r e - tem os seus na ordem política; mas sobre este
ponto proponho ao bom senso europeu duas
reflexões que são, assim sempre me pareceu,
de grande peso. fl primeira reflexão é que
este governo não deve de fato ser julgado em
O papado criou si mesmo, mas em sua relação com o mundo
católico. Se for necessário, como é evidente,
e salvou a €uropa para manter o conjunto e a unidade, para fazer
- seja-me concedida a expressão - circular o
"Toda soberania, cuja Fronte não tenha mesmo songue nas mais distantes veias de
sido tocado pelo dedo eFicaz do sumo pontí um corpo imenso, então todas os imperfeições
Fice, permanecerá sempre inFerior às outras, que resultariam desta espécie de teocracia
tanto na duração de seus reinos quanto no romana na ordem política não devem mais ser
caráter de sua dignidade e na Forma de seu consideradas a não ser como a umidade que
governo". é, por exemplo, produzida por uma máquina a
vapor no edifício que a abriga.
fl segunda reflexão é que o governo dos
fl consciência iluminada e a boa-fé não papas é uma monarquia semelhante a todos
podem ter mais dúvidas: é o cristianismo que as outras, se a considerarmos simplesmente
formou a monarquia européia, uma maravilha como governo de um só. Ora, quais males não
'
Capítulo - • segundo
décimo „ , „
- llD d e .ó \ o g o s '',"e .s p it ‘H u a \ is ia s "e ^ r a d i c i o n a l i s t a s ^ n a F r a n ç a
255
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resultam também da monarquia melhor consti último? Fl monarquia é o melhor, o mais durável
tuída? Todos os livros de moral estão cheios de dos governos, e é o mais natural para o homem.
sarcasmos contra as cortes e os cortesãos. Não Julguemos do mesmo modo a corte romana, é
se poupam sem dúvida as invectivas contra a uma monarquia, a único forma de governo pos
duplicidade, a perfídia, a corrupção dos corte sível para reger a Igreja católica; e, seja qual
sãos; e Voltaire não pensava certamente nos for a superioridade desta monarquia sobre as
papas quando exclamava com tanta eloqüência outras, é impossível que as paixões humanas
decorosa: não se agitem ao redor de um centro qualquer
de poder e não se deixem as provas de sua
Lume do céu, que vais tão profundo, ação, o que de fato não impede que o governo
Mas aos mais vazios tiranos abandonaste do papo seja a mais doce, a mais pacífica e
o mundo! a mais moral de todas as monarquias, assim
como os males bem maiores da monarquia
Todavia, quando se esgotaram todos os secular não lhe impedem de ser o melhor dos
gêneros de crítica e se lançaram, como é justo, governos.
no outro prato da balança todas as vantagens J. de Maistre,
da monarquia, qual é, finalmente, o resultado O papo.
C a p í t u l o Jiê.c.\yv\o t e r c e i r o
11 I. jA/fiIosofia civil/; .
de C\\cmDomehico Romagnosi
• A filosofia italiana dos primeiros decênios do século XIX acerta contas com a
cultura do Iluminismo, com o sensismo de Condillac e o pensamento dos ideólogos.
E se Romagnosi, Cattaneo e Ferrari elaborarão seus pensamentos na esteira do
Iluminismo (e Ferrari também do positivismo), filósofos como Galluppi, Rosmini e
Gioberti se colocarão em posição hostil em relação ao Iluminismo, propondo uma
volta à tradição metafísico-espiritualista.
• Gian Domenico Romagnosi (1761-1835), antes professor de direito em Parma
e Pavia, depois - após a queda de Napoleão - perseguido pelos austríacos, dirigiu
suas pesquisas sobre questões de metodologia e sobre problemas ético-políticos.
Seu livro O que é a mente sã? é de 1827, e sua outra obra Sobre a índole e sobre
os fatores da civilização remonta a 1832.
• A intenção de fundo de Romagnosi é a de construir uma ,
"filosofia civil" consistente, em grau de dar-nos uma moral, um °
direito e uma política com sólidos fundamentos. Para tal fim, dan- na base
do as costas às quimeras dos filósofos "visionários", ele percorre uma
o caminho do método empírico; método que não se identifica "filosofia civil"
com o sensismo de Condillac, enquanto o conhecimento não é de -> § 1
fato um caos de sensações: a mente humana procede, na opinião
de Romagnosi, da síntese para a análise, da hipótese para os
controles analíticos, empíricos. No processo cognoscitivo a mente humana é ativa
e, propondo "sentidos lógicos", elabora e coordena os dados sensíveis.
• A aplicação do método empírico ao "homem de fato", isto é, a civilização
ao homem social, leva Romagnosi a estudar a história dos homens d°s homens
em seus produtos culturais; e do estudo dos produtos da mente hu- ne°essário-ent
mana aparece a realidade da "civilização", na qual o homem "vai »a decadência
efetuando as condições de uma culta e satisfatória convivência". pocie ocorrer
Romagnosi, muito consciente da distinção entre fatos e valores, não em qualquer
acreditava de fato em uma lei incessante de progresso: "a decadên- estágio"
cia pode ocorrer em qualquer estágio, como a história testemunha". §2
C a rlo s C a tta n eo : j A f i lo s o f i a c o m o “c i ê n c i a 7
a f ilo s o fiia das*m entes a s s o c ia d a s ”
e u m a m ilíc ia
Particularmente, enquanto, por um lado,
a filosofia é vista positivamente como “nexo
O maior gênio da Escola de R om ag comum de todas as ciências” , por outro lado
nosi é, sem dúvida, Carlos Cattaneo, que ela consiste no estudo histórico e experimen
nasceu em M ilão, em 1801, form ou-se tal do pensamento humano assim como ele se
seguindo o ensino particular de R om ag manifesta “com seus atos e suas elaborações” .
nosi, laureou-se em jurisprudência pela E “ nas histórias, nas línguas, nas reli
Universidade de Pavia em 1824 e lecionou giões, nas artes e nas ciências” que se conse
até 1835 nos ginásios de M ilão. Em 1835, guirá conhecer o espírito humano, e não na
abandonou o ensino para dedicar-se ao quelas especulações filosóficas que pretendem
jornalism o. Em 1839, fundou a revista “ perscrutar sua essência” . E precisamente a
“ O Politécnico” , que se apresentou como história, a lingüística e a economia são os três
“ repertório mensal de estudos aplicados campos de investigação nos quais Cattaneo
à cultura e à prosperidade social” . Par exerce sua pesquisa.
ticipou das “ Cinco Jorn adas de M ilão ” Tais investigações mostram que o ho
de 1848, mas, como federalista convicto, mem individualmente permanece incom
foi contrário à anexação da Lom bardia preensível caso suas idéias, suas ações, seus
ao Piemonte. Com a volta dos austríacos, comportamentos, em suma, os produtos de
Cattaneo refugiou-se na Suíça, onde em sua cultura não sejam situados na sociedade
1852 foi nomeado professor de filosofia em que ele vive e atua: “ É mister [...] estu
no Liceu cantonal de Lugano. M orreu em dá-lo [o homem] em tanto mais situações e
1869. A produção filosófica de Cattaneo mais diversas for possível” .
não consiste em grandes volumes, e sim Essa é a razão pela qual precisamos
em penetrantes e ainda instrutivos artigos passar do estudo da “ mente solitária” para
e ensaios, entre os quais merecem menção o das “ mentes associadas” . O escrito de
os seguintes: Considerações sobre o princí Cattaneo sobre a Psicologia das mentes
pio da filosofia (1844); O estado presente associadas constitui etapa fundamental e
da Irlanda (1844); Introdução às notícias contribuição bastante original à psicologia
n aturais e civis da L o m b ard ia (1844); social. Escreve ele: “ O maior número das
nossas idéias não deriva de nosso sentido
A insurreição de M ilão (primeira edição
individual e de nosso intelecto individual,
francesa, 1848), e Psicologia das mentes
e sim dos sentidos e intelectos dos homens
associadas (1859-1866).
associados na tradição e no intercâmbio do
N a opinião de Cattaneo, a filosofia
saber comum e dos erros comuns” .
é “ uma m ilícia” . Sua função não é a de
especular nem a de contemplar: a filosofia
deve “ aceitar todos os problemas do sécu 3 yA t e o r i a p o l ít ic a
lo ” , já que deve tender a “ transformar a
d o fed era lis m o
face da terra” . Desse pressuposto deriva o
desprezo de Cattaneo tanto pelos filósofos
idealistas como pela “ filosofia das esco Anti-revolucionário e reformista, Catta
la s” , e também pela filosofia de Rosmini. neo entendia a liberdade como “ exercício da
Rosmini, particularmente, cai sozinho por razão” , como libertação gradual e inteligente
terra pelo fato de que sua filosofia é uma dos laços criados em torno do homem social
filosofia metafísica, abstraída da realidade pela barbárie e pela ignorância. Por isso,
“ p o sitiv a” e desligada das ciências. Se ao contrário da tese de Vico relativa aos
gundo Cattaneo a filosofia deve ser útil, avanços e retrocessos históricos, Cattaneo
exatamente como as ciências. Enquanto as pensa mais em um progresso ininterrupto
ciências unem, as metafísicas dividem, já da humanidade.
que, afirma Cattaneo, não existe uma me Cattaneo foi um liberal genuíno. Em
tafísica, e sim seitas metafísicas. Portanto, economia, defendeu o intercâmbio livre,
quem quer fazer filosofia útil à sociedade repudiou o protecionismo estatal e se ali
“ deve se colocar paciente e modestamente nhou em defesa da propriedade privada, da
na escola da ciência” . “ promoção da plena e livre propriedade” .
Cãpltulo décimo terceiro - R o m a g n o s i^ C a t t a n e o e F e r f a n
2 Rs pátrios locais
ções; o ponto médio de seus poderes, a sede
de seus palácios, o lugar de seus costumes e
de sua influência e consideração, a reunião
das parentelas, a situação mais oportuna para
"A/a /tá//a, quem prescinde deste omor a colocação das filhas, e para os estudos e
dos pátrios particulares, semeará sempre empregos da juventude.
na areia". Cm suma, elas são um centro de ação de
uma população inteira de duzentos ou trezentos
mil habitantes. Fundai uma cidade nova, ajuntai
Tais seriam, por exemplo, Birnningham, riquezas, manufaturas, bancos e o que mais
Trieste, Malta, Gibraltar, que não têm vínculo quiserdes, e depois vosso cidade nova será
moral íntimo com as populações circunvizinhas; Petersburgo, mas nunca será Moscou; será
e se poderiam dizer cidades cosmopolitas, e Constantinopla, mas nunca será Roma; não
estão na terra como os navios ancorados estão terá raiz na terra e nos homens. Separai-a, e
no mar. o corpo inteiro não parecerá mutilado; porque
Nossas cidades são o centro antigo de será sempre um apêndice esplêndido e não
todas as comunicações de uma grande e po uma preciosa víscera vital.
pulosa província; para aí se dirigem todas as Csta condição de vossas cidades é a obra
estradas, para aí se dirigem todos os mercados de séculos e de remotíssimos acontecimentos,
do campo, são como o coração no sistema das e suas causas mais antigas de toda memória.
veias; são termos aos quais se dirigem os con O dialeto marca a obra indelével das primitivas
sumos, e dos quois se difundem os indústrias uniões, e com o dialeto varia de província em
e os capitais; são um ponto de intersecção, ou província não só a índole e o humor, mas a
melhor, um centro de gravidade, que não se cultura, a capacidade, a indústria e a ordem
pode deixar cair sobre outro ponto tomado de inteira das riquezas. Isto faz com que os homens
propósito. não possam facilmente se desagregar daqueles
Os homens aí se congregam para diversos seus centros naturais.
interesses, porque aí encontram os tribunais, os Na Itália, quem prescinde deste amor
intendências, as comissões de recrutamento, das pátrias particulares semeará sempre na
os arquivos, os livros das hipotecas, as admi areia.
nistrações militares e sacerdotais, as grandes
guarnições, os hospitais. São o moradia dos C. Cattaneo,
abastados com suas caixas e suas administra in "fínnali universali di statistica".
C a p ít u lo d é c im o q u a r t o
como som os, Deus quis também que nossa d) a existência e a validade da lei moral
razão nos m ostrasse os deveres que nos natural.
mostra, pois ele quis manifestar-nos seus Trata-se de resultados tradicionais,
divinos preceitos por meio de nossa razão. certamente, mas é interessante notar o modo
É essa a lei inscrita por Deus em nossos como G alluppi os alcançou. Esse modo
corações” . consiste em refinada argumentação e em
Os resultados m ais im portantes da sutil e minuciosa análise da experiência de
filosofia de Galluppi são, portanto: consciência, análise que, por vezes, pode ser
a) a realidade do eu; equiparada a algumas das mais belas pági
b) a existência do mundo externo; nas dos fenomenólogos contemporâneos, a
c) a existência de Deus; começar por Husserl. B H ]
ELEMENTI
Dl
F I L O S O F I A
BB. Í4MNB
PASQÜALB GALLUPPI
DA TftOPEA
n o f i m i m riLOMru
« L U I . m iT I U I T t ' D K 8 LI SttH U M IU N U
VOLUME I.
LA LÓGICA PURA
com o objetivo de induzir o papa a aliar-se de a priori na origem de nossas idéias. M as,
em uma guerra contra a Áustria, e tornou-se assim fazendo, não conseguem explicar os
seu conselheiro nos anos tempestuosos da fatos do espírito, já que assumem “ menos
primeira guerra de independência, com as do que é necessário para exp licá-lo s” .
bem dramáticas e conhecidas vicissitudes. Com efeito, as sensações não podem nos
Rosmini passou seus últimos anos em Stresa, dar conhecimentos universais e necessá
onde morreu no dia I o de julho de 1855. rios. Sem idéias, as sensações permanecem
A produção filosófica de Rosmini é ininteligíveis. As sensações só adquirem
vastíssima. Eis, pela ordem, seus principais significado se forem iluminadas por idéias
escritos: Novo ensaio sobre a origem das ou enquadradas em teorias. De acordo com
idéias (1830); Princípios da ciência moral Kant, Rosmini afirma que as sensações são
(1831); Antropologia (1838); Tratado de matéria do conhecimento, mas ainda não
ciência moral (1839); Filosofia da política são conhecimento.
(1839); Filosofia do direito (1941-1845); b) As doutrinas de Platão, Aristóteles,
Teodicéia (1845); Psicologia (1850). Entre Leibniz e Kant são contrárias às teorias que
as obras póstum as, devemos recordar a pretendem reduzir o conhecimento a sensa
Teosofia, a A ntropologia sobrenatural e ções. Eles destacaram bem a atividade do
Aristóteles exposto e examinado. intelecto, embora, na opinião de Rosmini,
Homem de grande retidão moral e de suas teorias sejam “ falsas por excesso” .
fé clara e sincera, Rosmini fundou em 1828, N a explicação dos fatos do espírito
no Sagrado Monte Calvário, perto de Do- humano, não se deve assumir mais do que o
modóssola, uma nova congregação religiosa, necessário para explicá-los; deve-se preferir
que chamou de Instituto da Caridade (que a explicação “ que é a mais simples e que
só seria aprovado pela Igreja em 1839). N a exige menos suposições do que as outras” .
década de 1830-1840, Rosmini fundou o E esses filósofos, embora falando todos de
ramo feminino de sua congregação: as Irmãs algo inato, inseriram em suas explicações
da Providência, que ficariam conhecidas “ também coisas excessivas e arbitrárias” .
pelo grande público com o nome de M es Kant teve o mérito de considerar inatas “ so
tras rosminianas. As Irmãs da Providência mente as formas das cognições, deixando
dedicavam-se (e se dedicam) à educação à experiência dos sentidos o encargo de
das crianças nos asilos infantis (nos quais, oferecer a matéria para elas” . M as R os
naquela época, aplicavam o m étodo de mini considera que as dezessete formas,
Ferrante Aporti), nas escolas primárias e adm itidas por Kant no espírito humano
nos orfanatos. para explicar o fato das cognições, são
demasiadas: “ Todo esse novelo de formas
é dem asiado” , pois “ o formal da razão é
muito mais simples” .
^2-* C r í t i c a N a realidade, diz Rosmini, quando
d o se n sism o e m p irista tomamos as formas a priori de Kant e delas
e d o a p r io r is m o U a n tia n o extraímos “ o puro formal, sem deixar nada
de material” , então não será difícil nos con
vencermos de que “ o formal da razão” se
Preocupado com os prejuízos que a reduz somente à idéia do ser.
filosofia moderna acarreta à tradição reli
giosa, Rosmini identifica no subjetivismo o
erro filosófico fundamental, tanto no sen
sismo e no empirismo como no apriorismo id é ia d o ser,
kantiano.
s u a o rig e m
A primeira parte do N ovo ensaio é
dedicada ao exame das doutrinas filosóficas e su a n atu reza
relativas à origem das idéias.
a) Sobre este problema, Locke, Con
dillac e os filóso fo s da escola escocesa Em todo o nosso conhecimento, nós
(Reid, Dugald Stewart), segundo Rosmini, não apenas percebemos esta coisa, senti
propuseram “teorias falsas por deficiência” : mos outra ou vemos ainda outra. Quando
eles sustentam que a única fonte das nossas tomamos consciência daquilo que, pouco
idéias é a experiência, não admitindo nada a pouco, as sensações nos oferecem, sem-
Cãpítulo décimo quarto - C \ a llu p p i, R o s m i n i e CÃiobe-ríi
Antônio Rosmini
(1797-1855),
preocupado
com os danos
que a filosofia moderna
acarreta para a
tradição religiosa,
individuou
no subjetivismo
o erro radical
tanto do sensismo
e do empirismo
como do apnorismo
kantiano.
pre pressupomos que essas coisas existem, pode ter “ a idéia do ser sozinha, sem todas
que há algo. E reconhecer o ser de algum as outras idéias” . Todas as nossas idéias são
conteúdo oferecido por alguma sensação “ adquiridas” ; apenas a idéia do ser não o
não é sensação. E muito mais percepção é: ela é o a priori ou “ o formal da razão” .
intelectiva. E é o único formal da razão, pois o resto
De fato, não podemos conhecer algo provém da sensação.
se a este algo não atribuirmos o ser. E a Agora, porém, depois de ter precisado
idéia de ser que se encarna nos dados sensí que a idéia do ser é a forma do conheci
veis e que nos permite julgar existente tudo mento, ou seja, o elemento constante que é
o que sentimos e percebemos. Portanto, a constitutivo de todo o nosso conhecimento,
idéia de ser fundamenta todo ato cognosci- Rosmini se pergunta de onde ela deriva.
tivo do homem. Escreve Rosmini: “ Pensar Ela é universal e necessária e, por isso,
o ser de modo universal nada mais quer implica que:
dizer senão pensar a qualidade que é co 1) não pode derivar das sensações,
mum a todas as coisas, sem falar em todas que nos põem em contato unicamente com
as outras qualidades genéricas, específicas conteúdos particulares e contingentes;
ou próprias” . 2) não pode derivar da idéia do eu,
O homem, portanto, pensa o ser “ de já que também essa idéia, a exemplo das
modo universal” , isto é, pensa “ na qualidade outras, é a idéia de um ser particular;
que é comum a todas as coisas, sem atentar 3) não é produzida pela abstração ou
para todas as suas outras qualidades” ; ele reflexão, já que tais operações nada mais
Quifltã parte - f ilo s o fia n a F r a n ç a e n a *U+á!ia n a e r a d a R e s l a u f a ç a o
M M JS
CINQUE PIAGHE
DELLA
SANTA CHIESA
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FERDCIl
noeuium mamo tutmu
1849.
tem três formas: a) a forma real, b) a ideal que concede a uma pessoa a liberdade de
e c) a moral. operar, proíbe às outras perturbarem aquela
a) O ser real é objeto das ciências operação” . O direito, portanto, baseia-se na
metafísicas: a teosofia estuda o ser infinito moral e pressupõe “ uma pessoa, um autor
de Deus; a psicologia estuda o ser finito do das próprias ações” . E, para que “ um ser
homem; a física estuda a natureza. possa se dizer autor de suas ações, é preci
b) O ser ideal é objeto das ciências ideo so que seja ele que as faz: esse ele, porém,
lógicas, nas quais, como no Novo ensaio, só existe se conhece e se quer, ou seja, se é
Rosmini indaga sobre a origem das idéias e pessoa” .
do conhecimento. O conceito de pessoa é o fulcro da con
c) O ser moral é objeto das ciências cepção ética e política de Rosmini. Contra o
deontológicas, como a moral, o direito e a naturalismo e o idealismo, Rosmini afirma
política. a concepção espiritualista da pessoa na qual
O Novo ensaio apareceu em 1830, os o homem emerge como portador de valor
Princípios da ciência moral são de 1831, e a ético-religioso. A pessoa tem valor moral.
Filosofia do direito é de 1841-1845. Rosmini E é desse valor que, por parte dos homens,
define o direito como “ faculdade de operar decorre o dever de respeitar os outros en
aquilo que agrada, protegida pela lei moral, quanto pessoas.
que infunde aos outros o respeito” . Com O direito é assim reconduzido à moral,
efeito, é a lei moral que, “ ao mesmo tempo enquanto é “ ele próprio dever moral, que
Quinta parte - A f>lo s o f ia ncx T '^ a n ç a e ncx D\cx\ ia ncx e r a d a I R e s + a u r a ç a o
obriga uma pessoa a deixar intacta e livre ro do Estado, então a renovação da política
qualquer atividade própria de outra pes passa através da renovação religiosa.
so a ” . Além da liberdade, também é direito Daí, entre outras razões, o interesse
co-natural do homem a propriedade. de Rosmini para que se sanassem aqueles
Em suma, “ a pessoa do homem é o que ele considerava como os maiores males
direito humano subsistente” . Em nome da da Igreja de então, males que, em Sobre as
pessoa, Rosmini defende a liberdade religio cinco feridas da Igreja (1831), ele identifica
sa: “ Empregar a força externa para forçar na divisão do povo cristão em relação ao
alguém a uma crença religiosa, ainda que clero, na falta de unidade entre os bispos, na
verdadeira, é absurdo lógico e manifesta interferência do poder secular na nomeação
lesão do direito” . E 5 H 4 T 5 1 dos bispos e na falta de prestação pública de
contas da administração dos bens da Igreja.
Assim, a pessoa constitui o valor em torno
do qual Rosmini faz girar suas considerações
C s t a d o , Z Jg r e j a
de filosofia do direito e de filosofia da políti
ca. M as o reconhecimento da pessoa como
e o p rin cíp io d a m o r a lid a d e valor ou bem se insere no reconhecimento
mais amplo que o homem tem dos diversos
níveis metafísicos do ser. Em outros ter
Sempre em nome da pessoa e da reli mos, contra o subjetivismo moral, Rosmini
gião, no campo político Rosmini procura defende um objetivismo moral, no qual o
restringir os poderes do Estado, posicio dever-ser encontra seu critério no ser.
nando-se contra a teoria “ estatolátrica” de Os seres são conhecidos em uma hierar
Hegel e de todos os que nele se inspiram. quia determinada (Deus, a pessoa humana
Estes, como os “ doutrinários franceses” , etc.), e a moral consiste em respeitar a hie
por exemplo, “ destruindo a religião e a rarquia estabelecida por Deus, onde alguns
moral, que são as moderadoras naturais do seres são fins e outros são meios. N essa
poder civil, abandonam os povos à mercê hierarquia, Deus é o fim supremo; o homem
do arbítrio dos governantes” . vem depois de Deus; os outros seres vêm de
O Estado pode se ocupar da esfera do pois do homem. Assim, conhecemos o bem
útil, só na condição de que esse útil se subor de alguma coisa quando conhecemos seu ser
dine ao bem. E o árbitro desse bem só pode e sua ordem na hierarquia dos seres.
ser uma autoridade divina como a Igreja. Para Rosmini, portanto, o princípio
E claro que, se a sociedade teocrática, da moralidade é o seguinte: “Quer, ou seja,
isto é, a Igreja, é a sociedade que, baseando- ama o ser em toda parte onde o conheces, na
se na autoridade divina, é necessária para ordem que ele apresenta à tua inteligência".
salvaguardar a pessoa do superpoder onívo-
sobre a consciência do homem - que dominou a filosofia desde Descartes. Se, po
rém, se parte do homem e se aceita a autonomia da razão, então-salienta Gioberti
- serão inevitáveis "a anarquia das idéias, a liberdade absoluta
de pensar nas ordens filosóficas e religiosas, e a licenciosidade Contra
civil". Quando se assume o sujeito como ponto de partida, faz-se ° psicologismo
a escolha errada de uma base demasiado frágil.
• É, portanto, urgente e necessário mudar de caminho. E o caminho indi
cado por Gioberti é o do ontologismo: não é o saber construído pelo homem
que "fundamenta Deus"; ao contrário, é Deus, isto é, o ser real e absoluto, que
constitui o fundamento e a validez de nossas cognições; Deus se revela à mente
humana, uma mente passiva que não desvirtua nem falseia a realidade que a ela
se apresenta. Escreve Gioberti: a evidência de Deus "não brota
do espírito humano [...] é objetiva e não subjetiva [...]; ela é, por- A evidência
tanto marcada por uma necessidade objetiva, absoluta, que diz de Oeus
respeito à própria natureza, não ao intuito que a contempla", "é objetiva"
E eis como se impõe essa evidência de Deus: Deus se revela à $ 3
consciência como absoluto e necessário. O ente existe necessaria
mente, e esta é a primeira parte da "fórmula ideal". A segunda parte da fórmula
é: o ser cria o existente, no sentido de que as realidades existentes encontram
sua razão de ser na causa primeira que é Deus. A terceira parte da fórmula ideal
é que: o existente volta ao ente. Ele volta por meio de sua vida moral. Portanto:
"Saída de Deus e volta a Deus, eis - afirma Gioberti - a filosofia e a natureza, a
ordem universal dos conhecimentos e a das existências". E se a ontologia se refere
à criação, a moral se refere à volta a Deus.
• Sobre essas bases filosóficas, Gioberti constrói seu programa político e lança
as bases do movimento neoguelfo. Éa religião que cria "a moralidade e a civilização
do gênero humano". Ora, porém, a religião em que se conserva intacta a revelação
de Deus ao homem é - afirma Gioberti - o cristianismo; e desta
revelação guarda e intérprete é a Igreja católica, cujo centro de a missão
difusão está em Roma: é aqui que se encontra o papa. Portanto: de civilização
a Itália difundiu estas verdades comuns que fizeram a Europa; da Itália
mas a Europa - depois de Descartes e de Lutero - se afastou da § 4
verdade objetiva revelada por Deus, confiou-se aos homens e
assim caiu no caos do arbítrio; eis, então, que a Europa voltará ao caminho justo se
voltar à Itália; a Itália, portanto, deve retomar sua missão de civilização na grande
história da humanidade.
msM " P r im e ir a p a r t e d a fó r m u la id e a l:
o e n t e e x is t e n e c e s s a r i a m e n t e
Pensar o ser de um modo universal não vosso não terá mais como objeto a não ser um
quer dizer mais que pensar a qualidade que é ente perfeitamente indeterminado, perfeita
comum a todas as coisas, sem levar em conta mente desconhecido em suas qualidades, um
todas as outras suas qualidades genéricas ou x. Mas esta será ainda alguma coisa, porque a
específicas ou próprias. €stó em meu arbítrio pôr existência, embora indeterminada, permanece.
minha atenção de preferência em um e não em Não é em tal caso o nada o objeto de vosso
outro elemento das coisas. Oro, quando coloco pensamento, porque no nada não se concebe
minha atenção exclusivamente na qualidade existência sequer possível; e pensar que existe
que é comum a todas as coisas, isto é, no ser, ou pode existir um ente, o qual terá certamente
então costuma-se dizer que eu penso o ser todas as qualidades que lhe são necessárias
como universal. para que exista, embora estas sejam desconhe
Negar que ponhamos, se quisermos, nos cidas para vós ou, em suma, não pensai nisso:
sa atenção sobre o ser comum das coisas, sem e isso é ainda uma idéia, embora totalmente
levar em conta, e mais, abstraindo de todas as indeterminada.
outras qualidades delas, seria opor-se àquilo Ao contrário, se depois de ter tirado foro
que a mais fácil observação sobre as próprias de um ente todas as outras qualidades, tanto
operações nos atesta, um contradizer o senso as próprias como as comuns, tirais ainda a mais
comum, um renegara linguagem. universal de todas, o ser, então não permanece
De fato, quando faço este discurso costu rá mais nada em vossa mente, apaga-se todo
meiro: "a razão é própria do homem, o sentir o vosso pensamento, é impossível que tenhais
lhe é comum com as feras, o vegetar com as qualquer idéia daquele ente.
plantas, mas o ser lhe é comum com todas as fl. Rosmini,
coisas", considero o ser comum, independente Novo ensaio
mente de todo o resto. Se o homem não tivesse sobre a origem das idéias.
a faculdade de considerar o serem separado
de todo o resto, este discurso costumeiro seria
impossível.
O fato de que falamos é tão evidente, O momento privilegiado
que não seria necessário gostar uma palavra,
bastando acenó-lo, se os homens de nossos da "iluminação"
tempos não se tivessem esforçado de pôr
tudo em dúvida. Ora, um fato tão evidente é o
ponto simplicíssimo, onde insiste toda a teoria Quando Rosmini compreendeu que a
da origem das idéias. idéio do seré "o continente máximo, a idéia-
Pensar o ser de modo universal eqüivale mãe, como a que contém em seu seio todas
a dizer “ter a idéia do ser como universal", ou os outras".
pelo menos supõe isso, não se podendo pensar
o ser sem ter a idéia dele. [...]
fl análise de qualquer conhecimento nosso Jovem com dezoito anos, eu caminhava
nos dá como resultado constante a proposição um dia sozinho e recolhido em mim mesmo pelo
acima colocada, que ”o homem não pode pen caminho de Rovereto que chamam de Terra e
sar em nada sem a idéia do ser". £ de fato não que se encontra, como sabeis, entre a Torre
há conhecimento, nem pensamento que possa e o ponte do leno; e passando por diversos
ser concebido a partir de nós, sem que nele se objetos do pensamento, veio-me a observação
encontre misturada a idéia do ser. que a razão de um conceito está em um conceito
fl existência é, de todas as qualidades mais amplo, e a razão deste em outro mais
comuns das coisas, a comuníssimo e genera- amplo ainda; e assim, subindo de conceito em
líssima. conceito, cheguei à idéia universalíssima do ser,
Tomai qualquer objeto que desejais, na qual todo conceito se resolve; eu não podia
tirai dele com a abstração suas qualidades subir mais, porque dessa idéia só se podia tirar
próprias, depois removei ainda as qualidades o ser, e tirando-lhe o ser ela se desvanecia, e
menos comuns, e pouco a pouco ainda as eu restava com nada. Persuadi-me então que
menos comuns. No fim de toda essa operação aquela idéia do ser é razão última de todo
aquilo que permanecerá como última de todas conceito, o princípio de todos os conhecimentos;
as qualidades será a existência: e para ela aquietei-me na verdade encontrada, sabore
ainda podeis pensar alguma coisa, pensareis ando-a e adorando o Pai das luzes. 6 minha
um ente, embora suspendereis o pensamento a consolação cresceu, quando, voltando sobre o
partir de seu modo de existir. £ste pensamento caminho percorrido e revestindo a idéia de to
Cãpltulo d é c in t O (J U ã ft O - C Ã a U u p p i, R o s m i n i e (g io b e r t i
dos os determinações das quais a havia pouco assim também se chama pessoa aquilo que é
a pouco despojado, via, um depois do outro, princípio supremo em um indivíduo inteligente.
comparecerem de novo os primeiros conceitos, De modo que a diferença entre sujeito e pessoa
até o primeiríssimo do qual tinha começado o é a que existe entre o gênero e a espécie, uma
movimento. íntão concluí com segurança que vez que captamos a sensitividade em um senti
a idéia do ser é o continente máximo, a idéia- do mais universal, no qual ela abraça também
mõe, como a que contém em seu seio todas as o entender, que se reduz a um modo especial
outras; o Fundo comum de todas as idéias, que de sentir. De modo que a pessoa não é mais
não são mais que a idéia do ser mais ou menos que uma classe de sujeitos mais nobres, a dos
circunscrita e determinada; o objeto necessário sujeitos intelectivos.
do pensamento, como a que entra em todo Depois resultam ainda da definição as
pensamento, e não se pode tirá-la sem que o outras propriedades da pessoa, que são:
pensamento pereça. 1. que ela deve ser uma substância;
€m G. B. Pagcini, 2. que ela deve ser um indivíduo e, por
R vido de Rntônio Rosmini, isso, pertencente às coisas reais e não às coisas
escrito por um sacerdote meramente ideais;
do Instituto do Caridade, Manfrini. 3. que deve ser inteligente;
4. que deve ser um princípio ativo, enten
dendo a palavra atividade em seu significado
mais extenso, no qual ela abraça de algum
D R "pessoa" modo também a passividade, de modo que a
pessoa é o princípio ao qual se refere e do qual
parte ultimamente toda a passividade e toda a
"Chama-se pessoa um indivíduo substan atividade do indivíduo;
cial inteligente, enquanto contém um princípio 5. que deve ser um princípio supremo, isto
ativo, supremo e incomunicável". é, tal que no indivíduo não se encontre nada
mais que lhe esteja acima, onde ele mutue a
existência; um princípio tal que, se houver no
Pode-se definir a pessoa como “um sujeito indivíduo outros princípios, estes dependam
inteligente", e querendo dar-lhe uma definição dele e não possam subsistir naquele indivíduo,
mais explícita, diremos que ”se chama pessoa a não ser pela relação que têm com ele.
um indivíduo substancial inteligente, enquanto No que considere-se que o princípio pes
contém um princípio ativo, supremo e incomu soal chama-se supremo para dele excluir todo
nicável". outro que lhe esteja acima, não porque ele
Considerando depois esto definição da deva ter necessariamente outros que lhe este
pessoa, como também a que demos do sujei jam abaixo, como poderia fazer crer a palavra
to, vemos que tanto a palavra sujeito como a supremo, que parece envolver umo relação com
palavra pessoa exprimem a ordem intrínseca alguma coisa inferior. Nem, todavia, creiamos
do ser em um indivíduo que sente e, portanto, proibido em uma fórmula geral dizer-se supremo
têm como base uma relação entre o princípio para aquilo que poderio permanecer também
intrínseco (do qual depende a subsistência do único: assim como dizendo-se o primeiro, isso
indivíduo e o qual move toda a sua atividade), pode ser entendido também de um só, não ha
e tudo o mais que existe no próprio indivíduo vendo outros. Todavia, a quem agradasse po
e que provém daquele princípio sustentado e deria substituir-se a palavra supremo pela pala
ativado. vra independente, ou alguma outra semelhante.
De fato, nem tudo aquilo que existe em 6. Que deve ser incomunicável, conse
um indivíduo substancial constitui propriamente qüência das propriedades precedentes, e já
o sujeito, ou seja, a pessoa, mas o sujeito e compreendida de algum mòdo na noção de
o pessoa têm sua base, como dizemos, no indivíduo: pois o indivíduo não pode comuni
princípio supremo que se encerra no indivíduo; car-se sem deixar de ser o indivíduo que era
e as outras coisas que podem entrar no mesmo antes, e do mesmo modo deve entender-se a
indivíduo não pertencem ao sujeito ou à pessoa, incomunicabilidade do sujeito e da pessoa.
a não ser pela estreitíssima ligação que têm com fl partir disso se vê que a pessoa não é
o princípio supremo, por meio do qual subsistem absolutamente e necessariamente o mesmo que
e formam juntos um só indivíduo. aquilo que se exprime com o vocábulo eu-, mas
Rssim como se chama de sujeito aquilo que entre a pessoa e o eu existe uma diferença
que é princípio supremo de atividade em um in de conceito, semelhante à que vemos entre o
divíduo qualquer que sente, inteligente ou não, sujeito e o eu.
Quinta parte - A f ilo s o fi a n a P r a n ç a e n a JJ+ál ia n a e r a d a R e s t a u r a ç ã o
Cverdade que, no mais, com o monossíla- Cm segundo lugar, o direito dos genitores
bo eu se exprime um sujeito inteligente, ou seja, é limitado pelo direito que a Igreja católica tem
uma pessoa que tem consciência de si mesma, sobre o ensino. Como os Governos não podem
e nós homens não empregamos este monossí- arrogar-se nenhuma autoridade sobre este en
labo a não ser para significar a nossa própria sino, da mesma forma nem os pais de família:
personalidade, da qual somos conscientes, de mas, tanto pais como Governos devem depen
onde temos que o eu designa-se um pronome der com docilidade do magistério estabelecido
pessoal. Mas, sutilmente considerando, não sobre a terra por Jesus Cristo.
repugna imaginar que haja um princípio inte- Cm terceiro lugar, o direito que os pais
lectivo em um indivíduo que tem consciência de de família têm de escolher os mestres e os
si e que, todavia, não seja princípio supremo. educadores que crêem melhores, não lhes
Cm tal caso, a este princípio intelectivo poder- dá o direito de prescrever às pessoas que
se-ia aplicar justamente o vocábulo eu, e não escolhem ou estipendiam para tal traba
o vocábulo pessoa. lho os métodos e as maneiras do ensino:
R. Rosmini, isso deve permanecer na plena liberdade
Rntropologia. dos próprios mestres e dos educadores.
é verdade que os pais podem, juridica
mente falando, reduzir a convenção o modo de
ensinar, caso em que os mestres, aceitando tal
Liberdade de ensino convenção, renunciariam ao próprio direito: mas
isso parece inconveniente, falando de modo
geral, como sinal de desconfiança dado aos
Os pa/s de família têm o direito de esco ensinantes, e uma vileza por parte dos próprios
lher os educadores dos próprios filhos. ensinantes, os quais se comprometem, sem
necessidade de convenção, a seguir o método
que consideram melhor e a não abandoná-lo
Os pais de família têm, por natureza e não por motivos de baixo interesse.
pela lei civil, o direito de escolher como mestres Com referência, ainda, à parte educati
e educadores de sua prole as pessoas nas va, devendo esta ser conduzida parte pelos
quais depositam maior confiança. Cste direito genitores, os quais não podem jamais entre
geral contém os direitos especiais que seguem: gá-la totalmente às mãos de outros, e parte
10 De educar seus filhos na pátria ou fora pelos educadores, convém que estes defiram
dela, em escolas oficiais ou não oficiais, públi razoavelmente àqueles, e que uns e outros se
cas ou privadas, conforme considerem melhor coloquem em pleno acordo e procedam com
para o bem de sua prole. perfeita coerência e unidade.
2o De estipendiar adequadamente as Finalmente, o direito dos genitores não
pessoas nas quais crêem encontrar maior pro é uma faculdade arbitrária e caprichosa, mas
bidade, ciência e idoneidade. temperada pela razão e pelo moral: é uma
3o De associar-se o outros pais de família, faculdade de fazer o bem aos filhos, e não de
instituindo juntos escolas para onde mandar em fazer-lhes o mal.
comum seus filhos. fl. Rosmini,
O direito que os pais de família têm de Da liberdade de ensino.
fazer instruir e educar sua prole por quem julgam
melhor não é indeterminado, caso em que não
seria direito, mas encerrado dentro de alguns 6 A benéfica influência
limites, para além dos quais cessa.
Primeiramente, também os genitores de do cristianismo
vem respeitar em seus filhos os direitos cona- sobre a sociedade civil
turais a todos os homens, direitos inalienáveis
e absolutos. Por isso, os pais de família não
têm nenhuma faculdade jurídica de dar ou de "Esta religião divina restaurou e au
fazer dor aos próprios filhos um ensino que os mentou no homem os três constitutivos que
perverta: e se um Governo civil toma sob sua formam o sujeito dos direitos, e que são a
tutela esses direitos dos filhos, sem invadir com atividade, o inteligência e a moral".
este pretexto a esfera dos direitos paternos, ele
exerce uma autoridade legítima e cumpre um
dever, porque o Governo é instituído principal Ora, quem pode desconhecer o fato de
mente para tutelar os direitos de todos. que o cristianismo, introduzindo a caridade no
. , . 283
C a p ít u lo d é c i m o q u a r t o - G a llu p p i/ R o s m in i e G io b e r t i ,______
O posi+ivismo
sociológico e ufilifansfa
I. CD posi+ivi sm o:
lirvkas g e r a i s
A lei é necessária para prever, e a previsão que tinham em vista simples especulações
é necessária para a ação do homem sobre a geométricas” .
natureza. Afirma Comte: “ Em suma, ciência, M as Comte também não é empirista de
logo previsão; previsão, logo ação: essa é tipo antigo, que cuida somente dos dados
a fórmula simples que expressa de modo de fato e exclui as teorias. Ainda no Curso
exato a relação geral entre a ciência e a arte, de filosofia positiva, podemos ler: “ N ós
tomando esses dois termos em sua acepção reconhecemos que a verdadeira ciência [...]
total” . consiste essencialmente de leis e não mais
N a trilha de Bacon e Descartes, Comte de fatos, embora estes sejam indispensáveis
pensa que a ciência é que deve fornecer ao para o seu estabelecimento e sua sanção” .
homem o domínio sobre a natureza. E, no A pura erudição consiste em fatos sem lei; a
entanto, ele não é em absoluto de opinião verdadeira ciência consiste em leis controla
que a ciência, essencialmente e por sua das com base nos fatos. E esse controle com
natureza, esteja voltada para os problemas base nos fatos exclui da ciência toda busca
práticos. Comte é claro sobre a natureza de essências e causas últimas metafísicas.
teórica dos conhecimentos científicos, que Essas idéias de Comte sobre a doutrina
ele se apressa a distinguir claramente dos da ciência influenciaram o pensamento pos
conhecim entos técnico-práticos. A esse terior em virtude de sua clareza e validade.
respeito, chega a citar uma consideração de De qualquer modo, porém, já em alguns tre
Condorcet: “ O marinheiro, preservado do chos do Curso de filosofia positiva e depois,
naufrágio graças à observação exata da lon sobretudo, no Sistema de política positiva
gitude, deve sua vida a uma teoria concebida (1851-1854), Comte enrijece sua imagem
dois mil anos antes por homens de gênio, de ciência, quase a ponto de absolutizá-la:
S e x ta p a r te - O p o s itiv is m o n a c u l t u r a e u r o p é i a
condena pesquisas especializadas, inclusive com base nos fatos. Desse modo, é preciso
experimentais, o uso excessivo do cálculo e encontrar as leis da sociedade se quisermos
qualquer pesquisa científica cuja utilidade resolver suas crises e prever o desenvolvi
não seja evidente. Por isso, em sua opinião, mento futuro da convivência social
deve-se confiar a ciência não aos cientistas, Portanto, para a sociologia, através do
mas aos “verdadeiros filósofos” , ou seja, a raciocínio e da observação, é possível esta
todos os que estão “ dignamente dedicados belecer as leis dos fenômenos sociais, como
ao sacerdócio da humanidade” . a física pode estabelecer as leis que guiam
O desenvolvimento posterior das ciên os fenômenos físicos.
cias desmentiu essas idéias de Comte. Além Comte divide a sociologia, ou física
disso, um conhecimento que hoje parece social, em:
inútil pode se tornar necessário amanhã. a) estática social-,
Entretanto, no sistema de Comte, um saber b) dinâmica social.
estável e bloqueado está em função de uma a) A estática social estuda as condições
ordem social estável. de existência comuns a todas as sociedades
em todos os tempos. Tais condições são a
sociabilidade fundamental do homem, o
so c io lo g ia núcleo familiar e a divisão do trabalho, que
co m o físic a so c ial se concilia com “ a cooperação dos esfor
ços” . A lei fundamental da estática social
é a conexão entre os diversos aspectos da
Para passar de uma sociedade em crise vida social, de modo que, por exemplo, uma
para a “ ordem social” , há necessidade de sa constituição política não é independente de
ber. O conhecimento é feito de leis provadas fatores como o econômico e o cultural.
COMTE
O POSITIVISMO SOCIOLÓGICO
£
1. matemática 2. astronomia
3. física 4. química
5. biologia 6. sociologia
E stá tic a s o c ia l:
D in â m ic a s o c i a l :
estuda as condições de existência com uns estuda as leis do desenvolvim ento da sociedade.
a tod as as sociedades em tod os os tem pos. Sua lei fundam ental é
Sua lei fundam ental é
a lei dos três estágios,
a conexão orgânica
segundo a qual se desenvolve
entre os diversos aspectos da vida social a evolução hum ana, individual e coletiva:
“ Toda nossa concepção principal
e cada ram o de nossos conhecimentos
p assa necessariam ente por três estágios
teóricos diferentes”
1. Estágio teológico, ou fictício: os fenômenos são vistos como resultados da ação de entidades
[infância do homem e da humanidade] sobrenaturais
2. Estágio metafísico, o u abstrato: os fenômenos são explicados como obras de essências abstratas
[juventude do homem e da humanidade]
3. Estágio CIENTÍFICO, ou positivo: renuncia-se a perguntar quais sejam as causas últimas dos fenô
[maturidade do homem e da humanidade] menos, e procura-se apenas descobrir, mediante o raciocínio e a
observação, suas leis efetivas (relações invariáveis)
T
A REGENERAÇÃO TOTAL DA SOCIEDADE PASSA,
ATRAVÉS DA R ELIG IÃ O DEVOTADA À H U M A N ID A D E ,
ao G rande Ser q u e tra n sc en d e os in d iv íd u o s:
OS DOGMAS DESSA RELIGIÃO SÃO A FILOSOFIA POSITIVA F. AS LEIS CIENTÍFICAS
S e x ta p a rte - O p o s itiv is m o n a c u lt u r a e-iA^opéla
III. A d i f u s ã o d o p o sitivism o
n a "França
IV. o p o sitivism o
utilitarista \ng e s
3 yA e c o n o m ia c lá ssic a
trabalho utilizado para produzi-lo, embora com muitos temas e problemas levantados
devamos levar em conta, na determinação e discutidos por Ricardo que M arx deverá
do valor do produto, o custo dos instru se confrontar.
mentos utilizados. E se as mercadorias têm
o valor do trabalho necessário para pro
duzi-las, o valor do trabalho é a soma do 4 R obert O w en:
valor dos bens necessários para produzi-lo
d o u tilita r is m o
e reproduzi-lo.
Teórico do livre intercâmbio dentro a o s o c ia lis m o u tó p ico
da nação e entre as nações, Ricardo admite
que o melhor preço para as mercadorias é o
alcançado no livre mercado, através do jogo Robert Owen (1771-1858), engenhei
da oferta e da procura, mas recusa-se a con ro, industrial e filantropo, inicialmente
siderar como o melhor salário o alcançado seguiu o utilitarismo para depois acabar em
mediante a mesma técnica. uma forma de socialismo utópico. Exemplo
O valor de uma mercadoria, portan de “ homem que se fez sozinho” , Owen,
to, é dado pelo trabalho necessário para seguindo a cultura progressista inglesa da
produzi-la. Entretanto, observa Ricardo, a época, tinha confiança na possibilidade de
equação valor = trabalho não funciona para mudar os homens através da melhoria das
o trabalhador, que nem sempre chega à posse condições de vida e por meio da educação.
do valor de seu produto. Antes ainda dos trinta anos, já era
Assim chegamos à questão da renda co-proprietário e diretor de uma indústria
fundiária (isto é, da renda que o proprietário manufatureira têxtil na Escócia. Conforme
fundiário recebe pela simples razão de ser conta Trevelyan em sua História da Inglater
proprietário do terreno). A renda fundiária ra no século XIX , “ em quinze anos, de 1800
seria zero se houvesse disponibilidade in
finita de terras. O aumento da população,
porém, obriga os homens a cultivarem não
somente as melhores terras, mas também
as menos prósperas e mais distantes do
mercado. Desse modo, ocorrerá que, para
obter frutos dessas terras menos adequadas
à agricultura, o trabalho será maior. Con
seqüentemente, isso aumentará no mercado
o preço dos produtos agrícolas em seu con
junto, já que os preços dos terrenos férteis
se elevarão ao nível dos menos férteis. Por
isso, o lucro proveniente dos terrenos férteis
e próxim os ao mercado aumentará e irá
para o bolso do proprietário dos terrenos
férteis, sob a forma de renda. Assim, quem
trabalha não recebe o valor do seu trabalho,
quem não trabalha recebe sempre mais, e os
preços aumentam.
Por tudo isso, segundo R icardo, a
renda é anti-social. M as nem por isso au
mentam os preços das mercadorias manufa
turadas, “ para a produção das quais não é
necessária nenhuma quantidade adicional de
trabalho” , escreve Ricardo nos Princípios.
N o entanto, ele se convenceu de que, “ se os
salários aumentarem (...), então os lucros
deverão necessariamente cair” . E essa é ou Robert Owen {1771 - / 858),
tra brecha no imponente edifício da ordem industrial, filantropo e reformador,
natural de que havia falado Adam Smith. no início seguiu o utilitarismo
A crítica atual olha com grande respei para depois aderir a uma forma
to para a obra científica de Ricardo. E será de socialismo utópico.
Sexta parte - O p o s itiv is m o r\a c u lt u r a e u r o p é i a
a 1815, ele fez de sua fiação um modelo de dê a maior felicidade e a mínima dor. Assim,
providências humanas e inteligentes para as a moral se reduz a uma espécie de hedonis
mentes e os corpos, com horários modera mo calculado, que avalia atentamente as
dos, bons salários, condições salubres tanto características do prazer: duração, inten
na fábrica como na aldeia, e boas instalações sidade, certeza, proximidade, capacidade
escolares, inclusive o primeiro abrigo infan de produzir outros prazeres, ausência de
til da ilha; o resultado foi que os operários conseqüências dolorosas. Sábio é quem
mostravam-se cheios de entusiasmo” . sabe renunciar a um prazer imediato por
Owen estava convencido de que, tendo um bem futuro cuja avaliação é melhor. Por
mudado o ambiente, havia mudado o cará outro lado, é muito importante que não se
ter dos operários. M as, ao mesmo tempo, cometam erros ao avaliar as conseqüências
também fizera o sucesso da fábrica. Procu agradáveis ou prejudiciais de uma ação.
rou persuadir os outros empreendedores a E preciso chegar a uma aritmética moral,
fazerem o mesmo. M as não teve sucesso. Já que nos ponha em condições de realizar os
em idade avançada, elaborou um socialismo cálculos justos.
que, em suas formas utópicas, assemelha-se Os homens procuram cada qual a sua
ao de Saint-Simon e de Fourier. própria felicidade. E o legislador tem a
função de harmonizar os interesses priva
dos com os públicos. E do interesse público
5 O u + ili+ arism o que eu não roube, embora roubar possa
constituir interesse meu, a não ser que não
d e Je re m ia k B en fk am
exista lei penal segura e eficaz. A lei penal,
portanto, é o método para fazer com que
coincidam os interesses do indivíduo e os da
Jeremiah Bentham (1748-1832) é o comunidade. É nisso que ela encontra sua
fundador do utilitarism o, cujo princípio justificação. A lei penal pune para prevenir
fundamental (presente no Iluminismo e já o delito e não porque odiamos o criminoso.
formulado por Hutcheson e Beccaria) é: a Bentham escreveu muito (embora nun
m áxima felicidade possível para o maior ca tenha se preocupado em publicar). Entre
número possível de pessoas. suas obras, devem-se recordar: Introdução
Seu maior interesse voltou-se para a aos princípios da m oral e da legislação
jurisprudência, reconhecendo como seus (1789), Tábua dos moventes da ação (1817)
principais antecessores nesse campo Hel- e Deontologia ou ciência da moralidade (pu
vétius e Beccaria. Depois, seus interesses blicada postumamente, em 1834). Difusor
passaram da teoria jurídica para os temas e apóstolo das idéias utilitaristas, Bentham
mais especialmente éticos e políticos. Uma teve a satisfação de, nos últimos anos de
idéia importante de Bentham é de que as leis sua vida, ver surgir um órgão de difusão
não são dadas de uma vez por todas, mas das concepções utilitaristas, a “Westminster
são modificáveis e aperfeiçoáveis. Conse Review” .
qüentemente, é preciso trabalhar continu
amente por uma legislação em condições
de promover “ a máxima felicidade para o O u + ili+ arism o
maior número possível de pessoas” .
N o dom ínio da m oral, sustentava d e J a m e s ,/V\ill
Bentham, os únicos fatos verdadeiramente
importantes são o prazer e a dor. Alcançar o
prazer e evitar a dor são os únicos motivos Ligado ao utilitarism o de Bentham
da ação. encontra-se o pensamento de Jam es Mill
Avaliar, ou seja, expressar aprovação (1773-1836). Autor de uma Análise dos
ou desaprovação por um ato, significa pro fenômenos da mente humana (1829), de
nunciar-se sobre a sua idoneidade para gerar alguns dos verbetes mais importantes da
pena ou prazer. E o juízo moral torna-se Enciclopédia Britânica (por exemplo: go
juízo sobre a felicidade: bom é o prazer (ou verno, jurisprudência, leis, prisões), de uma
a felicidade), má é a dor. História das índias britânicas (1818) e de
Essa é a moral utilitarista: todo indi um tratado de economia política intitulado
víduo sempre persegue o que julga ser sua Elementos de economia política (1820),
felicidade, ou o estado de coisas em que se James Mill — pai de John Stuart Mill — foi
Capítulo décimo quinto - O p o sitiv i s m o s o c i o l ó g i c o e u+ili+a^is+a
amicíssimo de Ricardo e um dos colabo outra. A lei da associação vale também para
radores de Bentham. Alcançou alto cargo o campo da moral. Escrevia James Mill: “A
na Companhia das índias e colaborou com idéia de um prazer excitará a idéia da ação
a “Westminster Review” . M uito atuante que é sua causa. E, quando a idéia existe, a
politicamente, desenvolveu papel de pri ação deve prosseguir” . A análise das idéias
meiro plano na difusão do liberalismo na morais mostra que é através da associação
Inglaterra. E foi sobretudo mérito seu que que se explica a passagem da conduta egoís
o positivismo não tenha assumido na Ingla ta à conduta altruísta. E por fins egoístas que
terra as características de uma concepção surge o altruísmo, mas isso não significa que
autoritária. o altruísmo não tenha valor em si mesmo. A
Em sua Autobiografia, escreve John generosidade continua sendo generosidade,
Stuart Mill: “ Meu pai foi o primeiro inglês a gratidão continua gratidão e o altruísmo
de grande valor que compreendeu perfei continua altruísmo até quando são identi
tamente e adotou em seu conjunto as con ficados seus moventes egoístas últimos. Do
cepções gerais de Bentham sobre a ética, o mesmo modo, lembra Jam es Mill, um raio
Estado e a legislação [...]. Em sua concepção de luz permanece branco para nós, também
de vida, estavam presentes características depois de Newton tê-lo decomposto nas co
estóicas, epicuristas e cínicas, não no sentido res do arco-íris. Pergunta-se: “ Será que um
moderno da palavra, mas no sentido antigo. movente complexo deixa de ser movente tão
Em suas qualidades pessoais predominava logo se descubra que é complexo?” A influên
o estoicismo. Seu modelo de moral era epi- cia dos valores sociais e desinteressados até
curista, tanto pelo utilitarismo como por ter o sacrifício é um movente real de ações; ela
adotado como critério exclusivo do justo e “ é o que é, não mudandoj^elo fato de serem
do injusto a tendência das ações de produzi simples ou com postos” . E esse o modo pelo
rem prazer ou dor [...]. Considerava a vida qual Jam es Mill, por meio da análise dos
humana um tanto pobre, uma vez passados fenômenos da mente humana, procura fun
o frescor da juventude e a curiosidade insa damentar o utilitarismo de Bentham. Sempre
tisfeita [...]. N a escala dos valores, punha em esteve convencido de que a política podia
posição muito elevada o prazer suscitado pe ser dominada pela razão e, como narra seu
los sentimentos de benevolência [...]. Nunca filho, “ professava o máximo desprezo por
modificou seu juízo sobre a superioridade todo tipo de emoções passionais e por tudo
dos prazeres espirituais em relação a todos o que foi escrito ou dito para exaltá-las.
os outros, até considerando-os apenas como Considerava-as como forma de loucura.
prazeres, isto é, independentemente de suas Para ele, o ‘intenso’ era a expressão usual de
outras vantagens” . desaprovação depreciativa” . Assim, conven
Associacionista na teoria da mente, cido de que a razão estava em condições de
James Mill pretendeu fundar uma ciência do dominar a política, James Mill, como todos
espírito que, analogamente à da natureza, os radicais daquele período, também estava
tivesse fundamento sólido nos fatos. E, para persuadido da onipotência da educação. E
James Mill, os fatos da mente são as sensa pôs sua teoria em prática educando seu filho,
ções, das quais as idéias representam cópia. o qual, a propósito, recorda: “ N o que se
A lei que regula a vida das sensações e das refere à minha educação, não sei bem se tirei
idéias é a da contigüidade no espaço e no mais desvantagens do que proveitos de sua
tempo: se duas coisas foram percebidas jun severidade, que, no entanto, não foi tal a
tas, não é possível pensar uma sem pensar a ponto de impedir-me uma infância feliz” .
Sexta parte -
CD p o s i+ iv is m o n o c u l+ u ^ a eiAV*opé.\a
tantes direções". O ensaio de Mill sobre a liberdade é, talvez até hoje, a defesa da
liberdade dos indivíduos mais lúcida e mais cheia de argumentos.
No espírito do livro sobre a liberdade, Mill em 1869 escreve o ensaio Sobre
a escravidão das mulheres: são páginas de elevada sensibilidade moral. As idéias
de Mill sobre a emancipação das mulheres encontrarão ampla repercussão na In
glaterra dentro do movimento das feministas. O direito das mulheres ao voto foi
aprovado na Inglaterra em 1919.
1
W èÊÈê
y \ c r i s e d o s v in te a n o s a alguma outra coisa, encontram a felici
dade ao longo do caminho. Os prazeres
da vida [...] são suficientes para fazer dela
John Stuart Mill (1806-1873) foi edu uma coisa agradável quando colhidos de
cado de modo metódico e severo pelo pai (é passagem, sem considerá-los como objetivos
impressionante todo o trabalho que James principais” .
fazia o filho realizar). Crescido na atmos E pelo resto de sua vida — ligada a
fera cultural inglesa do liberalismo, amigo H arriet Taylor por delicado e profundo
do economista francês Jean-Baptiste Say amor — , Stuart Mill trabalhou com muita
(que visitou na França), influenciado pelos intensidade, dentro da tradição empirista,
escritos de Saint-Simon e seus seguidores, associacionista e utilitarista, construindo
mais tarde leitor e correspondente de Comte
(cujas idéias autoritárias e despóticas refuta
ria), desde jovem, quando leu Bentham pela
primeira vez, em 1821, acreditava possuir o
que pode ser chamado de “ objetivo de vida” :
“ ser um reformador do mundo” .
Entretanto, “ em certo momento, des
pertei desse estado como de um sonho. Acon
teceu no outono de 1826. Fiquei em estado
de depressão nervosa, que ocasionalmente
todos podem experimentar. N ão sentia
nenhum interesse pela alegria ou pelas ex
citações do prazer. Era um daqueles estados
de espírito em que aquilo que era agradável
em outros momentos torna-se insípido ou
indiferente [...]. N essa condição espiritual,
ocorreu-me de me propor diretamente a
pergunta: ‘Supõe que todos os objetivos de
tua vida se realizassem e todas as mudanças
das instituições e opiniões a que aspiras
pudessem ser efetuadas precisamente neste
instante: isso seria grande alegria e felicidade
para ti?’ E a voz irreprimível da minha cons
ciência respondeu inequivocamente: ‘N ã o !’
Nesse momento, senti parar o coração. Todo
o fundamento sobre o qual construíra minha
vida ruía por terra” .
A crise espiritual de Mill não durou
muito tempo, mas ele saiu persuadido de que
“ são felizes apenas [...] os que se propõem
objetivos diversos de sua felicidade pessoal:
isto é, a felicidade dos outros, o progresso da
,
lo h n Stinirl M i ll ( I HOh-1 97'.■>):
seu pensamento constitui uma etapa fundamental
humanidade, até alguma arte ou ocupação, na historia da lógica
exercidos não como meio, mas como fim e na história da defesa da liberdade
ideal em si mesmo. Desse modo, aspirando dos indivíduos.
308 c ^ ... . ,.
òexta pãtte - CJ positivism o na cu ltu ra e-iA^opaia
com muita intensidade um conjunto de teo proposições das ciências dedutivas, como a
rias lógicas e ético-políticas que marcaram a geometria.
segunda metade do século X IX inglês e que N a opinião de Mill, o silogismo é esté
até hoje constituem pontos de referência e ril, pois não aumenta nosso conhecimento: o
etapas obrigatórias, tanto para o estudo da fato de o duque de Wellington ser mortal é
lógica da ciência como para a reflexão no uma verdade que já está incluída na premissa
campo ético e político. segundo a qual todos os homens são mor
De fato, se o ensaio Sobre a liberda tais. M as aqui as coisas se complicam, pois,
de (1859) — escrito em colaboração com se é verdade que todo o nosso conhecimento
sua mulher — é um clássico da defesa dos é obtido por observação e experiência, e se
direitos da pessoa, seu Sistema de lógica é verdade que a experiência e a observação
raciocinativa e indutiva (1843) continua um sobre as quais devemos nos basear nos
clássico da lógica indutiva. oferecem sempre um número limitado de
casos, como teremos então legitimidade para
formular proposições gerais como “ todos os
2 O silo g i s m o é e s t é r il; homens são mortais” , ou as leis universais
n ão au m en ta
da ciência? Como, a partir do fato de que
Pedro, José e Tomás morreram, dizemos que
n o sso c o n k e c im e n to todos os homens são mortais?
Esse, na realidade, é o difícil problema
da indução. Diz Mill: “ A indução é o pro
A lógica, diz Mill, é a ciência da prova, cesso com o qual concluímos que aquilo que
isto é, do modo correto de inferir propo é verdadeiro de certos indivíduos de uma
sições de outras proposições. Por isso, ele classe é verdadeiro para toda a classe, ou que
trata em primeiro lugar dos nomes e das aquilo que é verdadeiro em certos momentos
proposições, em que reside toda verdade e será verdadeiro em circunstâncias semelhan
todo erro. tes em todo momento” . A indução, diz ainda
M as as argum entações são cadeias Mill, pode ser definida sumariamente “como
de proposições, que deveriam levar a con generalização a partir da experiência. Ela
clusões verdadeiras se as premissas forem consiste em inferir, a partir de alguns casos
verdadeiras. E o silogismo foi considerado isolados em que se observa que o fenômeno
como tipo de argumentação válida. se verifica, que ele se verifica também em
Qual é, porém, o valor do silogismo? todos os casos de certa classe, ou seja, em
Examinemos o seguinte silogismo: “Todos todos os que se assemelham aos anteriores
os homens são mortais; o duque de Welling- naquelas que consideramos como circuns
ton é homem; logo, o duque de Wellington tâncias essenciais” .
é m ortal” . Concluímos então que “ o du
que de Wellington (que, na época de Mill,
estava vivo e forte) é m ortal” , a partir da 3 O p r i n c í p i o d e i n J liA ç ã o -.
proposição de que “ todos os homens são a u n if o r m id a d e d a n a + u > *& z a
mortais” . Todavia, como sabemos que todos
os homens são mortais? Sabemo-lo porque
vimos a morte de Paulo, Francisco, M aria e Para distinguir as circunstâncias essen
tantos outros, e porque outros nos contaram ciais das não essenciais, ou seja, tendo em
terem visto morrer outras pessoas. Portanto, vista “ escolher, entre as circunstâncias que
é da experiência que extraímos a verdade da precedem ou se seguem a um fenômeno,
proposição “ todos os homens são mortais” . aquelas às quais realmente está ligado por
E a experiência nos faz observar apenas lei invariável” , Mill propõe aqueles que ele
casos individuais. chama de “ os quatro métodos da indução” :
Por isso, a tese fundamental de Mill é a o método da concordância, o método da
de que “ toda inferência é de particular para diferença, o método das variações conco
particular” , ao passo que a única justificação mitantes e o método dos resíduos.
do “ isso será” é o “ isso foi” . E a proposição Nesse caso, porém, a questão mais
“ geral” é o expediente para conservar na candente é a do fundamento das inferências
memória muitos fatos particulares. Para indutivas ou indução: em suma, qual é a
Mill, todos os nossos conhecimentos e todas garantia para todas as nossas inferências a
as verdades são de natureza empírica, até as partir da experiência?
C ã p ítu lo d é c im o C /U in tO - O p o sitiv ism o s o c i o l ó g ic o e u tilitarista
N a opinião de Mill, essa garantia en mos predizer seus comportamentos com a
contra-se no princípio segundo o qual “ o mesma certeza com que prevemos qualquer
curso da natureza é uniforme” : esse é “ o comportamento físico.
princípio fundamental ou axioma geral da Todavia, tal necessidade filosófica não
indução” . E esse princípio foi formulado é fatalidade. A fatalidade é constrição mis
de diversos modos: o universo é governado teriosa e impossível de mudar. A necessidade
por leis, o futuro se assemelhará ao passado. filosófica, ao contrário, não impede que,
M as a realidade é que “ nós não inferimos uma vez conhecida, possamos agir sobre a
do passado para o futuro enquanto passado causa da própria ação, como agimos sobre
e futuro, e sim do conhecido para o des as causas dos processos naturais.
conhecido, de fatos observados para fatos Portanto, não há divergência entre li
não observados, do que percebemos ou do berdade do indivíduo e ciências da natureza
que ficamos diretamente conscientes para o humana. E, entre as ciências da natureza
que não entrou em nossa experiência. Nessa humana, Mill propõe em primeiro lugar a
afirmação está toda a área do futuro, mas psicologia, que “ tem por objeto a uniformi
também a parte, de longe maior, do presente dade de sucessão [...], segundo a qual um
e do passado” . estado mental sucede a outro” .
O princípio de indução (uniformidade E a uma ciência particular “ ainda por
da natureza ou princípio de causalidade), criar” , isto é, a etologia (de ethos = caráter),
portanto, é o axioma geral das inferências que Mill atribui a função de estudar a for
indutivas, que é a premissa maior última mação do caráter, com base nas leis gerais
de toda indução. M as qual é o valor desse da mente e da influência das circunstâncias
princípio? Será ele evidente a priori? N ão, sobre o caráter. E se a etologia é complexa,
responde Mill: “ A verdade é que essa grande mais complexa ainda é a ciência social que
generalização também está baseada em ge estuda “ o homem em sociedade, as ações
neralizações precedentes. As mais obscuras das massas coletivas de homens e dos vários
leis da natureza foram descobertas por seu fenômenos que constituem a vida social” .
meio, mas as mais óbvias provavelmente De 1861 é o Utilitarismo. A idéia cen
foram entendidas e aceitas como verdades tral do trabalho de Mill é a de Bentham:
gerais antes que delas sequer se ouvisse “ Segundo o princípio da máxima felicidade,
falar” . Em outras palavras, as mais óbvias o fim último em razão do qual todas as ou
generalizações descobertas no início (o fogo tras coisas são desejáveis é uma existência
queima, a água molha etc.) sugerem o prin o tanto quanto possível isenta de dores e o
cípio da uniformidade da natureza. Uma mais rica possível de prazeres” .
vez formulado, esse princípio foi proposto Até aí Mill está de acordo com Ben
como fundamento das generalizações indu tham. M as, diferentemente de Bentham,
tivas; estas, depois de descobertas, atestam afirma que se deve levar em conta não so
o princípio da uniformidade, pelo qual “ é mente a quantidade de prazer, mas também
uma lei que todo acontecimento dependa a qualidade: “ E preferível ser um Sócrates
de alguma lei” , e “ para cada acontecimento doente do que um porco satisfeito” . Para
existe alguma combinação de objetos ou saber “ qual de duas dores é a mais aguda
acontecimentos [...] cuja ocorrência é sem ou qual de dois prazeres o mais intenso, é
pre seguida daquele fenômeno” . preciso confiar no juízo geral de todos os que
Estes são, portanto, de modo geral, têm prática de umas e de outros” . E, para
alguns dos traços de fundo da lógica indu Mill, também não se delineia o contraste
tiva de Mill. entre a maior felicidade do indivíduo e a fe
licidade do conjunto: é a própria vida social
que nos educa, e radica em nós sentimentos
desinteressados.
Também são notáveis os ensaios millia-
nos publicados postumamente Sobre a reli
O livro VI do Sistema de lógica diz gião (1874). A ordem do mundo comprova
respeito à lógica das ciências morais. Nele uma inteligência ordenadora. M as isso não
Mill reafirma a liberdade do querer humano. nos autoriza a dizer que Deus tenha criado
Se conhecêssemos uma pessoa profunda a matéria, que ele seja onipotente ou onis
mente e, portanto, conhecêssemos todos os ciente. Como mais tarde em William James,
moventes que nela agem, diz Mill, podería em suma, Deus não é o Todo Absoluto;
Sexta parte - O p o s itiv is m o ncx c u lt u r a e u r o p é i a
o homem é colaborador de Deus ao pôr ainda espiritual” . E isso pelo motivo fun
ordem no mundo e ao produzir harmonia damental de que o desenvolvimento social
e justiça. é conseqüência do desenvolvimento das
Para Mill, a fé é esperança que ultra mais variadas iniciativas individuais. N atu
passa os limites da experiência. M as, per ralmente, a liberdade de cada um encontra
gunta-se ele, “ por que não nos deixarmos seu limite na liberdade do outro. Cabe ao
guiar pela imaginação a uma esperança, indivíduo “ não lesar os interesses alheios
ainda que jam ais se possa produzir uma ou aquele determinado grupo de interesses
razão provável de sua realização” ? que, por expressa disposição da lei ou por
tácito consenso, devam ser considerados
como direitos” . Cabe-lhe também “ assumir
sua parte nas responsabilidades e sacrifícios
d e fe s a d a lib e rd a d e necessários à defesa da sociedade e de seus
d o in d iv íd u o membros contra todo prejuízo ou dano” .
A liberdade civil implica:
a) liberdade de pensamento, de religião
À liberdade individual é dedicado o en e de expressão;
saio Sobre a liberdade (1859), fruto da cola b) liberdade de gostos e liberdade de
boração do filósofo com sua mulher. Talvez projetar nossa vida segundo nosso caráter;
ainda hoje esse livro seja a defesa mais lúcida c) liberdade de associação. A idéia de
e rica de argumentação da autonomia do Mill, portanto, é a da maior liberdade possí
indivíduo. Mill estava profundamente con vel de cada um para o bem-estar de todos.
vencido do valor desse livro, pois escrevia N o espírito do livro sobre a liberdade,
em sua Autobiografia que ele sobreviveria de 1869, Mill escreveu o ensaio Sobre a
mais do que qualquer outro livro seu (com servidão das mulheres. Trata-se de páginas
a possível exceção da Lógica). de elevada sensibilidade moral e de gran
O núcleo teórico do trabalho está em de agudeza na análise social. Há séculos
reafirmar “ a importância, para o homem e que a mulher é considerada inferior “ por
a sociedade, de ampla variedade de caracte natureza” . M as, recorda Mill, a “ natureza
rísticas e de completa liberdade da natureza feminina” é fato artificial, fato histórico. As
humana a expandir-se em direções inume mulheres são relegadas à marginalidade em
ráveis e contrastantes” . benefício exclusivo dos homens, tanto na fa
N a opinião de Mill, não basta que a mília como, segundo o que ocorria então na
liberdade seja protetora do despotismo do Inglaterra, nas fábricas, afirmando-se, além
governo, mas também precisa ser protegida disso, que elas não têm dotes que possam
contra “ a tirania da opinião e do sentimen fazê-las se destacar na ciência ou na arte.
to predominantes, contra a tendência da Mill sustenta que o problema deve ser resol
sociedade a impor, com outros meios além vido com meios políticos: criar as condições
das penalidades civis, suas próprias idéias e sociais de paridade entre homem e mulher.
seus costumes como regras de conduta para As idéias de Mill sobre a emancipação fe
os que dela se dissociam” . minina encontraram grande ressonância na
O que Mill defende é o direito do in Inglaterra na virada do século, no seio do
divíduo a viver como lhe aprouver: “ Cada movimento feminista pelo sufrágio univer
qual é o guardião único de sua própria sal. N a Inglaterra o direito de voto para as
saúde, seja corporal, seja mental e seja mulheres foi aprovado em 1919. [3]
Cãpltulo décimo quinto - O p o s i+ iv is m o s o c i o l ó g i c o e wtiiitaWs+a
J. S. MILL
LÓGICA
A I.Ó G IC A ,
enquanto ciência da inferência correta de proposições
de outras proposições, mostra que
toda inferência ocorre de particulares a particulares
CIÊNCIAS MORAIS
A LIBERD A D E C IV IL
é a m aior liberdade possível de cada um para o bem-estar de todos
e implica:
a) liberdade de pensam ento, religião, expressão
b) liberdade dos gostos, de projetar nossa vida segundo nosso caráter
c) liberdade de associação
Sexta patte - O p o s itiv is m o v\cx c u lfw ^ a e u r o p é i a
— ► -----------------------------------------
taremos diretamente delas, com toda a exten da os fenômenos sociais. Resta, portanto,
são conveniente, na parte deste curso relativa "levar a termo o sistema das ciências de
ao estudo dos fenômenos sociais. l\lão a tomo observação, fundando a física social". Csta
em consideração a não ser para determinar com - afirma Comte, o pai da sociologia - "é hoje
precisão o verdadeiro caráter da filosofia posi [...] a maior e mais premente necessidade de
tiva, em oposição às outras duas filosofias que nossa inteligência".
sucessivamente dominaram, até estes últimos
séculos, todo o nosso sistema intelectual. Quan
to ao presente, para não deixar totalmente sem Os fenômenos astronômicos, em primeiro
demonstração uma lei de tal importância, cujas lugar, sendo os mais gerais, os mais simples e
aplicações se apresentarão no âmbito inteiro os mais independentes de todos os outros, e
deste curso, devo limitar-me a uma indicação sucessivamente, pelas mesmas razões, os fenô
rápida dos motivos gerais mais notáveis que menos da física terrestre propriamente dita, os
podem fazer constatar sua exatidão. da química e, enfim, os fenômenos fisiológicos,
Cm primeiro lugar, é suficiente, parece- foram referidos às teorias positivas.
me, enunciar tal lei, para que sua justeza seja C impossível fixar a origem precisa desta
imediatamente verificada por parte de todos revolução; porque pode-se dizer com exatidão,
aqueles que têm algum conhecimento apro assim como de todos os outros grandes eventos
fundado da história geral das ciências. Não há humanos, que ela se realizou através de um
uma sequer, de fato, que tenha hoje chegado processo constante, particularmente depois dos
ao estágio positivo, que cada um não possa estudos de Aristóteles e da escola de Alexan
facilmente representar-se, no passado, como dria e, em seguida, depois da introdução das
essencialmente composta de abstrações metafí ciências naturais na Curopa ocidental por obra
sicas e, lançando-se ainda mais para trás, com dos árabes. Todavia, visto que convém fixar
pletamente dominada pelas concepções teoló uma época para evitar divogações, indicarei
gicas. Teremos também, infelizmente, mais de a do grande movimento impresso ao espírito
uma ocasião formal para constatar, nas diversas humano, dois séculos atrás ou mais, pela
partes deste curso, que as ciências mais aper ação combinada dos preceitos de Bacon, das
feiçoadas conservam ainda hoje traços muitís concepções de Descartes e das descobertas
simo evidentes dos dois estágios precedentes. de Galileu, como o momento em que o espí
Csta revolução geral do espírito humano rito da filosofia positiva começou a se afirmar
pode, por outro lado, ser facilmente constatada no mundo, em oposição evidente ao espírito
hoje, de modo claríssimo, ainda que indireto, teológico e metafísico, é então, com efeito,
considerando o desenvolvimento da inteligência que as concepções positivas foram claramente
individual. A partir do momento que o ponto de libertadas da amarra supersticiosa e escolástica
partida é necessariamente o mesmo na educa que deturpava o verdadeiro caráter dos estudos
ção do indivíduo e na da espécie, as diversos precedentes.
fases principais da primeira devem representar A partir desta época memorável, o movi
as épocas fundamentais da segunda. Ora, cada mento de ascensão da filosofia positiva, e o
um de nós, contemplando a própria história, movimento de decadência da filosofia teoló
não recorda que foi sucessivamente, quanto o gica e metafísica, foram muito importantes. Por
suas noções mais importantes, teológico em sua fim, de tal forma se acentuaram que se tornou
infância, metafísico em sua juventude, e físico impossível, hoje, pora todos os observadores
em sua maturidade? que têm consciência de seu século, desconhecer
R. Comte, a destinação final da inteligência humana aos
Curso de filosofia positiva. estudos positivos, ao mesmo tempo que seu
distanciamento é doravante irrevogável pelas
vãs doutrinas e pelos métodos provisórios que
podiam convir apenas a seu impulso inicial.
2 fl construção do sociologia Desse modo, esta revolução fundamental se
realizará necessariamente em toda a sua ex
como física social tensão. Se, portanto, lhe resta ainda alguma
grande conquista a fazer, algum alvo principal
Os fenômenos astronômicos, os físicos, do domínio intelectual a invadir, pode-se estar
os químicos e os fisiológicos são vistos por certos de que a transformação aí se verificará,
Comte como já capturados dentro da ciência assim como se verificou em todas as outras
positiva. Fora da ciência positiva estão ain- esferas. Na verdade, seria evidentemente
contraditório supor que o espírito humano, tão
Sexta parte - O p o sitivi s m o n a c u lt u r a e u r o p é i a
procede aproximadamente como antes, uma vez em lugar deles os trabalhos deles. A virtude
que a burocracia não foi mudada, e ninguém é do ístado, a largo prazo, é a virtude dos indiví
capaz de substituí-la. duos que o compõem, e o êstado que pospõe
Gspetáculo bem diferente apresentam, o desenvolvimento intelectual dos indivíduos à
ao contrário, os povos que estão habituados a vã aparência de maior regularidade na prática
resolver por si os próprios assuntos. Na França, minuta dos assuntos, o êstado que apequena
por exemplo onde uma grande quantidade de o povo paro dele fazer um dócil instrumento
cidadãos fizeram parte do exército, e muitos de seus projetos, mesmo que generosos, aca
tendo aí prestado serviço com o grau ao menos bará muito depressa por perceber que não é
de suboficiais, encontram-se em todas as insur possível fazer grandes coisas com pequenos
reições populares muitíssimas pessoas capazes homens, e que o mecanismo, à cuja perfeição
de pegar em armas e improvisar um discreto tudo sacrificou, não lhe servirá para mais nada,
plano de ação. Os americanos são para os por falta do espírito vital que tiver desejado
assuntos civis aquilo que os franceses são para deliberadamente destruir com o propósito de
os assuntos militares. Suprimi seu Governo, e facilitar seus movimentos.
uma sociedade qualquer de americanos poderá J. S. Mill.
organizar outro no mesmo instante, e conduzir Sobre o liberdade.
os negócios públicos com suficiente inteligência,
ordem e firmeza. Assim deve ser um povo livre.
Um povo que adquire estas atitudes tem asse
gurados para sempre suas liberdades; ele não
se deixará mais submeter por uma pessoa ou
por uma casta, pelo motivo que apenas estas
são capazes de deter as rédeas da adminis AÜGUSTE COMTE
tração central. Não há burocracia que possa
obrigar tal povo a sofrer aquilo que não lhe
agrada; enquanto, ao contrário, nos ístados t»
onde a burocracia é tudo, nada se pode fazer
sem que ela saiba ou aprove. Nos países assim POSITIVISM
constituídos, a experiência e o habilidade prá
tica da nação tornam-se um monopólio deste
corpo disciplinado para governar todo o resto, e
quanto mais sua organização é perfeita, quanto
mais consegue atrair para si tudo aquilo que
há de bom e de melhor no lugar, tanto maior B I J O H N S T Ü A E T HIL!
e total a servidão universal, não excluindo os
próprios indivíduos que pertencem à burocracia,
apesar de os governantes se tornarem escra
vos de sua organização e de sua disciplina, iiH u n t i u rmm t h * w w n tn isr** rsv b w .
O posifivismo evolucionis+a
e ma+enalisfa
• Em 1852 - ou seja, sete anos antes que Darwin publicasse a Origem das espé
cies - Herbert Spencer (1820-1903) propusera uma concepção evolucionista própria
em A hipótese do desenvolvimento. De 1855 são os Princípios de
psicologia, nos quais se dá amplo espaço à teoria evolutiva. Os A realidade
primeiros princípios foram publicados em 1862: nessa obra a teoria última
evolutiva se apresenta como grandiosa metafísica do universo. é incognoscível
Já no primeiro capítulo da obra, Spencer enfrenta o problema e o universo
da relação entre religião e ciência. Pois bem, uma e outra - afir é um mistério
ma Spencer - nos fazem compreender que a realidade última é ^ § 1
incognoscível e que o universo é um mistério: enquanto a tarefa
das religiões consiste em manter vivo o sentido do mistério, a tarefa da ciência é
a de impulsionar sempre mais para frente o conhecimento do relativo, sem jamais
presumir capturar o absoluto.
• Entre religião e ciência, a filosofia, para Spencer, é "o conhecimento do mais
alto grau de generalidade". Isso significa que a filosofia "compreende e consolida"
as mais amplas generalizações da ciência. A filosofia é, portanto,
a ciência dos primeiros princípios.
Por conseguinte - lembra Spencer - ela deve partir dos princí Acomo filosofia
ciência
pios mais elevados a que a ciência chegou e que, a seu ver, são: dos princípios
a) a indestrutibilidade da matéria; primeiros.
b) a continuidade do movimento; O sumo
c) a persistência da força. princípio
Tais princípios se referem a todas as ciências e encontram sua da evolução
unificação no princípio mais geral que seria o "da redistribuição —»§ 2-4
contínua da matéria e do movimento".
A lei de tal incessante e geral mudança é a lei da evolução, cujas características
essenciais são as de ser:
a) uma passagem de uma forma menos coerente para uma mais coerente;
b) uma passagem do homogêneo para o heterogêneo;
c) uma passagem do indefinido para o definido.
• A evolução em biologia, na visão de Spencer, é uma res- . .
posta por parte dos organismos ao desafio do ambiente por
meio da diferenciação dos órgãos (e isto é Laplace), e uma orgânico
seleção natural destes organismos mudados que favorece a e humano
sobrevivência do mais adaptado (e aqui Spencer está de acordo § 4-6
com Darwin).
Sexta parte - O p o sitivi s m o c u lt u r a e u r o p é i a
No campo da psicologia Spencer avança a tese de que aquilo que é a priori para
o indivíduo é a posteríori para a espécie, no sentido de que comportamentos inte
lectuais uniformes são experiência acumulada pela espécie em seu desenvolvimento
e transmitida por hereditariedade na estrutura orgânica do sistema nervoso.
Por fim, em O homem contra o Estado (1884) e nos Princípios de sociologia
(1876-1896) Spencer sustenta que a sociedade existe para os indivíduos e não
vice-versa. E considera os princípios éticos como instrumentos de sempre melhor
adaptação do homem às condições de vida.
nenhuma seja verdadeira, são todas, porém, positivo. Entretanto, diz Spencer, tais con
pálidas imagens de uma verdade” . trastes estão destinados a se atenuar sempre
Por tudo isso, religião e ciência são mais com o tempo. E “ quando a ciência
conciliáveis: ambas reconhecem o absoluto estiver convencida de que suas explicações
e o incondicionado. M as, se a função das são próximas e relativas e a religião estiver
religiões é manter vivo o sentido do mistério, convencida de que o mistério que ela con
a função da ciência é a de estender sempre templa é absoluto, reinará entre ambas uma
para além o conhecimento do relativo, sem paz permanente” .
nunca captar o absoluto. Para Spencer religião e ciência são cor
E se a religião erra ao se apresentar relatas. Elas são “ como que o pólo positivo
como conhecimento positivo do incognos- e o pólo negativo do pensamento: um não
cível, a ciência erra ao pretender incluir o pode crescer em intensidade sem aumentar
incognoscível no interior do conhecimento a intensidade do outro” . E, observa agu
damente Spencer, se a religião teve “ o mérito
elevado de ter entrevisto desde o início a
verdade última e nunca ter deixado de nela
insistir” , também é verdade que foi a ciência
■ In c o g n o s c ív e l. O term o foi usa
do prim eiro por W illiam Ham ilton que ajudou ou forçou a religião a se purificar
(1788-1856), um filósofo que fizera de seus elementos não-religiosos, como os
conhecer na In glate rra a filo so fia elementos animistas e mágicos. [T]
alemã do romantismo. Para Hamilton,
dizer "incognoscível" eqüivale a dizer
absoluto ou infinito, um absoluto que
pode ser objeto de fé, mas não de 2j| CD p a p e l d a f i lo s o f i a
conhecimento. no p e n s a m e n to d e S p e n c e r
Spencer retoma o term o de Hamilton
e, substancialm ente de acordo com
ele, afirm a que a realidade últim a é
incognoscível. Toda teoria religiosa M as qual o lugar e qual a função da
- escreve Spencer - "é uma teoria a filosofia no pensamento spenceriano? Em
priori do universo"; e todas as religiões Os primeiros princípios, a filosofia é defi
reconhecem que o mundo "é um mis nida como “ o conhecimento do mais alto
tério que pede uma explicação, e que grau de generalidade” . Para Spencer, as
a potência da qual o universo é uma verdades científicas desenvolvem, ampliam
m anifestação é totalm ente impene
trável". Por outro lado, o cientista que e aperfeiçoam os conhecimentos do senso
avança de generalizações em gene comum. Entretanto, elas existem separadas,
ralizações sempre mais amplas, sabe até quando, em um processo contínuo de
m uito bem - precisa Spencer - que unificação, são agrupadas e logicamente
"a verdade fundam ental permanece organizadas a partir de algum princípio
mais inacessível que nunca [...]. Mais fundamental de mecânica, de física m o
do que qualquer outro, o cientista lecular, e assim por diante. Pois bem, “ as
sabe com segurança que nada pode verdades da filosofia têm [...] com as mais
ser conhecido em sua essência última".
Portanto: religião e ciência são corre altas verdades da ciência a mesma relação
latas. E enquanto a tarefa da religião que cada uma delas tem com o as mais
é a de manter vivo o sentido do abso humildes verdades científicas. Como toda
luto, a tarefa da ciência é a de levar ampla generalização da ciência abrange e
sempre mais à frente a pesquisa do consolida as mais estritas generalizações
relativo, com sempre mais acentuada de suas próprias partes, da mesma forma
consciência de jam ais captar o abso as generalizações da filosofia abrangem e
luto. Apenas em tal perspectiva se
atenuarão os contrastes entre religião
consolidam as amplas generalizações da
e ciência, e "quando a ciência estiver ciência” .
convicta de que suas explicações são A filosofia, portanto, é a ciência dos
próximas e relativas, e a religião esti primeiros princípios, onde se leva ao limite
ver convicta de que o mistério que ela extremo o processo de unificação do conhe
contempla é absoluto, reinará entre cimento: “ o conhecimento de ínfimo grau é
elas uma paz permanente". não unificado; a ciência é um conhecimento
parcialmente unificado; a filosofia é conhe
cimento completamente unificado” .
Sextü parte - O p o s i+ iv is m o v\a c u l+ u m e u r o p é i a
6 O e v o lu c io n ism o
em so c io lo g ia e em é tic a
SPENCER
O POSITIVISMO EVOLUCIONISTA
pela RELIGIÃO,
cuja tarefa é manter R e l ig iã o
sempre intacto o sentido E CIÊNCIA
do mistério SÃO, PORTANTO,
O Absoluto, f CONCILIÁVEIS:
a realidade última, existe / am bas
pela CIÊNCIA, reconhecem
e permanece incognoscível p ara o homem: A
o universo é um mistério cuja tarefa é estender a existência
sempre além do A bsoluto,
Isso é atestado o conhecimento m as não
do relativo, o conhecem
porém sem jamais
captar o Absoluto
. A _______ ___
A ciência m ostra que
pela f i l o s o f i a , :
1 que é a ciência dos primeiros princípios, i
■- —. ► em que se leva ao limite extremo o processo
de unificação do conhecimento i
nhecido pela ciência, mas que, em princípio, poderá ser por ela
conhecido. E, ainda diversamente de Spencer - que via a evolução
como passagem do homogêneo para o heterogêneo -, Ardigò concebe a evolução
como passagem do indistinto para o distinto; assim, por exemplo, do indistinto que
é a sensação brotam as distinções entre espírito e matéria, eu e não-eu, sujeito e
objeto.
• Toda a realidade é natureza; o homem é natureza; o pensamento é fruto da
evolução da natureza, assim como a ética; os ideais e as normas éticas são - confor
me Ardigò - respostas dos homens associados a acontecimentos ‘
e ações consideradas danosas para a sociedade, e que depois se a evolução
fixam como normas morais - implicando sanções - na consciência dos princípios
dos indivíduos. O político Ardigò foi um liberal, antimaçom, crítico éticos
do marxismo em sua componente de materialismo histórico, e ->5 2.4
com uma propensão para o socialismo.
Sexta parte - O p o s itiv is m o n a c u l+ u ^ a e u r o p é i a
Lugtio l88t
111VISTA 2 yA p o s i ç ã o
d e R o b e r t o ^ A rd igò
diante da Academia virgiliana de M ântua o gia: péras = limite), no sentido de que supera
escrito A psicologia como ciência positiva. os limites das ciências particulares para
Aqui, seu pensamento já se mostra orgâ atingir, mediante a intuição (que é sensação
nico e consistente. Contrário à psicologia e pensamento, a natureza que tudo abrange
espiritualista, Ardigò afirma a necessidade e que funciona como matriz indeterminada,
de usar instrumentos científicos e pesquisas mas real, de todas as determinações.
estatísticas no estudo da psicologia. Enquanto Spencer, portanto, concebia
O fato — eis a pedra angular da filo a filosofia como ciência dos primeiros prin
sofia de Ardigò. Sentencia ele: “ O fato tem cípios, Ardigò a propõe como ciência do
realidade própria em si mesma, realidade limite, aproximando-se mais uma vez dos
inalterável, que somos obrigados a afirmar naturalistas renascentistas, com seu sentido
tal e qual nos é dada e como a encontramos, de unidade dos fenômenos da natureza.
na impossibilidade absoluta de retirar-lhe M as não é só nesse ponto que Ardigò
ou acrescentar-lhe algo. Portanto, o fato é se afasta de Spencer. Com efeito, antes de
divino. O abstrato, ao contrário, somos nós mais nada, Ardigò nega o incognoscível
que o formamos, podendo formá-lo mais es de Spencer. Toda a realidade é natureza e
pecífico ou mais geral. Portanto, o abstrato, a natureza é cognoscível, ainda que possa
o ideal, o princípio é humano” . As idéias, permanecer infinitamente inadequável para
as teorias e os princípios são provisórios e a pesquisa científica, ainda que, em outros
revogáveis, mas o fato não: “ Em suma, o termos, ela fique como o limite inalcançável
ponto de partida é sempre o fato. E o fato é pelo esforço cognoscitivo.
sempre totalmente certo e irreformável, ao Portanto, não se deve falar de incog
passo que o princípio é ponto de chegada, noscível (por princípio), mas sim de desco
que também pode ser abandonado, corrigi nhecido, isto é, daquilo que ainda não se
do e ultrapassado.” tornou objeto de conhecimento distinto,
Essa, portanto, foi a sofrida transição mas que, em princípio, pode tornar-se. Para
que levou Ardigò da sacralidade de Deus Ardigò, não há nada que possa transcender
para a divindade do fato. a experiência: estamos diante de uma forma
de imanentismo intransigente.
E U O ig n o ra d o v\c\o é o i n c o g n o s c ív e l
tSM A e v o lu ç ã o czomo passagem
d o indistin to a o d istin to
Em 1871, Ardigò deixou o hábito talar.
Em 1877, publicou A formação natural no A realidade é natureza. E esta está su
fato do sistema solar. Em 1879, saiu A moral jeita à grande lei da evolução. Entretanto,
dos positivistas. Em 1881, o ministro Guido enquanto Spencer formula a grande teoria
Baccelli nomeou-o (com grande rastro de geral da evolução baseando-se na evolução
polêm icas), por méritos extraordinários, biológica, e afirma que ela é uma passagem
professor da Universidade de Pádua, onde do homogêneo para o heterogêneo, Ardigò,
Ardigò ensinou até 1908. Em 1891 publi ao contrário, sustenta, baseando-se na evo
cou O verdadeiro; em 1893 saiu Ciência da lução psicológica, que a evolução universal
educação; em 1894, A razão; em 1898, A da natureza é uma passagem do indistinto
unidade da consciência; por fim, de 1899 é ao distinto.
A doutrina spenceriana do incognoscível. N o dado originário da sensação não há
Suicidando-se, Ardigò morreu em Pádua em antítese entre sujeito e objeto, externo e in
15 de setembro de 1920. Naqueles anos o terno, eu e não-eu. A sensação é o indistinto
pensamento filosófico italiano já se encon originário, em relação ao qual as distinções
trava firmemente orientado no sentido da entre espírito e matéria, eu e não-eu, sujeito
quele idealismo tão firmemente combatido e objeto são “ resultados” .
por Ardigò. E, como no caso da sensação, o pro
O único conhecimento válido é o co cesso de toda a realidade desenvolve-se
nhecimento científico; toda realidade é natu do indistinto para o distinto. Da unidade
reza. N ós procuramos compreender a na originária desse indistinto, nem subjetiva
tureza com as diversas ciências particulares, nem objetiva, derivam como distintos o eu,
ao passo que a filosofia ou “ ciência geral” o não-eu e, sucessivamente, todos os outros
não é a ciência dos primeiros princípios (ou fenômenos infinitos do mundo psíquico e do
protologia), mas ciência do limite (peratolo- mundo físico.
S e x t ã p ã r t e - CD p o s i t i v i s m o n a c u l t u r a e - u f o p é ia
m. o p o sitivism o m a te r ia lis ta
n a y \ le m a n k a
outro lado, já quase extintos os entusiasmos o célebre fisiólogo — se prova não sobre a
pela Naturphilosophie do período român base de argumentações físicas, mas como
tico, um grupo não numeroso de médicos exigência de uma ordem moral do mundo.
e naturalistas, provenientes das renovadas Portanto, nenhuma consideração fisiológica
faculdades de medicina alemãs, dá origem a pode levar a excluir a existência de uma
um movimento cultural, de grande sucesso alma espiritual.
na época, que foi definido também com o c) Uma terceira polêmica, que, porém,
nome de positivismo materialista alemão. se coloca no âmbito do positivismo social,
Os representantes mais conhecidos desse é a que opôs Engels (na célebre obra Anti-
movimento foram Karl Vogt, Jakob Mo- dühring de 1878) a Eugen Dühring (1833
leschott, Ludwig Büchner e Ernst Haeckel. 1921). Este último foi adversário ferrenho
O elemento característico do positivismo do hegelianismo em todas as suas formas (e
materialista é a luta contra o dualismo de portanto também na marxista), e defendeu
matéria e espírito e contra as metafísicas da um tipo particular de socialismo, que cha
transcendência, luta travada em nome de ou mou de personalismo, em que os fatores
tra metafísica: a metafísica materialista. Em políticos assumem um papel superior aos
essência, os monistas materialistas alemães tipicamente econômicos, e em que se pros-
pretenderam decretar o triunfo definitivo do pecta uma transformação não traumática
mecanicismo biológico e, simultaneamente, da sociedade.
a derrocada da concepção espiritualista e Ao lado dessas polêmicas é bom lem
teleológica do homem e da natureza. brar as duas linhas de tendência, dogmática
e aporética, do positivismo alemão, que se
encarnaram respectivamente no médico
Ludwig Büchner (1824-1899) e no zoólogo
p. ° s p rin c ip a is
Ernst Haeckel (1834-1919) de um lado, e
rep resen tan tes no fisiólogo Emil Du Bois-Reymond (1818
1896) do outro. Em síntese, os dois primei
ros sustentaram — embora com acentos
Dentro dessa orientação geral podemos diferentes — a hipótese cientificista-materia-
recordar algum as célebres controvérsias lista não só como a única passível de propo
destinadas a anim ar o m undo cultural sição, mas também como a única hipótese
alemão. definitiva e resolutiva de todo problema
a) Em primeiro lugar mencionamos científico e filosófico. O terceiro pensador,
a polêmica entre o químico Justus Liebig tomando como modelo da cientificidade a
e Jakob M oleschott (1822-1893). O pri teoria astronômica de Laplace, sustentou
meiro sustentou a possibilidade que se a ciência como estruturalmente incapaz de
pudesse provar racionalmente a existência dar resposta a uma série de problemas tanto
de um princípio superior que preside ao de ordem física (por exemplo, a origem da
desenvolvimento dos fenômenos naturais. matéria), quanto psíquica (os fenômenos de
O segundo foi contrário a esta tese, com a consciência), como também antropológica
convicção de que a vida não tem necessidade (a origem da linguagem) e ética (a liberdade
de nenhum artífice, uma vez que ela é um da vontade).
processo contínuo de regeneração por meio Para completar o quadro do positivis
da dissolução. mo alemão, vale a pena mencionar — além
b) Também'devemos mencionar a polê do já citado Dühring — dois expoentes de
mica entre o zoólogo Karl Vogt (1817-1895) relevo do positivismo social alemão: Ernst
e o fisiólogo Rudolf Wagner (1805-1864) Laas (1837-1885) e Friedrich Jodl (1848
sobre a existência da alma. Vogt contrariou 1914). O primeiro exaltou a moral positi
a idéia criacionista e sustentou que “ todas vista (isto é, “ uma moral para esta vida” )
as capacidades que compreendemos sob o contra a moral idealista abstrata e incapaz
nome de capacidades psíquicas são apenas de resolver os problem as concretos do
funções do cérebro” . Wagner se opôs a homem; o segundo exaltou o ideal do pro
esta tese, principalmente sobre a base de gresso inelutável da humanaidade que, a seu
considerações de ordem metodológica: a ver, passa pela educação para uma cultura
existência de uma alma imortal — sustenta obviamente materialista e positivista.
. , . 329
Cüpítulo decimo sexto - O p o sitiv ism o e v o lu c io n ista e m a te r ia lis t a
ciência é do diabo, esta é uma afirmação que entendido; e com a convicção de que, quando
o mais violento fanático não gostaria de afirmar for mutuamente reconhecida, esta qualquer
absolutamente. €ntão, quem não afirma isso coisa de comum será a base de uma completa
deve admitir que sob seu antagonismo aparente reconciliação. [...]
haja um tranqüilo e completo acordo. Ora, uma vez que estas duas grandes
Toda partido deve, portanto, reconhecer realidades, ciência e religião, são elementos
nos pretensões dos outros verdades que não do mesmo espírito e correspondem a aspectos
devem ser ignoradas, flquele que contempla o diversos do mesmo universo, deve existir entre
universo sob visões religiosas deve aprender elas harmonia fundamental; temos, portanto,
a ver que a ciência é um elemento do grande boa razão para concluir que o verdadeiro mais
todo; e como tal deveria ser olhada com os abstrato contido na religião e o verdadeiro
mesmos sentimentos que o resto. ínquanto mais abstrato contido na ciência devem ser
aqueles que contemplam o universo com visões aqueles em que ambos se fundem. O fato
científicas devem aprender a ver que o religião mais compreensivo que encontramos em
é da mesma forma um elemento do grande todo nossa mente deve ser aquilo que buscamos;
e, portanto, deve ser tratada como um sujeito reunindo ele os pólos positivo e negativo do
de ciência com não menores preconceitos do pensamento humano, deve ser o fato final de
que qualquer outra realidade. Convém que todo nossa inteligência.
partido se esforce para compreender o outro, H. Spen
com a convicção de que o outro é digno de ser Os primeiros princípios.
tf
-Z0
£ >í
^ A ***- Oud
JÊ ijt.
■f-éjcu,aj»
k*Jü-C
io -e u . & J L jj- tU jj- d s cUjetAMT
Jjt y U z à t ,
( U y L t <U> > *
Carta autografa de Spencer " / w j O - w U j j ) A u
ao matemático inglês
- Charles Babbage,
idealizador da máquina analítica Á Í í^ if ^ S
(jamais levada a termo),
uma calculadora
com fichas perfuradas
que deveria ter tido
todas as características
fundamentais
dos computadores modernos.
O DESENVOLVIMENTO
DAS CIÊNCIAS
NO SÉCULO XIX.
O EMPIRIOCRITICISMO
E O CONVENCIONALISMO
O d eservvo!vimer\+o d a s ciêrvcias
kvo sé c u lo XJX
I. O u e . s t õ e s g e r a i s
II. (D p r o c e s s o d e V i g o r i z a ç ã o ^
da matemática
TDa ^ a ritm e tiz a ç ã o expressão de Kronecker, segundo a qual,
d a a n á lise /' na matemática, tudo é obra dos homens, à
exceção dos números naturais, “ que foram
à “l o g i c i z a ç ã o d a a r i t m é t ic a * criados pelo bom Deus” .
Entretanto, nem todos os matemáti
cos decidiram-se a aceitar como primitiva
Deixando de lado a grande massa dos a noção de número natural. Alguns deles
resultados técnicos, a matemática do século consideravam que se podia remeter a idéia
X IX (diversamente da matemática do sécu de número natural a algo ainda mais profun
lo XVIII, o século de Euler e de Lagrange) do ou primitivo. E é então que nascem duas
caracteriza-se por forte exigência de rigor, linhas fundamentais de desenvolvimento da
entendido como a explicitação dos conceitos fundamentação da aritmética, uma devida
das diversas teorias e a determinação dos a Gottlob Frege (1848-1895) e a outra a
procedimentos dedutivos e fundacionais Georg Cantor. Com seus Fundamentos da
dessas teorias, com a definição progres aritmética (1884), Frege quis reconduzir a
siva da evidência com o instrumento de aritmética à lógica, reduzindo o conceito
fundamentação e aceitação dos resultados de número natural a uma combinação de
matemáticos. conceitos puramente lógicos. Escreve ele:
Esse processo conheceu uma primeira “ Procurei tornar verossímil o fato de que a
fase importante com a “ redução” , por Louis aritmética é um ramo da lógica, não tendo
Augustin Cauchy (1798-1857), dos concei necessidade de tomar emprestado nenhum
tos fundamentais da análise infinitesimal fundamento para suas demonstrações, nem
(limite, derivada, integral etc.) ao estudo dos da experiência, nem da intuição” . Em suma,
números “ reais” . E conheceu a segunda fase, o que Frege pretendeu fazer foi extrair “ as
também igualmente importante, chamada leis mais simples do numerar” com “meios
hoje de “ aritmetização da análise” , na qual puramente lógicos” . E, desse modo, com
a teoria dos números reais é reconduzida à Frege, passava-se da “ aritm etização da
teoria dos números naturais (de que se ocupa análise” para a “ logicização da aritmética” ,
a aritmética e que podem ser submetidos às tendo início a orientação “ logicista” na
operações de soma e de produto e às ope questão da fundamentação da matemática,
rações delas extraíveis). orientação que depois seria retomada e de
A “ aritmetização da análise” recebeu senvolvida por Bertrand Russell. Enquanto
notável contribuição de Karl Weierstrass Frege seguia precisamente o caminho da
(1815-1897) e alcançou seu ponto culmi logicização da aritmética, Cantor leva a
nante em 1872, com as duas “ fundamen efeito a redução da aritmética à “ teoria dos
tações clássicas” do sistema dos números conjuntos” .
reais, por G eorg Cantor (1845-1918) e
Richard Dedekind (1831-1916). As inves
tigações de Weierstrass, Cantor e Dedekind ■ líííjj^ e o r g e B o o l e
demonstraram que a teoria dos números e a á lq e b r a d a ló a ic a
reais, com todas as construções que se pode
obter a partir dela (por exemplo, a teoria das
funções de variável real e complexa, o cálcu Nesse meio tempo, a álgebra dava pas
lo infinitesimal etc.), deriva rigorosamente sos de gigante, sobretudo com o grande gênio
do conceito e da propriedade dos números — morto muito jovem em misterioso duelo
naturais. Desse modo, para alguns estudio — que foi Evariste Galois (1811-1832), que
sos, como, por exemplo, Leopold Kronecker sistematizou e organizou brilhantemente a
(1823-1881), o número natural aparece teoria das equações algébricas, e com o in
como o “ material originário” capaz de servir glês George Peacock (1791-1858), o irlandês
de “ fundamento” para toda a matemática. William Rowan Hamilton (1805-1865), ain
Essa convicção ficou registrada na célebre da o inglês Arthur Cayley (1821-1895) e o
Sétima parte - O d ese n v o lv im en to d a s c iê n c ia s , em piriocriticism o e co n v en c io n alism o
muitas retas que passam por P e não encon Por todas essas razões, no século XVIII,
tram s. Se aumentarmos o raio do círculo, o jesuíta Jerônimo Saccheri (1677-1733) re
diminui a quantidade de retas que passam solveu mudar de rumo. Em seu Euclides ab
por P e não encontram s. M as elas conti omni naevo vindicatus (Euclides emendado
nuarão sendo sempre de número infinito. por todo neo, 1733), experimentou negar o
Ora, que “ intuição” e que “ auto-evidência” postulado euclidiano da paralela e depois
poderão nos garantir que essa situação não deduzir todas as conseqüências lógicas dessa
existirá mais quando o plano é ilimitado? negação, procurando uma contradição que
(E. Agazzi - D. Palladino). demonstrasse assim, por absurdo, o famoso
Além disso (como se pode ver na fig. postulado.
4), se tomarmos uma reta s sobre um plano Em outros term os, o procedimento
e um ponto P fora dela, sobre o qual passa de Saccheri é o seguinte: tomemos cinco
a reta r, que encontra a reta 5 no ponto A, axiom as, dos quais os primeiros quatro
querendo tornar a reta r paralela à reta s, nós coincidam com os de Euclides e o quinto seja
fazemos girar em sentido anti-horário a reta a negação do quinto postulado de Euclides;
r, que encontrará a reta s nos pontos B, C, D, desenvolvamos então as conseqüências desse
E etc. Os pontos B, C, D , E etc. se afastarão conjunto de axiomas assim adulterado e, se
sempre mais do ponto A, mas quando é que, encontrarmos uma contradição (isto é, se
num plano infinito, tèremos a separação deduzirmos o teorema T e o teorema não-T),
entre r e s? Como poderá ser controlada então teremos demonstrando que é errado
essa separação? E absurdo dizer que duas refutar o quinto postulado de Euclides. Foi
retas paralelas se encontram no infinito? isso que Saccheri fez. E em sua dedução
apareceram teoremas que, à luz da intuição,
eram monstruosos. M as a monstruosidade
não é incoerência e a intuição pode nos en
ganar. Entretanto, não se engana a dedução
correta de proposições contraditórias. De
pois de ter cometido alguns erros, Saccheri
Fig. 4 encontrou a contradição que procurava,
acreditando assim ter alcançado o objetivo
a que se propusera. N a realidade, sem se
aperceber disso, havia construído a primeira
O nascimento geometria não-euclidiana.
das geometrias Esta, porém, devia esperar ainda cerca
de um século para ser construída e desen
não-euclidianas volvida conscientemente. Com efeito, foi no
princípio do século X IX que o grande ma
temático Karl Friedrich Gauss (1777-1855)
Bastam essas considerações para mos viu com toda a clareza a não demonstrabili-
trar as perplexidades que acompanharam a dade do quinto postulado e a possibilidade
reflexão sobre o quinto postulado de Eucli de construir sistemas geométricos diferentes
des na história do pensamento grego, árabe do euclidiano. M as Gauss não publicou suas
e renascentista. O fato é que, enquanto os pesquisas com medo dos “ estrilos dos beó-
quatro primeiros postulados de Euclides cios” . E a glória da fundação da geometria
parecem muito simples, com o quinto já não-euclidiana coube então ao húngaro
não se dá o mesmo. Ele assemelha-se mais Janos Bolyai (1802-1860) e ao russo Nicolai
a um teorema do que a um postulado. Por Ivanovic Lobacewskij (1793-1856), que, por
isso, procurou-se demonstrá-lo como con volta de 1826, independentemente um do
seqüência dos primeiros quatro, ou então outro, levaram a termo a construção de uma
como conseqüência dos primeiros quatro geometria na qual o postulado da paralela
mais outro postulado também “ evidente” e não vale mais. Com efeito, a característica
fora de discussão, como os primeiros quatro. de fundo da geometria hiperbólica (assim
Entretanto, a primeira tentativa não teve passou a ser cham ada posteriormente a
êxito e a segunda só obteve introduzindo geometria não-euclidiana de Lobacewskij)
um postulado que não é em absoluto mais é que ela se obtém substituindo o postulado
simples nem mais auto-evidente do que o da paralela por sua pura e simples negação.
que devia ser demonstrado. O postulado euclidiano afirma a unicidade
Sétima parte - O d e se n v o lv im e n to d a s c i ê n c i a s , em piW ocH ticism o e c o n v e n c io n a lism o
do plano da paralela para um ponto e uma elíptica a soma dos ângulos internos de um
reta, mas a geometria hiperbólica postula a triângulo é superior a 180°. Com efeito,
existência de mais paralelas para um ponto considerando o triângulo B A C da fig. 7 (no
e uma reta. O desenvolvimento do sistema qual dois vértices se encontram no equador e
de axiom as assim mudado deu origem a um coincide com o pólo), pode-se ver que a
uma nova e autêntica geometria, coerente, soma dos ângulos em B e C, sendo eles retos,
complexa e rica de teoremas interessantíssi é de 180°; mas, somando a eles o ângulo em
mos. Poucos anos depois do nascimento da A, a soma dos ângulos internos do triângulo
geometria hiperbólica, Bernhard Riemann B A C torna-se sempre maior que 180°.
(1826-1866) construía um sistema geométri
co (chamado de geometria elíptica) no qual
o axiom a da paralela era substituído pelo B
axiom a de Riemann, segundo o qual “ duas
retas quaisquer de um plano têm sempre
pelo menos um ponto em com um ” . Isso
significa que não existem retas paralelas.
Assim, também Riemann desenvolveu seu
sistema de modo coerente, obtendo desse
modo outra geometria não-euclidiana.
Apenas para se ter uma idéia de uma Fig. 6
geometria privada de retas paralelas, tome
mos o modelo constituído por uma esfera.
N esse m odelo, a esfera corresponde ao
plano e as retas são representadas por cir
cunferências máximas (obtidas cortando a
esfera por planos que passam no centro da
própria esfera; exemplos familiares de tais
circunferências máximas são o equador e os
meridianos terrestres). (Cf. fig. 5).
NORTE
IV. y\ t e o r i a d a e v o l u ç ã o b i o l ó g i c a
í ^ k a r l e s ! D a r w i v\
e a o rig e m d a s e s p e c ie s
Estampa do século X IX ,
que retrata Charles Darwin
em idade avançada.
Sétima parte - O d ese n v o lv im en to d a s c iê n c ia s , em pin ocri+icism o e c o n v en c io n alism o
v. Afí si c a no s é c u l o XJX
dos em um quadro teórico novo. Ele não que está resumida em quatro fórmulas veto-
se ocupava tanto das aplicações práticas riais de derivadas parciais, as “ equações de
de seus estudos, e sim muito mais de seu M axwell” . Sua expressão matemática é um
valor cognoscitivo teórico: como Oersted tanto complicada, mas o conceito de fundo
ressentiu-se profundamente da influência é simples: é verdadeira a hipótese de Fara
de Schelling e de outros filósofos alemães day, segundo a qual as variações do campo
da natureza, Faraday nutria a convicção, magnético induzem um campo elétrico e as
no início puramente metafísica, de que a variações de fluxo do campo elétrico indu
eletricidade, o magnetismo, a luz e a pró zem um campo magnético. Esta é a primeira
pria gravidade eram manifestações diversas grande síntese teórica no campo da física
de uma força única. E, como aconteceu depois de Newton. E, como a de Newton,
tantas vezes na história do pensamento, a essa é uma construção puramente abstrata,
ciência adquire traço de metafísica com o matemática. Além disso, Maxwell morreu
progresso de suas possibilidades técnicas. prematuramente, não tendo podido pô-la
Foi precisamente Faraday quem abriu o à prova com técnicas novas. M as, como
caminho, verificando experimentalmente teoria científica, ela previa fenômenos que
que um campo magnético pode fazer girar ainda não haviam sido observados, o que
o plano de polarização da luz, e estudando a expunha a controles futuros. A primeira
matematicamente as propriedades dos cam grande série de experimentos, justamente,
pos elétrico e magnético. M as será Maxwell tratou da hipótese da existência das ondas
quem alcançará o sucesso. eletromagnéticas e suas propriedades, sendo
J. C. M axwell (1831-1879) parte da dirigida por H. Hertz (1857-1894) nove
renúncia a inserir em uma mesma teoria anos depois da morte de Maxwell. Hertz
também os fenômenos gravitacionais. E verificou também que tais ondas têm todas
focaliza seu interesse no eletromagnetismo as propriedades geométricas das ondas lu
(embora não deixando de lado, por exem minosas (reflexão, refração, difração etc.).
plo, os estudos de termodinâmica). Entre Em seguida, vieram outras verificações: no
os anos de 1861 e 1873, em uma série de conjunto, ficou corroborada a hipótese de
trabalhos, expôs toda a teoria clássica do fundo, também proposta por Maxwell, de
campo eletromagnético que leva seu nome, que a luz não era mais do um que caso par-
Sétima parte - O d ese n v o lv im en to d a s c iê n c ia s, em piriocriticism o e c o n v en c io n alism o
catódicos, isto é, estuda o elétron. Três anos ação ” . M as a essas duas novas famílias de
depois, M ax Planck (1858-1947), estudan teorias físicas fundamentais retornaremos
do a energia térmica emitida pelo “ corpo quando falarmos do desenvolvimento das
negro” , introduz o conceito de “ quanto de ciências no século X X .
Gótico f P b t d h k g
Latim P b f d t c g h
Grego P b ph d th k g kh
Sânscrito P b bh d dh s i h
3...O c o n + rib u to
d o s //n e o g r a m á f i c o s //
inatistas) e ilustres biólogos (além de psicó foram dadas precisamente por aqueles que
logos) que defendem a tese de que “ gênio já se haviam formado com Wundt em Leipzig,
se nasce” . Outro interesse especial de Gal- entre os quais cabe mencionar J. Stanley
ton foi pelos problemas de mensuração das Hall (1844-1924), que, em 1883, fundou o
capacidades humanas, como testemunham laboratório de psicologia experimental de
suas Pesquisas sobre a capacidade humana Baltimore, e James Cattell (1860-1944), que,
e seu desenvolvimento (1883). Ainda na tendo-se ocupado do emprego dos reativos
Inglaterra, não devemos esquecer Charles mentais, é considerado como um dos fun
Spearm ann (1 8 6 3 -1 9 4 5 ), Jam e s Ward dadores da psicologia do trabalho.
(1843-1925) e George F. Stout (1860-1944). N a Itália, cabe recordar E. Morselli, F.
N a América foi W. James quem deu De Sarlo, A. M osso e especialmente G. Sergi,
impulso à psicologia. E as maiores contri que fundou um laboratório de psicologia na
buições entre os psicólogos experimentais Universidade de Roma em 1889.
VIII. A) as origens
d a s o c i o l o g i a c ie n t ífic a
as formas mais gerais, e daremos aos outros feliz, das sociedades humanas. Entretanto,
o nome de morbosos ou patológicos” . N a registra também elementos de insatisfação
turalmente, “ as formas mais gerais” só se e acena de passagem para o aumento do
dão em relação a determinada sociedade e número de suicídios, tema sobre o qual, em
em fase específica de seu desenvolvimento. 1897, publicou O suicídio.
Desse m odo, uma função preliminar da Depois de discutir sobre a predispo
sociologia é a da classificação dos tipos sição psicológica e sobre a determinação
de sociedade, o que é feito distinguindo as social do suicídio, Durkheim, baseando-se
sociedades, com base em seu grau de com em comparações estatísticas, distingue três
plexidade, desde as hordas até as modernas tipos de suicídio, que correspondem a três
sociedades complexas. Existem, portanto, os tipos de solidariedade social.
fatos sociais; estes podem ser distinguidos, Há o suicídio altruísta, provocado por
sem que se os avalie, em fatos normais e motivos sociais, como quando um homem
fatos patológicos; a sociologia é a ciência se mata para evitar o opróbrio da desonra,
que, considerando os fatos sociais “ como ou como quando uma pessoa anciã de tribo
coisas” , procura “ a causa determinante de nômade tira a própria vida para evitar ser
um fato social [...] entre os fatos sociais an peso para o grupo. O suicídio altruísta se
teriores e não entre os fatos da consciência verifica no seio de grupos fortemente coesos,
individual” . onde os fins coletivos são vividos e conside
rados como superiores aos fins individuais,
e onde o indivíduo conta unicamente em
O su ic íd io a ltm ís ta e e g o ís t a função do grupo.
Ao lado do altruísta, porém, há o sui
cídio egoísta, que se dá em pessoas pouquís-
Para Durkheim, essas reflexões meto
dológicas não constituíram um exercício in
vacuo. Ao contrário, elas brotaram do mais
vivo de suas pesquisas concretas. Entre elas,
seu primeiro trabalho importante trata D a L ’ANNÉE
divisão do trabalho social (1893), que busca
oferecer explicação da divisão do trabalho,
mas, sobretudo, procura investigar sobre a
SOCIOLOGIQUE
solidariedade social na sociedade moderna. l > U B U * I S S 0 U 8 L.V D IR E C T IO N
»•
Para tanto, Durkheim distingue entre so tM IlE DURKHEIM
ciedade simples (baseada nos vínculos da I W m m de «oci»i»gi« * U Faculte ém M im 4• rO»Í««nilá
4t Bnidtiu.
consangüinidade) e sociedade ou tipo social
w ic l « w u M t n a i m n .
secundário, tipificado pela divisão e pela
especialização das funções. ■tMtMr to bUf*»: C. UtW, rfewf* * « mm
■OMtÉ, ■—«w é» rmHiimtu k *• MmáfM m t
rkueomitT, h hut , um , *. mimam» —m iw. mmbi .
N as sociedades simples ou primitivas,
Durkheim vê um patrim ônio comum de
idéias, avaliações e experiências que cimenta FRtaitlK AXStB Cim-UiT)
os membros da comunidade. Nesse tipo de
• L* pn kiM m * tir f iit w W W M
sociedade, temos uma solidariedade mecâ
- C*rnmr*( It* / m m n c M n «
nica. Essa solidariedade mecânica, porém,
não se encontra na sociedade industrial l>r* 'ravMU «iu l-JoHM (M * m M Juin WI,
ta f* *w«jw«#ae. atwwfr. jurUiqmt, erimi-
moderna, onde os sujeitos se distinguem KMÍr. •taMNMorfw. — Üiwrr*.
simo ligadas ao grupo. Em outros termos, mais baixo ainda entre os judeus, devido à
o suicídio egoísta é típico de uma situação integração social produzida por suas respec
social em que prevalecem a responsabilida tivas crenças. Durkheim nos diz ainda que se
de, a iniciativa individual e a livre escolha registram mais suicídios entre os solteiros,
pessoal, na qual a crise deve ser enfrentada os divorciados e os viúvos do que entre os
mais com meios e recursos pessoais do que casados, da mesma forma que, entre estes,
institucionais. são mais numerosos nas pessoas casadas sem
filhos do que nas casadas com filhos.
su ic íd io a n ô m ic o
lu ê n c ia s d e D u rk k e i m
O empinocn+icismo
de Rickard y\vervarius e Ê m st ]sÁc\<zW/
e o co m/ervciorval is mo
de H ervri P o mca^e e p i e ^ e Duk^m
I. O e m p i H o e r i t ic i s m o
8 5 1 O r e to m o ao c o n c e it o
“n a tu r a l^ d e m u n d o
critos conservados nas bibliotecas. Até a quem, limitado no seu juízo ao período de
linguagem, que é o meio da comunicação, tempo que ele próprio viveu, vê somente a
é um instrumento econômico” . Além disso, direção que a ciência tomou momentanea
nós “ nunca reproduzimos os fatos comple mente” . Mach escreveu uma famosa história
tamente, mas somente naqueles aspectos da mecânica onde critica a possibilidade de
importantes para nós [...]. E também aqui estender leis e conceitos mecânicos a outros
se manifesta a tendência à economia” . E a domínios. E no prefácio à sétima edição
especificação da classificação e a descrição (1912) de A mecânica no seu desenvolvi
das interdependências, em sum a, “ todo mento histórico-crítico, Mach faz questão
o processo do conhecimento científico, de escrever peremptoriamente: “ Em parti
tem significado econômico” , já que “ toda cular, não retrato nada de minhas críticas
a ciência tem [...] a função de substituir sobre o espaço e sobre o tempo absolutos,
a experiência” . “ Por isso, a ciência deve que continuo a considerar monstruosidades
permanecer no âmbito do experimentável. conceituais. Nesta edição, fica mais claro o
Se precede a experiência, espera desta a fato de que Newton, embora falando muito
confirmação ou o desmentido. E aquilo dessas entidades, não fez delas nenhum uso
sobre o qual não é possível confirmação efetivo” . Embora conseguisse encontrar os
ou desmentido é algo que não lhe diz res pontos fracos da mecânica, encontrando-se
peito” . Embora vendo a ciência dentro da portanto no bom caminho, Mach não conse
teoria da evolução, e embora sustentando guiu aceitar a relatividade (nem a existência
que a ciência “ constitui indubitavelmente dos átomos).
o fator mais importante do ponto de vista A obra epistemológica de M ach foi
da biologia e da civilização, (enquanto) co muito influente entre os convencionalis-
meçou a substituir a adaptação hesitante e tas e mais ainda entre os neopositivistas.
inconsciente pela adaptação metódica, mais Discutida em cada um de seus pontos, foi
rápida e claramente consciente”, M ach não atacada energicamente por Lênin em sua
nega em absoluto que, “ embora no início obra Materialismo e empiriocriticismo: no
o conhecimento fosse apenas meio, poste tas críticas sobre uma filosofia reacionária
riormente, uma vez que se desenvolveram (1908, publicada em 1909). Sem meios-
suas exigências, não se pensa mais na ne termos, Lênin escreve que, enquanto Engels
cessidade m aterial” . E 5 5 S IT T T ] segue o caminho do materialismo, Mach
segue o do idealismo: “Nenhum subterfú
gio e nenhum sofista [...] pode eliminar o
B I (S ^ ít ic a s à m e c â n ic a n e w fc m ia n a fato claro e indiscutível de que a doutrina
de Ernst Mach, a doutrina das coisas con
Para M ach, o homem é parte da na sideradas como complexos de sensações, é
tureza; não há oposição entre instinto e idealismo subjetivo, é simples renascimento
inteligência; esta aperfeiçoa historicamente da doutrina de Berkeley” . N a realidade,
o que o outro construiu; a linguagem, a para Lênin, “ a função objetiva, de classe,
consciência e a razão são resultados da do empiriocriticismo se reduz a servir os
evolução e, agora, instrumentos poderosos fideístas em sua luta contra o materialismo
da evolução; com isso, também a ciência em geral e contra o materialismo histórico
tem seu desenvolvimento histórico. Mach em particular” .
é bem claro sobre a importância da cons Diante dessas acusações, sem se per
ciência desse desenvolvimento: “ Quem co turbar muito, Mach replicou: “ Em minhas
nhece todo o curso do desenvolvimento da palavras foram identificadas facilmente opi
ciência avaliará a importância de qualquer niões comuns, correntes, e eu fui transfor
movimento científico atual de modo muito mado em idealista, em berkeleyano [...], de
mais livre e correto do que poderia fazê-lo cujas culpas, porém, creio ser inocente” .
Capítulo décimo oitavo - O em pi riocriticism o e o c o n v e n c io n a lism o
II. o c o n v e n c i o n a l i s m o
de f-1enri Po incaré e Pi erre V ukem
E não devemos esquecer que a física não nos dá a coisa em si, "não nos revela em
nenhum caso as realidades que se escondem por trás das aparências sensíveis. Mas
- observa Duhem quanto mais se aperfeiçoa, mais percebemos que a ordem
lógica na qual ela dispõe as leis experimentais é o reflexo de um arranjo episte-
mológico".
• Diante do fetichismo dos fatos os convencionalistas reivindicam o primado
do teórico. E teorias instáveis, fatos que desmentem teorias, teorias que reinter-
pretam fatos velhos e novos estão aí para tertemunhar a dinamicidade da ciência.
As leis da física encontram sua base, como também seus desmen
A verdade tidos, nos resultados dos experimentos. Mas - escreve Duhem
de uma - "o físico jamais pode submeter ao controle da experiência uma
teoria física hipótese isolada, e sim apenas todo um conjunto de hipóteses".
não se decide É esta a idéia influente de experiência holística, idéia retomada
por cara em nossos dias por Quine. E é a idéia que tornaria impossível o
ou coroa experimentum crucis, o qual pretende afirmar que, entre duas
-^ § 3 hipóteses, se uma é falsa, a outra é necessariamente verdadeira.
Mas, pergunta-se Duhem: "duas hipóteses de física constituem
um dilema igualmente rigoroso? Ousaríamos afirmar que não é imaginável ne
nhuma outra hipótese? [...] A verdade de uma teoria física não se decide por cara
ou coroa".
co’, estou formulando uma norma de ação fatos existem em estado de fatos brutos. E o
que tem êxito. Eu teria podido dizer ‘faça cientista faz alguns desses fatos brutos torna
a água destilada agir sobre o ouro’, o que rem-se “ fatos científicos” . Por isso, “ parece
também teria sido uma norma, só que não supérfluo procurar saber se o fato bruto está
teria obtido êxito. Portanto, se as ‘receitas’ fora da ciência, pois não pode haver ciência
científicas têm valor como norma de ação, sem fato científico, nem fato científico sem
isso depende do fato de nós sabermos que fato bruto, enquanto o primeiro é a tradu
elas alcançam êxito, pelo menos geralmen ção do segundo” . M as, então, o que resta
te. M as saber isso significa saber alguma da tese de Le Roy? E isso o que se pergunta
coisa. Então, por que nos dizeis que não Poincaré, para responder: “ Resta o seguinte:
podemos conhecer nada? A ciência prevê, e o cientista intervém ativamente, escolhendo
exatamente porque prevê, ela pode ser útil os fatos que merecem ser observados. Um
e servir de norma de ação ” . 3] fato isolado, em si mesmo, não tem valor
algum; mas adquire interesse se pensamos
que ele poderá nos ser de ajuda para prever
A t e o r ia in stitu i o fato outros ou ainda se, antes de ser previsto,
e " a e.%pe.Aê.v\c-\a é a ú n ic a fo n te sua verificação constitui a confirm ação
d a ve rd a d e ” de uma lei. E quem escolhe os fatos que,
respondendo a essas condições, merecem o
Claro, existem elementos convencio direito de cidadania na ciência? E a atividade
nais na ciência, mas eles encontram seus livre do cientista” . Por outro lado, é bem
limites tanto na base como no edifício da verdade que os cientistas erigem por vezes
própria ciência. N a base, porque não é leis entre as mais universais e confirmadas
verdade aquilo que diz Le Roy, isto é, que o em princípios indiscutíveis e “ cristalizados,
cientista cria o fato, ainda que seja verdade não mais submetidos ao controle da expe
que o cientista cria o “fato científico” , dele riência” ; entretanto, também é verdade que,
falando no interior de uma teoria científica. dentro desses princípios, cria-se toda uma
O cientista, portanto, não cria os fatos: os série de hipóteses que, embora criadas pelo
experimentais é o reflexo de uma estrutura teorias” . Tudo isso significa que a prova
ontológica” . XI de uma hipótese não pode se efetuar em
condições de isolamento dessa hipótese:
precisamos também de hipóteses auxiliares
3 -, < S o n t i ^ o l e s k o l í s t i c o s (isto é, que ajudem a hipótese em questão
a produzir conseqüências observáveis), de
e negações instrumentação (englobando e pressupondo
do expe^/Vnentum cmc/s outras teorias) etc. Desse modo, “ o físico
não poderá nunca submeter ao controle
da experiência uma hipótese isolada, mas
Diante do fetichismo dos fatos procla apenas todo um conjunto de hipóteses.
mado pelo positivismo, a consciência dos Quando a experiência está em desacordo
convencionalistas em relação à relevância do com suas previsões, ela nos indica que pelo
teórico constitui grande passo adiante, que menos uma das hipóteses que constituem o
lhes permitiu compreender o dinamismo da conjunto é inaceitável e deve ser modificada,
ciência, que, além de ter método, também mas não aponta qual deverá ser modifica
tem história. E a física “ progride [...] porque d a ” . “ O único controle experimental da
a experiência produz continuamente novas teoria física que não é ilógico consiste em
concordâncias entre leis e fatos e porque, confrontar todo o sistema da teoria física
incessantemente, os físicos retocam e mo com todo o conjunto das leis experimentais e
dificam as leis para poderem representar avaliar se o segundo conjunto é representado
os fatos de modo mais exato” . As leis da pelo primeiro de modo satisfatório ” . E isso,
física, escreve Duhem, se fundam sobre os sustenta Duhem, determina a impossibili
resultados dos experimentos. Precisamente dade de realizar em física o experimentum
nesse ponto, a propósito do experimento, crucis, segundo o qual (basta pensar no
Duhem deu uma de suas contribuições mais experimento de Foucault para determinar
notáveis, levantando a idéia dos controles a veracidade da hipótese corpuscular da
chamados “ holísticos” (idéia retomada em luz, defendida por Newton, Laplace e Biot,
nossos dias pelo lógico W. V. O. Quine, tanto ou da hipótese ondulatória, defendida por
que é chamada de “ tese D u h e m -Q u in e ” ), e a Huygens, Young e Fresnel), dadas duas
outra teoria, derivada da idéia dos controles hipóteses incompatíveis, dever-se-ia decidir
holísticos, de que não ocorrem experimenta de modo irrefutável e inequívoco a veraci
crucis. “ O físico se propõe demonstrar a dade de uma ou de outra, realizando uma
inexatidão de uma proposição. Para de condição que, em ligação com a primeira,
duzir dessa proposição a previsão de um deveria dar certo resultado e, em ligação
fenômeno, para realizar o experimento que com a segunda, deveria dar outro. Entre
deve demonstrar se o fenômeno se produz tanto, afirma Duhem, isso não é possível:
ou não, para interpretar os resultados de o experimentum crucis pretende afirmar
tal experiência e constatar que o fenômeno que, se uma hipótese é falsa, a outra neces
previsto não se produziu, ele não se limita a sariamente é verdadeira. Todavia, “ duas
fazer uso da proposição em discussão. Usa hipóteses de física constituem alguma vez
também todo um conjunto de teorias aceitas dilema tão rigoroso? Ousaríamos afirmar
sem reservas. A previsão do fenômeno, cuja que nenhuma outra hipótese é imaginável?
falta de concretização deve cortar o debate, [...] O físico nunca está seguro de ter efe
não brota da proposição em contestação tuado todas as suposições imagináveis: a
tom ada isoladam ente, mas daquela que veracidade de uma teoria física não se decide
está relacionada com todo o conjunto das por cara ou coroa” .
370
_ Setima puvtc - O dese n v o lv im en to d a s c iê n c ia s , em p iriocriticism o e c o n v en c io n alism o
3 fl ciência economiza
Desenhos de Mach para o estudo da visão
como fenômeno físico.
a experiência
"Toda a ciência tem a finalidade de subs
critos, Newton contradiz esta interpretação. Ge tituir, ou seja, de economizar experiências por
sobressai justamente pela riqueza de conjectu meio da reprodução e antecipação dos fatos
ras. Sabe também excluir muito rapidamente, no pensamento".
com experimentos, as inutilizáveis, que não
resistem ã verificação. [...]
fl função essencial de uma hipótese Tarefa da ciência é pesquisar aquilo
consiste em levar a novas observações e ex que é constante nos fenômenos naturais, os
perimentos que permitem confirmar, rejeitar ou elementos destes, o modo de sua relação
modificar nossa conjectura; em suma, ampliara e sua dependência recíproca. Por meio da
experiência. [...] descrição clara e completa, a ciência procura
Ao formar uma hipótese procura-se justi tornar inútil o recurso a novas experiências, de
ficar as propriedades de um fato nos circuns economizar experiências. Uma vez conhecida
tâncias particulares e limitadas das quais jus a dependência recíproca de dois fenômenos,
tamente a observação nos informou, sem saber a observação de um torna supérflua a do ou
naturalmente se tais propriedades valerão tam tro, que é co-determinado e predeterminado
bém para outras circunstâncias mais gerais, sem pelo primeiro. Mesmo na descrição, pode
saber, portanto, se a hipótese será adequada ser economizado trabalho, usando métodos
também para aquelas circunstâncias e até que que permitam descrever de uma só vez e do
ponto. Podemos extrair a matéria, os elementos modo mais breve o maior número de fatos. [...]
para as representações hipotéticas, apenas de Toda a ciência tem a finalidade de subs
nosso ambiente sensível atualmente conhecido, tituir, ou seja, de economizar experiências por
levando em conta casos que oferecem com isso meio da reprodução e antecipação dos fotos
uma semelhança ou analogia. Semelhança não no pensamento. Cstas reproduções são mais
significa identidade. € em parte identidade e em manejáveis do que a experiência direta, e em
parte diversidade. Isso implica que, ampliando certos aspectos a substituem: Não são neces
a experiência, uma hipótese instituída por ana sárias reflexões muito profundas para perceber
logia em alguns casos se verificará, em outros que a função econômico cJa ciência coincide com
certamente não. fl hipótese, portanto, já por sua suo própria essência. € necessário ter idéias
natureza, acha-se destinada a se transformar no claras sobre este assunto, se se quiser evitar
decorrer da pesquisa, e adequar-se às novas toda forma de misticismo, fl comunicação do
experiências ou até a cair para ser substituída saber por meio do ensino transmite ao aluno
por outra hipótese totalmente nova, ou pelo a experiência realizada por outros, ou seja,
conhecimento completo dos fatos. permite-lhe economizar experiências. Conhe
Os cientistas, que se atêm a isto, não cimentos experimentais de gerações inteiras
devem ser excessivamente temerosos ao ins se tornam posse das sucessivas por meio de
Sétima parte - (D d e s e n v o l v i m e n t o d a s c iê n c ia s , em piriocH ticism o e c o n v en c io n alism o
□ O valor cognoscitivo
PARIS
da ciência E B N E S T FL A M M A R IO N , S D I T B U R
26, f»U * B A C IN B , 86
— A
"R ciência é uma regra de ação que tem Dw« de inéKtim <* repnhJtwüw rtmnrtt pm itm iei f»y*.
saber isso é justamente saber alguma coisa, e seduzido pela miragem de alguma nova esco-
então por que dizeis que não podemos conhe lástica, ou se não se perderia, crendo ter tido
cer nada? apenas um sonho?
R ciência prevê, e é porque ela prevê que H. Poincaré,
pode ser útil e servir como regra de ação. Sei O valor da dêndo.
bem que freqüentemente suas previsões são
desmentidas pelo acontecimento; isto prova
que a ciência é imperfeita e, se acrescento que
assim permanecerá sempre, estou certo de que
faço uma previsão que, ao menos esta, não D uhem
seja jamais desmentida. O cientista se engana
sempre menos freqüentemente que um profeta
que predissesse por acaso. Por outro lado, o
progresso é lento, mas contínuo, de modo que O papel
os cientistas, embora sempre mais audazes, do história da ciência
são sempre menos iludidos, é pouco, mas
suficiente.
Sei bem que Le Roy disse em algum lugar "Fazer a história de um princípio físico
que a ciência engana-se mais freqüentemente significa Fazer a análise lógica dele".
de quanto se crê, que os cometas por vezes
brincam com os astrônomos, que os cientistas,
os quais aparentemente são homens, não fa R importância que, no estudo da física,
lam de bom grado de seus insucessos e que, assume a história dos métodos por meio dos
se deles falassem, deveriam enumerar mais quais as descobertas foram feitas salienta, de
derrotas do que vitórias. novo, o diferença extrema que vai entre física
Naquele dia le Roy evidentemente supe e geometria. Na geometria, onde as clarezas
rou seu pensamento. Se a ciência não tivesse do método dedutivo se ligam diretamente òs
sucesso, não poderia servir como regra de evidências do senso comum, o ensino pode se
ação; então, de onde tiraria seu valor? Do fato efetuar de modo inteiramente lógico. € suficien
de que elo é "vivida", isto é, pelo fato de que te que um postulado seja enunciado para que
a amamos e acreditamos nela? Os alquimistas o estudante capte imediatamente os dados do
tinham receitas para fazer o ouro, as amavam conhecimento comum que tol asserção resume.
e tinham fé nelas; todavia, as que têm sucesso Não é preciso, para isso, saber o percurso pelo
são as nossas receitas e é por isso que elas qual o postulado entrou na ciência. R história
são as corretas, embora nossa fé nelas seja das matemáticas é, certamente, objeto de uma
menos viva. curiosidade legítima; elo, porém, não é de
Não há um modo de fugir deste dilema; modo nenhum essencial para a compreensão
ou a ciência não permite prever, e então é sem das mesmas. Na física as coisas não caminham
valor como regra de ação; ou permite prever de do mesmo modo; aqui se vê que é proibido
modo mais ou menos imperfeito, e então não é para o ensino ser pura e plenamente lógico.
sem valor como meio de conhecimento. Por isso, o único modo de ligar as asserções
Não se pode também dizer que a ação formais da teoria com a matéria dos fotos que
seja a finalidade da ciência; devemos talvez elas devem representar, e isso evitando a furtivo
condenor os estudos feitos sobre a estrela penetração de idéias falsas, é o de justificar
Sírio, sob pretexto que não exerceremos pro toda hipótese essencial com suo história. Fazer
vavelmente jamais nenhuma ação sobre esse a história de um princípio físico significa fazer
astro? ao mesmo tempo sua análise lógica. R crítica
R meu ver, ao contrário, a finalidade dá-se dos processos intelectuais postos em jogo pela
pelo conhecimento, e a ação é seu meio. Se me física liga-se indissoluvelmente à exposição do
congratulo com o desenvolvimento industrial, evolução gradual por meio da qual a dedução
não é apenas porque ele fornece argumento aperfeiçoa a teoria, dela fazendo o cada dia
fácil aos advogados da ciência; é sobretudo uma imagem mais precisa, mais ordenada, das
porque dá ao cientista a fé em si próprio e leis salientadas pela observação. Rpenas a his
também porque lhe oferece um campo de ex tória da ciência pode salvaguardar o físico das
periência imenso, onde ele se embate contra loucas ambições do dogmatismo e também dos
forças demasiado grandes poro encontrar um desesperos do pirronismo. Descrevendo a longa
modo de dar um empurrãozinho. Sem esse série dos erros e hesitações que precederam
lastro, quem sabe se ele não deixaria a terra, a descoberta de todo princípio, ela o põe em
Setima pdtte - CD d e s e n v o l v i m e n t o d a s c iê n c ia s , em piriocriticism o e c o n v en c io n alism o
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