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EDITORA AUTOGRAFIA Eulitora Autografa Edigto © Comunicagao Ltda, Rus Buenos Aires, 168, 4 Andar ~ Centro (Cep: 20070.022 Rio de Janezo ‘Organizadora e tradtora: Kalina Vanderle (Capa: Fabricio Vale aitoragto letra: Fabricio Vale Historias Concotadas- Enssios sobre Histéria Global, Comparada e Colonial na Tdade Moderna (Bras, Asia e Améxies Hispinica) SANTOS PERGZ, José Manuel VBdigio Dezembro de 2016 ISBN: 978.85-55269646 (GPSRASH. CATALDGAGKO NA FUDLIENCAO SINDICATO WACONAL DOS ETORES DELNROS, 2s Says Mee Mant ‘eh senei cv seo a ceapts oki ate nes Gre Anes Hap) Doe Maal ts Bene ed Rove Aston 10 ‘Bipcsem “dude de ate concn eae ooh gs oped ‘Ohmi she weer nos ie Ama pts) Sauswessnenrs s00 cose east wane aaa Todo oF dtetorreserader. EE proibida a reprodugdo deste livto com fins comereais sean préviaautorizagto do autor e de Bditora Antografi. Dedicatéria Para meu orientador, colega ¢ amigo, o profesor Julio Sanchez Gomez, que me ajudou a inictar minha carrera como historiador Sumario INTRODUGAQ. KALINA VANDERLEI SILVA 1. HISTORIA SLOBAL, HISTORIA MUNDIAL. ALGUNS ASPECTOS DA FORMACAD HISTORICA DE UM MUNDO GLOBALIZADO. 2. A PERSPECTIVA COMPARATIVA NO ESTUDO DOS SISTEMAS COLGNIAIS. TENTATIVAS DE SISTEMATIZAGAQ METODOLOGICA, 3. BRASIL E A PRIMEIRA MUNDIALIZACAO. 0 INTERCAMBIO| CULTURAL ENTRE AS DUAS MARGENS DO ATLANTICO DURANTE AUNIAO IBERICA, 4, SAO SEBASTIAO DO RIO DE JANEIRO DURANTE A UNIAO SBERICA, 1580-1640: 05 ANOS CRUCIAIS. 5. AS COMPANHIAS COMERCIAIS DAS INDIAS ORIENTAIS INGLESA E HOLANDESA E SUA EXPANSAO TERRITORIAL NA ASIA, C. 1600-1850. ENSAIO DE HISTORIA COMPARADA, 6, FILIPE Ill E A AMEACA NEERLANDESA NO BRASIL: MEDOS, GLOBAIS, ESTRATEGIA REAL E RESPOSTAS LOCAIS. 7. ESTADO, CAPITANIAS DONATARIAIS E COMPANHIAS COMERCIAIS. UMA VISAG COMPARATIVA DO BRASIL HOLANDES. 8, DUAS INSTITUICOES DE GOVERNO LOCAL EM DOIS SISTEMAS COLONIAIS: 0 CORREGEDOR DE (NDIOS E 0 COMISSARIO PARA OS ASSUNTOS INDIGENAS. UMA PERSPECTIVA COMPARADA, 9. 0S COMERCIANTES DA GUATEMALA E A ECONOMIA DA AMERICA CENTRAL NA PRIMEIRA METADE D0 SECULO XVIII. 6 8 88 R 89 146 169 189 206 Nota da Tradutora JoDAS AS CITAGOES APRESENTADAS NESSE LIVRO FORAM TRA+ dazidas para o portugues especificamente para a presente ediglo, No caso das referencias, as datas referidas das obras mencionadas indicam as edigoes consultadas para os artigos originais, e nao as edigdes brasileiras das mesmas obras. Da mesma forma, nas notas de rodapé esto também especificadas as publicagdes originais dos artigos que compoem a presente edicao. Por fim, observamos que qualquer referéncia a artigos ou li- \r0s considerads‘recentes’ ao longo do texto se refere a proximidade tempo- ral das obras citadas com as datas originais de publicagao de nossos artigos, € 10 2. uma proximidade com a publicagao da presente coletanea. Kalina Vanderlei Silva. Agradecimentos ESEJO AGRADECER MUITO ESPECIALMENTE 0 EXTRAORDINA- tio trabalho feito por Kalina Vanderlei Silva na selegao e tradugdo de textos deste livro, ¢ por me fazer o convite para realizéclo. Agr dogo também a ajuda inestimavel de Sylvia Brito, da Universidade de Sela- manca, na revisio e corregdo do livro. José Manuel Santos Pérez. Livro financiado através do projeto de pesquisa: “Redes politicas, comer ciantes y militares en Brasil durante la Monarquia Hispéniea y sus postrime- ras (1580-1680)" (HAR2012-35978), Ministério de Economia ¢ Competi- tividade da Espana. ET ee eee rere eee es INTRODUCAD Uma Histéria de Conexdes e Comparacées dos Impérios Coloniais Modernos KALINA VANDERLET SILVA’ S PRIMEIRAS DECADAS DO SECULO XXI Téa VIVENCIADO UM grande crescimento na produgao historiografica sobre a hist6ria co- Jonial da América portuguesa. Produgao essa desenvolvida a partir das Academias, dos cursos de pés graduagao fundados ou ampliados na pas- sagem do século XX para o XXI; por novos histariadores tanto quanto por his- toriadores consagrados, e que ven sendo influenciada por uma mirfade de autores e pela crescente acessibilidade dos arquivos documentais. O estopitn para essa atual fase da historiografia colonialista foi, sem davida, 0 Projeto Resgate Bardo do Rio Branco, respons4vel por tornar acessivel aos pesquisa~ dores brasileizos um dos mais importantes arquivos para a hist6ria da coloni- zacdo da América portuguesa, o Arquivo Histérico Ultramarina, de Lisboa, ‘mas também por incentivar iniciativas semelhantes de digitalizagao e demo- cratizago documental pelo Brasil & fora. ‘Ao mesmo tempo, diferentes grupos de colonialistas comegaram a pen- sar novas questdes, procurando respostas € inspiracdo em abordagens vol- tadas para hori ria no século XX. Um desses grupos foi procurar essa inspiragdo na obra de autores como Sanjay Subrahmanyam e Serge Gruzinski que deu origem as connected histories, ou historias conectadas. Uma abordagem que pensa ntes mais amplos do que aqueles ensinados pela Hist6- 1.Waiversidade de Pernambucs, movimentos ¢ personagens nas rotas colonials para muito aléin de urna xe- lagio de submissio das coldniasas metrépoles. E que, favorecendo 0 estudo de trajetérias individuais e da circulagio de pessoas e ideias dentro de um ‘ou mais circuitos coloniais, vira de cabeca para baixo as concepedes classi- ccas acerca da diregio nics e rigida, estabelecida por um pacto colonial, en- tre metr6poles e colénias ‘O brilhantismo das historias conectadas, como jé afirmou Maria Veréni- ca Secreto, € a possibilidade que ela cria do pesquisador tragar a historia de um império tendo como fio condutor um individuo, jé que, além de privi- legiar as conexées, as interseogdes (ou talvez por isso mesmno), ela também privilegia aspectos mais subjetivos e pessoais? A mesma autora lembra ain- da que parte do sucesso das connected histories vem do grande crescimento na circulagao dos préprios historiadores pelo mundo, entre as tiltimas déca- das do século XX ¢ essas primeiras do século XX1? Pois, como tudo o mais na Historia, também 0 cosmnopolitismo de seus escritores « pegou a agir ‘como um fator definidor de sua escrita, tanto em termos de temas trabalha- dos quanto de abordagens preferidas. E assim chegamos ao trabalho que estou aqui para apresentar, os estudos de José Manuel Sarttos Pétez. Historiador espanol pertencente aos quadros da Universidade de Salamanca, ele préprio um seguidor de Subrahmanyam. € Gruzinski, vem produzindo histérias comparadas e conectadas sobre os processos coloniais da Idade Modema desde a tiltima década do século XX. Incialmente partindo da perspectiva centro-americana, o pesquisador come ‘g0u por se debrucar sobre os transites ¢ caminhos do Império Espankol, io se armuinar em cruentas guerras religiosas. Era preciso também se defender dos possiveis ataques de tribos inimigas hostis, come os tupinambé on os tax moios, grandes aliados dos franceses. A transformagao do Rio de Janeiro comegou a se produzir de forma cla- ta depois da Unio das Coroas. Gragas a vitios viajantes contemporiineos, alguns deles holandeses que enviavam informes para uma possivel invasio, temnos uma reconstragao bastante precisa da evolugio da cidade durante es. Ses primeiros anos do século XVI. Uma das primeiras imagens da vila de S40 p Scbastiao se deve 20 cartdgrafo francés Jacques de Vau de Claye que elabo- rou em 1579,um detalhado mapa no qual é possivel apr nal do Morro do Castelo e a igreja dos jesuitas.!° 105, A maior parte das imagens ctadas podem gor consultades ne io de Nestor Goulart Res, b Imagens de vos ecidades d Bri Clonal, S40 Paulo, EDUSP, 2001 Foi omesmo que recolheu uma imagem holandesa datada aproximada- mente de 1602, onde se pode apreciar algumas poucas construgdes na coli- nna (imagem 1): Imagem 1. Autor andnimo, sutra doa de Olivier van Noort “Deserition du pentble vere. «1602. A cidade comegou a rmudar na segunda década do XVII. Os testersunhos desta época ja nos falam de um niicleo de populagao que havia deixado de viver unicamente do pelo terreno adjacente, seguindo a praia que seria hoje a zona que ocupa a Praga XV eo terreno préximo ao mar. A praia entio existente servia como rua principal, tal como nos conta o capitio holandés Dirck de Ruiter, % que ‘em 1618 afirmava que jd se levava uma boa meia hora caminhando ao lon- g0 da cidade seguindo a praia, mas que o lugar nfo tinha mais que 10 ou 12, casas de largura. Além da testemuno eserito, Dirck de Ruiter nos deixou ‘uma imagem muito precisa do que narrava, em um desenho qne se conserva no Arquivo Geral de Haia nos Patses Baixes, também de 1618, Nele se pode mort original, e que pouco a pouco foi se expandin« 105, Citado em Charles Boxer, Salvador Correia de Sa and the Strugole for Brovl ond Angoto, Londres, Unversity af London, 1962. pigna 2, 16 JOSE MANUEL SANTOS PEREZ ee Oe en eae aE eer EEE EHH observar claramente que a cidade se transformara deforma notével, com umn casario que se estendia entre os morros de Sao Bento € do Castelo. F; possi- vel que o detalhamento ao qual se chega nessa imagem estivesse motivado pelos preparativos para uma posstvel futura invasfo da cidade por parte dos holandeses que, como se sabe, munca se det Outta imagem holandesa de 1624 (imagem 2) mostra a cidade desdea en- ttada da bata, endo o mis curieso que aparece dividida em quadras com gran- de detalhe, ainda que como se observa, a preocupagao dos holandeses, mais ue as casas, fossem 0s fortes, que aqui aparecem com todo Iuxo de detalhes, JOSE MANUEL SANTOS PEREZ Outra imagem que se conserva da época corresponde a um plano de Jotio Teixeira do ano de 1645 (imagem 3), ou seja, 5 anos depois da Restatr- racdo portuguesa, cujo original se encontra no Arnivo Histérico Ultramari- no de Lisboa. O desenho mostra a Bafa da Guanabara a partir do leste, vis- ta do lugar que hoje ocupa Niterdi, de frente para a cidade, mostrando umn sem fim de detalhes. Aparecem algusnas casas na base do nnorre © umas oi- tenta na Cidade Baixa, podendo ser vista a Sé, 0 Colégio dos Jesuitas, San- to Antonio ou Sao Sebastizo. “ee Imagem :"Demonstragaodo Rio de Jono.” to de do Tez Albemaz, Arquivo aa ico Ultramarine Lihoo, 166 Esta a cidade deserita por Richard Flecknoe em sua Relagao..., de 1656: “a cidade de Sao Sebastio estd situada em uma planteie de apro- ximadamente uma milha de longitude, limitada nos dis extrernos porcolinas, a interior até o lago habitada e fechads pelos benedi- finos e a exterior até o mar pelos padres da companhia; em cua ee EEE LEroL colina estavaantigamente sitaada a cidade antiga (como tester sham as ruinas da grande igrejae das eas)... para a cosnodida. de do trfico e para o transporte de mercadoris foi gradualmen- te sendo transladada go terreno plano, sendo seus edi mais que edificios baixos,e sas ruas nao mais de trés ou quatt, & principal chegando 20 porto. Por tris da cidade existe urna gran. de plantcie de umes duas milhas, parte com bosques, e parte com predaras, ports da qual se enconira urn teritrio tio enoome- mente diferente do nosso que no wma évore ou uma plan- ‘2 ovum pfssaro ou um animal, nada que seja visto ne Europa se jos nada ‘encontra aqui Quero aproveitar a ocasito para destacar o trabalho realizado por Nestor Goulart Reis em sua monumental obra Imagens de Vilas e Ci- dades do Brasil Colonial, que nao s6 nos dew um dos mais belos livros sobre 0 perfodo colonial, mas também est contribuindo de forma defi- nitiva para derrubar urn mito muito querido da historiografia, ou a0 nos aquela mais influenciada por Sergio Buarque de Holanda. Se bem que muitas cidades brasileiras nasceram como acr6poles, encimando colinas, ¢ 0 de planos ou tramas, em muitos casos ortogonais, como se vern repe- tindo durante anos, fomentando uma ideia de absoluta dissimilitude entre o urbanismo da América portuguesa eo da América espanhola. Como destaca Goulart Reis, a inaior parte das cidades litoraneas bra- sileiras, em um segundo momento apés sua fundagao, sofreram uma 10 do Rio € paradigmatico, apesar disso clas do careciam importante expansio nas ’cidades baixas’. O crescimento se deu atra- vés da formagdo de uma trama, mais ou menos ortogonal, de quartei- res estruturados de forma perpendicular a costa ¢ a ‘rua direita’, que seguia a linha da costa, Nao sera nosso argumento aqui, nada mais longe da verdade, que ages deliberadas da ago politica dos ‘Filipes’ como se chamaram no Brasil e em Portugal aos integrantes da Casa de Austria que governaram 107. Chade em Charles Baser, Soivacar Correia de 8 andthe Struggle far Broz ond Angola 9.1 n os dois impérios, levaram, de forma premeditada, a converter o Rio em um grande empério comercial, posigao conseguida pela cidade muito claramente 3 altura de 1648. Creio que quem quer que se empenhe em demostrar algo assim est completamente fadado ao fracasso, ¢ certa- 10 € meu interesse cair nessa armadilha, Deixemos claro des- mente, 1 de 0 inicio: sou da opinido que o perfodo da Unido Ibérica néo rece- beu ainda a dimensto que merece na historiografia brasileira, Isso nfo quer dizer que reivindique esse periodo por motivos nacionalistas, ou pelo anacronismo de que, digamos, houve uma relagao especial entre Espanha ¢ Brasil que deve ser resgatada. Essa ideia est cheia de ran- n a0 século XVII realidades politicas e gos nacionslistas que translad: de identidade que nao tinham nenhum sentido na época que aqui nos ocupa. Quando digo que a Uniiio Dindstica nfo tem a dimenso que merece na historiografia do perfodo me refiro a que durante 60 anos en- tre 1580 ¢ 1640 ou ao menos nos tiltimos 40, dado que o Brasil se inte- grou plenamente em um vasto conjunto de territ6rios ‘interconectados’ (por muito que essas interconexées fossem muito diferentes em uns ¢ outros casos), ele se viu afetado por uma série de mudangas que de al- guma maneira marcaram definitivamente seu rumo histérico. Existem hiistoriadores que inclusive defiuem esse momento como os “anos cru- ciais’ na historia da colonia. ‘Talvez nfo se tena dado a dimensio real ao perfodo por influéncia de interpretagées de tintura nacionalista e por anacronismos varios que obscureceram outros muitos aspectos. Com efeito, o periodo da Unio Dindstica foi visto tradicionalmente pela historiografia portuguesa de corte nacionalista como um perfodo tenebroso com um resultado ca- tastr6fico para a situagdo de Portugal no concerto internacional. Mins- do em suas capacidades defensivas, dirigido a partir de uma capital in- teriorana, Madri, onde como assinalava o Padre Vieira ‘s6 se via 0 mar nas pinturas do Alcazar’, o Império Portugués praticamente se evapo- rou em sua totalidade nos anos da nefasta Unio Dinéstica. Segundo 108, Eo caso de Diego Gonzalo River, raz: Mha Crucial Years (570-152, Atanas, Gorsia, 98, 30 TOSR MANUEL SANTOS PEREZ esta interpretaggo, a negligéncia dos Austrias para com as possessbes pottuguesas, sua preocupagio extrema com a guerra na Europa ¢ com a prata americana, havia deters inado a cadeia de perdas que se pro- duziu nas quatro primeiras décadas do século XVI, especialmente en- tre os anos de 1621 a 1641. Os portugueses viam como 0 império mari timo do Estado da India, baseado em enclaves comerciais estratégicos na Asia como Ormu, Goa e Malaca, construfdo com enormes esforgos em homens ¢ dinheiro durante o século XVI, sucumbia indefeso ante os ataques de ingleses holandeses. Além disso, haviam perdido Per. nambuco ¢ 0 Nordeste do Brasil, a mais importante regigo de produ- gio acucarcira do império. Como nao responsabilizar a desastrosa po. Iitica dos Austrias por esta irrepardvel perda? Para os brasileiros 0 perfodo tem um sentido diferente. Empenha- dos em demonstrar sua diferenga para com Portugal, tendentes & cons- trugdo de uma identidade propria, viram este perfodo nfo como a inge- réncia de um pais estrangeizo em assuntos da casa, mas como a época que marcou o infeio de dois processos contemporaneos que, tanto no Norte quanto no Sul, serviriam como fendmenos embrionérios em tor- no dos quais se construiria a identidade brasileita, pois ambos con- ttibuiram de maneira importante para definir algunas das chaves do Brasil contempordneo. Estes dois fatos foram a invasao holandesa do Nordeste, a consequente resistencia dos moradores ¢ a posterior vité- tia destes ‘as custas de nosso sangue ¢ fazendas’, ¢ 0 fendmeno bandei- ante no sul. No caso espanhol, este periodo da Monarquia Catélica ou da Uniao de Coroas foi visto como um elemento a mais, ainda que importante, que constatava a decadéncia na qual se havia sumido o império duran- te 0 século XVIL Assim, 0s limites cronolégicos 1580-1640 marcavam 4s extremos da realidade imperial, frente ¢ verso, o momento mais bri- - Ihante e 0 mais sombrio do poder dos Habsburgo espanhiéis, Se o Brasil havia estado ou néo dentro do conglomerado de territérios que configu- raram o império da Monarquia Universal, € algo que aos historiadores al espanhéis do passado parece nao haver interessado, com a excegao de Pérez de Tudela.” E claro que a historiografia nos trés paises superou boa parte des- sas interpretagdes obsoletas. O importante trabalho de Rafael Valla- dares! se uniu ao de Roseli Santaclla Stella.!"! Recentemente Serge Gruzinski publicou um grande livra ‘As Quatro Partes do Mundo”, no qual nos convida a refazer a historia do perfodo ‘conectando’ as par- tes de um todo global. Porque seria a parti que podemos entender o que estava em jogo. Ou se preferir, devemos saber conjugar o regional eo local com o global. Essa é a grande virtu- de do trabalho de Rafael Ruiz, Sao Paulo na Monarquia Hispanica, que foi publicado em 2004." O resultado € magnifico, realizando algo que parecia ébvio: o historiador espanhol radicado em Sao Paulo nao fax mais que situar os desenvolvimentos politicos, sobretudo em relagdo & populagio indigena, no contexto amplo das estratégias da Monarquia dos Habsburgo, no contexto do resto do império. E funciona. A tese de Rafael Ri possivel fazer 0 mesmo com o Rio? E possivel. De fato, para o Rio se- ria mais simples visto que contamos j4 com duas obras primas que, se bem que indiretamente, trataram da cidade durante esse perfodo. Refi- ro-me aos extraordinérios trabalhos de Charles Boxer e de Luts Felipe de uma perspectiva global nos dé uma dimensio diferente do perfodo nessa regizo. F 109. Juan, Pérez de Tudela, Sobre la defense hispana det Brasi conta los holondeses 624-10, Madrid, Real Academia dela Historia, 1974 10. Rafael Valladares, “Brasil de Ia Unién de Coronas @ la crisis de Sacramento [1580-1680] en SANTOS J. Manuel Santos Pére, led, Acuorela de Brac, 500 aos después. Cinco ensayos 20 ‘rela reali histvcayecondmico base, Salamanca, Eds. Universidad de Salamanca, 2000; Valladares, “E\ Brasil ls Indi espafiotas durante le sublevaci6n de Portugal 1840-1868), (Cuadernos de Historia Moderna, 14,198, pp. 11-172 1m. R, Santaola Stella, 0 Domino Espanhol na Basi Durante © Monarquo des Felipes, 80-1640, ‘0 Paulo, Unibero, 2000, y Brasil durante el Gobierno espera, *580-140, Madrid, Fundacién Histrica Tavera, 2000, "12.5. Gruzinsl, Les quotre partes au monde, histoire dune mandalisti, Paris Eitions de a Martiniére, 2004, 113. Rafael Rue, do Paulo na manarquiahspéinico, So Paul, Instituto Brasileiro de Flosofiae Ciencia “Raimundo Lilie", 2004 82 JOSE MANUEL SANTOS PEREZ Aleneastto: Salvador Correia de Sé and the Struggle for Brazil and An- sola" nio envelheceu absolutamente nada, sendo ainda, para os historiadores que descjam se aproximar desse perfodo, um ponto de partida absolu- tamente imprescindivel. A outra obra, que supera em alguns aspectos, ¢ complementa em outros a obra de Boxer, é a monografia que avan- ® ga claramente 0 que € a caracteristica distinta do Rio de Janeiro duran- te este perfodo ao intitular um capitulo da seguinte maneira; ‘O expan sionismo atlautico fluminense’, E esse expansionismo 0 que define, no caso do Rio, o lapso histéri- co de 60 anos que corresponde a Unio Ibérica. O Rio de Janeiro, em fungio do regime de ventos no Atlantico Sul, tem uma ligacZo natural - com a Africa Central. Durante o periodo colonial era muito complica- do chegar do Rio a Salvador (razo que apontou vatias vezes 0 gover- nador Salvador Correia de S4 para pedir a separagdo das capitanias do Sul, ou de ‘baixo’, do governo da Bahia), mas muito fécil chegar do Rio a Luanda ou Bengucla. Um dos centros do comézcio de escravos que unia a Africa a América portuguesa girava entre as margens do Atlanti- co Sul, cm fungao dos ventos e das correntes (imagem 4). Como disse Alencastro: “na medida em que se zarpava com facilidade de Petnam- buco, da Bahia, ou do Rio de Janeiro para Luanda ou @ Costa da Mina, -versa, a navegacd0 luso-brasileira era transatldntica c negreira.”!!® , € O Trato dos Viventes.""* © primeito livro jé tem 54 anos, mas bs, Borer. 09 ch FS Luir Felipe de Alencasto, 0 Tate dee Vientes Formapi do Bros no Attica Su, Séculos KV XV, Sio Paulo, Companhia das Letras, 2000, "16. Alencastro, 0 Trat dos vents. p63 8 eee ee eee eee eee Imagem 4:O sistema comercial no Antico Sul Fonte: Lue Felipe de ALENCASTRO, O Trato dos Viventes, Formagito do Brasil no ‘Adlntico Sul. Séeulos XVI e XVI, © Rio de Janeiro nos anos iniciais nflo precisava de escravos africanos. ‘Nem sua estrutura econémica tinha as caracterrsticas monoculturas de plan- tation que iam adquirindo as areas do Nordeste, sobretudo Bahia e Per- nambuco, nem stia populagao tinha os recursos necessarios para adquitir os 8 EE EEE eee afticanos. Durante esses anos, seguindo os passos dos paulistas, os eseassos habitantes do Rio se dedicaram principalmente as expedigdes 20 serto em busca de indigenas, que serviam para trabalhar 10s tetrenos de cultivo de produtos de subsisncia ou nos trabalhos de construgdo, sendo alguns ven- didos para 05 engenhos existentes mais 20 sul, em So Vicente. fim fins do séeulo XVI, esobretudo na primeiza metade do século XVII, a economia flu- minense softeu a grande transformago que faria com que sen nticleo habi- tacional mais importante, a cidade do Rio, se convertesse no principal em- tio econdmico da regido sul, e na capital politica de todo o teritério. Para tanto, primeiro teve que superar Sao Pauilo, que durante alguns anos no in cio do XVII estava sendo considerada como a principal atrago da regio, pois se pensava que em seus artedores havia importantes jazidas de metais preciosos. O escasso resultado das prospeogties realizadas determinaria que a regio sul se assentasse em outras bases econdmicas ¢, no caso do Rio, sobre a construcio naval, 0 trfico negreiro © © earsércio com a regido do Prata, Isto se complementaria ja a partir dos anos 30 ¢ 40 com a expansio da pro- dugio acucarcira, efeito da fuga de muitos senhores de engenho das zonas do Nordeste invadidas pelos holandeses, que buscavam salvar o que podiam © nas mais estaveis regides do sul. Como se sabe, a Unido Ibérica fez com que se relaxassem as dispatas fcanteiricas entre Espanha e Portugal em tomo da linha de Tordesilhas ¢ as zonas citcundantes do Rio da Prata, por onde se * pensava que deveria passar a linha, que desta maneira lubrificava ¢ facilita- | vatoclos os intercmbios dentro do mundo Atlantico de dominio portugués. Nao é coincidéncia que durante todo esse petfodo a familia que se havia tonstitutle quase em uma oligarquia hereditéria, desempenhando os car- {gos mais importautes da capitania do Rio de Janeiro, oy $6, descendentes do fundador, Estécio de S4 e do conquistador Mem de $4, desenvolven in- E tensos vinculos com familias proeminentes da América espanhola, e inclu- sive com farnflias peninsulares. A hist6ria de Salador Correia de Sd ¢ Bena- vides (1602-1686), maguificamente narrada por Charles Boxer, consttui o Loxemplo mais paradigmatico desta conjungio de interesses que se desento- In durante a Unido Dindstica. Nascido em Cidiz, de mie espanhola, era fi- ho e neto de governadores do Rio de Janeiro, Seus interesses em um e outro 85 Jado da quase inexistente fronteira entre a América espanhola e a portugue- sa crarn tais que, quando em 1641 chegaram as noticias dos acontecimen- tos em Portugal, corn a Restauragdo € a subida ao trono do rei Braganga D. Joo IV, Salvador acatou as ordens de lealdade ao novo regime que vinhamn da Bahia, mas ao mesmo tempo despachou um barco para Buenos Aires para se assegurar da repatriacio de seus bens. Conta Charles Boxer que para dissimular a contrariedade que, obviamente, causava uma noticia assim, e pata mostrar aos olhos luso-brasileiros sua total adesio ao novo regimne, Sal- vador Contcia de Si organizou varios dias de festas em comemoragio a Res tauragdo nos quais se podiamn ver “desfiles de eartos alegGricos que percor- ram as ruas levando misicos ¢ cantores, com pessoas seguindo-os mostranda sua alegria e dangando”. Imagino que aos conhecedexes do Rio niio escapa 4 proximidade desta curiosa celebrago com o camaval atual e alguns auto- res querem ver neste fato a otigem da mais conhecida das festas cariocas."” Rafael Valladares comprovou ern diversas investigagbes que as acusagdes no eram falsas e que Salvador Correia de Sé era um dos Ifderes de um mo- vimento filo-castelhano que tinha como objetivo reverter a situag3o em versas ocasides apés a Restauracdo portuguesa.""* Por muito que Salvador fosse suspeito, ¢ que em diversas ocasides tives- sem tentado em Lisboa iniciar um processo para apurar suas responsabili dades e comprovar a certeza das contimuas acusagées de filo-castelhano que ‘exam dirigidas contra ele, ele era um elemento dificilmente prescindivel para Coroa portuguesa. Salvador conhecia perfeitamente a légica dos negécios xno Atlantico Sul, era um habil militar, que havia dirigide campanhas con- fra os fndios no interior do Paraguai, ¢ havia comandado as frotas portugue- sas em diversas ocasiées, podendo proclamar em uma de suas missivas 20 rei que havia eruzado o equador em 18 ocasides. Além disso tinha uma grande experiencia politica, tendo ocupado cargos importantes dentro da capitania e inclusive o de governader, que, outorgado por Filipe IV, ocupava no mo- ‘mento da Restauragio portuguesa. Os apoios que tinha no Rio, e seus muitos 197. Boxer op cit, . 9, 118, Valladares, “Bresilde fa Unidn de Coronas ala crisis de Sacramento (1680-1680) 86 JOSE MANUBL SANTOS PEREZ Econtatos na Corte, determinaram que fosse recebido finalmente com todas as honras em Lisboa, e que fosse elevado rapidamente & categoria de mem- bro do Conselho Ultramarino, instituigéo recém-etiada que passatia a ge __ todas as questées relativas ao Império Portugués a partir de 1642. O interesse de D. Joao [V erm manté-lo a seu lado se bascava fundamen- ; talmente em um fato, no qual o Pade Vieira constanterente: a in- dependencia de Portugal s6 poderia ser sustentada se se conservasse o Bra- sil ese se recuperasse a parte invadida pelos holandeses. Fstando o mpério Portugués na Asia em total declinio, tendo perdido a ligagdo comercial com F Buenos Aires, que garantia um abastecimento de prata a necessari ional e muito co Império Portugués s6 tinha uma base na qual se apoiar: 0 ¢o- meércio de agticar. Esse comércio sofreu enormemente durante os anos 40 do século XVII, tanto pelos continuos ataques dos corsérios zelandeses, que afundaram quase 80% da frota mercantil portuguesa como, sobretudo, pela E conquista holandesa de Luanda, 2 principal base de aprovisionamenta de es- ravos na Africa, A situagdo era desesperadora, Em vista das miltiplas fren- j tes abertas, Portugal negociou uma trégua répida com a Holanda em 1641, E apesar da qual as duas companhias holandesas aproveitaram para realizar F suas dltimas conquistas, entre elas Maranhilo, Malaca e Luanda, que dei- xavamn o Império Portugués muito enfiaquecido. O rei apelou aos conheci- ‘mentos de Salvador Correia de Sé e pediu seu parecer sobre 0 que pareciam 8 trés temas fundamentais para a salvago da Monarquia Portuguesa: 0 co- mércio com Buenos Aires, a recuperago do Brasil holandés e a recupera- 40 de Luanda. Sobre o primeiro tema Salvador respondeu de forma clara: 0 castelhanos vem ao Rio de Janeize er busca de escravos; sem esctavos, ou ‘eja, sem Luanda, nfo hé comércio e ndo hd prata. Eventualmente sugeria Juma invasio de Buenos Aires que, dadas as circunstincias, parecia invidvel. Em segundo lugar, apontava a necessidade de atacar a tetaguarda do Bra- il holandes sem que se tivesse apoio de Portugal, para fazer com que a cold- nia nao fosse rentavel e se fizesse necessério um abandono pelos holandeses. Jom relagdo a Luanda, Salvador apostava claramente em uma agio mili- i imediata para sua recuperagéo. Apesar do risco que a operacao militar aignificava, pois as frotas holandesas ameacavam um ataque sobre Salvador da Bahia, finalmente a Coroa aceitou que a prioridade deveria ser 0 ataque a Angola, Em 12 de maio de 1648 partia do Rio de Janeiro uma frota de 15 navios para a conquista da praga africana. Alguns eram galedes enviados de Lisboa, mas a maior parte do esquadrio fora armada, financiada e tripulada pelos habitantes do Rio de Janciro, Salvador confiscou bens de eristdo no- ‘vos com processos em Lisboa, ¢ logrou convencer a alguns dos donos de for- tunas da cidade a contibutem com a ocasiso, Desta forma, foi possfvel que ‘em 15 de agosto, com escassa resistencia holandesa, este contingente uso -brasileiro organizado no Rio recuperasse Luanda, 0 que possibilitou a rea- tivagae do trafico de escravos, o incremento da i em sua érea circundante e que, por fim, daria o golpe de miseric6rdia na presenga holandesa no Brasil, cujas tltimas forcas militares se renderiam no. Recife seis anos depois. Conseguira-se assim, com este feito de claro prota gonismo carioca, salvar a manarquia ¢ a independéncia portuguesa. Vicira o sublinhava da seguinte forma “o que se recuperou em Angola foram duas cidades, dois r. eis ¢ 0 riqu{ssimo comércio entre a Africa e a América.” E segundo Bo- xer “a vit6ria final no Brasil {sobre os holandeses] foi, em boa parte, a con sequéncia da reconquista de Angola, devida a Salvador” e eu acrescentaria, 0 Rio de Janeiro listria do agticar no Rio nos, sete fortalezas, tés conquistas, a vassalagem de muitos Nio teria sido possivel, portanto, uma vitsria tio sonhada se o respaldo nfo tivesse vindo de uma cidade que se havia convertido, jé a meados do sé- culo XVII, em umn dos mais importantes empérios comerciais do Atlantica e que, depois desta importantissima conquista fcava jé, de forma clara, como «a mais firme candidata a ser a capital colonial no século XVIII e capital im- perial no século XIX. 119. itado em Alencasto, of ct, p. 231. 88 L SANTOS PEREZ EE EEE EEE Ee SAUL SAN TORT EN EH rE eee EE As Companhias Comerciais das indias Orientais Inglesa e Holandesa e sua Expansao Territorial na Asia, c. 1600- 1850. Ensaio de histéria comparada.” © FINAL DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL DOIS PROCESSOS DE. descolonizagao, o da fndia e o da Indonésia, colocaram em toda sua erueza as consequéncias do imperialismo curopeu na Asia. As po- tencias imperialistas, Gra-Bretanha e Holanda, vinham govenando o sub- continente ¢ 0 arquipélage durante mais de cem anos ¢, sobretudo no caso holandés, tinham construfdo sua economia nacional servindo-se dos recur- s0s extrafdos na Asia. Nada disso poderia ser imaginado quando os primei- & tas barcos com as bandciras inglesa ¢ holandesa chegaram 2 Asia no final do século XVI atrafdos pela riqueza da area e desejasos do que seria, no século XIX, a mais clissica expressio do imperialismo eutopen, AA primeira parte deste ensaio é ui esbogo da realidade asiatica enfren- | tara pelos portagueses no final do século XV c das atividades das mercado- res lusos na regido, Passaremos depois a uma andlise da fundagao e das for- ‘as de organizagao das companhias de comércio do noroeste europeu. Nas das ultimas partes exami wremos as atividades comerciais destas entidades F -comerciais na Asia, sua expansio territorial e os modelos de exploracio co- lonial que estabeleceram na regifo, ‘20 Ind, 89 0 Mundo Asiatico antes da chegada das Companhias Varias escolas historiograficas, desde a mamssta 8 estruturalisa, deixaram uma imagem muito estatica do mundo asistico, formado por grandes estru- turas politicas, impérios milenares dominados por Estados tributétios imuté- veis através dos séculos e sem grandes possibilidades de mudanga histérica, Wallerstein, em sua eurocétrica visto do desenvolvimento do capitalismo, fala da ‘arena exterior’ quando se refere 4 Asia, dando a entender que todas smudangas que precederam 0 capitalismo se produziram & margem des ta imensa dea, Esta $6 entra em cena quando a Companhia Inglesa das {n- dias Orientais (ast India Company ou EIC) iniciou, em meados do século XVIII, 0 processo de periferizago do sul da Asia, que a partir de ento fica- ria unida 20 processo de mudangas na Europa em uma posigao bastante des- favordvel. Autores como van Leur, que em seu importante e polémico livro Indonesian Trade and Society, publicado em 1955, tentou demostrar a pouca da presenca europeia na Asia entre os séculos XVI a ou nenhuma infiuénc XVILL, atacando 0 eurocentrismo, destacam a imperfeigdo das redes comer Cais asiticas a0 apresentarem um mundo de pequenos comerciantes, onde a acumulagio de capital nao existe € onde no € possivel a separagio de ca- pital e trabalho, confirmando assim a desfayordvel siluagio da regio ante o avango do capitalismo.™® Todas estas ideias vem sendo muito revisadas e in- vestigagdes mais modemas sobre a economia do norte da {ndia, as comuni- dades aldeas ou as regides costeiras do norte de Java, nos oferecem umn mun- do muito menos passivo e com estraturas econdmicas muito mais avangadas (no caso da india), que alguns querem ver como outta forma de acesso a0 ca- pitalismo (Washbrook, Perlin) e com um mundo rural muito distante da vi- sao de imutabilidade definida por Marx em seu modo de produgao asitico, O papel dos europeus neste complexo mundo comegou 2 deixar de ser vis to como o de dominagio desde o primeiro momento, ou como o de simples pega adaptada a uma engrenagem que nao conseguiam entender e muito 121. J.C. van Leu, Indonesion trade and Society Essays in sion Social ond Economic History, La Haya, 1955, passim, 0 E dido sua religio a Pe JOSE MANUKL SANTOS PEREZ ee ee eee smenos dominar, para set visto como um processo de interagdo no qual das partes se relacionarn econémica, politica e socialmente. Nesta primeira segio trataremos de reconstruir, de maneira breve, a his- \oria da regio antes da chegada dos primeizos barcos das companbhias ho- landesa e inglesa, sem pretender ser muito exaustives. Um dos aspectos mais chamativos do Sul e Sudeste asitico no século XVI é a consolidacao da expansio do Isld que se iniciara séculos antes. Este processo de expansio tem caracteristicas diferentes no subcontinente india- Ro € no arquipélago da Indonésia. No primeizo se introduziu através de tr bos guerreiras provenientes da Asia Central que em ondas sucessivas se im- puseram sobre a sociedade indiana, baseada em forte substrato hinduista No arquipélago foram os eremitas 1m dia quem, viajando com mercadores do mesmo eredo, estenderam a dou- trina do profeta. Asociedade da india era uma sociedade de castas com brahmanes (sa- cerdotes), guerreiros ¢ comerciantes no mais alto da escala. Nela estava se produzindo win processo de brahmanizagio pois as demais castas tendiam a imitar esta em seu afi por ascender postos na pirdmide social. Quando sur- giram Estados centralizados, normalmente na planteie Gangética, usavam seu poder para preparar terras, estabelecer regadios, abrir exploragées minei- ras € colonizar novas regites nas outras zonas geogréficas do subcontinen- te, o litoral eo planalto do Decdo, através de organizagdes brahmanes ou de {grupos de colonos. As zonas costeiras linhiarn portos ativos que mantinham sulmanos, walli, provenientes da {n- relagdes com outras partes de Asia ¢ Africa e as rotas caravaneiras, que cn zavam o norte do subcontinente, eram os nexos da unifio com 0 Ocidente. OSudeste asistico era tradicionalmente a interseegao entre {ndia e Chi- na, durante séculos as duas ércas mais desenvolvidas da Asia. Por isso, a in- fluéncia destas duas culturas se fez sentir fortemente nesta regio. Desde 200 antes de Cristo, colonizadores hindus haviam sc instalado na regido e esten- ula da Indochina eilhas de Sumatra e Java. Foram criados grandes complexos politico-religiosos, com estruturas teocriticas, 22. Erie Wot, Europe ond the People without History, Berkeley, University of California Press, 1982. p. 45.50 a instalados sobretudo no interior, em oposigdo as zonas costciras mais aber- tas e dependentes do comércio, Alguns reinos como Sriviyaya em Sumatra ou Madjapahit em Java combinaram 0 cariter fechado e aberto e se estende- ram por toda a regifo. Cerca de 1400 0 Estado de Madjapahit estava decai do devido aos combates causados pelas rebelides populares e os conflites di- nisticos, a0 mesmo tempo em que o Isla se estendia entre as comerciantes e ‘08 governantes das zonas portuarias, levado par pregadores Sulfi (walli). Isto criou um novo elemento de tentsdo entre a costa ¢ 0 interior até que os pode- res centrais tazabém se converteram ao islamismo. © porto mais irnportante a regifio era Malaca (situado na atual Malésia) onde estavam radicadas vi- rias comunidades de comerciantes."* Os mercadotes mugulmanas dominavam 0 comércio, que atraia tan bem comerciantes chineses que intezcambiavam seus produtos no arquipé- Jago em um lucrativo negécio, Eles representavam o iltimo elo do comércio de especiarias antes da chegada dos portugueses: reuniam cravo, noz-mosca- dae macis nas ilhas do Sudeste Asiético e os levavam a Malaca onde comer- ciantes mugulmanos por sua vez o transportavam para a india junto com ca- nela e pimenta. A partir da costa de Malabar os mereadores se distribusam através do leste da Aftica, Egito e Golfo Pérsico, até o Mediterrineo Orien- tal, onde entravam em contato com os comerciantes venezianos distribui- dores da mercadoria na Europa. ‘Quando em 1497 Vasco da Gama abriu a rota até o Oriente, os portu- _gueses se envolveram nas redes de comércio asiéticas. Rapidamente Alfon- so de Albuquerque tomou possessio dos centros destas redes, Goa, Ormuz € Malaca, estabeleceu feitorias por todo o cumprimento do arquipélago ¢ fundou assentamentos na costa de Coromandel, Bengala (Hugli} e China (Macao). No principio, o Estado da india ahasteceu a Europa de pimenta € esteve a ponto de substituir as rotas caravaneiras através do Oriente Pré- ximo pela rota maritima, mas nunca chegou a completé-lo. Sua forga na- val {he permitiu se converter em uma instituigdo redistributiva, que vendia 123, Ider, 9. 56,58. :24 Ibidem, 226: M.A Melink Roelofs, Asian Trade end Eurapean Influence inthe Indonesian Archipelaga between 500.and about 160, La Hay, 1982 92 JOSE MANUKL SANTOS PEREZ salvo-condutos (cartaz) aos barcos que comerciavam na regigo.™ Este aspec- todo Estado da fndia fee com que alguns historiadores diminuissem a impor- tancia de seu papel na Asia. Mas o certo é que sua forrna de estabelecer os contratos com os principes asidticos, seu alto entendimento do comércio lo- cal ¢ outros aspectos, como o uso da forca, foram o precedente para os ho- landeses que, em boa medida, io fizeram mais que seguir as linhas que os portugueses haviam tragado no século anterior a sua chegada.”” A Aparicdo das Companhias Inglesa e Holandesa As primeiras operagdes comerciais inglesas ¢ holandesas no Oriente se produziram em fins do século XVI. O bloqueio do porto de Amberes ¢ seu virtual desaparecimento enquanto centro dos intercdmbios comerciais na Buropa, fez com que uma boa parte dos homens de negécios instaladas na cidade (muitos deles judeus sefarditas) emigrassem para ouitras éreas dos Pa- ‘ses Bots, sobretudo Amsterda, que desempenhava um importante papel come centra do que seria por muito tempo a conexto comercial mai portante das Provineias Unidas, o comércio com o Baltico, chamado ento de coméreio mae. Isso, unido & alarmante subida dos pregos das especiarias, produzida pela fato de que os portugueses no podiam manter seu nivel de importacdo na Asia, fez com que se empreendessemn viagens especiais. E pre- «iso levar em conta, como assinalado por V. Barbour, que nos Pafses Baixos a terza era escassa e seus pregos altos, o que fez com que muitos holandeses se langassem & compra de ages em companhias comerciais e de navega- ‘¢40, como meio mais atrativo para o investimente de seu capital. Seguin- dos rotas maritimas abertas pelos portugueses, os barcos da Companhia de ‘5. Nils Steensgaard,Corracs, Caravane and Compania. The siructurot eis in the Eurapecr- Acian Trade in the eory Seventeenth Cectury, Copenhague, Institute de Estudos Asisticos, 1974.8. 12, Steensgaars, idem; KN, Chaushuri, The Trading World oF Asia ond the English Eost Indio Compary 1550-760, Corbridge, Cambridge University Press, 1978, p14 127. MAP. Malin Rostofse, MAP, “The Structures of Trade ia Asia in the Sixteenth and Seventeenth Canturios,” More Luso-Indivm, WV, 1-43, 989, p.9. ‘8. Violet Barbour, Coptoism i Amsterdam inthe seventeenth century, Ann Arbor, Ann Arbor Paperbacks, 1965 %

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