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Incluir para excluir Alfredo Veiga-Neto Eon recente artigo que escrevi para o nimero especial da revista Proposigdes sobre “Educacéo Especial: exclusio /incluséo”, da Univer- sidade de Campinas (UNICAMP), discuti algumas das dificuldades e embigaiidades que enfrentam as politicas que pretendem fazer a inclu- sio escolar dos anormais, justamente em decorréncia, tais dficuldades, da propria construgdo moderna da normalidade (Veica-Nero, 2001). In- corporando boa parte do que jé havia feito, retomo agora, neste capttulo, aquela discussao. O que hi de novo aqui se concentra sobretudo na primeira metade deste texto; com isso, pretendo tanto colozar minha discussao num ambito mais abrangente quanto matizar algumas ques- t5es que, talvez, néo tivessem ficado suficientemente claras naquele arti- 0. Emtodo caso, aqui meu objetivo continua modesto: o que segue ain- a ndo passa de alguns apoatamentos sobre as atuais assim chamadas politicas de inclusao dos anormais;iss0 ¢ feito a partir dos estudos fou- janos que venho desenvolvendo nos tiltimos anos, quero deixar claro que, na esteira das contrituigoes de estou usando a palavra anormais para designar es- variados e numerosos grupos que a Modernidade sindrémicos, deficientes, monstros e psicopatas (em todas as suas va- riadas tipologias), os surdos, os cegos, 08 al * “Que asim parega aos Homens é 0 set Uso GIS (gays, lesbicas € es por priticas secuais e/ou de Seguem as assim chamadas “uae catego- ‘a mascalina ea 105 sob essa denominagdo genérica— os anormais se diferentes identidades flutuantes cujos significados se est cursivamente em processos que, no campo dos Estudos costuma denominar politicas de identidade. Trata-se de esto sempre atravessados por relagSes de poder, de cuja dinamica decorre justamente ocariterinstavel e flutuantedessas e quaisquer outrasidentida- des culturais, Nesse ponto, os anormaisnio sio uma excegdo. Assim, o que 6 crucial entender é que os anormais nc so, em si ou ontologicamente, isso ‘ouaquilo;nem mesmo eles se instituem em Fungo do que se poderia chamar de desvioratural em relagio aalguma ssposta esséncia normal. Seguindo 0 segundo Wittgenstein, isso equivale a dizer que, ao invés de buscer uma ‘suposta correlagio entre os significados de alguma identidade anormale um objeto norma! —na ilusdo de poder, a partir daf, estabelecer o que émesmo esse anormal — 0 que interessa ¢ examinar os significados de anormal a partir dos usos que se faz dessa expressio. Mas ndo se trata tio somente de fazer umaanélise denotacionista, de cunho linguistico,fenomenolégico, mas sim de, abandonando qualquer pretenséo de encontrar alguma relagaoentre linguagem e mundo, empreender uma andlise genealégica dessas expres- sbes e dos jogos de linguagem e de poder era que elas assumem os signi- ficados que tém. Como explica Ewald (1993, ».87), “saber como se efetua a partilha enize o normal eo anormal constitu todo um problema. Compreen de-se que da nunca exprimiré uma lei da Natureza; t0 86 pode formular a pura relagio do grupo consigo mesmc” Se nos parecem duras as palavras com que é designado aquele va- riado elenco de“tipos” —e tantos outros quanto mais continuacem s¢ ampliando e refinando os saberes sobrea diversidade humana?— € jus- tamente porque as praticas de identificacao e classificacao estaoimplt- cadas com tio poderosas relagdes de poder que a assimetria que delas resulta parece ndo se encaixar com alguns dos nossos ideais ilumi- nistas. Se nos incomoda até mesmo ¢ palavra anormal é porque sabe- mos—ou, pelo menos, “sentimos” — que 0eu sentido moderno gestou- se por sucessivos deslocamentos a partir de outros tipos situados em outras praticas e estratos discursivos — como os monstros, 0s masturba- dores e 0s incorrigiveis (Foucautr, 1999b) —, e as custas de oposigdes, exclusées e violencia. Voltareia esse ponto, mais adiante. E pode ser, também, que a palavra incomode aqueles que, explicita ‘ou implicitamente, colocam ao abrigo dela até mesmo essa crescent * Para uma ciscussio acerca da crescente insttuigho da idade como critério identi, ‘vide VEIGA-NETO (20008). massa humana dos sem-emprego, dos sem-teto, dos sem-terra,dos sem- ‘idadania, dos sem-nada. Nesse caso, tenho argumentado que o desloca- ‘mento que referi acima estd sendo, hoje em dia, levado adiante: de um ano cuja énfase incidia sobre a morfologia e a conduta (dos corpos), ‘um plano cuja énfase agora se da sobre a economia ea privagdo (de -minados estratos populacionais). Em outras palavras: ainda que os critérios da partilha normal—anormalemerjam da “pura relagao do ‘grupo consigo mesmo”, as marcas da anormalidade vém sendo procu- radas, a0 longo da Modernidade, em cada corpo para que, dept cada corpo se atribua um lugar nas intrincadas grades das es dos desvios, das patologias, das deficiéncias, das qualidades, das virtudes, dos vicios. O que agora me parece ser uma novidade éa inver- ica do neolibecalismo vem operando nesse processo. A ligdo de uma marca —agora, construida a partir de crité- yémicos, como capacidade de consumir, ava- pelo poder finarceiro quanto pela competéncia/ expertise para fazer as melhores escclhas (Veica-Neto, 2000b) — néo propria- ‘mente a um corpo, mas a toda uma fragdo social para que, depois, se diga que qualquer corpo dessa fragao é normal ou anormal pelo simples fato de pertencer a tal fragéo. Isso equivale a dizer que o critéri entrada no € mais 0 corp\ morfologia e comportamento); 0 de entrada pode ser, também, o grupo social aoqual esse corpo como indissoluvelmente ligado. Nao € dificil notar 0 quao forte é 0 poder envolvido nesses processos. Correlativamente, também nao é dificil notar 0 quanto parece estar se ampliando o conceito ¢ 0 uso da rorma como estratégia de dominacio. Como sabemos, frente zos inemodos que palavras como normale anormalidade podem nos causar, s40 possfveis algumas altemativas. Uma delas consiste na pura e simples negacao abstrata‘ dos anor- mais (no plano epistemol6gico), da qual resultam as préticas deexclusdo mais explicitas e radicais (no plano material). Trata-se de praticas que tém no racismoo seu ponto imediato de convergéncia, se entendermos por racismo nao apenas a rejeicao do diferente, mas, também, a obses- do pela diferenca, entendida como aquilo que contamina a pretensa pureza, a suposta ordem, a presumida perfeicio do mundo. A: pensada como uma manchano mundo, na medida em que os diferentes feimam em ndo se manterem dentro dos limites nftidos, precisos, com os ‘TBntoa usando essa expresso no sentido que Ihe deu a Teoria Critica {em especial, ‘Max Horkheimer). 107 te quais o Iluminismo sonhou geometrizar c mundo. A diferenga entendida como aquilo que, sendo desviante e instével, estranho e efémero, nao se submete & repeticdo mas recoloca, a todo momento, 0 risco do cas, 0 perigo da queda, impedindo que o sujeito moderno se apazigue no refi- gio ctemo deuma prometida maioridade. ‘Uma outra alternativa consiste no reaurso a protegéo linguistica dada por algumas figuras de ret6rica, entre as quais temos bons exemplos nas perifrases do tipo “aqueles que necessitam de cuidados ou atendimentos ‘especiais” e nos eufemismos do tipo “portadores de deficiéncias”. Lem- bro que uma parcela dos discursos em prol do politicamente correto ado ta essa safda, como se quisesse expiar uma culpa, pasando 2or cima dessa questo — fazendo dela uma questéo apenas técnica ou, quanto muito, epistemolsgica —, e jogando para debaixo do tapete a violencia ‘que se pe em movimento nessas praticas. Uma terceira alternativa—aliés, compativel coma anterior —con- sisteem simplesmente naturalizar a relacdo normais —anormeis,iss06, pensar anormaem termos naturais,como algo que afesté, Aespera deser entendida e administrada pelos especialistas. Desse modo, a anormali- também aqui, a uma questdo técnica, ainda que se pessa 1,uma discussao politica em prol do anormal e, muitas sua inclusdo social forga que as palavras tém. No plano conceitual e riscos ¢ exige cuidadosas andlises acerca da gen mente do grupo “os anormais”, mas decada um do: a Modernidade agrupou sob essa denominacao. No pl situagio ¢ to mais dificil e perigosa quando se trata de pensar, propor cc implementar politicas sociais que levem em consideragao que, afi- nal, os anorm (0 af e muito tem de ser feito por e junto com eles. uso da expresso junto com eles 6 proposital pois quero chamar atengdo pare a crescente popularidade que vém tendo as poltticas de incluso escolar dos anormais. Com 5, no anima, curioso notar af 0 extmoro: 0 portador de deficiencia 6, em outras ppalavess, “aqucle que carrega/condusz algo que ndo tem”. * Para uma discassio sobre isso, vide, entre outros, VEIGA-NETO (1995) ¢ RAJCHNAN, (2987. 108 anormais podem, ou mesmo devem, ser misturados, nas escolas, com os normais— cada vez, mais parecidos com nés mesmcs e, bem por isso, ‘cada vez mais especiais, melhores, mais raros. ‘Agora, mais um risco: come deixar claro que umahipercriticaatais politcas de inclusdo no im uma negacaoa elas, nko implica uma recusa a propri ‘ando auma questio que é anterior a essa: como ndo deixara impressdo de que nio varer a sujeira paradebaixo do tapete nao significa querer conviver coma sujeira? Como bem sabemos, tais pcliticas de inclusio— uma bandeira que tem atrafdo boa parte dos pedagogos progressistas — t#m enfrentado varias dificuldades. De um|ado, essas politicas tém esbarrrado na resis- téncia de muitos educadores conservadores, De outro lado, clas tém en- frentado dificuldades de o:dem epistemolégica ou mesmo pratica, seja quando pretendem tratar de modo generalizantee indiferenciado as ind meras identidades culturais que “povoam’” aquilo quese costuma deno- minarde "todo social”, seja quando nao levam em consideracio que tais identidades culturais tem suas ratzes em camadas muito mais profundas do que fazem crer aqueles discursos progressistas mais simplificadores, ‘que costumam ver omundosempre a partir da famosa dicotomia domina- dores —dominados, exploradores —explorados, As dificuldades Como tenho discutidoem outros lugares (VriGa-Nevo, 1995, 2000a, 2000b), a escola moderna é. Jocusem que se dé de forma mais coesa, mais profunda e mais duradouraa conexao entre poder e saber na Modernida- de. Eé por causa disso que ela é capaz de fazer tio bem a articulagoentre « Razio de Estado e o deslocamento das prticas pastorais (para as tec- nologias do eu), funcionando, assim, como uma méquina de gover- namentalizago que consegue ser mais poderosae ampla do que a prisio, ‘omanicémio, o quartel,o haspital. Isso faz da escola um lugar privilegia- do para se observar, por exemplo, tanto as transformagées que jé aconte- ceram quanto as que ainda estaoacontecendo na légica social. Faz dela, também, um lugar atraente para implementar mudangas sobre essa l6gica social, que se pretendam necessérias, seja no plano poittco, cultural ou econémico. Mas isso nao significa, absolutamente, que essas sejam opera 6es fdceis. £ preciso ter sempre claro que mesmo aquilo que parece ocorrer apenasno ambito escolar pode ter —e, quase sempre, tem —ligagdessutis 109 rr poderosas com priticas (discursivas endo discursivas) que extravesam a propria escola. No casa que estou aqui discutindo, por exemplo, nao bastam vonta- de politica ecompeténcia técnica (para lidar com o anormal) para que se implemiente com sucesso a inclusio. Se ndo forem levadas em conta a variada tipologia da anormalidads e a sua propria génese, ou se ndo se conhecer, como disse Skliar (1999, p.26), “qual €a politica de significados eas representagées que se produzem e reproduzem nessa proposta’, ou ‘em qualquer outra proposta, nao apenas as dificuldades serdo enormes como, pior, poderemos estar levando a questo para um rumodiferente, ou até oposto, daquele que tinhamos pensado. E claro que nao tenho a pretensdo, nem de longe, de tentar resolver ‘essas dificuldades, de apontar algumas ss”. Até mesmo porcueo debatesobre a inclusio escolar nac estd propriamente no centro de neus interesses de pesquisa, de modo que minha discussao se daré pelasbor- das, problematizando em torno de alguns elementos que, muitas vezes, sfo tomadose pensados tranquilamente nesse debate, IMdades pode contribuir para desna- Penso que tematizar esas: -las, para desconstrui-las, para mais uma vez mostrar 0 quanto truidas social e discursivamente. Com isso ndo quero dizer que essas dificuldades existem apenas num suposto mundo das ideias e que, por isso, seriam mais facilmente removidas do nosso caminho. Aocontrario, tais dificuldades so muito “duras” na medida em que se assentam em préticas discursivas endo discursivas bastante coesas e estaveis, que tém necessariamente uma base material e que mantém entresi umnexoima- nente. Falar em imanénci a dizer que essas préticas nao mantém relagées causais simples entre si — situagdo em que bastaria fazermos ‘uma mudanga nas causas, para obiermos uma mudanga nos seus efeitos —prefiro seguir Deleuze (1988) dizer que se trata, aqui, de intrincadas e poderosasrelagées de causalidade imanente. Em suma, aquelas dificuldades ndo sdo ontologicamente necessirias, isto 6, elas ndo advém de uma suposta natureza das coisas, de alguma pro- priedade transcendental que presiciria o funcionamento do mundo. Veja~ ‘mos um exemplo disso. Se parece mais dificil ensinar em classes inclusivas, classesnas quais os (chamados) normaisestao misturados com os (chama- dos) anormais, néo é tanto porque seus (assim chamados) niveis cognitives so diferentes, mas, antes, porque a prépzia logica de dividir os estudantes 0 ‘era classes — pornfveis cognitivos, por aptides, por género, poridades, por ‘lasses sociais etc. — foi um arzanjo inventado para, justamente, colocar em. agioa norma, através de um crescentee persistente movimento de, separan- doo normal do anormal, marcar a distingo entre normalidade e anorma- lidade. Nesse caso, 0 conceito de nivel cognitivo foi inventado, ele proprio, ‘como um operador a servigo desse movimento de marcar aquela distingSo; néo tem sentido, portanto, tomé-lo como um datum prévio natural. A pro- ria organizagdo do curriculo eda didétice, na escola modema, foi pensada ce colocada em funcionamento para, entre varias outras coisas, fixar quem ‘somos nése quem 5300s outros. Entao, ao contréric de ontologicamente necessérias, aquelas difi- culdades séo contingentes. Entendé-las como contingentes é ertendé-las como resultado de miiltiplos arranjos histéricos cuja tecitu- ra, uma vez conhecida, pode eventualmente ser alterada, redirecionada, rompida—nio faz delas um obstéculo menos poderoso para as trans- formagies sociais que se queira fazer. Por que, entio, é importante sa- bermos que isso é assim e saber como se dao essas coisas? Em primeiro lugar, porque tudo isso, na medida em que nos libera do prometefsmo fundaco nas metanarrativas iluministas, nos joga dire- tamente neste mundo ecoloca nas nossas préprias mos a possibilida- de de qualquer mudanga. Em segundo lus ‘os quais devemo: mé-los ou desconstruf-lo ‘em fungo dos nossos de vivermos no trabalho po de preparar a grande virada que nos levaria para um fu lize definitivo —numa duplicagao contemporanea, certa- messidnico) de promover a critica radical e a insurreisio constante. Usando a conhecida de Foucault: ao invés da grande revo- ugdo, pequenas revoltas didtias... © normal e o anormal Mas voltemos a tratar da separagio entre os normaise os anormais. Penso que as contribuigSes de Michel Foucault e de Zygmunt Bauman sd0 importantes e muitc iteis para articular a desconstrugdo do caréter m natural que € atribuido a essa diade — de um lado, 0 normal de outro lado, o anormal — e para passar a vé-la como uma construcao dixcursiva, ‘moderna. Vejamos isso com um pouco mais de detalhe. Foucault Bauman co queaordem deixou deser ndem a Modernidade como tempo em. 1 algonatural, como “algo queestava -smenie enquanto ordeme, como ‘al, ‘do, uma disposigo que, por nao estar desde ‘sempre af, deve ser imposta a0 mundo natural e social. Nesse sentido,“a cexisténcia é madera na medida em que contém a altemnativadaordeme do caos” (Bauman, 1999, p14), endoo caos, portanto, aquilo que esta fora ivo da ordem. Assim, 0 caos € condigo necesséria & wesma,iss0 6, ela 86 e identifica com ela mesma se frente com 0 seu outro, que & 0 caos. Dessa desna- turalizagéo daordem resulta, também, que a propria Natureza tem de ordenada e, para tanto, tem de ser deminada, subjugada. Numa perspe tiva foucaultiana, esses entendimentos foram as condigées de possibili- dade para que se estabelecesse todo um conjunto de préticas,a partirda Idade Classica, cujo alvo é elidir a ambivaléncia, a indefinicio, o desen- quadramento, o imprevisfvel. Para usar uma expresso cunheda pelo fil6sofo, a epistemeda ordem—e mais: também da representagio, disse ele—preparaa Modernidade comoum tempo de intolerdncia Adiferen- ‘2, mesmo que essa intolerancia esteja encoberta erecalcada sobo véuda aceitacdo e da possivel convivéncia — nessa forma de racismo’ que se costuma chamar de amigdvel. Vista a partir dessa perspectiva, aModer- nidade caracteriza-se, em suma, como um tempo marcado pela vontade de ordem, pela busca da ordem. ‘Masse, parao pensamento modemo, aordem ndo estava sempre ase elando é mais entendida como algo natural, aquilo que a vontadede ordem. ‘eas operagdes de ordenamento engendram passa a ser visto como natu- 1al.De ato, nto deixa de ser um tanto estranho queas diades que se criam a partir de uma operacao de ordenamento sao sempre naturalizadas. Vas no ¢ dificil campreender que a naturaliza¢ao daquilo que a vontade de ‘ordem produ resulta do ocultamento do poder que ests na génese das operagies de ordenamento. Vejamos comoisso se da, 7 Bstou usando o termo racismo no sentido amplo que he ds Pierucc: além de rengas pera manter as distincias.. uma obsestio com a diferenga” (1999, p.25-26). m do pode ser vista como 0 primeiro paso numa operagao de aproximagao com o outro, para que se dé 1, para que se estabeleca algum saber, por menor que seja, acerca desse outro. Detectada algume diferenca, se esta- belece um estranhamento, seguido de uma oposigéo por dicotomia: 0 _mesmondo se identifica com o outro, que agora é um estranto. Eclaro que aquele que opera a dicotomia, ou seja, quem parte, “Eaquele que fica com a ‘mehor parte". Nesse caso, a melhor parte é do mesmcou, talvez seja me- thor dizer: ¢ o préprio mesmo. Portanto, o resultado dessa operagionio é simétrico, ou seja, essa operagao cria, de saida, dois elementos que guat- dam um diferencial ntres.. Um diferencial que expresso, ainda quesejaem termos simbélicos, um poder queesteve ativo, que funcionou, que aconte- ‘eu. no aparentemente simples sto de repartico. E porque parece simples, esseato parece ser um ato “puramente” epistemolégicc. Emais: a0 parecer ‘uma operacio puramenteepistemol6gica, de simples reconhecimento ou estranhamento cognitive, a dicotomia esconde seu compromisso com a relagio de poder que estava na sua origem. Nas palavras de Bauman (1999, p22), “afalsa simetria dosresultados encobre a assimetria de poder que é ‘a sua causa”. Além disso, 0 diferencial ndo se estabelece apenas como uma diferenca entre dois conjuntos de propriedades (portadas pelos elementos da dfade), sendo que se manifesta — também e mais importante — como ‘uma diferenca nas relagbes entre os dois elementos, segundo o sentido em ‘quese dio essas relagbes. No nosso caso, se onormal depende do anormal para a sua propria satisfagdo, tranquilidade e singularidade, o anormal depende do normal para sua prépria seguranca esobrevivendia, Conforme cexplica Skliar, ao discutir a dfade ouvinte— surdo, “as oposighes bindrias, suptem que o primeiro termo definea norma e que osegundcexiste fora do dorninio daquele. Noentanto, o ser surdo nao supde o oposto—onegativo —deser ouvinte, nem o ser cegoo oposto de ser vidente” (1999, p22). Se 0 que esté descrito acima explica muito genética e sucintamente como é colocada alguma ordem no mundo — uma ordem que se realiza pelas operagées de aproximago>conhecimento>estrenhamento, ou seja, inclusio>saber>exclustio—, nao explica por quese forma uma determina- da diade e nao outras, isto 6, nao explica quais so as “categorias” que se formam por esse processo. Entdo, o que ainda é precisofazer 6 referir como apareceu a diadenormal—anormal ou, em outras palavras, de onde vem. ‘© pr6prio conceito moderno de normalidade. Isso é acui defundamental importancia, tendo em vista que aquilo que estd na pauta das politicas de incluso é, justamente, saber o que fazer com 0s anormais. Naohé como, nese pequeno espago, entrar em muitos detalhes sobre isso; assim, 113 procurarei apenas f que nao estdo far rizados com esse ass:into. Para Foucault, esse polimérfico grupo ao qual hoje denominamos os anormais formou-se “a partir de trés elementos, cuja constituigao ndofoi exatamente sincrOnica” (FoucAvtT, 1997, p 61): 0s monstros humanos, 0 individuo a corrigir e 0 onanista. E claro que todos esses trés “tipos" jé existiam desde tempos muito remotos; a novidade que se afirma, desde inicio do século XIX, é tanto o agrupamento deles numa categoria mais ampla quanto vé-los muito menos como um objeto de curiosidadee muito mais como um problema. A problematizagio em tomo desses tipes decor- reu do surgimento, a partir da seguada metade do século XVILI, de um novo elemento que nem o Direito nem as disciplinas conheciam:a popu- Jagdo. A populagdo— essa novidadeenquanto problema ao mesmo tem- po cientifico (da ordem da vida) e politico ida ordem do poder) — passa a ser entendida como um novo tipo decorpo, um corpo de miltiplas cabe- {ga sobre 0 qual so necessérios novos saberes (que hoje chamamos de Estatistica, Medicina Social, Demografia, Satide Publica, Ciéncias Atuariais etc.). Tais saberes nao se restringem a cada uma das cabecas que compéem esse novo corpo; a grande novidade: so saberes que se ‘ocupam, principalmente, das relagdes en-re essas cabecas, suas aproxi- maces, suas diferencas, suas regula-idades. f a partir daf que seestabe- lece umacada vez maior e “estrita co‘aboragdo entre os gestores da buro- cracia estatal som os demografos e toda a sorte de experts (médicos, psiquiatras, sanitaristas e outros)” (Mata, 1998, p.135). E esse (indissoia~ vel) casamento entre os gestores do Estadoe esses novos e5 Foucault dencminou biopolitica —¢ um novo tipo de poder, um pocer coletivo sobre a vida —que Foucaultdenominou biopoder. Peloque discuti antes, e para tornar muito mais econémicocefetivo ‘um controle e uma gestdo que até entio se davam sobre elementos muito mais dispersos e desordenados, tudo isso implica trazer essas miltiplas cabegas para bem préximo, inclut-lase ordené-las num novo e cada vez maior e mais matizado campo de saberes. Participou, também, desse processo de genese do conceito denorma- lidade mais um outro conjunto de saberes cuja origem estava em outro lugar e num tempo mais recuado. Refiro-me aos saberes sobre 0 loucoe sua loucura, ou seja, aos saberes psiquidtricos. Saberes que por muito tempo se ocuparam em compreender 9 louco e o que se poderia fazer com asualoucura, mas que, a partir do século XVIII comegaram a se extender 4 + algumas referencias que poderdo ser titeis aqueles para muito além disso. Como explica Foucault (1999b, p.150), um conjun- to de condutas que “até entdo nao tinham recebido sendo um estatuto moral, disciplinar ou judiciério” — como a indisciplina, a agitagdo, a indocilidade, a rebeldia, a desafeigao—, passa a ser cada vez mais captu- rado pela Psiquiatria. O cue ocorreu foi propriamente a desalienacao da Ps.quiatria, um alargamento do campo psi que levou Foucault a dizer (que, a partir de um determinado “momento” hist6rico, “nadahd,em suma, nas condutas humanas que ro possa, de uma ou ou:ra maneira, ser interrogado psiquiatricamente” (idem, p.148).Um “momento” a partir do {qual os saberes do campo psise tornam saberes tanto médicos — como anilise e tratamento das anomalias de comportamento—, quanto judi- logia do saber aestética daexisténcia. Rio de Janeiro: NAU; Londrina: CEFIL, 1998, PIERUCCI A. F. Ciladas da diferenca Sio Pavio: Trinta e Quatro, 1999, RAJCHMAN, J. Foucault: a liberdadeda Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1947, SKLIAR, C. “A invengdo e a exclusfo da alteridade ‘deficiente’ a partir dos significados da normalidade.” Educagdo & Realidade, 24(1),jul./dez,, 1999. VEIGA-NETO, A. Critica Pos estruturalistae Educagio, Porto Alegre: Sulina, 195, VEIGA-NETO, A. “Espacos, tempos e diseiplinas: as criancas ainda devem ir escola?” In ALVES-MAZZOTTI, Alda etalii. Linguagens, espacos e tempos no ensinar e aprender. Rio de Janeiro: DP/ A, 200¢a, p9-20. \VEIGA-NETO, A. "Educago e governamentalidade neoliberal: novos dispesitives, novas subjetividedes.” In: PORTOCARRERO, Vera & CASTELO BRANCO, Gui- Iherme. Reiratos de Foucault. Rio de Janeiro: NAU, 2000b, p.179-217, t democrah na Bducngio Chad. Pot Alegre Editora da Universidade, 2000, 215-234, VEIGA-NETO, A. “In Proposigées, 2001 (no pr WITTGENSTEIN, Lu Anscombe, 1977, fara saber. Saber para excluir.” Campinas: ig. Bemerkungen dber die Farben. Stuttgart 8 O nome dos outros. Narrando a alteridade na cultura e na educacao' Silvia Duschatzky e Carlos Sklar Quem sto osoutra? Otravestismo discursivo parece ser uma das marcas mais habituais desta época. Com a mesma rapidez na qual se sucedem as mudangas tecnolégicas e econdmicas, os diseu se disfarcam com véus dem tengdes dos enunciadores do: Em que medida as que reivindicam as bondat ranciae queestabelecem o: estio anunciando pensamen cionais em que aalteridade fe A sociais se revestem com novas :6ricas da moda —como por exemplo aquelas do multiculturalismo, que pregam a tol sgunta ndo é casual, pois vem ao encontro de um tempo de instabilidade discursiva, no qual conceitos tais come cultura, identida- de, inclusao/exclusdo, diversidade e diferenca parecem se intercambidveis, sem custo nenhum para quem assume, se apodera e governa as representagoes de determinados grupos sociais. Bhabha (1994) defineesta época através da met4fora ca desorienta- fo: muito mais que uma sensagio confusa, existiria um verdadeiro distirbio da diregéo humana, um momento de trénsito em que oespago © o tempo se cruzam para preduzir figuras complexas de diferenca e identidade, de passadoe de presente, de interiore exterior. Serd certo, entdo, que “tudo que é sélido se desmancha no ar?” Que novas retéricas s40 novos discursos, outros modos denomear? Que, por exemplo, o chamado a tolerdncia venha trincar uma hist6ria construfda Uma versio deste artigo foi public sobre os usos escolares da d: ba

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