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> G R A M Á T I C A MÍNIMA
> para o Domínio da Língua Padrão

António Suárez Abreu

> Ateliê Editorial


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Copyright © 2003 António Suárez Abreu l
Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.02.98.
l
É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, da editora.

SUMÁRIO
1a edição, 2003
2a edição, 2006
3a edição, 2012

l
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) l
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) )
Abreu, António Suárez l
Gramática mínima: para o domínio da língua l
padrão / António Suárez Abreu. - Cotia, SP:
Ateliê Editorial, 2003.

Bibliografia. Introdução 15
ISBN 978-85-7480-589-4

1. Gramática - Estudo e ensino 2. Língua padrão A LÍNGUA COMO SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO,


3. Línguas - Estudo e ensino 4. Português - COMUNICAÇÃO E INTERAÇÃO SOCIAL 17
Gramática - Estudo e ensino I. Título.
Ás palavras 19
03-5385 CDD-415.07 Neologismos 21

índices para catálogo sistemático:


Arcaísmos 21
1. Gramática mínima: Estudo e ensino 415.07 A comunicação e a interação social 21

AS REGRAS DA GRAMÁTICA 23
Direitos reservados à 1. A ESCRITA 27
ATELIÊ EDITORIAL
Estrada da Aldeia de Carapicuíba, 897 2. ORTOGRAFIA 29
06709-300 - Granja Viana - Cotia - SP
Telefax: (l 1)4612-9666
2.1. Palavras derivadas com sufixo es/esa 31
www.atelie.com.br 2.2. Palavras derivadas com sufixo ez/eza 31
contato@atelie.com.br 2.3. Palavras derivadas com sufixo ar 31
Impresso no Brasil 2012 2.4. Palavras derivadas com sufixo izar 32
Foi feito depósito legal 2.5. Sufixo agem 32
8 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO SUMÁRIO 9
)
2.6. Sufixo ugem 32 5. A ORAÇÃO SIMPLES 79
l
2.7. Sufixo 05o 32 5.1. Análise sintática da oração simples 80
l
2.8. Sufixo inho 32 5.2. Estrutura argumentai dos verbos 81
l
2.9. Palavras de origem tupi, africana ou de origem desconhecida.... 33 5.3. Os argumentos do verbo e a oração 82
)
2.10. Verbos querer, pôr e derivados 33 5.4. Principais argumentos 83
2.11. Palavras da mesma família 33 5.5. Funções sintéticas 84
5.6. Sujeito 85
2.12. Uso do h 34
5.7. Posição do sujeito 88
2.13. Uso das letras k, w e y 34
5.8. Predicado 89
2.14. Emprego das iniciais maiúsculas 37
5.9. Objeto direto 90
2.15. Abreviaturas 40
5.10. Objeto indireto 92
2.16. Palavras homónimas homófonas 42
5.11. Predicativo - o adjetivo como predicador 96
2.17. Palavras parônimas 43 5.12. Necessidade de as orações independentes e principais
2.18. Palavras que geralmente apresentam dúvida quanto à grafia . . . 45 terem uma "âncora" temporal 96
2.19. Emprego do hífen 48 5.13. Verbos de ligação com valor aspectual e de modalidade 98
5.14. Orações com dois predicadores. Predicados
3. ACENTUAÇÃO GRÁFICA 61
verbo-nominais 99
3.1. Palavras tónicas e palavras átonas 61
5.15. Adjuntos adverbiais 103
3.2. Posição do acento tónico em português 62
5.16. Complementos adverbiais 106
3.3. Regra das proparoxítonas 63
5.17. Estrutura dos sintagmas dentro da oração 107
3.4. Regras das oxítonas 63 5.18. Princípio de endocentricidade 108
3.5. Regras das paroxítonas 64 5.19. Funções sintéticas compostas 108
3.6. Caso especial 65 5.20. Composição dos sintagmas nominais 109
3.7. Regras do acento diferencial 66 5.21. Outros modificadores dentro do sintagma nominal 111
4. EMPREGO DO ACENTO GRAVE DA CRASE 67 5.21.1. Aposto 111
5.21.2. Complemento nominal 114
4.1. Crase e acento grave 67
5.22. Complementos nominais de núcleos adverbiais e adjetivais... 116
4.2. Condições para o emprego do acento grave da crase 68
5.23. Vocativo 117
4.3. Acento grave da crase em locuções 71
5.24. Composição do sintagma verbal. As locuções verbais 118
NOÇÕES BÁSICAS DE SINTAXE 73 5.25. Vozes verbais. Agente da passiva 119
5.26. Construções ativas que não têm passivas correspondentes 120
A frase . .. 75
10 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO SUMÁRIO 11

5.27. Voz medial 123 8.2. O sujeito é um plural aparente 174


5.28. Operações de topicalização e clivagem 124 8.3. Concordância com expressões de sentido quantitativo 175
6. A ORAÇÃO COMPLEXA 129 8.4. Concordância com números percentuais 177
6.1. Coordenação e subordinação 130 8.5. Sujeito constituído por um número fracionário 178
6.2. Orações coordenadas 131 8.6. Sujeito constituído pela expressão cada um + plural 179
6.3. Orações subordinadas 135 8.7. Sujeito constituído pela expressão mais de um 179
6.4. Orações subordinadas substantivas 135 8.8. Sujeito junto das locuções cerca de, menos de, perto de 179
6.5. Orações subordinadas adjetivas 140 8.9. Expressão um dos que, uma das que 180
6.6. Orações subordinadas adverbiais 143 8.10. Núcleos do sujeito antecedidos pelo pronome indefinido
cada 181
CONCORDÂNCIA 157
8.11. O sujeito é a locução um e outro ou nem um nem outro 181
7. CONCORDÂNCIA NOMINAL 161 8.12. Sujeitos ligados pela conjunção ou 182
7.1. Preposição como barreira para a concordância 161 8.13. Sujeitos unidos pelos elementos correlativos não só... mas
também, não só... mas ainda, tanto... como etc 182
7.2. Expressões invariáveis 162
8.14. O sujeito são pronomes interrogativos (quais, quantos] ou
7.3. Nomes de cor 162
indefinidos no plural (alguns, muitos, poucos, quaisquer,
7.4. Adjetivos compostos 164
vários} seguidos de pronome pessoal no plural 183
7.5. Concordância com particípios 165
8.15. Pronomes relativos que e quem como sujeitos 184
7.6. Concordância com o predicativo 165
8.16. Vários "sujeitos" resumidos num pronome indefinido (tudo,
7.7. Concordância em orações equativas 165 nada, outro, ninguém, alguém etc.) 185
7.8. Intervalo: explicando melhor o princípio da iconicidade 168 8.17. Concordância com sujeito composto 186
7.9. Voltando às orações equativas 169 8.18. Concordância com o verbo ser 187
7.10. Outro caso, na concordância do predicativo, em que 8.19. - Que horas são? - São duas horas 188
intervém o princípio da iconicidade 169 8.20. Construções impessoais 189
7.11. A expressão tal qual 170 8.21. Expressão haja vista 190
7.12. Adjetivo modificando mais de um substantivo 170 8.22. Verbos dar, soar e bater, indicando horas 190
7.13. Dois adjetivos modificando um substantivo 172 8.23. Um caso particular da concordância verbal: o infinitivo
flexionado 191
8. CONCORDÂNCIA VERBAL 173
8.1. O sujeito está posposto ao verbo 173 REGÊNCIA., 199
)
)
12 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO SUMARIO 13
l
9. REGÊNCIA VERBAL 203 ) 14.6. Uma ambiguidade com o pronome possessivo de terceira
9.1. Regência de alguns verbos 205 l
pessoa 290
) 14.7. Reforço dos pronomes interrogativos 291
10. COLOCAÇÃO DOS PRONOMES ÁTONOS 237
l 14.8. Porque, por que, porquê, por quê 293
10. L Pronomes pessoais oblíquos átonos 237
14.9. Locuções pronominais de tratamento 294
10.2. Ênclise e próclise 238
10.3. Situações em que a próclise é obrigatória 239 15. DESTAQUES SOBRE OS NUMERAIS 299
10.4. Colocação de pronomes em relação aos tempos do futuro 242 15.1. Classificadores partitivos 299
10.5. Colocação de pronomes em locuções verbais 243 15.2. Flexão de género 302
10.6. Pronomes átonos e início de oração 245 15.3. João Paulo II, Pio XII 302
15.4. Correspondência entre os numerais 303
11. PONTUAÇÃO 247
15.5. Emprego do cardinal pelo ordinal 304
11.1. Emprego de ponto final, reticências, ponto de interrogação
15.6. Número de páginas e folhas 305
e ponto de exclamação 247
15.7. Leitura do cardinal 305
11.2. Emprego da vírgula 250
15.8. Leitura do ordinal 306
11.3. Emprego do ponto e vírgula 262
15.9. Mil reais, um mil reais 307
11.4. Outros sinais de pontuação 263
16. DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 309
12. DESTAQUES SOBRE OS SUBSTANTIVOS 267
16.1. Verbos regulares, irregulares, anómalos, defectivos e
12.1. Funcionalidade dos substantivos abstratos 267
impessoais 309
12.2. Alguns plurais um pouco diferentes 272
16.2. Formação dos tempos verbais 312
12.3. Plural dos substantivos compostos 274
16.3. Emprego dos particípios duplos 321
13. DESTAQUES SOBRE OS ADJETIVOS 283 16.4. Voz ativa e voz passiva 323
13.1. Menor, mais pequeno, mais grande 283 16.5. Funções da voz passiva na construção do texto 324

14. DESTAQUES SOBRE OS PRONOMES 285 16.6. Gerundismo 326


16.7. Conjugação dos verbos irregulares e/ou defectivos mais
14.1. Pronomes e a coesão textual 285
usuais 326
14.2. Informamo-lo, informamos-lhe 289
14.3. Entre ele e mim 289 17. DESTAQUES SOBRE OS ADVÉRBIOS 337
14.4. Para mim, para eu fazer 289 17.1. Advérbios predicativos e não predicativos 337
14.5. Onde e aonde . . .290 17.2. Advérbios em -mente . 338
14 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

17.3. Não, um tipo especial de advérbio não predicativo 339


17.4. Escopo da negação 339
17.5. Dupla negação e elipse do advérbio de negação 340
17.6. Locuções negativas polares 341
INTRODUÇÃO
17.7. Advérbios focalizadores 342
17.8. Advérbios oracionais 343

18. DESTAQUES SOBRE AS PREPOSIÇÕES 347


18.1. Antecedente e consequente 347
18.2. Oração como consequente 348
18.3. Dois antecedentes e um consequente 349
18.4. Repetição e elipse da preposição 349
18.5. Acerca de, a cerca de, há cerca de 350
18.6. A custa de, custas 351 É sabido que apenas o domínio das regras gramaticais não leva ninguém
18.7. Ao encontro de, de encontro a 351 a falar ou a escrever bem. A maioria dos grandes escritores certamente
18.8. A par de 351 nunca chegou a ler uma gramática por inteiro. Mas todos eles demonstram,
18.9. A princípio, em princípio 352 em suas obras, pleno conhecimento da língua padrão, mesmo quando a
18.10. Através de 352 infringem deliberadamente, para criar algum efeito de sentido.
18.11. A vista, aprazo 352 As pessoas comuns, sejam estudantes dos mais diversos níveis, sejam
18.12. Somos quatro, estamos quatro 353 profissionais exercendo as mais variadas funções, também têm de expres-
sar-se na língua padrão. Por esse motivo, consultar uma boa gramática é
índice Remissivo.. . .355 importante para adquirir controle e segurança no uso da língua e, com
isso, ter mais liberdade para exercer em plenitude sua capacidade criativa.
Para facilitar esse trabalho, resolvi escrever este livro. Seu conteúdo
é resultado dos trabalhos de pesquisa que venho desenvolvendo como
docente da Unesp, das minhas participações em congressos no Brasil e no
Exterior e também dos artigos publicados, sobretudo nos últimos anos,
em revistas científicas do país. O resultado foi uma Gramática Mínima
para o Domínio da Língua Padrão. Mínima, porque, para dominar a lín-
gua padrão, ninguém precisa, por exemplo, saber o que é uma derivação
parassintética, um hibridismo ou uma consoante vibrante alveolar sonora.

15
16 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

Por isso, esta gramática atém-se apenas ao que é importante saber, para
ter o controle e a segurança de que estamos falando.
O método utilizado para escrevê-la, com exceção dos temas que envol-
vem legislação pura e simples, como ortografia e acentuação gráfica, levou
em conta o modelo funcionalista-cognitivista, que procura descrever os
fatos da língua a partir da maneira como o usuário atribui sentido àquilo
que escreve ou lê, nos diversos momentos em que exerce as funções co-
municativa, emotiva e de socialização dentro da língua, nas mais diversas
situações do seu cotidiano.
A LÍNGUA COMO SISTEMA DE
Quando me refiro à língua padrão do português do Brasil, entendo o
uso idiomático dos grandes escritores brasileiros, com ênfase nos mais mo REPRESENTAÇÃO, COMUNICAÇÃO
dernos - excetuando-se os regionalistas típicos - e também o uso da mídia
veicular de prestígio, que engloba os jornais e revistas de maior expressão
E INTERAÇÃO SOCIAL
no País e também as modernas obras de Ciências, Filosofia, História etc.
Mas, como as línguas estão em constante mudança, fiz questão, em todos
os assuntos tratados, de evitar posições puristas, apontando sempre novas
alternativas que já estejam sendo aceitas no registro culto do idioma.
O capítulo da Sintaxe, como está explicado em sua introdução, oferece
duas escolhas para o leitor: consulta apenas, diante de alguma dificuldade
eventual, na leitura dos capítulos que vêm depois, ou leitura minuciosa,
para aqueles que se interessam pelo assunto e pretendem redigir com maior
segurança e criatividade.

O Autor
As PALAVRAS

Em primeiro lugar é preciso entender que uma língua é um sistema


de representação do mundo em que vivemos e também de outros mundos
que podemos criar com a nossa imaginação. Isso acontece por meio das
palavras, que têm o poder de fazer surgirem, em nossas mentes, imagens
ou conceitos daquilo que não está diante dos nossos olhos. Podemos, por
exemplo, estando em São Paulo nos dias de hoje, conversar sobre a Revo-
lução Francesa, ocorrida em Paris, em 1789. Entre os seres vivos, a espécie
humana é a única capaz de fazer isso, graças ao uso da linguagem. Esse
sistema linguístico de representação sofre variações, ao longo do tempo,
uma vez que as palavras estão estreitamente ligadas a aspectos cognitivos,
culturais, sociais e históricos de cada povo. O léxico do português do Brasil
atual contém palavras de origem latina - muitas populares, outras eruditas
- e uma vasta coleção de empréstimos de outras línguas, assimilada desde
o surgimento do Reino de Portugal, no século XII, passando pela época
do descobrimento, colonização, independência, república, até chegar aos
dias de hoje.

19
20 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A LÍNGUA COMO SISTEMA DE REPRESENTAÇÃO... 21

A criação de palavras, sendo determinada por aspectos cognitivos e submetida a uma situação qualquer de desconforto. Pode ser, por exemplo,
culturais, sofre influência de uma série de fatores. Para denominar, por aquele que não consegue "sair do vermelho" em sua conta bancária.
exemplo, os pequenos ossos que compõem o mecanismo do ouvido interno,
utilizamos, metaforicamente1, palavras como: estribo, bigorna e martelo. Essa
NEOLOGISMOS
decisão está ligada a uma época em que se andava mais a cavalo, ferravam-se
mais cavalos, e também à mente de alguém que foi capaz de ver semelhanças Como as sociedades humanas são dinâmicas, a todo momento surgem
formais entre aqueles ossos e estes artefatos. coisas ou situações novas que devem ser representadas linguisticamente.
Uma outra fonte de representação linguística é a metonímia (uso da Temos, então, de criar palavras novas, que são chamadas neologismos. Para
parte pelo todo), também bastante comum e que pode ser exemplificada isso, contamos com dois processos: a criação de palavras, formando-as
pela palavra vela. Na verdade, são duas palavras. Vela, que provém do latim dentro da própria língua, como informática, informatizar, ou por meio
velum, é o nome que se dá a um componente das embarcações movidas a de empréstimos de outras línguas. Para denominar o aparelho ao lado do
vento. Vela, derivada do verbo velar, que provém do latim vigilare e significa teclado de um computador, utilizado para operá-lo, tomamos, no Bra-
a ação de tomar conta de, designa, hoje em dia, um artefato cilíndrico, feito sil, emprestada do inglês a palavra mouse. Em Portugal, essa palavra foi
de cera e pavio. A origem desse significado é metonímica. Como, muitas traduzida para rato. Nesse último caso, temos aquilo que chamamos de
vezes, a ação de velar (= vigiar) acontecia à noite, atribuiu-se o nome de "empréstimo invisível"2.
vela, que era sinónimo de vigília, ao artefato que iluminava essa vigília. Um
outro significado de vela, também por metonímia, é o da pessoa que "vigia" ARCAÍSMOS
o namoro de um casal.
Arcaísmos são palavras que deixaram de ser usadas na língua, ou por-
Em países como França e Espanha, as velas eram fabricadas com uma
que foram substituídas por outras, como pêro, substituída por mas, cérebro
cera de cor amarelada importada de uma localidade no norte da África,
eletrônico substituída por computador, ou porque a coisa denominada caiu
chamada Bugia. Por metonímia, esse artefato passou a chamar-se bougie,
em desuso, como régua de cálculo ougasogênio*.
em francês, e bugia, em espanhol. Em português, temos o substantivo bugio
que, também por metonímia, designa uma espécie de macaco nativo dessa
localidade africana. A COMUNICAÇÃO E A INTERAÇÃO SOCIAL
Uma vez criadas, as palavras costumam sofrer, ao longo do tempo, va-
Além de poder "pensar" sobre coisas, pessoas e situações que não estão
riações de sentido. Coitado, por exemplo, no século XII, era apenas aquele
dentro do nosso campo visual ou dentro do nosso tempo, a linguagem per-
que sofria por não ter um amor correspondido. Hoje, pode ser uma pessoa

2. Emprega-se o termo empréstimo invisível, quando há tradução de uma palavra de


1. Metáfora é um processo cognitivo por meio do qual, estabelecendo analogias, uti- outra língua. Uma palavra como repórter é simplesmente um empréstimo, uma vez que vem
lizamos palavras pertencentes a um domínio para expressar uma realidade pertencente a um da adaptação da palavra inglesa repórter. Já a palavra cachorro-quente é um empréstimo
outro domínio. Appius Claudius (300 a.C.) utilizou uma metáfora quando disse que "cada invisível, uma vez que provém da tradução da palavra inglesa hot-dog.
homem é o arquiteto do seu próprio destino". Nós também utilizamos uma metáfora quando 3. Equipamento utilizado pelos veículos a motor, durante a 2a Guerra Mundial, para substituir
dizemos, mais prosaicamente, que os pneus de um carro estão carecas. a gasolina, que era escassa, utilizando como combustível o gás resultante da queima do carvão.
22 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO

mite que passemos aos outros esses pensamentos. Por meio da linguagem, l
podemos transmitir, comunicar a outras pessoas nossas ideias e emoções. i
Se um rapaz diz a uma garota: - Juliana, você comprou as entradas?, terá l
comunicado seu desejo de saber se as entradas foram compradas. Mas, se ele i
disser: - Amor, você comprou as entradas?, além de comunicar esse desejo,
terá assinalado, pelo uso do vocativo amor, uma relação afetiva com a garo-
ta. Vocativos e expressões de tratamento, como você, o senhor, são marcas,
também, de interação social.
Muitas vezes, conversamos com alguém apenas para "quebrar o gelo".
As REGRAS DA GRAMÁTICA
Isso acontece, quando falamos sobre o tempo: dizer que está fazendo frio
ou calor, se vai chover, não importa. O que importa é gerenciar a relação
com o outro.
Por tudo isso, uma gramática tem de levar em conta, no processo da
sua confecção, as funções de representação, comunicação e interação social
inerentes à linguagem.
De modo prático, podemos dizer que as regras da gramática da nos-
sã língua estão internalizadas dentro de nossas mentes e sua utilização é
inconsciente. Quando ouvimos uma frase como: "O presidente disse que
ele viajará a São Paulo", sabemos, intuitivamente, que o pronome ele pode
referir-se ao presidente. Mas, se a frase for dita ou escrita com o pronome
ele antecedendo o presidente, como em: "Ele disse que o presidente viajará
a São Paulo", sabemos que ele não pode jamais ser o presidente. Ninguém
precisa ter frequentado escola para ser capaz de estabelecer essas relações.
Levando em conta esse fato, poderíamos concluir que estudar a gramá-
tica de uma língua deveria ser apenas um trabalho de explicitar as regras
que os falantes dessa língua utilizam, quando se comunicam. Em parte,
isso é verdade. Existe, entretanto, um outro lado da questão. As línguas
humanas são faladas por grupos sociais complexos que têm uma história
às vezes de mais de mil anos. Isso faz com que a "lógica gramatical" seja,
muitas vezes, contrariada por um fator social ou histórico. Assim é, por
exemplo, que temos palavras derivadas em ai, como corporal, convencional,
material, mental, vindas, respectivamente, de corpo, convenção, matéria e
mente. Mas, estranhamente, a palavra correio não produziu correial. Nin-
26 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

guém diz que "o serviço correial de uma cidade está deficiente". O adjetivo
usado é postal (de posta + ai). Dizemos que "o serviço postal da cidade
está deficiente". É que aí entrou em jogo um fator histórico: antigamente, o
correio era feito a cavalo. O local onde se buscavam e entregavam as cartas
era uma espécie de estrebaria chamada posta, onde os mensageiros, os A ESCRITA
carteiros da época, antes de prosseguir viagem, aproveitavam para trocar
seus cavalos cansados por outros descansados. Desse substantivo é que foi
derivado postal. Ainda hoje existe o termo posta-restante que denomina
a correspondência que "restou ou sobrou na posta" por falta de endereço
ou por não ter sido encontrado alguém que a recebesse. Veja o leitor que
ninguém, nem mesmo o presidente de república, seria capaz de baixar
hoje um decreto que obrigasse os falantes do português a dizer correial
em vez de postal. Fica, pois, essa exceção autorizada a permanecer dentro
Numa definição ampla, escrita é qualquer processo de representação da
do léxico pela memória histórica e pelo uso social. É por esse motivo que
linguagem verbal sobre uma substância material qualquer, seja uma parede,
todas as línguas do mundo têm exceções.
uma tabuinha encerada, uma folha de papel ou uma tela de computador.
Nem todos os povos possuem uma escrita. As línguas que não a têm são
chamadas de línguas ágrafas (= não escritas). As línguas indígenas do Brasil
são línguas ágrafas.
A descoberta da escrita, por volta de 3 200 a.C., na Suméria, região
onde hoje se encontra parte do Iraque, corresponde ao fim da pré-história e
ao princípio da história, pois ela permitiu aos homens algo muito maior do
que a possibilidade de criar uma burocracia e transmitir a cultura de uma
geração para outra. Afinal, todo conhecimento coletivamente válido tem
de ser constituído linguisticamente e quem domina a escrita passa a contar
com uma fantástica extensão de sua capacidade sociocognitiva. A escrita,
possibilitando fixar, em um suporte qualquer, cálculos, reflexões e emoções,
deu condições ao homem de construir grandes obras arquitetônicas, teorias
científicas e filosóficas, além das obras da literatura. Não é por acaso que a
descoberta do eixo e da roda aconteceu também entre os sumérios, na mesma
época do descobrimento da escrita. Sem a escrita, estaríamos todos ainda na
pré-história, sem acesso a qualquer tipo de ciência ou tecnologia.

27
28 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

Historicamente, a escrita passou por várias mudanças. Inicialmente


era ideográfica, composta de ideogramas ou desenhos estilizados, que
serviam para representar as ideias das coisas. Os hieróglifos egípcios e a
escrita chinesa são exemplos típicos. No século XI a.C, surgiu uma nova
forma de escrita, que, em essência, não diferia da maioria das escritas mo- ORTOGRAFIA
dernas. Foram os fenícios e os gregos os responsáveis por essa invenção
que, certamente, se alinha entre as maiores descobertas da humanidade. As
palavras passaram a ser representadas não mais por meio do desenho dos
conceitos que elas exprimiam, mas por meio do desenho dos sons de que
eram formadas. Foram criados vários caracteres (as letras do alfabeto) que
serviam para visualizar os sons constituintes das palavras. Por isso é que
essa forma de escrita passou a ser conhecida por alfabética1.

Ortografia é a maneira correta de escrever as palavras de uma língua,


de acordo com uma convenção. É pura ilusão achar que as pessoas pode-
riam escrever do jeito que falam. Como sabemos, há pronúncias diferentes,
dependendo da região de que provém o falante. Onde um paulista pronuncia
festa, um carioca pronuncia/ecfota. Será que seria útil termos essa dupla grafia
em português? E quando as palavras são combinadas na frase? Quando di-
zemos velhos tempos, isto soa [vélhus tempus]. Mas, quando dizemos velhos
amigos, isto soa [vélhuz amigus]. Será que seria útil mudarmos a escrita de
velhos, escrevendo ora com s, ora com z? Como se vê, não podemos fugir a
um sistema convencionai, de grafia.
Mas, como é que surgiu o sistema ortográfico atual do português? Bem,
até o século XVI, não havia propriamente uma convenção. A pronúncia exercia
influência sobre a forma de escrever e nós acabamos de ver o resultado de uma
coisa dessas: total falta de uniformidade. Entre o século XVI e o início do século
XX, surgiu o costume de procurar escrever de acordo com a origem da palavra.
Isso era feito de forma pseudocientífica e muitas vezes fantasiosa. Era nessa época
que se escreviam palavras como chimica, theologia, pharmacia, philosophia.
Finalmente, no início do século XX, foram iniciados esforços para con-
1. A palavra alfabeto é resultado das duas primeiras palavras do alfabeto grego: alfa
(= a) e beta (= b).
seguir um sistema ortográfico que, abrangendo Brasil e Portugal, pudesse ser

29
30 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
ORTOGRAFIA 31
seguido de maneira uniforme, nas repartições governamentais e nas escolas. acórdão e outras bastante mais especializadas. Se se tratar de um médico,
Após muitos anos de tentativa, surgiu o Acordo Ortográfico de 1943, que, palavras como bisturi, incisão, diagnóstico, estetoscópio serão muito mais
conforme a Lei n. 2623, de 21 de outubro de 1955, passou a ser obrigatório frequentes e comporão seu léxico de situação. Para as palavras menos usadas,
em todo o território nacional. A esse acordo foram incorporadas pequenas como berinjela, por exemplo, o recurso é a consulta a um bom dicionário.
alterações por meio da Lei n° 5 765, de 18 de dezembro de 1971 e outras, Vejamos, a seguir, algumas orientações de natureza morfológica que
por meio do Decreto Lei 6 583/08 de 30 de setembro de 2008 que entrou em certamente serão úteis para um melhor domínio da ortografia.
vigor em 1° de janeiro de 2009, unificando a grafia de todos os povos falantes
da língua portuguesa no mundo. Esse novo sistema ortográfico será de uso
2.1 PALAVRAS DERIVADAS COM SUFIXO ES/ESA
obrigatório a partir de 1a de janeiro de 2013. Pode-se dizer que o sistema
ortográfico atual, embora tenha natureza convencional, está construído den- Uma palavra se escreverá com sufixo es/esa, se for derivada de subs-
tro de um meio termo entre pronúncia e etimologia (origem das palavras). tantivo. Exemplos:
O primeiro passo para dominar a ortografia de uma língua é a alfabetiza- Substantivo Substantivo derivado
ção. Nesse processo, a criança aprende a dominar as convenções entre as letras campo camponês
França francês
e os sons, bem como os valores que cada letra ou dígrafo1 tem dentro da escrita.
burgo burguês
Esse aprendizado não leva, por si só, ao domínio da ortografia. É preciso, mais príncipe princesa
tarde, aprender a estabelecer relações entre a ortografia e a morfologia e saber,
também, que a formação das palavras constitui uma fonte preciosa de infor- 2.2 PALAVRAS DERIVADAS COM SUFIXO EZ/EZA
mação ortográfica. Escrevemos sumisse, com isse, mas velhice, com ice, porque
essas terminações veiculam informações morfológicas diferentes. Isse indica Uma palavra se escreverá com sufixo ez/eza, se for derivada de adjetivo.
Exemplos:
que o verbo está no imperfeito do subjuntivo e ice, que essa palavra é derivada
Adjetivo Substantivo derivado
de velho e que ice significa: qualidade, propriedade, estado, modo de ser.
limpo limpeza
Mas, somente isso não basta. O exercício constante da leitura e da escrita
claro clareza
levará o aprendiz a fixar, "pelo olho", a grafia das palavras mais frequentes. embriagado embriaguez
Quem lê e escreve bastante acaba educando-se ortograficamente. Dessa ma- sensato sensatez

neira, palavras como exceção, docente, discente terão suas grafias fixadas na
memória do usuário da língua. Uma orientação prática a ser seguida é o 2.3 PALAVRAS DERIVADAS COM SUFIXO AR
usuário procurar familiarizar-se com o conjunto de palavras mais frequentes análise analisar
no exercício de sua atividade, chamado de léxico de situação. Se alguém é paralise paralisar2
liso alisar
advogado, seu léxico de situação conterá palavras como: petição, sentença,
pesquisa pesquisar

1. Dígrafo são duas letras que representam um mesmo som, como Ih, em velho, ou nh,
2. Paralisar. [Do gr.parálysis, "relaxamento, paralisia" + ar.] Aurélio Buarque de Holanda
em venho. Ferreira, Novo Dicionário de Língua Portuguesa, p. 1043.
ORTOGRAFIA 33
32 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
lápis + inho = lapisinho
2.4 PALAVRAS DERIVADAS COM SUFIXO IZAR beleza + inha = belezinha
real realizar nariz + inho = narizinho
agonia agonizar
ameno amenizar
final finalizar 2.9 PALAVRAS DE ORIGEM TUPI, AFRICANA ou
DE ORIGEM DESCONHECIDA
2.5 SUFIXO AGEM Nas palavras de origem tupi, africana ou de origem desconhecida3, usa-
O sufixo agem sempre se escreve com g, nos seus vários sentidos: fo- -sej e não g: pajé (origem tupi), jibóia (origem tupi), jiló (origem africana),
lhagem, criadagem, malandragem (indica coleção); lavagem, montagem, jerico (jumento - origem obscura).
arbitragem, hospedagem, ladroagem, aprendizagem (indica o efeito de uma
ação ou de um estado). Viagem, pela origem, é escrita com g. Antes de a e 2.ioVERBos QUERER, PÔR E DERIVADOS
o, no entanto, o g se transforma em;': viajar, viajante, viajor.
Todas as formas de conjugação do verbo viajar conservam o j, mesmo Os verbos querer, pôr e todos os seus derivados não têm nenhuma
forma em z:
antes de e: viajei, viajemos, que eles viajem. Daí resulta a oposição: "Desejo-
-Ihe boa viagem". "Desejo que vocês viajem com segurança". eu quis, tu quiseste, eu quisera
eu pus, tu puseste, eu pusera
eu propus, tu propuseste, eu propusera
2.6 SUFIXO UGEM

O sufixo ugem também se escreve com g: lanugem, penugem, ferrugem 2.11 PALAVRAS DA MESMA FAMÍLIA
(indica porção ou matéria componente).
As palavras da mesma família, em geral, escrevem-se com a mesma
letra. Exemplos:
2.7 SUFIXO oso
palavra família
O sufixo 050 sempre se escreve com s: amoroso, cheiroso, prazeroso.
alto altura, altitude, altivo, altaneiro, alto-falante
auto autobiografia, autografar, autoconfiança,
2.8 SUFIXO INHO (gr. autos = por si próprio) automedicação
graça gracioso, agraciar, engraçado, desgraça,
Com o sufixo m/jo, conserva-se o s ou z da palavra de base: gracejo
médico medicina, medicamento, medicar, medicinal,
asa + inha = asinha medicação
burguês + inho = burguesinho
casa + inha = casinha
3. Essas palavras nomeiam, geralmente, coisas ligadas ao campo.
chinês + inho = chinesinho
)
34 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO ) ORTOGRAFIA 35

pretensão pretenso, pretensioso, pretensiosamente ) k = símbolo de grau Kelvin


kg = quilograma
trás atrás, traseira, atrasado )
kl = quilolitro
paralise paralisar, paralisação, paralisia ) km = quilómetro
)
) • na transcrição de nomes próprios de notoriedade internacional e nas
2.12 USO DO H
l palavras derivadas desses nomes. Exemplos:
)
A letra h não representa som algum no português. Utilizada em posição
) Nomes próprios Derivados
inicial e final, só é mantida por razões etimológicas ou para preservar hábitos
) Bismarck bismarckiano, bismarckista
da tradição escrita: hábil, harém, harmonia, harpa, haste, hidratar. Kafka kafkiano
) Kepler
Por tradição, usa-se no início ou no final de certas interjeições: Hein? kepleriano
) Shakespeare shakespeariano
(interrogação) com a variante hem?, Ha? (interrogação), Hum? (indagação),
Kardec kardecista, kardecismo
Ah!, Oh!, Ih!, Eh! (exclamação).
)
Em posição interna na palavra, só se usa o h nos dígrafos ch, Ih, nh:
)
achatar, molhar, ninho. b. Letra w
No caso de palavras iniciadas por h, se este vem separado de um prefixo )
A letra w, também de volta ao nosso sistema ortográfico com o Decreto
por hífen, mantém-se o h; caso contrário, desaparece: anti-higiênico, super- )
Lei 6.583/08, é utilizada principalmente:
-homem, sobre-humano, mas reaver (ré + haver), desumano (dês + humano), )
) • em abreviaturas consagradas, de uso internacional. Exemplos:
inabitado (in + habitado).
) kw = quilowatt
OBSERVAÇÃO kwh = quilowatt-hora
)
w = watt
Por tradição, Bahia (o Estado) escreve-se com h. Mas os derivados W = oeste
perderam-no: baiano, baião. W.C. = water-closet

• na transcrição de nomes próprios de celebridades internacionais e nas


2.13 Uso DAS LETRAS K, W E Y
palavras derivadas desses mesmos nomes. Exemplos:
a. Letra k Nomes próprios Derivados
Brown browniano
A letra k, que voltou a fazer parte do nosso sistema ortográfico com o Darwin darwinismo, darwiniano, darwinista
Decreto Lei 6.583/08, é utilizada principalmente: Hollywood hollywoodiano
Newton newtoniano
• nas abreviaturas consagradas, adotadas internacionalmente na linguagem Wagner wagneriano, wagnerista
Weber weberiano
científica:
36 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMlNIO DA LlNGUA PADRÃO ORTOGRAFIA 37

c. Letra y ser transcritas de acordo com a grafia da língua de origem, entre aspas, em
textos manuscritos, ou grifadas em itálico em textos impressos. A consulta
A letra y, igualmente de volta à língua pelo mesmo decreto, é utilizada,
a bons dicionários é o procedimento adequado para saber se a palavra já foi
principalmente:
ou não aportuguesada. Nossos dicionários registram, por exemplo, como já
• nas abreviaturas de uso internacional. Exemplos: incorporadas ao nosso léxico palavras como:
y = símbolo químico do ítrio
estresse (do inglês stress)
y = incógnita, em Matemática surfe (do inglês surf)
yb = símbolo químico do itérbio xampu (do inglês shampoo)
yd = jarda (= medida inglesa equivalente a 3 pés ou 914 mm)

• em nomes próprios de notoriedade internacional e nos seus derivados. Se os dicionários não registram uma palavra, é sinal de que ainda não
Exemplos: foi incorporada ao léxico da língua. Não nos podemos esquecer, também,
Nomes próprios Derivados de que os dicionários são extremamente lentos em documentar as palavras
Byron byroniano que aparecem na língua.
Goya goyesco
Taylor taylorista
2.14 EMPREGO DAS INICIAIS MAIÚSCULAS

OBSERVAÇÃO Uma palavra tem a sua letra inicial maiúscula nos seguintes casos:
As palavras estrangeiras que ainda não se incorporaram ao nosso léxico
devem ser transcritas entre aspas, de acordo com as normas da língua de • No início de frase, verso ou citação direta. Exemplos:
FRASE: A bem dizer, sou Ponciano de Azeredo Furtado, coronel de patente, do que
origem conservando, o k, o w e o y. Exemplos:
tenho honra e faço alarde4.
Houve um "black-out" em São Paulo que durou horas. VERSO: Quase anónima sorris
O "show" foi ao ar livre. E o sol doura o teu cabelo,
Israel venceu a guerra do "Yom Kippur". Por que é que, pra ser feliz,
É preciso não sabê-lo?5
Com o advento dos processadores de texto, que permitem uma liberdade
maior no uso das fontes, as aspas ficaram restritas aos textos manuscritos. Há poetas, contudo, que preferem, imitando a tradição espanhola, utilizar
No texto impresso, é mais comum o emprego do grifo em itálico. Desse a minúscula no início de cada verso, à exceção do primeiro da estrofe:
modo, num texto impresso, essas palavras se escreveriam como: black-out, Não te aflijas com a pétala que voa:
show e Yom Kippur. também é ser, deixar de ser assim6.

O mesmo tipo de procedimento deve ser adotado em relação às de-


mais palavras de origem estrangeira: se já foram aportuguesadas, devem 4. José Cândido de Carvalho, O Coronel e o Lobisomem, p. 3.
ser grafadas de acordo com as nossas normas ortográficas; se não, devem 5. Fernando Pessoa, Obra Poética, p. 560.
6. Cecília Meireles, Obra Poética, p. 266.
38 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO ORTOGRAFIA 39

CITAÇÃO DIRETA Marte, porém soprava fogo


por estes campos e estes mares10.
Disse Protágoras: "O homem é a medida de todas as coisas".

• Empregamos também a inicial maiúscula nos nomes próprios de qualquer • Nos nomes próprios de eras históricas e épocas importantes: Idade Média,
espécie: de pessoas, seus apelidos e alcunhas, animais, localidades, comuni- Seiscentos (o século XVI).
dades políticas e religiosas, nomes sagrados e mitológicos. Exemplos:
Os nomes dos meses e dos dias da semana, entretanto, se escrevem
PESSOAS, APELIDOS E ALCUNHAS
com iniciais minúsculas: janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho,
Quem leu o romance anterior de Machado de Assis terá observado que o reencon-
tro de Quincas Borba, o Filósofo da Miséria, com o antigo colega de escola, Brás Cubas, agosto, setembro, outubro, novembro, dezembro; segunda-feira, terça-feira,
contribuiu para dar novo e curioso aspecto à narrativa denominada póstuma7. quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo.

No texto acima, Machado de Assis, Quincas Borba e Brás Cubas são • Em nomes, quando estão designando conceitos religiosos, políticos ou
nomes próprios; Filósofo da Miséria é um apelido ou alcunha atribuído por nacionalistas, como Pátria, Nação, Igreja etc.
Eugênio Gomes a Quincas Borba.
• Em nomes que designam ciências, artes e disciplinas, como Biologia, Física,
ANIMAIS
Música, História do Brasil.
Vinha-lhe de padrinho [ao burrinho pedrês] jogador de truque a última intitulação
[Sete-de-Ouros], de baralho, de manilha; mas, vida a fora, por amos e anos, outras tivera,
• Em nomes que designam altos cargos, dignidades e postos, como Presi-
sempre involuntariamente: Brinquinho, primeiro, ao ser brinquedo de meninos; Rolete,
em seguida, pois fora gordo, na adolescência; mais tarde Chico-Chato, porque o sétimo dente, Imperador, Papa, Ministro da Saúde.
dono tinha essa alcunha8.
• Em nomes de instituições (incluindo escolas de qualquer espécie e grau
LOCALIDADES
de ensino), edifícios públicos ou particulares. Exemplos: Ministério das
A Alemanha, a Inglaterra e os Estados Unidos foram três dos muitos países que se
envolveram na 2- Guerra Mundial. Relações Exteriores, Universidade de São Paulo, Banco do Brasil, Palácio
dos Azulejos, Lojas Riachuelo.
COMUNIDADES POLÍTICAS E RELIGIOSAS
O Partido dos Trabalhadores sempre recebe apoio da Igreja Católica. • Em nomes de publicações em que se incluem jornais, revistas, produções
NOMES SAGRADOS E MITOLÓGICOS científicas, artísticas e literárias em geral. Exemplos: Quincas Borba (nome
Deus é fiel e justo. É a verdade que eu digo em Cristo, não minto; disso me dá de romance); Veja, Época, O Estado de S. Paulo (nomes de revistas e jor-
testemunho a consciência no Espírito Santo9. nais); "A Concordância em Português" (nome de tese de doutorado); O
Vento Levou (nome de filme).

7. Eugênio Gomes. In Machado de Assis, Quincas Borba, p. 5.


8. João Guimarães Rosa, Sagarana, p. 17.
9. São Paulo, Carta aos Romanos, 9,1. 10. Cecília Meireles, Obra Poética, p. 597.
40 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
ORTOGRAFIA 41

Não se iniciam com maiúsculas os artigos, as preposições, locuções Em. a - Eminência p. ex. - por exemplo
prepositivas e combinações de preposição + artigo ou demonstrativo, escritos Em.mo - Eminentíssimo p. f. - próximo futuro
Ex.a - Excelência pg. - pago
no interior de um nome composto cujas iniciais são maiúsculas. Exemplos:
Ex.m" - Excelentíssimo p. p. - próximo passado
Histórias sem Data; O Crime do Padre Amaro; Seis Personagens à procura fl. - folha RS. - post scriptum (= depois
de um Autor. (Is. - folhas do escrito)
g - grama(s) ql - quilate
• Em nomes de fatos históricos, atos solenes, de grandes empreendimentos gên. - género R. - rua
gen. - general Rev. ou Rev.do - Reverendo
públicos e de atos das autoridades da República. Exemplos: Independência
h - hora(s) Rev.mo - Reverendíssimo
do Brasil, Descobrimento da América, Dia do Município, Decreto-Lei n. lia - hectare(s) S. A. - Sociedade Anónima
346, Portaria de 22 de agosto. i b. - ibidem (= no mesmo lugar) sarg. - sargento
i d. - idem (= o mesmo) S. Em.a - Sua Eminência
• Em substantivos comuns, quando personificados. Exemplos: a Capital da i. é - isto é séc. - século
11.™ - ilustríssimo seg - segundo
República, o Amor, a Virtude.
kg - quilo(s), quilograma(s) S. Ex.a - Sua Excelência
km - quilómetro S. M. - Sua Majestade
• Nos nomes dos pontos cardeais, designando regiões: "Os brasileiros do
l - litro(s) S.O. - Sudoeste
Sul têm mais chuva do que os do Norte". Ib - libra(s) Sr. - senhor
Indicando direção, os pontos cardeais escrevem-se com letra minúscula: Ltda. - limitada Srs. - senhores
m - metro(s) S. S. - Sua Santidade
"A aeronave rumava em direção ao sul".
min - minuto(s) S. S.a - Sua Senhoria
mm - milímetro(s) tel. - telefone
• Nas expressões de tratamento, tanto na versão por extenso quanto nas
MM. - Meritíssimo v. - verso
abreviaturas: Vossa Excelência ou V. Exa., Digníssimo ou DD., Meritís- Mons. - Monsenhor V. - você
simo ou MM. N. - norte V. A. - Vossa Alteza
N.B. - note bem V. Em.a - Vossa Eminência
N.E. - nordeste V. Ex.a - Vossa Excelência
2.15 ABREVIATURAS N.O. - noroeste v. g. - verbi gratia (- por exemplo)
N.T. - Novo Testamento V. M. - Vossa Majestade
As principais abreviaturas utilizadas em português são as seguintes: O. - oeste V. Rev.a - Vossa Reverência
ob. cit. - obra citada V. Rev.ma - Vossa Reverendíssima
A. - autor cm - centímetro(s)
op. cit. - opus citatum (= obra V. S. - Vossa Santidade
A.C. ou a.C. - antes de Cristo D. - digno, Dom, Dona
citada) V. S.a - Vossa Senhoria
Al. - alameda D.C. ou d.C. - depois de Cristo V. T. - Velho Testamento
p. ou pág. - página
art. - artigo dm - decímetro W. ou O. - oeste
pp. ou págs. - páginas
Av. - avenida Dr. - Doutor
Pé. - padre
bras. - brasileiro Dr.a - Doutora
C.el - coronel Drs. - Doutores De fato, palavras com quatro letras ou menos não são abreviadas em
cf. - confira Dr.as - Doutoras português. Por isso, devemos escrever: jan., fev., mar., abr., maio, jun., etc...
Cia. - Companhia ed. - edição
(De acordo com a ABNT.)
)
42 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
.) ORTOGRAFIA 43

OBSERVAÇÕES
) cessão - ato de ceder (cessão de direitos)
• Os símbolos técnicos, como h, km, min, seg etc. são escritos com letra
) seção - setor, parte de uma loja, fábrica ou repartição pública (seção de pintura, seção de

minúscula, não têm plural e não são seguidos de ponto. Exemplos da


) roupas esportivas, seção de pessoal)

maneira correta de escrever as horas:


> sessão - evento (sessão de cinema, sessão do Senado)

Sete horas = 7h ) cheque - documento bancário (ordem de pagamento dirigida a um banco)

Sete horas e trinta minutos = 7h30min ) xeque - lance do xadrez, em que o rei é o atacado por uma peça adversária

Dez horas = lOh l concertar - organizar, combinar, harmonizar (concertar um plano)


Vinte e duas horas e quarenta minutos = 22h40min
> consertar - reparar, restaurar (consertar a televisão)

Não há espaço entre os números e os símbolos. A abreviatura min pode espiar - ver
expiar - remir, cumprindo pena (ele está expiando os pecados)
ser dispensada, pois é depreendida pelo contexto. Dessa maneira, podemos
escrever: 7h30, 22h40. estrato - camada (estrato social, estrato de rocha), nuvem que se apresenta
em camada horizontal bem definida
• Em caso de plural, as letras maiúsculas são dobradas: V. M. = Vossa Ma- extraio - coisa que se extraiu de outra (extrato de tomate, extraio bancário)
jestade / W. MM. = Vossas Majestades; S. A. = Sua Alteza / SS. AÃ. - Suas
incipiente - iniciante
Altezas; EE.UU. = Estados Unidos11.
insipiente - ignorante

• As letras maiúsculas dobradas podem ser usadas no singular, para indicar tachar - acusar, censurar (Tachou-o de covarde)
taxar - impor tributo (O governo taxa demasiado a pequena empresa)
forma superlativa: DD. = Digníssimo, MM. = Meritíssimo.
tacha - pequeno prego de cabeça larga e chata
taxa - tributo, imposto
2.16 PALAVRAS HOMÓNIMAS HOMÓFONAS

Palavras homónimas homófonas são palavras de sentido diferente que 2.17 PALAVRAS PARÔNIMAS
têm a mesma pronúncia, mas que se escrevem de modo diferente:
Palavras parônimas são as que possuem sentidos diferentes, mas pro-
acento - sinal gráfico
assento - banco núncia e grafia parecidas:

caçar - perseguir e matar animais acidente - acontecimento imprevisto, que causa destruição material (Houve um acidente
cassar - invalidar (cassar uma licença) envolvendo dois aviões.)
incidente - acontecimento imprevisto, que causa problema social ou político (A crise
censo - contagem de população dos mísseis cubanos foi o incidente mais importante da era Kennedy.)
senso - juízo (bom senso)
aréola - região circular de cor rosada ou acastanhada que envolve o mamilo.
cerrar ~ fechar auréola - círculo luminoso que circunda um astro ou, em pinturas, a cabeça de Cristo,
serrar - cortar com serra da Virgem Maria ou de santos em geral.

arrear - pôr arreio em um animal de montaria ou tração


11. A forma EUA (Estados Unidos da América) é uma tradução de USA (United States arriar - abaixar, deitar, perder as forças
of America).
44 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO ORTOGRAFIA 45

atuar - agir incontinênti - imediatamente, sem demora


autuar - lavrar um auto contra alguém incontinente - que não se contém (incontinência verbal)

casual - acidental, eventual mandado - incumbência, ordem escrita que emana de autoridade judicial ou adminis-
causal - que dá origem trativa
mandato - autorização que alguém confere a outro, poder político outorgado por meio
desapercebido - sem provisões (Não pôde pagar porque estava desapercebido.) de voto, procuração
despercebido - sem ser notado (O fugitivo passou despercebido pelos guardas.)
prescrever - receitar (prescrever medicação), perder a validade ou vigência (o crime
descrição - ato de descrever prescreveu)
discrição - qualidade de quem é discreto proscrever- desterrar, proibir, condenar, expulsar (A direção do clube proscreveu os sócios
inadimplentes, A lei brasileira proscreve a pena de morte)
descriminar - tirar o crime (descriminar a maconha)
discriminar - relacionar separadamente (discriminar as despesas) e, por extensão de ratificar - comprovar, confirmar
sentido, separar com preconceito (discriminação racial) retificar - corrigir, emendar
despensa - local onde se guardam provisões sobrescrever (ou sobrescritar) - escrever sobre (sobrescrever um envelope)
dispensa - ato de dispensar subscrever (ou subscritar) - assinar, aprovar, obrigar-se a contribuição (subscreveu a
carta, subscreveu R$150,00 para a APAE)
elidir - eliminar, suprimir
ilidir - rebater, contestar tráfego - trânsito
tráfico - comércio ilícito ou desonroso (tráfico de escravos, tráfico de drogas)
emergir - vir à tona
imergir - mergulhar vultoso - de vulto, muito grande (quantia vultosa)
vultuoso - inchado
emigrante ~ que sai do país de origem
imigrante - que entra em país estrangeiro

eminente - notável (O eminente jurista) 2.18 PALAVRAS QUE GERALMENTE APRESENTAM


iminente - prestes a acontecer (É iminente um novo acordo entre os partidos de oposição) DÚVIDA QUANTO À GRAFIA
entrância - lugar de ordem de circunscrições judiciárias (Itatiba é uma comarca de 2°
à beça alcoólatra atras
entrância)
ab-rogar aleijado atrasar
instância - grau de jurisdição (O réu, não contente com o julgamento, recorreu para 2a
abajur álibi atraso
instância)
abalizado analisar através
estada - permanência de alguém em algum lugar (provém do verbo estar + ada) abdome antessala azia
estadia - prazo concedido para carga e descarga de um navio no porto e, por extensão, abóbada antediluviano baliza
a qualquer veículo, como automóvel, aeronaves etc. (provém de estada + ia) abrasar anteprojeto banquisa
abscesso aprazível batavo
flagrante - situação em que alguém é surpreendido em ato ilegal (prisão em flagrante)
adolescente arrasar bávaro
fragrante - perfumado
aduzir ascensão bazuca
fusível - capaz de fundir-se, dispositivo de proteção contra sobrecarga elétrica aerossol aterrissagem
fuzil - arma militar alçapão aterrissar bem-vindo
ORTOGRAFIA 47
46 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
holerite muçarela rasura
beneficência contramão excesso
incrustação nuança rebuliço
beneficente cortesia excursão
incrustar obcecado recorde
berinjela coxão mole exegese
bijuteria cozinha expectativa inexorável obsessão reivindicar
bílis insosso opróbrio rejeitar
crisântemo êxtase
bissexto curtume extorsão irrequieto paçoca represa
boate déficit extravasar isenção pajé ressarcir
bombom deslize fac- símile jibóia pajem revezar
brasa destilado faccioso jiló para-brisa rodízio
brasão detectar farsa jus para-choque safári
bueiro discente fascículo laje para-lama salsicha
bússola discriminar fascinar lambuzar paraquedas silvícola
buzina displicência faxina látex paralisar somatório
búzios docente feixe lato sensu paralisia stricto sensu
cabeleireiro dúplex flecha lazer pátio superavit
cabine écloga fleuma levedo pérgula sutiã
cache eczema florescer lilás perturbação tabuada
cacho eletricista fluido limusine pesquisar terraplenagem
cáften elucubração focinho lisonjear pichar tessitura
caftina empecilho franqueza losango piche tigela
cãibra encapuzado franzino lúcifer Pireneus torácica
caixote enfisema frisar madeireira poleiro transcendência
carcaça engabelar friso magnificência pretensão traslado
casimira entronizar fuselagem mágoa pretensioso tríplex
cassetete enviesar fuso maionese prevenir ultraje
cataclismo enxaqueca gangue maisena prezado umedecer
catequese enxurrada garagem majestade primazia úmido
catequizar escassez gás maquilagem/maquiagem privilégio vagem
catorze espezinhar giclê maquilar/maquiar puser vaselina
cetim espontaneidade giz maquinaria/maquinário 12 pusesse vazar
chocho espontâneo gorjear meteorologia quiser vazio
chuchu esposar gozar misto quisesse venéreo
cinquenta espúrio granjear monge raso vitrine
circuito estrambótico guisado
colmeia estrangeiro habitat
concessão estupro herbívoro
12. No português do Brasil, a forma preferida tem sido maquinaria, que encontra fun-
contato etéreo herege damento no fato de que o sufixo ário, além de indicar lugar onde se guardam coisas, como
contraoferta exceção heresia em armário e santuário, pode indicar também coleção, como em vocabulário e vestuário. A
contracheque excelso hesitar forma maquinaria, resultado do "cruzamento" dessas duas formas, não existe na língua padrão.
48 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO ORTOGRAFIA 49

vizinho vodu xícara Quando um dos elementos não tem mais autonomia sintática, a palavra
viagem (substantivo) vultuoso xingar
composta não tem seus elementos separados por hífen. Exemplo: benquisto.
viajar xampu
viajem (v. viajar, subjuntivo) xeque
Não podemos, por exemplo, separar quisto de bem e dizer uma frase
como: * "Ele tem quisto candidatar-se a deputado federal".
2.19 EMPREGO DO HÍFEN A forma usual seria querido: "Ele não tem querido candidatar-se a
deputado federal".
a. Hífen na divisão silábica O contrário acontece na palavra bem-vindo, pois ambos os elementos
mantêm sua autonomia. Podemos dizer: Ele trabalha bem, Ele tem vindo
Emprega-se o hífen na divisão silábica e na translineação (divisão silábica
na passagem de uma linha para outra): muito a São Paulo.
OBSERVAÇÃO
or-ga-ni-za-ção As locuções, em geral, não têm seus elementos separados por hífen: de
calendá- súbito, apesar de, de repente.

d. Hífen com sufixos

b. Hífen com pronomes enclíticos e mesoclíticos Com raras exceções, os sufixos não se separam por hífen. Usa-se, entre-
tanto, o hífen com os sufixos açu, guaçu e mirim, se a palavra antecedente
Emprega-se o hífen para ligar ao verbo os pronomes oblíquos átonos,
terminar por vogal acentuada graficamente ou se a pronúncia o exigir.
em posição enclítica ou mesoclítica: amá-la (posição enclítica); entender-
Exemplos: Moji-mirim, Moji-guaçu, araçá-mirim.
-ttos-íamos (posição mesoclítica).
Os pronomes oblíquos também se ligam por hífen à palavra eis: eis-me, e. Hífen com prefixos
ei-lo.
A reforma ortográfica que passou a viger em 1° de janeiro de 2009,
As formas enclíticas Io, Ia, los, Ias ligam-se por hífen às formas oblíquas estabelece as seguintes orientações em relação ao uso / não uso de hífen
nos, vos: nos + Io = no-lo, vos + Ia = vo-la. Exemplo: "Essa notícia, ele no-la com prefixos:
comunicou hoje pela manhã".
Sempre se usa hífen antes de h: anti-higiênico, super-herói.

c. Hífen nas palavras compostas Prefixo terminado em vogal:

Os elementos das palavras compostas por justaposição são normalmente Sem hífen, se a palavra seguinte principiar por vogal diferente: autoescola, antiácido.
Com hífen, se a palavra seguinte principiar por vogal igual à vogal final do prefixo:
separados por hífen, incluindo-se aquelas em que o primeiro elemento é
contra-ataque, micro-ônibus, anti-inflamatório.
reduzido. Exemplos: austro-húngaro, mestre-sala, porta-bandeira, grã-cruz. Sem hífen, se a palavra seguinte principiar por consoante: anteprojeto, auto-
Quando a palavra é composta por aglutinação, essa separação, em geral, gestão. Caso a consoante seja r ou 5, essa consoante deve ser dobrada: antirreligioso,
extrassístole.
não acontece: pontapé, vaivém.
50 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
•\A 51
Prefixo terminado em consoante: ) Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes
Com hífen, diante da mesma consoante: inter-racial, inter-regional, sub-biblio- ) devem ser dobradas: antirreligioso, antissocial
tecário.
) Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do
Sem hífen, se a palavra seguinte principiar por consoante diferente: intervocálico,
supersônico. ) sufixo, emprega-se o hífen: anti-inflamatório.
Sem hífen, se a palavra seguinte principiar por vogal: interurbano, superinteressante. ) antropo - sem hífen: antropocentrismo, antropobiologia, antropogênese.
) apo - sem hífen: apocromático, aponeurologia.
Embora as novas regras tenham facilitado bastante o entendimento } aquém - com hífen, antes de qualquer letra: aquém-mar, aquém-fronteiras.
do uso do hífen com prefixos, acrescento a seguir uma lista alfabética dos
} arqui - com hífen, antes deh,re s: arqui-hiperbólico. Logo, sem hífen em:
principais prefixos, com as indicações de uso ou não do hífen.
") arquiduque, arquimilionário.
') Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou 5, essas consoantes
) devem ser dobradas: arquirrabino, arquissacerdote.
ab - com hífen, antes de r. ab~reptício, ab-rogar.
") Se a apalavra que segue ao sufixo principiar por vogal igual à final do
ad - com hífen, antes de r: ad-reação, ad-rogação.
) sufixo, emprega-se o hífen: arqui-inimigo.
aero - sem hífen: aeróbico, aerodinâmica, aeromoça.
) artéria - sem hífen: arteriosclerose, arteriografia, arteriotomia.
afro - com hífen: afro-americano, afro-brasileiro.
) astro - sem hífen: astrobiologia, astrofísica, astronáutica.
agro - sem hífen: agroindústria, agrometeorologia.
j audio - sem hífen: audiofrequência, audioamplificador, audiovisual.
além - com hífen antes de qualquer letra: além-túmulo, além-mar.
) auto - com hífen, antes de h: auto-hipnose. Logo, sem hífen em: autoacu-
alo - sem hífen: alocrômico, aloenxerto.
) sacão, autobiografia, autocrítica, autografar, autogestão, autoacusação,
ambi - sem hífen: ambidestro, ambivalente.
~) autoescola, autoestrada.
andro - sem hífen: androcentrismo, androfobia.
) Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes
anfi - sem hífen: anfiteatro, anfibiologia.
) devem ser dobradas: autorretrato, autossugestão.
angulo - sem hífen: angulocular, angulotuberoso
') Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do
ante - com hífen, antes de h: ante-histórico. Logo, sem hífen em: antecâmara,
) sufixo, emprega-se o hífen: auto-ônibus, auto-oscilação.
antediluviano, anteontem.
Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes ^ B
devem ser dobradas: anterrepublicano, antessala.
bem - com hífen, antes de palavra que tem vida autónoma: bem-amado, bem-
antero - sem hífen: anteroabdominal, anteroinferior, anterodorsal, antero-
-aventurado, bem-fazer, bem-feito, bem-estar, bem-vindo. Não há hífen,
posterior.
se a palavra não tem vida autónoma, como em: benquisto, benfazejo 13 .
Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes
devem ser dobradas: anterorreadaptado, anterossuperior.
anti - com hífen, antes de h: anti-higiênico, anti-horário. Logo, sem hífen 13. Não existem, no português atual, as apalavras quisto (v. no particípio) oufazejo, com
vida autónoma. O mesmo não acontece com amado, aventurado, fazer, que têm vida autónoma.
em: antiácido, antiestético, antiaéreo. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa registra bem-fazer e benfazer, mas
52 GRAMÁTICA M Í N I M A PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO ORTOGRAFIA 53

bi - sem hífen: biangular, bicampeão, bicentenário, bilabial, bimotor, bis- ) Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes
sexual. j devem ser dobradas: contrarregra, contrassenso
bronco - sem hífen: broncopneumonia, broncopulmonar. ) Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do
) sufixo, emprega-se o hífen: contra-ataque, contra-almirante.
C
) D
cardio ~ sem hífen: cardiopatia, cardiovascular.
cefalo - sem hífen: cefalocordado, cefalopélvico, cefalorraquiano. dermato - sem hífen: dermatopatia, dermatografia.
centro - sem hífen: centroavante, centronúcleo. Designando posição geo- dorso - sem hífen: dorsolateral, dorsopalatal.
gráfica, é empregado com hífen: centro-americano, centro-africano,
E
centro-europeu, centro-leste.
cérebro - sem hífen: cerebromedular, cerebrospinal. eletro - sem hífen: eletroacústica, eletrobomba, eletrocardiograma.
circum - com hífen antes de vogal e h: circum-ambiente, circum-hospitalar. ex - com hífen: ex-diretor, ex-professor, ex-presidiário.
Logo, sem hífen em: circumpolar, circunvizinhança. extra - com hífen antes de h: extra-humano. Logo, sem hífen em: extracon-
cis - sem hífen: cisalpino, cisandino, cisplatino. jugal, extrajudicial, extralegal, extraescolar, extraoficial, extraordinário.
co - com hífen antes de h: co-hipônimo, co-herdeiro14. Sem hífen em todas Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes
as outras combinações: coator, codevedor, coautoria, coadjuvante, coa- devem ser dobradas: extrarregulamentar, extrassensorial, extrassístole.
dunar, copiloto, coopositor, coorbital, coordenar, coocupar, coobrigar. Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do sufixo,
Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes emprega-se o hífen: extra-abdominal, extra-atmosférico.
devem ser dobradas: corredator, correu, corre, cossegurar, cosseno.
contra - com hífen antes de h: contra-habitual. Logo, sem hífen em: con-
fisio - sem hífen:fisioterapia,fisiopático,fisioterápico.
traindicar, contrainformação, contraoferta, contrapiso, contraproposta.
fito - sem hífen:fitoterápico,fitogeografia,fitogênese.
foto - sem hífen: fotocópia, fotocondutividade, fotoemissão, fotofobia, fo-
apenas benfeito. O Dicionário Houaiss Eletrônico da língua portuguesa, atualizado em relação
à nova ortografia, registra bem-fazer e benfazer e também bem-feito e benfeito. Seguindo o
torreação, fotossensível.
princípio que leva em conta as palavras com vida autónoma, acho preferível empregar ambas
essas palavras com hífen.
H
14. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa registra apenas coerdeiro. Mas
hetero - sem hífen: heroagressão, heterogâmico, heterossexual.
o texto do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, em sua base XVI, que trata do hífen
nas formações por prefixação, recomposição e sufixação diz que: "só se emprega o hífen nos hiper - com hífen antes de h e r: hiper-hedonismo, hiper-humano, hiper-
seguintes casos: a) Nas formações em que o segundo elemento começa por h: anti-higiênico,
-rico, hiper-realismo. Logo, sem hífen em: hiperacidez, hiperbárico,
circum-hospitalar, co-herdeiro, contra-harmônico..." O grifo é meu. O Dicionário Houaiss
Eletrônico da língua portuguesa, atualizado em relação à nova ortografia, registra ambas as hipercalórico, hiperestesia, hipersensível.
grafias: co-herdeiro e coerdeiro. Palavras antigas em que o h já não era empregado, mesmo hipo - sem hífen: hipoacidez, hipoglicemia, hipocalórico.
na antiga lei ortográfica, continuam a ser grafadas sem o h, como: coabitar, coabitação. A
primeira data, segundo Houaiss, de 1662 e a segunda, de 1589. homo - sem hífen: homoerotismo, homossexual, homofobia.
54 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
ORTOGRAFIA 55

I mini - sem hífen: minibar minibiblioteca, minicalculadora, minicasaco,


infra - com hífen antes de h: infra-hepático, infra-hioideo. Logo, não há minicomício, miniconto, minidesvalorização, minigolfe, minissaia,
hífen em: infracitado, inframencionado, infravermelho, infraestrutura. minivestido, minipílula, minissérie, minissubmarino.
Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes mor/o - sem hífen: morfogênese, morfossintaxe, morfotropia.
devem ser dobradas: infrarrenal, infrassom. moto - sem hífen: motocicleta, motomecanização, motoniveladora, mo-
Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do tobomba.
sufixo, emprega-se o hífen: infra-assinado, infra-axilar. multi - sem hífen: multiarticulado, multibilionário, multicolorido, multir-
inter - com hífen antes de h e r. inter-humano, inter-helênico, inter-racial, racial, multissegmentado.
inter-regional. Logo, não há hífen em: interurbano, intervocálico, in- Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do sufixo,
teracadêmico. emprega-se o hífen: multi-instrumentista, multi-icônico.
intra - com hífen antes de h: intra-hepático. Logo, sem hífen em: intracrania- N
no, intramuros, intramuscular, intraocular, intraoral, intraembrionario.
neo - com hífen antes de, h: neo-helênico, neo-hegeliano. Logo, sem hífen
Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do sufixo,
em: neoárido, neoevolucionismo, neolatino, neonazista, neolibera-
emprega-se o hífen: intra-auricular, intra-abdominal, intra-articular.
lismo.
intro - sem hífen: introvertido, introjetar, intrometer.
Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes
M devem ser dobradas: neorrepublicano, neossocialista.
macro - sem hífen: macroclima, macroeconomia, macroestrutura, macro - Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do
núcleo. sufixo, emprega-se o hífen: neo-ocasional, neo-otoplasia.
Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do su- neuro - sem hífen: neurobiologia, neurocirurgia, neuropsíquico, neurove-
fixo, emprega-se o hífen: macro-organização, macro-ônus, macro-osso. getativo.
magneto - sem hífen: magnetocauda, magnetofônico, magnetometria. novi - sem hífen: novilatino, novimensal.
mal - com hífen antes de vogal e h: mal-agradecido, mal-estar, mal-humo- O
rado. Logo, sem hífen em: malcriado, maldizer, malfeitor, malmequer.
ob - com hífen, antes de r: ob-reptício, ob-repção.
mega - sem hífen: megaevolução, megaevento, megafone, megabyte, mega-
óculo - sem hífen: oculofacial, oculopupilar.
térmico, megassismo, megaton.
organo - sem hífen: organogênico, organometálico, organoplastia.
Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do sufixo,
emprega-se o hífen: mega-absorção, mega-alteracão, mega-abacaxi. P

meta - sem hífen: metaestável, metacromatismo, metafonia. pan - com hífen, antes de vogal, h, m Q n: pan-americano, pan-helênico,
micro - sem hífen: microacústica, microbiologia, microcâmera. pan-mágico, pan-negritude. Logo, sem hífen em: pangermânico, pan-
Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do sufixo, germanismo.
emprega-se o hífen: micro-ônibus, micro-oscilação, micro-organismo. para (preposição) - sem hífen: paradiagnóstico, parafuncional, parapsicologia.
ORTOGRAFIA
56 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
R
para (verbo) - com hífen, antes de qualquer letra: para-brisa, para-choque,
para-lama, para-raio. radio - sem hífen: radioamador, radioatividade, radiocomunicacão, radio-
pluri - sem hífen: pluricelular, plurilateral, pluripartidário. patrulha, radioteatro, radiotransmissão, radiodiagnóstico.

poli - sem hífen: poliesportivo, polirrítmico, policromático, polifônico. ré - sem hífen: refazer, relembrar. Sem hífen, mesmo que a palavra seguinte
seja iniciada pela mesma vogal: reeleição, reenviar.
pós - com hífen, antes de qualquer letra: pós-graduação, pós-operatório,
recém - com hífen antes de qualquer letra: recém-casado, recém-chegado,
pós-verbal, pós-adolescente. Se esse prefixo for átono, não haverá hífen,
recém-nascido.
como em: posposição.
retro - sem hífen: retroagir, retronasal, retrosseguir, retrofoguete, retro-
pré - sem hífen: predestinado, predestinar. Sem hífen, mesmo que a palavra
contagem.
seguinte for iniciada pela mesma vogal: preeleito.
pré - com hífen antes de qualquer letra: pré-clássico, pré-escolar, pré- S
-amplificador. Se esse prefixo for átono, não haverá hífen, como em: sem - com hífen: sem-cerimônia, sem-fim, sem-sal, sem-vergonha.
predestinar. semi - com hífen antes de h: semi-homem. Logo, sem hífen em: semiaberto,
pró - sem hífen: procônsul, procriar. semianalfabeto, semieixo, semioculto, semibreve, semicircunferência,
pró - com hífen antes de qualquer letra: pró-arte, pró-americano, pró- semideus, semifinal.
-britânico. Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes
proto - com hífen, antes de, h: proto-histórico, proto-homem. Logo, sem devem ser dobradas: semirreta, semirrígido, semissintético.
hífen em: protoactínio, protoestrela, protoindo-europeu, protoplaneta, Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do
protonotário, protolíngua. sufixo, emprega-se o hífen: semi-intervalo, semi-internato.
Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes sob - com hífen antes de r. sob-roda
devem ser dobradas: protorrevolução, protossolar. sobre - com hífen antes de h: sobre-humano. Logo, sem hífen em: sobreaviso,
Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do sobrecarregado, sobrenadar, sobreloja.
sufixo, emprega-se o hífen: proto-objeto, proto-oceano. Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes
pseudo - com hífen, antes de h: pseudo-herói, Logo, sem hífen em: pseudo- devem ser dobradas: sobrerrestar, sobressaia
arte, pseudociência, pseudobrasileiro, pseudoclassista. Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do
Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes sufixo, emprega-se o hífen: sobre-excelente

devem ser dobradas: pseudorrevelação, pseudossábio, pseudossigla. sócio - sem hífen: sociolinguística, sociopata, socioeconômico, sociorreligioso.
sub - com hífen, antes de b, r e h: sub-bibliotecário, sub-região, sub-reptício,
Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do
sub-hepático. Logo, sem hífen em: subentender, subdiretor, subemenda,
sufixo, emprega-se o hífen: pseudo-otorrômbico.
subfaturar, subgênero.
psico - sem hífen antes de qualquer letra: psicobiologia, psiconeurose, psi-
super - com hífen, antes de h e r: super-homem, super-herói, super-realista.
cossocial, psicossomático, psicodinâmica.
58 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA.PADRÀO ORTOGRAFIA 59

Logo, sem hífen em: superabundante, superaquecido, superdose, super- Harrinson Ford começou no cinema, trabalhando como extra,
faturar, supersônico, supersecreto.
supra - com hífen, antes de h: supra-hepático, supra-humano. Logo, sem Exemplos com outros prefixos:
hífen em: supraexitante, supramencionado, suprapartidário. Deputado quer privatizar todas as teles. (por companhias telefónicas)
•'
Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes Pedimos dois contras e uma picanha. (por contrafilés]
devem ser dobradas: suprarrenal, suprarrealismo, suprassumo, supras- Os computadores antigos tinham apenas 16 megas de memória RAM. (por me-
segmental. gabytes)
l
Se a palavra que segue o sufixo principiar por vogal igual à final do )
l É preciso pesar os prós e os contras, para fazer adaptações na suspensão de um carro.
sufixo, emprega-se o hífen: supra-axilar. l
) Esses prefixos, substantivados ou adjetivados, em função do desapa-
T
'i recimento de suas bases, passam a ter plural da mesma forma que outros
tele - sem hífen: telecomunicações, teleguiado, teleobjetiva, telejornalismo.
substantivos e adjetivos. Há substantivos originados por esse mesmo
termo - sem hífen: termoanálise, termodinâmica, termoelétrico, termonuclear.
processo, bastante mais comuns em nosso dia a dia, como moto (por
trans - sem hífen: transatlântico, transalpino, transcodificação, transcon-
motocicleta) que tem plural motos e foto (por fotografia) que tem plural/ofos.
tinental.

U
r REFERÊNCIAS
ultra - com hífen, antes de h: ultra-humano. Logo, sem hífen em: ultraexis- ''•»..; Assis, Joaquim Maria Machado de. Quincas Borba. São Paulo, Edibolso, s/d.
tência, ultraliberal, ultramoderno, ultraconservador. i.
', "j CARVALHO, José Cândido de. O Coronel e o Lobisomem. Rio de Janeiro, José Olympio,
Se a palavra que segue o sufixo principiar por r ou s, essas consoantes
..1 ) 1971.
devem ser dobradas: ultrarrápido, ultrarromântico, ultrassocial. i'' MEIRELES, Cecília. Obra Poética. Rio de Janeiro, Aguilar, 1985.
V •' i } PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro, Aguilar, 1969.

vice - com hífen: vice-prefeito, vice-cônsul, vice-presidente. ROSA, João Guimarães. Sagarana. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984.

i
Por motivo de economia, algumas palavras derivadas por prefixação são ' >
!
reduzidas apenas aos prefixos, quando seus sentidos podem ser depreen- )
1
didos pelo contexto. É o caso, por exemplo, de edição extra, em vez de )
l
edição extraordinária ou de horas extras em vez de horas extraordinárias. O )
l
prefixo extra é utilizado também como substantivo, para denominar atores
que atuam em algumas cenas de um filme, mas não pertencem ao elenco
principal. Exemplo:
ACENTUAÇÃO GRÁFICA

o
^Ó ; ' •' • • ' • • • • • '
O'-
O :

,0

^ ) A acentuação gráfica também é regulamentada por convenção e faz


' ) parte do acordo ortográfico de 1943, modificado, parcialmente, em 1971 e
,) em 2008. Para dominá-la mais adequadamente, é necessário conhecer alguma
) coisa sobre o acento fonético das palavras.
O
3.1 PALAVRAS TÓNICAS E PALAVRAS ÁTONAS

) A maior parte das palavras do português tem uma de suas sílabas pro-
J nunciada com força expiratória maior. Essa força é chamada de acento tónico.
) Assim é que palavras como mesa, livro, armário, lâmpada têm acento tónico
,J nas seguintes sílabas: mesa, livro, armário, lâmpada. Algumas poucas palavras
J não têm acento tónico. São, por esse motivo, chamadas de palavras átonas.
'J Isso acontece, por exemplo, com o pronome me, em uma frase como: "Ele
(J me deu seu recado". Pronunciando essa frase, você verá que o me se apoia
') foneticamente no acento tónico de deu, formando com ele uma unidade
() fonética. É como se pronunciássemos assim: "Ele medeu seu recado", ou até
) mesmo: "Ele rndeu seu recado".
'•>

U
:O. _ . • , . . .
62 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO ACENTUAÇÃO GRÁFICA 63

3.2 POSIÇÃO DO ACENTO TÓNICO EM PORTUGUÊS pudico (recatado, casto, envergonhado)


rubrica
Em português, o acento tónico pode cair na última sílaba, como em ca/é, ruim
ureter (canal que conduz a urina dos rins à bexiga)
na penúltima sílaba, como em mesa, ou na antepenúltima sílaba, como em
zénite (lugar mais alto do céu, auge)
lâmpada.. As palavras que têm acento tónico na última sílaba são chamadas
oxítonas, as que têm esse acento na penúltima sílaba, paroxítonas e as que têm Algumas palavras possuem um acento gráfico para assinalar o acento
acento na antepenúltima sílaba, proparoxítonas. Exemplos: café = oxítona; tónico. As vogais a, e, e o, quando abertas, recebem acento agudo ('): pá,
mesa = paroxítona; lâmpada = proparoxítona. café, dólar. Quando fechadas, recebem acento circunflexo ( A ): âmago, três,
Normalmente, não temos problema algum com a pronúncia dos acentos avô. Como as vogais i e u não sofrem mudança de timbre (não podem ser
tónicos. A memorização das palavras inclui a memorização da sílaba tónica. abertas ou fechadas), recebem apenas o acento agudo, como em: ruído,
Existem, entretanto, algumas palavras que costumam oferecer problemas súbito.
nesse sentido. Eis aqui uma lista delas, com suas sílabas tónicas assinaladas: As regras convencionadas que regulamentam a acentuação gráfica das
acrobata palavras do português do Brasil são as seguintes:
aerólito (meteorito)
aerástato (balão, veículo mais leve que o ar)
álibi (justificativa de presença em lugar diferente de um crime) 3.3 REGRA DAS PROPAROXÍTONAS
aríete (artefato para derrubar muralhas)
arquétipo (modelo, protótipo) Todas as palavras proparoxítonas são acentuadas, sem exceção: súbito,
avaro (apegado ao dinheiro) exército, ânimo, dúvida, máquina.
batavo (holandês)
feavaro (habitante da Baviera, Alemanha)
circuito 3.4 REGRAS DAS OXÍTONAS
desvario (ato de loucura)
filanfropo
fluido
Todas as palavras oxítonas terminadas em a(s), e(s), o(s) são acentuadas
forfuito (acidental, não intencional) graficamente: até, fubá, café, está, avô.
gratuito Incluem-se também nessa regra:
hangar
ibero a) monossílabos tónicos como: três, já, fé, pó;
ímprobo (desonesto) b) formas verbais com pronomes átonos: fazê-lo, amá-lo, cantá-lo-íamos.
iníuito
levedo (fermento) Todas as palavras oxítonas de mais de uma sílaba terminadas em em
maquinaria (ens) são acentuadas graficamente. Exemplos: refém, porém, parabéns.
mottólito (pedra de grandes dimensões) Palavras como quem, bem, embora terminem por em, possuem uma
ômega (letra do alfabeto grego)
única sílaba. Por esse motivo, não recebem acento gráfico.
64 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO ACENTUAÇÃO GRÁFICA 65

Todas as palavras oxítonas terminadas em ei, oi e eu são acentuadas: paroxítonas terminadas em ditongo (todas elas são também acentuadas).
papéis, herói, chapéu1. Dominando apenas essas duas regras, você terá condições de acentuar
corretamente a maioria das palavras de qualquer texto que vier a redigir.
3.5 REGRAS DAS PAROXÍTONAS Em terceiro lugar, vem a regra das oxítonas terminadas em a(s), e(s), o(s).
Dominando mais essa regra, você estará a um passo de dominar quase
São acentuadas graficamente todas as palavras paroxítonas termina- toda a acentuação de um texto.
das em:

a) ditongo (duas vogais pronunciadas dentro de uma mesma sílaba)2: língWfl, 3.6 CASO ESPECIAL
princípios, próprio, órfão, inventário.
b) l, n, r, x (essas consoantes se encontram na palavra rouxinol, que pode ser • São acentuados oleou tónicos quando:
usada para não esquecer a regra): útil, amável, hífen, éden, éter, dólar, tórax. a) formarem hiato com a vogal anterior;
ATENÇÃO: As palavras hífens e edens, no plural, não têm acento, pois b) estiverem sozinhos em suas sílabas ou seguidos de s na mesma sílaba;
terminam em s e não em n. c) a sílaba seguinte não começar por nh. Exemplos: baú, sawde, saída, Lu/s.

c) um, uns: álbum, médiuns.


OBSERVAÇÕES
d) z'(s), us: júri, ténis, bônws.
a) se não houver hiato, não haverá acento no i ou u tónicos, como em tatu,
e) ã(s): órfã, imãs.
Itu, aqui, Davi.
f) ps: bíceps, fórceps.
b) se outra vogal que não seja s estiver na mesma sílaba, não haverá acento,
LEMBRETE como em juiz, Raul. No plural juizes (ju-í-zes), o z passa para a sílaba se-
Os casos mais frequentes de acentuação gráfica em português en- guinte, ficando o z sozinho em sua sílaba. Isso faz com que esse plural seja
volvem a regra das proparoxítonas (todas são acentuadas) e a regra das acentuado.
c) Palavras como rainha, bainha não são acentuadas, uma vez que a sílaba
1. Obs: De acordo com o novo acordo ortográfico, os ditongos abertos em palavras seguinte principia com nh.
paroxítonas, como em ideia, epopeia, heróico, paranóico, não são mais acentuados. Isso se d) Se o hiato acontecer com um ditongo anterior em palavra paroxítona, não
deve ao fato de que, em algumas regiões de Portugal, a pronúncia desses ditongos é fechada:
haverá mais acento, em função do novo acordo ortográfico. Exemplos:
ideia, epopeia, heróico, paranóico. Como o objetivo do novo acordo ortográfico foi unificar
a escrita em todos os países lusófonos, esses ditongos deixaram de ser acentuados grafica- feiura, baiuca. A palavra Piauí continua acentuada, pois é oxítona.
mente. Mas, se a palavra em questão estiver submetida a alguma outra regra de acentuação
gráfica, será acentuada, como destróier, Méier. Essas palavras são acentuadas, não por terem
OBSERVAÇÕES:
o ditongo aberto em português, mas por serem paroxítonas terminadas em r, como revólver,
por exemplo. (Cf, mais à frente, a regra das paroxítonas.) a) O Acordo Ortográfico de 2008 aboliu o trema. Dessa maneira, palavras
2. Na verdade, trata-se de uma vogal e uma semivogal, uma vez que vogal é apenas aquela como frequência, linguiça passam a ser escritas frequência, linguiça.
que funciona como centro da sílaba. Na palavra pai, por exemplo, o a é o centro da sílaba e o
í, uma vogal marginal chamada semivogal. O conjunto vogal + semivogal, portanto, é que b) Não há mais acentuação gráfica no primeiro o fechado das vogais duplas
forma um ditongo. oo, ee. As palavras voo e crêem passam a ser escritas voo e crêem.
66 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

c) Não há mais o acento agudo em formas como apazigúe e averigúe, que


passam a ser escritas apazigúe e averigúe.

3.7 REGRAS DO ACENTO DIFERENCIAL


EMPREGO DO ACENTO
a. Diferencial de timbre e de intensidade
GRAVE DA CRASE
São acentuadas com acento circunflexo, em português:
a) a palavra pôde, do verbo poder, no passado (Pizarro pôde vencer os inças
porque tinha armas de aço e cavalos), para diferenciar-se de pode, do
mesmo verbo, no presente (A oposição pode vencer as próximas eleições).
b) o verbo pôr (Eu vou pôr a impressora na mesa ao lado), para diferenciar-
-se da preposição por (Quando vou a Araraquara, passo por São Carlos).

Obs: substantivo/órma (Você sabe qual é a forma da forma do bolo?) pode


4.1 CRASE E ACENTO GRAVE
ser acentuado com circunflexo, facultativamente, para diferenciar-se do subs-
tantivo/orma (Apeça tinha forma ovalada). Apesar de facultativa essa regra, Uma dúvida que atrapalha a vida de muita gente é saber quando co-
recomenda-se usar o acento circunflexo em forma, por motivo de clareza3. locar o acento grave ('), popularmente conhecido como crase, sobre uma
b. Diferencial morfológico vogal a. Comecemos, primeiramente, a entender o que significa crase.
Crase é a fusão de duas vogais iguais em uma só vogal. Isso aconteceu em
Esse acento aparece na terceira pessoa do plural dos verbos ter e vir (e
várias palavras da língua portuguesa. Uma palavra como cor, por exemplo,
seus derivados), para diferenciá-la da terceira pessoa do singular: era pronunciada em Portugal, lá pelo século XII, color. Tempos depois,
ele tem eles têm desapareceu o / e a pronúncia passou a ser coor. Mais algum tempo, lá pelo
ele vem eles vêm
século XIV, houve a fusão ou crase dos dois os e ficamos com a forma atual
ele detém eles detêm
ele obtém eles obtêm cor. Apesar disso, temos ainda hoje o adjetivo colorido, em que subsiste a
antiga forma color.
A crase de que vamos tratar, entretanto, não acontece dentro de
uma palavra, mas dentro de uma frase, quando duas vogais as se en-
contram em circunstâncias especiais. Imaginemos, inicialmente, uma
frase como:
3. O novo Acordo Ortográfico de 2008 eliminou todos os outros acentos diferenciais, Fátima deu um presente a o namorado.
como pólo, pára, pêlo, pêra, côa.

67
EMPREGO DO ACENTO GRAVE DA CRASE 69
68 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO

À primeira vista, você pode pensar que houve um erro de digitação, substantivos tentação e pessoas são femininos e admitem o artigo a. Temos,
deixando a preposição a separada do artigo o e sugeriria que isso fosse con- portanto, também a segunda condição preenchida. Logo, temos crase e, por

sertado da seguinte maneira: isso, o acento grave da crase.


A segunda condição pode ser preenchida também pela primeira vogal
Fátima deu um presente ao namorado.
do pronome demonstrativo aquele, aquela, aqueles, aquelas, aquilo, como em:
"Enviei convites àqueles professores de inglês". Ninguém diria ou escreveria
De fato, você tem razão! A preposição a e o artigo o, quando se encon-
"Enviei convites a aqueles professores de inglês".
tram juntos em uma frase, formam uma unidade fonética e isso é represen-
Podemos, neste momento, concluir que não existe crase e, portanto,
tado na escrita, escrevendo ambos em uma só palavra. Mas, e se em vez do
artigo o, nós tivéssemos o artigo a? Será que escreveríamos alguma coisa acento grave antes de:

como: "Fátima deu um presente aã irmã mais nova". (?) a) substantivo masculino: "Os povos antigos andavam a cavalo". "Muitas
Sabemos que não. O que acontece é justamente a crase. Os dois as se lojas vendem aprazo".
reduzem foneticamente a um só e, para assinalar esse fato na escrita, colo- b) verbo: "Ela continuava a examinar os relatórios".
camos sobre o a restante um acento grave: "Fátima deu um presente à irmã c) artigo indefinido: "Ontem, fui a uma festa".
mais nova". d) expressões de tratamento como Vossa Excelência, Vossa Senhoria: "Escrevi
É por esse motivo que não tem muito cabimento falar em emprego da cra- uma carta a Vossa Excelência".
se. O certo é falar em EMPREGO DO ACENTO GRAVE PARA INDICAR CRASE.
De fato, nunca ouvimos, por exemplo, um deputado dizer a outro em
plenário uma frase como: "A Vossa Excelência permite um aparte?" Ele di-
4.2 CONDIÇÕES PARA o EMPREGO DO ACENTO GRAVE DA CRASE ria, sim, "Vossa Excelência permite um aparte?" Em todos esses casos está
faltando a segunda condição.
De tudo isso que foi dito, podemos concluir que esse acento grave so-
A mesma coisa acontece com a palavra terra com significado oposto a
mente é utilizado quando duas condições necessárias estiverem presentes:
bordo. Os marinheiros que ficavam no alto do mastro de uma embarcação,
Ia condição: existir uma palavra, à esquerda do a, que exija a preposição a; quando avistavam terra, diziam - "Terra à vista!" e não - "A terra à vista!"
2- condição: existir uma vogal a, à direita dessa preposição, normalmente Logo, teremos de escrever "Os marinheiros desceram a terra", sem o acento
representada pelo artigo a. grave da crase, já que terra, nesse sentido, não admite o artigo a.
Às vezes, a segunda condição é facultativa. Isso acontece com os
Outros exemplos: m
substantivos próprios femininos que nomeiam pessoas e com os prono-
Ceda à tentação; pode ser que ela não apareça outra vez.
mes possessivos. Antes dessas palavras, o artigo definido é facultativo.
A felicidade não é o pão, mas o sonho que se oferece os pessoas.
Tanto podemos dizer "Vera é uma excelente garota", como "A Vera é
Nesses dois exemplos, tanto o verbo ceder quanto oferecer exigem a uma excelente garota". Podemos dizer igualmente "Sua tia telefonou
preposição a: quem cede cede a algo ou a alguém; quem oferece algo oferece ontem" ou "A sua tia telefonou ontem". Por esse motivo, podemos es-
a alguém. A primeira condição está, pois, preenchida. Por outro lado, os crever, igualmente:
70 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO EMPREGO DO ACENTO GRAVE DA CRASE 71

Enviei uma carta a Vera. (somente preposição) 4.3 ACENTO GRAVE DA CRASE EM LOCUÇÕES
Enviei uma carta à Vera. (preposição + artigo)
Telefonei ontem a sua tia. (somente preposição)
Existe crase e, consequentemente, o acento da crase, em locuções fe-
Telefonei ontem à sua tia. (preposição + artigo)
mininas como: à noite, à toa, à custa de, às três horas, à uma hora, à vista.
Algumas vezes, a segunda condição, embora não exista em situações
OBSERVAÇÕES
normais, pode passar a existir. Ninguém diz, por exemplo: "Vim da casa
O uma de uma hora não é artigo indefinido, mas numeral, como em
agora", mas "Vim de casa agora", ou seja, a palavra casa, no sentido de lar
AMI umanum hora que você me reservou no dentista não foi suficiente. Por
onde moramos, não admite o uso do artigo. Por esse motivo, dizemos "Voltei
isso, pode ser precedido do artigo a, provocando a existência da segunda
a casa, para pegar minha pasta", sem o acento grave da crase. Basta, entre-
condição da crase.
tanto, que essa palavra apareça modificada por uma expressão, para passar
Toa é um substantivo feminino que nomeia o cabo que reboca uma
a admitir artigo e, em consequência disso, admitir o acento da crase, como
embarcação. A embarcação rebocada navega, pois, à toa, ou seja, sem destino
ocorre em: "Hoje fui à casa da Débora".
próprio, dependendo da direção do barco que a reboca. Quando alguém diz
A mesma coisa acontece com os nomes de países e cidades. Alguns subs-
que "está à toa", faz uso de uma metáfora, com o objetivo de dizer que está
tantivos como Brasília, nome da nossa capital, não admitem artigo. Dizemos
sem rumo definido, que está sem fazer nada. O motivo pelo qual utilizamos
"Brasília foi construída nos anos cinquenta" e não *"A Brasília foi construída
o acento da crase em à toa é, pois, o fato de toa ser uma palavra feminina
nos anos cinquenta". Por esse motivo, diremos "Vou a Brasília", sem acento
que admite artigo, preenchendo, assim, a segunda condição necessária para
grave de crase. Já Bahia admite artigo. Dizemos "A Bahia foi invadida pelos
a existência da crase.
holandeses, no século XVI" e não *"Bahia foi invadida pelos holandeses no
Alguns autores não concordam com o emprego do acento da crase na
século XVI". Por esse motivo, diremos "Vou à Bahia".
locução à vista, argumentando que, embora vista seja uma palavra feminina,
Mas, se modificarmos Brasília por uma expressão qualquer, esse subs-
o seu oposto,prazo, na locução aprazo, não admite artigo. De fato, ninguém
tantivo passará a admitir artigo. Podemos dizer, por exemplo: "A Brasília de
diz pagar ao prazo e sim pagar a prazo.
JK era bem menor que a atual", mas nunca ^"Brasília de JK era bem menor
Em à vista, entretanto, o que temos, do ponto de vista cognitivo, é
que a atual". Logo, teremos de escrever: "Em 1961, fui à Brasília de JK".
o resultado da redução de uma expressão complexa como comprar ou
Outro caso semelhante é o da palavra distância que, se estiver sozinha,
pagar alguma coisa à vista dessa coisa. Certamente, por economia, em vez
não admite artigo, mas, se estiver modificada por uma expressão que escla-
de dizer paguei o carro à vista dele, ou comprei essa mesa à vista dela, os
reça a distância, passa a admiti-lo, preenchendo a segunda condição para o
falantes optaram por omitir o complemento (complemento nominal) de
acento da crase. Diremos, portanto: "Ensino a distância", "Vi um suspeito a
vista, uma vez que era facilmente recuperado pelo contexto. Trata-se de
distância", mas "Vi um suspeito à distância de 100 metros". Afinal, dizemos:
um procedimento bastante comum em língua portuguesa, como podemos
"O bar fica a 20m de distância", e não a 20m da distância (palavra distância
ver nos exemplos:
não modificada), mas dizemos "O bar fica a 20m da distância curta a ser
percorrida por você" (palavra distância modificada). A mochila destina-se às mudas [de roupa] para a viagem.
*
72 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO l

í
Esse pássaro é muito sensível à muda [daspenas].
Refiro-me às baixas emissões [de gases poluentes] dos motores atuais.

Embora não verbalizado na expressão à vista, o complemento omitido


constitui uma modificação da palavra vista. É claro que os falantes de hoje
nem pensam mais nisso, mas não importa. Sintaticamente, fica licenciado
o artigo definido a, antes de vista, segunda condição para o emprego do
acento da crase. Pagar alguma coisa à vista equivale apagar a ã vista
l
[dessa coisa}.
Algumas vezes, uma outra parte dessas locuções se acha omitida, mas, NOÇÕES BÁSICAS DE
i
apesar disso, mantemos o acento da crase como em: "Comemos camarão à SINTAXE
grega" (= Comemos camarão à (moda) grega.)
Este capítulo foi escrito com dois propósitos. O primeiro é servir apenas
de consulta para os leitores dos capítulos posteriores, como os de concor-
dância, regência e pontuação, uma vez que neles são utilizados conceitos
como sujeito, objeto direto, orações subordinadas etc. O segundo é servir para
o estudo daqueles que desejam aprimorar sua competência em redação. É
sabido que todo texto tem uma macroestrutura construída por parâmetros
como coesão, coerência, progressividade. Mas um texto tem, também, sua
microestrutura, cujo eixo é a sintaxe. Quando a compreendemos melhor,
ganhamos condições de, como "leitores internos" dos nossos próprios textos,
ter maior segurança e controle sobre aquilo que escrevemos, aumentando,
assim, nossa versatilidade e criatividade.

A FRASE

Sintaxe é o estudo da maneira como as palavras se combinam em es-


truturas chamadas frases. FRASE É A MENOR UNIDADE DO DISCURSO
CAPAZ DE TRANSMITIR UMA MENSAGEM. Na escrita, a frase é delimi-
tada, à esquerda, por uma letra maiúscula iniciando a primeira palavra e,

75
76 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO NOÇÕES BÁSICAS DE SINTAXE 77

à direita, por um ponto final, de interrogação, de exclamação, reticências, global dessa mensagem pode, muitas vezes, estar "plugado" em outras fra-
ou ainda por mais de um desses sinais, simultaneamente. Se dissermos a ses, ou até mesmo, como dissemos, no ambiente em que se desenrola a co-
alguém uma sequência como: "Viajaremos na sexta-feira", essa sequência municação, como em uma situação em que alguém aponta para um pássaro
será capaz de transmitir uma mensagem e, por isso, será uma frase. O pousado numa árvore e diz: "- Está cantando".
mesmo acontece com uma outra mais longa e mais complexa do que a Nesse caso, o sentido da mensagem é completado por um elemento
anterior, como: "Viajaremos na segunda-feira, quando sua mãe chegar, se presente no ambiente da comunicação.
não estiver chovendo".
Às vezes, a frase pode ser construída por uma só palavra, como em:
"Chove".
Nem sempre, contudo, as frases são ãutossuficientes para transmitir uma
mensagem de maneira completa. Tanto na língua oral como na escrita, seu
significado pode depender de alguma coisa dita ou escrita anteriormente,
ou pode ainda depender (na fala) de dados exteriores, presentes na situação
de comunicação. Vejamos o seguinte exemplo:
Exige, portanto, que seja um mestre na sua arte.

Será que temos aí uma frase, uma unidade do discurso transmitindo


uma mensagem? Quem exige? Quem deverá ser um mestre em sua arte e
que arte será essa? Bem, chegamos à conclusão de que, para que sua men-
sagem seja de fato transmitida, a frase deve estar sempre contextualizada.
Acrescentemos, então, um contexto:

O mundo não exige que você seja médico, advogado, fazendeiro, usineiro ou
comerciante; exige, isto sim, que faça de maneira bem feita sua atividade, e que a
realize com todo o poder e habilidade que tiver. Exige, portanto, que seja um mestre
na sua arte1.

Agora, podemos entender o sentido completo da frase ,em questão.


Quem exige é o mundo, quem deverá ser mestre é você e a arte é qualquer
atividade profissional. Podemos dizer, então, que, embora uma frase seja a
menor unidade do discurso capaz de transmitir uma mensagem, o sentido

1. Revista T&D, São Paulo, nov./1999, p. 23.


o
o
o
o A ORAÇÃO SIMPLES
O
3
O :
o
o ' '
s
O
O '" ' :
As frases podem manifestar-se como orações simples ou orações com-
O
--, plexas. A oração simples caracteriza-se por ser construída em torno de um
X único processo verbal, que envolve um verbo principal ou um conjunto
composto de um ou mais verbos auxiliares + verbo principal. Exemplos:
Oração simples construída em torno de apenas um verbo principal:

) A índia comprou jatos brasileiros.


comprou = verbo principal.

Oração simples construída por um verbo auxiliar + verbo principal:


, __)
) A índia costuma comprar produtos brasileiros.
costuma = verbo auxiliar
i }
comprar = verbo principal
>
) Interdependência de sentido entre orações simples

É comum haver interdependência de sentido entre orações simples. É


o que acontece no exemplo:
Mizner dizia que a mais eficiente força hidráulica do mundo são as lágrimas de
uma mulher.
' .)
, ) 79

)
SÓ GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
A ORAÇÃO SIMPLES 81

Nessa sequência, temos duas orações simples formando uma oração 5.2 ESTRUTURA ARGUMENTAL DOS VERBOS
complexa:

a) Mizner dizia O verbo, do ponto de vista do significado, é uma palavra como os


b) que a mais eficiente força hidráulica do mundo são as lágrimas de uma mulher. substantivos, adjetivos e advérbios de modo, que têm uma significação
externa. Isso quer dizer que o verbo nomeia algo pertencente ao mundo
Nenhuma das duas, por si própria, tem sentido completo, ou seja, ne- físico, como ler, quebrar, perfurar, ou ao mundo psicológico, como amar,
nhuma delas pode ter funcionamento autónomo dentro de um discurso. refletir, pensar.
Como se vê, uma frase pode ser apenas uma oração simples ou pode Mas o verbo possui, além disso, algo mais dentro do seu significado.
conter várias delas, situação em que recebe o nome de oração complexa. Trata-se de uma estrutura virtual de relação, também chamada de estrutura
argumentai. Cada vez que nos lembramos de um verbo, surge em nossas
mentes, intuitivamente, um conjunto de "lugares virtuais" que sabemos, por
5.1 ANÁLISE SINTÁTICA DA ORAÇÃO SIMPLES
intuição, que devem ser preenchidos. Quando pensamos em um verbo como
A análise sintática é um método utilizado para descrever as funções riscar, por exemplo, além de entendermos o seu significado, associamos a
que as palavras desempenham dentro das orações e o significado que elas ele dois argumentos:
assumem quando exercem essas funções. Envolve, portanto, dois tipos de a) alguém que risca (um agente, aquele que desencadeia a ação);
operação: a) detectar relações e b) interpretar sentidos. b) algo que é riscado (um objeto afetado, aquilo que sofre alguma alteração
Quando falamos, as palavras não são jogadas a esmo dentro das ora- mediante uma ação).
ções; são agrupadas segundo certas leis. Quando ouvimos uma oração, só
conseguimos compreender seu sentido, se formos capazes de perceber as Podemos concluir, portanto, que o verbo riscar inclui em seu significado
relações dentro das quais estão encaixadas as palavras. Falar e compreender uma estrutura de dois argumentos. Se um deles for omitido, na construção de
pressupõem, portanto, o conhecimento intuitivo que todos os falantes têm uma oração como essa, ela ficará agramatical. Agramatical significa malfor-
da estrutura sintática das orações. mada, que não está obedecendo às regras internalizadas inconscientemente
Por que então estudar algo que já conhecemos? O que conseguiremos pelos falantes que têm a língua portuguesa como sua língua materna. Se
lucrar com isso? Há nesse conhecimento duas vantagens. A primeira delas dissermos, por exemplo, sequências como:
é que, tomando consciência dos mecanismos que utilizamos inconsciente- (1) *Maria Elisa riscou.
mente, aumentamos nosso controle sobre eles. A segunda vantagem é que, (2) *Riscou o carro.
com esse controle, aumentamos a versatilidade com que podemos utilizá-los,
vislumbrando um número infindável de novas opções. elas serão agramaticais. Qualquer falante do português notará que, em (1), falta
Dissemos há pouco que, na oração, os elementos se articulam em torno o objeto afetado e, em (2), o agente. É claro que isso não acontece, se existir um
de um único processo verbal contendo um verbo principal. Vamos procurar, contexto em que seja possível recuperar esses argumentos. Se contextualizarmos
pois, entender, primeiramente, a natureza dos verbos. essas sequências, de modo que sejamos capazes de recuperar o objeto afetado
em (1) e o agente em (2), elas passarão a ser gramaticais:
82 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 83

- Quem riscou o carro? (1) Maria Elisa riscou. Nessa oração, temos, além do agente (Maria Elisa) e do objeto afetado (o
- O que Maria Elisa fez? (2) Riscou o carro. carro), um tempo (ontem) e um lugar (dentro da garagem).
Dessa maneira, podemos dizer que o verbo, como predicador, possui
O verbo como predicador
dois tipos de argumento:
O fato de possuir uma estrutura argumentai dá ao verbo o status de
a) argumentos essenciais (formam a rede argumentai essencial do verbo),
predicador. Há outras palavras em português que podem, ocasionalmente,
b) argumentos não essenciais ou satélites (somados aos essenciais, formam,
possuir também uma estrutura argumentai. São os substantivos abstratos e
com eles, a rede argumentai total do verbo, em uma situação de predi-
os adjetivos. Um substantivo abstrato como venda, por exemplo, possui uma
cação).
estrutura argumentai com "dois lugares" a serem preenchidos: um agente
(aquele que vende), um objeto afetado (aquilo que é vendido). Esses argu- Na oração que acabei de usar como exemplo e que repito a seguir
mentos podem aparecer em uma sequência como: [a venda do apartamento para maior clareza, temos, pois, a seguinte rede argumentai ligada ao
pela imobiliária}. Substantivos podem, portanto, ser também predicadores. verbo riscar.
Um adjetivo como contente possui também uma estrutura argumentai com - rede argumentai essencial: [agente, objeto afetado]
"um lugar" a ser preenchido: um experienciador (aquele que experimenta o - rede argumentai total [agente, objeto afetado, tempo, lugar]
contentamento). Esse argumento pode aparecer em uma sequência como Às vezes, um argumento pode não ser essencial à rede argumentai de um
[a criança está contente]. Adjetivos podem, portanto, ser também predica- verbo, mas ser essencial à rede argumentai de um outro. O argumento lugar,
dores. Embora essas três classes de palavra possam desempenhar o papel de por exemplo, que não é essencial à rede do verbo riscar, é essencial à rede de
predicadores, é claro que os verbos e os adjetivos têm uma predisposição verbos como colocar ou caber. Se tentarmos construir uma oração com esses
maior para desempenhar essa função. verbos, sem o argumento de lugar, o resultado será agramatical, como em:
*Maria Elisa colocou o carro.
*O carro não coube.
5.3 Os ARGUMENTOS DO VERBO E A ORAÇÃO
Acrescentando o argumento de lugar, as orações ficam gramaticais:
Como acabamos de ver, o verbo é um dos elementos que apresentam Maria Elisa colocou o carro no estacionamento.
predisposição maior para, sendo predicador, ter uma estrutura argumentai. O carro não coube na garagem.
Em torno dele, constrói-se a oração, que é uma projeção dessa estrutura.
Muitas vezes, além dos argumentos necessários à gramaticalidade das 5.4 PRINCIPAIS ARGUMENTOS
orações, aparecem outros que, embora não interfiram nessa gramati-
Os principais argumentos em português são:
calidade, acrescentam a ela outros pormenores. É o caso dos argumentos
Agente: ente animado responsável por uma ação. Exemplos: "Mário beijou
de tempo e de lugar, entre outros. Podemos construir, por exemplo, uma
a namorada". "A águia matou a serpente".
oração como:
Causa: ente inanimado responsável por uma ação. Exemplos: "O raio der-
Maria Elisa riscou o carro ontem, dentro da garagem. rubou a árvore". "A casa foi destruída por uma enchente".
84 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMlNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 85

Experienciador. ente animado afetado materialmente ou psicologicamente por da oração, seleciona para si. Vimos, por exemplo, que um verbo" como
um processo1. Exemplo: "Mário sentiu dor". "Mário ama a namorada". construir seleciona dois argumentos em sua rede argumentai essencial:
Paciente; ente animado afetado por uma ação. Exemplo: "Mário beijou a um agente e um resultativo. Esquematizando, teríamos: construir [agente,
namorada". "Mário chutou o cachorro". resultativo].
Objeto afetado: elemento não animado afetado ou modificado por uma ação. Vamos, agora, colocar esses verbos dentro de orações e observar o que
Exemplo: "O bombeiro quebrou o vidro". acontece com eles e seus argumentos. Quando fazemos isso, os argumentos
Resultativo: elemento surgido como efeito de uma ação ou processo. Exemplo: passam a assumir funções sintáticas. Vamos, inicialmente, colocar o verbo
"Meu pai construiu uma casa". construir em duas orações:
Objetivo: elemento que aparece como mero fruto de uma atividade que não
Os portugueses construíram as caravelas.
o modifica e de que não resulta. Exemplo: "Eu vi a torre Eiffel". As caravelas foram construídas pelos portugueses.
Dativo: elemento afetado positivamente (beneficiado) ou negativamente
(prejudicado) pela situação expressa na oração. Exemplos: "Vera deu um Na primeira delas, o agente está antes do verbo - que concorda com
presente ao namorado". "Vera dirigiu um olhar raivoso ao namorado". ele - e o resultativo, depois dele, sem preposição. Na segunda, o resultativo
Locativo: lugar onde acontece uma ação ou processo ou que assinala pro- está antes do verbo - que também concorda com ele - e o agente, depois,
cedência, meio ou destino. Exemplos: "Cristina bebeu cerveja no bar". precedido da preposição por (por + os = pelos). Notamos, também, que o
"Cristina veio de Brasília". "Cristina viajou pelo litoral". "Cristina viajou verbo, que era construíram na primeira oração, muda paraforam construídos,
para o Uruguai". na segunda oração. Trata-se de diferentes funções sintáticas assumidas por
Modo: maneira por meio da qual uma ação ou processo acontece. Exemplo: esses dois argumentos e de modificações acontecidas também no verbo, em
"Cristina fez o trabalho rapidamente". virtude dessas mudanças. Funções sintáticas são, portanto, as várias maneiras
Instrumental: aquilo de que um agente se serve para realizar algo. Exemplo: pelas quais os argumentos podem entrar em uma oração, os vários papéis
"O bombeiro quebrou o vidro com um machado". sintáticos que eles podem assumir.
Tempo: momento em que acontece uma ação ou processo, ou a partir do qual São as seguintes as funções sintáticas:
acontece uma ação ou processo. Exemplo: "Cristina foi ontem ao super-
mercado". "O financiamento será reaberto a partir de segunda-feira".
5.6 SUJEITO

5.5 FUNÇÕES SINTÁTICAS Sujeito é o termo da oração com o qual o verbo concorda. Em "As meni-
nas chegaram tarde", o verbo chegar concorda com as meninas. Por isso,
Até agora, falamos da estrutura argumentai dos verbos, ou seja, dizemos que esse termo é o sujeito da oração.
falamos dos "papéis semânticos" que um determinado verbo, ainda fora O sujeito prototípico em português (aquele que aparece estatisticamente
um número maior de vezes) é AGENTE, HUMANO e DETERMINADO,
1. Evento ou acontecimento que afeta os seres. Exemplos: "As crianças dormiram" (fo-
como no exemplo acima: as meninas. Um exemplo de sujeito não proto-
ram afetadas pelo processo do sono). "O lago secou" (foi afetado pelo processo da secagem). típico seria:
86 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 87

Uma pedra rolou daquele morro, sabe quem está praticando a ação de andar e de vender ou experimentan-
do a ação de viver). O sujeito, enquanto função sintática, não existe, uma
em que o sujeito hão é humano, não é agente e não é determinado.
vez que não há, como dissemos, nenhum termo com o qual o verbo esteja
Determinado, aqui, significa ser modificado por um artigo definido ou concordando. Esse raciocínio também se aplica a construções, geralmente
pronome demonstrativo, como em: a pedra ou esta pedra. na língua falada, em que o verbo fica na terceira pessoa do plural, sem um
antecedente expresso como em:
a. Oração sem sujeito
Telefonaram para você ontem.
Quando não existe um termo com o qual o verbo concorda, teremos Derrubaram, outra vez, a cerca da frente.
uma oração sem sujeito. É o que acontece com:
Como se vê, não há um antecedente expresso para nenhum desses dois
a) orações com verbos e expressões que significam fenómenos da natureza,
verbos e não há, também, em suas orações, nenhum outro termo com o
como amanhecer, anoitecer, chover, entardecer, gear, nevar, trovejar, ventar,
qual eles estejam concordando. Trata-se, pois, também, de casos de agente
fazer calor, fazer frio etc. Exemplos:
indeterminado em oração sem sujeito2.
Geou ontem no sul do país.
Venta muito em São Paulo. b. Sujeito elíptico
Faz frio no Polo Norte.
Dentro de um texto, o sujeito costuma ser um substantivo ou ter como
b) com o verbo haver, no sentido de existir. Exemplo: "Ainda há juizes em base um substantivo. Quando é retomado, mais além, no mesmo texto, pode
Berlim". passar a ser representado por pronomes ou desaparecer como item lexical,
c) com o verbo ser, indicando tempo, em geral: "É cedo"; "Era muito tarde". situação em que recebe o nome de sujeito elíptico, ou sujeito oculto. Vejamos
d) com algumas construções em que o verbo fica na terceira pessoa do sin- o texto a seguir:
gular, acompanhado do pronome se, sem haver um termo com o qual o Um diálogo filosófico não pede que se concorde com ele nem pretende apontar o
verbo possa concordar. caminho. Ele planta a semente da dúvida e, quando ela vinga, colhe o fruto da busca e
da reflexão compartilhada3.
Anda-se muito de bicicleta em cidades do litoral.
Vive-se bem melhor em uma cidade pequena.
Vende-se muito, nas feiras de antiguidade. 2. Cumpre dizer que esse tipo de descrição contraria a Nomenclatura Gramatical
Brasileira (NGB), que confunde, implicitamente, a noção de sujeito (que é uma função
Como se vê, nessas orações não há nenhum termo com o qual o verbo sintática) com a noção de agente (que é um papel argumentai). Como a NGB é apenas uma
esteja concordando e, por esse motivo, não existe sujeito. "lista de nomes", quase sempre contraditória, tenho plena consciência de que contradizê-la,
em alguns momentos, é uma simples questão de bom senso.
A Nomenclatura Gramatical Brasileira descreve, incoerentemente,
A maioria dos concursos no País, incluindo os vestibulares, não formula mais questões
essas construções como casos de "sujeito indeterminado". Isso acontece, envolvendo nomenclaturas desse tipo. Caso o leitor se defronte, entretanto, com alguma
porque essa "legislação" não leva em conta a estrutura argumentai dos exceção, é recomendável responder à pergunta, dizendo tratar-se de sujeito indeterminado,
uma vez que a proposta de questões puramente nomenclaturais revela, implicitamente, a
verbos. No caso desta gramática, é mais fácil separar as coisas. O que está adesão da banca ainda aos parâmetros da NGB.
indeterminado é o argumento agente ou experienciador (o interlocutor não 3. Eduardo Giannetti, Felicidade, p. 181.
88 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
A ORAÇÃO SIMPLES 89

A primeira frase contém o termo um diálogofilosófico.Na segunda frase, É interessante notar que um sujeito prototípico (+ humano) ocuparia a
esse termo é representado pelo pronome ele: "Ele planta a semente da dúvida". posição à esquerda, mesmo com esses verbos, como na construção seguinte
Mais à frente, esse termo fica elíptico: "colhe o fruto da busca e da reflexão em que o sujeito é humano: "Você 'sobrou' naquela festa!"
compartilhada" (sujeito elíptico = Um diálogo filosófico). Vejamos o contraste entre duas orações com posições diferentes do
O procedimento de utilizar posições vazias para recuperar termos de sujeito:
orações anteriores configura um mecanismo de coesão do texto chamado
de coesão por elipse.
) Faltou um bom percussionista naquele show.

) Um bom percussionista faltou naquele show.

) A posição posposta do sujeito na primeira delas sugere uma interpreta-


5.7 POSIÇÃO DO SUJEITO ) ção semântica em que se entende que fez falta a presença de um bom percus-
) sionista no show, pois a posição não é prototípica de agente. Já na segunda
Normalmente, o sujeito aparece em português antes do verbo. Isso
) oração, a interpretação semântica é a de que um bom percussionista praticou
acontece principalmente com os sujeitos prototípicos, isto é, sujeitos agentes,
) a ação, voluntária, de faltar ao show.
humanos e definidos, como vimos. Exemplos:
'
O presidente e seus assessores sentaram-se em volta da mesa de reuniões. )
Bill Gates não conseguirá nunca gastar o que já tem, mas continua trabalhando,
como se precisasse pagar o aluguel no fim do mês.
l 5.8 PREDICADO
)
Sujeitos não prototípicos tendem a ocupar lugar depois do verbo. É o ) Tendo sido identificado o sujeito pela concordância; o que resta de

que acontece, por exemplo, com os sujeitos de verbos como sobrar, acontecer,
) uma oração está ligado ao verbo predicador, aos seus complementos, aos

existir Q faltar, em orações como:


) seus elementos circunstanciais. Chamamos esse conjunto todo de predi-
) cado. De modo prático, podemos dizer que predicado é aquilo que resta de
Sobraram doces na festa.
uma oração, uma vez separado o seu sujeito. Em uma oração como: "Os
Aconteceu um acidente na Via Dutra.
Existem duas canetas na gaveta do meio. operários brasileiros montam um carro por hora", se separarmos o sujeito
Faltou água na segunda-feira. os operários brasileiros, o predicado será montam um carro por hora.
Em uma oração como: "Choveu durante todo o verão", como não há
Realmente, ficariam estranhas versões dessas orações com o sujeito sujeito, o predicado é toda a oração: Choveu durante todo o verão.
anteposto: O predicado que tem um verbo como elemento predicador é chamado
(?) Doces sobraram na festa. de predicado verbal.
(?) Um acidente aconteceu na Via Dutra. É, pois, dentro do predicado que temos as outras funções sintáticas
(?) Duas canetas existem na gaveta do meio. assumidas por outros argumentos do verbo. São elas: objeto direto, objeto
(?) Agua faltou na segunda-feira.
indireto, adjuntos adverbiais.
)
90 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
) A ORAÇÃO SIMPLES 91
)
O objeto direto e o indireto são considerados complementos do verbo, ) Vejamos agora a seguinte oração:
porque os termos que os representam pertencem à rede argumentai essencial
do verbo.
) Venceram os americanos os iraquianos.
)
Os dois argumentos (os americanos e os iraquianos) têm condições
>
5.9 OBJETO DIRETO ) prototípicas para serem sujeito. Ambos podem ser agentes, são humanos
. e definidos. Nenhum deles reúne condições prototípicas de objeto direto.
Objeto direto é o complemento que, no predicado, se liga diretamente
ao verbo sem auxílio de preposição. Essa função é preenchida quase sempre
) Qual deles deverá ser, então, o objeto direto? Se a ordem fosse outra, como:

por um dos seguintes argumentos: paciente, objeto afetado, resultativo ou


> "Os americanos venceram os iraquianos"; não haveria complicação, uma

objetivo. Exemplos:
) vez que, neste último caso, um dos argumentos (os americanos) assumiu

) a posição prototípica de sujeito, em português, que é vir antes do verbo.


Isso desempata a questão. Na versão anterior, entretanto, o "desempate" é
O estudante atropelou um cachorro, (paciente)
Os manifestantes incendiaram dois ônibus. (objeto afetado)
)
Leonardo Da Vinci pintou a Mona Lisa. (resultativo) • feito, normalmente, com o uso da preposição a, assinalando o objeto direto

Eu não ouvi a buzina, (objetivo) ) como um complemento, como um não-sujeito. Essa oração teria, então, a

) seguinte versão:
O verbo que pede objeto direto é chamado, quanto à sua predicação, de ) Venceram os americanos aos iraquianos.
VERBO TRANSITIVO DIRETO. )
O objeto direto pode ser substituído, na terceira pessoa, por um pro- ) Mesmo na versão em que o sujeito, os americanos, aparece, numa posi-
nome pessoal oblíquo átono: o, a, os, as. Nesse caso, o pronome ajuda a l ção canónica, antes do verbo, é comum utilizar a mesma preposição a, por
estabelecer uma relação semântica com uma oração anterior, retomando um ) questão de clareza, para assinalar que o termo os iraquianos é complemento
termo dessa oração e configurando aquilo a que damos o nome de coesão ) (objeto direto) e não sujeito. Teríamos, então, a seguinte versão dessa oração,
textual. Exemplo: ) com o objeto direto preposicionado:
Leonardo Da Vinci pintou a Mona Lisa. Pintou-a em um quadro pequeno. ) Os americanos venceram aos iraquianos.
)
Objeto direto preposicionado
) O preposicionamento do objeto direto pode acontecer sempre que esse
Vimos, há pouco, que o sujeito prototípico em português (aquele que ) objeto não seja prototípico. Para isso, basta que seja humano, representado
é, estatisticamente, mais frequente em uma oração) é agente, humano e de- ) por um substantivo ou por um pronome (pessoal, indefinido, interrogativo
terminado. Podemos dizer que existe também um objeto direto prototípico. ) ou de tratamento). Exemplos:
Suas características são: paciente ou objeto afetado ou objetivo, não humano, ) Os homens amam a Deus. (= imagem humana)
indeterminado. Exemplos: ) Os filhos estimam aos pais.

O menino matou uma formiga. ) Os filhos estimam a eles.


Ele ofendeu a todos.
A tempestade derrubou muitas casas. )
A ORAÇÃO SIMPLES 93
92 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO

Eles respeitam a quem*. Trata-se de complementos de verbos como: acreditar, concordar, crer, duvi-
Muito estimamos a Vossa Excelência. dar, gostar, precisar.
Em primeiro lugar, é importante dizer que se trata mesmo de com-
Com os pronomes pessoais tónicos (ele, ela, eles, elas) na função de objeto
plementos, ou seja, de elementos pertencentes à rede argumentai essencial
direto ("Os filhos estimam a eles"), o emprego da preposição é obrigatório.
desses verbos. Vejamos as seguintes orações:
Eu acredito em fantasmas.
5.10 OBJETO INDIRETO Eu gosto muito de romances.
Não precisava de esmolas.
Objeto indireto é o complemento verbal que se liga indiretamente ao Creio em Deus.
Duvido dessa história.
verbo por intermédio de uma preposição. O objeto indireto prototípico é
Concordo com sua irmã.
aquele preenchido pelo argumento dativo, aquele que representa quem é
beneficiado (ou prejudicado) pela ação do verbo. Nesse caso, a preposição Se retirarmos delas os complementos preposicionados, teremos sequên-
selecionada é a ou para. Exemplos: cias malformadas: *Eu acredito / *Eu gosto muito / *Não precisava / *Creio
O presidente obedeceu ao regimento / *Duvido / ^Concordo.
O governo federal deu uma fortuna aos banqueiros. Veja-se, a propósito, a diferença entre:
Ronaldo passou a bola paro um companheiro de equipe, com um toque de calcanhar.
Concordo com sua irmã.
No primeiro exemplo, o regimento é o termo, com função de objeto Viajei na semana passada com sua irmã.

indireto, regido pela preposição a. No segundo exemplo, 05 banqueiros, re-


Na primeira oração, (com) sua irmã é complemento e, portanto, ele-
gidos, também, pela preposição a. No terceiro, um companheiro de equipe,
mento obrigatório. Pertence à rede essencial do verbo concordar e, por isso,
regido pela preposição para.
não podemos omiti-lo. Na segunda, é um termo facultativo. Não pertence
O verbo que pede objeto indireto, como obedecer no primeiro exemplo,
à rede essencial de viajar. Por isso, podemos dizer, sem nenhum problema:
é chamado, quanto à sua predicação, de VERBO TRANSITIVO INDIRETO. O
"Viajei na semana passada" omitindo o termo (com) sua irmã.
verbo que pede, simultaneamente, objeto direto e indireto recebe o nome de
Em segundo lugar, podemos dizer que esses verbos se caracterizam
VERBO TRANSITIVO DIRETO E INDIRETO. Isso acontece nos dois últimos
também por preposicionar obrigatoriamente seus complementos, desde
exemplos com os verbos dar e passar.
que eles sejam substantivos ou estejam sendo substituídos por pronomes.
O governo federal deu uma fortuna (objeto direto) aos banqueiros, (objeto indireto)
Caso esses complementos sejam orações, a preposição é cancelada com
Ronaldo passou a bola (objeto direto) para um companheiro de equipe (objeto
indireto), com um toque de calcanhar. quase todos esses verbos e as orações passam a exercer a função de objeto
direto. Exemplos:
a. Objetos indiretos não prototípicos
Eu duvido de suas intenções.
Além do objeto indireto prototípico, existem outros complementos De qualquer forma, duvido [que uma mulher seja capaz de sacar a arma na hora
do perigo], (objeto direto = oração com preposição cancelada)
verbais preposicionados que também são considerados objetos indiretos.
94 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 95

Eu acredito em fantasmas. b) Objetos indiretos não prototípicos substituídos por lhe


Muita gente acredita [que o Brasil foi descoberto por acaso]. (objeto direto = oração
*Eu acredito-lhes, (em fantasmas)
com preposição cancelada)
*Eu gosto-lhes muito, (de romances)
*Duvido-lhe. (dessa história)
Com o verbo gostar, a oração complemento, embora apareça mais co-
mumente sem preposição, pode também vir preposicionada. Tanto podemos Nesses casos, a construção com pronome lhe é agramatical. A opção é
dizer: "Gosto [que você esteja aqui]" (preposição cancelada) como: "Gosto utilizar uma forma pronominal do caso reto, precedida de preposição:
[de que você esteja aqui]".
Eu acredito neles.
O fato de a preposição ser cancelada, quando o complemento é uma Eu gosto muito deles.
oração, é mais um indício de que tais complementos não são objetos indi- Duvido dela.
retos prototípicos. As orações complementos desses verbos, deixando de
b. Objeto indireto de interesse e de referência
ser regidas por preposição, passam, como vimos, a ter função de objetos
diretos. Exemplos: Muitas vezes, o dativo pode não pertencer à rede argumentai essencial
de um verbo. Imaginemos um verbo como viajar. Ao contrário de dar, por
Duvido [que uma mulher seja capaz de sacar uma arma}.
Creio [que você se enganou]. exemplo, viajar não possui um dativo (beneficiado ou prejudicado) em sua
estrutura argumentai essencial. Apesar disso, podemos acrescentá-lo, em
Como, em ambos os casos, esses complementos não são objetos diretos uma oração como:
prototípicos, essas frases não admitem construção passiva: Paulo viajou para mim.
*É duvidado por mim que uma mulher seja capaz de sacar uma arma.
*É crido por mim que você se enganou. Não podemos, a rigor, dizer que o objeto indireto para mim, que ma-
terializa esse argumento, seja complemento desse verbo. Complementos,
Os objetos indiretos não prototípicos sofrem também uma restrição, como vimos, são apenas as funções sintáticas preenchidas por um argumento
quando comparados aos objetos indiretos prototípicos. Enquanto o objeto pertencente à rede argumentai essencial de um verbo. Trata-se, pois, apenas
indireto prototípico pode ser substituído pelo pronome oblíquo lhe, na ter- de um OBJETO INDIRETO DE INTERESSE. O que o falante quer dizer é que
ceira pessoa, isso não acontece com os objetos indiretos não prototípicos. Paulo viajou em seu interesse (ou até mesmo por ele).
Exemplos: Algumas vezes, esse objeto indireto apenas manifesta a crença de
a) Objetos indiretos prototípicos substituídos por lhe alguém (do enunciador ou de outra pessoa qualquer) no valor de verdade
da oração:
O governo deu-lhes uma fortuna.
Aconteceu-//je uma desgraça. Para mim, ele viajou.
Ronaldo passou-ffie a bola, com um toque de calcanhar. Para ela, você é apenas um chato.

Como se vê, essas orações são perfeitamente bem formadas. Nesse caso, podemos chamá-lo de OBJETO INDIRETO DE REFERÊNCIA.
)
96 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
) A ORAÇÃO SIMPLES 97

5.11 PREDICATIVO - o ADJETIVO COMO PREDICADOR


) *A menina viajar.
) *A menina bonita.

Até agora, vimos trabalhando com o verbo como predicador dentro de


)
uma oração. Mas, como já foi dito, os adjetivos também podem funcionar
l não podem ser orações, por falta dessa "âncora" temporal. Para resolver

como predicadores. Isso quer dizer que um adjetivo pode também ter uma
) esse problema, o enunciador pode ligar essas sequências a uma oração

estrutura argumentai. Mas a rede argumentai essencial de um adjetivo pre-


) que esteja ela própria "ancorada" em um tempo finito. Surgiriam, assim,

dicador se resume a um único argumento, que é normalmente um objeto ) sequências como:

afetado ou um experienciador. Se o adjetivo for o único predicador dentro > A menina viajar convém.

de uma oração, seu argumento terá sempre a função de sujeito, como nos
) A menina bonita chegou.

exemplos a seguir: >


A Terra é redonda.
) Se, entretanto, o enunciador quiser comunicar apenas as sequências

A menina era triste.


) anteriores, sem nada acrescentar, poderá colocar o tempo de A menina

> viajar no verbo predicador viajar, produzindo uma oração independente


como:
em que A Terra e A menina são sujeitos. O adjetivo predicador de oração
recebe o nome de predicativo. Como seu único argumento exerce a função A menina viajou.

de sujeito, dizemos que ele é um predicativo do sujeito. Nessas orações, os


Em A menina bonita, é impossível fazer isso, porque o adjetivo pre-
adjetivos redonda e triste, são, respectivamente, predicativos dos sujeitos A
dicador (bonita) não recebe afixo de tempo. Não podemos dizer "bonitou,
Terra e A menina.
'bonitaria, "teria bonitado etc. A solução é utilizar para isso o verbo ser,
Essas orações trazem ainda o verbo ser, que é um verbo sem estrutura
produzindo uma oração como:
argumentai, cuja função básica é a de veicular o tempo da oração, ligando
o predicativo ao seu sujeito. Por esse motivo, recebe o nome de VERBO DE A menina é bonita.

LIGAÇÃO. Podemos dizer, pois, que o predicativo é um qualificador marcado


É por esse motivo que o verbo ser aparece em outras construções que
por uma temporalidade fixada no verbo de ligação.
não possuem um verbo para receber a marca de tempo finito. Uma sequência
como de madrugada, por exemplo, não pode ser uma oração, por falta de
5.12 NECESSIDADE DE AS ORAÇÕES INDEPENDENTES E PRINCIPAIS tempo. Utilizando o verbo ser, resolvemos a questão, dizendo:
TEREM UMA "ÂNCORA" TEMPORAL
Era de madrugada.

É importante, neste momento, esclarecer que as orações independentes (e


Nessa sequência, que agora assumiu a condição de oração impessoal
também as orações principais das orações complexas, como veremos) neces-
(porque não existe sujeito), o verbo ser é apenas uma âncora temporal.
sitam de uma "âncora" temporal, que tem, necessariamente, de ser expressa A mesma coisa acontece em situações em que o verbo que deveria
pelo tempo finito de um verbo. Sequências como:
ancorar o tempo é nominalizado. Se transformarmos o verbo almoçar em
)
A ORAÇÃO SIMPLES 99
98 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

almoço, na oração: Nós almoçaremos no clube, teremos de inserir o verbo ser ' Nessas orações, os verbos estar, andar, permanecer, ficar, continuar, além
para receber o tempo futuro: "Nosso almoço será no clube". de veicularem um tempo finito, acrescentam informações sobre a duração
Muitas vezes, na linguagem oral, omitimos um verbo que pode ser D ou mudança do processo de predicação. Quando dizemos: "O leite continua
subentendido, mas isso leva à perda da âncora temporal e, aí, temos de ) caro", queremos dizer que o predicativo caro atribuído a leite tem uma ação
utilizar também o verbo ser. Exemplos: ) duradoura. Quando dizemos: "O leite ficou caro", queremos dizer que o
) predicativo caro, atribuído a leite, assinala uma situação de mudança.
O botijão de gás é naquele canto. (Você põe l coloca o botijão de gás naquele
Às vezes, o verbo de ligação acrescenta uma modalidade, ou seja, uma
canto.)
O concerto é l será no Teatro Municipal. (O concerto acontecerá no Teatro Mu- apreciação subjetiva do enunciador, como em:
nicipal.)
O leite parece estragado.

Uma outra situação de troca de um verbo principal pelo verbo ser


Tanto é assim que, muitas vezes, se acrescenta a uma oração como essa
acontece em construções como:
um objeto indireto de referência, para manifestar a crença de alguém no
Se você comprou as entradas é porque vai ao show. valor de verdade da oração, como em:

O leite me parece estragado.


Nesse caso, o verbo ser substitui o verbo comprar, funcionando como O leite lhe pareceu estragado.
âncora temporal de uma oração principal: "Se você comprou as entradas,
(comprou) porque vai ao show". Esses verbos podem também funcionar como âncoras temporais acres-
Em todos esses casos, não atribuímos ao verbo ser o nome de verbo de cidas da noção de aspecto, em orações como:
ligação. Diremos que ele é, apenas, uma âncora temporal.
A menina estava no jardim.
A menina ficou no jardim.

5.13 VERBOS DE LIGAÇÃO COM VALOR ASPECTUAL


Nesses exemplos, também não atribuímos aos verbos estar e ficar o
E DE MODALIDADE
nome de verbos de ligação. São apenas âncoras temporais com noção de
Voltando às orações com predicativo, poderemos ver que é possível aspecto.
ter outros verbos, igualmente sem estrutura argumentai, exercendo a
função de âncora temporal, mas veiculando também a ideia de aspecto, 5.14 ORAÇÕES COM Dois PREDICADORES. PREDICADOS
como em: VERBO-NOMINAIS

O leite está caro.


Há, em português, orações que contêm dois predicados, um deles repre-
O leite anda caro.
O leite permanece caro. sentado por um VERBO PREDICADOR e um outro, secundário, representado
O leite ficou caro. por um ADJETIVO PREDICADOR. Por esse motivo, são chamadas ORAÇÕES
O leite continua caro.
DE PREDICADO VERBO-NOMINAL. Exemplos:
100 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 101

Maria dormiu contrariada. desse objeto, criando assim aquilo que podemos chamar de predicativo
O avião pousou atrasado.
do objeto direto. O conjunto formado por esse predicado primário mais
Eu acho a economia de mercado excelente.
O João deixou o carro ligado. o predicado secundário recebe também o nome de predicado verbo-no-
minal. A parte verbal é representada pelo verbo e a parte nominal, pelo
Nos dois primeiros exemplos, temos um verbo seguido de um adjetivo l adjetivo.
predicativo. Em ambos os casos, esse adjetivo predicativo está modificando ) Como o predicado secundário está agora integrado ao verbo achar,
o sujeito, com o qual está concordando. Trata-se, pois, de predicativos do l esse verbo funciona como âncora temporal para ele também, ficando, assim,
sujeito, em orações que já possuem um verbo como predicador, nos casos l dispensado o verbo de ligação antes do adjetivo.
analisados: dormiu e pousou. l São poucos os verbos que admitem predicativos do objeto, em português.
Nos dois últimos exemplos, temos uma espécie de predicado secundá- l São eles os verbos judicativos, como julgar, achar, chamar, e os factitivos,
rio. Podemos visualizar esse predicado no esquema a seguir, dentro do qual como fazer, nomear etc. Exemplos:
colocamos o terceiro exemplo:
O juiz julgou o réu inocente.
Predicado primário Um fraco rei faz fraca a forte gente. (Camões)
[Eu acho [a economia de mercado excelente.]]
Predicado secundário Algumas vezes, esse predicativo do objeto pode vir preposicionado,
como em:
Fazendo a análise, temos um predicado primário, cujo verbo é achar.
A torcida chamou o juiz de ladrão.
Esse verbo possui, normalmente, dois argumentos: um experienciador e A torcida acusou a punição de injusta.
uma outra oração, como em:
[Eu acho [que a economia de mercado é excelente.]] O uso da preposição serve, nesses casos, para desfazer ambiguidade. Se
(experienciador) (oração) não as tivéssemos, as orações anteriores teriam a seguinte versão:
A torcida chamou o juiz ladrão.
Nesse exemplo, temos duas orações. A primeira delas contém o verbo A torcida acusou a punição injusta.
achar e seu sujeito (o experienciador). A segunda exerce o papel de objeto
direto, como veremos no estudo das orações complexas. Essa segunda ora- Como vemos, agora, ladrão e injusta, respectivamente, poderiam ser
ção contém o adjetivo excelente como predicador do sujeito a economia de interpretados não como predicativos de juiz e de punição, dentro de um
mercado. Urna versão alternativa desta oração, por questão de economia, é predicado secundário, mas como parte, apenas, dos objetos diretos: o juiz
a do exemplo original: ladrão e a punição injusta.
Eu acho a economia de mercado excelente.
Algumas vezes, o predicativo do objeto pode ocorrer com outros verbos.
Exemplos:
Nessa versão, o termo a economia de mercado assume a função de Eu vi perdida a situação.
objeto direto do verbo achar e o adjetivo excelente, a função de predicativo Eu sinto você calma hoje.
A ORAÇÃO SIMPLES 103
102 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

A polícia prendeu o assaltante nu. Podemos, como uma outra alternativa, preposicionar o objeto direto
(que lembramos aqui não ser um objeto direto prototípico), criando uma
Um recurso para testar, nesses casos, se o adjetivo do predicado é um versão:
predicativo ou não, é substituí-lo por um pronome átono. Se o adjetivo em
Os governistas chamavam ao deputado traidor.
questão for um predicativo, ele ficará fora dessa substituição:
Eu a vi perdida. Se formos utilizar um pronome no lugar do substantivo deputado, po-
Eu a sinto calma hoje. demos ter versões como:
A polícia prendeu-o nu.
Os governistas chamavam a ele traidor.
Os governistas chamavam-fte traidor.
A voz passiva também pode servir de teste, quando se tratar de cons-
truções ativas prototípicas. Na voz passiva, o adjetivo predicativo não acom-
Na primeira delas, ele continua sendo objeto direto preposicionado; na
panha o sujeito. O adjetivo não-predicativo acompanha. Exemplos:
segunda, o pronome lhe pode estar também substituindo o objeto direto
O assaltante foi preso nu pela polícia. preposicionado.
(nu = adjetivo predicativo - agora do sujeito - por causa da voz passiva)
b. Predicativos de objetos indiretos não prototípicos
O assaltante nu foi preso pela polícia.
(nu = adjetivo não-predicativo modificando assaltante) Os objetos indiretos não prototípicos, aqueles que funcionam como
complementos de verbos como gostar, acreditar, duvidar etc., podem ser
a. Observação sobre o verbo chamar modificados por predicativos, em orações como:
As gramáticas tradicionais apontam o verbo chamar como um verbo Eu só gosto de vinho quente.
que permite um predicativo do objeto indireto, em construções como: Eu só acredito em você sóbrio.
Eu duvido de você bêbado.
Os governistas chamavam-lhe traidor.

em que quente, sóbrio e bêbado são predicativos, respectivamente, dos objetos


É possível também entender esse complemento como um objeto direto indiretos de vinho, em você e de você. O primeiro exemplo é ambíguo, uma
preposicionado. Imaginemos uma versão em que o complemento de chamar vez que admite duas interpretações: a) o enunciador gosta apenas de vinho
seja um substantivo: quente e não de outras bebidas ou b) o enunciador gosta de vinho apenas
Os governistas chamavam o deputado traidor. quando ele é quente.

A oração acima é ambígua. Para torná-la não ambígua, podemos pre-


5.15 ADJUNTOS ADVERBIAIS
posicionar o predicativo do objeto:
Os governistas chamavam o deputado de traidor. Quando estudamos a estrutura argumentai dos verbos, vimos que um
verbo (e agora já podemos incluir também os adjetivos e substantivos pré-
104 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 105

dicadores) possuía uma rede argumentai essencial, sem a qual uma oração não preposicionado, oito anos. Se quiséssemos, poderíamos preposicioná-lo
seria agramatical. De fato, sequências como: *"Comprou uma impressora". / também, dizendo:
"*Era bonita", são malformadas, sem uma referência anteriormente expressa. Trabalhei durante oito anos no Seriado Federal.
Dissemos, também, que um verbo (e agora podemos igualmente incluir os
adjetivos e substantivos predicadores) poderia possuir outros argumentos A listagem dos adjuntos adverbiais possíveis é aberta. Existem aqueles
não essenciais à gramaticalidade das orações, tais como tempo, lugar, modo que ocorrem um número maior de vezes, como os de tempo, modo ou lugar.
>
etc. São esses últimos argumentos que assumem a função de adjuntos ad- Há, entretanto, muitos outros que ocorrem com menor frequência. A relação
l
verbiais. Exemplos: a seguir contém os adjuntos adverbiais mais comuns, incluindo também os
mais frequentes e os menos frequentes:
Entre o cafezal e o sonho l
o garoto pinta uma estrela dourada
l ASSUNTO: Todos falavam de futebol.
na parede da capela*.
CAUSA: Perdeu hora por causa da chuva.
COMPANHIA: Saiu com duas amigas.
O verbo pintar tem, em sua rede argumentai essencial, um agente (o CONDIÇÃO: Sem moeda forte, nenhum país pode crescer.
CONCESSÃO: Apesar do mau tempo, o jogo foi ótimo.
garoto, exercendo a função de sujeito) e um resultativo (uma estrela dou-
INSTRUMENTO: Apertou o parafuso com uma chave defenda.
rada, exercendo a função de objeto direto). Os outros termos restantes são INTENSIDADE: Viajei muito. No inverno os dias são muito longos.
argumentos não essenciais ou satélites como: entre o cafezal e o sonho: lugar LUGAR ONDE: Moro em São Paulo.
/ na parede da capela: lugar. LUGAR AONDE: Viajei para Los Angeles.
LUGAR DONDE: Venho de Salvador.
Os argumentos não essenciais assumem geralmente a função de ad- LUGAR POR ONDE: Voltei pela Rodovia dos Bandeirantes.
juntos adverbiais e são preposicionados, mas podem ser representados MATÉRIA: O piso foi feito com ardósia.
também por advérbios, como o adjunto adverbial de modo ruidosamente MEIO: Viajei de avião.
MODO: Andava calmamente.
em:
TEMPO: Durante o verão, li dois romances.
O eleitorado brasileiro comemorou, ruidosamente, a eleição do novo presidente.
Às vezes, um adjunto adverbial modifica um outro adjunto adverbial.
Os adjuntos adverbiais de tempo quase sempre dispensam a preposição, É o caso das orações:
mesmo não sendo advérbios, como no exemplo:
Eu acordei bem cedo.
Trabalhei oito anos no Senado Federal. Eu acordei quase às duas horas.
Eu dormi muito tarde.

Nesse exemplo, temos dois adjuntos adverbiais: um adjunto adverbial de


em que os adjuntos adverbiais de modo bem e quase modificam os adjuntos
lugar preposicionado, no Senado Federal, e um adjunto adverbial de tempo,
cedo e às duas horas e o adjunto adverbial de intensidade muito modifica o
adjunto tarde.
4. Carlos Drummond de Andrade, Antologia Poética, p. 102.
106 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 107

Alguns adjuntos adverbiais não pertencem à rede argumentai do pre- 5.17 ESTRUTURA DOS SINTAGMAS DENTRO DA ORAÇÃO
dicador. Representam apenas uma avaliação do enunciador sobre a oração
inteira. São representados por advérbios como talvez, felizmente, ou por um Fazendo um balanço do que vimos até agora sobre a oração, constatamos
advérbio terminado em mente. Exemplos: que descrevemos todas as funções sintéticas assumidas pelos argumentos de
um verbo ou de um predicativo, ou seja: falamos de sujeito, objeto direto,
Talvez eu apareça por lá.
Felizmente, o imposto de renda não foi aumentado este ano.
objeto indireto e de adjuntos adverbiais. É importante, agora, descrever
Quem pretende retornar a São Paulo, logo após o Ano Novo, provavelmente vai também as estruturas que compõem essas várias funções. Um sujeito pode,
enfrentar um trânsito complicado. por exemplo, ser composto de um único substantivo como em:
Mel é bom para a tosse.
5.16 COMPLEMENTOS ADVERBIAIS
Mas pode ter também uma estrutura mais complexa como, por exemplo:
Em alguns casos, um argumento que marca uma circunstância faz parte Alguns tipos de mel silvestre de Minas são bons para a tosse.
da rede argumentai essencial de um verbo. Dessa maneira, sua ausência pro-
voca agramaticalidade. É o que podemos perceber em orações com verbos Outras funções sintáticas, como o objeto direto, ou os adjuntos adver-
como ir, colocar e caber, que têm, em sua rede argumentai essencial, um biais podem também ter uma estrutura simples ou complexa. Exemplos:
argumento locativo. Exemplos:
a) objeto direto:
O Ministro da Fazenda vai a Paris, amanhã. Maria usou mel.
Este carro não cabe naquele box. Maria ama o irmão mais velho de sua amiga.
Coloquei a manteiga na geladeira.
Esses imigrantes provieram da Alemanha. b] adjunto adverbial:
Maria curou sua tosse com mel.
Se retirarmos dessas orações os argumentos que marcam circunstância Maria ama o irmão mais velho de sua amiga, desde o início do ano passado.
de lugar, elas ficarão malformadas:
Até mesmo o verbo de uma oração pode assumir uma forma mais
*O ministro vai amanhã.
complexa, como no exemplo:
*Este carro não cabe.
*Coloquei a manteiga. Maria pode continuar a curar sua tosse com mel.
* Esses imigrantes provieram.
É preciso, pois, estudar essas estruturas complexas, que chamaremos
Por esse motivo, esses argumentos circunstanciais não têm função de daqui para frente de sintagmas. Um sintagma que tenha por base um subs-
adjuntos adverbiais, mas de COMPLEMENTOS ADVERBIAIS DE LUGAR5. tantivo (como irmão, em o irmão mais velho de sua amiga) será chamado
de sintagma nominal. Um sintagma que tenha por base um verbo (como
5. A NGB não faz essa distinção, a meu ver, necessária, chamando todos os termos
curar em pode continuar a curar) será chamado de sintagma verbal ou
indicadores de circunstâncias, indistintamente, de adjuntos adverbiais. locução verbal.
108 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 109

5.18 PRINCÍPIO DE ENDOCENTRICIDADE Sujeito composto: João e Maria beberam vodca.


Objeto direto composto: João bebeu vodca com limão e uísque com soda.
A primeira coisa importante a dizer sobre os sintagmas é que eles estão Objeto indireto composto: João ofereceu vodca ao Luís e à Regina.

submetidos ao PRINCÍPIO DE ENDOCENTRICIDADE. Segundo esse princí-


pio, QUALQUER SINTAGMA PODE CONTER APENAS UM ELEMENTO DE 5.20 COMPOSIÇÃO DOS SINTAGMAS NOMINAIS
BASE, QUE É CHAMADO DE NÚCLEO. Assim,

a) um sintagma nominal pode conter como núcleo apenas um substantivo; Nossa preocupação, a partir de agora, será estudar a composição de
b) um sintagma predicativo, apenas um adjetivo (ou substantivo com função cada um dos sintagmas. Começaremos pelo estudo da composição dos
predicativa); sintagmas nominais, já que são aqueles que podem, como vimos, exercer as
c) um sintagma adverbial, apenas um advérbio (ou sintagma nominal com várias funções sintáticas dentro de uma oração.
valor adverbial). Um sintagma nominal se compõe, de acordo com o princípio de endo-
centricidade, de um único núcleo substantivo. Esse núcleo pode ser modi-
Nos exemplos a seguir, no grupo a, os sintagmas em itálico ocorrem com ficado por elementos especificadores (artigos, pronomes demonstrativos,
um único elemento de base e, no grupo b, também com um único elemento pronomes possessivos), quantificadores (numerais, ou pronomes indefinidos)
de base, mas acrescidos de elementos modificadores: e qualincadores (adjetivos ou outros grupos nominais introduzidos por uma
Grupo a preposição). Exemplos:
João bebeu uísque. [objeto direto] Núcleo modificado por um especificador:
João estava orgulhoso, [predicativo]
[O barco] ficou quatro dias ancorado, [artigo]
Grupo b [Esse barco] ficou quatro dias ancorado, [pronome demonstrativo]
João bebeu uísque com soda. [objeto direto] [Seu barco] ficou quatro dias ancorado, [pronome possessivo]
João estava muito orgulhoso do seu time. [predicativo]
Núcleo modificado por um quantificador:
Um sintagma não pode ocorrer em uma oração, sem um núcleo. Por
[Muitos navios] afundaram ali. [pronome indefinido]
esse motivo, os exemplos a seguir são agramaticais:
[Cinquenta navios] afundaram ali. [numeral]
*João bebeu com soda.
*João estava muito do seu time. Núcleo modificado por um qualificador:
[Nas horas vogas], os tripulantes pescavam, [adjetivo]
5.19 FUNÇÕES SINTÁTICAS COMPOSTAS [Um banco de recifes} serve de imensa armadilha para os navios, [sintagma nominal
introduzido por uma preposição]
Qualquer função sintática pode ser composta, ou seja: possuir sintagmas
coordenados, o que equivale dizer, de acordo com o princípio de endocen- Além desses modificadores do núcleo do sintagma, podemos ter também
tricidade, que elas podem possuir mais de um núcleo. Exemplos: \impre-especificador, representado pelo pronome todo ou pelo quantificador
A ORAÇÃO SIMPLES 111
l 10 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

modo mais pormenorizado no capítulo de Orações Complexas e no de


dual ambos que afetam, ao mesmo tempo, todo o conjunto composto pelo
núcleo, especificadores e qualificadores. Exemplo: Concordância.

Nas horas vagas [todos [os tripulantes do barco]] pescavam.


Nas horas vagas [ambos [os tripulantes do barco]] pescavam. 5.21 OUTROS MODIFICADORES DENTRO DO SINTAGMA NOMINAL

Um fato sintático interessante é que esses pré-especificadores podem 5.21.1. Aposto


"abandonar" seu sintagma nominal, passando a ocupar outras posições dentro Aposto é o termo que modifica o núcleo de um sintagma nominal e SE
de uma oração. Vejamos exemplos dessa característica nas orações a seguir: IDENTIFICA COM ELE. Vejamos o seguinte exemplo:
Nas horas vagas, os tripulantes do barco todos pescavam. O repórter Ernesto Remardes acaba de viver uma aventura inesquecível.
Nas horas vagas, os tripulantes do barco pescavam todos.
Nas horas vagas, os tripulantes do barco ambos pescavam.
Se analisarmos o sintagma nominal O repórter Ernesto Bernardes que,
Nas horas vagas, os tripulantes do barco pescavam ambos.
nessa oração, tem a função de sujeito, veremos que seu núcleo é represen-
Todos esses elementos que especificam ou qualificam o núcleo de um tado pelo substantivo repórter. Seus modificadores são, respectivamente, o
sintagma nominal são chamados pelo nome genérico de ADJUNTOS ADNO e Ernesto Bernardes. O substantivo Ernesto Bernardes, entretanto, além de
MINAIS. Adjuntos adnominais são, portanto, os elementos que modificam o modificar repórter, IDENTIFICA-SE com ele. (Repórter é Ernesto Bernardes
núcleo de qualquer sintagma nominal. e Ernesto Bernardes é repórter.) Logo, Ernesto Bernardes é um aposto. Como

Um sintagma nominal, por mais complexo que seja, pode ser substituído repórter é genérico e Ernesto Bernardes é específico, este aposto recebe o
por um pronome. Vejamos um exemplo: nome de APOSTO ESPECIFICATIVO.
O aposto especificativo pode também ser introduzido por uma prepo-
Nas horas vagas, [todos os tripulantes do barco] pescavam. Para chegar aos
sição. Exemplo:
pontos de mergulho, [eles] precisavam percorrer quase 2 quilómetros num bote de
borracha. Os jornalistas visitaram a cidade de São Paulo.

O pronome eles, nesse texto, está no lugar do sintagma nominal inteiro: Analisando o sintagma nominal a cidade de São Paulo, que exerce a
[todos os tripulantes do barco]. função de objeto direto, verificamos que seu núcleo é cidade e que seus
Um outro fato relevante é que um sintagma nominal complexo pode modificadores são a e de São Paulo. Como São Paulo modifica cidade e se
ter alguns de seus elementos omitidos, totalmente ou em parte, quando identifica com ela (São Paulo é cidade e cidade é São Paulo), São Paulo é um
reaparece em uma outra oração. Exemplo: aposto, também especificativo, porque o termo cidade é genérico e o termo
Eu comprei duas toalhas de banho azuis. Minha irmã comprou duas verdes. São Paulo é específico.
O fundamento do aposto é, pois, a identidade. Não se confunde o aposto
Como vemos, na segunda oração, foi omitido o núcleo do sintagma com um adjunto adnominal, porque este último não se identifica com o
(toalhas) e um modificador (de banho). Esse assunto será estudado de núcleo do sintagma. Se tivermos uma oração como:
l12 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 113

Mais tarde, combinaremos a hora da saída; Nos últimos anos, sobretudo após o casamento, começara a idealizar a figura da
ausente, espécie de génio bom, heroína de conto da carochinha, imagem fugidia, quase
irreal, a se fazer concreta no auxílio mensal, nos esporádicos presentes6.
e dela destacarmos o sintagma nominal a hora da saída, veremos que saída é
um simples adjunto adnominal, pois hora não se identifica com saída (hora
Trata-se de um trecho no início do romance Tieta do Agreste, em que
não é saída e nem saída é hora).
o autor dá asas ao pensamento da personagem Elisa, preocupada com a
Há um tipo de aposto que vem entre vírgulas. Trata-se do APOSTO
ausência de notícias (e do cheque mensal) de sua irmã Tieta. A primeira
EXPLICATIVO. Exemplo:
referência a Tieta é figura ausente. A seguir, vêm três apostos, construindo
Vicente Feola, técnico da seleção brasileira de 1958, apreciava comida italiana. sua referência no imaginário de Elisa: espécie de génio bom, heroína de conto
da carochinha, imagem fugidia, quase irreal, todos eles identificados com
O sintagma nominal Vicente Feola, técnico da seleção brasileira de 1958,
figura ausente, a primeira referência.
é sujeito dessa oração. Seu núcleo é Vicente Feola. Seu modificador, técnico
Às vezes, o aposto tem a função de criar uma orientação argumentativa,
da seleção Brasileira de 1958, é um aposto explicativo, pois modifica Vicente
como nos exemplos a seguir:
Feola e se identifica com ele.
Gandhi, o grande herói nacional da índia, foi assassinado por um fanático.
Existe ainda o APOSTO ENUMERATIVO que pode ser visto no exemplo
O congelamento da poupança no início do governo do Presidente Collor, o maior
a seguir:
exemplo de truculência e arbitrariedade governamental, deixou perplexa a população
Para matrícula na Universidade são necessários os seguintes documentos: do país.
carteira de identidade, duas fotos três por quatro e certificado de conclusão do curso
secundário. Em ambos os casos, o aposto configura um julgamento. Positivo, no
primeiro exemplo; negativo, no segundo.
O sintagma nominal os seguintes documentos: carteira de identidade, As gramáticas tradicionais do português costumam falar em um outro
duas fotos três por quatro e certificado de conclusão do curso secundário tipo de aposto, o chamado aposto resumidor ou recapitulativo, ilustrado com
tem como núcleo documentos e, como aposto enumerativo, os sintagmas exemplos do tipo:
nominais modificadores, carteira de identidade, duas fotos três por quatro
A amizade, o clima, as belezas naturais, tudo me fazia bem.
e certificado de conclusão do curso secundário, que se identificam com
documentos. A concordância verbal, entretanto, sugere outra coisa, apesar da iden-
A função textual do aposto é contribuir para a construção da referência tidade existente entre tudo e os sintagmas nominais antecedentes. A con-
daquilo que dizemos ou escrevemos. Quando dizemos Vicente Feola, isso cordância é feita com tudo - que é o sujeito da oração - e não com a soma
pode não ser suficiente para dar ao leitor condições de compreensão do dos sintagmas envolvidos (a amizade, o clima, as belezas naturais). Como
texto. O aposto acrescenta alguma coisa a mais, uma informação importante veremos, ao final deste capítulo, esses sintagmas estão fora da oração, à se-
por meio da qual o leitor fica mais esclarecido. No exemplo em questão, fica melhança dos termos em itálico nos exemplos a seguir:
sabendo que Vicente Feola foi o técnico da seleção brasileira de 1958. Vejamos
o seguinte texto de autoria de Jorge Amado: 6. Jorge Amado, Tieta do Agreste, p. 19.
114 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA UNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 115

As eleições, eu nem fiquei sabendo de eleições aqui neste fim de mundo! O autor de Romeu e Julieta é Shakespeare.
Meu carro, ele consome muita gasolina. A compra de ações provocou uma alta na bolsa.
A destruição da mata atlântica é um crime contra a humanidade.

Como estão fora das orações, esses termos não têm análise dentro delas.
Na análise sintática desses grupos nominais, os modificadores desses
Do ponto de vista do "gerenciamento" de informação, são tópicos apenas,
núcleos predicadores que materializam argumentos como: objeto afetado,
indicando ao ouvinte/leitor o assunto sobre o qual a oração que virá trará
paciente, resultativo, objetivo, causa, dativo e locativo, são chamados de
informações.
complementos nominais. Exemplos:
5.21.2. Complemento nominal A destruição da ponte (objeto afetado)
A prisão dos bicheiros (paciente)
Muitas vezes, o núcleo de um sintagma nominal é um substantivo pre- A construção da ponte (resultativo)
dicador. Trata-se, portanto, de um substantivo que possui uma estrutura A visão do paraíso (objetivo)
argumentai. Isso acontece com substantivos relacionais como autor, medo ou O medo de altura (causa)
A compra do brinquedo para a criança (objeto afetado) (dativo)
com substantivos ãeverbais (derivados de verbos) como compra (de comprar),
Nossa ida a Brasília (locativo)
destruição (de destruir) etc.
Quando falamos em autor, imediatamente associamos a esse substantivo Como esses argumentos, em uma oração de voz ativa, sempre funcionam
um argumento: o resultativo, aquilo que foi feito. Quando falamos de medo, como complementos, podemos simplificar, dizendo que, se substituirmos
associamos a medo dois argumentos: um experienciador (aquele que tem o nome predicador por um verbo e o que restar for complemento, então o
medo) e uma causa (aquilo que produz o medo). modificador do nome predicador será um complemento nominal. Exemplos:
Da mesma forma, quando falamos em compra ou destruição, associamos destruir a ponte, prender os bicheiros, construir a ponte, ver o paraíso, temer
a esses substantivos deverbais um argumento agente (aquele que compra (medo de) altura, comprar o brinquedo, ir a Brasília.
ou que destrói) e um argumento objeto afetado (aquilo que é comprado ou Se o que restar for um sujeito, então o modificador do nome predicador
destruído). No caso de compra, podemos ainda associar um dativo (aquele será, simplesmente, um adjunto adnominal. Exemplos:
para quem algo é comprado). Esquematizando, teríamos: (1) A diminuição do poder aquisitivo produz recessão.
(2) A vitória dos democratas aumentará os benefícios sociais.
Substantivo Rede argumentai
medo [experienciador, causa]
Substituindo os nomes predicadores por verbos teremos:
autor [resultativo]
compra [[agente, objeto afetado] dativo] (1) O poder aquisitivo diminuiu.
destruição [agente, objeto afetado] (sujeito)
(2) Os democratas venceram.
Esses argumentos normalmente se materializam dentro dos sintagmas (sujeito)
nominais de que esses substantivos são núcleos. Exemplos:
Logo, do poder aquisitivo, em (1), e dos democratas, em (2), serão ad-
O medo da morte torna as pessoas menos egoístas.
•»*íc
juntos adnominais.
116 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 117

Muitas vezes, uma construção desse tipo pode gerar ambiguidades. Se recair uma ação. Por esse motivo, tais complementos preposicionados são
dizemos, por exemplo, uma oração como: apenas adjuntos adnominais ou adjuntos restritivos desses adjetivos. O
termo adjunto restritivo não faz parte da Nomenclatura Gramatical Bra-
A caça dos leões foi um sucesso.
sileira (NGB).
podemos ter duas interpretações de a caça dos leões. O significado tanto
pode ser "alguém caçou os leões" como "os leões caçaram algum outro
5.23 VOCATIVO
animal". Na primeira interpretação, teríamos um complemento, portanto,
um complemento nominal. Na segunda, um sujeito, portanto, um adjunto Vocativo é um termo que se situa fora da oração. Não pertence, por-
adnominal. tanto, à rede argumentai do verbo ou do predicativo. É um apelo do enun-
ciador ao interlocutor, por meio da projeção do seu nome ou de expressões
5.22 COMPLEMENTOS NOMINAIS DE NÚCLEOS ADVERBIAIS equivalentes.
E ADJETIVAIS O interlocutor pode ser alguém real, fisicamente presente em algum
lugar, de quem o enunciador pode observar as reações ao seu apelo; ou uma
Às vezes, o núcleo de um sintagma adverbial e o núcleo de um sintagma entidade abstrata, ou fictícia. No primeiro caso o vocativo é um chamamen-
adjetival podem ser, respectivamente, um advérbio ou um adjetivo com rede to. No segundo, uma invocação. O vocativo é mais usado, obviamente, na
argumentai. Exemplos: língua oral. Exemplos:
O Tribunal de Contas decidiu [favoravelmente às contas do Governador].
(advérbio) CHAMAMENTO
Maria, feche a porta!
A decisão foi {favorável ao pedido],
Maria, o técnico da máquina de lavar telefonou?
(adjetivo)

INVOCAÇÃO
Tanto favoravelmente como favorável têm uma rede argumentai que
Minha Nossa Senhora, me ajude!
contém um dativo (aquele ou aquilo que é favorecido). Nos exemplos aci-
Deus, tenha piedade de nós!
ma, às contas do governador e ao pedido materializam esse dativo. São, pois,
analisados como complementos nominais. Na escrita, o vocativo vem separado da oração por meio de vírgulas. Ele
Há alguns complementos preposicionados que modificam adjetivos, não precisa, necessariamente, colocar-se no início, como atesta o exemplo:
sem, contudo, serem complementos nominais. Vejamos os exemplos a seguir:
A vida, Luzia, dura um só dia. (João de Barro)
Ave Maria, cheia de graçal
Ele está com as mãos sujas de graxa.
Do ponto de vista do discurso, o vocativo serve também para marcar o
Maria é bonita de corpo.
tipo de relação social que existe entre o enunciador e seu interlocutor. Assi-
Os adjetivos cheio, sujo e bonito são estáticos, não possuindo, portanto, nala se é uma relação formal, respeitosa, amorosa, informal, ou, ainda, uma
uma rede argumentai que comporte um alvo ou ponto sobre o qual possa relação conflagrada. Vejam-se, a propósito, os exemplos a seguir:
l18 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 119

Excelência, seria possível entregar essa petição depois das cinco da tarde? Os outros verbos anteriores ao verbo principal, como vemos, não têm,
Ô Zé, segura aqui esse parafuso. nessas orações, estrutura argumentai própria. Por esse motivo são chamados
Amor, você me liga à noite?
de VERBOS AUXILIARES.
Seu canalha, você tem coragem de dizer que não me enganou?
Um outro fato que também podemos observar é que apenas o primeiro
verbo à esquerda, nessas construções, recebe a marca afixai (a desinência)
5.24 COMPOSIÇÃO DO SlNTAGMA VERBAL. As LOCUÇÕES VERBAIS
do tempo verbal. Todos os outros, inclusive o verbo-núcleo ou principal,
Muitas vezes, uma oração não tem apenas um verbo, mas dois, três assumem formas nominais.
ou até mais, formando uma estrutura complexa. É o que podemos ver nos Podemos concluir, portanto, que uma locução verbal se compõe de um
exemplos: verbo-núcleo ou principal, responsável pela estrutura argumentai da oração,
e por um ou mais verbos auxiliares, sendo que o que estiver "mais à esquerda"
Mário começou a vender terrenos.
Mário tinha vendido um terreno. assume a função de "âncora" temporal da oração.
Mário pode vender um terreno.
Mário pode continuar a vender terrenos.
5.25 VOZES VERBAIS. AGENTE DA PASSIVA
Essas estruturas complexas são os sintagmas verbais. Tal como os
sintagmas nominais, eles também estão sujeitos ao princípio da endocentri- Vozes verbais são construções sintáticas ligadas apenas aos verbos que
cidade, ou seja, podem conter apenas uma categoria lexical principal. Essa se constróem com objeto direto.
categoria lexical principal, como vimos, se chama núcleo. O núcleo de um
a. Voz passiva
sintagma verbal é o chamado verbo principal, que é responsável pela estru-
tura argumentai da oração. Voz passiva é uma construção sintática em que um objeto direto
Se observarmos as orações anteriores, veremos que todas elas têm a passa a ocupar a função de sujeito. Distinguimos dois tipos de voz passiva
estrutura argumentai do verbo vender. Possuem um agente na função de em português: voz passiva analítica, com verbo auxiliar ser, e voz passiva
sujeito e um objeto afetado na função de objeto direto. Isso, apesar dos pronominal.
diferentes verbos que antecedem vender. Logo, o verbo vender é o núcleo
b. Voz passiva analítica (ou com auxiliar ser)
desses sintagmas verbais que são chamados pela Nomenclatura Gramatical
Brasileira de locuções verbais. Nesse tipo de voz passiva, o objeto direto passa a ocupar a função de
Se trocássemos o verbo vender por um outro verbo, como cair, por sujeito e o termo que tinha a função de sujeito é transferido para o predicado,
exemplo, todas as orações assumiriam a estrutura argumentai desse outro precedido, em geral, pela preposição por. O verbo-núcleo ou principal fica
verbo, que somente precisa de um objeto afetado: no particípio e aparece o verbo auxiliar ser para servir de âncora temporal
A pedra começou a cair. para a oração, uma vez que o particípio já não pode exercer essa função.
A pedra tinha caído. Exemplificando, tomemos a seguinte oração em que o sujeito é agente e existe
A pedra, pode cair. um objeto direto. Essa configuração recebe o nome de voz ativa:
A pedra pode continuar a cair.
120 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 121

Eduardo fechou as portas. -v *Um carro importado é tido por Maria.


*Sessenta quilos são pesados por Maria.
/ * Um tiro foi levado por Maria.
O sujeito dessa oração é Eduardo. É com esse substantivo que o verbo
O ; •
fechar está concordando. O sintagma nominal as portas tem a função de
, _) Isso se deve ao fato de que apenas as construções ativas prototípicas
objeto direto. Passando essa oração para a voz passiva, teremos:
) podem ter voz passiva, e os exemplos acima não caracterizam esse tipo de
As portas foram fechadas por Eduardo. {} construção. Na construção ativa prototípica, o sujeito é sempre agente.
i."3 j . No primeiro exemplo, o verbo ter, embora esteja em uma "forma ativa,
Notamos, agora, que o sintagma nominal as portas passou a ser sujeito
f) ! não tem sujeito agente. Há outras construções com esse verbo, principal-
(o verbo ser concorda com ele) e que o outro sintagma, o antigo sujeito v ) mente na língua falada, em que o sujeito pode até mesmo ser interpretado
Eduardo, foi transferido para o predicado, precedido pela preposição por. < ) como paciente:
Esse sintagma transferido recebe o nome de COMPLEMENTO AGENTE DA
' Maria já teve pneumonia.
VOZ PASSIVA, ou simplesmente AGENTE DA PASSIVA, Trata-se, pois, de
") Maria tem um botão faltando em sua blusa.
um termo que ocorre nas frases passivas, ligado ao verbo geralmente pela
)
preposição por, e que cumpre o papel de autor da ação verbal. \ verbopesarpode ser empregado em uma construção ativa prototípica,
Notamos, também, que o verbofechar está agora no particípio (fechadas), N como em: "Maria pesou a mala"; em que Maria é agente. Nesse caso, pode
sem condições, portanto, de servir de âncora temporal para a oração. Essa \r construção passiva: "A mala foi pesada por Maria".
função foi assumida pelo verbo ser que, como vimos, é um verbo semanti- ^ O mesmo acontece com o verbo levar, que pode ter construção passiva,
camente vazio. x se a construção ativa for prototípica. Exemplo:
É importante notar que, na voz passiva, o particípio concorda também
) VOZ ATIVA PROTOTÍPICA COM SUJEITO AGENTE
com o sujeito: As portas foram fechadas.
/ Maria levou as malas para o aeroporto.
)
5.26 CONSTRUÇÕES ATIVAS QUE NÃO TÊM PASSIVAS ) VOZ PASSIVA

CORRESPONDENTES \s malas foram levadas para o aeroporto por Maria.

Nem todas as construções ativas podem ser transformadas em passivas. Em "Maria levou um tiro", Maria não é agente. É paciente.
Vejamos as seguintes orações:
) a. Voz passiva pronominal
Maria tem um carro importado.
Maria pesa sessenta quilos. Uma outra forma de construir a voz passiva em português é com o
Maria levou um tiro. auxílio do pronome se, em orações como:

Todos concordamos que as orações passivas correspondentes seriam \s preciosas salvaram-se, durante o ataque da máfia em Florença, graças as
cortinas de vidro blindado.
agramaticais:
A ORAÇÃO SIMPLES 123
122 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

Esse tipo de voz passiva é facilmente identificável pela impossibilidade


5.27 Voz MEDIAL
de o sujeito ser um argumento agente. De fato, o termo pinturas preciosas,
Voz medial é a construção em que o verbo, na voz ativa, tem um
no exemplo citado, é apenas um objeto afetado.
objeto direto representado por um pronome átono, referente à pessoa
Muito raramente, a voz passiva pronominal ocorre com outro pronome
do sujeito.
que não seja o se. Exemplo: Distinguimos dois tipos de voz medial: a voz medial reflexiva e a voz
Batizei-me na Igreja de São Domingos, uma terça-feira de março, dia claro, luminoso medial recíproca.
e puro, sendo padrinhos o Coronel Rodrigues de Matos e sua senhora7.
a. Voz medial reflexiva
O que caracteriza a voz passiva pronominal, no texto transcrito, é a
Na voz medial reflexiva, o sujeito é ao mesmo tempo agente/experien-
impossibilidade de o sujeito (Brás Cubas que narra sua história) ser agente ciador e paciente. Exemplos:
da ação de batizar-se a si próprio.
Maria penteou-se.
Uma outra característica da voz passiva pronominal é a ausência de
Eu me vesti.
complemento agente da passiva. Ele se viu no espelho.

b. Construções impessoais analógicas à voz passiva pronominal


Esses pronomes são objetos diretos reflexivos.
Por influência da voz passiva pronominal, desenvolveu-se, no portu- Muitas vezes, pode haver algumas ambiguidades que são normalmente
guês, uma construção analógica a essa passiva, com verbos intransitivos. resolvidas dentro do texto. Uma oração como: "O operário feriu-se"; isola-
Exemplos: da, pode ser interpretada como tendo verbo na voz medial reflexiva, com
Anda-se muito de bicicleta em cidades planas. sujeito agente e paciente, ou como tendo verbo na voz passiva pronominal,
Vive-se bem nos Estados Unidos. com sujeito apenas paciente. Na primeira interpretação, o operário ter-se-
-ia ferido voluntariamente. Na segunda interpretação, ele se teria ferido
Nesses tipos de construção, o agente ou experienciador fica inde-
acidentalmente.
terminado. É apenas pressuposto. Como não há nenhum termo com que o
Algumas vezes, a voz reflexiva é francamente metafórica. Em orações
verbo possa concordar, essas orações não têm sujeito. Já dissemos que essa
como:
análise difere daquela feita pela Nomenclatura Gramatical Brasileira.
Ele atirou-se contra a porta de vidro.
Cumpre dizer que esse tipo de estratégia de indeterminação do agente
Eu me levantei cedo hoje.
ou do experienciador se estendeu a outros verbos em cuja rede argumentai
se encontra normalmente mais de um argumento, como em: é claro que esses dois verbos estão sendo utilizados em sentido figurado.
Em Aparecida, vende-se de tudo aos romeiros. Ninguém pode pegar-se a si próprio e atirar-se contra alguma coisa.
No Rio de Janeiro, vê-se de tudo. Ninguém pode levantar-se a si próprio como levanta, por exemplo,
um vaso.
7. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 29.
A ORAÇÃO SIMPLES 125
124 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

Vale dizer também que a posição prototípica do sujeito, nessas constru- a. Topicalização

ções, é antes do verbo, ao contrário da passiva pronominal em que o sujeito A topicalização consiste em situar antes de uma oração, sem nenhuma
pode ser posposto ao verbo, quando ele admite um agente exclusivamente função sintática definida, um termo que vai ser retomado dentro dela. A fi-
humano. Desse modo, uma oração como: "Demitiu-se o ministro" é inter- nalidade é fazer desse termo um quadro de referência, um centro de atenções
pretada, normalmente, como passiva pronominal. Já uma oração como: "O para o que se vai comunicar. Vejamos alguns exemplos a seguir, retirados
ministro demitiu-se" é interpretada como medial reflexiva. do material gravado do "Projeto da Norma Urbana Culta" (Projeto Nurc)8
Em alguns casos, o objeto da voz medial reflexiva acha-se gramatica- em Castilho & Preti (1986: 26-28):
lizado, ou seja, o verbo não pode mais ser empregado sem o pronome átono. Esta curva de distribuição, ela representa todas as notas obtidas a partir da aplicação
É o caso de verbos como queixar-se, arrepender-se, orgulhar-se, em orações dum teste.
como: A inteligência segundo Binet, ela vai se desenvolvendo, certo? Então ela é mais
simples.
Ele queixou-se da alta da inflação.
Ele arrependeu-se de ter viajado. E a indústria, o que que precisa? Maior produção, maior rendimento, né? O indi-
) víduo certo para a tarefa certa.
Ele orgulha-se de sua gente.
)

Nesses casos, o pronome objeto analisa-se como PARTE INTEGRANTE l No primeiro exemplo, o enunciador situou o termo esta curva de dis-
DO VERBO. ) tribuição como tópico, antes do início da oração. É preciso salientar que o
) tópico não tem função sintática alguma. Ele está fora da oração. O sujeito
b. Voz medial recíproca ) dessa oração topicalizada é o pronome ela. Muitas vezes, o sujeito é o tópico
Na voz medial recíproca, a ação distribui-se entre dois ou mais seres ) repetido dentro da oração. Às vezes, é representado por um pronome, como
que exercem, ao mesmo tempo, a função de agente e de paciente do mesmo ) nesse caso, e, às vezes, fica elíptico. Dessa maneira, essa oração poderia as-
processo. Exemplo: ) sumir ainda as seguintes formas:
)
Os namorados beijavam-se. (tópico) (sujeito)
) Esta curva de distribuição, esta curva de distribuição representa todas as notas obtidas
Nesse caso, o pronome objeto recebe o nome de objeto direto recíproco. ) a partir da aplicação dum teste.

)
(tópico)
) Esta curva de distribuição, representa todas as notas obtidas a partir da aplicação
5.28 OPERAÇÕES DE TOPICALIZAÇÃO E CLIVAGEM ) dum teste, (sujeito elíptico)

)
Para destacar informações em um texto, são utilizadas as operações
)
de topicalização e clivagem. Por meio delas, sobretudo na língua falada, o
) 8. O Projeto Nurc é um trabalho de dialetologia urbana realizado em cinco cidades
enunciador consegue colocar em relevo um termo da oração em relação
) brasileiras: Recife, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Os exemplos citados
aos demais. foram retirados do material obtido em São Paulo.
)
)
}
126 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO SIMPLES 127

Este último caso é descrito por muitas gramáticas como um erro, o da [Imposto de Renda, Imposto Territorial Urbano, Imposto sobre Veículos
separação de um sujeito por meio de vírgula. Na verdade, a vírgula separa Automotores], tudo isso prejudica o bolso do contribuinte no Brasil, em cada
início de ano.
o tópico do resto da oração. O sujeito é elíptico.
Quando os elementos topicalizados são substituídos por pronomes
O sujeito da oração acima é tudo isso. A relação de elementos que an-
que exercem as funções de objeto direto, objeto indireto, ou predicativo, as tecede a oração deve ser analisada como tópico.
gramáticas tradicionais do português falam em funções pleonásticas. Uma
oração como: b. Antitópico

Os planos de viagem, ela os tinha adiado mais de uma vez Algumas poucas vezes, o termo topicalizado aparece depois do final da
oração. Recebe, então, o nome de antitópico. É o que acontece no seguinte
é tradicionalmente analisada como tendo dois objetos diretos, um represen- trecho de Machado de Assis:
tado por Os planos de viagem e outro, chamado de pleonástico, representado
) Mas não embarcaria mais. Enjoara muito a bordo, como todos os outros passageiros,
pelo pronome os. Essa análise me parece pouco motivada, porque tenta co- exceto um inglês... Que os levasse o diabo os inglesesl9
)
locar "à força" um sintagma nominal (Os planos de viagem) dentro de uma
l c. Clivagem
oração a que não pertence.
)
Minha proposta é que o elemento topicalizado, seja ele um ob- Um recurso de focalização, que aponta a informação mais importante
}
jeto direto ou um sujeito, como nos três exemplos do Projeto da ou saliente em uma frase, tanto na língua oral quanto na língua escrita, é a
)
Norma Urbana Culta, seja analisado simplesmente como tópico. Se clivagem, que consiste em utilizar o verbo ser e a palavra que para realçar
)
esse tópico for retomado, na oração, por um pronome, esse pronome termos da oração posicionados antes do verbo. Exemplos:
)
será analisado de acordo com sua função sintática nessa oração. No
}
Foi o Visconde de Mauá que construiu a primeira estrada de ferro no Brasil.
exemplo: "Os planos de viagem, ela os tinha adiado mais de uma vez", Os Em Mato Grosso é que se podiam pescar peixes grandes.
)
planos de viagem são um tópico; o pronome os é, simplesmente, o objeto
)
direto da oração. Foz que, no primeiro exemplo, e é que, no segundo, estão antes dos verbos
Se, entretanto, o tópico não for retomado por um pronome, sua função ) construiu e podiam pescar, respectivamente.
)
sintática na oração será analisada como elíptica. Em:
) OBSERVAÇÕES
Os planos de viagem, ela tinha adiado mais de uma vez,
) L O verbo ser pode repetir o tempo do verbo, como no primeiro exemplo
) (foi... construiu) ou não repetir, como no segundo (é ... podiam pescar).
o termo Os planos de viagem continua sendo tópico; o objeto direto da
) 2. o verbo ser pode estar junto ao que, posposto ao termo clivado: Em Mato
oração fica elíptico.
) Grosso é que. Pode ficar também antes do termo clivado, ficando o que
Um outro exemplo de topicalização acontece, quando o enunciador
) depois do termo clivado: Foi o Visconde de Mauá que.
situa vários termos antes de uma oração, retomando-os, depois, dentro da
oração, por meio de pronomes. Exemplo:
9. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 600.
)
128 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
)
3. Tanto o verbo ser quanto a palavra que não exercem nenhuma função )
sintética dentro dessas orações. São apenas marcas focais.
)
Na língua falada atual, é bastante comum fazer a clivagem de um termo
)
da oração depois do verbo, utilizando o verbo ser à esquerda desse termo. O
l
que fica dispensado. Exemplos: ) A ORAÇÃO COMPLEXA
Fernando comprou/o; um carro zero. )
Fernando comprou um carro zero,/oi em dezembro.
Essa menina quer é fazer manha.

REFERÊNCIAS
AMADO, Jorge. Dona Flor e seus Dois Maridos. São Paulo, Martins ed., 1966.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética, 36a ed. Rio de Janeiro, Record, 1997.
Assis, Joaquim Maria Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Em Obras
Completas, vol. 1. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1997.
. Dom Casmurro. São Paulo, Abril Cultural, 1978. Muitas vezes, os argumentos de uma oração simples podem assumir
CASTILHO, Ataliba Teixeira de & PRETI, Dino. A Linguagem Falada Culta na Cidade de também a forma de oração, desenvolvendo predicadores próprios como:
São Paulo (Vol. I - Elocuções Formais). São Paulo, T. A. Queiroz, 1986.
. A Linguagem Falada Culta na Cidade de São Paulo (Vol. II - Diálogos entre Dois Eu vi [que era tarde}, [quando consultei o relógio].
Informantes). São Paulo, T. A. Queiroz, 1987.
[que era tarde] = objeto direto
[quando consultei o relógio] = adjunto adverbial de tempo

Orações complexas são, pois, aquelas que se desdobram em duas ou


mais orações. Vejamos outro exemplo:

Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa1.

Nesse trecho, há três predicadores: os verbos canto e existe e o adjetivo


completa. Logo, temos três orações:

Eu canto
porque o instante existe
e a minha vida está completa

1. Cecília Meireles, Poesia Completa, p. 81.

129
)
130 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
l A ORAÇÃO COMPLEXA 131

) 6.2 ORAÇÕES COORDENADAS


É importante lembrar que, às vezes, temos dois ou mais verbos juntos,
)
mas apenas um deles (o principal) é responsável pela estrutura argumentai
l As orações coordenadas são aquelas que existem dentro de uma relação
da oração. Exemplo: "Eu comecei a cantar".
) de coordenação e podem ser classificadas em:
Aqui, temos dois verbos, começar e cantar, mas apenas cantar é respon-
sável pela estrutura argumentai da frase. Começar é um verbo auxiliar de
l a. Aditivas
)
aspecto. Forma com cantar um único sintagma ou processo verbal. Por esse
) Oração aditiva é aquela que aparece apenas em sequência a uma outra.
motivo, temos aí apenas uma oração.
) Exemplo:
l Meu pai montava a cavalo, [ia para o campo]2.
6.1 COORDENAÇÃO E SUBORDINAÇÃO l
l A segunda oração, que aparece depois da primeira, está apenas justaposta
Se examinarmos aquele outro trecho anterior de Cecília Meireles, vere- i a ela, sem nenhum elemento que estabeleça essa ligação. Por esse motivo, é
mos que, dentro dele, há dois tipos de relação sintática: a que existe entre Eu l chamada de coordenada assindética, que quer dizer coordenada sem conjun-
canto e porque o instante existe e aquela entre porque o instante existe e minha ) ção (do grego a = sem + syndetos = conjunção). A primeira oração chama-se

vida está completa. A primeira relação é chamada de SUBORDINAÇÃO, e a apenas coordenada inicial.
segunda, de COORDENAÇÃO. Já, no exemplo a seguir, temos uma conjunção unindo a oração aditiva

Chamamos a primeira relação de SUBORDINAÇÃO, porque a segunda à anterior:

oração faz parte da rede argumentai da primeira: O rádio levou a guerra para dentro de casa [e a gente acompanhava as batalhas
num mapa-múndi pregado na parede da sala de visitas]3.
Eu canto [porque o instante existe]
[agente] [causa] Por esse motivo, essa oração é chamada de oração coordenada sindé-
tica, que quer dizer oração coordenada com conjunção (do grego syndetos
O primeiro argumento eu tem natureza lexical e exerce a função de su- - conjunção).
jeito (o verbo cantar concorda com ele). O segundo tem natureza oracional Além da conjunção e, uma oração coordenada aditiva pode ser intro-
e, como se trata de um argumento que não pertence à rede argumentai duzida pela conjunção nem e pelas locuções não só... mas (também), tanto...
essencial do verbo cantar, exerce função de adjunto adverbial. Como se como, tanto quanto e outras semelhantes. Exemplos:
trata de uma oração, recebe o nome de oração subordinada adverbial. Mais
Daniela não queria sair [nem falar com ninguém].
especificamente: oração subordinada adverbial causal. O cliente insatisfeito não só deixa de comprar novamente o produto, [como também
A segunda relação recebe o nome de COORDENAÇÃO, porque nenhu- fala mal da empresa a seus amigos e familiares].

ma das orações pertence à rede argumentai da outra. De fato, em: "porque o


instante existe e minha vida está completa" a rede argumentai de cada uma
2. Carlos Drummond de Andrade, Antologia Poética, p. 67.
das orações é completamente independente uma da outra. 3. Rubem Alves, O Quarto do Mistério, p. 63.
132 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO COMPLEXA 133

Algumas vezes, diz-se que a conjunção e assume outros valores, como A conjunção mas é a única que tem posição fixa. As demais podem ser
em frases como: utilizadas praticamente em qualquer posição da oração coordenada:
Fulano diz que é rico [e nunca tem dinheiro no bolso]. Todos reclamaram da falta de luz; [ela foi, contudo, restabelecida em quinze
Fernanda estudou [e não passou no exame]. minutos].
Empreste dinheiro [e perca o amigo]. Manter-se no topo é difícil; [o vôlei brasileiro está confiante, entretanto].

As orações coordenadas das duas primeiras orações complexas têm um Isso se deve ao fato de que, à exceção de mas, todas as outras conjunções
sentido de oposição, nitidamente contrário às suas anteriores. A oração inicial e locuções conjuntivas eram, antigamente, advérbios de reforço, empregados
do terceiro exemplo pode ser também interpretada como uma condição (Se juntamente com o próprio mas. Dizia-se, por exemplo:
você emprestar dinheiro, perderá o amigo).
Este ovo ainda está inteiro, [mas, todavia l entretanto/ porém, pode quebrar].
Essas interpretações têm caráter pragmático e não sintático. A opção
do falante em utilizar a conjunção e em vez de mas, pode estar ligada a uma Por contiguidade sintática, esses advérbios assumiram o significa-
intenção de atenuação ou "preservação da face"4. Se o falante diz "Fernanda do de mas, mantendo, contudo, a liberdade sintática dos advérbios, o
estudou mas não passou no exame", isso pode soar como uma crítica a ela. que permite posicioná-los em lugares diferentes da oração coordenada
Se disser, contudo, que "ela estudou e não passou", a crítica se atenua ou adversativa.
desaparece, ficando, de certo modo, preservada a face do falante. Uma possibilidade que costuma ser explorada para "preservação da
b. Adversativas face", na construção de textos com orações adversativas, é a transferência
do conteúdo da oração adversativa para a oração coordenada inicial. Com-
Adversativa é a oração coordenada que exprime oposição, contradizendo
paremos as duas frases seguintes:
uma expectativa criada pela oração anterior. É introduzida pelas conjunções
Eu fiz todo o esforço possível, [mas não consegui o documento].
mas, porém, todavia, contudo, entretanto. Incluem-se, também, locuções
Eu não consegui o documento, [mas fiz todo o esforço possível].
conjuntivas como no entanto, não obstante. Exemplos:
Este ovo ainda está inteiro, [mas pode quebrar]. É inegável que a segunda escolha é mais favorável ao falante.
A economia cresceu, [porém não reduziu o desemprego]. Às vezes, a coordenação adversativa tem o objetivo de criar uma de-
Todos reclamaram da falta de luz, [contudo, ela foi restabelecida em quinze
minutos].
terminada orientação argumentativa. Vejamos um exemplo disso em uma
Manter-se no topo é difícil, [entretanto, o vôlei brasileiro está confiante]. crónica de Luís Fernando Veríssimo:

A atitude dos que simpatizam com Cuba se divide em duas maneiras de construir
a mesma frase: ou "Cuba é um exemplo de independência e prioridades certas nas
4. Preservação da face é a preocupação em evitar comprometimento com aquilo que se Américas, mas ninguém pode negar que é uma ditadura repressiva" ou "está certo, é uma
fala. Quando alguém diz algo como: - Não vão pensar que eu sou monarquista, mas o governo ditadura repressiva, mas ninguém pode negar que é um exemplo de etc."5
de D. Pedro IIfoi exemplar, sua intenção é exaltar o reinado de Pedro II. A primeira frase (Não
vão pensar que eu sou monarquista) não tem função informativa. É apenas um "prefácio" de
preservação da face. 5. Correio Popular, Campinas, 20.4.2003, p. 3.
134 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO COMPLEXA 135

Na primeira versão, "Cuba é um exemplo de independência... mas é e. Explicativas


uma ditadura repressiva", a orientação argumentativa é a de que Cuba deve As orações explicativas exprimem o motivo do pensamento contido na
ser condenada. Na segunda, "está certo, é uma ditadura repressiva, mas oração anterior. São introduzidas pelas conjunções porque, porquanto, que
ninguém pode negar que é um exemplo de independência etc.", a orientação ou pois, esta última anteposta ao verbo. Exemplos:
é a de que Cuba deve ser absolvida.
Vamos para frente, [que atrás vem gente]!
Fique de lado, [pois vai haver confusão].
c. Alternativas
Fechei as janelas, [porque ia chover].
A oração coordenada alternativa exprime um pensamento alternativo
ao da anterior. As alternativas são introduzidas pelas conjunções: ou...ou,
6.3 ORAÇÕES SUBORDINADAS
ora...ora, seja...seja, quer...quer. Exemplos:

Ou os presos brigaram entre si [ou se feriram durante a fuga]. As orações subordinadas, como vimos, são termos de uma oração
Crê [ou morre]! complexa desenvolvidos, eles próprios, em outras orações. Em uma oração
Ele permanecerá no cargo [ou indicará alguém de confiança]. complexa como: "Eu vi o homem [que fugiu]", a oração subordinada que
Os alces ora pastam na planície, [ora pastam entre as árvores da floresta].
fugiu equivale a um adjetivo (fugitivo) e exerce, na oração modificada por
ela (sua principal), a função de adjunto adnominal do substantivo homem.
Dessas conjunções, a única que pode ser utilizada apenas na segunda
A primeira classificação de uma oração subordinada refere-se à função
oração é ou. As outras (na verdade, palavras de outras classes gramaticais
exercida por ela na oração principal. Se exercer função própria de um subs-
utilizadas como conjunção) têm de ser utilizadas em duplas. Na análise des-
tantivo (sujeito, objeto, predicativo, complemento nominal, aposto, agente
sas orações, é mais adequado dizer que não existe uma oração coordenada
da passiva), será chamada de SUBSTANTIVA. Se exercer função própria de
inicial. Ambas as orações são alternativas.
adjunto adnominal, será chamada de ADJETIVA. Se exercer a função de
d. Conclusivas adjunto adverbial, será chamada de ADVERBIAL.

A oração conclusiva exprime uma conclusão do pensamento da anterior.


Essas orações são introduzidas pelas conjunções: logo, assim, portanto, pois 6.4 ORAÇÕES SUBORDINADAS SUBSTANTIVAS
(posposta ao verbo) ou pelas locuções conjuntivas: de modo que, em vista Formas de apresentação
disso, por conseguinte, por isso etc. Exemplos:
As orações substantivas podem ser introduzidas por uma conjunção,
.Não tinha visto no passaporte, [logo não pôde passar pela alfândega]. chamada integrante, como em: "É importante [que ele chame a polícia]".
Em São Paulo, a frota de automóveis cresce a cada ano, [portanto sempre haverá
Nessa oração complexa, a oração subordinada tem a função de sujeito
maior lentidão no trânsito].
Ia prestar vestibular no dia seguinte; [estava, pois, muito ansioso]. da anterior (sua principal) e é introduzida pela conjunção integrante que.
Foi profetizado que Édipo mataria o próprio pai; [em vista disso, afastaram o Podem as substantivas ser introduzidas por seu próprio verbo no infinitivo,
menino da família].
como em: "É importante [ele chamar a polícia]".
A ORAÇÃO COMPLEXA 137
136 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
Um outro fato a ser observado é que as orações subjetivas quase sempre
No primeiro caso, dizemos que a oração subordinada substantiva é DE-
aparecem depois de sua oração principal, como se pode ver nos exemplos
SENVOLVIDA. No segundo, dizemos que é REDUZIDA DE INFINITIVO. Em
anteriores, com exceção dos exemplos de orações justapostas. Isso ocorre pelo
alguns casos, a oração substantiva é simplesmente justaposta à principal, sem
fato de as orações subjetivas não serem sujeitos prototípicos, configurando
conjunção e sem verbo no infinitivo, como em:
situação semelhante a construções como aconteceu um acidente e sobraram
[Quem canta] seus males espanta.
doces, discutidas no item 5.7 do capítulo anterior.
Não sabia [como ia descer dali].
Ele disse: [não saia daqui].
b. Substantivas objetivas diretas
Classificação das orações substantivas As orações substantivas objetivas diretas funcionam como objeto direto
a. Substantivas subjetivas do verbo de sua oração principal. Exemplos:

As orações substantivas subjetivas têm a função de sujeito da oração DESENVOLVIDAS


principal. Exemplos: Tom Jobim disse uma vez [que a inspiração para as suas canções não vinha só de
praias cariocas]7.
DESENVOLVIDAS António Maria contou [que uma vez ia num táxi guiado por um chofer português
Convém [que, no período entre exames, o candidato se preocupe com lazer]. velho, bigodudo, calado, de cara triste]8.
É importante [que os autores sejam sensíveis ao sentimento de seus públicos].
É claro [que os computadores pessoais vão continuar evoluindo]. A conjunção que introduz as orações objetivas diretas é normalmente
É sabido [que as células de combustível fornecem energia limpa].
que, chamada pela tradição gramatical de conjunção integrante. Há, porém,
Diz-se [que Napoleão era um homem erudito].
uma outra conjunção integrante, se, que é empregada sempre que o conteú-
REDUZIDAS DE INFINITIVO do da oração objetiva direta é encarada como algo incerto pelo autor do
Convém [observar sempre a cor das alfaces e a consistência dos tomates].
texto. Exemplos:
Convém [lembrar que o tribunal do júri surgiu na Inglaterra medieval como uma
forma] de diminuir a influência do rei, que nomeava os juizes a seu bel-prazer6. É besteira. "O Congresso tem poder para decidir sozinho" - é um truísmo. Poder,
É importante [saber desenhar]. o Congresso tem. Resta saber [se a população está de acordo]9.
Algum tempo hesitei [se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim],
JUSTAPOSTAS
isto é, [se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou minha morte]10.
[Quem canta] seus males espanta.
[Quem chegou primeiro] levou todos os exemplares.
No primeiro exemplo, a população estar de acordo com o Congresso não
Normalmente, as orações subjetivas surgem ligadas a verbos como é uma certeza para o autor. No segundo, abrir as memórias pelo nascimento
convir, cumprir, importar, ocorrer, constar, predicados na voz passiva com ou pela morte do autor ainda é uma dúvida.
ser, como é sabido, foi anunciado, ficou provado, predicados na voz passiva
pronominal como sabe-se, diz-se, ou, ainda, construções com o verbo ser 7. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1.1.1997, caderno l, p. 4.
8. Rubem Braga, Ai de ti, Copacabana, p. 33.
mais predicativo, como é bom, é claro, é certo etc.
9. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1.1.1997, caderno l, p. 2.
10. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 15.
6. Folha de S. Paulo, São Paulo, 22.6.1997, caderno l, p. 2.
A ORAÇÃO COMPLEXA 139
J38 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
)
REDUZIDAS JUSTAPOSTAS
) A resistência francesa obedeceu [a quem tinha controle da situação,,durante a
(Cari Sagan) não descarta a possibilidade de que possa haver discos voadores.
Só que, para sua decepção, diz [não ter encontrado nenhuma evidência real de sua ) invasão da Normandia].
existência]11. Deu o dinheiro [a quem ia efetuar o pagamento].
)

No dia seguinte, estando na Rua do Ouvidor, à porta da tipografia do Plancher, vi )


[assomar, a distância, uma mulher esplêndida]12.
Essas duas orações subordinadas justapostas são exemplos raros de
)
objetivas indiretas prototípicas. Em ambos os casos, elas representam o
JUSTAPOSTAS l
beneficiado pela ação do verbo da oração principal.
[ - Está muito calor] - disse ela, logo que acabamos - [Vamos ao terraço?]13 )

> d. Substantivas completivas nominais


c. Substantivas objetivas indiretas
Funcionam como complemento nominal de algum termo da oração
Como vimos no estudo da oração simples, o objeto indireto prototípico
principal:
é aquele que representa o argumento dativo, a pessoa beneficiada (ou pre-
judicada) pela ação do verbo, como ocorre em: "A Unicef deu um prémio DESENVOLVIDAS
Tinha a sensação [de que estava sendo vigiado].
ao governador do Ceará". Nos manuais americanos, vem a recomendação [de que sejam descartadas as ba-
Esse objeto indireto prototípico raramente aparece sob forma oracional. terias de telefones celulares, conforme a legislação de cada Estado].
As orações substantivas objetivas indiretas abrangem, portanto, qualquer
oração regida de preposição que complemente o verbo da oração principal. REDUZIDAS
Tive a sensação [de ter pegado o bonde andando].
Exemplos: Tinha raiva [de levantar cedo].

DESENVOLVIDAS
e. Substantivas predicativas
O cacique lembrou-se [de que seus antepassados se comunicavam por sinais de
fumaça]. Funcionam como predicativo do sujeito da oração principal. Exem-
Começaria por informar meus leitores [de que teologia é uma brincadeira, plos:
parecida com o jogo encantado das contas de vidro] que Hermann Hesse descre-
veu, algo que se faz por puro prazer, sabendo que Deus está muito além de nossas DESENVOLVIDAS
tramas verbais14. A previsão era [que o número de desabrigados aumentasse].
Até recentemente, o sentimento comum era [que a luta contra as doenças infec-
ciosas estava ganha].
REDUZIDAS
Ninguém se lembrou [de desligar a luz].
REDUZIDAS
Ele sempre gostou [de nadar].
Entre nós não há vergonha na pobreza, mas a maior vergonha é [não fazer o pos-
sível] para evitá-la15.
Ser livre é [não ser escravo]; é [agir segundo a nossa cabeça e o nosso coração]16.
11. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1.1.1997, caderno 4, p. 9.
12. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Eras Cubas, p. 80.
13. Idem, ibidem.
15. Péricles - Oração Fúnebre. Em Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, p. 99.
14. Rubem Alves, O Quarto do Mistério, p. 138.
16. Cecília Meireles, Escolha seu Sonho, p. 10.
140 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÀO A ORAÇÃO COMPLEXA 141

/ Substantivas apositivas Você precisa lavar os pratos [que estão sujos], (pratos que estão sujos equivale a
pratos sujos).
Funcionam como aposto de um termo da oração principal. Exemplos:

DESENVOLVIDAS As orações adjetivas podem ser restritivas ou explicativas. As restritivas,


Apenas uma coisa me preocupava: [que ele tivesse perdido as chaves.] como o próprio nome diz, restringem o âmbito do substantivo ou pronome
Ela me deu dois recados: [que eu fosse ao banco] e [que pagasse a conta da luz]. antecedente. Vejamos a seguinte frase:

REDUZIDAS Lave os pratos [que estão sujos].


O que caracteriza o funcionário fantasma é o fato [de ele embolsar o dinheiro da
viúva com o suor do rosto dos outros]". Do conjunto total dos pratos, a oração adjetiva afeta apenas uma parte
Como você teve a ideia [de escrever aquele roteiro]? deles: aqueles que estão sujos.
Já a oração explicativa afeta a totalidade do seu antecedente. Exemplo:
Como vimos no capítulo anterior, a ideia de aposto fundamenta-se na
A única igreja da cidade, [que ficava na praça principal], era o ponto de encontro
identidade. No primeiro exemplo, que ele tivesse perdido as chaves identifica-
daquela comunidade.
-se com coisa. No segundo exemplo, ele embolsar o dinheiro da viúva com o
suor do rosto dos outros identifica-se com/ato. E, no terceiro exemplo, escrever As orações explicativas são separadas da oração principal por uma que-
o roteiro identifica-se com ideia. bra de ligação entoacional que se manifesta, na escrita, pelo uso da vírgula.
JUSTAPOSTAS Vejamos as duas frases a seguir:
Outro ingrediente para um casamento feliz: [orce o supérfluo primeiro]18. As fazendas paulistas [que são improdutivas] devem ser desapropriadas.
Siga meus conselhos: [mantenha as mãos longe da agenda dela]. As fazendas paulistas, [que são improdutivas], devem ser desapropriadas.

g. Substantivas com função de agente da passiva


Na primeira delas, temos uma oração restritiva. O entendimento é que
Essas orações apresentam-se sempre de forma justaposta, regidas da apenas algumas fazendas paulistas são improdutivas. Já, na segunda, que é
preposição por ou de. Exemplos: explicativa, o entendimento é que todas elas são improdutivas.
Foi criticado [por quantos o conheciam]. Muitas vezes, as orações explicativas são utilizadas de maneira aparente-
Esse telefonema foi dado [por quem agrediu a vítima]. mente redundante. Suponhamos a seguinte frase:
O homem, [que é racional], ainda é capaz de matar seus semelhantes de forma
cruel.
6.5 ORAÇÕES SUBORDINADAS ADJETIVAS

Orações adjetivas modificam um substantivo ou pronome da oração O fato de o homem ser racional é uma obviedade. Por esse motivo, a
anterior, da mesma maneira que um adjetivo o faria. Exemplo: oração explicativa é redundante, do ponto de vista informativo. Depreen-
de-se, entretanto, uma intenção argumentativa do autor. Ê como se ele
17. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1.1.1997, caderno l, p. 7. dissesse:
18. Robert Heilen, Amor sem Limites, p. 283.
A ORAÇÃO COMPLEXA 143
142 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
Os produtos [a serem exportados] deverão pagar menos impostos no ano que
O homem, [apesar de ser racional], ainda é capaz de matar seus semelhantes de
) vem.
forma cruel.
)
c. Orações adjetivas reduzidas de gerúndio
Em casos com esse, a oração explicativa assume um valor pragmático )
de concessão. Outro exemplo: l Havia um comprador [reclamando do atendimento].

» Ouviu uma voz [xingando o bandeirinha].


O homem, [que é racional], saberá evitar uma catástrofe nuclear.

Nesse caso, a oração adjetiva explicativa assume um valor pragmático 6.6 ORAÇÕES SUBORDINADAS ADVERBIAIS
de causa.
As orações adjetivas são introduzidas normalmente pelos pronomes As orações adverbiais exercem a função de adjuntos adverbiais de suas
relativos que, qual, quem, cujo e pelos advérbios como, quanto e onde, quando orações principais. São as seguintes:
tiverem antecedente. Exemplos:
a. Causais
Há muitas pessoas [que sofrem o mal da solidão].
Houve muitas mulheres de marinheiros russos [as quais exigiam providências do DESENVOLVIDAS
governo sobre o desaparecimento do submarino]. As orações causais desenvolvidas são introduzidas pelas seguintes con-
Gostamos de presentear as pessoas [a quem amamos]. junções e locuções conjuntivas: porque, pois, como, porquanto, por que, uma
As Valsas de Esquina são as peças mais conhecidas de Francisco Mignone, [cujo vez que, visto que, visto como, por isso que, já que. Exemplos:
centenário se comemorou em 1997].
Teologia não é rede que se teça para apanhar Deus em sua malhas, [porque Deus
Falta imaginação em tudo [quanto é "mensagem do além", profecia mística ou relato
de pessoas sequestradas por discos voadores]. não é peixe], mas vento que não se pode segurar. ,.19
De acordo com a Fifa, a partida foi mantida em La Coruna [pois não haveria
O local exato [onde será construída a fábrica] ainda não foi revelado.
tempo] de marcá-la para um estádio neutro, [já que todos os ingressos estavam
vendidos]20.
Além de serem introduzidas por pronomes relativos, as orações adjetivas
Deixei-o nessa reticência, e fui descalçar as botas, [que estavam apertadas]21.
podem também apresentar-se como justapostas e reduzidas.
[Como a tramitação dos processos demora demais], os crimes prescrevem.
a. Justapostas
OBSERVAÇÃO
São justapostas as orações adjetivas introduzidas por um pronome inde-
A oração causal introduzida pela conjunção como deve obrigatoriamente
finido sem antecedente, regidas pela preposição de. Exemplos:
anteceder sua principal. Se invertermos as orações no último exemplo, o
Não vi nenhuma das assinaturas [de quem compareceu à inauguração]. resultado será uma sequência agramatical:
Não guardei o número [de quantos tiveram seu crédito cortado por inadimplência].

b. Orações adjetivas reduzidas de infinitivo


19. Rubem Alves, O Quarto do Mistério, p. 138.
As orações adjetivas reduzidas de infinitivo aparecem sempre regidas 20. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2.1.1997, caderno 3, p. 9.
21. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 67.
pela preposição a. Exemplo:
144 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO COMPLEXA 145

*Os crimes prescrevem, [como a tramitação dos processos demora demais]. *[E venceu], [viu], César veio.
*[Logo não pôde entrar no país], ele não tinha o visto.

REDUZIDAS DE INFINITIVO
O princípio que impede essa inversão é chamado de iconicidade tem-
As orações causais reduzidas de infinitivo são introduzidas por preposi-
ções como por, de, com, em, e locuções como por causa de, em consequência poral. Trata-se do princípio que leva os falantes de uma língua a representar

de, em vista de, em razão de etc. Exemplos: o mundo da maneira mais aproximada possível. Segundo esse princípio,
diremos: "Vera veio da Bahia para São Paulo" mas nunca: "Vera veio para
A previsão era que janeiro seria um mês de pouco movimento, [em vista de o con-
São Paulo da Bahia" porque, primeiramente, ela estava na Bahia e, depois,
sumidor estar com sua renda comprometida com despesas tradicionais desse período
do ano, como impostos e matrículas escolares]. em São Paulo.
Para o professor, o compositor alemão não teria notado os vários erros nas provas
[por estar muito ocupado com a redação da segunda de suas quatro sinfonias], que foram IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO
escritas entre os anos de 1876 e 188522. Também não é possível reduzir orações coordenadas, sem torná-las
agramaticais ou mudar o sentido:
DE GERÚNDIO
*O carteiro chega, [deixar-me uma carta].
[Não tendo a intenção de ferir o adversário], apenas tocou a bola para fora do
campo. *Césarveio, [vindo] e [vencendo].
*Ele não tinha o visto [não poder entrar no país].

• Distinção entre orações causais e explicativas


As orações subordinadas não sofrem essas duas restrições. Se tivermos
Nem sempre é fácil distinguir orações subordinadas adverbiais
uma oração complexa como: "Ela não saiu, [porque estava frio]" podemos,
causais de coordenadas explicativas. Duas características das orações
facilmente, criar outra versão, invertendo a ordem das orações como em:
coordenadas, contudo, me parecem um critério seguro para uma deci-
"[Porque estava frio], ela não saiu", ou ainda uma outra, reduzindo a oração
são: a iconicidade temporal e a impossibilidade de redução de uma oração
subordinada: "Ela não saiu, [por estar frio]".
coordenada.
Fazendo as duas coisas ao mesmo tempo, teríamos: "[Por estar frio],
ICONICIDADE TEMPORAL ela não saiu".
Quando temos orações coordenadas como: Imaginemos, agora, duas orações sobre as quais recai a dúvida a respeito
Chega o carteiro [e me deixa uma carta]. de serem coordenadas explicativas ou subordinadas adverbiais causais:
César veio, [viu] [e venceu].
Saia logo, [porque o avião vai explodir].
Ele não tinha o visto, [logo não pôde entrar no país].
Saiu à rua, [porque estava quente dentro de casa].

não é possível inverter a ordem das orações, dizendo:


No primeiro exemplo, não podemos inverter as orações, nem reduzir
*[E me deixa uma carta] chega o carteiro. a segunda:
* [Porque o avião vai explodir], saia logo.
22. Folha de S. Paulo, São Paulo, 8.2.1997, caderno 4, p. 7.
146 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO COMPLEXA 147

*Saia logo, [por ir o avião explodir]. atualmente, dizer que as orações introduzidas por como se são orações
comparativas com conotação de hipótese.
l
No segundo exemplo, é possível tanto a inversão quando a redução: O compositor Chico Buarque de Holanda compôs, em 1971, uma mú-
>
[Porque estava quente dentro de casa], saiu. sica de grande sucesso, quase que inteiramente construída sobre esse tipo
l
Saiu, [por estar quente dentro de casa]. de subordinação. Vejamos alguns trechos dela:

Concluindo; no primeiro exemplo, a segunda oração é uma coordenada CONSTRUÇÃO


explicativa e, no segundo, a segunda oração é uma adverbial causal. Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
b. Comparativas E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
As orações comparativas equivalem a um adjunto adverbial de compa- Subiu a construção como se fosse máquina
ração. Apresentam-se sempre como orações desenvolvidas. Podem exprimir '[...]
igualdade, superioridade ou inferioridade. Exemplos: Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
IGUALDADE
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
As comparativas de igualdade são introduzidas pela conjunção como E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
ou pelas locuções tal como, assim como etc. Exemplos: E flutuou no ar como se fosse um pássaro25.

Ele guia [como alguém que tenha bebido pelo menos duas doses].
SUPERIORIDADE
São os modelos anónimos que "emprestam seus traços à imagem nascida da ima-
ginação do artista fotógrafo", [tal como ocorrera por anos com a pintura]23. As comparativas de superioridade são introduzidas pelas conjunções
que, do que, em correlação, na oração principal, com a palavra mais ou
Às vezes, há uma conotação de hipótese na comparação, pelo emprego maior. Exemplos:
da locução como se: "Trabalhava [como se o mundo fosse acabar amanhã]".
A malária ataca anualmente, em todo o mundo, 300 milhões de pessoas e mata
Essa locução é o resultado de um processo de gramaticalização24 que
mais [que a Aids tem matado].
concentrou, em uma única oração, duas orações. Originalmente, teríamos:
Os produtos eletrônicos são mais baratos em países como a Bolívia e o Chile. Em
Trabalhava [como trabalharia] [se o mundo fosse acabar amanhã]. média, chegam a custar, no Brasil, 20% mais [do que custam os equivalentes vendidos
nesses países].
Nessa oração complexa, a conjunção como introduz uma oração com-
parativa e o se, uma condicional. Constatada a gramaticalização, basta,
embora em: "Embora fosse cedo, todos saíram", temos uma gramaticalização, porque embora,
antigamente, queria dizer em boa hora. Quando conjugamos um verbo como Eu tinha via-
23. Folha de S. Paulo, São Paulo, 10.1.1997, p. 5. jado, o verbo ter, nesse contexto, perde o significado de possuir, gramaticalizando-se, para
24. Processo pelo qual uma palavra ou expressão perde, ao longo da história da língua, ser apenas um verbo auxiliar.
ou em diferentes contextos, seu sentido ou sua função original. Quando usamos a conjunção 25. Chico Buarque de Holanda, Chico Buarque Perfil, CD.
A ORAÇÃO COMPLEXA 149
148 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
REDUZIDAS DE INFINITIVO
INFERIORIDADE
As concessivas reduzidas de infinitivo são introduzidas pelas preposições
As comparativas de inferioridade são introduzidas pelas conjunções
ou locuções: apesar de, não obstante, sem embargo de etc. Exemplos:
que, do que, em correlação, na oração principal, com a palavra menos ou
menor. Exemplos: [Apesar de ter sido um homem afetado, confuso e de comportamento um tanto
grotesco], Wilde se humanizou depois de passar dois anos na prisão.
Os fogos duraram menos [do que prometeram os organizadores]. O grande paradoxo que envolve a produção das artes plásticas deste país é que ela,
A economia do país cresceu menos [do que seria desejável]. [não obstante possuir sua ostensiva e intrínseca visibilidade], conserva-se invisível28.

c. Concessivas DE GERÚNDIO
É engraçado como as pessoas, [mesmo estando a tantos quilómetros de distância],
As orações concessivas colocam um obstáculo à execução da ação da continuam a reproduzir as mesmas relações da terra natal.
oração principal, mas não a impedem de ser realizada. Exemplo: "[Embora Prefira aqueles descascadores de legumes com cabo de borracha: [mesmo estando
chovesse], saiu de casa". Chover é um obstáculo a sair de casa, mas não im- com as mãos molhadas], eles não escorregam.
pede que se saia de casa.
DE PARTICÍPIO
DESENVOLVIDAS [Mesmo afastado do mandato], o deputado queria ter o controle sobre a apresen-
tação de emendas pelo suplente.
As orações concessivas desenvolvidas são introduzidas pelas seguintes
O artigo 207 do futebol estipula que, [mesmo suspenso], o time é obrigado a jogar
conjunções e locuções conjuntivas: embora, ainda que, ainda quando, mesmo
o torneio em que estiver inscrito.
que, conquanto, bem que, se bem que, posto, posto que, sem que, nem que,
apesar de que, por muito que, por mais que etc. Exemplos: d. Condicionais

[Embora o tio-avô Herculano Bandeira de Melo tivesse sido eleito governador do DESENVOLVIDAS
Estado, em 1908], o pai de Assis Chateaubriand se recusava a aceitar qualquer facilidade As orações condicionais desenvolvidas são introduzidas pela conjunção
vinda da política oficial, permanecendo como fiscal da alfândega26. se e também pelas locuções: salvo se, exceto se, desde que, a menos que, a não
[Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos], se não tiver caridade, sou ser que etc. Exemplos:
apenas um bronze que soa e um címbalo que tange27.
[Mesmo que não saiba resolver a questão por inteiro], demonstre até que ponto [Se as previsões estiverem certas], o partido republicano será vencedor.
seu raciocínio chegou. O desarmamento funciona [desde que a polícia combata o contrabando].
Não se muda um líder [a não ser que haja algum fato novo].
[Por muito que ele tenha melhorado], demorou quatro anos para vencer sua pri-
meira corrida.
JUSTAPOSTAS
[Tivesse ele morrido a seguir], as suspeitas seriam inevitáveis.
[Saísse de casa sem agasalho], pegaria um resfriado daqueles!

26. Fernando Moraes, Chato - O Rei do Brasil, p. 67.


27. Bíblia Sagrada, trad. dos textos originais, com notas, dirigida pelo Pontifício Instituto
28. Folha de S. Paulo, São Paulo, 10.1.1997, caderno 4, p. 6.
Bíblico de Roma. São Paulo, Ed. Paulinas, 1967.
J50 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO COMPLEXA 151

REDUZIDAS DE INFINITIVO Nas salas de projeção modernas, as cadeiras são colocadas [de modo que o espec-
As reduzidas de infinitivo são introduzidas pelas preposições ou locu- tador fique pelo menos meio corpo acima da pessoa a sua frente].

ções: a, na hipótese de, no caso de etc. Uma jabuticabeira transplantada tem de ser colocada num buraco já preparado
para recebê-la, [deforma que suas faces fiquem viradas para os mesmos pontos cardeais
[A acreditar nas boas intenções do governo], a fome deveria ter sido erradicada do antigo endereço].
há anos.
[Na hipótese de chegarem mais convidados], é preciso avisar a cozinha. Nos casos em que a oração consecutiva é introduzida pela conjunção
[No caso de a água do sistema de arrefecimento/erver], não abra a tampa do radiador. que, ela aparece em correlação com palavras como tão, tanto etc.

DE GERÚNDIO Walt Disney não inventou o desenho animado, mas destacou-se tanto em seu
[Tocando o alarme], desligue o forno. trabalho [que muita gente o tem como o inventor desse produto].
[Comprando a prazo], não se esqueça de calcular a taxa de juros. Raramente a dor chega a provocar a morte, mas, em alguns casos, o impacto
doloroso é tão intenso [que a pessoa sofre uma reação de choque, com a perda dos
DE PARTICÍPIO sinais vitais].
[Feita com má-fé], toda falta deveria levar à expulsão do jogador.
[Pago fora de prazo], o valor do condomínio será acrescido de multa. REDUZIDAS DE INFINITIVO
As orações consecutivas podem aparecer reduzidas de infinitivo,
e. Conformativas
introduzidas pelas preposições e locuções de, para, sem, a ponto de etc.
As orações conformativas são introduzidas pelas conjunções conforme, Exemplos:
como, consoante e segundo. Exemplos:
No Pelourinho você encontra um calor [de rachar a cabeça], objetos "kitsch" para
[Conforme diz o diretor da escola de paraquedismo], o principiante é sempre turistas e até mesmo música "pop".
acompanhado de dois instrutores.
Em Vidas Secas, Graciliano Ramos mostra o quanto seus personagens são pobres
Tamanho é documento e território, poder, [como dizia o Barão de Rio Branco]. por dentro, [a ponto de quase não conseguirem expressar-se verbalmente].
[Segundo pensava Platão], havia um mundo das ideias que era imutável.
[Consoante dispõe a lei], poderá o relator determinar o sobrestamento do processo. g. Finais

f. Consecutivas DESENVOLVIDAS

As orações finais desenvolvidas são introduzidas pelas conjunções e


DESENVOLVIDAS
locuções que, para que, afim de que. Exemplos:
As orações consecutivas desenvolvidas são introduzidas pelas conjun-
ções ou locuções: que, deforma que, de modo que, tanto que etc. Fiz-lhe sinal [que entrasse].

Nosso corpo necessita do colesterol para regular a produção hormonal e formar Às 13hlO, o avião realizou uma manobra de aproximação da pista [para que a
fibras musculares, [tanto que nosso próprio fígado expele um fluxo ininterrupto, a cha- torre de controle do aeroporto fizesse uma verificação visual do estado do trem de
mada produção endógena]29. pouso].

As testemunhas foram levadas à delegacia [afim de que se fizesse um retrato falado


29. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5.1.1997, p. 23. do suspeito].
152 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO COMPLEXA 153

REDUZIDAS DE INFINITIVO Caí [como sei cair], em posição militar, pronto a repelir qualquer ofendimento34.
As orações finais podem também apresentar-se reduzidas de infinitivo. Viver não pude [sem que o fel provasse
São introduzidas pelas preposições para, a, de, por ou pela locução afim de. Desse outro amor] que nos perverte e engana35.

Exemplos: Diminuindo os prazos de financiamento, o consumo recua [sem que seja preciso
mexer nos juros].
Mas, uma noite, levantaram-me da cama, enrolada num lençol e, estremunhada,
levaram-me à janela [para me apresentar à força ao temível cometa]30. REDUZIDAS
O sistema de autocensura classificatória foi adotado pelas emissoras [a fim de
É mais comum as orações modais apresentarem-se sob forma reduzida
proteger as crianças de programas com violência e sexo].
de gerúndio, como nos exemplos:
Quando não podia estar comigo, levava-me para a mulher [...]. Não estava magra,
estava transparente; era impossível que não morresse de uma hora para outra. O capitão Um beija-flor azul corta o retângulo da janela no seu voo elétrico e se imobiliza
fingia não crer na morte próxima, talvez [por enganar-se a si mesmo]31. no ar, [zunindo]36.
Ainda é tempo [de você se arrepender].
O meu olhar é nítido como um girassol.
h. Locativas32 Tenho o costume de andar pelas estradas
[Olhando para a direita e para a esquerda],
As orações locativas são equivalentes a um adjunto adverbial de lugar. E, de vez em quando, [olhando para trás. ..]37
São sempre desenvolvidas justapostas e introduzidas pelo advérbio onde.
Exemplos: Apresentam-se também essas orações em forma reduzida de infinitivo,
especialmente em Portugal, como neste exemplo de Miguel Torga:
Cabral navegava [por onde já tinham navegado Vasco da Gama e outros grandes
navegadores portugueses]. A heroína da minha história triste entrava no palco [a sorrir]. A vida é, de fato,
O seu tesouro está [onde está seu coração]. alegre. Eu é que estava, estupidamente, cada vez mais comovido38.

/. Modais^, j. Proporcionais

As orações modais exprimem o modo, a maneira, o meio pelo qual As orações proporcionais são sempre desenvolvidas. Podem ser simples

acontece o evento contido na oração principal. ou correlatas. Quando simples, são introduzidas pelas locuções à proporção
que, à medida que. Exemplos:
DESENVOLVIDAS
A realidade só interessa [àproporção que o imaginário toma conta dela].
Raramente, as orações modais apresentam-se sob forma desenvolvida. A previsão para hoje é de chuvas mais fracas, [à medida que se desloca a frente fria]
Quando isso acontece, são introduzidas pelas conjunções como, ou pela que estava estacionada sobre o oceano.
locução sem que. Exemplos:

34. José Cândido de Carvalho, O Coronel e o Lobisomem, p. 178.


30. Cecília Meireles, Escolha o seu Sonho, p. 87. 35. Olavo Bilac, Via Láctea, p. 121.
31. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 46. 36. Rubem Braga, Ai de ti, Copacabana, pp. 46-47.
32. As orações locativas não são reconhecidas pela Nomenclatura Gramatical Brasileira. 37. Fernando Pessoa, Obra Poética, p. 204.
33. As orações modais não são reconhecidas pela Nomenclatura Gramatical Brasileira. 38. Miguel Torga, em Presença da Literatura Portuguesa, p. 308.
154 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO A ORAÇÃO COMPLEXA 155

Quando correlatas, são introduzidas por termos como: mais, tanto O McDonalds decidiu só adicionar o tomate e a alface [depois de aquecer o san-
duíche no micro-ondas] porque, se fizer isso antes, esses itens ficam mais murchos que
mais, menos, tanto menos, correlacionados, na oração principal, com resto de feira.
termos como quanto mais, quanto menos, quanto melhor, quanto pior.
Exemplos: )
REDUZIDAS DE GERÚNDIO
[Chegando a uma chácara com um casebre], ficou por duas horas esperando o
Quanto mais rezo, [mais assombração aparece]. ) guerrilheiro que prometera dar uma entrevista.
Quanto mais ampla for a revolução da informação, [maior será a necessidade de ) Certa vez, [viajando ao Egito], observei que todas as pessoas me olhavam e con-
treinamento contínuo]. ) versavam em voz baixa, entre si.
Quanto mais quente for a água do mar, [mais haverá plâncton]. )
Segundo analistas, quanto menor o "tamanho" do freguês, [maior o custo do em- )
REDUZIDAS DE PARTICÍPIO
préstimo bancário]. [Cumpridas as exigências do FMI], o país poderá conseguir novos empréstimos.
)
[Bem/eiías as contas], não são penas para travesseiros os supérfluos mais supérfluos
)
Muitas vezes, essas orações são reduzidas a expressões como: que o Brasil passou a importar na esteira da abertura da economia39.
í
Menor atrito, [maior velocidade].
)
Menor prazo, [maior a prestação].
l
CONCLUSÃO
/. Temporais
Fiz, neste capítulo, uma exposição dos tipos de oração que compõem
DESENVOLVIDAS as orações complexas em português e suas formas de apresentação. É fun-
As orações temporais desenvolvidas são introduzidas pelas seguintes damental, porém, que o leitor entenda que o importante não é dar nomes às
conjunções ou locuções conjuntivas: quando, enquanto, antes que, depois que, orações, mas observar como elas se integram dentro de um texto, guiadas
desde que, que, logo que, assim que, até que, apenas, mal, sempre que, tanto pelas intenções do autor, no gerenciamento de suas informações e emoções.
que, agora que, primeiro que, todas as vezes que, cada vez que. Exemplos:
[Quando a luz verde acender], aperte o botão.
REFERÊNCIAS
Nascemos antes dos cartões de crédito, do telefone celular, [antes que o homem
pisasse na Lua]. ACADEMIA Brasileira de Letras.Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, 5a ed.
Imagine um país onde, [logo que você chega], o calor infernal parece deixar até seu São Paulo, Global, 2009.
cérebro em câmera lenta. ALVES, Rubem. O Quarto do Mistério. Campinas, Papirus, 1995.
AMORA, António Soares; MOISÉS, Massaud & SPINA, Segismundo. Presença da Literatura
Há muito tempo [que não o vejo]. (= desde que não o vejo)
Portuguesa (vol. III). São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1961.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. Rio de Janeiro, Record, 1997.
REDUZIDAS DE INFINITIVO Assis, Joaquim Maria Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo, Abril
São introduzidas pela preposição a e pelas preposições e locuções: após, Cultural, 1997.
. Dom Casmurro. São Paulo, Abril Cultural, 1997.
até, de, antes de, depois de, sem. Exemplos:
[Ao chegar}, todos recebem o mesmo tratamento. 39. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1.1.1997, caderno l, p. 2.
156 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana. Rio de Janeiro, Record, 1997.


CÂNDIDO, António & CASTELLO, José Aderaldo. Presença da Literatura Brasileira (vol.
III). São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1964.
CARVALHO, José Cândido. O Coronel e o Lobisomem. Rio de Janeiro, José Olympio, 1971.
HEINLEIN, Robert. Amor sem Limites. Rio de Janeiro, Record, 1973.
HOLANDA, Chico Buarque de. Chico Buarque Perfil. Manaus, Globo/Polydor, 1993, CD.
HOUAISS, António. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa. São Paulo, Objetiva,
ISBN 978857302970-3.
MEIRELES, Cecília. Obra Poética. Rio de Janeiro, Aguilar, 1985.
. Escolha o seu Sonho. Rio de Janeiro, Record, s/d.
MORAES, Fernando. Chato, o Rei do Brasil. São Paulo, Cia. das Letras, 1994.
PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro, Aguilar, 1969.
CONCORDÂNCIA
RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Panorama da Poesia Brasileira (v. III - Parnasianismo).
Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1959.
TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Brasília, Ed. Universidade de Brasília, 1986.
l
Concordância é um processo pelo qual as marcas de número e. pessoa de
substantivos ou pronomes são assumidas por verbos e as marcas de género
e número de substantivos são assumidas por adjetivos, artigos, pronomes e
alguns numerais. Vejamos a seguinte frase:
As nuvens negras cobriam o horizonte.
)

O substantivo nuvens tem as marcas defeminino, plural e terceira pessoa.


As marcas defeminino e plural são assumidas pelo adjetivo negras e pelo
artigo as. As de plural e terceira pessoa são assumidas pelo verbo cobrir,
que fica cobriam. A concordância que envolve adjetivos, artigos, pronomes
e alguns numerais é chamada de concordância nominal. O caso de "As nu-
vens negras" configura, portanto, uma situação de concordância nominal.
A concordância que envolve o verbo é chamada de concordância verbal. É o
caso de "As nuvens negras cobriam".
Os processos de concordância delimitam, dentro de uma oração, agru-
pamentos de palavras em torno de substantivos e em torno de verbos:
[[As nuvens negras] cobriam [o largo horizonte].]

159
160 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

Isso facilita o entendimento do texto, uma vez que, quando ouvi-


mos ou lemos alguma coisa, seguimos inconscientemente as pistas de
concordância. No caso exemplificado, mesmo que fizéssemos alguma
mudança de ordem, o entendimento ficaria assegurado pelos processos
de concordância: CONCORDÂNCIA NOMINAL
As nuvens negras o largo horizonte cobriam.

Por esse motivo, podemos dizer que a concordância é um dos fatores


responsáveis pela coesão interna de uma oração.

Principiemos nosso estudo pela concordância nominal. A concordância


com artigos, pronomes e alguns numerais não oferece nenhum problema
em especial. Ninguém terá dúvidas em fazer a concordância em um trecho
como: todas as duas meninas. Ninguém hesitará, pensando se o certo seria
todo os dois meninas ou coisa semelhante. O assunto que pode oferecer al-
gum problema é a concordância do adjetivo com o substantivo, em algumas
situações especiais. Isso porque, na maior parte dos casos, também não há
dúvidas a respeito. Quando alguém diz as meninas bonitas, não fica hesitante
sobre se deve dizer as meninas bonito, por exemplo.
Vejamos, então, essas situações especiais:

7.1 PREPOSIÇÃO COMO BARREIRA PARA A CONCORDÂNCIA

Quando um grupo nominal contém uma preposição, ela funciona como


um elemento de divisão dentro desse grupo. Vejamos o seguinte exemplo:
"Uma vendedora de produtos de beleza". Esse grupo nominal se subdivide
em três:

161
CONCORDÂNCIA NOMINAL 163
162 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
blusas verdes
uma vendedora
pretas
/de/ produtos
brancas
/de/ beleza
amarelas

Cada um desses grupos é independente em termos de concordância.


A preposição tem aí um papel de barreira. Isso quer dizer que os traços de Os nomes de cor substantivos ficam invariáveis, como em:
género e número de cada um desses substantivos ficam circunscritos dentro
blusas cinza
de seu próprio grupo, não podendo ultrapassá-los. É por esse motivo que
rosa
o plural de uma frase como: "A mesa de madeira é grande" fica sendo: "As areia
mesas de madeira são grandes". laranja
O plural da palavra mesa afeta apenas o artigo a, tornando-o as. Não
afeta madeira que continua no singular. Acrescente-se a isso o fato de que Acontece, nesses casos, que a preposição de da expressão cor de, implícita
substantivo não concorda com substantivo. no processo, bloqueia a concordância. Dizemos blusas areia, por economia.
Dentro desse princípio geral, podemos examinar os seguintes casos: Fica mais fácil do que dizer: blusas cor de areia.
Com os adjetivos derivados nomeando cores a situação é a mesma.
7.2 EXPRESSÕES INVARIÁVEIS Diremos raios infravermelhos, porque vermelho é adjetivo, mas raios ultra-
violeta, porque violeta é substantivo.
Locuções adjetivas como sem caráter e sem vergonha ficam no singular, O processo de bloqueio pela preposição aconteceu também, há muito
em sequências como: tempo, com certos adjetivos como alto, baixo, caro, barato, que podem hoje
A união entre vendedores sem vergonha e burocratas corruptos leva o Estado a ser empregados como advérbios em frases como:
comprar sempre mal.
Há mais heróis sem caráter no Brasil do que o Macunaíma de Mário de Andrade. Comprei barato essas blusas.
Elas estão falando baixo.

A preposição sem funciona como barreira.


Antigamente, essas palavras faziam parte de expressões corno em preço
barato, em preço caro, de modo alto, de modo baixo. Dizia-se:
7.3 NOMES DE COR
Comprei em preço barato essas blusas.
A língua portuguesa possui adjetivos para nomear algumas cores básicas: Elas estão falando de modo baixo.
preto, branco, verde, azul, amarelo, vermelho. Quando temos, entretanto, de
nomear uma cor diferente, lançamos mão de substantivos que nomeiam Por motivo de economia, essas expressões em que as preposições fun-
coisas que têm essa cor, como laranja, abóbora, rosa, cinza, vinho, creme etc. cionavam como barreira foram abreviadas e os adjetivos barato, caro, alto e
Os nomes de cor adjetivos concordam, obviamente, com os substantivos que baixo, reanalisados como advérbios.
estão modificando:
CONCORDÂNCIA NOMINAL 165
164 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

EXCEÇÃO celeste, quando tiverem o significado de cor, também são invariáveis.


A palavra lilás, um substantivo que nomeia uma flor de origem persa, hoje Exemplos: Comprei duas blusas marinho. Comprei duas blusas celeste.
em dia é interpretada como adjetivo. Por esse motivo dizemos: blusas lilases.
Esse fenómeno se chama gramaticalizaçao. Trata-se de um processo por meio
7.5 CONCORDÂNCIA COM PARTICÍPIOS
do qual uma palavra ou expressão perde sua significação original e ganha
outra, chegando, muitas vezes, a mudar de classe gramatical, como nesse caso. Os particípios verbais (assim chamados porque "participam" tanto da
natureza do verbo como do adjetivo) concordam sempre com seus sujeitos.
7.4 ADJETIVOS COMPOSTOS Exemplos:
i
l As viagens tinham sido suspensas.
Os adjetivos compostos são tratados, em termos de concordância, como Feitas as contas, ninguém saiu perdendo.
l
se fossem simples: apenas o segundo elemento vai para o plural. Exemplos: Completados os preparativos, iniciamos viagem.

relações luso-brasileiras )
conferência hispano-americana 7.6 CONCORDÂNCIA COM o PREDICATIVO
l
mulheres todo-poderosas

O adjetivo predicativo concorda normalmente com o substantivo mo-


Se o adjetivo composto estiver nomeando uma cor, o princípio é o mes-
dificado por ele, seja sujeito ou objeto. Exemplos:
mo. Diremos: blusas verde-claras / blusas azul-escuras. Diremos, entretanto:
blusas verde-limão / blusas azul-piscina.
PREDICATIVO DO SUJEITO
Nesses dois últimos exemplos, como o segundo elemento é um subs- O meu olhar é nítido como um girassol. (Alberto Caeiro)
tantivo, fica valendo o princípio da preposição como barreira, implícita na
expressão cor de (blusas verde cor de limão). PREDICATIVO DO OBJETO
O Rio Grande do Sul pediu 100 mil doses de vacina emprestadas ao governo do
Uruguai.
EXCEÇÕES: As oposições da corte portuguesa consideravam as navegações dispendiosas demais.
a) o adjetivo composto surdo-mudo, em que ambos os elementos participam
do processo de concordância: crianças surdas-mudas. A explicação é
7.7 CONCORDÂNCIA EM ORAÇÕES EQUATIVAS
simples: quando dizemos blusas verde-claras, estamos falando de uma só
qualidade: a cor verde-clara. Quando dizemos, porém, crianças surdas-
Orações equativas são orações de predicado nominal em que tanto o
-mudas, estamos fazendo menção a duas características: surdez e mudez.
sujeito quanto o predicativo são substantivos. Exemplos:
A concordância é feita, portanto, por iconicidade (ver p. 168).
b) os adjetivos azul-marinho e azul-celeste também são invariáveis. Dizemos, O uísque é o melhor amigo do homem.
O uísque é o cachorro engarrafado. (Vinícius de Moraes)
pois: blusas azul-marinho e blusas azul-celeste. As palavras marinho e
166 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO CONCORDÂNCIA NOMINAL 167

Em uma oração de predicado nominal comum, o adjetivo predicativo, É possível, contudo, "caçar" na linguagem literária alguns exemplos de
como vimos, concorda com o sujeito, e o verbo ser acompanha essa con- concordância no singular, sobretudo quando o sujeito é um pronome, como
cordância, alinhando-se com o sujeito, como em: "As meninas são lindas". num exemplo citado há pouco, que repito aqui para maior clareza:
Examinando a oração "O uísque é o melhor amigo do homem", podería-
O rebanho é os meus pensamentos. (Fernando Pessoa)
mos dizer que é a mesma coisa: que o substantivo predicativo concorda com Tudo é flores no presente. (Gonçalves Dias)
o sujeito e o verbo ser acompanha essa concordância. Mas, como explicar a
concordância em orações como: A impressão inicial é de absoluta desordem, mas podemos achar um
»
) padrão, principiando pela análise da concordância verbal. O motivo de o
O principal problema são as reservas em moeda estrangeira.
Essas crianças são um choro só. l verbo ser concordar, na maioria das vezes, com o termo no plural explica-
Minha sala são duas cadeiras e uma mesa. l -se pelo fato de que o plural é uma/orma marcada, tal como o feminino, ao
contrário do singular e do masculino, que são formas não marcadas. Quando
ou em outros exemplos mais literários, comumente citados pelas gramáticas dizemos que o gato é um animal doméstico, o género masculino e o número
do português, em que o substantivo sujeito é substituído por um pronome
singular não são marcados para esse género e esse número, exclusivamente.
substantivo indefinido ou demonstrativo:
A referência serve não apenas para um único gato macho, mas para todos os
Eram tudo travessuras de crianças. (Machado de Assis) gatos e gatas do planeta. Já, quando dizemos que as gatas estavam grávidas,
Isto são coisas que digo, que invento, para achar a vida boa... (Cecília Meireles) a referência é marcada, especificamente, para um número restrito desses
Tudo é flores no presente. (Gonçalves Dias)
animais, todos do sexo feminino.
Os poucos exemplos de concordância do verbo ser com o termo no
A primeira coisa que podemos verificar, nesses exemplos, é que não
singular podem ser explicados como expedientes para colocar em foco esse
existe concordância nominal. Sujeito e predicativo podem pertencer a gé-
termo. Mas... e a concordância nominal? Se por um lado uma frase como
neros e números diferentes:
"Essas crianças são um choro" só é perfeitamente aceitável, outras como
problema reservas *"Aquelas meninas são irmão" ou ^"Marcelo e Fernando são atleta" são
[masc., sing.] Ifem., pi]
flagrantemente malformadas.
crianças choro O princípio teórico de que substantivo não concorda com substanti-
\fern., pi.] [masc., sing. vo e mais todos os exemplos citados de frases bem formadas em que não
existe concordância de género e/ou número, entre sujeito e predicativo,
Verificando a concordância verbal, percebemos que há uma tendência
nos levam à evidência de que NÃO EXISTE CONCORDÂNCIA FORMAL
de o verbo ser concordar com o termo que está no plural:
ENTRE SUJEITO E PREDICATIVO EM ORAÇÕES EQUATIVAS1. Mas, como
problema são reservas explicar então as orações equativas que exigem alinhamento de género e
crianças são choro
Tudo eram travessuras
—TI 1. Entende-se como concordância formal a que existe entre a forma de um adjetivo e o
Isto são coisas
substantivo por ele modificado como em as meninas são bonitas.
168 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO CONCORDÂNCIA NOMINAL 169

número entre sujeito e predicativo? A resposta é que não se trata aqui de reflete também a perspectiva imposta sobre o mundo pelo falante. Pensar de
concordância formal, mas de concordância por iconicidade. outra maneira seria ingenuidade.

7.8 INTERVALO: EXPLICANDO MELHOR o PRINCÍPIO DA ICONICIDADE 7.9 VOLTANDO Às ORAÇÕES EQUATIVAS

Dissemos, há pouco, que não há concordância formal entre predicativo e


Iconicidade é um princípio cognitivo pelo qual se considera haver uma
sujeito nas orações equativas, mas simplesmente um "ajuste" fundamentado
relação natural (não arbitrária) entre a representação linguística de uma
no princípio da iconicidade. Explicando melhor, a ideia de identificar um
coisa ou fato e a própria coisa ou fato. Givón2 propõe um princípio básico
grupo de crianças com um choro só é perfeitamentente aceitável, como
de iconicidade, segundo o qual QUALQUER EXPERIÊNCIA É MAIS FACIL-
representação possível de uma percepção da realidade. O mesmo acontece
MENTE ARMAZENADA, RECUPERADA E COMUNICADA, SE O CÓDIGO
com uma sala em relação a duas cadeiras e uma mesa, ou a ideia de isto
FOR MAXIMAMENTE ISOMÓRFICO A ESSA EXPERIÊNCIA.
em relação a coisas e tudo em relação a travessuras. O mesmo, entretanto,
Muitas gramáticas do português recomendam para os substantivos
não acontece com aquelas meninas em relação a irmão, ou com Marcelo e
contralto, soprano o género masculino. Segundo essa lição, poderíamos ter
Fernando em relação a atleta. A ideia de aquelas meninas é incompatível,
um texto assim: "Na última apresentação da Tosca, no Teatro Municipal, o
iconicamente, com a de irmão, no singular e no masculino. A ideia de Mar-
contralto Maria da Silva cantou melhor que o soprano Vera da Silva".
celo e Fernando é incompatível, iconicamente, com a de atleta, no singular.
Mas, como as palavras contralto e soprano designam vozes femininas,
O alinhamento de género e de número nas orações equativas também se
dentro da tessitura da voz humana, é muito mais comum encontrar esses
explica, pois, apenas por iconicidade, dentro de um processo não formal
substantivos no género feminino, como em:
de concordância nominal.
A principal estrela estrangeira programada para dividir o palco com brasileiros é
uma das grandes cantoras de jazz, a contralto norte-americana Dianne Reeves3.
7.10 OUTRO CASO, NA CONCORDÂNCIA DO PREDICATIVO, EM QUE
Fechando a sessão "Os Favoritos de 96", em janeiro, o canal traz um especial sobre
a história do blues, no dia 27, um documentário sobre a série "Além da Imaginação",
INTERVÉM o PRINCÍPIO DA ICONICIDADE
nos dias 28 e 29, e ainda mostra o encontro da soprano Kiri Te Kanawa com o pianista
Com as locuções pronominais de tratamento, o predicativo não con-
André Previn, no dia 304.
corda em género com o sujeito, mas com o sexo da pessoa nomeada por
Por iconicidade, os substantivos contralto e soprano acabam sendo ele. Exemplo:
substantivos exclusivamente femininos. A imprensa diz que Vossa Excelência foi o grande derrotado.
A iconicidade, entretanto, não é um mero espelhamento da realidade
objetiva por meio da linguagem. Na verdade, a estrutura de uma língua O substantivo Excelência, com o qual o predicativo deveria concordar,
é uma palavra feminina. Entretanto, no texto acima, o então Senador Pedro
2. Talmy Givón, Mind, Code and Context, p. 97. Simon dirigiu-se ao então ministro José Serra, colocando derrotado no
3. Folha de S. Paulo, São Paulo, 18.3.1997, caderno l, p. 4.
4. Idem, 3.1.1997, caderno 4, p. 4. masculino (sexo do ministro). Isso acontece por iconicidade.
770 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO CONCORDÂNCIA NOMINAL 171

7.11 A EXPRESSÃO TAL QUAL Aqui, a única opção é o masculino plural. Se o adjetivo amarelo estivesse
concordando apenas com asas (afetando, consequentemente, apenas esse
Na expressão tal qual, o primeiro elemento concorda com o antecedente
substantivo), não haveria necessidade de pôr na frase o substantivo peito,
e o segundo, com o consequente:
uma vez que todos os pássaros têm peito. Trata-se de uma parte do corpo,
Essa menina é tal qual a mãe. posse inalienável do pássaro. Em outras palavras, nesse caso poderíamos ter
Essas meninas são tais qual a mãe.
apenas: "O pássaro tinha as asas amarelas".
Essa menina é tal quais os pais.
Uma frase como: "O pássaro tinha o peito e as asas amarelas" seria
malformada, por uma questão de iconicidade!
7.12 ADJETIVO MODIFICANDO MAIS DE UM SUBSTANTIVO . b. Adjetivo anteposto a mais de um substantivo
a. Adjetivo posposto a mais de um substantivo l
O adjetivo anteposto a mais de um substantivo pode concordar com
l
Quando o adjetivo aparece posposto a mais de um substantivo, podemos todos eles ou apenas com o mais próximo. Em ambos os casos, contudo, o
destacar duas situações:
)
adjetivo afeta todos os substantivos. Exemplos:
l
• O adjetivo concorda com todos os substantivos, como em: ) Apreciava bastante os excelentes uísque e vinho do senador.
Apreciava bastante o excelente uísque e vinho do senador.
Vimos um boi e uma vaca malhados.

O motivo que torna possível a concordância com o mais próximo, mas


A interpretação do sentido da frase é que o adjetivo malhados afeta ambos
afetando todos os demais substantivos, está ligado ao mecanismo geral de
os substantivos: boi e vaca. Ambos são malhados.
omissão5 de termos em português, que funciona sempre da "esquerda para
• O adjetivo concorda apenas com o último substantivo, como em:
a direita". Nas frases:
Vimos um boi e uma vaca malhada.
Nunca tive problemas com a droga. Só com a policia. (Keith Richards)
Prefiro o paraíso pelo clima, o inferno, pela companhia. (Mark Twain)
Nesse caso, o adjetivo malhada afeta apenas o substantivo vaca. Apenas
a vaca é malhada. Na oração: vemos que as segundas subentendem elementos das primeiras. O entendi-
Ontem, no zoológico, vimos uma vaca e uma planta aquática. mento se processa, como se disséssemos algo como:

Nunca tive problemas com a droga. Só [tive problemas] com a polícia.


o adjetivo aquática pode concordar apenas com o substantivo planta, pois Prefiro o paraíso pelo clima, [prefiro] o inferno pela companhia.
não existem vacas aquáticas. Trata-se de uma restrição por iconicidade. A
mesma coisa acontece na oração:

O pássaro tinha o peito e as asas amarelos. 5. Prefiro utilizar o termo omissão a apagamento, uma vez que apagamento sugere que
o falante primeiro constrói a frase com todos os seus termos e depois, ao verbalizar, apaga
alguns deles.
172 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

O omissão em direção contrária não é comum em português, como


atestam as frases abaixo, todas elas malformadas:

*Nunca com a droga. Só tive problemas com a polícia. 8


*O paraíso pelo clima, prefiro o inferno pela companhia.

Na frase em que estávamos estudando a concordância com o substantivo


CONCORDÂNCIA VERBAL
mais próximo, é como se ela tivesse a seguinte versão: )

Apreciava bastante o excelente uísque e (excelente) vinho do senador. l


l
Por omissão, também chamada de elipse, eliminamos a segunda ocor-
rência do adjetivo excelente. Mas, fica ainda uma pergunta: por que um
falante do português optaria por essa última forma de concordância, em vez
de concordar o adjetivo com ambos os substantivos? Outra vez, trata-se de
Concordância verbal, como vimos, é o processo pelo qual, dentro de uma
uma questão que envolve iconicidade. Quando falamos em excelente uísque e
oração, o verbo assume os traços de número e pessoa do seu sujeito. Exemplo:
vinho, a intenção é individualizar cada uma dessas bebidas. Quando falamos
excelentes uísque e vinho, a intenção é descrever o conjunto das duas bebidas. As ambições humanas despertam a atenção e a cólera dos deuses.

Nessa oração, o verbo despertar assume os traços de plural e 3- pessoa


7.13 Dois ADJETIVOS MODIFICANDO UM SUBSTANTIVO do núcleo do sujeito "As ambições humanas".
Da mesma forma, como ocorre na concordância nominal, nenhum
O substantivo pode ficar no singular ou no plural, ficando os dois adje-
falante tem dúvidas sobre a concordância verbal em casos como esses. Elas
tivos no singular, como em:
vão surgir em situações especiais, que passamos a examinar a seguir.
O serviço interno e externo.
Os serviços interno e externo.
8.1 O SUJEITO ESTÁ POSPOSTO AO VERBO
Se houver a pressuposição de que há mais de um serviço interno e mais
O sujeito prototípico em português (aquele que, estatisticamente, é
de um externo, tanto o substantivo quanto os adjetivos vão para o plural:
mais frequente) possui as seguintes características: AGENTE, HUMANO e
Os serviços internos e externos. DETERMINADO, como em: "O garoto chutou a bola". Garoto é o agente da
ação. Ao mesmo tempo, é humano e está determinado. Outra característica
do sujeito prototípico em português é posicionar-se antes do verbo, como
no exemplo anterior. Já os sujeitos não prototípicos tendem, quase sempre,
a ocupar posição depois do verbo, como nas seguintes frases:

173
CONCORDÂNCIA VERBAL 175
174 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
aparece, fica sempre no singular. Por esse motivo é que essas palavras
Por causa da tempestade, faltou luz das 15h às 15h20.
(Amazonas, Campinas, Vassouras etc.) são chamadas de plurais aparentes.
Nos EUA, já existe quase um carro por habitante.
Sobraram muitos doces naquela festa. A concordância é feita sempre com o verbo no singular:

Campinas ficará sem água, no final de semana.


Nesses casos, é importante prestar bastante atenção para não deixar de Vassouras será sede do próximo encontro nacional de urologia.
fazer a concordância com o sujeito. Outro caso em que o sujeito normal-
mente fica posposto, por não ser prototípico, é o das orações na voz passiva. Situação diferente acontece com nomes de localidades ou de obras artís-
Exemplos: ticas em que o núcleo do sujeito no plural é acompanhado de artigo também
Pela primeira vez, foram levantadas questões sobre Guarulhos.
no plural, como Os Estados Unidos, Os Andes, Os Lusíadas, Os Girassóis de
Foi construída uma quadra de vôlei de praia, no Guarujá. Van Gogh etc. Nesses casos, a simples presença do artigo, concordando com
Verificou-se, nos últimos anos, uma expansão do comércio exterior. o núcleo do sujeito, é um indício sintático de que esse núcleo ainda tem como
Vendem-se casas.
referente uma entidade plural. Isso está ligado diretamente ao processo da
iconicidade. Exemplos:
Nesses casos, também é necessário prestar bastante atenção para não
deixar de fazer a concordância. Os Estados Unidos aguardam apenas a licença da ONU, para entrar em guerra.
Os Girassóis de Van Gogh alcançaram 40 milhões de dólares no leilão.

8.2 O SUJEITO É UM PLURAL APARENTE


8.3 CONCORDÂNCIA COM EXPRESSÕES DE SENTIDO QUANTITATIVO
Existem substantivos que, embora apresentem forma de plural, já per-
deram esse sentido há muito tempo, por efeito do fenómeno da gramaticali- É comum surgirem dúvidas com relação à concordância verbal, quando
zação. É o caso do nome de muitas localidades, como: Amazonas, Campinas, o sujeito se refere, de algum modo, à noção de quantidade. Os casos a seguir
Valinhos, Vassouras etc. estão incluídos nessa circunstância.
Quando o espanhol Francisco de Orellana chegou à foz do rio Ama-
Sujeito coletivo partitivo: a maior parte de, grande parte de, a maioria de
zonas, em agosto de 1541, viu, em suas margens, seres humanos de cabelos etc.
longos, sem barba, armados com arcos. Utilizando seu padrão cultural
Quando o sujeito é um coletivo partitivo, como as expressões anteriores,
europeu e alguma imaginação, julgou que fossem mulheres. Estabeleceu,
a concordância normal ou "canónica" se faz com o núcleo do sujeito, como
então, uma ligação entre aqueles índios e as mulheres guerreiras da mito-
é de uso corrente na mídia escrita. Exemplos:
logia grega, chamadas amazonas. Batizou, então, o rio recém-descoberto
de rio das Amazonas. O tempo passou e o nome ficou simplesmente Ama- Até ontem à tarde ainda havia passagens para a maioria dos destinos, mas grande
zonas. Quando se fala, hoje em dia, tanto do rio quanto do estado, fala-se parte das linhas já estava com os carros extras quase cheios1.

o Amazonas: "O Amazonas desagua no oceano Atlântico". "O Amazonas


elege novo governador". Iconicamente, trata-se de uma entidade singular. 1. Folha de S. Paulo, São Paulo, 31.12.1998, caderno 3, p. 4.
A desinência do plural é um simples vestígio histórico. O artigo, quando
176 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO CONCORDÂNCIA VERBAL 177

A maioria das vítimas mora em países em desenvolvimento, onde grande parte dos A primeira delas envolve apenas concordância de número e pessoa. As
casos não chega a ser diagnosticada, muito menos tratada2.
outras duas envolvem também concordância de género. Afinal, o particípio

Em um número menor de casos, a concordância se faz não com o núcleo do verbo, na voz passiva, e o predicativo, nas orações nominais, concordam

do sujeito, mas com seu complemento, como em: em género com o sujeito. Ora, a ideia de homens (masculino) choca-se
)
com a ideia de preocupada ou brasileira (feminino). Por iconicidade, então,
Um grande número de velas branquejavam sobre as águas da baía. >
procura-se conseguir uma "harmonia de género", fazendo a concordância
)
Essa transferência do processo de concordância verbal para o comple- com homens. Surgem, então, as versões:
>
mento do núcleo está vinculada ao fato de que um sujeito prototípico tem l
A maioria dos homens ficaram preocupados.
sempre como núcleo um substantivo que nomeia alguma coisa do mundo A maioria dos homens eram brasileiros.
>
físico ou psicológico. Se dizemos, por exemplo: "Todos os três bons filhos de
Um outro aspecto que também facilita esse tipo de concordância é o
João se mudaram para a França", o sujeito inteiro é [todos os três bons filhos
fato de que esses substantivos geralmente aparecem adjacentes ao verbo:
de João], mas o verbo mudar concorda com o núcleo que é filhos, que nomeia
seres do mundo físico. Os falantes associam, então, o ato de concordar o verbo velas branquejavam
a concordá-lo sempre com um substantivo que faz parte do sujeito, mas que homens ficaram preocupados

nomeia algum ser. Ora, nos casos de coletivos partitivos, os núcleos (maioria,
Realmente, a adjacência entre substantivos no plural e verbos facilita a
número, parte) não são substantivos que nomeiam seres, ou seja, não são
chamada "concordância por atração", como às vezes acontece, por descuido,
núcleos prototípicos. Inconscientemente, pois, o falante busca, dentro da
na linguagem jornalística4. Exemplos:
função sujeito, um substantivo (ou pronome) que nomeie um ser, e faz isso
por iconicidade, uma vez que está mais motivado a atribuir o acontecimento O nível dos rios paulistas estão baixos.
de branquejar a velas e não a número, por exemplo. O fracasso dos festejos demonstraram...
A recuperação das ações da Cisco e da Intel também contribuíram...
Quando a oração é nominal ou está na voz passiva, há uma tendência
maior de fazer esse mesmo tipo de concordância. Exemplo:
Nesses casos, a adjacência é responsável por um erro de concordância,
Os cálculos do pesquisador do IBGE mostram que grande parte dos avanços obtidos uma vez que os núcleos dos sujeitos não têm sentido quantitativo.
pelo Brasil na redução da mortalidade infantil durante a década passada/oram "comidos"
pelo aumento das mortes violentas3.
8.4 CONCORDÂNCIA COM NÚMEROS PERCENTUAIS
Isso se explica também por iconicidade. Imaginemos as seguintes frases:
Quando o sujeito é representado por um número percentual, obede-
A maioria dos homens sabe trocar um pneu.
A maioria dos homens ficou preocupada.
cendo à regra geral, a concordância deveria ser feita com esse número, uma
A maioria dos homens era brasileira. vez que se trata do núcleo da função sujeito. Exemplo:

2. Folha de S. Paulo, São Paulo, 14.12.1998, caderno 2, p. 3. 4. Exemplos retirados da coluna de Pasquale Cipro Neto, no jornal Folha de S. Paulo
3. Idem, 19.1.1997, caderno l, p. 3. de 1-6-2000, caderno C, p. 2.
178 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO CONCORDÂNCIA VERBAL 179

Sessenta por cento da população reprovaram a conduta do governador. Um quarto dos soldados saiu ferido.
Dois terços da população apoiam o presidente.
O que se nota, entretanto, na maioria dos exemplos da mídia escrita, é
a transferência dessa concordância para o substantivo complemento, pelos Quando a oração está na voz passiva ou apresenta predicativo, a con-
mesmos motivos expostos no caso anterior, a saber: cordância pode ser feita com o complemento do número fracionário, por
questão de iconicidade, buscando "harmonia de género". Exemplo:
d) o núcleo do sujeito não é prototípico;
b) o complemento do núcleo nomeia seres, o que induz à concordância por As ruas não apresentam situação melhor. Apenas um pouco mais de um quarto
delas, contando-se as legais e as ilegais, são pavimentadas7.
iconicidade;
c) o complemento do núcleo é adjacente ao verbo.
De fato, ficaria menos aceitável obedecer à regra geral e dizer que um
A frase anterior teria, assim, a seguinte redação: quarto das ruas é pavimentado.
Sessenta por cento Aã. população reprovou a conduta do governador.

8.6 SUJEITO CONSTITUÍDO PELA EXPRESSÃO CADA UM + PLURAL


Outros exemplos da mídia escrita:
70% da carga geral que chega ao porto carioca atualmente vem em contêineres5. A concordância é feita pela regra geral:
Só 3% da água em nosso planeta é doce6.
Cada um dos membros da expedição levava consigo um sinalizador.

Se, entretanto, o número percentual estiver sendo modificado por um


outro pronome, a concordância é feita pela regra geral. Exemplo: 8.7 SUJEITO CONSTITUÍDO PELA EXPRESSÃO MAIS DE UM
Esses 30 por cento da população não recebem nenhum tipo de auxílio.
A concordância é feita pela regra geral:

Isso acontece, porque o pronome coloca em foco o número percen- Mais de um carro apresentou problemas na largada.

tual, que, além de ser o núcleo do sujeito, passa a ser também referência
desse pronome e isso lhe dá um peso maior para servir de base para a 8.8 SUJEITO JUNTO DAS LOCUÇÕES CERCA DE, MENOS DE, PERTO DE
concordância.
A concordância é feita pela regra geral. Em frases como:

Cerca de quinze empresários participaram da reunião


8.5 SUJEITO CONSTITUÍDO POR UM NÚMERO FRACIONÁRIO

Nesse caso, a concordância é feita pela regra geral: o verbo concorda o núcleo do sujeito é empresários. Cerca de apenas modifica esse núcleo. É
como se disséssemos: "Quase quinze empresários participaram da reunião".
com o núcleo do sujeito. Exemplos:
Outros exemplos:
5. Folha de S. Paulo, São Paulo, 17.1.1997, caderno 8, p. 11.
6. Idem, 7.2.1997, caderno 5, p. 5. 7. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1.1.1997, caderno l, p. 3.
CONCORDÂNCIA VERBAL 181
180 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
O ex-bancário Sérgio Raimundo Souza Cardoso, 30, foi um dos que perderam o
Perto de 200 pessoas ficaram à noite, na fila, para receber o FGTS.
emprego...
Menos de 100 pessoas conseguiram receber o FGTS.

8.9 EXPRESSÃO UM DOS QUE, UMA DAS QUE 8.10 NÚCLEOS DO SUJEITO ANTECEDIDOS PELO PRONOME
INDEFINIDO CADA
Na mídia escrita, a concordância varia entre singular e plural. Exem-
plos: O verbo fica no singular:

1 Disse que ele (Renan) foi um jogador maravilhoso, bonitão e que fotografa bem, Cada homem, cada mulher deve pesar bem o seu voto.
ao contrário do técnico Radamés Lattari, que não é fotogênico, mas é um dos que mais
entendem de vôlei8.
O segmento relativamente novo das roupas para adolescentes, ou "teens", é um dos 8.11 O SUJEITO É A LOCUÇÃO UM E OUTRO ou NEM UM NEM OUTRO
que fazem mais sucesso na feira9.
O prefeito de Praia Grande é um dos que já anunciou que não vai permitir a colo- O verbo pode ir para o singular ou para o plural. Exemplos:
cação de placas nas praias do município10.
Um e outro falou a verdade.
O ex-bancário Sérgio Raimundo Souza Cardoso, 30, foi um dos que perdeu o em- Um e outro falaram a verdade.
prego com as mudanças no setor financeiro pós-Real11. Nem um nem outro falou a verdade.
Nem um nem outro falaram a verdade.
Diante dessa variação, fica a pergunta: Qual a forma mais adequada
dessa concordância? Levando-se em conta o fator iconicidade, não há dúvidas Não calques o jardim
nem assustes o pássaro.
de que a opção deve ser o plural. Afinal de contas, quando alguém diz que
Um e outro pertencem
Radamés é um dos que entendem de vôlei, o que se quer dizer é que, dentre as aos mortos do Carmo12.
pessoas que entendem de vôlei, Radamés é uma delas. Existe sempre, nesses
casos, o pressuposto de que o um destaca um indivíduo num conjunto de A opção por uma dessas formas de concordância é feita em termos de
vários indivíduos. Certamente, no terceiro exemplo, vários prefeitos, além iconicidade. A escolha do plural procura passar uma noção de conjunto.
do prefeito da Praia Grande, anunciaram que não iam colocar as tais placas A do singular, de individualidade. Quando digo que Nem um nem outro
e, no quarto exemplo, o bancário Sérgio também não está sozinho em seu falou a verdade, procuro representar o fato em dois tempos: o tempo em
infortúnio. Teria sido melhor dizer, pois: que um falou e o tempo em que outro falou. Quando digo Nem um nem
outro falaram a verdade, procuro representar o fato de maneira atemporal,
O prefeito de Praia Grande foi um dos que já anunciaram...
como uma espécie de relato posterior. O mesmo acontece com a expressão
nem ... nem:
8. Folha de S. Paulo, São Paulo, 13.1.1997, caderno 2, p. 3.
9. Idem, 27.2.1997, caderno 2, p. 7.
10. Idem, 8.1.1997, caderno 3, p. 4.
12. Carlos Drummond de Andrade, Antologia Poética, p. 53.
11. Idem, 9.3.1997, caderno 2, p. 14.
CONCORDÂNCIA VERBAL 183
182 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
As crianças e os adultos precisam de compreensão. (?)
Nem Vera nem Márcia me ajudou.
Nem Vera nem Márcia me ajudaram.
Como vemos, uma expressão como essa tem valor pragmático e não
sintático. Usando-a ou não, o verbo precisar afeta crianças e adultos. Logo, a
8.12 SUJEITOS LIGADOS PELA CONJUNÇÃO Ou concordância deve processar-se sempre de acordo com a regra geral, levando
o verbo para o plural. Outro exemplo:
Nesse caso, o verbo concorda com o termo que vier depois do último
O ministro e o presidente sabiam dos desvios de verba.
ou: Tanto o ministro quanto o presidente sabiam dos desvios de verba.

Angela ou Cristina se casará comigo.


Ele ou eu serei eleito presidente. Na primeira frase, o falante apenas comunica que ministro e presidente
tinham conhecimento do desvio de verbas. Na segunda, o falante pressupõe
Nesses casos, existe uma clara exclusão de um ou outro sujeito. Se An- que o ouvinte não compartilha com ele a crença de que o presidente possa
gela se casar comigo, Cristina não poderá fazê-lo. Se ele for eleito presidente, estar envolvido nesse processo e, por isso, procura criar, por meio da locução
eu não poderei ser presidente. Quando não há necessidade de exclusão de tanto... como ou tanto... quanto, um efeito de persuasão. Nas duas situações,
um dos sujeitos, o verbo pode concordar com os dois. Exemplo: contudo, o verbo afeta ambos os sujeitos. Por isso, o plural.
São Paulo da peça "Roda Viva" ou o Rio do show "Opinião", por exemplo, eram
cidades em todos os sentidos mais restritas e acanhadas do que são hoje13.
8.14 O SUJEITO SÃO PRONOMES INTERROGATIVOS (QUAIS, QUAN-
No caso de essa conjunção ter caráter corretivo, a concordância se fará TOS) ou INDEFINIDOS NO PLURAL (ALGUNS, MUITOS, Poucos,
com o segundo sujeito: "As partes ou a parte fará o pedido". QUAISQUER, VÁRIOS) SEGUIDOS DE PRONOME PESSOAL NO
PLURAL
8.13 SUJEITOS UNIDOS PELOS ELEMENTOS CORRELATIVOS NÃO Só... O verbo pode concordar com esses pronomes interrogativos ou indefi-
MAS TAMBÉM, NÃO Só... MAS AINDA, TANTO. .. COMO ETC. nidos, pela regra geral. Mas é mais comum a concordância com o pronome
pessoal. Exemplos:
Essas expressões são utilizadas para criar efeitos argumentativos. Ima-
ginemos a seguinte situação: uma jovem mãe, atarefada, puxa a orelha de Concordância com o pronome interrogativo ou indefinido, de acordo com a regra
sua filha de dois anos que se nega a comer. O marido a critica por isso. Uma geral:
Quantos de nós aceitam a afirmação: que é melhor ver a pátria derrotada em
terceira pessoa presente defende a mãe, dizendo a seguinte frase: guerra do que usá-la para promover crimes, injustiças, violações de direitos humanos?
Não só as crianças, mas também os adultos precisam de compreensão. (Rubens Ricúpero)

Concordância com o pronome pessoal nós:


Será que a frase teria o mesmo efeito de "defesa", se fosse dita assim: Quantos de nós não deixamos de levar nossos filhos, netos e mulheres aos campos
de futebol? (Telê Santana)
13. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2.1.1997, caderno l, p. 2.
184 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO CONCORDÂNCIA VERBAL 185

Alguns de nós aqui somos contemporâneos da época do Jeca Tatu. (Fernando Nós, que vamos morrer sabe-se lá quando, não suportamos a ideia do fim. (Luís
Henrique Cardoso) Caversan)
Quando descobri que era mortal, levei um grande susto. Eu, que nunca fui supersti-
O motivo que leva os falantes a concordar com os pronomes nós ou vós cioso, me apeguei a um colar de prata, feito por africanos, cheio de feitiço, que uma amiga
está ligado também ao fato de que, com relação à categoria de pessoa, a 3a me deu. (Darcy Ribeiro)

não é uma forma marcada, ao contrário das duas primeiras. Se dizemos Ela
chegou, o verbo concorda, na 3- pessoa, com o sujeito. Mas a 3- pessoa serve Quando o pronome relativo quem é o sujeito, o verbo fica na terceira
também a todas as situações em que não existe concordância, como nas frases pessoa do singular:
impessoais e nas construções onde o sujeito é uma oração, como em: Não sou eu quem navega l Quem navega é o mar. (Paulinho da Viola)

Chove. Uma vez que eu descubro que devo esperar por mim mesmo no futuro, sou eu
Trovejava muito. quem dá sentido ao relógio. (Moacyr Scliar)
Convém recolher as roupas.

Trata-se, portanto, do mesmo motivo que leva o verbo ser, nas orações
8.16 VÁRIOS "SUJEITOS" RESUMIDOS NUM PRONOME INDEFINIDO
equativas, a ir para o plural, quando um dos termos está no plural: "A sala
(TUDO, NADA, OUTRO, NINGUÉM, ALGUÉM ETC.)
de estar eram duas poltronas". O plural, como vimos, é uma forma marcada.
O verbo fica no singular, concordando com o pronome. Exemplo:

Em alguns casos, a opção por uma forma ou outra de concordância Habilidade, força, esperteza, engano, tudo é permitido no amor. (La Fontaine)
não é gratuita. Está ligada a uma intenção específica do falante. Vejamos as
duas frases a seguir: A rigor, as palavras que antecedem o pronome tudo funcionam como
tópicos, ou seja, como elementos situados fora dela. O falante pretende,
Muitos de nós sabiam da compra de votos.
Muitos de nós sabíamos da compra de votos. com isso, fornecer ao ouvinte, previamente, um quadro de referência para
o que vai dizer. Trata-se de uma construção bastante comum na linguagem
Na primeira delas, o falante se exime do conhecimento da compra de falada. Exemplos:
votos: outros sabiam, mas ele fica fora desse grupo. Já, na segunda frase, ele
Esse revólver, você vai matar alguém com ele jogado desse jeito.
se compromete. A concordância com nós o inclui no grupo das pessoas que O governador, ele não se importa com isso.
tinham conhecimento da falcatrua. Meu carro, ele gasta muita gasolina.

As expressões em itálico são, pois, tópicos14. Não têm função sintática.


8.15 PRONOMES RELATIVOS QUE E QUEM COMO SUJEITOS
O mesmo acontece com habilidade, força, esperteza e engano, no exemplo
Quando o pronome relativo que é o sujeito, o verbo concorda com o citado. Por esse motivo, é possível dizer que a concordância, nesse caso,
antecedente desse pronome: simplesmente obedece à regra geral, pois o único sujeito é o pronome tudo.
Pilatos é o livro que melhor traduz minha visão de mundo. Tem um pouco de
Rabelais lá. Mas sou eu que estou inteiro no livro. (Carlos Heitor Cony) 14. Esse assunto é tratado também nos capítulos da Oração Simples e da Pontuação.
CONCORDÂNCIA VERBAL 187
186 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
Em vez de escrever Vieram um, dois e três (inhambus), José Cândido
8.17 CONCORDÂNCIA COM SUJEITO COMPOSTO
preferiu concordar o verbo com o mais próximo, criando o efeito de fazer
Se o sujeito vem antes do verbo, o verbo concorda obrigatoriamente surgir cada uma das aves em um momento diferente, em sequência.
com ambos os sujeitos:
O presidente e o deputado desceram pela escada da frente do avião. 8.18 CONCORDÂNCIA COM o VERBO SER

Existem, em português, algumas construções com o verbo ser que po-


Caso o sujeito venha posposto, a concordância pode ser feita tanto com
dem oferecer dúvidas a quem fala ou escreve. Uma delas, em que esse verbo
os dois sujeitos, quanto com o mais próximo:
aparece nas orações equativas, já foi tratada no capítulo da Concordância
Desceram o presidente e o deputado pela escada da frente do avião.
Nominal. Outra pode ser exemplificada pelas seguintes frases:
Desceu o presidente e o deputado pela escada da frente do avião.
Uma aspirina seria ótimo.
Mesmo na segunda opção, o sentido do verbo afeta ambos os sujeitos. Água fria é bom.
É preciso fé.
O princípio é o mesmo que orienta a concordância do adjetivo anteposto a Dez cópias é suficiente.
dois substantivos. Essa concordância é possível, porque a omissão ou elipse
de termos, em português, somente é possível "da esquerda para a direita". É À primeira vista, parece haver um erro de concordância em cada
como se o falante, em vez de dizer: uma delas. Afinal, nas três primeiras, as palavras aspirina, água e/é são
Desceu o presidente e desceu o deputado pela escada da frente do avião. femininas, e os adjetivos predicativos estão no masculino. Na última, a
palavra cópias está no plural, e o adjetivo predicativo está no singular.
dissesse: Acontece, porém, que apenas aparentemente esses substantivos são o
Desceu o presidente e (desceu) o deputado pela escada da frente do avião. sujeito dessas orações. A concordância do verbo ser no singular tem o
objetivo de criar um espaço mental dentro do qual o SUJEITO DA ORA-
O motivo que leva o falante a essa opção é também o mesmo da concor- ÇÃO É UM EVENTO DE QUE FAZ PARTE A COISA NOMEADA PELO
dância do adjetivo com o substantivo posposto mais próximo: o de impor SUBSTANTIVO.
uma perspectiva à cena, por meio de iconicidade. É como se ele focalizasse No primeiro exemplo, o que ser quer dizer é que o evento de tomar uma
uma câmera "em close", primeiro, no presidente e, depois, no deputado, aspirina seria bom, o que configura a existência de uma oração virtual como
sequenciando em dois tempos a saída de ambos. Já, na opção anterior, isso sujeito. Uma aspirina é apenas um vestígio dessa oração. A concordância se
não acontece. faz, portanto, com essa oração virtual:
Vejamos o texto a seguir, extraído do romance O Coronel e o Lobisomem, [Tomar uma aspirina] seria ótimo.
de autoria de José Cândido de Carvalho:
Como fosse mês de inhambu, preparei espingarda de fogo delicado [...] No cami-
O mesmo acontece com as outras orações, que poderiam ter versões
nho, num mato de boas madeiras, chamei inhambu no pio. Veio um, dois e três, e eu, como:
fogo na barriga do freguês, (p. 68)
CONCORDÂNCIA VERBAL 189
188 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
- Que horas são [essas horas] ?
[Tomar água fria] é bom. - [Essas horas] são duas horas.
É preciso [ter fé].
[Fazer dez cópias] é suficiente.
Em alguns casos, costumamos mesmo dizer coisas como:

Uma outra opção para a última oração seria: - Que horas são essas?
- Isso são horas?
Dez cópias são suficientes.

Nessas orações os sujeitos estão lexicalmente representados como essas


Nesse caso, em vez de predicar um evento, suficientes está predicando
o resultado desse evento: dez cópias. (horas) e isso. No inglês, que é uma língua em que o sujeito tem de estar
sempre materializado na frase, o sujeito dessas orações é representado lexi-
calmente pelo pronome it:
8.19 - QUE HORAS SÃO? - SÃO DUAS HORAS
- What time is it?
Um outro caso que costuma oferecer dúvida são as orações que envol- - It is two oclock.
vem perguntas e respostas sobre horas, como em: - Que horas são? - São
duas horas. Concluindo, podemos dizer que em - Que horas são? e - São duas
Alguns gramáticos falam em concordância com o predicativo, o que horas, temos também um sujeito não lexical, exofórico, com o qual o verbo
não deixa de ser estranho, uma vez que o verbo concorda mesmo é com concorda.
o sujeito.
Suponhamos, a título de comparação, que alguém veja um vaso cair no • Meio-dia e meia
chão. Olha, então, para o chão e exclama: - Quebrou] É claro que o sujeito Essa é a forma correta de dizer. Meia, no caso, significa meia hora.
dessa oração é o próprio vaso, no chão, em pedaços. Podemos dizer que se
trata de um sujeito que existe, não no texto em si, mas no contexto físico da
situação. Tanto isso é verdade que, se forem dois vasos a cair, a exclamação 8.20 CONSTRUÇÕES IMPESSOAIS
seria - Quebraram] O verbo quebrar concorda com esse sujeito, que pode ser
chamado de exofórico ou dêitico, uma vez que não aparece lexicalmente na As construções impessoais acontecem com verbos que significam fenó-
oração, mas está presente no ambiente da fala. Trata-se de algo parecido com menos da natureza como chover, ventar, nevar, com verbos como fazer e ser e
o que acontece quando uma pessoa aponta um objeto e pergunta a outra: - estar relacionados à ideia de tempo e também com o verbo haver no sentido
Isto é seu? A referência do pronome isto também é dêitica ou exofórica, ou de existir. Esses verbos são empregados sempre na 3a pessoa do singular, uma
seja, está fora do texto, no ambiente da fala. forma não marcada, como vimos. Exemplos:
Trazendo esse raciocínio para as orações que envolvem perguntas e respos-
Choveu ontem.
tas sobre horas, podemos dizer que se trata, aí também, de sujeitos contidos no Faz dez dias que começou o inverno.
contexto da fala. As horas que são assunto dessas frases são aquelas presentes no Já era tarde, quando ele chegou.
momento em que os falantes se encontram. É como se disséssemos:
)

190 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO


CONCORDÂNCIA VERBAL 191
Está muito frio hoje. )
Quando o sujeito for outro, a concordância se fará com ele:
Havia muita gente no local. )

>
O relógio da igreja bateu dez horas.
Havendo um verbo auxiliar, é ele que assume a 3- pessoa do singular:
)

Deve ter chovido ontem. ) 8.23 UM CASO PARTICULAR DA CONCORDÂNCIA VERBAL:


Deve fazer dez dias que começou o inverno. O INFINITIVO FLEXIONADO
)
Podia ser tarde, quando ele chegou.
Pode estar frio. l
O português é uma das poucas línguas do mundo que possuem o infi-
Devia haver muita gente no local. )
nitivo flexionado. Tal flexão é apenas resultado da concordância verbal. Por
esse motivo, quando não há sujeito com que concordar, o infinitivo não se
8.21 EXPRESSÃO HAJA VISTA flexiona. Exemplos:

Na expressão haja vista, a palavra vista é o substantivo olho e não o Vencer sem risco é triunfar sem glória. (Pierre Corneille, dramaturgo francês,
1606-1684)
particípio do verbo ver. Por esse motivo, fica invariável. Exemplo:
Seria difícil suportar um desencantamento total.
Os times cariocas não têm do que reclamar, hajam vista as gigantescas promoções
na mídia. Nessas duas frases, o infinitivo não tem sujeito. A segunda frase pode
ter ainda uma variante, resultante da transposição do objeto de suportar para
O que se quer dizer é que as gigantescas promoções na mídia hajam (te- a posição de sujeito da oração anterior:
nham) a vista (o olho) do leitor. Em outras palavras, que o leitor não deixe
Um desencantamento total seria difícil de suportar.
de levar em conta essas promoções.
É interessante o seguinte texto do comentarista esportivo Jucá Kfouri Como o infinitivo continua sem sujeito, continua também sem flexão. A
a respeito do problema: inversão é resultado daquilo que chamamos "gerenciamento de informação":
A vida é dura: escrevi "seat" na sexta-feira e ninguém corrigiu meu pobre inglês o falante, na segunda versão, utiliza um desencantamento total como tema
para "sit" (do verbo sentar). Escrevi "haja vista" ontem e pioraram meu português com daquilo que pretende comunicar.
um incorreto "haja visto". Não há de ser nada15.
Quando o infinitivo tem sujeito, há flexão, como nos seguintes
exemplos:
8.22 VERBOS DAR, SOAR E BATER, INDICANDO HORAS
O restaurante Consulado Mineiro se beneficia de sua localização: fica em Pinheiros,
na praça Benedito Calixto, que abriga, aos sábados, uma feira de antiguidades. É comum
Esses verbos concordam com o número de horas, que é o sujeito. Exemplos:
seus clientes deixarem o nome na fila e irem à feira16.
Deram quatro horas agora mesmo. Um punguista me afirmou há tempo que a sociedade se compõe de malandros e
Tinham batido dez horas no relógio da igreja. otários. Inútil querermos destruir a ordem natural17.

16. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19.1.1997, caderno especial, p. 1.


15. Jucá Kfouri, Folha de S. Paulo, 15.7.1997, caderno 3, p. 13.
17. Idem, 13.5.1997, caderno 2, p. 3.
CONCORDÂNCIA VERBAL 193
192 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
Simplificando, podemos dizer que, QUANDO O SUJEITO DE UMA ORA-
Algumas situações, contudo, costumam oferecer um pouco mais de
ÇÃO FINAL FOR O MESMO DA ORAÇÃO PRINCIPAL, O INFINITIVO DA
dificuldade ao usuário da língua. Vamos estudá-las.
ORAÇÃO FINAL NÃO SE FLEXIONA, uma vez que, em português, o sujeito
a. Infinitivo em orações finais desse tipo de oração é cancelado, quando for igual ao da oração principal.
Outros exemplos:
Vejamos o seguinte exemplo de oração final:
As fantasias tumultuavam-me cá dentro, vinham umas sobre outras, à semelhança
Meus pais saíram [para irlirem ao supermercado]. (?)
de devotas que se abalroam para ver o anjo-cantor das procissões19.
Para o presidente do BC, a CPMF é um "imposto ruim" porque os bancos têm um
A pergunta a ser feita é: o verbo ir, na oração final, tem sujeito? Se não alto custo operacional para/azer o controle dos depósitos e das retiradas20.
tiver, o infinitivo não se flexiona; se tiver, flexiona-se.
Um dos estudiosos do infinitivo flexionado em português foi o alemão b. Infinitivo em orações substantivas com verbos factitivos e sensitivos

Friedrich Diez. Propõe ele uma regra pouco conhecida, mas elogiada por Os verbos factitivos (mandar, ordenar e fazer) e sensitivos (ver, ouvir e
muitos filólogos que estudaram o assunto, entre eles Theodoro Henrique de sentir) podem ter como complementos orações substantivas:
Maurer Jr. Segundo Diez, em tradução do próprio Maurer Jr.: O governo mandou [que os integrantes do Banco Central investigassem a de-
núncia] .
Este (o infinitivo flexionado) só ocorre quando se pode converter o infinito em
um modo finito18.
Se transformarmos a oração substantiva em reduzida de infinitivo,
Examinemos, agora, o exemplo da oração final, repetida para maior teremos:
clareza: O governo mandou os integrantes do Banco Central investigarem a denúncia;

Meus pais saíram [para irlirem ao supermercado].


ou

Convertendo-se a oração subordinada em modo finito, teríamos: O governo mandou os integrantes do Banco Central investigar a denúncia.

*Meus pais saíram [para que fossem ao supermercado).


Ambas essas opções aparecem na boa mídia escrita. Mas, se o termo
integrantes do Banco Central for substituído por um pronome átono, a única
Como vemos, a oração subordinada ficou malformada. A única leitura
versão possível será:
possível que a tornaria bem formada é a de que meus pais saíram para que
outras pessoas fossem ao supermercado. Logo, a única opção é: O governo mandou-os investigar a denúncia.

Meus pais saíram para ir ao supermercado. Ocorre que, na primeira versão da redução da oração, não é possível
saber se o termo integrantes do Banco Central ainda se acha na oração

19. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Texto da Web.
18. Friedrich Diez, apud Theodoro Henrique de Maurer Jr., O Infinito Flexionado
20. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5.1.1997, caderno l, p. 2.
Português: Estudo Histórico-Descritivo.
CONCORDÂNCIA VERBAL 195
194 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
não há mais, na oração subordinada, sujeito com o qual o infinitivo possa
subordinada ou se foi deslocado para a oração principal. Na segunda ver-
concordar, flexionando-se.
são, a forma átona "acusativa" do pronome indica claramente que houve o
O fato de ser possível transformar a oração subordinada em um modo
deslocamento e, portanto, já não existe, na oração subordinada, um sujeito
finito, apenas se o sujeito fizer parte dessa oração, corrobora a não flexão do
com o qual o infinitivo possa concordar. A mesma coisa acontece com os
infinitivo nas situações de deslocamento. Exemplo:
verbos sensitivos:
O governo impediu que os integrantes do Banco Central investigassem a denúncia.
O governo viu os integrantes do Banco Central investigar l investigarem a de-

Caso o sujeito tenha sido deslocado, essa transformação é impossível:


mas *O governo impediu os integrantes do Banco Central que investigassem a de-
núncia.
O governo viu-os investigar a denúncia.

Outros exemplos, em obras literárias e na mídia: Cabe aqui a observação de que a preposição também funciona, em
casos como esses ("O governo impediu os integrantes de investigar"), como
Verás braços e pernas ir nadando
sem corpos pelo mar de seus senhores barreira à concordância, de modo semelhante ao que ocorre em casos como
Vimos as ursas apesar de Juno homens sem vergonha, blusas (cor de) rosa, estudados no capítulo de con-
Banharem-se nas águas de Netuno21. cordância nominal, e também nos que serão vistos no capítulo Destaques
O Itamaraty teve um desempenho ruim em 1996. Titubeou em apoiar o Timor Sobre os Substantivos, envolvendo o plural de substantivos compostos como:
Leste contra a Indonésia, viu brasileiros serem humilhados pela diplomacia norte- pés-cíe-cabra, tíquetes (de) alimentação. Em todos esses casos, o plural fica
-americana22.
restrito apenas ao primeiro elemento, uma vez que a preposição de (explícita
Rubião viu-os ir, entrou, meteu-se na sala, e ainda uma vez leu o bilhete de ou implícita) funciona como barreira.
Sofia23.
A preposição de funciona também como barreira para a flexão do in-
finitivo, nas frases em que ele tem caráter passivo, como podemos ver em:
Isso se deve a uma particularidade dos verbos factitivos e sensitivos que
não exigem, em sua regência, uma preposição, quando há deslocamento do As reformas constitucionais são ossos duros de roer.
sujeito de uma oração subordinada para a oração principal, ao contrário de Alguns textos clássicos são difíceis de ler.

outros verbos, como impedir, por exemplo:


c. Infinitivo em outras orações subordinadas reduzidas de infinitivo
O governo impediu os integrantes do Banco Central de investigar a denúncia.
Nas outras orações subordinadas reduzidas de infinitivo, basta aplicar
Nessa frase, a preposição de "separa" as duas orações. É um claro indício a "regra de Diez". Exemplos:
de que houve deslocamento do sujeito para a oração principal. Dessa maneira, Ao chegarem ao local do vestibular, os candidatos devem apresentar o documento
de inscrição.
21. Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, X-36, p. 223; V-15, p. 276.
A chegarem antes da hora, os candidatos devem aguardar a abertura dos portões.
22. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2.1.1997, caderno l, p. 4.
23. Joaquim Maria Machado de Assis, Quincas Borba. Texto da Web.
196 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO CONCORDÂNCIA VERBAL 197

Por chegarem tarde, alguns candidatos perderam a prova. Continuaram os outros a mirar o telhado com olhos compridos e a tentarem uma
Apesar de chegarem tarde, alguns candidatos conseguiram entrar nas salas e fazer investida, de que recuavam logo pela razão sabida do tirapé24
a prova. As duas ligas recém-nascidas do futebol mundial, a J-League (Japão) e a MLS (EUA),
tentam solucionar as suas "doenças infantis" para chegarem à fase adulta25.
Em todos esses casos, é possível transformar a oração subordinada em
modo finito: Em situações como essa, o principal argumento é o de que o autor flexio-
nou o infinitivo por ultracorreção, em virtude da distância, no caso dos dois
Quando chegarem ao local do vestibular, os candidatos devem apresentar o do-
primeiros exemplos, entre o verbo auxiliar e o principal e, no terceiro, entre
cumento de inscrição.
o sujeito da oração principal e o início da oração subordinada. A meu ver,
Se chegarem (ou caso cheguem) antes da hora, os candidatos devem aguardar a
abertura dos portões. trata-se apenas de falhas de desempenho que não devem servir de modelo
Porque chegaram tarde, alguns candidatos perderam a prova. ao usuário da língua.
Embora tenham chegado tarde, os candidatos conseguiram entrar nas salas e fazer
a prova.
REFERÊNCIAS
No caso de uma oração subordinada modal, não é possível transfor- ALENCAR, José Martiniano de. As Minas de Prata. São Paulo, Melhoramentos, s/d, vol. l.
má-la em modo finito: ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. Rio de Janeiro, Record, 1997.
Assis, Joaquim Maria Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Disponível em
Os ladrões saíram a correr l correrem. (?) <http://www.bn.br> Acesso em 30.7.02.
*Os ladrões saíram de modo a que corriam. . Quincas Borba. Disponível em <http://www.bn.br> Acesso em 30.7.02.
CARVALHO, José Cândido. O Coronel e o Lobisomem. Rio de Janeiro, José Olympio, 1971.
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas: comentados por Augusto Epifania da Silva Dias. Rio de
Logo, o infinitivo não tem sujeito com que concordar e, por isso, deve
Janeiro, MEC, 1972.
permanecer não flexionado: GIVÓN, Talmy. Mind, Code and Context. Hillsdale, New Jersey/London, Lawrence Erl-
baum Associate, Publishers, 1989.
Os ladrões saíram a correr.
MAURER JR., Theodoro Henrique. O Infinito Flexionado Português: Estudo Histórico-
-descritivo. São Paulo, Ed. Nacional/Edusp, 1968.
O que tem causado polémica sobre o assunto, há décadas ou até mesmo MEIRELES, Cecília. Obra Poética. Rio de Janeiro, Aguilar, 1985.
há séculos, uma vez que uma das primeiras tentativas concretas de explicar o
fenómeno em português se deve a Jerônimo Soares Barbosa, em sua Gramá-
tica Filosófica, publicada em 1803, é que algumas das regras aqui expostas às
vezes não são observadas até mesmo pelos bons escritores e pela boa mídia
escrita, como nos exemplos a seguir:
Costumavam os filhos das principais famílias, quando por tarde saíam a passeio
acompanhados de seus aios, reunirem-se na Praça do Governador.
24. José de Alencar, As Minas de Prata, vol. l, pp. 38, 99.
25. Folha de S. Paulo, São Paulo, 3.1.1997, caderno 3, p. 8.
REGÊNCIA
)
) A palavra regência tem origem numa metáfora ligada à figura do rei,
) na época das monarquias. O rei rege e os vassalos obedecem. Essa ideia,
j aplicada ao campo da sintaxe, exprime, em sentido geral, a relação sintática
) de dependência entre dois elementos: um que rege, "comanda", e outro que
) se submete, "obedece". Vejamos as seguintes frases:

Quando acabarmos de comer o queijo, vamos distribuir ao povo todos os


) buracos.
) Um rato não pode ser juiz na partilha de um queijo1.

\a primeira delas, o termo povo não está apenas relacionado a dis-


\ mas depende sintaticamente desse verbo, que o rege, exigindo a
\o a como elemento de ligação. Temos ainda o termo todos os
\ que também depende sintaticamente de distribuir e que se liga a
^ ele sem preposição. Da mesma forma, na segunda frase, o termo de um
\ também está relacionado ao substantivo partilha e dele depende
\r meio da preposição de:

) 1. Millor Fernandes, Frases. Página da Web.

201
} . ..._, •
202 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

distribuir ao povo
distribuir todos os buracos
partilha de um queijo.

O termo que comanda (rege) a relação chama-se palavra regente. O que REGÊNCIA VERBAL
é comandado (obedece) chama-se regido. Dessa forma, temos:

Termo regente Termo regido


distribuir (a)o povo
distribuir todos os buracos
partilha (de) um queijo

Nesta Gramática Mínima, é posta ênfase na regência verbal, a que mais


oferece dificuldades a quem fala ou escreve. As eventuais dúvidas do leitor
quanto à regência nominal, que envolve substantivos e adjetivos, podem ser
facilmente resolvidas, consultando um bom dicionário da língua.
Chamamos regência verbal o estudo da relação de comando entre os
verbos e seus complementos.
Em português, como nas demais línguas do mundo, cada verbo possui
sua regência própria, que pode mudar, ao longo da história e das situações
de uso. O verbo partir, por exemplo, no sentido de ir-se embora, em tempos
antigos, exigia um pronome átono reflexivo (me, te, se, nos, vos). A ideia que
se tinha, então, decorria de uma metáfora. Aquele que ia embora "partia-se"
(no sentido de quebrar-se) de algum lugar ou de alguém. Parece que o ponto
de vista para a criação dessa figura foi o sentimento de tristeza gerado pela
separação, bastante ligado à alma portuguesa. Para narrar, em Os Lusíadas,
a partida de Vasco da Gama de Lisboa para a grande aventura de descobrir
o caminho marítimo para as índias, Camões usa o verbo partir com essa
regência. A ideia de metáfora, ainda presente na época, acrescenta uma
tensão emocional maior à despedida:
Estas sentenças tais o velho honrado
vociferando estava, quando abrimos
204 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO REGÊNCIA VERBAL 205

as asas ao sereno e sossegado > 9.1 REGÊNCIA DE ALGUNS VERBOS


vento e do porto amado nos partimos:1
D Abdicar
Do ponto de vista sociolinguístico, observamos que há uma diver-
)
Verbo TRANSITIVO INDIRETO. Significa desistir, abrir mão. Seu objeto
gência entre a regência de certos verbos, na linguagem oral do dia a dia, e
)
indireto é precedido da preposição de:
aquela que se emprega na linguagem escrita. Um exemplo emblemático é o
)
A maioria dos britânicos acredita que o príncipe Charles deveria abdicar de seus
do verbo assistir, no sentido de ser espectador de alguma coisa. Na lingua- direitos ao trono em favor de seu filho William, segundo pesquisa divulgada anteontem
gem falada, muitas pessoas o empregam como transitivo direto, dizendo: pela ABC News4.
assisti o filme, assisti o telejornal. Apesar disso, na linguagem escrita e até
mesmo na mídia falada, esse verbo é sempre empregado como transitivo Algumas vezes, o complemento de abdicar fica subentendido, como no
indireto, com complemento introduzido pela preposição a, como podemos exemplo a seguir:
observar em: Eduardo VIII foi forçado a abdicar em 1936 não só pelo seu casamento com uma
americana divorciada, mas também devido a suas simpatias por regimes autoritários,
Foi no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, que Carlos Gomes assistiu pela
entre os quais o da Alemanha nazista5.
última vez a uma encenação de uma ópera sua em solo europeu2.
De um dos balcões do Palácio de Buckingham, a Rainha assistiu a um desfile acom-
Agradar
panhada pelo príncipe Phillip, seu marido, além dos filhos e dos netos3.
Esse verbo é TRANSITIVO INDIRETO e, por isso, pede a preposição a,
A divergência entre a regência empregada na língua falada informal que introduz objeto indireto. Por esse motivo, quando é preciso substituir
e a empregada na língua padrão deve-se, quase sempre, à contaminação esse complemento por um pronome, na 3- pessoa, deve-se substituí-lo por lhe.
da regência de um verbo pela regência de outro. No caso de assistir, a A ideia subjugou-a, aterrou-a; mas o medo, que é também sugestivo, insinuou-lhe
contaminação provavelmente se deu com o verbo ver, que é transitivo que o melhor modo de agradar ao seu criador era beijá-lo na testa, e ela beijou-me na
direto e não exige preposição para ligar-se ao seu complemento. De vi o testa6.
filme, vi o telejornal, passa-se a dizer, por analogia: assisti o filme, assisti Onde os homens se persuadem que os governos os devem fazer felizes, e não eles
a si próprios, não há governo que os possa contentar nem agradar-lhes7.
o telejornal.
Além de conceituar o fenómeno, este capítulo tem por objetivo comentar
Talvez, por influência de contentar, verbo transitivo direto de significado
a regência dos principais verbos que apresentam oscilação de uso no por-
semelhante, o verbo agradar se emprega, às vezes, como transitivo direto
tuguês do Brasil, procurando, sempre, documentar a opção prescrita pela
como em:
língua padrão. Não há intenção, contudo, de descrever exaustivamente a
regência de cada um dos verbos escolhidos.
4. Folha de S. Paulo, São Paulo, 7.9.1997. Página da Web.
1. Luís Vaz de Camões, Lusíadas, V-l, p. 268. 5. Idem, 1.9.1997. Página da Web.
2. Folha de S. Paulo, São Paulo, 24.1.2000. Página da Web. 6. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 83.
3. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27.7.2002. Página da Web. 7. Marquês de Maricá, Máximas, Pensamentos e Reflexões. Página da Web.
REGÊNCIA VERBAL 207
206 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
Nenhuma das minhas ideias políticas se alterou nos Estados Unidos, mas nin-
Tão antigo quanto o hábito de presentear, os bazares são um fenómeno cada guém aspira o ar americano sem achá-lo mais vivo, mais leve, mais elástico do que os
vez mais em voga no Brasil. Há versões, beneficentes ou não, para agradar os mais outros saturados de tradição e autoridade, de convencionalismo e cerimonial. Essa
variados gosto f. impressão não se apaga na vida. Aquele ar, quem o aspirou uma vez, prolongadamente,
não o confundirá com o de nenhuma outra parte; sua composição é diferente da de
Essa regência, embora pareça moderna, já era utilizada por autores todos12.
clássicos mais antigos, como o Padre António Vieira e o Padre Manuel
Bernardes: No sentido de pretender, ter por objetivo, é TRANSITIVO INDIRETO e
sua regência se constrói com a preposição a:
Já foi (o verbo agradar) trans. dir.: o agradavam (Vieira, Sermões, XV, 275);
agradá-lo (Bernardes, Nova Floresta, IV, 368)9. Wilde dizia que a arte nunca deveria aspirar à popularidade, mas o público deve
aspirar a se tornar artístico.
Agradecer
Além disso, nos EUA, as oportunidades de crescimento na carreira são cla-
Este verbo é TRANSITIVO DIRETO E INDIRETO. Alguém agradece ramente colocadas. Um policial competente pode aspirar aos cargos mais altos da
polícia13.
alguma coisa (objeto direto) a alguém (objeto indireto).
Rubião curou-se, atou o lenço na mão; a mulher do colchoeiro escovou-lhe o Assistir
chapéu; e, quando ele saiu, um e outro agradeceram-lhe muito o benefício da salvação
dofilho10. Como dissemos no início do capítulo, assistir, no sentido de ser especta-
dor, é TRANSITIVO INDIRETO, exigindo a preposição a, como em:
Modernamente, esse verbo vem sendo usado com objeto indireto e ad- Se algumas pessoas deixaram de comparecer, para não assistir à glória do Rubião,
junto adverbial de causa introduzido pela preposição por, como em: muitas outras foram, - e não da ralé, - as quais viram a compunção verdadeira do antigo
mestre de meninos14.
Quero agradecer à Lygia pelas informações sobre o quarto longa-metragem de
cinema que o Bon Jovi está filmando".
No sentido de prestar auxílio, muito pouco usado hoje em dia, empre-
gava-se com ou sem a preposição a, como podemos ver nos dois trechos, a
Algumas vezes, um desses complementos não se materializa na frase,
seguir, de autoria do Padre António Vieira:
ficando apenas subentendido, como em:
Viu Isaías aqueles serafins que todos sabem, e o que eu não sei entender é como
Há pessoas que se esquecem de agradecer a beleza do dia que surge.
os ditos serafins assistiam a Deus e não viam a Deus. Assistiam a Deus, porque estavam
diante do trono de Deus15. '
Aspirar

No sentido de sorver ar, é TRANSITIVO DIRETO:

12. Joaquim Nabuco, Minha Formação, p. 139.


13. Folha de S. Paulo, São Paulo, 3.8.1997. Página da Web.
8. Revista Isto É, São Paulo, 2.12.1998. Página da Web. 14. Joaquim Maria Machado de Assis, Quincas Borba, p. 31.
9. Antenor Nascentes, O Problema da Regência, p. 33. 15. Pé. António Vieira, "Sermão do Santíssimo Sacramento". Em Sermões, vol. 1. Página
10. Joaquim Maria Machado de Assis, Quincas Borba, p. 77. da Web.
11. Folha de S. Paulo, São Paulo, 27.1.1997, caderno 2, p. 5.
REGÊNCIA VERBAL 209
208 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

Não se aquietando porém Roboão com este conselho, diz o mesmo texto que con- Antigamente estavam os tribunais às portas das cidades: agora estão as cidades às
sultou o negócio com os moços, com quem se tinha criado e o assistiam16. portas dos tribunais. Efeitos terríveis das dilações no atender os requerimentos21.

Um outro uso antigo de assistir era o de morar, ficar, estar presente, que Por esse motivo, esse verbo também se constrói na voz passiva. Exem-

também podemos ver no texto a seguir de Tomás António Gonzaga: plos:

LIRA XXXVII Em fevereiro de 1973, Elvis desmaiou durante um show em Lãs Vegas efoi atendido
por um médico que estava na plateia. Em agradecimento, Elvis deu a ele um Lincoln
[...] Continental, um dos carros mais caros da época22.
Entra nesta grande terra,
Deputado da conciliação dos partidos viu governar o Marquês de Paraná, e instou
Passa uma formosa ponte,
Passa a segunda, a terceira por algumas nomeações em que foi atendido23.
Tem um palácio defronte.
Chamar
Ela tem ao pé da porta
Uma rasgada janela, No sentido de mandar vir é TRANSITIVO DIRETO:
É da sala, aonde assiste
A minha Marília bela". A Fuvest chama mais 150 candidatos aprovados.

Atender
Algumas vezes, é empregado, nesse sentido, com a preposição por:
Esse verbo é TRANSITIVO INDIRETO, pedindo complemento precedido Gurgel tornou à sala e disse a Capitu que a filha chamava por ela24.
da preposição a:

O surfe está fora da Olimpíada de Sydney-2000. O esporte não atendeu ao quesito No sentido de possuir um nome próprio, emprega-se na voz passiva
de ser praticado oficialmente em 80 países18. pronominal:
Ao cabo de alguns anos de peregrinação, atendi às súplicas de meu pai19.
Esse agente chamava-se António Joaquim Ramos, e era o mesmo de quem o velho
tomara emprestado o nome25.
No entanto, observa-se que a preposição a pode ser dispensada, como
exemplificam os trechos a seguir:
No sentido de dar nome, a coisa nomeada tanto pode ser objeto direto,
Em dezembro último, o Supremo Tribunal Federal (STF) atendeu o recurso de uma como objeto indireto:
empresa considerando a cobrança ilegal20.

21. Pé. António Vieira, "Sermão da Terceira Dominga da Quaresma". Em Sermões, vol.
16. Pé. António Vieira, "Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma". Em Sermões,
1. Página da Web.
vol. 1. Página da Web.
22. Folha de S. Paulo, São Paulo, 11.8.1997, caderno 5, p. 6.
17. Tomás António Gonzaga, Marília de Dirceu, p. 154.
23. Joaquim Maria Machado de Assis, Quincas Borba, p. 72.
18. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5.6.1997, caderno 4, p. 8.
24. Idem, Dom Casmurro, p. 155.
19. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 68.
25. José de Alencar, Senhora, p. 58.
20. Folha de S. Paulo, São Paulo, 15.1.1997, caderno 2, p. 3.
210 GRAMÁTICA MtNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
REGÊNCIA VERBAL 211
OBJETO DIRETO Como Sofia não confessasse nada, Rubião chamou-lhe de bonita, e ofereceu-lhe o
Cena 1: um casal joga ténis. O marido lança a bola, que cai fora. Alega, então, que solitário que tinha no dedo; ela, porém, conquanto amasse as jóias e tivesse a intuição
a bola havia caído dentro da quadra. A mulher o chama de cara-de-pau26. dos solitários, recusou medrosamente a oferta30.

- O Rio de Janeiro é sem dúvida superior na majestade da natureza; o Recife, po-


) Chegar
rém, prima pela graça e louçania. A nossa corte parece uma rainha altiva em seu trono
de montanhas; a capital de Pernambuco será a princesa gentil que se debruça sobre as ) Em seu uso mais comum, é INTRANSITIVO, acompanhado de adjunto de
ondas dentre as moitas de seus jardins.
• lugar, indicando origem ou destino. Indicando origem, sua regência constrói-se
- É por isso que a chamam de Veneza brasileira2'''.
com preposição de. Indicando destino, com preposição a:
OBJETO INDIRETO Fernanda Torres chegou de Paris na semana passada.
Pois essa substância ou verdade, esse princípio indestrutível é que é Humanitas. O bispo chegou ao local no final da manhã, levando dois violões.
Assim lhe chamo, porque resume o universo, e o universo é o homem.
Rubião lembrou-se de uma comparação velha, mui velha, apanhada em não sei que Atualmente, no português do Brasil, é bastante comum o uso da pre-
décima de 1850, ou de qualquer outra página em prosa de todos os tempos. Chamou posição em, quando se trata de destino:
aos olhos de Sofia as estrelas da terra, e às estrelas os olhos do céu. Tudo isso baixinho
Ela diz que chegou em seu compromisso com Ihl5 de atraso e culpa a Fone Táxi
e trémulo28.
pelo transtorno31.
A top Adriana Lima já chegou em Nova York por cima do filé mignon32.
Modernamente, a construção predominante é a de chamar como ver-
bo TRANSITIVO DIRETO, com o predicativo precedido da preposição de.
Com a palavra casa, parece que é uma unanimidade o uso da preposição
Exemplos sem preposição são bastante raros. No texto a seguir, temos um
em, como vemos em:
exemplo de ausência e outro de presença da preposição:
Segundo a polícia, Ricardo chegou em casa embriagado e começou a quebrar móveis
A cultura muda de lugar, ela não está mais nos mesmos endereços. Se o que você e eletrodomésticos33.
chama banalização é o cinismo habitual da mídia, eu não gosto, mas se você chama de
banalização o fato de que há informações e elementos de cultura que são transmitidos
Esse uso contraria um mais antigo, que encontramos em trechos como:
a povos inteiros, que antes eram absolutamente ignorantes, em comparação a gerações
anteriores, então é muito bom29. - Chegando a casa há pouco, entregaram-me uma carta sua, em que me participava
o seu casamento34.
A construção de chamar como verbo transitivo indireto, com predica- Enxuguei os olhos, repito, e fui andando, ansioso agora por chegar a casa, e pedir
tivo precedido da preposição de é muito pouco encontrada no português do perdão a minha mãe do ruim pensamento que tive35.

Brasil. Eis aqui um desses raros exemplos:


30. Joaquim Maria Machado de Assis, Quincas Borba, p. 177.
31. Folha de S. Paulo, São Paulo, 13.1.1997, caderno 3, p. 9.
26. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19.1.1997, p. 15. 32. Idem, 8.4.1997, caderno 2, p. 4.
27. José de Alencar, Senhora, p. 74. 33. Idem, 14.1.1997, caderno 3, p. 5.
28. Joaquim Maria Machado de Assis, Quincas Borba, pp. 19, 39. 34. José de Alencar, A Viuvinha, p. 18.
29. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12.1.1997, caderno 5, p. 5. 35. Joaquim Maria Machado de Assis, Dom Casmurro, p. 134.
REGÊNCIA VERBAL 213
212 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
Disque O 800 e colabore com R$15 para o programa "Criança Esperança".
O motivo da substituição da preposição a por em se deve a um fenómeno
chamado prolepse, que quer dizer antecipação. Quando dizemos cheguei em
Modernamente, é comum utilizar essa preposição para introduzir o alvo
casa, antecipamos a situação de já estar na casa. Temos, em português, um
da colaboração em frases como:
outro caso semelhante: a expressão pular na água. A rigor, deveríamos dizer
pular para a água. Pular na água seria a ação de alguém que já está dentro )
Ela colabora muito com a economia da casa.
Eu colaborei com um empregado lá da fábrica, no ano passado.
d'água e lá principia a pular. A construção com prolepse do verbo pular já >

se consolidou no português do Brasil. No caso do verbo chegar, entretanto, »


Esse uso da preposição com em lugar de para já é aceito na língua pa-
isso parece ter acontecido apenas quando o complemento é a palavra casa. )
drão mas pode, algumas vezes, levar a ambiguidades. No último exemplo,
Dizer cheguei em casa soa muito mais natural no português do Brasil do
dependendo do contexto, a frase pode ser interpretada como a ação de
que cheguei a casa.
"emprestar" um funcionário para alguma outra função, em vez de oferecer
Colaborar algo a ele.

Esse verbo é TRANSITIVO INDIRETO e rege complemento introduzi- Constar


do pela preposição para, indicando o alvo favorecido ou prejudicado pela Verbo TRANSITIVO INDIRETO, no sentido de ser composto ou formado
colaboração: de, exigindo a preposição de:
Uma série de desvantagens colabora para a decadência do algodão brasileiro, como A linha de produtos da LBE consta de seis produtos, que têm aplicação de acordo
a falta de financiamento para comercialização, a colheita manual e sua qualidade inferior com o ciclo em que se encontra a planta39.
frente ao importado36.
Naquelas cinco cidades não há mais que quatro justos, de que consta a família de
Lot, sobrinho de Abraão40.
No sentido de escrever, rege complemento introduzido pela preposição
em: No sentido de ser mencionado, fazer parte de uma relação, de uma obra
...Era a coleção dos periódicos em que colaborara ou que redigira no Recife... sua regência constrói-se com a preposição em:
Estavam ali vinte anos de sua vida... Toda essa série dispersou-se, desapareceu...37
Evita tingiu os cabelos de loiro em 1944, para fazer o filme La Cabalgata dei Cir-
Com uma reputação firmada no panteão literário britânico, Alain de Botton colabora co. A informação consta no livro Eva Perón - A Madona dos Descamisados, de Alicia
com frequência na grande imprensa e se dispôs a falar à Folha, em Londres38. Dujovne Ortiz41.
No nome oficial desses clubes consta a sigla S.P.A. (Società Per Azioni - em português,
Quando a matéria da colaboração se faz presente, é introduzida pela sociedade por ações), que representa o lado empresarial dos times42.
preposição com:
39. Folha de S. Paulo, São Paulo, 8.1.1997, caderno 3, p. 6.
40. Pé. António Vieira, "Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma". Em Sermões,
vol. 1. Página da Web.
36. Folha de S. Paulo, São Paulo, 26.2.1997, caderno 4, p. 6.
41. Folha de S. Paulo, São Paulo, 11.1.1997, caderno 3, p. 4.
37. Joaquim Nabuco, Minha Formação, p. 151.
42. Idem, 4.1.1997, caderno 4, p. 5.
38. Folha de S. Paulo, São Paulo, 23.3.1997, caderno 5, p. 16.
214 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO REGÊNCIA VERBAL 215

Custar Emprestar

TRANSITIVO INDIRETO, no sentido de ser difícil, sua regência exige um Emprega-se esse verbo como TRANSITIVO DIRETO, apenas no sentido
objeto indireto e tem sempre uma oração como sujeito. Exemplo: de ceder por empréstimo:

Nisto entrou o moleque trazendo o relógio com o vidro novo. Era tempo; já me O FMI já emprestou 20 bilhões ao Brasil neste ano.
custava estar ali; dei uma moedinha de prata ao moleque; disse a Marcela que voltaria A paróquia São Bento, na igreja matriz de Araraquara, emprestou objetos conside-
noutra ocasião, e saí a passo largo43, rados sagrados para a encenação da peça "Mistérios Gozosos" na cidade, em novembro
de 199547.
O objeto indireto pode não aparecer expresso, algumas vezes, como
em: No sentido de obter por empréstimo, usa-se pedir emprestado, tomar

O jogo é um dos mais emocionantes de brincar. Tem gráficos impressionantes,


emprestado, receber emprestado. O adjetivo participial emprestado concorda
som super-real, boas opções e é bem fácil de pilotar. Mas custava darem mais atenção com aquilo que se recebe emprestado:
a pequenos detalhes^
Mais tarde, quando decidiu ir embora, Fontana pediu o celular de Pinheiro em-
prestado™.
Esse complemento pode ser inferido do contexto: Custava aos autores
Foi só nessa ocasião que Aurélia cedeu às instâncias do Dr. Torquato Ribeiro e
do jogo darem... recebeu dele emprestados cinquenta cruzeiros'1''.
A oração subjetiva pode também aparecer precedida da preposição a,
Esquecer
puramente expletiva, sem valor sintático, como em:
Tudo ficou sob a guarda de Dona Plácida, suposta, e, a certos respeitos, verdadeira É empregado como TRANSITIVO DIRETO:
dona da casa. Custou-lhe muito a aceitar a casa; farejara a intenção, e doía-lhe o ofício;
mas afinal cedeu45. Quis saber se eu não esquecera os projetos eclesiásticos de minha mãe"0.

No sentido de demorar, modernamente, têm surgido construções já Ou como TRANSITIVO INDIRETO REFLEXIVO:

aceitas na língua padrão, em que custar tem um sujeito humano, como Não me podia esquecer da suave perspectiva, à beira do Tejo, de Oeiras a Belém,
em: cuja tonalidade doce e risonha nunca outro horizonte me repetiu51.
Pela segunda vez no Rio-São Paulo um juiz deu o segundo cartão amarelo a um
Quando desliguei o telefone me virei, deparei-me com um maço de fotos Polaroid
jogador e se esqueceu de expulsá-lo imediatamente52.
pornográficas em cima da lareira. Custei um pouco aperceber que era Soon-Yi, minha
filha46.

47. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19.2.1997, caderno 3, p. 4.


48. Idem, 19.11.2002. Página da Web.
43. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 95. 49. José de Alencar, Senhora, p. 133.
44. Folha de S. Paulo, São Paulo, 26.4.1997, caderno 2, p. 5. 50. Joaquim Maria Machado de Assis, Dom Casmurro, p. 51.
45. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 139. 51. Joaquim Nabuco, Minha Formação, p. 84.
46. Mia Farrow, Folha de S. Paulo, São Paulo, 5.2.1997, caderno l, p. 4. 52. Folha de S. Paulo, São Paulo, 26.1.1997, caderno l, p. 4.
REGÊNCIA VERBAL 217
216 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
Na revisão dos 10 000, informei à concessionária (objeto indireto) que havia barulho
Antigamente, empregava-se tendo como sujeito o objeto do esqueci- no painel e nas portas (objeto direto).
mento, como podemos ver no seguinte trecho de Machado de Assis:
Capitu amava-me! E as minhas pernas andavam, desandavam, estacavam, trémulas Por esse motivo, esse verbo admite duas construções passivas, em que
e crentes de abarcar o mundo. Esse primeiro palpitar da seiva, essa revelação da consciên- os objetos diretos passam à condição de sujeitos:
cia a si própria, nunca mais me esqueceu, nem achei que lhe fosse comparável qualquer
a) Na revisão dos 10000, a concessionária (sujeito) foi informada de que havia
outra sensação da mesma espécie53.
barulho no painel e nas portas.
b) Na revisão dos 10 000, foi informado à concessionária que havia barulho no
Implicar
painel e nas portas, (sujeito oracional)
No sentido de abranger, pressupor, é TRANSITIVO DIRETO e, portanto,
emprega-se sem preposição: Os verbos avisar, cientificar e notificar apresentam a mesma regência.
É importante destacar que o verbo comunicar é construído apenas dentro
"A pirataria implica corte de investimentos e redução de contratações", argumenta
Almeida. do esquema b): comunicar a alguém algo, em que alguém = objeto indireto
Fazer parte de um mundo internacionalizado, porque interconectado, implica ter e alguém = objeto direto:
capacidade de oferecer serviços pessoais no mercado aberto e conectado que, aos poucos,
Um banhista comunicou ao salva-vidas (objeto indireto) o sumiço da placa (objeto
vai se estabelecendo no mundo54. direto).

Informar
Por esse motivo, sua única opção de voz passiva é:
Este verbo é TRANSITIVO DIRETO E INDIRETO e permite duas opções
O sumiço da placa (sujeito) foi comunicado ao salva-vidas por um banhista.
de regência:

a) informar alguém de algo, em que alguém = objeto direto e algo — objeto Construções como
indireto: *O salva-vidas foi comunicado do sumiço da placa por um banhista,

Na revisão dos 10 000, informei a concessionária (objeto direto) de que havia barulho
no painel e nas portas (objeto indireto). ou
Tive a impressão de que o ministro não tinha ideia da gravidade da situação.
*Eu comuniquei o Ministro de que haverá déficit.
Informei-o (objeto direto) de que o produto podia causar paradas respiratórias e levar à
morte (objeto indireto)55.
que acontecem por contaminação com a regência de verbos como informar,
b) informar a alguém algo, em que alguém - objeto indireto e algo - objeto avisar, são malformadas e não têm amparo na língua padrão.
direto:
Lembrar

Esse verbo é TRANSITIVO DIRETO E INDIRETO e apresenta uma série


53. Joaquim Maria Machado de Assis, Dom Casmurro, p. 33.
de possibilidades de construção. Exemplos:
54. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31.7.2002. Página da Web.
55. Folha de S. Paulo, São Paulo, 4.10.1997, caderno 3, p. 4.
REGÊNCIA VERBAL 219
218 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
Dos olhos, onde faz seu filho o ninho,
Esse vestido me lembra aquela festa do ano passado. Uns espíritos vivos inspirava,
Você agir assim me lembra seu irmão. Com que os Poios gelados acendia,
Quero lembrar a você o compromisso de amanhã. E tornava do Fogo a esfera fria58.
Nunca me lembro de quem telefona.
Nunca me lembro quem telefona. (Com elipse da preposição de)
) Quem ia afrontada (- ofegante) no caminho era Vénus, deusa da beleza,
Antigamente, eram também comuns construções com sujeito oracional
l que, nesse episódio, vai visitar Zeus, seu pai, para pedir-lhe que proteja os

precedido da preposição de:


l portugueses em sua viagem para as Índias. O texto diz que Vénus ia ofegante
) e se mostrava tão formosa em seu rosto (gesto antigamente significava rosto)
Lembra-me, como se fosse ontem, lembra-me de o ver erguer-se, com a sua longa l que namorava (= provocava amor) em tudo quanto a via: as estrelas, o céu
cabeleira de rabicho, casaca de seda, uma esmeralda no dedo, pedir a meu tio padre que
lhe repetisse o mote56.
' e o ar vizinho.
l Atualmente, o sentido de namorar é o de manter relação afetiva com
Morar l alguém e usa-se como TRANSITIVO DIRETO. Exemplos:
Este verbo é INTRANSITIVO, empregado com adjunto de lugar, prece- ) Namorava um cara do trabalho, que conhecia essa minha amiga também, e por
dido da preposição em. Exemplos:
l isso tudo parecia muito familiar59.
Ezequiel aos cinco anos, um rapagão bonito, com os seus olhos claros, já inquietos,
Moro na rua da Consolação. como se quisessem namorar todas as moças da vizinhança, ou quase todas60.
- Só espero D. Sofia, acudiu Dondon com respeito, mas o senhor sabe onde é que
esta mora? Mora na Rua do Passeio''7.
O emprego desse verbo como TRANSITIVO INDIRETO, com a prepo-
sição com, é comum na língua oral e plenamente aceito na língua padrão.
O verbo residir segue a mesma regência:
Exemplos:
Fulano de tal reside na rua 7 de Setembro.
Ele namorou dois anos com uma menina bastante festiva. "Eu a deixava falando
com a festa toda e procurava a minha turma"61.
Namorar
"O francês é rude, mas só na aparência", diz a gerente de loja Patrícia Martins, 32,
Antigamente, esse verbo era TRANSITIVO DIRETO e significava provocar que já namorou com três franceses. Ela acredita que o jeito aparentemente estúpido de
ser "é só defesa"62.
amor em alguém, fazer alguém experienciar amor e é assim que aparece ri Os
Lusíadas de Camões, no trecho a seguir:
O uso da preposição com deve-se à contaminação de namorar por
E como ia afrontada do caminho, noivar e casar, verbos interligados pela proximidade de sentido e que se
Tão formosa no gesto se mostrava,
Que as Estrelas e o Céu e o Ar vizinho,
58. Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, 11-35.
E tudo quanto a via namorava.
59. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5.1.1997, caderno 3, p. 6.
60. Joaquim Maria Machado de Assis, Dom Casmurro, p. 195.
61. Folha de S. Paulo, São Paulo, 6.4.1997, caderno 3, p. 9.
56. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 42. 62. Idem, 4.5.1997, caderno 3, p. 4.
57. Idem, Quincas Borba,
Inrha. p. 1122.
n. 11
REGÊNCIA VERBAL 22Í
220 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
do verbo dever, a construir-se com OBJETO DIRETO DE COISA E INDIRETO
constróem com essa preposição: Está noivando com uma alemã. Casou com
DE PESSOA, precedido da preposição a ou para:
uma garota morena.
A Associação dos Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo
Obedecer (Apetesp) adquiriu o imóvel (Teatro Ruth Escobar) em setembro do ano passado por
R$ 5,5 milhões. Já pagou R$ 2 milhões à antiga proprietária - a Dinâmica, empresa da
Verbo empregado, na maioria das vezes, como TRANSITIVO INDIRETO,
atriz e ex-deputada estadual Ruth Escobar69.
com a preposição a:
Não quero fazer a galeria da abolição, mas, como dei, vencido pela saudade, dois
Tropas mais disciplinadas teriam obedecido às ordens de parar por ali, mas os ou três perfis, tão imperfeitos, de amigos, pagarei também o meu tributo a José do Pa-
homens do comandante Shah foram em frente. Era o primeiro dia de combates cm trocínio...10
Tora Bora63. Naquela época, se eu bobeasse, ia ter que pagar pensão para ele71.
- A senhora fará o que for de sua vontade. A minha obrigação é obedecer-lhe, como
seu servo, contanto que não lhe falte com o marido que a senhora comprou64. É bastante comum, modernamente, o emprego desse verbo com objeto
direto de pessoa, quando não se explicita o valor do pagamento:
Algumas poucas vezes, funciona como TRANSITIVO DIRETO, como
A prefeita disse que tem como prioridade inicial pagar em dia os servidores públicos,
em:
que estão com os salários atrasados72.
Agora, a tendência das ocupações é obedecer o princípio de que as famílias sejam
assentadas dentro do município onde moram65. Essa construção, embora condenada até mesmo por alguns gramáticos
modernos, já pode considerar-se dentro da língua padrão, como afirma o
Seu uso na voz passiva sempre foi aceito pela língua padrão:
grande filólogo brasileiro Antenor Nascentes:
Foi obedecido o procedimento usual de ciciar um mecanismo de suspiro por vez,
Que importa que não haja exemplos clássicos? A língua não tem direito de evoluir?
não foi fechada a escotilha do compartimento de máquinas66.
Não é científico admitir línguas vivas petrificadas. Em francês e em italiano aparece
Seria ridículo oferecer-lhe o que lhe pertence. A senhora manda, e é obedecida. objeto direto de pessoa, o que mostra a índole românica73.
Aurélia tomou o braço do marido, e afastou-se lentamente ao longo da alameda67.
Pedir
Pagar
Esse verbo é TRANSITIVO DIRETO e INDIRETO:
O verbo pagar tem origem no latim pacare, que significa pacificar. De
fato, parece que a maioria das pessoas fica em paz, após receber o valor de
uma dívida!68 Embora TRANSITIVO em sua origem, passou, por influência veio ao português e é utilizado nesse mesmo sentido, principalmente na linguagem jurídica:
"Já tinha solvido todas as dívidas". Do mesmo radical, temos as palavras solvência e insolvência,
de uso mais frequente.
63. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 7.12.2001. Página da Web. 69. Folha de S. Paulo, São Paulo, 11.1.1997, caderno 4, p. 6.
64. José de Alencar, Senhora, p. 208. 70. Joaquim Nabuco, Minha Formação, p. 180.
65. Folha de S. Paulo, São Paulo, 24.1.1997, caderno l, p. 9. 71. Folha de S. Paulo, São Paulo, 5.1.1997, caderno 3, p. 6.
66. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19.10.2001. Página da Web. 72. Idem, 2.1.1997, caderno 3, p. 3.
67. José de Alencar, Senhora, p. 238. 73. Antenor Nascentes, O Problema da Regência, p. 154.
68. No sentido de saldar uma dívida, os latinos utilizavam o verbo solvere, que também
222 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO > REGÊNCIA VERBAL 223

E inconsequência nossa considerar a Deus presente para nos ouvir, quando lhe )
José Dias achou que a eloquência estivera na altura da piedade. Um homem, que
pedimos graças ou clemência, e reputá-lo ausente para não ver, quando praticamos ações me pareceu jornalista, pediu-me licença para levar o manuscrito e imprimi-lo76.
indecentes e proibidas74.

Na língua oral informal e até mesmo na língua escrita, essa construção


Pode ser empregado também como TRANSITIVO DIRETO, uma vez
) vem tomando o lugar de pedir + oração objetiva direta, com sujeitos dife-
que o objeto indireto, que representaria a pessoa, instituição etc. a quem se
) rentes, em frases como:
pede, pode não se fazer presente, como em:
> Pouco antes de morrer, Ary Barroso pediu-me para levar Paulo à sua casa, na
O Ministério Público pediu a falência da empresa. Ladeira do Leme77.
Após um jantar de asiático-americanos que obteve US$ 1,1 milhão, Huangpedm a
Como se vê, não há a presença do objeto indireto. Subentende-se que Clinton para se opor ao artigo da lei que negava preferência a irmãos de norte-americanos
o Ministério Público tenha pedido a falência a um juiz ou a um tribunal. naturalizados que quisessem emigrar para os EUA78.

Na maioria das vezes, o objeto direto se apresenta sob a forma de oração,


Esse tipo de construção deve ser evitado por motivo de clareza, pois
como em:
l pode levar a interpretações ambíguas. No primeiro caso, não se sabe se Ary
Ribeiro pediu à Sabesp que instalasse a rede de esgoto. l Barroso pediu permissão a alguém para ele mesmo levar Paulo à sua casa
l ou se Paulo deverá ser levado por seu interlocutor. No segundo, não se sabe
Uma construção que costuma oferecer problema aos usuários é a desse
se Huang pediu permissão a Clinton para que ele mesmo se opusesse ao tal
verbo acompanhado da preposição para, como no texto a seguir:
artigo, ou se pede a Clinton que assuma essa tarefa. Se a regência fosse feita
Inocêncio alegou que comprara seis ternos e merecia algo como 30%. Pediu [para da maneira tradicional, teríamos, respectivamente: pediu que eu levasse Paulo
falar com o proprietário]''5. à sua casa e pediu a Clinton que se opusesse ao artigo da lei, o que elimina-
ria qualquer ambiguidade. CONCLUINDO, DEVEMOS USAR PEDIR PARA
Podemos observar que o sujeito de pedir é o mesmo àefalar e é agente,
APENAS QUANDO ENTRE PEDIR E PARA PODEMOS INSERIR A PALAVRA
em ambos os casos. Na verdade, pedir para é uma abreviação de expressões
LICENÇA OU PERMISSÃO. Do contrário, devemos optar pela regência tra-
como pedir licença para, pedir permissão para, que se constróem com oração
dicional, como nos seguintes trechos:
final. Exemplo:
Paulo respondeu:
Pediu (permissão, licença) para falar com o proprietário. - Nasci no aniversário do dia em que Pedro I caiu do trono.
E Pedro:
Não raras vezes, as palavras licença ou permissão aparecem explicitadas, - Nasci no aniversário do dia em que Sua Majestade subiu ao trono.
As respostas foram simultâneas, não sucessivas, tanto que a pessoa pediu-lhes que
como em:
falasse cada um por sua vez. A mãe explicou:

76. Joaquim Maria Machado de Assis, Dom Casmurro, p. 216.


74. Marquês de Maricá, Máximas, Pensamentos e Reflexões. Página da Web. 77. Folha de S. Paulo, São Paulo, 16.1.1997, caderno l, p. 2.
'• / . ' / / / , < ,/,• S. Paulo, São Paulo, 12.1.1997, caderno 2, p. 4. 78. Idem, 17.1.1997, caderno l, p. 14.
224 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO REGÊNCIA VERBAL 225

- Nasceram no dia 7 de abril de 187079. Talvez, por esse motivo, desenvolveu-se, mais recentemente, uma
Capitu tornou cá para fora e pediu-me que outra vez lhe contasse o que se passara construção alternativa de perdoar com objeto direto de pessoa que, hoje, já
com minha mãe80. é amplamente aceita na língua padrão. Exemplos:

Perdoar Florbela se amparava na irreverência, com a qual manifestou seu desprezo


pelas convenções sociais. A crítica salazarista nunca a perdoou; a via como uma
Por tradição, esse verbo é TRANSITIVO INDIRETO. Exemplo: mulher insaciável, eternamente insatisfeita com a vida e, assim, embotada da
visão de Deus85.
Cnsto perdoou a Pedro porque chorou, e se Pedro não chorara, não lhe havia Cristo
O rei Mohammed VI do Marrocos perdoou mais de 8 400 prisioneiros, como parte
de perdoar, como não perdoou a Judas. Pois se Cristo não perdoa a Pedro sem chorar,
dos festejos de seu casamento, que começaram hoje e durarão três dias86.
como nos há de perdoar a nós, se não choramos?81
- É um vadio e um bêbado muito grande. Ainda hoje deixei ele na quitanda,
Pisar
enquanto eu ia lá embaixo na cidade, e ele deixou a quitanda para ir na venda beber.
- Está bom, perdoa-lhe, disse eu. Antigamente o verbo pisar era empregado mais frequentemente como
- Pois não, nhonhô manda, não pede. Entra para casa, bêbado!82
TRANSITIVO DIRETO, como em:

A voz passiva, tendo como sujeito o objeto do perdão, sempre foi usual, O olhar da opinião, esse olhar agudo e judicial, perde a virtude, logo que pisamos
o território da morte67.
como em:
Não lhe bastava ser casada entre quatro paredes e algumas árvores; precisava do
Tenho razão para zangar-me com o senhor; não faço, porque sei que é bom, e estou resto do mundo também. E quando eu me vi embaixo, pisando as ruas com ela, paran-
que é sincero, arrependa-se do que me disse, e tudo lhe será perdoado^. do, olhando, falando, senti a mesma cousa. Inventava passeios para que me vissem, me
confirmassem e me invejassem88.

O que surpreende é que, mesmo em obras clássicas, esse verbo é en-


Nos dias de hoje, sua regência é influenciada pela iconicidade89. De
contrado na voz passiva, tendo como sujeito a pessoa perdoada, como em:
maneira geral, usamos esse verbo como transitivo direto apenas quando o
Durante alguns meses, Rubião deixou de ir ao Flamengo. Não foi resolução fácil de sentido é causar dano em. Exemplo:
cumprir. Custou-lhe muita hesitação, muito arrependimento; mais de uma vez chegou a
sair com o propósito de visitar Sofia e pedir-lhe perdão. De quê? Não sabia; mas queria E de fato, naquele dia, eu vi uma flor boiando no soalho. Não sei se alguém a
ser perdoado**. pisou90.

79. Joaquim Maria Machado de Assis, Esaú e Jacó, pp. 65-66. 85. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 28.7.2002. Página da Web.
80. Idem, Dom Casmurro, p. 91. 86. Idem, 2.7.2002. Página da Web.
81. Pé. António Vieira, "Sermão das Lágrimas de S. Pedro". Em Sermões, vol. 1. Página 87. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, pp. 71, 72.
da Web. 88. Idem, Dom Casmurro, p. 185.
82. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 137. 89. Princípio pelo qual se considera haver uma relação natural (não arbitrária) entre a
83. Idem, Quincas Borba, p. 123. representação linguística de uma coisa ou fato e a própria coisa ou fato.
84. Idem, pp. 126-127. 90. Nelson Rodrigues, A Cabra Vadia, p. 111.
REGÊNCIA VERBAL 227
226 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
COMPLEMENTO = PALAVRA
O sentido de pisar como machucar aparece até mesmo em situações que
Inicialmente localizado em uma área de mil metros quadrados da sede dos
não envolvem o uso dos pés, como em sangue pisado para referir-se a um Diários Associados, na r. Sete de Abril, o Masp logo teve sua área dobrada e, em dez
hematoma. No exemplo a seguir, podemos constatar esse uso: anos, precisou da nova sede, na av. Paulista, projetada pela arquiteta Lina Bo Bardi
(1914-1992)94.
E, além disso, vimos tudo. Vimos quando o automóvel o pisou. Vimos também os
arrancos triunfais do cachorro atropelado91.
COMPLEMENTO = ORAÇÃO
A crença em que uma sociedadeprecisa investir em pesquisa e desenvolvimento para
No sentido de caminhar sobre, utiliza-se, modernamente, esse verbo
manter sua competitividade é um dos paradigmas do breviário do desenvolvimento
como INTRANSITIVO, complementado por um adjunto adverbial de lugar
introduzido pela preposição em:
' social95.

O que a CBT precisa fazer é punir quem não se comporta. Jogou latinha na quadra?
Algumas vezes, utiliza-se a preposição de antes do complemento ora-
É só retirar o cara da arquibancada. Pisou na grama do castelo da Cinderela? Multa o cional, como em:
sujeito, ora!92
A vida é tão bela que a mesma ideia da morte precisa de vir primeiro a ela, antes
de se ver cumprida96.
O verbo pisar é utilizado ainda dessa maneira em expressões metafóricas
- Já se apeou? perguntou Virgília ao escravo.
como:pz'sar na bola, pisar na casca de banana, pisar no tomate, pisar em ovos - Já se apeou; diz que precisa muito de falar com sinhál
etc., em que o foco não é o dano eventualmente causado àquilo em que se - Que entre!97
pisa, mas o dano físico ou moral provocado naquele que pisou.
Veja-se o interessante efeito de sentido tirado da regência do verbo pisar, Essa construção aparece, hoje em dia, mais na fala coloquial, tendo, às
num depoimento sobre o jogador Domingos da Guia: vezes, caráter regional. Exemplos:

Domingos da Guia pisava a grama de leve, para não magoar a semente de sua arte93. Eu preciso de estudar muito mais esse ano.
Ele precisou de sair.

Percebe-se, nitidamente, a ideia de não causar dano à grama, sugerida Preferir


pelo uso de pisar como transitivo direto.
Esse verbo é TRANSITIVO DIRETO E INDIRETO e sua regência exige
Precisar a preposição a:
Modernamente, esse verbo é TRANSITIVO INDIRETO, exigindo a pre- Para piorar, o técnico inglês Bobby Robson prefere culpar seus atletas a fazer au-
posição de, quando seu complemento for uma palavra e, sem preposição, tocrítica pela queda de rendimento do Barcelona98.

quando for uma oração.


94. Folha de S. Paulo, São Paulo, 9.1.1997, caderno l, p. 4.
95. Idem, 2.1.1997, caderno 2, p. 2.
96. Joaquim Maria Machado de Assis, Dom Casmurro, p. 227.
91. Idem, p. 85. 97. Idem, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 132.
92. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1.1.1997, caderno 3, p. 6. 98. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12.1.1997, caderno 4, p. 5.
93. Idem, 6.7.1997, caderno 4, p. 8.
228 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO REGÊNCIA VERBAL 229

Tudo indica que essa equipe económica prefere esfriar a economia como um todo indireto de coisa) ou proibir algo a alguém (objeto direto de coisa e indireto
a corrigir a sobrevalorização do real". de pessoa). A primeira regência é mais frequente na língua atual. A segunda
Os homens geralmente preferem ser enganados com prazer a ser desenganados é muito menos comum. Exemplos:
com dor e desgosto100.

COM OBJETO DIRETO DE PESSOA E INDIRETO DE COISA


Na maior parte das vezes, contudo, aquilo que se rejeita em favor
A Suprema Corte dos EUA decidiu que militantes antiaborto têm o direito de se
da preferência, e que seria introduzido pela preposição a, não é materia- dirigir a qualquer pessoa para expressar suas crenças. Proibi-los disso feriria a liberdade
lizado, ficando implícito pelo entendimento de outras partes do texto. de expressão, disse o órgão102.

Exemplo:
COM OBJETO INDIRETO DE PESSOA E DIRETO DE COISA
Depois de trabalhar em produções brasileiras e estrangeiras importantes [ . . . |
Se me der o capricho para fingir-me sóbrio, económico, trabalhador, estou em meu
Lewgoy já não vê as chanchadas com tanto rigor. Só pondera, bem-humorado, que
pleno direito; ninguém pode proibir-me esta hipocrisia103.
interpretar vilões traz um grave inconveniente: "Atrapalha na escalação para anúncios
publicitários, pois as empresas preferem os bonzinhos dafita"m.
) Às vezes, a pessoa a quem se proíbe algo fica incluída em uma oração
O que se rejeita em favor dos bonzinhos são os vilões, o que pode ser l
subordinada objetiva direta, ligada ao verbo proibir, como em:

deduzido pela leitura do texto. ) Quando percebi que o volume de dinheiro era alto demais e eu não ganhava nada,
Algumas vezes na linguagem escrita, mas, sobretudo na linguagem oral, ) proibi que o Maury usasse a conta10*.

o verbo preferir é construído da seguinte maneira: )


É comum, também, que essa pessoa não apareça explicitamente no
)
*Prefiro mais viajar de avião do que de navio. texto, ficando subentendida:
)
O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu qualquer exploração de áreas da Mata
Essa construção incorreta é resultado da "contaminação" de preferir pelo )
Atlântica até a aprovação de uma lei que regulamente o assunto105.
verbo gostar, em frases como: )

)
Gosto mais de viajar de avião do que de navio. Subentende-se que qualquer pessoa, de modo geral, está proibida de
)
explorar a Mata Atlântica.
Os termos mais... do que, por analogia, acabam copiados na regência )
de preferir. )
Querer

Proibir ) Esse verbo é TRANSITIVO DIRETO, podendo ter complemento lexical


) ou oracional. Vejamos um trecho da letra de uma música composta por Zé
Esse verbo é TRANSITIVO DIRETO EINDIRETO, semelhante aos verbos
) Rodrix e Tavito, que teve com principal intérprete a cantora Elis Regina:
informar e avisar. Pode-se proibir alguém de algo (objeto direto de pessoa e
)
102. Folha de S. Paulo, São Paulo, 20.1.1997, caderno l, p. 6.
)
99. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19.1.1997, caderno l, p. 7. 103. José de Alencar, Senhora, p. 185.
100. Marquês de Maricá, Máximas, Pensamentos e Reflexões. Página da Web. ) 104. Folha de S. Paulo, São Paulo, 7.1.1997, caderno l, p. 3.
101. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 7.8.2002. Página da Web. 105. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 4.7.2002. Página da Web.
)

)
230 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO REGÊNCIA VERBAL 231

Eu quero uma casa no campo Briggs respondeu a ele que [é mais fácil, através do caos, apreciar o mundo da mesma
Onde eu possa compor muitos rocks rurais maneira] que fazem os artistas há milhares de anos.
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito Às vezes, o objeto indireto assume forma pronominal, como em:
E nada mais106. Tinha escolhido, preparado, enfeitado o vestuário que levaria ao baile da Câmara
Municipal; só hesitava entre um colar de granada e outro de safira. Anteontem pergun-
Exemplo de querer com complemento oracional: tou-me qual deles levaria; respondi-lhe que um ou outro lhe ficava bem™.

"Não consigo vender minha arte para dondocas. Quero que pessoas especiais com-
prem meu trabalho", desabafa107. Nos diálogos, a pessoa que recebe a resposta costuma ficar implícita.
Exemplos:
O verbo querer tem ainda uma construção que significa gostar, em que
DISCURSO DIRETO
funciona como TRANSITIVO INDIRETO:
D. Cláudia levantou-se da cadeira, rápida, e disparou esta pergunta ao marido:
Nunca Sofia compreendera o malogro daquela aventura. O homem parecia querer- - Mas, Batista, você o que é que espera mais dos conservadores?
-Ihe deveras, e ninguém o obrigava a declará-lo tão atrevidamente, nem a passar-lhe pelas Batista parou com um ar digno e respondeu com simplicidade:
janelas, alta noite, segundo lhe ouviu108. - Espero que subam111.

A origem dessa construção é a expressão querer bem, em que bem é DISCURSO INDIRETO
um substantivo. Pode dizer-se: quero bem a você, quero-lhe bem, mas, por Uma hora, o homem ouviu uma delas exclamar, surpresa: "Viu quem está ali atrás?"
A morena respondeu que não112.
economia, o substantivo quase sempre desaparece, passando o verbo querer
a incorporar esse sentido. Vejamos, a seguir, um exemplo em que o subs-
Quando o alvo da resposta não é uma pessoa, é mais comum esse com-
tantivo se mantém:
plemento ser precedido da preposição a:
- Não é segredo para a senhora que lhe quero bem. A senhora sabe disto, e não me
Deixaram de responder a 50% das queixas enviadas à coluna INSS (6) e Prefeitura
despede, nem me aceita, anima-me com os seus bonitos modos109.
de São Paulo (4), seguidos da Editora Três, que não respondeu a 28% das 7 cartas que
recebeu1".
Responder

Por tradição, e em sentido literal, esse verbo é TRANSITIVO DIRETO E Em um número menor de vezes, esse complemento aparece sem pre-
INDIRETO, pedindo objeto indireto (aquele ou aquilo a que se responde), posição, com função de objeto direto. Exemplos:
precedido da preposição a, e objeto direto (o que se responde), geralmente Resta saber se você, leitor, também abandona casca de coco na areia. Responda o
em forma de oração: teste ao lado e descubra o seu lado farofeiro"4.

106. Zé Rodrix e Tavito. Em http://home.iis.com.br/~freitas/pages/viomusicelis04htm, 110. Joaquim Maria Machado de Assis, O Alienista. Página da Web.
disponível em 9.8.2002. 111. Idem, Esaú e Jacó, p. 115.
107. Folha de S. Paulo, São Paulo, 3.1.1997, caderno 4, p. 8. 112. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 9.8.2002. Página da Web.
108. Joaquim Maria Machado de Assis, Quincas Borba, p. 124. 113. Idem, 10.8.2002. Página da Web.
109. Idem, p. 122. 114. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12.1.1997, caderno 3, p. 5.
REGÊNCIA VERBAL 233
2Í2 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO

Entretanto, a Câmara que respondera o ofício de Simão Bacamarte com a ressalva pronominal destacar-se. Por semelhança de sentido, alguns falantes dizem:
de que oportunamente estatuiria em relação ao final do §4°, tratou enfim de legislar quem se sobressai, influenciados por quem se destaca, quando deveriam dizer
sobre ele115.
apenas quem sobressai.
Servir
Visar
No sentido de prestar serviço como dependente de alguém, esse verbo O verbo visar, no sentido de dirigir o olhar para fazer pontaria ou para
tem dupla regência: TRANSITIVO DIRETO OU INDIRETO. Exemplos: pôr visto em um documento, é TRANSITIVO DIRETO. No sentido de pretender,
Posso dizer, quanto a mim, eu não teria ousado ser mais um dia pretendente a um objetivar é TRANSITIVO INDIRETO, exigindo a preposição a. Exemplos:
posto que custava tanto sofrimento, se não fosse para servir a causa de outros ainda
mais infelizes116. O contratorpedeiro Seafish manobrou o canhão de ré, visando a linha dagua do
navio inimigo.
Se servistes à pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis, ela o que cos-
tuma117. O Consulado visou mais de cem passaportes na primeira semana de férias.
O meu drama com ser francês, de precedência, de motivo sentimental, elevava-se,
Sobressair como composição literária, acima do espírito de nacionalidade, visava à unidade da
justiça, do direito, do ideal entre as nações121.
Esse verbo é INTRANSITIVO. Sua regência é construída da seguinte
Digo essas coisas para ajudar a compreender a tonalidade crítica deste livro, que
maneira: quase invariavelmente visa mais à verificação do que à avaliação, como se Roger Bastide
O embaixador Elbrick não é favorecido. Ele sobressai porque é o fiel da balança, é não se preocupasse muito em distinguir x» ruim do bom122.
o pêndulo, não está nem de um lado, nem do outro118.
A figura da pequena grande monja [Madre Teresa de Calcutá] sobressai como Algumas vezes, esse verbo aparece como transitivo, no sentido de pre-
vencedora diante de um mundo em que a violência e o ódio racial e étnico prosseguem tender, como em:
fazendo inumeráveis vítimas inocentes119.
Outras opções são os cursos "A Beleza do Ser", que visa o bem-estar pessoal, e o de
teatro de bonecos, oferecido pelo artista argentino Hector Lopez123.
Às vezes, esse verbo aparece utilizado como pronominal, como em:
"Normalmente, a maioria tem ideias pouco ousadas. Por isso quem se sobressai aí Essa regência, no entanto, ainda não é aceita na língua padrão.
já ganha muitos pontos", receita o consultor120.
Quando o complemento de visar é uma oração reduzida de infinitivo, a
língua padrão aceita plenamente a ausência de preposição, como em:
Essa construção, ainda não aceita na língua padrão, é fruto da con-
taminação do verbo sobressair com o verbo destacar, em sua construção Planejado no início dos anos 20, o Empire State foi parte de uma estratégia mega-
lómana que visava trazer para a cidade o título de nova capital do mundo124.
115. Joaquim Maria Machado de Assis, O Alienista. Página da Web.
116. Joaquim Nabuco, Minha Formação, p. 188.
117. Pé. António Vieira, "Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma", Sermões,
vol. 1. Página da Web. 121. Joaquim Nabuco, Minha Formação, p. 81.
122. Folha de S. Paulo, São Paulo, 10.1.1997, caderno l, p. 1.
118. Folha de S. Paulo, São Paulo, 23.1.1997, caderno 4, p. 5.
119. Idem, 6.9.1997, caderno l, p. 17. 123. Idem, 14.4.1997, caderno 6, p. 13.
120. Idem, 9.11.1997, caderno l, p. 8. 124. Idem, ibidem.
234 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO REGÊNCIA VERBAL 235

CONCLUSÃO FERNANDES, Millor. Frases. Disponível em <http://www.uol.com.br/millor/frases/fra-


ses01.htm.> Acesso em 9.2.2003.
Procurei descrever a regência de alguns verbos, nas situações em que GONZAGA, Tomás António. Marília de Dirceu. Porto Alegre, L&PM, 2002.
MARICÁ, Marquês de. Máximas, Pensamentos e Reflexões. Disponível em <http://www.
mais comumente surgem dúvidas quanto ao uso padrão. Trata-se de uma
bn.br> Acesso em 29.7.2002.
lista mínima. Com relação a outros verbos ou a outros empregos dos verbos MEIRELES, Cecília. Obra Poética. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1983.
tratados neste capítulo, é indispensável consultar um bom dicionário de NABUCO, Joaquim. Minha Formação. Rio de Janeiro, Topbooks, 1999.
regência. NASCENTES, Antenor. O Problema da Regência. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1960.
RODRIGUES, Nelson. A Cabra Vadia. São Paulo, Cia. das Letras, 1995.
É importante, também, levar em conta que, no uso criativo da língua, a
VIEIRA, Padre António. Sermões (vol. I). Disponível em <http://www.bn.br> Acesso
regência usual de um verbo pode ser subvertida, como faz Carlos Drummond em 29.7.2002.
de Andrade, no poema "O Amor Bate na Aorta":
ouço mãos que se conversam e que viajam sem mapa.
Vejo muitas outras coisas
que não ouso compreender...125

A regência do verbo conversar, na voz recíproca, com sujeito inanimado


(mãos), não existe em nenhum dicionário de regência, mas consegue transfe-
rir para a figura das mãos o entendimento entre os amantes. O mesmo ocorre
com o verbo viajar, com o mesmo sujeito (mãos), sugerindo as carícias feitas
por elas, de modo aleatório, nos corpos dos enamorados.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, José Martiniano de. A Viuvinha. São Paulo, Martin Claret, 2001.
. Senhora. Porto Alegre, L&PM, 2002.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. Rio de Janeiro, Record, 1997.
Assis, Joaquim Maria Machado de. Dom Casmurro. Porto Alegre, L&PM, 2002.
. Esaú e Jacó. Porto Alegre, L&PM, 2001.
. Quincas Borba. São Paulo, Martin Claret, 2001.
. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Porto Alegre, L&PM, 2002.
. O Alienista. Disponível em <http://www.bn.br> Acesso em 30.7.2002.
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas: Comentados por Augusto Epifania da Silva Dias. Rio de
Janeiro, MEC, 1972.

125. Carlos Drummond de Andrade, Antologia Poética, p. 145.


)
)
)
)
)
) 10
)
'
) COLOCAÇÃO DOS PRONOMES ÁTONOS
)
)
)
)
)
)
)
l 10.i PRONOMES PESSOAIS OBLÍQUOS ÁTONOS

Os pronomes pessoais oblíquos átonos em português são os seguintes:


me, te, se, nos, vos l o, a, os, as, lhe, lhes.
Os pronomes o, a, os, as possuem as variantes: Io, Ia, los, Ias, no, na, nos
e nas. O fato de serem átonos significa que, não possuindo acento tónico, se
apoiam em outra palavra, normalmente um verbo, formando com ele aquilo
que chamamos de vocábulo fonético. Vejamos o texto a seguir:

"Erotizada" - sim, erotizada! - pelas delícias da leitura ouvida, a criança se volta para
aqueles sinais misteriosos chamados letras. Deseja decifrá-los, compreendê-los ~ porque
eles são a chave que abre o mundo das delícias que moram no livro!1

Se lermos, em voz alta, as sequências decifrá-los e compreendê-los, per-


ceberemos que o pronome los se apoia foneticamente nesses dois verbos,
formando com eles uma unidade única, o tal vocábulo fonético. Os pronomes
átonos incluem-se entre os elementos clíticos da língua, palavra vinculada ao

1. Rubem Alves, Por uma Educação Romântica, p. 41.


COLOCAÇÃO DOS PRONOMES ÁTONOS 239
238 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
No português atual do Brasil, embora a ênclise continue majoritária,
radical grego klítos, que, juntamente com klínos, significa inclinação. Daí, a
existe a tendência de ampliar o uso da próclise.
extensão da metáfora de inclinar-se para apoiar-se.
Exemplos de ênclise do português atual do Brasil:

Hoje, assiste-se nos países desenvolvidos a um expressivo crescimento da adoção


10.2 ÊNCLISE E PRÓCLISE de teste do ácido desoxirribonucleico (DNA) para comprovar a origem de espécimes
valiosos5.
O problema que se coloca neste capítulo é se os pronomes clíticos que Em outras épocas, lançava-se na política com a disposição de ser amado ou odiado,
se apoiam nos verbos devem vir antes ou depois deles. No exemplo dado, - ou ambos ao mesmo tempo6.
parece que devem ficar onde estão, pois, se os deslocarmos para antes dos
verbos a que estão ligados, teremos sequências no mínimo bem pouco eufô- Exemplos de próclise no português atual do Brasil:
nicas como: deseja os decifrar, os compreender. Em artes se estudam história da arquitetura, pintura e escultura espanholas e as
Segundo sua posição, os pronomes átonos são chamados de endíticos, influências de outras culturas na arte espanhola.
quando vêm depois do verbo, e proclíticos, quando vêm antes dele. Um lance esportivo, um beijo nas crianças, a insistente declaração de fidelidade
conjugal, ser fã da novela das oito, o eleito se fabrica "just on time" à vontade do consu-
Pronome átono enclítico -> viu-me
midor7. (Fernando Gabeira)
Pronome átono proclítico -> me viu

A principal dificuldade enfrentada pelos brasileiros está ligada às


Na tradição portuguesa e brasileira, a colocação mais comum é a en-
situações em que se torna obrigatório antepor o pronome ao verbo, ou seja,
clítica:
colocá-lo em situação de próclise.
Nessa ocasião vendera-se outra propriedade dos Maias, a Tojeira.
E, ao lado, achava-se o fumoir, a sala mais cómoda do Ramalhete:
A sua longa residência em Inglaterra dera-lhe o amor dos suaves vagares junto 10.3 SITUAÇÕES EM QUE A PRÓCLISE É OBRIGATÓRIA
do lume2.

Logo que chegou, enamorou-se de uma viúva, senhora de condição mediana a. Em orações subordinadas desenvolvidas (com conjunção)
e parcos meios de vida, mas tão acanhada que os suspiros no namorado ficavam E às vezes parece que dizem meu nome,
sem eco. [que me andam seguindo], não sei por que lado8.
Não gostava de bronze, mas o amigo Palha disse-lhe que era matéria de preço, Será o medo de interpelar a imprensa, essa desmemoriada senhora, sempre lépida
e assim se explica este par de figuras que aqui está na sala, um Mefistófeles e um e ligeira quando [se trata de publicizar informações policiais ainda não investigadas?].
Fausto3.
A guerra civil guatemalteca, com um trágico saldo de 100 mil mortos e
Um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; .mais falto eu mais de 40 mil desaparecidos, era o último confronto armado da região, parte
mesmo, e esta lacuna é tudo 4 .

5. Pesquisa - Fapesp, maio 2002, p. 70.


6. Folha de S. Paulo, São Paulo, 2.9.2002. Página da Web.
2. Eça de Queirós, Os Maias. Texto da Web. 7. Idem, 2.9.2002, caderno F, p. 4.
3. Joaquim Maria Machado de Assis, Quincas Borba. Texto da Web. 8. Cecília Meireles, Obra Poética, p. 122.
4. Idem, Dom Casmurro. Texto da Web.
240 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO COLOCAÇÃO DOS PRONOMES ÁTONOS 241

de um longo embate ideológico [que se fez presente durante as últimas quatro e. Em orações interrogativas e exclamativas:
décadas]9.
Que se danem os dois!
Quem me pôs no coração este amor da vida, se não tu?
A próclise é obrigatória, mesmo que a conjunção que introduza a oração
Recuei espantado... Quem me dera agora o verbo solene de um Bossuet ou de
subordinada esteja elíptica, como em:
Vieira, para contar tamanha desolação!16
Solicitamos a V. Exa. nos envie duas vias da minuta do contrato.
/ Depois de advérbios, quando não há pausa entre ele e o pronome átono:
b. Em construções negativas
Depois se encontraram mais duas vezes.
Não te aflijas com a pétala que voa:
Também é ser, deixar de ser assim10.
Quando houver pausa entre o advérbio e o pronome átono, o pronome
O raro nunca se perde.
pospõe-se ao verbo:
Ele nunca se conformou com a separação e tentou reatar, afirmou uma colega de
trabalho da vítima11. Oito dias depois, encontrei-a num baile; creio que chegamos a trocar duas ou três
palavras17.
Em anos de assinatura da Folha, jamais lhes escrevi para reclamar ou tecer qualquer
comentário sobre sua linha jornalística!12
Nada se perde, tudo se transforma. OBSERVAÇÕES
• Quando o verbo estiver no infinitivo, mesmo que haja motivo de próclise
c. Em construções com pronomes indefinidos e demonstrativos
obrigatória, o pronome átono pode posicionar-se encliticamente em re-
A visão paranóica tem essa irresistível sedução da facilidade: tudo se explica num
lação ao infinitivo:
passe de mágica, todos os complicados elos da realidade se integram, desaparecem as
dúvidas13. Bom... nunca quis dissecá-lo como se faz com uma borboleta. Achei que podia
Aquilo me deixou com muitas dúvidas. acabar matando a borboleta. Trabalhei mais com minhas intuições18.
Isso se explica facilmente. Quase anónima sorris
E o sol doura teu cabelo.
d. Em construções que envolvam a palavra ambos: Por que é que, pra ser feliz,
É preciso não sabê-lo?'1'3
Não era oportuno o primeiro momento, porque, se nenhum de nós estava verde
para o amor, ambos o estávamos" para o nosso amor; distinção fundamental15.
Em ambos os exemplos, as palavras negativas (nunca, não) exigiriam
a próclise, mas, estando o verbo no infinitivo, o pronome pôde ficar enclí-
9. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1.1.1997, caderno l, p. 3. tico a ele.
10. Cecília Meireles, Obra Poética, p. 266.
11. Folha de S. Paulo, São Paulo, 4.1.1997, caderno l, p. 3.
12. Idem, 2.1.1997, caderno l, p. 3.
13. Idem, 6.1.1997, caderno 4, p. 8. 16. Idem, ibidem.
14. Para efeito de colocação, o demonstrativo átono o funciona como os pronomes 17. Idem, ibidem.
átonos em geral. 18. Folha de S. Paulo, São Paulo, 3.1.1997, caderno 4, p. 7.
15. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Página da Web. 19. Fernando Pessoa, Obra Poética, p. 560.
242 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO COLOCAÇÃO DOS PRONOMES ATONOS 243

« Em tempos mais antigos, em situação de próclise obrigatória, o prono- sua origem, tratava-se, na verdade, de uma locução verbal em que o verbo
me átono chegava a antepor-se à palavra negativa que exigia próclise. principal vinha antes e, depois dele, o verbo haver.
Exemplos: amar + hei amar + hia (por haveria)
amar + hás amar + hias (por haverias)
- Não tenho de que me arrepender, disse ele; e prefiro que me não perdoe. A
amar + há amar + hia (por haveria)
senhora ficará cá dentro, quer queira, quer não; podia mentir, mas que é que rende
a mentira? 20
Com a evolução da língua, o verbo haver passou a ser entendido apenas
A história do homem e da terra tinha assim uma intensidade que lhe não podiam
dar nem a imaginação nem a ciência, porque a ciência é mais lenta e a imaginação como desinência de futuro (fenómeno chamado de gramaticalização) e a
mais vaga21. letra h desapareceu da escrita. O fato de podermos usar a mesóclise é, pois,
apenas um vestígio da história da formação desses dois tempos verbais.
Essa colocação recebe o nome de apossínclise.

10.5 COLOCAÇÃO DE PRONOMES EM LOCUÇÕES VERBAIS


10.4 COLOCAÇÃO DE PRONOMES EM RELAÇÃO AOS TEMPOS
DO FUTURO Nas locuções verbais, o verbo principal pode assumir as formas do
infinitivo, gerúndio ou particípio. Exemplos:
Os pronomes átonos não se posicionam encliticamente nem ao futuro
Infinitivo -> Maria quer sair.
do presente, nem ao futuro do pretérito. Em lugar disso, na linguagem escrita, Gerúndio -» Maria estava saindo.
podem ser colocados "no meio do verbo", como em: Particípio -> Maria tinha viajado.

O principal elemento da presente campanha começa a ser a Questão do Sul. Com


a aproximação do dia 7 de novembro esse ponto de vista tornar-se-á mais importante
Em princípio, no português atual do Brasil, um pronome átono pode
do que todos os outros22. ocupar posição antes do verbo auxiliar, depois dele ou depois do verbo
A Atalaia será como o Anteu da fábula. De cada vez que cair, erguer-se-á com mais principal. Não pode colocar-se, entretanto, depois do particípio. Exemplos:
vida23.
INFINITIVO
Era mais próprio dizer que, na pugna pela justiça, perder-se-ia acaso a vida, mas
Maria pretende casar-se em maio.
a batalha ficava ganha24.
Maria se pretende casar em maio.
Maria pretende se casar em maio.
Essa colocação é conhecida como mesóclise e torna-se possível em
GERÚNDIO
português, dada a formação histórica de ambos esses tempos futuros. Em
Maria estava penteando-se.
Maria estava se penteando.
20. Joaquim Maria Machado de Assis, Quincas Borba. Página da Web. Maria se estava penteando.
21. Idem, Memórias Póstumas de Brás Cubas. Página da Web. PARTICÍPIO
22. Joaquim Nabuco, Minha Formação, p. 112.
Maria tinha se penteado.
23. Joaquim Maria Machado de Assis, Quincas Borba. Página da Web.
Maria se tinha penteado.
24. Idem, Dom Casmurro. Página da Web.
COLOCAÇÃO DOS PRONOMES ATONOS 245
244 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
10.6 PRONOMES ATONOS E INÍCIO DE ORAÇÃO
No português de Portugal, o pronome posicionado depois do verbo
auxiliar fica enclítico a ele. Exemplos: Para completar o capítulo, é necessário dizer que não se costuma iniciar
O Zé tinha-lhe dado um livro. uma oração tanto complexa quanto simples com pronome átono. Exemplos:
A Raquel pode-me ajudar25.
Somando-se o património de Bill Gates, o de Paul Allen e o de Steve Ballmer, que
dá 93 bilhões de dólares, descobre-se que o volume de dinheiro na direção dessa empresa
No Brasil, há a tendência de esse pronome apoiar-se foneticamente no é maior que o produto interno bruto de 43 países pobres29.
verbo principal, tornando-se proclítico a ele: Conservo-te o meu sorriso
O Zé tinha lhe dado um livro. para, quando me encontrares,
A Raquel pode me ajudar. veres que ainda tenho uns ares
de aluna do paraíso.. .30

Quando houver motivo de próclise obrigatória, o pronome átono fica


proclítico ou enclítico em relação à locução verbal como um todo, com ex- REFERÊNCIAS
ceção da ênclise ao particípio que, como dissemos, não existe em português:
ALVES, Rubem. Por uma Educação Romântica. Campinas, Papirus, 2002.
INFINITIVO Assis, loaquim Maria Machado de. D. Casmurro, <http://www.bn.br> Acesso em 30.7.02.
Maria não se pretende casar em maio. . Memórias Póstumas de Brás Cubas, <http://www.bn.br> Acesso em 30.7.02.
Maria não pretende casar-se em maio. . Quincas Borba, <http://www.bn.br> Acesso em 30.7.02.
MATEUS, Maria Helena Mira et ai. Gramática da Língua Portuguesa. Coimbra, Alme-
GERÚNDIO dina, 1983.
Maria não se estava penteando. MEIRELES, Cecília. Obra Poética. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1983.
Maria não estava penteando-se. NABUCO, Joaquim. Minha Formação. Rio de Janeiro, Topbooks, 1999.
PARTICÍPIO PESSOA, Fernando. Obra Poética. Rio de Janeiro, Aguilar, 1969.
QUEIRÓS, Eça de. Os Maias. <http://www.bn.pt/> Acesso em 29.8.02.
Maria não se tinha penteado.
OUTROS EXEMPLOS
É o casal que tem de iniciar-se nos prazeres da leitura antes de exigir que os filhos
o façam26.
A verdade é que o Ministério Rio Branco foi um Ministério reformista como desde
o Gabinete Paraná não se tinha visto outro e não se viu nenhum depois27.
O génio brasileiro tinha encarnado e disfarçado o drama de lágrimas e esperanças
que se estava representando no inconsciente nacional28.

25. Maria Helena Mira Mateus, Gramática da Língua Portuguesa, p. 501.


26. Revista Veja, São Paulo, 24.7.2002, p. 102. 29. Revista Veja, São Paulo, 24.6.2002, p. 74.
27. Joaquim Nabuco, Minha Formação, p. 41. 30. Cecília Meireles, Obra Poética, p. 170.
28. Idem, p. 190.
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) PONTUAÇÃO
-
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) ...,-..,
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) . ....
)
) 11.1 EMPREGO DE PONTO FINAL, RETICÊNCIAS, PONTO DE
) INTERROGAÇÃO E PONTO DE EXCLAMAÇÃO
">
Diferentes curvas entoacionais assinalam diferentes tipos de oração.
Quando baixamos a voz, no final de uma frase, produzindo uma curva so-
nora descendente em direção ao grave, queremos, com isso, passar ao nosso
> interlocutor a informação de que essa é uma frase declarativa (afirmativa ou
x negativa) que acaba de chegar ao fim. Exemplos:
) O congresso aprovou o orçamento.
\

' O congresso não aprovou o orçamento.


) grave

\a escrita, isso é indicado por um ponto chamado ponto final, que


\m pode ser empregado para indicar que uma palavra está abreviada,
x como em: pág., Sr. etc.
\s vezes, uma pessoa, ao dizer uma frase declarativa, não baixa a
•^ voz ao seu final, o que deixa o interlocutor em suspenso, esperando uma
*, continuação. O objetivo desse procedimento é sugerir, em vez de dizer, dei-

) 247

) .. _ . , .. . ' .
248 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO PONTUAÇÃO 249

xando ao interlocutor a tarefa de utilizar a imaginação para dar continuidade Sempre que pronunciamos um pronome interrogativo, elevamos nossa
ao sentido. Vejamos o seguinte trecho de Fernando Pessoa: voz a um tom agudo e isso indica que estamos produzindo uma oração in-
Tenho dó das estrelas terrogativa cuja resposta não pode ser apenas sim ou não. Exemplo:
Luzindo há tanto tempo,
Quando o congresso aprovou o orçamento?
Há tanto tempo...
agudo nivelado grave
Tenho dó delas1.

No terceiro verso, em vez de baixar a entoação para o grave, indicando Em ambos os casos, isso é assinalado, em português, por um ponto de
final de frase, Pessoa a mantém nivelada. O efeito de sentido é deixar o interrogação.
leitor sentir ainda, nesse suspense de silêncio, o prolongamento do tempo A expressão de diferentes emoções, como alegria, espanto, raiva etc. é
que decorre. Na escrita, esse prolongamento da entoação inicial da frase é assinalada, de modo geral, por uma curva ascendente final, acompanhada

indicado pelo uso das reticências [ . . . } . Um outro belo exemplo é o seguinte do alongamento da vogal tónica da última palavra da frase como em:

trecho de Manuel Bandeira: O congresso aprovou ° orçameento!


nivelado agudo
Que será que desperta em mim neste momento
Uma inquietação que é quase uma agonia?
Há um soluço lá fora... É o soluço do vento, Na escrita, isso é assinalado por um ponto de exclamação.
E parece sair de minhalma sombria2. Muitas vezes, pontos de exclamação, de interrogação e até mesmo as
reticências são empregados ao mesmo tempo, como em:
O recurso de manutenção da entoação inicial, representado pelas reti-
Olhe: o que devia de haver, era de se reunirem-se os sábios, políticos, constituições
cências, tem um efeito notável. É como se ele convidasse o ouvinte/leitor a
gradas, fecharem o definitivo a noção - proclamar por uma vez, artes assembleias, que
prestar atenção ao soluço lá f ora, dando-lhe tempo para aguçar sua percepção não tem diabo nenhum não existe não pode. Valor de lei! Só assim, davam tranquilidade
e, diante da dúvida ou do insucesso, fornecesse ele mesmo, logo em seguida, boa à gente. Por que o Governo não cuida?!3
a informação de que se trata do soluço do vento.
Se, em vez de baixar o tom da voz, levantamos esse tom, em curva Outro exemplo:
ascendente em direção ao agudo, indicamos, com isso, que estamos pro- A VIZINHA CANTA
duzindo uma oração interrogativa, cuja resposta pode ser sim ou não. De que onda sai tua voz,
Exemplo: que ainda vem úmida e trémula,
- corpo de cristal,
O congresso aprovou ° orçamento? - coração de estrela...?
agudo
tua voz, planta marinha,
árvore crespa e orvalhada:

1. Fernando Pessoa, Obra Poética, p. 148.


2. Manuel Bandeira, Estrela da Vida Inteira, p. 40. 3. João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, p. 8.
PONTUAÇÃO 251
250 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
que devemos assinalar, na escrita, por meio de uma vírgula. Dessa maneira,
- ramos transparentes,
- folhas de prata?... teríamos de reescrever a frase anterior como:

E de onde vai resvalando O congresso aprovou o orçamento, depois que os partidos entraram em acordo.
um puro, límpido orvalho:
- durável resina,
As vírgulas são, portanto, recursos gráficos utilizados para assinalar,
- dolorida lágrima...?4
na escrita, as quebras de ligação entoacional marcadas pela sintaxe e que
Nesse poema, o ponto de interrogação alterna posição com as reticências, promovem o "empacotamento" das frases de um texto em blocos prosó-
criando uma espécie de "rima feita de silêncio". dicos. Estudar o emprego da vírgula é, portanto, aprender a assinalar, na
Vamos, agora, explorar um outro aspecto da dinâmica da fala: a que escrita, as quebras de ligação entoacional originadas na sintaxe das frases.
leva ao emprego da vírgula. Essas quebras não são feitas de maneira aleatória. Ninguém poderia dizer,
por exemplo:

11.2 EMPREGO DA VÍRGULA / O congresso / aprovou o / orçamento /.

Quando falamos, nunca pronunciamos as palavras isoladamente, ou dividindo essa frase nesses três blocos prosódicos.
seja, não dizemos coisas como: O "empacotamento sintático-prosódico" favorece enormemente a
/ O / congresso / aprovou / o / orçamento /. compreensão daquilo que dizemos e a legibilidade daquilo que escrevemos.
Quebrar as ligações entoacionais de modo diferente pode mudar a sintaxe,
As crianças que estão aprendendo a ler fazem isso, muitas vezes, mas ocasionando, muitas vezes, sentidos completamente diferentes. Vejamos o
logo são corrigidas, para não lerem de modo artificial. seguinte texto:
Quando falamos, juntamos as palavras em unidades ou blocos fonéticos
Olha a manga, gostosa! Nada melhor que uma mulher que acabou de chegar à
chamados grupos entoacionais ouprosódicos. Assim, a frase anterior compõe- feira. Sacola na mão, fome de viver, sorriso de princesa. Os vendedores de frutas, peixes
-se de um único bloco prosódico: e verduras são mestres na arte de reconhecer talentos e animar as moças com os seus
adjetivos. Nem mesmo quando as mulheres estão acompanhadas, os feirantes dão sossego.
/ O congresso aprovou o orçamento /. Esperam você se distanciar um pouco, dois, três passos, e tome samba exaltação para
cima da sua cabocla. - "Olha a manga, gostosa!", bradam, administrando com malícia
Se reunirmos duas orações como: a vírgula e o duplo sentido na ponta da língua5.

/ O congresso aprovou o orçamento / depois que os partidos entraram em


acordo /.
Se o feirante dissesse à freguesa: / Olha a manga gostosa! /, empaco-
tando a frase em um único bloco prosódico, a palavra manga é que seria
observamos que, justamente na fronteira entre a oração principal (a primei- afetada pelo adjetivo gostosa. Mas, maliciosamente, ele quebra a ligação
ra) e a subordinada (a segunda), houve uma quebra de ligação entoacional
5. Folha de S. Paulo, São Paulo, 7.12.1997, caderno l, p. 5.
4. Cecília Meireles, Obra Poética, p. 163.
PONTUAÇÃO 253
252 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LfNGUA PADRÃO
Quando há apenas um adjunto adverbial em posição padrão, pode ou
entoacional entre o substantivo manga e o adjetivo gostosa, dizendo: / Olha
não haver quebra de ligação entoacional antes dele. Podemos dizer, pois:
a manga / gostosa! /
Isso altera a sintaxe da frase, fazendo com que o adjetivo gostosa passe / Paula deu um presente ao namorado ontem /.

a ter como referência a própria freguesa.


ou
a. Situações em que não se emprega a vírgula
/ Paula deu um presente ao namorado / ontem /.
Não há quebra de ligação entoacional entre o sujeito e o verbo e entre
o verbo e seus complementos. Uma frase como: "Paula deu um presente ao Por esse motivo, QUANDO EXISTE UM ÚNICO ADJUNTO ADVERBIAL EM
namorado" é pronunciada em um só bloco prosódico. Por esse motivo, não POSIÇÃO PADRÃO, A VÍRGULA É FACULTATIVA. Podemos escrever, portanto:
se coloca vírgula alguma, mesmo que um desses complementos esteja fora Paula deu um presente ao namorado ontem.
de sua posição padrão. Exemplo:
A meu amigo Rubem Braga ou
digam que vou, que vamos bem: só não tenho é coragem de escrever6. Paula deu um presente ao namorado, ontem.

A meu amigo Rubem Braga é um complemento do verbo dizer (objeto Imaginemos, agora, mais de um adjunto adverbial em posição padrão,
indireto) e está fora de posição, iniciando sua frase poética. Mesmo assim, em uma frase como:
não há vírgula. Por esse motivo, não devemos, ao fazer uma dedicatória,
Paula deu um presente ao namorado ontem depois do jantar.
separar por vírgula o nome da pessoa objeto da nossa cortesia. Exemplo:
À minha amiga Márcia dedico esse livro. Nessa situação, teremos de fazer pelo menos uma quebra de ligação
entoacional. Poderíamos fazer também duas quebras, o que nos levaria a
b. Situações em que há necessidade de vírgula
ter as seguintes possibilidades:
ADJUNTOS ADVERBIAIS EM POSIÇÃO PADRÃO
/ Paula deu um presente ao namorado /ontem depois do jantar /.
Adjuntos adverbiais, como vimos no capítulo da Oração Simples, são / Paula deu um presente ao namorado ontem / depois do jantar /.
aqueles que trazem a ideia de modo, tempo, lugar, meio, instrumento etc. A / Paula deu um presente ao namorado /ontem / depois do jantar /.
posição considerada padrão desses adjuntos é no final da oração. Se acres-
centássemos ao nosso primeiro exemplo um adjunto de tempo em posição Concluindo, temos de empregar pelo menos uma vírgula. Podemos
padrão, teríamos algo como: utilizá-la para separar o último adjunto, que ficaria isolado no final da frase,
ou para separar ambos, num só bloco, como em:
Paula deu um presente ao namorado ontem.
Paula deu uni presente ao namorado ontem, depois do jantar.
Paula deu um presente ao namorado, ontem depois do jantar.

6. Vinícius de Moraes, "Mensagem a Rubem Braga". Em O Operário em Construção e


Outros Poemas, p. 58.
254 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO PONTUAÇÃO 255

Podemos, também, utilizar duas vírgulas, separando os dois adjuntos Estranhamente, a dirigibilidade do carro não é muito mais difícil que nos 156
em blocos separados, como em: comuns .

Paula deu um presente ao namorado, ontem, depois do jantar. ADJUNTOS ADVERBIAIS SOB FORMA DE ORAÇÕES
Os adjuntos adverbiais podem apresentar-se, também, sob forma de
ADJUNTOS ADVERBIAIS FORA DA POSIÇÃO PADRÃO orações adverbiais, como foi estudado no capítulo das Orações Complexas.
Os adjuntos adverbiais têm grande mobilidade dentro da oração. Podem Nesse caso, independentemente de posição, as orações adverbiais constituem
ocupar praticamente qualquer posição dentro dela e, quando essa posição não
blocos prosódicos independentes e, por esse motivo, devem ser separadas
é a padrão (final da oração), sempre há uma quebra de ligação entoacional,
por vírgula. Exemplos:
como podemos ver em:
Paula deu um presente ao namorado, quando chegou o Natal.
/ Ontem l Paula deu um presente ao namorado /. Quando chegou o Natal, Paula deu um presente ao namorado.
/ Paula / ontem l deu um presente ao namorado /. Paula deu um presente, quando chegou o Natal, ao namorado.
/ Paula deu um presente i ontem l ao namorado /.
No caso acima, temos uma oração adverbial temporal. Outros
Por esse motivo, sempre que tivermos um adjunto adverbial fora da exemplos:
posição padrão - mesmo que seja apenas um - devemos separá-lo por
vírgula do resto da oração. Teremos, assim, as seguintes versões das ora- E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza10.
(se divertindo = oração adverbial modal)
ções anteriores:
Um conciliador é alguém que alimenta um crocodilo, esperando ser devorado
Ontem, Paula deu um presente ao namorado.
Paula, ontem, deu um presente ao namorado. por último".
Paula deu um presente, ontem, ao namorado. (esperando = oração adverbial causal)

c. Outras situações em que há quebra de ligação entoacional e que devem ser


É por esse mesmo motivo que separamos também, por vírgula, a loca- marcadas por vírgulas
lidade nas datas. Exemplo: "Campinas, 31 de janeiro de 2012".
TERMOS DE MESMA FUNÇÃO NÃO LIGADOS POR CONJUNÇÃO
Nos textos da mídia, embora seja possível encontrar um ou outro exem-
Em uma enumeração, fazemos pausas marcadas por vírgula, entre os
plo em que o adjunto, em posição inicial, não aparece separado por vírgula,
itens enumerados. Exemplos:
a maioria utiliza essa vírgula. Exemplos:
Sou apenas um quarentão e praticamente nenhum objeto de minha infância existe
Em seus 448 anos, São Paulo cresceu muito e desordenadamente7.
mais em sua forma primitiva [... ] Mil pequenos objetos de uso mudaram de forma, de
Em velocidade de cruzeiro, o GTA apresenta seu lado familiar, com muito conforto cor, de material12.
e estabilidade8.

9. Idem, ibidem.
10. João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, p. 15.
7. Revista Veja, São Paulo, 24.9.2002, p. 19. 11. Winston Churchill. Em Ruy Castro, O Melhor do Mau Humor.
8. Revista Automóvel, maio 2002, p. 34. 12. Rubem Braga, Ai de ti, Copacabana, p. 66.
PONTUAÇÃO 257
256 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
CONJUNÇÕES COORDENATIVAS DESLOCADAS PARA O MEIO DA ORAÇÃO
Deforma, de cor, de material são itens enumerados nesse texto e que estão
Em alguns casos, uma conjunção coordenada pode sair de sua po-
separados por vírgulas. É mais comum, porém, antes do último elemento
sição padrão, que é o início da oração que ela encabeça, e ocupar outras
enumerado, usar a conjunção e que fica, assim, com a função de orientar o
posições. Quando isso acontece, ela se destaca como um bloco prosódico
ouvinte/leitor de que "vem aí o último elemento da lista". É o que acontece
autónomo, dentro da frase. Por esse motivo, deve ser separada por vír-
no seguinte texto:
gulas. Exemplos:
O trabalho nos livra de três grandes males: o tédio, o vício e a pobreza13.
Todos deveriam fazer alguma atividade física diariamente; isso não quer dizer,
entretanto, que todos devem ser superatletas.
Nas enumerações, não se usa vírgula antes de e. Entre orações coorde-
A produção de milho pode atingir 35 milhões de toneladas este ano. Os preços ao
nadas aditivas, também não se usa vírgula antes de e, se os sujeitos são os
produtor, porém, não devem ultrapassar o mínimo fixado pelo governo.
mesmos, como em:

Maria Luísa saiu cedo de casa e só voltou à tarde. ORAÇÕES OU FRAGMENTOS DE ORAÇÃO DESLOCADOS DENTRO DE
OUTRA ORAÇÃO
Se os sujeitos forem diferentes, a vírgula é usada:
Quando falamos ou escrevemos, às vezes intercalamos uma oração ou
Maria Luísa saiu cedo de casa, e sua irmã, apenas ao meio-dia. um fragmento de oração dentro de outra. Esses elementos formam um bloco
prosódico que se destaca dentro da oração em que foram inseridos e, por
Muitas vezes, parece que uma vírgula está sendo usada antes do e, em
isso, são separados por vírgulas. Exemplos:
situações como:
O mar, recordo-me, tinha tonalidades de sombra, de mistura com figuras ondea-
Kennedy conseguiu que os mísseis fossem retirados de Cuba, finalmente, e trouxe, das de vaga luz - e era tudo misterioso como uma ideia triste numa hora de alegria,
assim, uma nova esperança de paz ao mundo. profética não sei de quê15.

Nesse caso, contudo, a vírgula não está antes do e, MAS DEPOIS DO O cheiro e a fumaça do cachimbo têm um poder "desrealizador" (essa palavra
inexistente, eu acho, é de Bachelard...)16
ADJUNTO ADVERBIAL FINALMENTE, fazendo par com a vírgula anterior,
para separá-lo e assinalar que ele forma, por si só, um único bloco prosódico.
APOSTO EXPLICATIVO
TERMOS DE MESMA FUNÇÃO SOB FORMA DE ORAÇÕES O aposto explicativo é sempre pronunciado como um bloco prosódico
Isso acontece, quando temos orações coordenadas aditivas não ligadas independente, marcado pela entoação. Por esse motivo, aparece sempre
por conjunção. Nesse caso, cada uma delas funciona como um bloco pro- entre vírgulas:
sódico único e, por isso, elas devem ser separadas por vírgulas. Exemplo: Eisenhower, comandante das tropas aliadas na Europa, era um homem otimista.
Ia passando na praia, vi a viúva, a viúva na praia me fascinou. Deitei-me na areia,
fiquei a contemplar a viúva14.

15. Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, p. 480.


13. Voltaire. Em Ruy Castro, O Melhor do Mau Humor. 16. Rubem Alves, O Amor que Acende a Lua, p. 161.
14. Rubem Braga, Ai de ti, Copacabana, p. 104.
PONTUAÇÃO 259
258 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
EXPRESSÕES EXPLICATIVAS OU DE RETIFICAÇÃO
O guarda-chuva tem resistido. Suas irmãs, as sombrinhas, já se entregaram aos
piores desregramentos futuristas e tanto abusaram que até caíram de moda17. Expressões como além disso, inclusive, isto é, a saber, aliás, outrossim,
com efeito etc. formam blocos prosódicos destacados dentro da frase e, por
Se o aposto for especificativo, não haverá vírgulas. Compare as duas esse motivo, são separadas por vírgulas, na escrita. Exemplos:
orações a seguir: Minha mãe vinha de um mundo completamente diferente. [...] Diziam, inclusive,
que um dos seus membros havia sido governador da província das Minas Gerais20.
Jucelino Kubitschek, presidente do Brasil, construiu Brasília. - ,
O presidente do Brasil Jucelino Kubitschek construiu Brasília. Na verdade, vivemos em um mundo quase inteiramente modelado segundo as
formas de nossos corpos. [...] É necessário e salutar, aliás, que a gente esqueça e acabe
Na primeira delas, presidente do Brasil é um aposto explicativo, uma vez lidando naturalmente com os objetos cotidianos como se eles devessem suas proporções
ao acaso .
que é um termo genérico que modifica Jucelino Kubitschek, que é espécie:
Jucelino Kubitschek, presidente do Brasil, ORAÇÕES ADJETIVAS EXPLICATIVAS
[ESPÉCIE] [GÉNERO] .
Ao contrário das orações adjetivas restritivas, que se mantêm ligadas
entoacionalmente às suas orações principais, as explicativas têm vida pro-
Logo, deve ser separado por vírgulas.
sódica própria. Exemplos:
Já, na segunda frase, o aposto é Jucelino Kubitschek, que é especificativo, Os artistas [que são vaidosos] costumam exagerar nos gastos pessoais.
uma vez que é um termo específico que modifica presidente do Brasil, que
é género: A oração encaixada no período acima é restritiva, porque atribui a
vaidade apenas a uma parte restrita dos artistas. Não há quebra de ligação
O presidente do Brasil Jucelino Kubitschek
[GÉNERO] [ESPÉCIE] entoacional entre ela e a oração principal. Por esse motivo, não há vírgulas,
na escrita, para separá-las. A pequena pausa que ocorre ao final das restri-
Logo, não deve ser separado por vírgulas. tivas serve apenas para agregá-las ao seu antecedente e nunca é assinalada
na escrita.
VOCATIVO
O vocativo, esteja ele em posição inicial ou não, constitui um bloco Os artistas, [que são vaidosos], costumam exagerar nos gastos pessoais.

prosódico único. Por esse motivo, deve ser separado por vírgula. Exemplos:
Essa oração é explicativa, uma vez que a vaidade é atribuída a todos
Minhas queridas discípulas, desejo-lhes, com um fiel cumprimento dos meus con-
os artistas. Nesse caso, há quebra da ligação entoacional entre a oração
selhos, inúmeras e desdobradas volúpias...18
principal e a explicativa. Por esse motivo, essa oração é separada por vír-
LADY ASTOR: Se você fosse meu marido, Winston, eu envenenaria o seu chá.
WINSTON CHURCHILL: E se eu fosse seu marido, Nancy, eu tomaria esse chá19.
gulas, na escrita.

17. Rubem Braga, Ai de ti, Copacabana, p. 66. 20. Rubem Alves, O Amor que Acende a Lua, p. 162.
18. Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, p. 427. 21. Folha de S. Paulo, São Paulo, 26.1.1997, caderno 5, p. 8.
19. Ruy Castro, O Melhor do Mau Humor, p. 82.
260 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO PONTUAÇÃO 261

No texto a seguir, temos duas orações adjetivas explicativas separadas O termo essa porta não faz parte da oração e recebe o nome de tópico
por vírgulas: dessa oração. Tem apenas a função de chamar a atenção do interlocutor.
Por esse motivo, é um elemento separado sintaticamente e prosodicamente.
Virada, em S. Salvador, essa página de violência e intolerância (as ações da guerri-
lha em S. Salvador), [que teve sua população civil como a maior vítima], espera-se que Entre o tópico e a oração, existe uma quebra acentuada de ligação entoa-
toda a América Central consolide o regime democrático, [que aos poucos se fortalece cional. Em função disso, na escrita, ele fica separado por vírgulas. Outros
na região]22,
exemplos:

ELIPSE DO VERBO A violência no Brasil, as pessoas têm de dar mais atenção a esse flagelo.
O Rui, ele acaba de sair.
Por questão de economia, podemos omitir, em uma oração, um verbo
Os conceitos, é preciso fabricá-los.
que já apareceu em outra anterior. Esse fenómeno chama-se elipse. Exemplo:
Uma mulher leva vinte anos para fazer de seu filho um homem - e outra mulher, A revista Auto Esporte, em uma matéria sobre o uso do macaco para
vinte minutos para fazer dele um tolo23. trocar um pneu furado, escreveu o seguinte:
Muitas pessoas já usaram a desculpa do pneu furado para justificar o atraso
Subentende-se, na segunda oração do período, o verbo levar: - e outra
ao encontro ou a uma reunião importante. Mas, se isso ocorreu mesmo, a perda
mulher [leva] vinte minutos para fazer dele um tolo. Mas, como esse verbo de tempo com certeza foi grande, pois a maioria não consegue usar corretamente
não aparece fisicamente na oração, essa ausência fica assinalada por uma o macaco. Outros, nem sabem onde ficam ele, a chave de roda e até mesmo o
quebra de ligação entoacional que, na escrita, deve ser assinalada por uma estepe24.
vírgula. Quando o verbo omitido na oração seguinte assumiria forma diferen-
Será que o autor do texto empregou erradamente a vírgula depois de
te daquela da oração anterior, a elipse recebe o nome de zeugma, como em:
outros? Afinal, dissemos, há pouco, que não se separa o sujeito do verbo! A
Ele comprou duas camisas e eu, três.
resposta, entretanto, é não. A vírgula está correta. A palavra outros, nessa
oração, é um tópico, que deve mesmo ser separado pela vírgula. O sujeito está
Subentende-se, na segunda oração, a forma comprei, diferente de
oculto. É como se déssemos a um dos exemplos citados há pouco a seguinte
comprou.
versão: "O Rui, acaba de sair".
TÓPICOS DE ORAÇÃO É claro que a vírgula, nessa oração, indica que O Rui é tópico, não sujeito.
Muitas vezes, sobretudo na linguagem falada, é comum iniciar uma O sujeito está oculto.
frase, antecipando dela um de seus termos, que funciona, por assim dizer,
ANTITÓPICOS DE ORAÇÃO
como uma espécie de "quadro de referência" daquilo que se vai dizer.
Como vimos na página 125, o termo topicalizado pode aparecer depois
Exemplo:
do final da oração, situação em que recebe o nome de antitópico. Nesse caso,
Essa porta, você vai machucar alguém com ela aberta assim!
costuma, também, ser separado por vírgula, como em:

22. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1.1.1997, caderno l, p. 2.


23. Helen Rowland. Em Ruy Castro, O Melhor do Mau Humor. 24. Revista Auto Esporte, fev. 2001, p. 63.
,262 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO PONTUAÇÃO 263.

Como mais pessoas atrasaram os seus pagamentos neste ano, e o nível de inadim- 0 ponto e vírgula serve também para separar itens enumerados em
plência da rede é fator que compõe a taxa de juros, ela não cai, apesar de o Banco Central
linhas diferentes, dentro de um documento. Exemplo:
ter iniciado, em setembro, a redução da taxa básica, a SelicK.
Art. 89. A sinalização terá a seguinte ordem de prevalência:
Nesse exemplo, a única razão da existência da vírgula antes de a Selic é 1 - as ordens do agente de trânsito sobre as normas de circulação e outros
o fato de esse termo ser um antitópico, uma vez que, se o considerarmos um sinais;
II - as indicações do semáforo sobre os demais sinais;
aposto, seria um aposto especificativo e não explicativo, que, como vimos III - as indicações dos sinais sobre as demais normas de trânsito26.
há pouco, é o único que deve ser separado por vírgulas.
0 final da enumeração é assinalado com ponto final.

11.3 EMPREGO DO PONTO E VÍRGULA


11.4 OUTROS SINAIS DE PONTUAÇÃO
O ponto e vírgula indica, na escrita, uma quebra entoacional mais
demorada do que a indicada pela vírgula. Isso acontece, geralmente, em a. Dois-pontos
trechos longos, para separar grandes blocos prosódicos que podem ter, Os dois-pontos servem para indicar enumeração ou explicação.
dentro de si, outros blocos prosódicos menores separados por vírgula. Exemplos:
Exemplo:
ENUMERAÇÃO
Atrás de todo homem bem-sucedido, existe uma mulher; atrás desta, existe a A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
mulher dele. (Groucho Marx) 1 - o fato narrado evidentemente não constituir crime;
II - já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa;
Há, nesse dito, dois grandes blocos entoacionais: III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para
o exercício da ação penal27.
/ Atrás de todo homem bem-sucedido, existe uma mulher /
/ atrás desta, existe a mulher dele / EXPLICAÇÃO
O mais nobre de todos os cachorros é o cachorro-quente: ele alimenta a mão que
Dentro de cada um deles, há dois sub-blocos: o morde28.

/ existe uma mulher / João Gilberto: o único estrangeiro nos Estados Unidos que preferiu aprender inglês
/ existe a mulher dele / com Tarzan29.

Nesse caso, a vírgula serve para separar aquilo que está dentro de cada b. Travessão
um dos blocos, e o ponto e vírgula, indicando uma pausa maior, tem a fun- Em primeiro lugar, é preciso fazer distinção entre o hífen (-) utilizado
ção de separar os dois blocos. Conclusão: o ponto e vírgula tem uma função para unir palavras compostas ou dividir palavras nas mudanças de linha e
mais textual do que sintática, uma vez que reparte blocos prosódicos ditados
pelo sentido do texto. 26. Código de Trânsito Brasileiro.
27. Código do Processo Penal.
28. Laurence J. Peter. Em Ruy Castro, O Melhor do Mau Humor.
25. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19.10.2005, caderno B, p. 1. 29. Teimo Martírio. Em Ruy Castro, O Melhor do Mau Humor.
264 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO PONTUAÇÃO 265

o travessão (-), representado por um traço maior. O travessão é utilizado O atletismo é a aplicação, sobre o corpo humano, das técnicas de estresse para se
para: determinar a resistência dos materiais. [...] Há os testes de força e compressão (os hal-
terofilistas), de elasticidade (salto de todos os tipos), de velocidade, de resistência (por
• indicar discurso direto: quanto tempo o corpo aguenta?)33.

Mas, mesmo assim, Zé Bebelo empinou o queixo, inteirou de olhar aquele, cima d. Aspas
a baixo. Daí disse:
- "Dê respeito, chefe. O senhor está diante de mim, o grande cavaleiro, mas eu sou As aspas são utilizadas, em primeiro lugar, para enquadrar as citações.
seu igual. Dê respeito!"
Exemplo:
- "O senhor se acalme. O senhor está preso..." Joca Ramiro respondeu, sem le-
vantar a voz30. Dizia Nietzsche que "a natureza inteira, na representação de homens religiosos, é
uma soma de ações de seres dotados de consciência e vontade, um complexo descomunal
- Quantos gorilas são necessários para trocar uma lâmpada?
- Só um gorila. Mas tem que ter umas setenta lâmpadas31. de arbitrariedades".

• substituir a vírgula, em situações em que se deseja uma pausa maior Nos diálogos em discurso direto, as aspas são facultativas. Podemos
entre um bloco prosódico e outro. Exemplos: escrever:
Desde agosto não caía uma gota de chuva em Santiago. Ainda bem que nas - "Escobar é muito meu amigo, Capitu!"
torneiras - oh, leitor carioca, meu semelhante e meu irmão! - a água é abundante - "Mas não é meu amigo."
e limpa e jorra à vontade para que, à tardinha, todo honesto cidadão possa regar - "Pode vir a ser."34
suas plantas.
Mudei-me de São Paulo, fiz algumas viagens, resolvi parar mesmo no Rio - e na-
ou:
turalmente me aconteceram coisas32.
- Escobar é muito meu amigo, Capitu!
Nesse último texto, as quebras entoacionais assinaladas pelos travessões - Mas não é meu amigo.
- Pode vir a ser.
servem para indicar uma expressão vocativa intercalada. O autor sugere, por
meio dela, que costuma faltar água no Rio de Janeiro.
Quando existe uma citação dentro de outra, utilizam-se aspas simples
c. Parêntese para enquadrá-la. Exemplo:
O parêntese ( ) é costumeiramente utilizado para indicar, por meio de Se meus colegas psicanalistas e terapeutas acham muito maluca a minha teoria,
quebras entoacionais, expressões intercaladas, geralmente contendo infor- recordo-lhes o dito por Fairbairn: "É então evidente que o psicoterapeuta constitui o
mações secundárias, comentários ou digressões. Exemplos: verdadeiro sucessor do exorcista. Sua missão não é 'perdoar pecados' e sim 'desalojar
os demónios'"35.
É melhor ter um sapo dentro do estômago (sapos engolidos nunca vão além do
estômago) do que estar no estômago do sapo.

30. João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, p. 221. 33. Rubem Alves, O Amor que Acende a Lua, pp. 25,47.
31. Casseta 6- Planeta, As Melhores Piadas do Planeta. 34. Joaquim Maria Machado de Assis, Dom Casmurro, p. 261.
32. Rubem Braga, Ai de ti, Copacabana, pp. 14, 59. 35. Rubem Alves, O Amor que Acende a Lua, p. 95.
266 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

As aspas são utilizadas, também, quando escrevemos uma palavra es-


trangeira, em sua grafia original em linguagem manuscrita. Exemplos:
A impressão das imagens em um "mouse pad" pode ser feita por "silk-screen",
12
"off-set" ou por termopressão.

DESTAQUES SOBRE os SUBSTANTIVOS


Nos textos impressos, costuma-se utilizar grifo em itálico: mouse pad,
silk-screen, off-set.
São ainda utilizadas, quando queremos atribuir àquilo que escrevemos
uma certa dose de estranhamento, ironia ou humor. Exemplo:
Li, há muitos anos, em Tobias Monteiro, a teoria de que no Império existia uma
"coisa" estranha. Quando uma situação de calmaria, um tempo de tranquilidade se insta-
lava, de repente, sem motivo aparente, as nuvens se carregavam, e surgia uma tempestade
inesperada, a "coisa" que toldava o ambiente, e tudo ia para trás36.

Nesse texto, as aspas atribuem à palavra coisa um sentido de estranha-


12.1 FUNCIONALIDADE DOS SUBSTANTIVOS ABSTRATOS
mento, de mistério.
Ao contrário dos substantivos concretos, que designam seres que têm
REFERÊNCIAS existência própria, seja no universo natural, como mesa, árvore, avião, seja
no universo das nossas fantasias, como fantasma, duende, papai-noel, os
ALVES, Rubem. O Amor que Acende a Lua. Campinas, Papirus, 2000.
Assis, Joaquim Maria Machado de. Dom Casmurro. São Paulo, Abril Cultural, 1978. substantivos abstratos designam propriedades, qualidades, estados e ações,
BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro, José Olympio, 1966. concebidos como se existissem separados dos seres a que estão ligados.
BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana. Rio de Janeiro, Record, 1997.
Exemplos:
CASTRO, Ruy. O Melhor do Mau Humor. São Paulo, Companhia das Letras, 1990.
MEIRELES, Cecília. Obra Poética. Rio de Janeiro, Aguilar, 1983. ações: corrida, evolução, salto, ataque;
MORAES, Vinícius. O Operário em Construção e Outros Poemas. Rio de Janeiro, Nova qualidades: pureza, feiura, vaidade, paciência;
Fronteira, 1979. estados: estrago, presença, ausência, estado.
PESSOA, Fernando. Livro do Desassossego. São Paulo, Companhia das Letras, 1999.
. Obra Poética. Rio de Janeiro, Aguilar, 1969. Esses substantivos correspondem a nomes criados, dentro de espaços
ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.
SILVA, Bussunda. Casseta & Planeta - As Melhores Piadas do Planeta. Rio de Janeiro,
mentais, por um artifício do pensamento: toma-se a ação, a qualidade ou
Ed. Objetiva, 1997. o estado dos seres e imagina-se que existam separados deles. Na frase O
carro corre, por exemplo, a palavra corre aparece como verbo (uma ação
atribuída ao carro). Podemos, porém, criar um espaço mental e imaginar,
dentro dele, a ação de correr como se ela existisse por si mesma, separada do
36. José Sarney. Em Folha de S. Paulo, São Paulo, 16.3.2002, caderno A, p. 2.
267
DESTAQUES SOBRE OS SUBSTANTIVOS 269
268 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO

carro. Criamos, então, a palavra corrida, que é um substantivo abstrato, isto objeto afetado. A estrutura argumentai compreende, pois, os elementos neces-
é, abstraído ou separado do ser que o suporta. Abstrair vem do latim: abs = sários para que um verbo tenha assegurada a sua funcionalidade comunica-

"longe, afastado" + trahere = "levar", significando, portanto, em sua origem, tiva. Se dissermos apenas algo como Comprou um vestido, essa oração ainda
levar para longe, afastar, separar. não estará completa. Seu interlocutor provavelmente perguntará: - Quem

O mesmo ocorre com as qualidades e os estados dos seres. Na frase: comprou o vestido? Se dissermos também algo como: A garota comprou, ele

Ele gosta de água pura, a palavra pura ocorre como adjetivo, indicando uma perguntará: - Comprou o quê?
qualidade atribuída a um substantivo. Pode-se imaginar essa qualidade em Quando transportamos o significado de um verbo para a classe dos

si mesma, desvinculada do substantivo. Tem-se, então, o substantivo pureza, substantivos, criando o substantivo abstrato, esse substantivo não precisa
também abstrato. mais carregar todos os argumentos do verbo original. Eles podem ser des-
cartados em parte ou em sua totalidade. É por esse motivo que o falante usa
Em alguns poucos casos, os substantivos abstratos não têm uma rela-
ção formal de derivação relacionada a um verbo ou adjetivo. É o caso, por um substantivo abstrato, dizendo "Minha mãe foi ao shopping fazer uma

exemplo, de substantivos como medo e saudade. Não existe o verbo medar compra, mas volta logo". Se ele mantivesse o verbo original comprar, a frase
ou o verbo saudadar. resultante seria malformada, como vimos há pouco (*"Minha mãe foi ao

Os substantivos abstratos são obtidos, na maioria das vezes, como vimos, shopping comprar, mas volta logo").
O primeiro motivo da existência do substantivo abstrato é, pois, a sua
transportando, por derivação, os significados de verbos e adjetivos para a
utilização para construir frases, descartando argumentos que teriam neces-
classe dos substantivos. Mas, por que os falantes do português (e de outras
línguas também) fazem uso desse expediente? Para tentar responder a essa sariamente de aparecer, caso fosse usado o verbo original.
pergunta, examinemos, primeiro, as frases a seguir: Os adjetivos também têm uma estrutura argumentai. Exemplos:

*Minha mãe foi ao shopping comprar, mas volta logo. O senador está alegre.
Minha mãe foi ao shopping fazer uma compra, mas volta logo. O jogador foi violento.

Adjetivo Estrutura argumentai Argumento


Na primeira frase, sentimos falta "daquilo que minha mãe foi comprar". Alegre [experienciador]' o senador
Na segunda frase, em que substituímos o verbo comprar pelo substantivo Violento [agente] o jogador

abstrato compra, essa falta não é sentida.


Isso acontece porque os verbos (e também os adjetivos), por serem Se dissermos, por exemplo, apenas sequências como - Está alegre, -
predicadores, possuem, como vimos no capítulo da Sintaxe, agregado aos Foi violento, sem nenhum contexto, no início de uma conversação, nosso

seus significados, um conjunto de "lugares vazios" que compõe a estrutura provável interlocutor ficará espantado e terá todo o direito de perguntar:

argumentai desses verbos ou adjetivos e que temos de preencher, quando


construímos uma oração. Quando dizemos comprar, por exemplo, sabemos 1. Experienciador, como vimos no capítulo da Sintaxe, é aquele que não é agente de
uma situação, apenas a experimenta. Isso acontece também com verbos como ver. Quando
que o significado desse verbo implica a existência de alguém que compra e dizemos que Helena viu a cadeira, Helena não praticou ação alguma. Apenas experienciou
a existência de alguma coisa que é comprada, ou seja, de um agente e de um a visão da cadeira.
DESTAQUES SOBRE OS SUBSTANTIVOS 271
270 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
Funcionalidade dos substantivos abstratos na coesão do texto
- Quem está alegre? - Quem (ou o que) foi violento? Respostas como - O
senador está alegre, O jogador foi violento o tranquilizarão, uma vez que, Outro tipo de vantagem em usar os substantivos abstratos está em se
incorporando os argumentos, garantirão a funcionalidade comunicativa poder realizar com eles a coesão textual de uma forma altamente económica.
desses adjetivos. Vejamos os seguintes textos:
Transportando o significado desses adjetivos para a classe dos substan-
No carnaval de 1994, o então presidente Itamar Franco namorou a modelo Lílian
tivos, estaremos também criando substantivos abstratos. Poderemos, nesse Ramos. A imprensa do mundo inteiro noticiou o namoro, de maneira escandalosa.
caso, manter os argumentos originais, ou descartá-los, se for esse nosso objetivo
O investimento direto de estrangeiros em território americano despencou de 307
no momento da comunicação. Exemplos: bilhões de dólares em 2000 para cerca de 36 bilhões no ano passado. Afuga foi provocada
principalmente pelo desaquecimento da economia americana3.
a) mantendo os argumentos:
Quando criança, nas aulas de Educação Física, saltávamos de uma altura de cinco
Foi grande a alegria do senador, quando foi nomeado ministro.
metros para uma lona sustentada pelos mais fortes da turma. [...] O voo entre a viga e
A violência do jogador foi punida com cartão amarelo.
a lona era vagaroso, perdia-se o fôlego4.

b) descartando os argumentos:
No primeiro texto, o substantivo abstrato namoro recupera todo o
A alegria é a maior fonte de saúde.
Violência gera violência. conteúdo da oração anterior: o presidente Itamar ter namorado a modelo
Lílian Ramos. No segundo texto, o substantivo abstrato fuga recupera, me-
Concluindo: há diversas situações, na construção de um texto, envol- taforicamente, todo o conteúdo da oração anterior (o fato de o investimento
vendo predicadores (verbos ou adjetivos), em que precisamos descartar estrangeiro ter diminuído de 307 bilhões para 36 bilhões). No terceiro, o
argumentos, transferindo o foco de atenção apenas para as ações e as qua- substantivo abstrato voo recupera, também metaforicamente, o salto dos
lidades. Fazemos isso, utilizando os substantivos abstratos. O texto a seguir alunos nas aulas de Educação Física.
é um bom exemplo: No primeiro exemplo, o substantivo abstrato foi retirado do próprio
O cigarro aparentemente protege contra o mal de Parkinson, uma forma de de- verbo da oração anterior (namorar -> namoro), o que é bastante comum.
generação dos neurônios. A proteção está ligada à ação da dopamina, uma das mais Nos outros exemplos, foram utilizados substantivos abstratos derivados de
importantes substâncias transmissoras de sinais entre as células do cérebro2.
outros verbos, mas compatíveis, metaforicamente, com os verbos das orações
anteriores: investimentos despencarem -fugirem -+fuga; saltar cinco metros
Nesse texto, o uso dos substantivos degeneração e proteção permitiu o
- voar ->• voo.
descarte do argumento causa, em ambos os casos. O argumento causa do
Como vemos, os substantivos abstratos têm importante função na
substantivo abstrato ação, que é dopamina, acha-se presente.
construção dos textos, permitindo enorme versatilidade no gerenciamento
Em recente estudo sobre a gramática do português falado, foram en-
das informações neles contidas.
contrados, em um total de 1125 exemplos, apenas 11 casos em que todas as
posições argumentais estavam preenchidas, ou seja, apenas 1% dos casos.
3. Revista Veja, São Paulo, 22.1.2003, p. 82.
4. Inácio de Loyola Brandão, Veia Bailarina, p. 9.
2. Revista Superinteressante, São Paulo, mar. 1996, p. 12.
272 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS SUBSTANTIVOS 273

12.2 ALGUNS PLURAIS UM Pouco DIFERENTES Duas das justificativas das emendas apresentadas ao orçamento para remanejar
os R$ 50 milhões foram a criação de novos campi e um processo de interiorização
(transferência da reitoria para o interior) da Unesp (Universidade Estadual Paulista)5.
Dentre os plurais com que lidamos em nosso dia a dia, existem alguns
que podem oferecer dificuldade. Um deles é o plural dos substantivos ter- Julgar que esse equipamento resolveria todos os problemas de segurança dos ae-
roportos seria admitir que colocando raios X nas rodoviárias, na entrada dos shopping
minados em r. Em geral, esses substantivos fazem o plural com o acréscimo
centers ou em outros centros de lazer do país seria resolvido o problema da segurança
de es, como em: no Brasil6.
mar - mares Diane Schuur encerra a série Diners Club Jazz Nights, terça e quarta, no Bourbon
dor - dores Street. Sua bela voz a levou a ser festejada nos anos 80 como uma herdeira natural das
cantor - cantores grandes ladies do jazz7.
dólar - dólares
Domínio Público (Record, 17h); a atração mostra como são as blitze da polícia em
repórter - repórteres
carros dirigidos por adolescentes8.

Algumas palavras paroxítonas (acento tónico na penúltima sílaba), Quando se traduz a palavra, o plural se faz, obviamente, de acordo com
quando no plural, têm o acento tónico deslocado para a sílaba seguinte, as regras da língua portuguesa. Dessa maneira, se dizemos currículo, o plural
como em:
será currículos. Se dizemos campus, o plural será campus mesmo, uma vez
caráter - caracteres que as palavras terminadas em s não sofrem alteração no plural.
júnior - juniores
Um outro caso curioso é o das palavras que só existem no plural. Com
lúcifer - luciferes
sénior - seniores relação a algumas delas, não temos a menor hesitação em empregá-las apenas
no plural, como núpcias, víveres, afazeres, férias, costas. Outras, entretanto,
Nas palavras de origem estrangeira, é costume fazer o plural de acordo costumam oferecer dúvidas. É o caso de óculos, por exemplo, cujo uso, de
com as normas da língua de origem: acordo com a norma culta, pode ser visto no texto a seguir:

campus - campi (latim) Não chore no trabalho. Bem, a verdade é que toda mulher chora, mesmo na firma.
curriculum - curricula (latim) Então, mantenha o glamour. Use óculos gigantes que disfarcem as suas lágrimas. Se você
for chefe, vão comentar que você é desequilibrada. E, se você não for, vão comentar que
topos - topoi (grego)
você é desequilibrada também9.
logos - logoi (grego)
gol - gois (inglês = goal - goals)
póster - posters (inglês) A palavra calças tem sido usada, no português do Brasil, tanto no plural
shopping center - shopping centers (inglês) como no singular. Exemplos:
lady - ladies (inglês)
leitmotiv - leitmotive (alemão) 5. Folha de S. Paulo, São Paulo, 28.12.2001, caderno C, p. 3.
blitz - blitze (alemão) 6. Idem, 8.10.2001, caderno F, p. 7.
7. "Revista da Folha", Folha de S. Paulo, São Paulo,13.7.2001, p. 50.
Eis alguns exemplos: 8. Folha de S. Paulo, São Paulo, 9.11.2001, caderno E, p. 6.
9. "A Etiqueta e o Choro", Folha de S. Paulo, São Paulo, 17.12.2001, p. 10.
274 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS SUBSTANTIVOS 275

Ainda usava calças curtas quando meu pai me levou pela primeira vez a Inter- lavras não são nem substantivos nem adjetivos, não sofrem os efeitos da
lagos10.
regra geral, ou seja, não têm plural12. Guarda, em guarda-noturno, já está
"O prefeito já nos prometeu a mão de obra e o cimento", acrescentou o dirigente, gramaticalizado como substantivo, por isso vai para o plural: guardas-
coincidentemente vestido com uma calça cinza-cimento, amassada e um blazer azul-
-marinho11.
noturnos.
O motivo pelo qual não se flexionam no plural os substantivos prece-
didos de preposição (como já foi dito, anteriormente) é que a preposição
12.3 PLURAL DOS SUBSTANTIVOS COMPOSTOS funciona como uma espécie de barreira para a concordância. Se pedirmos
a um falante do português que passe para o plural a frase:
Uma outra complicação, na questão da formação do plural, são os subs-
tantivos compostos. Vai aqui uma espécie de regra geral que pode facilitar A mesa de madeira é grande.

bastante as coisas: ENTRE OS ELEMENTOS INTEGRANTES DE UM SUBS-


ele dirá:
TANTIVO COMPOSTO, SÓ VÃO PARA O PLURAL OS ADJETIVOS E TAMBÉM
OS SUBSTANTIVOS NÃO PRECEDIDOS DE PREPOSIÇÃO. Exemplos: As mesas de madeira são grandes;

SINGULAR ELEMENTOS PLURAL em que o substantivo madeira, depois da preposição, não recebe a marca de
COMPONENTES plural. Esse mesmo procedimento se transfere aos substantivos compostos
cirurgião-dentista substantivo + substantivo cirurgiões-dentistas com preposição. Em luas-de-mel, a marca de plural de luas não se transfere
erva-doce substantivo + adjetivo ervas-doces
segunda-feira
para o substantivo mel, pelo mesmo motivo.
adjetivo + substantivo segundas-feiras
abaixo-assinado advérbio + adjetivo abaixo-assinados Muitas vezes, a preposição não vem explicitada, mas existe uma ideia
guarda-noturno substantivo + adjetivo guardas-noturnos de subordinação do segundo ao primeiro elemento. É o que ocorre com:
arranha-céu verbo + substantivo arranha-céus
guarda-chuva verbo + substantivo guarda-chuvas caneta-tinteiro,
guarda-louça verbo + substantivo guarda-louças cavalo-vapor,
sempre-viva advérbio + adjetivo sempre-vivas hora-aula,
lua de mel subst. + prep. + subst. luas de mel salário-família,
pé de vento subst. + prep. + subst. pés de vento tíquete-refeição,
voo-demonstração.

As palavras abaixo e sempre são advérbios, portanto, não vão para o


Poderíamos, facilmente, ter versões desses substantivos, com preposição
plural. A palavra arranha, em arranha-céu, é verbo e está sendo utilizada
explícita, como:
como verbo, portanto, também não vai para o plural. O mesmo acontece
caneta com tinteiro,
com guarda, em guarda-chuva e em guarda-louça. Como todas essas pa-

10. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1.1.1994, caderno 3, p. 4. 12. O substantivo pôr de sol tem como plural pores de sol, uma vez que o verbo pôr está
11. Idem, 8.1.1994, caderno l, p. 9. no infinitivo, o que o caracteriza como um "substantivo verbal": o pôr de sol, os pores de sol.
DESTAQUES SOBRE OS SUBSTANTIVOS 277
276 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

cavalo de vapor, em que um funcionário que nunca é visto no local de trabalho é entendido
hora de aula, como invisível, tal qual um fantasma.
salário para família, Não havendo nexo de subordinação, a maneira natural de pluralizar
tíquete para refeição,
esses substantivos, cognitivamente, é pôr ambos os elementos no plural:
voo de demonstração.

cirurgião-dentista cirurgiões-dentistas (cirurgiões que são dentistas


É por esse motivo que, nesses substantivos, apenas o primeiro elemento - cirurgiões e dentistas)
vai para o plural: carro-bomba carros-bombas (carros que são bombas
- carros e bombas)
canetas-tinteiro, palavra-chave palavras-chaves (palavras que são chaves
cavalos-vapor, - palavras e chaves)
horas-aula, funcionário-fantasma funcionários-fantasmas (funcionários que são fantasmas
salários-família, - funcionários e fantasmas)
tíquetes-refeição, programa-piloto programas-pilotos (programas que são pilotos
voos-demonstração13. - programas e pilotos)
operação-padrão operações-padrões (operações que são padrões
Isso não acontece com outros substantivos compostos como: - operações e padrões)

cirurgião-dentista, Os exemplos anteriores (caneta-tinteiro, hora-aula, salário-família)


carro-bomba,
não apresentam essa propriedade cognitiva, uma vez que não podemos, por
palavra-chave,
funcionário-fantasma, exemplo, dizer que uma caneta-tinteiro é uma caneta que é um tinteiro, que
programa-piloto, uma hora-aula é uma hora que é uma aula ou que um salário-família e um
operação-padrão.
salário que é uma família. Por esse motivo, não há como interpretar esses
substantivos, entendendo um nexo de coordenação entre seus elementos.
Temos, nesse caso, um fator de ordem cognitiva em funcionamento.
Versões em que aparecesse a conjunção e, entre os elementos, seriam com-
Existe, entre cada um dos dois elementos, um nexo de coordenação e não
pletamente malformadas:
de subordinação, resultado de um processo de predicação. Um cirurgião-
-dentista, cognitivamente, é um cirurgião que é dentista, ou seja, cirurgião *caneta e tinteiro,
* cavalo e vapor,
e dentista. Um carro-bomba é um carro que é bomba, carro e bomba. Na *hora e aula,
maioria desses casos, temos também um processo metafórico, como em *salário e família,
funcionário-fantasma, umfuncionário que éfantasma, portanto, funcionário *tíquete e refeição,
Voo e demonstração.
e fantasma. Há aí, em função da metáfora, a criação de um espaço mental

Na mídia, é comum a existência tanto de plurais como carros-


13. Substantivos como quadros-de-avisos e colares-de-pérolas têm o segundo elemento
no plural, porque, já no singular, esses elementos se achavam no plural: quadro-de-avisos, -bombas e. funcionários-fantasmas, como de funcionários-fantasma e
colar-de-pérolas.
DESTAQUES SOBRE OS SUBSTANTIVOS 279
278 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
mento ou dentro de uma região limitada de massa de ar. Um link na Página de Bem-vindo
carros-bomba. Os próprios dicionários da língua se contradizem. Isso leva para um formulário estruturado em três partes16:
acontece, por dois motivos: tendência de hipercorreção ou iconicidade
e gramaticalização. Filtragem por palavras-chaves do E-mail Protegido
Este filtro é destinado ao bloqueio de mensagens indesejadas, por meio depalavras-
-chaves. Você pode, inclusive, adicionar frases como "aumente sua renda" ou "trabalhe
HIPERCORREÇÃO em casa" (confira abaixo mais algumas sugestões), além de escolher os campos nos quais
deseja o E-mail Protegido17.
Parece que a mídia atribui maior prestígio social à pluralização apenas
do primeiro elemento. Deve ser esse o motivo de, na maioria das vezes, ICONICIDADE E GRAMATICALIZAÇÃO
fazer o plural de célula-tronco como células-tronco. Ora, o que caracteriza
essa célula é sua propriedade de produzir outras de qualquer natureza: Dissemos, quando tratamos de iconicidade, que ela é a tendência que os
cardíacas, renais, hepáticas etc., por analogia ao tronco de uma árvore. falantes de uma língua têm de representar, por meio da linguagem, o mundo,
A ideia que preside à formação dessa palavra é, portanto, à de identidade da maneira mais aproximada possível. Dissemos, também, que o ponto de
metafórica, ou seja, uma célula-tronco é uma célula que é um "tronco" vista cognitivo do falante é muito importante, nesse procedimento. Diante
para a produção de células diferenciadas, portanto é célula e tronco. Logo, de um substantivo composto como carro-pipa, por exemplo, ele pode tanto
o plural, do ponto de vista cognitivo, deverá ser células-troncos, como nos imaginar, cognitivamente, um carro (caminhão no caso) transportando uma
exemplos a seguir: pipa de água (carro com pipa), como identificar, metaforicamente, o carro

Alguns dos pacientes que retiraram as células-troncos já estão sendo chamados para
com uma pipa (carro e pipa). Na primeira opção, o plural seria carros-pipa.
fazer a infusão das células, já trabalhadas em laboratório14. Na segunda, carros-pipas. Obviamente, as duas formas são aceitas na língua
padrão. Um outro caso interessante é o de vale-refeição. Utilizando o mesmo
Células-troncos: São células presentes sobretudo no embrião, capazes de se trans-
formar em qualquer outra célula especializada necessária ao funcionamento dos órgãos raciocínio aplicado a arranha-céu, teríamos vale-refeições, uma vez que vale
(fígado, cérebro etc.) ou tecidos (músculos, ossos etc.)15. é verbo e não varia. Mas, se o falante já tiver em sua mente a forma vale
gramaticalizada como substantivo (sem o seu sentido fundante original de
O mesmo acontece com palavra-chave. O que caracteriza uma palavra verbo), poderá entender a palavra como um vale para ou de refeição. Nesse
dessas é também a identidade metafórica com uma chave, capaz de dar
caso, fará o plural como vales-refeição. Mais uma vez, cumpre dizer que
acesso a determinadas informações. Logo, cognitivamente, o plural tende a
ambas as formas são igualmente aceitas na língua padrão.
ser palavras-chaves, como nos exemplos:
a. Substantivos compostos por verbos repetidos
Busca por palavras-chaves.
No português atual, existe franca preferência pela variação apenas da
Outra maneira para efetuar buscas no banco de dados é uma busca por palavras- segunda ocorrência do verbo:
-chaves, permitindo acesso a dados obtidos, por exemplo, com um determinado instru-

16. http://www.lna.br/~databankydocs/bolsab/nodel 1.html.


14. http://www.spsul.com.br/itap/edneimiguel/erika_celulatronco.htm. 17. http://informatica.terra.com.br/interna/0,5862,OI113103-EI928,OO.html.
15. http://www.ambafrance.org.br/abr/label/label49/dossier/01.html.
DESTAQUES SOBRE OS SUBSTANTIVOS 281
280 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
c. Compostos por onomatopeia
corre-corre corre-corres
quebra-quebra quebra-quebras Nos compostos formados por onomatopeia, em que o som da palavra
pega-pega pega-pegas simula a coisa representada, só varia o último elemento:
bem-te-vi bem-te-vis
A variação de número, com o acréscimo de apenas um s final, é um
tique-taque tique-taques
indício de que já houve total gramaticalização do conjunto formado pelos quero-quero quero-queros
dois verbos, ou seja, o conjunto é percebido, cognitivamente, como um só
substantivo. Tempos atrás, parece que a gramaticalização atingia cada um Na verdade, os elementos desses compostos não podem ser analisados
desses verbos, separadamente. Por esse motivo, uma gramática como a do como pertencentes a classes gramaticais específicas. Em bem-te-vi, não te-
professor Rocha Lima18 aconselhava plurais como: corres-corres, quebras- mos, a rigor, uma sequência advérbio/pronome/verbo. Trata-se apenas de um
-quebras e pegas-pegas. apoio fonético arbitrário para imitar o canto de um pássaro. Dessa maneira,
Quando se trata de verbos com sentidos opostos, ambos ficam inva- podemos dizer que tais substantivos se comportam, na formação do plural,
riáveis: como um bloco morfológico único e, por esse motivo, fazem o plural como
qualquer substantivo simples faria.
o leva-e-traz os leva-e-traz
o perde-ganha os perde-ganha d. Compostos não separados por hífen

O fato de não haver variação é indício de que ainda não houve Os compostos não separados por hífen pluralizam-se como se fossem
gramaticalização. Ambos os elementos são percebidos, cognitivamente, simples, em um só bloco:
com verbos. No substantivo vaivém, entretanto, a gramaticalização já vaivém vaivéns
aconteceu. Prova disso é a aglutinação dos dois verbos em uma só palavra, girassol girassóis
malmequer malmequeres
tanto na fala quanto na escrita. Por esse motivo, esse substantivo tem o
plural vaivéns.
Há algumas palavras que também são entendidas em bloco e, por esse
motivo, se pluralizam como se fossem simples. São elas:
b. Compostos de grão, grã, bei + substantivo
o arco-íris os arco-ins
Nos substantivos compostos de grão, grã, bei + substantivo, só o segundo
o bem-me-quer os bem-me-queres
elemento vai para o plural:
grão-mestre grão-mestres OBSERVAÇÃO
bel-prazer bel-prazeres Padre-nosso tem como pluralpadres-nossos. O pluralpadre-nossos tam-
bém é aceito na norma culta. Sua origem é, provavelmente, a analogia com
ave-maria cujo plural é ave-marias, uma vez que ave, nesse caso, não é nem
substantivo nem adjetivo, mas um verbo no imperativo (aveo, em latim),
18. Carlos Henrique da Rocha Lima, Gramática Normativa da Língua Portuguesa, p. 84.
282 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

que significa salve, uma saudação que introduz o vocativo Maria. O plural
depai-nosso é pais-nossos.
13
REFERÊNCIA
DESTAQUES SOBRE os ADJETIVOS
LIMA, Carlos Henrique da Rocha. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 34a ed.
Rio de Janeiro, José Olympio, 1997.

) 13.1 MENOR, MAIS PEQUENO, MAIS GRANDE


l
O adjetivo grande tem como comparativo de superioridade maior e,
como comparativo de inferioridade, menor:
Os carros americanos são maiores (do) que os europeus.
Os carros europeus são menores (do) que os americanos.
l
O adjetivo pequeno, por sua vez, faz o comparativo de forma analítica,
l por meio dos advérbios mais ou menos:

) O "cocker spaniel" é mais pequeno (do) que um labrador.


O "cocker spaniel" é menos pequeno (do) que um fox.

Devido à equivalência semântica entre frases como:

Os carros europeus são menores (do) que os americanos.


Os carros europeus são mais pequenos (do) que os americanos.

muita gente pensa que a segunda frase está errada. Como vemos, essa é uma
avaliação equivocada, uma vez que se trata do adjetivo pequeno, em sua
forma analítica de comparativo de superioridade.

283
284 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LtNGUA PADRÃO

A forma comparativa mais grande também é aceita na língua padrão,


desde que se estejam comparando qualidades de uma mesma pessoa ou
coisa. Exemplos: 14
Esse automóvel é mais grande (do) que pequeno.
Essa blusa é mais grande (do) que pequena. DESTAQUES SOBRE os PRONOMES

14.1 PRONOMES E A COESÃO TEXTUAL

Os pronomes nomeiam as pessoas do discurso. Quando falo ou escrevo,


minha denominação é eu (l- pessoa): Eu digo, eu pretendo, eu acho que etc.
A pessoa com quem falo recebe a denominação de tu (2a pessoa) ou você
(2- pessoa indireta), dependendo da parte do Brasil onde habitamos: Tu
recebeste meu recado? Tu és muito simpática, ou: Você recebeu meu recado?
Você é muito simpática. Ele(a)(s) (3- pessoa) é reservada à pessoa ou à coisa
de que falamos: Vi sua irmã. Ela é muito simpática. Comprei um novo com-
putador. Ele é um pouco complicado. Essa última situação configura aquilo
que podemos chamar de coesão textual.
COESÃO TEXTUAL É UM PROCESSO PELO QUAL RETOMAMOS TER-
MOS DE UMA ORAÇÃO DITA OU ESCRITA ANTERIORMENTE, DENTRO
DE UMA ORAÇÃO DITA OU ESCRITA POSTERIORMENTE. Analisemos os
exemplos com o pronome de 3a pessoa sob essa ótica:

Vi sua irmã. Ela é muito simpática.


Comprei um novo computador. Ele é um pouco complicado.

-
286 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS PRONOMES 287

No primeiro exemplo, o pronome ela, na segunda oração, recupera é o uso quase exclusivo de essas. O motivo é simples: clareza. O pronome
o termo sua irmã, da primeira oração. No segundo, o pronome ele faz o este(a)(s) pode ser utilizado, mesmo no texto escrito, para denominar o
mesmo com o termo um novo computador. Dizemos que os pronomes de 3- documento que estamos escrevendo, como em:
pessoa "costuram" as orações entre si por meio da coesão. As outras formas Neste relatório, estão discriminadas as compras de janeiro e fevereiro.
assumidas pelos pronomes pessoais podem ser também responsáveis pela
coesão de um texto, como podemos ver em: Por motivo de clareza, prefere-se, pois, reservar esse(a)(s) para a coesão
textual.
Vi um homem sozinho, nadando no mar; quando o vi ele já estava nadando;
acompanhei-o com atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre Verifica-se que o pronome este(a)(s) é utilizado, com referência dentro
com firmeza e correção; esperei que ele atingisse um telhado vermelho, e ele o atingiu1. do texto, apenas quando sua referência vem depois dele, como em:
A respeito do assunto das vagas não preenchidas, tenho apenas isto a dizer: que é
Outros pronomes, principalmente os demonstrativos, também podem complicado demais para ser tratado em apenas uma reunião.
ser responsáveis pela coesão do texto. Os demonstrativos (este, esse, aquele)
são utilizados na fala para situar falante e interlocutor. Originalmente, A referência de isto é o que vem depois: que o assunto das vagas é com-
dizemos este para denominar aquilo que está próximo a nós, esse, para o plicado para uma reunião apenas.
que está próximo ao nosso interlocutor, e aquele, para o que está distante
Coesão com pronomes relativos
de ambos:
Os pronomes relativos são também, obviamente, elementos de coesão.
- Você esta vendo estes óculos? Sem eles não consigo ver direito nem esse gato que
está no seu colo, nem aquela caixa dagua lá em cima da casa. Exemplo:
Alguns agrupamentos humanos em condições materiais medíocres ou apenas
No processo de coesão textual, utilizamos esses pronomes para retomar toleráveis parecem desfrutar de um bem-estar subjetivo que surpreende o olhar
civilizado3.
termos das orações anteriores, como no exemplo:

Os médicos disseram que os efeitos dos gases usados pelos russos são aparentemente O pronome que, na última oração do texto, recupera o termo bem-estar
semelhantes aos efeitos de um opiáceo, como um derivado da heroína, por exemplo.
subjetivo da oração anterior. Muitas vezes, nota-se, na redação de alunos
Essas substâncias podem não apenas desvirtuar os sentidos e servir com analgésicos,
mas também causar coma e morte2. de curso fundamental e médio e até mesmo universitários, um excesso de
emprego do pronome relativo qual. Exemplo:
Será que poderíamos substituir essas por estas7. Claro que sim. Encon- As pessoas as quais pretendem legar um novo país a seus filhos os quais merecem
tramos exemplos dessa opção até mesmo nas grandes obras literárias. Mas... realmente algo melhor, logo desanimam com as dificuldades as quais devem enfrentar.
o que observamos modernamente, sobretudo na linguagem escrita padrão,
Cumpre dizer que esse emprego, embora correto, não é comum na
língua culta. Parece-nos que se trata de um expediente para "não errar a
1. Rubem Braga, "Homem no Mar". Em O Mar e a Roça. Texto da Web (www.comversos.
com.br).
2. Folha de S. Paulo, São Paulo, 29.10.2002, caderno A, p. 8. 3. Eduardo Gianneti, Felicidade, p. 124.
288 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS PRONOMES 289

concordância". Numa frase como: "O comandante dará as instruções para E se os russos atacassem agora? - disse Judith Exnner, uma das incontáveis amantes
de Kennedy que mantinha simultaneamente um romance com o chefão mafioso Sam
a chegada que deverão ser seguidas à risca", o pronome qual é usado para
Giancana.
evitar escrever: "O comandante dará as instruções para a chegada que deverá
ser seguida à risca", situação em que a concordância no singular do verbo Embora nosso conhecimento de mundo não nos autorize a pensar que
dever induz o leitor a pensar que é a chegada que deverá ser seguida à risca Kennedy fosse homossexual, o pronome que, no texto acima, pode ter como
e não as instruções. Empregando o pronome qual, fica mais fácil acertar a antecedente tanto Judith Exnner quanto Kennedy, podendo dar a impressão,
concordância: em uma das leituras, que o presidente americano é quem tinha um caso com
O comandante dará as instruções para a chegada as quais deverão ser seguidas o chefão mafioso. Para solucionar o embaraço, basta substituir o pronome
à risca. que por qual que, antecedido do artigo a, não deixa dúvidas sobre qual termo
está sendo retomado pelo processo de coesão textual:
Isso acontece, porque o pronome qual possui flexão de número reforçada
E se os russos atacassem agora?, disse Judith Exnner, uma das incontáveis amantes
pelo artigo definido que acompanha essa flexão. De qualquer maneira, como de Kennedy a qual mantinha simultaneamente um romance com o chefão mafioso Sam
o uso do pronome qual é bastante restrito na língua culta, deve ser evitado, Giancana.
sempre que possível.
Mas, então, em quais situações usaremos o pronome qual? A resposta a
14.2 INFORMAMO-LO, INFORMAMOS-LHE
essa pergunta é: em duas situações. A primeira, quando o pronome relativo
estiver precedido de uma preposição tónica, geralmente com mais de uma O verbo na 1a pessoa do plural perde o s antes do pronome Io, mas não
sílaba. Exemplos: antes do pronome lhe. Exemplo: "Informamo-lo de que seu prazo foi pror-
rogado", mas "Informamos-lhe que seu prazo foi prorrogado".
A reunião durante a qual conversamos sobre os R$ 100 000 foi muito rápida.

A preposição durante é tónica e, se puséssemos depois dela o pronome 14.3 ENTRE ELE E MIM
que, que é átono, esse pronome praticamente sumiria na pronúncia:
Depois de preposição, não se emprega o pronome eu. Dizemos, então:
A reunião durante que conversamos sobre os R$ 100 000 foi muito rápida.
entre ele e mim, sem mim e ela e não entre ele e eu, sem eu e ela.
Como o pronome qual é tónico, seu uso compensa a tonicidade da
preposição durante, que o antecede. 14.4 PARA MIM, PARA Eu FAZER
Em uma outra situação, bem menos comum, podemos utilizar o pro-
nome qual para evitar ambiguidade. Há alguns anos, em um vestibular de Vejamos as seguintes frases:
uma universidade paulista, foi apresentado o seguinte texto, para que fosse Esse contrato é para mim, aquele é para você.
corrigido, evitando uma dupla interpretação: Esse contrato é para eu assinar.
DESTAQUES SOBRE OS PRONOMES 291
290 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
Algumas vezes, pode surgir ambiguidade, mas, geralmente, o próprio
Na primeira delas, o pronome mim é apenas uma unidade lexical regida
contexto encarrega-se de desfazê-la. Em uma passagem como:
pela preposição para. Na segunda, a preposição para rege não uma unidade
lexical, mas uma oração inteira (eu assinar) cujo sujeito é o pronome eu que, Padre Cícero é celebrado como santo por muitos nordestinos que acreditam em
seus milagres;
por isso, deve permanecer no caso reto.
) o contexto elimina qualquer possibilidade de dupla interpretação, uma vez
14.5 ONDE E AONDE l que milagres são atribuídos a santos. Já, no trecho a seguir, isso fica mais
l difícil:
O a de aonde equivale à preposição para. Logo, devemos empregar )
João gastou duas horas procurando sua roupa e não a encontrou.
aonde, sempre que o sentido for de movimento. Em outras palavras, )
sempre que pudermos substituir onde por para onde. Caso contrário,
Aqui não se sabe de quem é a roupa. Tanto pode ser de quem a esteve
diremos onde. Isso vale tanto para situações em que esses pronomes >
procurando, quanto do interlocutor. Uma maneira de desfazer essa ambi-
tenham função relativa quanto para situações em que tenham função ) guidade consiste em substituir sua por dele, no caso de o dono da roupa ser
interrogativa. Exemplos: » aquele que a procurava:
O lugar onde ele mora é calmo.
O lugar aonde ele vai fica longe. (O lugar para onde ele vai fica longe) João gastou duas horas procurando a roupa dele e não a encontrou.
Onde você mora?
Aonde você vai? (Para onde você vai?) Em textos literários, encontramos, às vezes, a expressão dele utilizada,
pleonasticamente, na presença do possessivo, para desfazer esse tipo de
ambiguidade. Exemplo:
14.6 UMA AMBIGUIDADE COM o PRONOME POSSESSIVO
DE TERCEIRA PESSOA (D. Plácida) queria ser casada. Sabia há muito que a mãe o não fora e conhecia
algumas que tinham só o seu moço delas:...4
O pronome você, embora se refira ao interlocutor (2- pessoa indireta do
discurso), combina, sintaticamente, com as formas de 3- pessoa. O mesmo Seu vem reforçado por delas, para evitar a interpretação de que seu se
acontece com seu, sua, seus, suas, que tanto podem referir-se à 3a pessoa do refere a Dona Plácida.
discurso, propriamente dita, quanto ao interlocutor (2- pessoa indireta do
discurso). Exemplos: 14.7 REFORÇO DOS PRONOMES INTERROGATIVOS
Ele lavava suas próprias roupas.
Em português, é bastante comum reforçar os pronomes interrogativos.
Fique descansado que eu lavo suas roupas.
A frase:
No primeiro exemplo, suas refere-se à 3- pessoa do discurso. No segundo,
4. Joaquim Maria Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas, p. 87.
à 2- pessoa indireta do discurso.
292 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMtNIO DA LÍNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS PRONOMES 293

Que é que você pediu ao garçom? Por que será que todo produto endereçado a mulheres tem que receber uma co-
bertura xaroposa e açucarada?5
é uma interrogação reforçada da frase:
O verbo ser pode ser apagado nas expressões foi que, é que, resultando
Que você pediu ao garçom?
disso uma duplicação aparente do que:

É que não é uma expressão fixa, fossilizada, mas fruto de um processo Que que você pediu ao garçom?
mais geral e bastante dinâmico em língua portuguesa, chamado clivagem,
utilizado para colocar foco em certos termos da oração. Esse processo de reforço pode até mesmo ser triplo:

A clivagem pode ser feita apenas com o verbo ser repetindo o tempo Que que é que você pediu ao garçom?
do verbo da oração, se o termo a ser focalizado estiver depois desse verbo.
Exemplos: Os outros pronomes interrogativos também podem ser reforçados pela

Patrícia comprou as cerejas foi no supermercado.


clivagem. Exemplos:
Patrícia comprou foi as cerejas no supermercado.
Onde foi que você deixou os óculos?
Como é que você quer seu cabelo?
Se o termo focalizado estiver no início da oração, surge um que à direita Quando é que você volta de viagem?
desse termo:

Foi Patrícia que comprou as cerejas no supermercado.


14.8 PORQUE, POR QUE, PORQUÊ, POR QUÊ
Nesse último caso, o verbo ser pode "libertar-se" do tempo do verbo da Porque se escreve junto quando for:
oração e pode também pospor-se ao termo focalizado: a) conjunção causal = Não saí porque choveu.
Patrícia é que comprou as cerejas no supermercado. b) conjunção explicativa = fuja porque a casa vai explodir.
c) substantivo = a criança está na idade dos porquês. (Neste último caso leva
Esse mesmo recurso é utilizado para o reforço dos pronomes interro- também acento circunflexo.)
gativos. Na frase: "Que é que você pediu ao garçom?" a locução é que está
sendo usada como expediente de focalização do pronome interrogativo que. Por que se escreve separado:
O verbo ser, em um caso desses, pode também ficar no passado ou no a) quando for advérbio interrogativo = Por que você tocou a campainha?
futuro: b) quando o que for pronome relativo = Essa é a porta por que (pela qual)

Que foi que você pediu ao garçom? você passou agora pouco.
Que será que você pediu ao garçom? c) quando o que for pronome interrogativo = Por que assunto você se inte-
ressa?
Nesse último caso, o futuro acrescenta à frase, pragmaticamente, um
efeito de expectativa, como podemos ver também no exemplo a seguir: 5. Folha de S. Paulo, São Paulo, 29.1.1997, caderno 4, p. 8.
DESTAQUES SOBRE OS PRONOMES 295
294 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

Vossa Majestade está cansada?


No final de uma oração interrogativa, o que é acentuado: Você não vai
viajar hoje por quê'?
As principais locuções pronominais de tratamento ainda utilizadas no
português do Brasil são as seguintes:
14.9 LOCUÇÕES PRONOMINAIS DE TRATAMENTO
POSIÇÃO DO TRATAMENTO VOCATIVO EM
INTERLOCUTOR CORRESPONDÊNCIA
Além de serem códigos, as línguas humanas também são fatos sociais e
Rei ou Imperador Vossa Majestade Majestade
históricos. Um dos campos em que isso se torna evidente é o das formas de
Presidente da República Vossa Excelência Excelentíssimo Senhor
tratamento. Houve épocas em que as diferenças sociais eram bem maiores Presidente da República
do que nos dias de hoje. Em situações de grande diferença social, a pessoa Vice-Presidente da República Vossa Excelência Excelentíssimo Senhor
Vice-Presidente da República
que estivesse em posição inferior não podia dirigir-se diretamente ao seu Vossa Excelência Excelentíssimo Senhor Presi-
Presidente do Congresso Nacional
interlocutor, mesmo tratando-o de vós, forma protocolar de respeito. Devia dente do Congresso Nacional
Presidente do Senado Federal Vossa Excelência Senhor Presidente do
fazer isso indiretamente, dirigindo-se a uma qualidade dele, como excelência,
Senado Federal
majestade etc. Dizer uma frase como: "Vossa Excelência receberá seu passa- Senador Vossa Excelência Senhor Senador
porte em casa"; equivalia a dizer: "A Excelência (que vós possuís) receberá Presidente da Câmara dos Vossa Excelência Senhor Presidente da Câmara
Deputados dos Deputados
seu passaporte em casa". Vossa Excelência Senhor Deputado
Deputado Federal
Daí, a concordância em 3a pessoa (receberá, seu passaporte). Por esse Presidente do Supremo Vossa Excelência Excelentíssimo Senhor Presi-
Tribunal Federal dente do Supremo Tribunal
motivo é que essas locuções de tratamento também são chamadas deformas
Federal
indiretas de tratamento. Ministro de Estado Vossa Excelência Senhor Ministro
Quanto ao género, o procedimento estritamente gramatical obrigaria Secretário de Estado Vossa Excelência Senhor Secretário
Procurador-Geral da República Vossa Excelência Senhor Procurador-Geral
a concordância de um adjetivo com o género feminino das expressões de Chefe do Estado-Maior das Vossa Excelência Senhor Chefe
tratamento, o que nos levaria, falando, por exemplo, com o Presidente da Forças Armadas
Chefe do Gabinete Militar da Vossa Excelência Senhor Chefe
República, a construir frases como:
Presidência da República
Vossa Excelência está cansada? Secretário da Presidência da Vossa Excelência Senhor Secretário
República
Governador de Estado Vossa Excelência Senhor Governador
Por motivo de iconicidade (tendência de ser o mais fiel possível à Vice-Governador de Estado Vossa Excelência Senhor Vice-Governador
realidade que se quer representar), o adjetivo assume, entretanto, a flexão Deputado Estadual Vossa Excelência Senhor Deputado
Prefeito Municipal Vossa Excelência Senhor Prefeito
correspondente ao sexo da pessoa representada. Dessa maneira, teremos de Vossa Senhoria Senhor Vereador
Vereador
dizer, dirigindo-nos ao Presidente da República: Desembargador Vossa Excelência Senhor Desembargador
Juiz Vossa Excelência Senhor Juiz
Vossa Excelência está cansado? Embaixador Vossa Excelência Senhor Embaixador
Cônsul Vossa Senhoria Senhor Cônsul
Cônsul-Geral Vossa Senhoria Senhor Cônsul-Geral
Se se tratasse da rainha da Inglaterra, deveríamos dizer:
DESTAQUES SOBRE OS PRONOMES 297
296 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
Eu tenho cem guarda-costas e um deseja matar-me, mas não sei qual é. O senhor
POSIÇÃO DO TRATAMENTO VOCATIVO EM
Mitterrand tem cem amantes e uma o trai, mas ele não sabe qual é. E o senhor tem cem
INTERLOCUTOR CORRESPONDÊNCIA
economistas. Um pode salvar a Rússia, mas o senhor não sabe qual é6.
Decano do Corpo Consular Vossa Senhoria Senhor Cônsul Decano
Marechal Vossa Excelência Senhor Marechal
Quando em função adjetiva, associados a substantivos, senhor e senhora
General-de-Exército Vossa Excelência Senhor General-de-Exército
General-de-Divisão Vossa Excelência Senhor General-de-Divisão são substituídos por seu e dona, como em:
General-de-Brigada Vossa Excelência Senhor General-de-Brigada
Mangueira também tem seus deuses, os deuses do samba, vivos e mortos, como
Almirante de Esquadra, Vice- Vossa Excelência Senhor Almirante
Dona Zica, Dona Neuma, Seu Cartola.
- Almirante ou Contra-Almirante
Marechal-do-Ar Vossa Excelência Senhor Marechal-do-Ar
Tenente-Brigadeiro Vossa Excelência Senhor Tenente-Brigadeiro
Major-Brigadeiro Vossa Excelência Senhor Major-Brigadeiro
Brigadeiro Vossa Excelência Senhor Brigadeiro
Capitão-de-Mar-e-Guerra Vossa Senhoria Senhor Capitão-de-Mar-e-
Guerra
Coronel (exército) Vossa Senhoria Senhor Coronel
Coronel (aeronáutica) Vossa Senhoria Senhor Coronel
Capitão -de- Fragata Vossa Senhoria Senhor Capitão-de-Fragata
Capitão-de-Corveta Vossa Senhoria Senhor Capitão-de-Corveta
Major (exército) Vossa Senhoria Senhor Major
Major (aeronáutica) Vossa Senhoria Senhor Major
Tenente-Coronel (Exército) Vossa Senhoria Senhor Coronel
Tenente-Coronel (Aeronáutica) Vossa Senhoria Senhor Coronel
Papa Vossa Santidade Santidade
Cardeal Vossa Eminência Eminência Reverendíssima
Arcebispo Vossa Excelência Excelência Reverendíssima
Reverendíssima
Bispo Vossa Excelência Excelência Reverendíssima
Reverendíssima
Monsenhor, Cónego ou Pastor Vossa Reverendíssima Reverendíssimo Senhor
Madre Vossa Reverendíssima Reverendíssima Madre
Irmã Vossa Reverendíssima Reverenda Irmã
Reitor de Universidade Vossa Magnificência Magnífico Reitor

Quando se fala de uma terceira pessoa ausente, substitui-se o vossa por


sua, na forma de tratamento. Exemplo:
Sua Excelência quer falar com você ainda hoje.

Há um outro tratamento de cortesia, bastante difundido no Brasil, que


6. Folha de S. Paulo, São Paulo, 1.1.1996, caderno l, p. 2.
é o emprego das expressões o senhor, a senhora. Exemplo:
15

DESTAQUES SOBRE os NUMERAIS

15.1 CLASSIFICADORES PARTITIVOS

Nem todos os seres representados pelos substantivos são contáveis.


Não podem, pois, ser afetados diretamente por um numeral. É o caso, por
exemplo, de areia, água, manteiga. Não podemos dizer duas areias, três águas
ou dez manteigas. A maneira como os seres humanos resolveram esse pro-
blema foi extrair partes iguais dessas substâncias e contá-las. Temos diversas
palavras para designar essas partes. Podemos dizer punhado de areia, lata de
areia, copo de água. Esses vocábulos (punhado, lata, copo) são chamados de
classificadores partitivos, porque servem para medir as partes iguais dessas
substâncias não contáveis. Depois de termos escolhido um classificador par-
titivo, aplicamos os numerais a esses classificadores, dizendo: um punhado
de areia, duas latas de areia, três copos dagua.
Inicialmente, os seres humanos podem ter utilizado como classificadores
partitivos as partes do seu próprio corpo, como podemos ver em:

duas braçadas de flores (braço)


um punhado de areia (punho)
vintes pés de comprimento (pé)

299
-
DESTAQUES SOBRE OS NUMERAIS 301
300 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

três palmos de tecido (palma da mão estendida) picadas, 3 colheres de sopa cheias de gordura de porco, 2 V4 xícaras de chá de arroz, 4
duas polegadas de largura (polegar) colheres de sopa de tempero verde picado, 5 xícaras de chá de água fervente, sal e pimenta -
dois dedos de uísque (dedo) -do-reino moída na hora a gosto1.

Alguns desses classificadores foram oficializados, como o pé e a. Às vezes, temos elementos contáveis, mas que, funcionalmente, são
polegada, que ainda são utilizados em países como os Estados Unidos da tratados como não contáveis. É o caso de uma receita em que são utilizados
América e a Inglaterra. Em outros países, incluindo o Brasil, no lugar des- ingredientes como azeitonas, amêndoas, tomates ou batatas. Azeitona, por
ses classificadores, são utilizados outros, dentro de um sistema chamado exemplo, é contável. Podemos dizer uma, duas, três azeitonas. Mas não seria
métrico-decimal. Em vez de pés de altura e polegadas de largura, dizemos prático contar, por exemplo, 75 azeitonas numa receita. Por esse motivo,
metros de altura e centímetros de largura. Milímetro, centímetro, metro, utilizamos, também nesse caso, os classificadores partitivos. Exemplos:
quilómetro, grama, quilograma, tonelada são, pois, classificadores partitivos 100 g de azeitonas verdes
oficializados. 50 g de amêndoas
Além desses classificadores, surgiram outros sob a forma de utensílios, 1 kg de tomates
2 kg de batatas
como podemos ver em:
uma colher de sopa de manteiga Quando se trata de um ingrediente de maior tamanho, costuma-se
duas xícaras de farinha de trigo
utilizar o singular, como em:
um prato de polvilho
100 g de mamão
Por influência da indústria foram criados novos classificadores: pacote, 120 g de abacaxi em calda
lata, vidro, como em:
Isso se deve ao fator iconicidade. De um mamão ou de um abacaxi
um pacote de gelatina
podemos tirar 100 ou 120 g. Já de uma amêndoa ou de um tomate não po-
duas latas de leite condensado
uni vidro de leite de coco demos tirar 50 g ou l kg.
Muitas vezes, por questão de economia, o classificador partitivo pode
Em receitas culinárias, há um uso sincrético dos classificadores. É ser omitido, ficando, entretanto, seu sentido implícito. Alguém pode dizer,
comum a mistura de classificadores oficiais e de utensílios, empregados pois, que tomou:
como classificadores, como podemos ver na listagem dos ingredientes de
duas garrafas de cerveja
um prato oferecido a D. Pedro I, em 17 de agosto de 1822, na fazenda Pau três doses de uísque
dAlho, no Vale do Paraíba, dias antes de o futuro imperador proclamar a uma garrafa de água mineral
independência do Brasil:
ou apenas:
ARROZ COM SUA

Ingredientes: 2 '/2 kg de sua (espinha dorsal do porco com as costelinhas), suco de


2 a 3 limões, 3 colheres de sopa de vinagre, 3 dentes de alho amassados, 2 folhas de louro 1. Revista Gula, São Paulo, n. 116, jun. 2002, p. 61.
; • DESTAQUES SOBRE OS NUMERAIS 303
302 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
século XXI (leitura = século vinte e um)
duas cervejas
três uísques Pedro I (leitura = Pedro primeiro)
uma água mineral Luís XVI (leitura = Luís dezesseis)
' João Paulo II (leitura = João Paulo segundo)
) Pio XII (leitura = Pio doze)
Nesse caso, o numeral passa a concordar diretamente com o substantivo
não contável. Casos mais raros são aqueles em que o classificador permanece, )

sendo eliminado o substantivo. Exemplos: l


15- 4 CORRESPONDÊNCIA ENTRE os NUMERAIS
O bebé já tomou duas mamadeiras (de leite). ALGARISMOS CARDINAIS ORDINAIS MULTIPLICA- FRACIONÁRIOS
Eu comi dois pratos (de comida) no almoço. ) ARÁBICOS TIVOS
) 1 um primeiro simples -
2 dois segundo duplo, dobro meio
' 3 •;•• :.'.:••;•. tres terceiro tiplo, tríplice terço
15.2 FLEXÃO DE GÉNERO 4 quarto quádruplo quarto
) quatro
. 5 cinco quinto quíntuplo quinto
Os numerais são invariáveis em género. Excetuam-se, entretanto: 6 • • seis sexto sêxtuplo sexto
) 7 sete sétimo sétuplo ou sétimo
a) um (uma), dois (duas), ambos (ambas): um copo, uma mesa; dois copos, séptuplo
)
duas mesas; ambos os times, ambas as candidatas. 8 oito oitavo óctuplo oitavo
•) 9 nove nono nônuplo nono
b) os numerais formados por um e dois: trinta e um candidatos, trinta e uma
) 10 dez décimo décuplo décimo
candidatas; trinta e dois candidatos, trinta e duas candidatas. . 11 onze undécimo ou undécuplo onze avos
c) as centenas acima de cem: duzentos candidatos, duzentas candidatas; ' décimo primeiro
) 12 doze duodécimo ou duodécuplo doze avos
quinhentos candidatos, quinhentas candidatas. -. décimo segundo
13 treze décimo terceiro treze avos
A expressão 56231 vítimas deve ser lida ou escrita, por extenso, da 14 catorze catorze avos
) décimo quarto
seguinte maneira: "Cinquenta e seis mil, duzentas e trinta e uma vítimas". \ 20 vinte vigésimo vinte avos
O adjunto milhar é masculino. Por esse motivo, o artigo que o antecede 21 vinte e um vigésimo primeiro vinte e um avos
22 vinte e dois vigésimo segundo vinte e dois avos
deve também estar no masculino: "O governo abandonou os milhares de ) 23 vinte e três vigésimo terceiro vinte e três avos
pessoas que esperavam reposição salarial". )
30 trinta trigésimo trinta avos
40 quarenta quadragésimo quarenta avos
) 50 cinquenta quinquagésimo cinquenta avos
\ 60 sessenta sexagésimo sessenta avos
15-3 JOÃO PAULO II, Pio XII
70 setenta setuagésimo ou setenta avos
septuagésimo
Por convenção, na leitura dos números que quantificam séculos, gover- ) 80 oitenta octogésimo oitenta avos
nantes, papas etc, utilizam-se os numerais ordinais apenas até dez. Acima \ 90 noventa nonagésimo noventa avos
100 cem centésimo cêntuplo centésimo
disso, utilizam-se os cardinais para leitura. Exemplos:
) 200 duzentos ducentésimo ducentésimo
século X (leitura = século décimo) 300 trezentos trecentésimo trecentésimo
)

- )
DESTAQUES SOBRE OS NUMERAIS 305
304 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

ALGARISMOS CARDINAIS ORDINAIS MULTIPLICA- FRACIONARIOS Assim também, prefere-se dizer "o candidato cento e trinta e três mil
ARÁBICOS TIVOS quatrocentos e doze" a dizer "o cento e trinta e três mil quadringentésimo
400 quatrocentos quadringentésimo quadringentésimo
décimo segundo candidato".
500 quinhentos quingentésimo quingentésimo
600 seiscentos seiscentésimo ou seiscentésimo ou A preferência pelo cardinal posposto, em lugar do ordinal, parece
sexcentésimo sexcentésimo justificar-se por uma questão de facilidade. Na indicação de livros, capítulos
700 setecentos setingentésimo ou setingentésimo ou
septingentésimo septingentésimo ou versículos, por exemplo, os números de dez para baixo são indicados por
800 oitocentos octingentésimo octingentésimo ordinais; acima, por cardinais (com função de ordinal). Exemplos:
900 novecentos nongentésimo ou nongentésimo ou
noningentésimo noningentésimo A Revista Pesquisa, em seu segundo número, publicou uma matéria sobre evolução
1000 mil milésimo milésimo das espécies.
1000000 milhão milionésimo milionésimo A Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, no seu tomo 84 (leia-se
1000000000 bilhão bilionésimo bilionésimo
oitenta e quatro), traz uma matéria sobre o Estado do Piauí.
OBSERVAÇÃO
Alguns numerais cardinais e ordinais apresentam formas variantes. 15.6 NÚMERO DE PÁGINAS E FOLHAS
Exemplos: catorze/quatorze; bilhão/bilião; setuagésimo/septuagésimo.
Entretanto, as formas cincoenta (50) e hum (1), ainda que usadas algu- Na numeração de páginas e folhas, utilizamos normalmente numerais
mas vezes nas relações bancárias, não são registradas em dicionário. Devem, cardinais no lugar dos ordinais, por serem esses últimos muito eruditos.
portanto, ser consideradas fora da língua padrão. Assim, ao invés de dizer: Na sexagésima quarta página do livro, dizemos: Na
página sessenta e quatro. Na linguagem jurídica, é comum utilizar a expressão
a folhas. Exemplo: "A folhas doze do processo..." É como se disséssemos: "a
15.5 EMPREGO DO CARDINAL PELO ORDINAL
doze folhas do início do processo...".
São plenamente aceitáveis frases do tipo:
Ele está hospedado no apartamento vinte e três. 15.7 LEITURA DO CARDINAL
Ele mora no apartamento cento e cinquenta e três.
Há planos económicos voltados para o ano dois mil e dez. Na leitura (ou escrita por extenso), coloca-se o e apenas após as centenas
e as dezenas. Entre as classes, não se usa o e. Exemplo:
Nesses casos, como se pode notar, os cardinais não indicam a quantida-
2 623 = dois mil seiscentos e vinte e três.
de de quartos, apartamentos ou de anos. Tanto é verdade que o substantivo
marcado com esses números fica no singular sempre. O cardinal, posposto Um cheque com o valor de R$ 3 426 832,43, por exemplo, será preen-
ao substantivo, tem função de ordinal e, no português contemporâneo, é chido, por extenso, da seguinte forma:
frequentemente usado para substituir ordinais muito elevados. É mais usual,
Três milhões, quatrocentos e vinte e seis mil, oitocentos e trinta e dois reais e qua-
por exemplo, dizer "no ano mil cento e dezoito da Era Cristã" do que "no
renta e três centavos.
milésimo centésimo décimo oitavo ano da Era Cristã".
306 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS NUMERAIS 307

Se a centena não for seguida de outro número, emprega-se o e entre o OBSERVAÇÃO


milhar e a centena: Na verdade, quando o ordinal é muito extenso, evita-se o desconforto
de enunciá-lo por inteiro, usando-se, em seu lugar, o cardinal após o subs-
3 300 = três mil e trezentos.
tantivo. Como já se disse, nesse caso, o cardinal equivalente ao ordinal fica
O mesmo acontece, quando o numeral apresentar O na centena: invariável. Em vez de dizer, por exemplo:

5 045 = cinco mil e quarenta e cinco. Acabou de chegar a duas milésima ducentésima segunda inscrição para o vestibular,

diz-se com mais facilidade e igual sentido:


15.8 LEITURA DO ORDINAL
Acabou de chegar a inscrição dois mil duzentos e dois para o vestibular.

Os ordinais inferiores a 2 000 são lidos por justaposição, isto é, em


sequência decrescente: o milhar, a centena, a dezena, a unidade. Exemplo: 15.9 MIL REAIS, UM MIL REAIS
Isso aconteceu no 1996a ano da era cristã.
Embora nas transações bancárias exista o costume de escrever, por
extenso, um mil reais, referente à quantia R$ l 000,00, basta escrever e dizer
Lendo por extenso, teremos: "milionésimo nongentésimo (ou noningen-
mil reais. Afinal, ninguém diz "Comprei uma caixa dagua de um mil litros",
tésimo) nonagésimo sexto ano da era cristã". Em termos de concordância,
mas "Comprei uma caixa dagua de mil litros".
todos concordam com o substantivo a que se referem (no caso: ano).
Com respeito aos ordinais superiores a dois mil, diz a tradição gramati-
cal que o numeral da casa dos mil deve ser lido como cardinal e os demais,
como ordinais. Exemplo:
Falta a 2 349a página da enciclopédia.

A leitura seria a seguinte: "Falta a duas milésima trecentésima quadragési-


ma nona página da enciclopédia". Quanto à concordância, todos concordam
com o substantivo a que se referem (no caso: página).
Modernamente, prefere-se, em casos como esse, a leitura do milhar
como ordinal, se se tratar de número inteiro. Exemplo:
Comemorou-se o lançamento do 10 000fl veículo da montadora.

A leitura por extenso será: "Comemorou-se o lançamento do décimo


milésimo veículo da montadora".
16
DESTAQUES SOBRE os VERBOS

16.1 VERBOS REGULARES, IRREGULARES, ANÓMALOS, DEFECTIVOS


E IMPESSOAIS

a. Verbos regulares

São aqueles em que o radical não sofre alteração fonética em nenhuma


forma da conjugação e as desinências seguem o paradigma da conjugação
a que pertencem. Exemplos:

CANTAR VENDER PARTIR


canto vendo parto
cante/ vendi parti
cantava vendia partia
cantarei venderia partiria

Também é regular um verbo como agir

ajo
ages
agimos

309
DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 311
310 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
c. Anómalos
A troca do j por g é uma simples alteração gráfica, não fonética. Para
saber se um verbo é regular, basta conjugá-lo no presente e no perfeito do Há dois verbos (ir e ser) cujos radicais não sofrem apenas alterações
indicativo. Sendo regular nessas duas formas, será regular em todas as de- fonéticas: trata-se de uma troca de radicais na sua conjugação, uma irre-
mais. Exemplo: verbo amar gularidade bem diferente das anteriores. Por isso, são classificados como
anómalos.
PRESENTE PERFEITO
amo amei SER
amas amaste serei - será [provém do verbo sedere (= estar sentado, em latim)]
ama amou és - era [provém do radical do verbo esse (= ser, existir, em latim)]
amamos amamos fui - foste [provém do verbo fugere (= fugir em latim)]
amais amastes
amam amaram IR

vou - vais - vá [provém do verbo vadere (= ir, caminhar, em latim)]


b. Irregulares
irei - irás - iria [provém do verbo ire (ir, em latim)]
São aqueles cujo radical sofre alterações fonéticas ou cujas desinências fui - foste - foram [provém do verbo fugere (- fugir em latim)]

não seguem o paradigma usual dos verbos da conjugação a que pertencem.


A forma fui, como vemos, é utilizada pelos dois verbos. A diferença
Exemplos:
entre eles só é percebida pelo contexto, em função de terem estruturas ar-
FUGIR gumentais diferentes. Exemplos:
fujo Eu não vou ser diferente do que fui a vida toda.
foges Fui para a varanda ver a Lagoa.
Alteração: troca do u pelo o.
Há certos verbos que admitem duas variações em algumas de suas for-
ESTAR mas. São os chamados verbos abundantes. No verbo haver, por exemplo, a
estoM (a terminação usual é o l eu canto) 1a e a 2a pessoa do plural do presente do indicativo podem ser: nós havemos
estive (a terminação usual é ei l eu cantei) ou hemos l vós haveis ou heis.
A mesma abundância ocorre com os verbos dizer e fazer, na 2a pessoa
As alterações fonéticas do radical às vezes são muito marcantes. É o do singular do imperativo afirmativo: dize ou diz tu / faze ou faz tu.
caso, por exemplo, do verbo fazer: Particularmente importante, porque muito frequente, é a abundância
no particípio passado de muitos verbos, os chamados particípios duplos:
fazer
faço aceitado / aceito
fazes benzido / bento
fizeste acendido / aceso
faremos salvado / salvo
DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 313
312 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

d. Defectivos conta os chamados tempos primitivos de um verbo que são: o presente do


indicativo, o perfeito simples do indicativo e o infinitivo.
São verbos que não possuem certas formas de sua conjugação. Uma
das razões para isso é a homonímia. Vejamos, por exemplo, o verbo falir. Se a. Tempos derivados do presente do indicativo
fosse conjugado em todas as pessoas do presente do indicativo, apresentaria PRESENTE DO SUBJUNTIVO
as seguintes formas: Da primeira pessoa do singular do presente do indicativo, forma-se
Eu falo o presente do subjuntivo da seguinte maneira: troca-se a desinência o da
Tu fales primeira pessoa do singular pelas desinências típicas do presente do sub-
Ele fale
juntivo, que são:
Nós falimos
Vós falis e - para os verbos terminados em ar.
Eles falem a - para os verbos terminados em er/ir (incluindo o verbo pôr e derivados)
Assim:
Podemos notar que, com exceção da 1a e da 2a pessoa do plural, todas as
PRESENTE DO INDICATIVO PRESENTE DO SUBJUNTIVO
outras formas são idênticas às do verbo falar, ou no presente do indicativo
eu falo que eu fale
(eu falo) ou no presente do subjuntivo (tu fales, elefale, eles falem). Ora, como que eu venda
eu vendo
o verbo falar é de uso muito mais frequente do que o verbo falir, torna-se eu parto que eu parta
mais económico conjugar regularmente/a/ar e deixar falir sem essas formas eu ponho que eu ponha

homónimas, ou seja, conjugá-lo apenas na l* e na 2- pessoa do plural. No


Esse esquema funciona para todos os verbos (mesmo os irregulares),
lugar das formas que não existem, podemos utilizar expressões equivalentes
desde que tenham a desinência o na primeira pessoa do presente do indi-
como: eu vou à falência, eles vão à falência, estou prestes a falir etc. Às vezes,
contudo, o motivo de um verbo ser defectivo está ligado simplesmente a cativo. Exemplos:

fatores de eufonia, como acontece com precaver. VERBOS 1» PESS< PRESENTE DO


IRREGULARES DO INI SUBJUNTIVO
e. Impessoais
passear passeio passeie
Uma outra razão para que um verbo não possua todas as suas formas caber caibo caiba
poder posso. possa
é a incompatibilidade semântica com algumas pessoas do discurso. Muitas veja
ver vejo
vezes, o verbo designa uma ação que não pode ser atribuída a seres humanos, pôr ponho ponha
como chover, garoar, mugir. ouvir ouço ouça
vir venho venha

16.2 FORMAÇÃO DOS TEMPOS VERBAIS As exceções são o verbo querer (apesar de ter a desinência o na l- pessoa
do presente do indicativo) e os verbos que não apresentam essa desinência.
Em termos pedagógicos, é útil lembrar que é possível deduzir todos
os tempos de um verbo a partir de um processo mnemónico que leva em No total são apenas sete verbos:
DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 315
314 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
FALAR
VERBO 1a PESSOA PRESENTE DO SUBJUNTIVO
DO PRESENTE Presente do Imperativo Presente do
DO INDICATIVO indicativo afirmativo subjuntivo

Dar Dou Dê, dês, demos, deis, dêem Eu falo fale


Estar Estou Esteja, estejas, esteja, estejamos, estejais, estejam fales
Ele fala
Haver Hei Haja, hajas, haja, hajamos, hajais, hajam
Nós falamos
Ir Vou Vá, vás, vá, vamos, vades, vão
Vós/n/n/ c (-<;) :: faleis
Saber Sei Saiba, saibas, saiba, saibamos, saibais, saibam Eles falam
Ser Sou Seja, sejas, seja, sejamos, sejais, sejam
Querer Quero Queira, queiras, queira, queiramos, queirais, VENDER
queiram Presente do Imperativo Presente do
indicativo afirmativo subjuntivo
IMPERATIVO '
É importante observar que, pelo princípio da iconicidade, tanto o im- Eu vendo venda
vendas
perativo afirmativo quanto o negativo não possuem a primeira pessoa do Ele vende
singular. Afinal, ninguém dá ordens ou faz pedidos a si mesmo. É também Nós vendemos VendfimO* WÓS <
importante lembrar que as segundas pessoas (singular e plural) não são vendais
Eles vendem
iguais na forma afirmativa e negativa.
PARTIR
IMPERATIVO NEGATIVO
Presente do Imperativo Presente do
É absolutamente igual (sem exceções) ao presente do subjuntivo, pre- indicativo afirmativo subjuntivo
cedido da negação. Exemplos:
Eu parto parta
partas
FALAR VENDER PARTIR Ele parte
não fales não vendas não partas tu Nós partimos
IMPERATIVO não fale não venda não parta você partais
NEGATIVO não falemos não vendamos não partamos nós Eles partem partam vocês partam
não faleis não vendais não partais vós
não falem não vendam não partam vocês
OBSERVAÇÕES
• Esse esquema se aplica a todos os verbos (regulares e irregulares). A
IMPERATIVO AFIRMATIVO
única exceção é o verbo ser, cujas segundas pessoas não se originam das
Forma-se assim: As segundas pessoas (singular e plural) provêm das
formas correspondentes do presente do indicativo. Eis sua conjugação no
correspondentes pessoas do presente do indicativo, subtraindo-se o s; as
imperativo:
demais pessoas são absolutamente iguais às do presente do subjuntivo.
Exemplos:
DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 317
316 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
O verbo reaver é outro exemplo de verbo defectivo. No presente do
Presente do Imperativo Presente do
indicativo, conjuga-se apenas nas formas arrizotônicas:
indicativo afirmativo subjuntivo
Eu sou Eu-
seja
Tu és
Tu-
sê tu sejas
Ele é seja você seja
Ele-
Nós reavemos
Nós somos sejamos nos sejamos
Vós reaveis
Vós sois sede vós sejais
Eles-
Eles são sejam vocês sejam

Como se vê, no imperativo afirmativo, as três pessoas provenientes Como não possui a 1a pessoa do presente do indicativo, não tem ne-
do presente do subjuntivo seguem o esquema usual de formação. Mas as nhuma forma do presente do subjuntivo e nenhuma do imperativo negativo.
segundas pessoas se formam de maneira totalmente anómala. As três pessoas do imperativo afirmativo (3a do singular, 1a e 3a do plural)
- Os verbos dizer, trazer, fazer e os verbos terminados em uzir, além da também não existem. Como não possui a segunda pessoa do singular do
forma normal da 2- pessoa, admitem também outra forma, com queda presente do indicativo, não tem também a correspondente pessoa do impera-
do e final. Exemplos: tivo afirmativo. Assim, do imperativo afirmativo, o verbo reaver só apresenta
Dize-me (ou diz-me) o que pensas. a 2- pessoa do plural: reavei.
Traze-me (ou traz-me) a tua proposta.
Faze-me (faz-me) a tua sugestão. b. Tempos formados a partir do perfeito do indicativo
Conduze-me (ou conduz-me) até tua casa.
São três os tempos derivados do perfeito do indicativo: o mais-que-
Em síntese: quando se conhece a conjugação do presente do indicativo -perfeito do indicativo, o imperfeito do subjuntivo e o futuro do subjuntivo.
de um verbo (salvo aquelas sete exceções já apontadas: dar, estar, haver, ir, Para obtê-los, basta tomar a terceira pessoa do plural do perfeito e
saber, ser e querer), obtêm-se, por derivação, os seguintes tempos: presente proceder da seguinte maneira:
do subjuntivo, imperativo negativo e imperativo afirmativo.
VERBO AMAR
VERBOS DEFECTIVOS 3a pessoa do plural do perfeito do indicativo: amaram
Quando um verbo for defectivo em alguma forma do presente do in- a) se retirarmos o m final, teremos o mais-que-perfeito do indicativo: eu
dicativo, essa defectividade se estende também às formas derivadas. Desse amara, tu amaras, ele amara etc.
modo, se um verbo não possui a 1a pessoa do presente do indicativo, como b) se retirarmos, além do m, também o a final (am), teremos o futuro do
falir, por exemplo, não possuirá, por consequência: subjuntivo: quando eu amar, quando tu amares, quando ele amar etc.
c) se retirarmos, além do am, também o r (ram) e acrescentarmos sse,
- nenhuma forma do presente do subjuntivo;
teremos o imperfeito do subjuntivo: se eu amasse, se tu amasses, se ele
- nenhuma forma do imperativo negativo;
amasse etc.
- nenhuma das três pessoas do imperativo afirmativo provenientes do pre-
Isso vale também para os verbos irregulares e anómalos. Exemplos:
sente do subjuntivo.
3/8 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 319

VERBO PÔR a) mais-que-perfeito do indicativo: eu requererá, tu requererás, ele requererá


3a pessoa do plural do perfeito do indicativo: puseram etc.
a) mais-que-perfeito do indicativo: eu pusera, tu puseras, ele pusera etc. b) futuro do subjuntivo: quando eu requerer, quando tu requereres, quando
b) futuro do subjuntivo: quando eu puser, quando tu puseres, quando ele ) ele requerer etc.
puser etc. ) c) imperfeito do subjuntivo: se eu requeresse, se tu requeresses, se ele reque-
c) imperfeito do subjuntivo: se eu pusesse, se tu pusesses, se ele pusesse etc. resse etc.

c. Tempos formados a partir do infinitivo


VERBOS VER E VIR
O futuro do subjuntivo desses verbos costuma apresentar dificuldades, O infinitivo impessoal é marcado pela desinência r em todos os verbos
pois o senso comum acha que esse tempo é formado a partir do infinitivo. do português. Exemplos: fala r, vende r, parti r.
Utilizando o recurso do perfeito do indicativo como tempo primitivo, é fácil Do infinitivo impessoal, formam-se os seguintes tempos: futuro do
solucionar o problema. Vejamos: presente, futuro do pretérito, imperfeito do indicativo, infinitivo pessoal,
gerúndio e particípio. Exemplos:
Verbo Ver
3- pessoa do plural do perfeito do indicativo: viram FALAR
a) mais-que-perfeito do indicativo: eu vira, tu viras, ele vim etc. Futuro do presente: falarei
b) futuro do subjuntivo: quando eu vir, quando tu vires, quando ele vir Futuro do pretérito: falaria
etc. Imperfeito do indicativo: falava
c) imperfeito do subjuntivo: se eu visse, se tu visses, se ele visse etc. Infinitivo pessoal: falar eu, falares tu, falar ele etc.
Gerúndio: falando
Verbo Vir Particípio: falado
3- pessoa do plural do perfeito do indicativo: vieram
Esse procedimento não funciona para obter o futuro do presente dos
a) mais-que-perfeito do indicativo: eu viera, tu vieras, ele viera etc.
verbos: dizer, fazer, trazer e derivados. Exemplos:
b) futuro do subjuntivo: quando eu vier, quando tu vieres, quando ele vier
etc. Futuro do presente: direi, farei, trarei
c) imperfeito do subjuntivo: se eu viesse, se tu viesses, se ele viesse etc. Futuro do pretérito: diria, faria, traria

O que ocorre com esses verbos é que, nesses dois tempos, a sílaba medial
VERBO REQUERER
(zé) sofre queda. O mesmo acontece com todos os derivados:
Muitas pessoas imaginam que esse verbo seja composto de querer e,
por isso, utilizam formas inexistentes como *Se eles requisessem, *'quando desdizer: - desdirei (futuro do presente)
ele requiser etc. Utilizando a 3a pessoa do plural do perfeito do indicativo, é - desdiria (futuro do pretérito)
possível eliminar esse tipo de incerteza: satisfazer: - satisfarei (futuro do presente)
3- pessoa do plural do perfeito do indicativo: requereram - satisfaria (futuro do pretérito)
320 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 321

Não funciona para obter o imperfeito dos quatro verbos seguintes e • o particípio, ao contrário, é variável. Exemplo:
seus derivados: Vindo de você, esse elogio me comove.
Vindas de você, essas palavras me comovem.
VERBOS DERIVADOS IMPERFEITO DO INDICATIVO

pôr dispor punha - dispunha


ter obter tinha - obtinha 16.3 EMPREGO DOS PARTICÍPIOS DUPLOS
vir intervir vinha - intervinha
ser (não tem derivados) era A maioria dos verbos em português possui particípio regular com a
terminação em do, como andado, vendido, partido. Alguns poucos têm
Quanto ao particípio, cabem as seguintes observações: somente particípios irregulares, isto é, com terminações diferentes de do,
como nos exemplos abaixo:
• Nos verbos de segunda conjugação, a vogal temática e transforma-se em
i no particípio: dever/ devido; acontecer/ acontecido; saber/ sabido. abrir aberto
• Há verbos que fazem o particípio de maneira irregular. Exemplos: cobrir coberto
dizer dito
pôr posto escrever escrito
escrever escrito fazer feito
fazer feito pôr posto
ver visto ver visto
dizer dito
Os derivados desses verbos também possuem apenas os particípios
O particípio do verbo vir e seus derivados é irregular: irregulares: desfazer - desfeito, descobrir - descoberto etc.
vir vindo Alguns verbos possuem, entretanto, dois particípios, um regular e
intervir intervindo outro irregular. Os principais são os seguintes:
provir provindo
aceitar aceitado aceito
acender acendido aceso
Nesses verbos, como se pode notar, o gerúndio e o particípio possuem
eleger elegido eleito
a mesma forma. Só o contexto esclarece a diferença entre um caso e outro. entregar entregado entregue
Uma forma prática, entretanto, de distinguir se a forma em não desses ver- enxugar enxugado enxuto
expressar expressado expresso
bos é gerúndio ou particípio, é a descrita, a seguir, tomando como exemplo
exprimir exprimido expresso
o verbo vir: expulsar expulsado expulso
extinguir extinguido extinto
• o gerúndio é sempre invariável, qualquer que seja a frase. Exemplo: findar findado findo
Vindo com bons modos, ele será bem recebido. ganhar ganhado ganho
Vindo com bons modos, elas serão bem recebidas. gastar gastado gasto
322 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 323

imprimir imprimido impresso O policial tinha preso o bandido.


isentar isentado isento O policial tinha o bandido preso.
limpar limpado limpo
matar matado morto Alguns desses verbos vêm sofrendo mudanças ao longo do tempo.
pagar pagado pago
Verbos como ganhar, gastar, pagar e pegar tanto podem ser empregados
prender prendido preso
salvar salvado salvo nas formas regulares como irregulares. Exemplo: "Eles têm ganhado/ganho
suspender suspendido suspenso muito dinheiro, mas tem gastado/gasto pouco".

AS FORMAS REGULARES DO PARTICÍPIO DESSES VERBOS SÃO EM-


PREGADAS NOS TEMPOS COMPOSTOS DA VOZATIVA (FORMADOS PELOS 16.4 Voz ATIVA E Voz PASSIVA
AUXILIARES TER/HAVER + PARTICÍPIO), OU SEJA, QUANDO O VERBO
POSSUIR UM SUJEITO AGENTE. EM TODAS AS OUTRAS SITUAÇÕES, A categoria de voz, embora vinculada ao verbo, é desencadeada por
EMPREGAM-SE AS FORMAS IRREGULARES. Exemplos:
procedimentos sintáticos. Vejamos a seguinte oração:

FORMAS REGULARES João beijou a namorada.


Márcia tinha limpado a mesa.
O guarda tinha salvado a criança. Nela, temos a chamada voz ativa. Existe um sujeito agente (João) e um
O vigia tinha acendido a luz.
objeto direto paciente (a namorada). Se o objeto direto paciente passar a
funcionar como sujeito, teremos a voz passiva:
FORMAS IRREGULARES
A mesa estava limpa. A namorada foi beijada por João.
A criança estava salva.
A luz já tinha sido acesa.
Nesse exemplo, foi utilizado um verbo auxiliar para a formação da voz
passiva que, por esse motivo, se chama de voz passiva analítica. Nesse tipo
Essa regra se fundamenta no fato de que, quando os verbos têm
de construção, o verbo ativo é colocado no particípio e o verbo auxiliar ser
particípio duplo, geralmente a forma regular possui aspecto dinâmico e a
é conjugado na mesma forma em que estava o verbo ativo. O sujeito da voz
irregular, aspecto estático. Dessa maneira, na voz ativa (quando o sujeito é
ativa passa a agente da passiva; o objeto direto da voz ativa passa a sujeito
agente), usa-se a forma regular, dinâmica. Na ausência de um sujeito agente,
da passiva e o particípio concorda com o novo sujeito. Exemplos:
emprega-se a forma irregular, estática. Em uma frase como: "O policial
tinha preso o bandido" há um conflito entre o sujeito agente e o particípio Os funcionários compraram as ações.
As ações foram compradas pelos funcionários.
irregular de aspecto estático. Frases desse tipo são sempre interpretadas,
Os funcionários comprarão as ações.
considerando-se o verbo ter como verbo principal e não como auxiliar, e
As ações serão compradas pelos funcionários.
o particípio, como um adjetivo predicativo, modificando o objeto direto,
no caso, o substantivo bandido. Por esse motivo, as frases a seguir são Quando o verbo ativo já vem precedido de um verbo auxiliar, o verbo
consideradas sinónimas: ser afeta apenas o verbo principal. O auxiliar fica apenas responsável pela
DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 325
324 GRAMÁTICA MtNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

veiculação do tempo verbal e pela concordância com o sujeito da oração. massacre dos revolucionários do Levante de 1848, em Paris, John Kenneth
Exemplos: Galbraith assim se expressa:

Os empregados começaram a comprar as ações. A essa altura as barricadas eram tomadas de assalto, e os operários subjugados.
As ações começaram a ser compradas pelos empregados. Foram feitos prisioneiros, que de início eram fuzilados. Mas a seguir, pelo que consta,
em consideração aos moradores do local, que reclamavam do barulho, foram mortos
a baioneta1.
OBSERVAÇÃO
Algumas vezes, é possível encontrar construções passivas com o verbo A preocupação de Galbraith, ao narrar o evento acima, exigiu que ele
estar. Exemplo:
colocasse em primeiro plano as vítimas do massacre. A voz passiva aparece
Os sequestradores estavam cercados pela polícia. aí como um recurso para obtenção desse efeito.
Um outro motivo para o uso da voz passiva é permitir o descarte dos
Além da passiva analítica, podemos ter em português a passiva com responsáveis por uma determinada ação, ou por ser redundante explicitá-
pronome se, também chamada de passiva pronominal. Exemplo: -los, ou por poder ser comprometedor fazê-lo, dentro daquela conhecida
A porta fechou-se. expressão popular de que às vezes é melhor "contar o milagre, mas não
revelar o nome do santo". No texto anteriormente citado, para evitar
Nesse tipo de construção, é possível observar que: redundância, Galbraith omitiu também os agentes, pois, pela leitura do
que vem antes, ficamos informados de que eram os soldados do governo
a) o sujeito é o alvo da ação, não o seu agente;
francês.
b) não há verbo auxiliar ser;
}á, no texto a seguir, a omissão se dá pelo segundo motivo. Trata-se
c) não há complemento agente da passiva e
da publicação da resposta de uma concessionária de veículos à reclamação
ã) o pronome se é apenas um pronome com função apassivadora.
de um cliente que se sentiu ludibriado na compra de um automóvel zero
quilómetro:
16.5 FUNÇÕES DA Voz PASSIVA NA CONSTRUÇÃO DO TEXTO Toda a negociação foi realizada e cumprida de acordo com a proposta de venda
assinada pelo cliente. Em relação à cortesia concedida ao cliente, consta na proposta de
Ao que tudo indica, o primeiro motivo por que alguém utiliza a voz venda a troca dos faróis simples pelos de máscara negra e não os faróis de milha que
custam em média R$ 150,00 cada2.
passiva, em lugar da voz ativa, é o desejo de modificar a perspectiva de uma
cena. Se dizemos uma frase como: "Maria abriu a porta" estamos descrevendo
A utilização da voz passiva acrescida da ausência do agente serve para
uma cena a partir da perspectiva do agente (Maria). Se colocarmos essa frase
dificultar a identificação da concessionária.
na voz passiva: "A porta foi aberta por Maria", descreveremos a mesma cena,
mas, agora, a partir da perspectiva daquilo que foi afetado (a porta).
Em determinadas cenas, é mais natural assumir o ponto de vista do pa-
1. John Kenneth Galbraith, A Era da Incerteza, p. 91.
ciente, ou daquilo que foi afetado, com escolha da voz passiva. Narrando o 2. "Jornal do Carro" Jornal da Tarde, São Paulo, 10.8.2001.
DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 327
326 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
terá apenas as pessoas derivadas do presente do indicativo (as segun-
16.6 GERUNDISMO
das pessoas).
As construções envolvendo futuro + gerúndio em frases como: Assim se conjugam: banir, colorir, demolir, emergir, extorquir, urgir.
Estarei telefonando amanhã para você, Gostaria de estar recebendo seu e-
ADEQUAR
-mail amanhã devem ser evitadas, pois são traduções malfeitas da língua
Pres. do Ind.: possui apenas a primeira e a segunda pessoa do plural:
inglesa, recebendo, por isso, o nome de gerundismo. Essas construções se
adequámos, adequais.
justificam, apenas, quando a ação do verbo apresentar aspecto durativo,
Perf. do Ind.: adequei, adequaste, adequou, adequámos, adequastes,
como em:
adequaram.
Amanhã, durante a tarde, estarei arrumando meu armário de roupas. Observação: Esse verbo é defectivo. Só se conjuga, no presente do in-
Acredito que ela deveria estar lavando os cabelos, quando tocou a campainha. dicativo, nas formas arrizotônicas (1a e 2- pessoas do plural). Por esse
motivo, não tem presente do subjuntivo e imperativo negativo. O im-
Arrumar o armário ou lavar os cabelos, nessas frases, são ações que
perativo afirmativo possui apenas uma pessoa: adequai vós. Nas pessoas
têm duração prolongada, ao contrário de telefonar ou receber e-mail.
e tempos em que não é conjugado, empregam-se formas supletivas,
utilizando o verbo adaptar, por exemplo, como em: Ele não se adapta
16.7 CONJUGAÇÃO DOS VERBOS IRREGULARES E/OU às novas condições.
DEFECTIVOS MAIS USUAIS
ADERIR
Pres. do Ind.: adiro, aderes, adere, aderimos, aderis, aderem.
ABENÇOAR
Perf. do Ind.: aderi, aderiste, aderiu, aderimos, aderistes, aderiram.
Pres. do Ind.: abençoo, abençoas, abençoa, abençoamos, abençoais,
Assim se conjugam: advertir, aferir, conferir, compelir, convergir, defe-
abençoam.
rir, desferir, despir, diferir, digerir, divergir, dissentir, divertir-se, inferir,
Perf. do Ind.: abençoei, abençoaste, abençoou, abençoamos, abençoastes,
interferir, preferir, proferir, referir, repelir, transferir, sugerir.
abençoaram.
Assim se conjugam: abalroar, amaldiçoar, apregoar, coar, doar, enjoar, entoar, AGIR
esboroar, perdoar, povoar, toar, voar. Pres. do Ind.: ajo, ages, age, agimos, agis, agem.
Perf. do Ind.: agi, agiste, agiu, agimos, agistes, agiram.
ABOLIR Observação: Apesar de não ser considerado irregular, a particularidade
Pres. do Ind.: aboles, abole, abolimos, abolis, abolem. desse verbo consiste em mudar o g (do radical) para j, antes de a e o, para
Perf. do Ind.: aboli, aboliste, aboliu, abolimos, abolistes, aboliram. conservar o mesmo som fricativo.
Observação: Se esse verbo não possui a primeira pessoa do singular do Assim se conjugam: afligir, coagir, erigir, restringir, refulgir, surgir, tran-
presente do indicativo, não terá também nenhuma forma do presente sigir, ungir.
do subjuntivo, nem do imperativo negativo. Do imperativo afirmativo,
328 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 329

AGREDIR Perf. do Ind.: atribuí, atribuíste, atribuiu, atribuímos, atribuístes, atribuíram.


Pres. do Ind.: agrido, agrides, agride, agredimos, agredis, agridem. Assim se conjugam: afluir, destituir, excluir, concluir, estatuir, instruir,
Perf. do Ind.: agredi, agrediste, agrediu, agredimos, agredistes, agrediram. usufruir, substituir, destruir.
Como esse, conjugam-se: prevenir, progredir, regredir, transgredir.
AVERIGUAR
AGUAR Pres. do Ind.: averiguo (ú), averiguas (ú), averigua (ú), averiguamos, averi-
Pres. do Ind.: aguo, águas, água, aguamos, aguais, aguam. guais, averiguam (ú).
Perf. do Ind.: aguei, aguaste, aguou, aguamos, aguastes, aguaram. Perf. do Ind.: averiguei, averiguaste, averiguou, averiguamos, averiguastes,
Como esse, conjugam-se: minguar, desaguar, enxaguar. averiguaram.
Assim se conjugam: apaniguar e apaziguar.
APIEDAR-SE
Pres. do Ind.: apiedo-me, apiedas-te, apieda-se, apiedamo-nos, apiedais-vos, CABER
apiedam-se. Pres. do Ind.: caibo, cabes, cabe, cabemos, cabeis, cabem.
Perf. do Ind.: apiedei-me, apiedaste-te, apiedou-se, apiedamo-nos, apiedas- Perf. do Ind.: coube, coubeste, coube, coubemos, coubestes, couberam.
tes-vos, apiedaram-se.
Esse verbo, derivado de piedade, apresenta a variante apiadar-se, depiada- CEAR
de (arcaico) e conjuga-se regularmente: apiado-me, apiadas-te, apiada-se. Pres. do Ind.: ceio, ceias, ceia, ceamos, ceais, ceiam.
Perf. do Ind.: ceei, ceaste, ceou, ceamos, ceastes, cearam.
APRAZER Assim se conjugam todos os verbos em ear: acarear, altear, apear, arquear,
Pres. do Ind.: aprazo, aprazes, apraz, aprazemos, aprazeis, aprazem. arrear, enfrear, olear, passear, pear, pentear, pratear, refrear, saborear,
Perf. do Ind.: aprouve, aprouveste, aprouve, aprouvemos, aprouvestes, sofrear etc.
aprouveram. Observação: A irregularidade dos verbos em ear consiste na inserção da
semivogal i [j] entre a vogal temática e as desinências, nas formas rizo-
ARGUIR
tônicas: ce(i)o, ce(i)as, ce(ia), ce(i)e, ce(i)es, ce(i)e, mas ceamos, ceais,
Pres. do Ind.: arguo (ú), argúis, argúi, arguimos, arguis, arguem.
ceemos, ceeis.
Perf. do Ind.: argui, arguiste, arguiu, arguimos, arguistes, arguiram.
COMERCIAR
ATRAIR
Pres. do Ind.: comercio, comercias, comercia, comerciamos, comerciais,
Pres. do Ind.: atraio, atrais, atrai, atraímos, atraís, atraem.
comerciam.
Perf. do Ind.: atraí, atraíste, atraiu, atraímos, atraístes, atraíram.
Perf. do Ind.: comerciei, comerciaste, comerciou, comerciamos, comerciastes,
Assim se conjugam: abstrair, cair, distrair, subtrair, sair, esvair-se.
comerciaram.
ATRIBUIR Assim se conjugam os verbos em iar como: anunciar, evidenciar, licenciar,
Pres. do Ind.: atribuo, atribuis, atribui, atribuímos, atribuís, atribuem. iniciar, arriar.
330 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 33 J

Observação: Há cinco verbos em iar que não seguem o modelo acima, DIGNAR-SE
mas, sim, o dos verbos em ear (como cear). São eles: mediar, ansiar, Pres. do Ind.: digno-me, dignas-te, digna-se, dignamo-nos, dignais-vos,
remediar, incendiar e odiar. A palavra MÁRIO pode ser utilizada como dignam-se.
recurso mnemónico para lembrar esses verbos. Perf. do Ind.: dignei-me, dignaste-te, dignou-se, dignamo-nos, dignastes-
-vos, dignaram-se.
COMPRAZER-SE Assim se conjugam: indignar-se, estagnar, pugnar, resignar, repugnar
Pres. do Ind.: comprazo-me, comprazes-te, compraz-se, comprazemo-nos, etc.
comprazeis-vos, comprazem-se.
DISTINGUIR
Perf. do Ind.: comprazi-me, comprazeste-te, comprazeu-se, comprazemo-nos,
Pres. do Ind.: distingo, distingues, distingue, distinguimos, distinguis, dis-
comprazestes-vos, comprazeram-se.
tinguem.
Observação: O perfeito e os tempos dele derivados podem seguir também
Perf. do Ind.: distingui, distinguiste, distinguiu, distinguimos, distinguistes,
o modelo de aprazer: comprouve-me, comprouveste-te, comprouve-se,
distinguiram.
comprouvemo-nos, comprouvestes-vos, comprouveram-se.
Assim se conjuga: extinguir.

CONSTRUIR DIZER
Pres. do Ind.: construo, constróis ou construis, constrói ou construi, cons- Pres. do Ind.: digo, dizes, diz, dizemos, dizeis, dizem.
truímos, construís, constróem ou construem. Perf. do Ind.: disse, disseste, disse, dissemos, dissestes, disseram.
Perf. do Ind.: construí, construíste, construiu, construímos, construístes, Assim se conjugam: desdizer, predizer etc.
construíram.
ESTAR
CRER Pres. do Ind.: estou, estás, está, estamos, estais, estão.
Pres. do Ind.: creio, crês, crê, cremos, credes, crêem. Perf. do Ind.: estive, estiveste, esteve, estivemos, estivestes, estiveram.
Perf. do Ind.: cri, creste, creu, cremos, crestes, creram. Observação: O presente do subjuntivo deste verbo é: esteja, estejas, esteja,
Observação: O imperfeito do indicativo deste verbo é: cria, crias, cria, estejamos, estejais, estejam.
críamos, críeis, criam.
FAZER
DAR Pres. do Ind.: faço, fazes, faz, fazemos, fazeis, fazem.
Pres. do Ind.: dou, dás, dá, damos, dais, dão. Perf. do Ind.: fiz, fizeste, fez, fizemos, fizestes, fizeram.
Perf. do Ind.: dei, deste, deu, demos, destes, deram.
FICAR
Observação: O presente do subjuntivo é: dê, dês, dê, demos, deis,
Pres. do Ind.: fico, ficas, fica, ficamos, ficais, ficam.
dêem.
Perf. do Ind.: fiquei, ficaste, ficou, ficamos, ficastes, ficaram.
DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 333
332 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO

A particularidade desse verbo consiste em mudar o c do radical por qu, OUVIR


antes de e, para conservar o som oclusivo. Pres. do Ind.: ouço, ouves, ouve, ouvimos, ouvis, ouvem.
Assim se conjugam: abdicar, verificar, retificar. Perf. do Ind.: ouvi, ouviste, ouviu, ouvimos, ouvistes, ouviram.

FUGIR PODER
Pres. do Ind.: fujo, foges, foge, fugimos, fugis, fogem. Pres. do Ind.: posso, podes, pode, podemos, podeis, podem.
Perf. do Ind.: fugi, fugiste, fugiu, fugimos, fugistes, fugiram. Perf. do Ind.: pude, pudeste, pôde, pudemos, pudestes, puderam.

Observação: Apesar de não ser considerado irregular, a particularidade Observação: Nesse verbo, ainda se mantém o acento diferencial na terceira
pessoa do singular do perfeito do indicativo (pôde), para distinguir de
desse verbo consiste em mudar o g (do radical) para j, antes de a e o, para
conservar o mesmo som fricativo. pode, igual pessoa do presente do indicativo. Tem-se, pois: pode = presente
do indicativo / pôde = perfeito do indicativo.
HAVER
Pres. do Ind.: hei, hás, há, havemos, haveis, hão. PÔR
Pres. do Ind.: ponho, pões, põe, pomos, pondes, põem.
Perf. do Ind.: houve, houveste, houve, houvemos, houveste, houveram.
Perf. do Ind.: pus, puseste, pôs, pusemos, pusestes, puseram.
Observação: O presente do subjuntivo desse verbo é: haja, hajas, haja,
Observação: O imperfeito do indicativo é: punha, punhas, punha, pú-
hajamos, hajais, hajam.
nhamos, púnheis, punham.
IR Assim se conjugam todos os verbos derivados de pôr: antepor, apor,
Pres. do Ind.: vou, vais, vai, vamos, ides, vão. compor, decompor, depor, expor, indispor, justapor, opor, predispor,
Perf. do Ind.: fui, foste, foi, fomos, fostes, foram. pressupor, propor, repor, supor, transpor etc.
Observação: O presente do subjuntivo desse verbo é: vá, vás, vá, vamos,
PRECAVER-SE
vades, vão.
Pres. do Ind.: possui apenas a primeira e a segunda pessoa do plural: preca-

MEDIAR vemo-nos, precaveis-vos.


Perf. do Ind.: precavi-me, precaveste-te, precaveu-se, precavemo-nos, preca-
Pres. do Ind.: medeio, medeias, medeia, mediamos, mediais, medeiam.
vestes-vos, precaveram-se.
Perf. do Ind.: mediei, mediaste, mediou, mediamos, mediastes, mediaram.
Observação: A conjugação desse verbo é regular. Sua particularidade
Assim também se conjuga: intermediar.
consiste em ser defectivo. Observe-se que, por não ter a primeira pessoa
MEDIR do singular do presente do indicativo, consequentemente, não possui
o presente do subjuntivo nem o imperativo negativo. Do imperativo
Pres. do Ind.: meço, medes, mede, medimos, medis, medem.
afirmativo, só possui a segunda pessoa do plural: precavei-vos. Nas formas
Perf. do Ind.: medi, mediste, mediu, medimos, medistes, mediram.
faltosas, pode ser substituído por: precatar-se, acautelar-se ou prevenir-se.
Assim se conjugam: pedir, expedir, despedir.
DESTAQUES SOBRE OS VERBOS 335
334 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO
b) Esses verbos derivados de ter, na terceira pessoa do singular do pre-
PROVER
sente do indicativo, recebem acento agudo (ele mantém, ele detém); na
Pres. do Ind.: provejo, provês, provê, provemos, provedes, provêem.
terceira pessoa do plural, mantêm o acento circunflexo (eles mantêm,
Perf. do Ind.: provi, proveste, proveu, provemos, provestes, proveram.
eles detêm).
Observação: Esse verbo, derivado de ver, não o segue no perfeito do in-
Assim se conjugam todos os derivados do verbo ter: ater, conter, deter,
dicativo, onde é regular.
entreter, obter, reter, suster etc.
REAVER
TRAZER
Esse verbo conjuga-se como haver, do qual é derivado, e só tem as formas
Pres. do Ind.: trago, trazes, traz, trazemos, trazeis, trazem.
em que na conjugação do verbo haver ocorre o v.
Perf. do Ind.: trouxe, trouxeste, trouxe, trouxemos, trouxestes, trouxeram.
Pres. do Ind.: possui apenas a primeira e a segunda pessoas do plural: rea-
vemos, reaveis.
VALER
Perf. do Ind.: reouve, reouveste, reouve, reouvemos, reouvestes, reouveram.
Pres. do Ind.: valho, vales, vale, valemos, valeis, valem.
Perf. do Ind.: vali, valeste, valeu, valemos, valestes, valeram.
REQUERER
Observação: O presente do subjuntivo desse verbo é: valha, valhas, valha,
Pres. do Ind.: requeiro, requeres, requer, requeremos, requereis, requerem.
valhamos, valhais, valham.
Perf. do Ind.: requeri, requereste, requereu, requeremos, requerestes, reque-
reram.
VER
Pres. do Ind.: vejo, vês, vê, vemos, vedes, vêem.
SER
Perf. do Ind.: vi, viste, viu, vimos, vistes, viram.
Pres. do Ind.: sou, és, é, somos, sois, são.
Observação: O futuro do subjuntivo do verbo ver é: vir, vires, vir, virmos,
Perf. do Ind.: fui, foste, foi, fomos, fostes, foram.
virdes, virem. Note-se também que a terceira pessoa do plural do presente
Observações: O presente do subjuntivo é: seja, sejas, seja, sejamos, sejais,
do indicativo é vêem (assim como lêem, crêem, dêem).
sejam.
Conjugam-se assim os derivados do verbo ver. antever, entrever, prever
O imperfeito do indicativo é: era, eras, era, éramos, éreis, eram.
etc., exceto o verbo prover.
O imperativo afirmativo é: sê, seja, sejamos, sede, sejam.

VIR
TER
Pres. do Ind.: venho, vens, vem, vimos, vindes, vêm.
Pres. do Ind.: tenho, tens, tem, temos, tendes, têm.
Perf. do Ind.: vim, vieste, veio, viemos, viestes, vieram.
Perf. do Ind.: tive, tiveste, teve, tivemos, tivestes, tiveram.
Observações:
Observações:
a) O imperfeito do indicativo é: vinha, vinhas, vinha, vínhamos, vínheis,
a) O imperfeito do indicativo é: tinha, tinhas, tinha, tínhamos, tínheis,
vinham.
tinham.
336 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

b) O futuro do subjuntivo de vir é vier. Retirando a desinência am da


terceira pessoa do singular do perfeito do indicativo desse verbo e acres-
centando r, teremos: vier(am). Logo: vier, vieres, vier, viermos, vierdes, 17
vierem.
c) Os verbos derivados de vir, na terceira pessoa do singular do presente DESTAQUES SOBRE os ADVÉRBIOS
do indicativo, recebem acento agudo (ele convém, ele provém). Na terceira
pessoa do plural, recebem acento circunflexo (eles convêm, eles provêm).
Assim se conjugam todos os derivados de vir. avir-se, convir, desavir-se,
intervir, provir, sobrevir, revir etc.

17.1 ADVÉRBIOS PREDICATIVOS E NÃO PREDICATIVOS

Os advérbios podem ser predicativos e não predicativos. Os predica-


tivos são aqueles que interferem no sentido de um elemento da oração.
Exemplos:

Ele fala baixo.


Ele fala alto.
Ele fala bem.
Ele fala depressa.

Em todas essas frases, os advérbios estão alterando o sentido do verbo


falar. O ato de falar não é o mesmo em cada um desses exemplos. Falar
baixo pode significar sussurrar e falar alto pode querer dizer gritar, e assim
por diante.
Os não predicativos apenas acrescentam uma circunstância ao consti-
tuinte, não interferindo em seu sentido. Exemplos:

Ele fala agora.


Ele fala amanhã.

337
DESTAQUES SOBRE OS ADVÉRBIOS 339
338 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
português + mente portuguesmente
Ele fala depois.
burguês + mente burguesmente
Ele fala aqui.

Nesses casos, os advérbios apenas situam o mesmo falar em tempo ou Quando se empregam vários advérbios em mente em uma mesma ora-
espaço diferentes. Na realidade, todos os advérbios não predicativos têm natu- ção, não é necessário colocar o sufixo em todos; ficam na forma feminina
reza pronominal. São colocados na classe dos advérbios apenas por tradição. da base. Exemplo: "Ele agiu calma, rápida e profissionalmente".
Todavia, por questão de ênfase, todos os advérbios de uma série como
essa podem apresentar-se integralmente, com seus sufixos: "Ele agiu calma-
17.2 ADVÉRBIOS EM -MENTE
mente, rapidamente e profissionalmente'.
Os advérbios em mente são formados a partir de um adjetivo. Se este for
uniforme (masculino e feminino iguais), basta acrescentar o sufixo:
17.3 NÃO, UM TIPO ESPECIAL DE ADVÉRBIO NÃO PREDICATIVO
triste mente tristemente
urgente mente urgentemente Como os demais advérbios não predicativos, o advérbio não também
feliz mente felizmente
não afeta o conteúdo da palavra a que se liga. Nas duas frases abaixo:
Se for biforme, o adjetivo assume a forma feminina, como em: O plano económico acabou com a inflação brasileira.
O plano económico não acabou com a inflação brasileira.
clara + mente claramente
rápida + mente rapidamente
completa + mente completamente o sentido do verbo acabar permanece o mesmo. A segunda frase significa
apenas que É FALSO QUE O PLANO ECONÓMICO TENHA ACABADO COM
Isso acontece, porque o sufixo mente era, em sua origem, o substantivo A INFLAÇÃO BRASILEIRA. Em outros termos, o advérbio não incide apenas
feminino "mente", com o qual o adjetivo forçosamente concordava. "Ver
sobre o valor de verdade do verbo acabar.
uma coisa claramente" significava: "Ver uma coisa com a mente clara". Com
o decorrer do tempo, mente esvaziou-se de seu significado, e sua forma
original tornou-se sufixo, mas a concordância formal com o feminino per- 17.4 ESCOPO DA NEGAÇÃO
)
manece até hoje.
) Quando se trata de negação, é muito importante a noção de escopo
Algo diverso ocorreu com alguns adjetivos terminados em es, como
) que, neste caso, significa o "conjunto de conteúdos afetados por uma
português e burguês. Eles eram uniformes em género, no português antigo.
) determinada palavra ou expressão". Nos exemplos anteriores, o escopo
Dizia-se: o homem português, a mulher português; o homem burguês, a mu-
) do advérbio é o verbo acabou. Quando existe na frase uma expressão
lher burguês. Posteriormente, surgiu o feminino com a desinência a, por
) circunstancial (que pode ser simplesmente um advérbio), o escopo da
analogia com as palavras femininas marcadas por essa terminação. Hoje se
) negação passa a ser essa expressão. Na frase: "Juscelino não viveu no
diz: o homem português, a mulher portuguesa; o homem burguês, a mulher
) século XIII" não se quer negar que Juscelino tenha vivido, mas que isso
burguesa. Apesar disso, quando se trata da derivação adverbial, esses adjetivos
)
tenha acontecido no século XIII. O escopo da negação é, pois, a expressão
assumem sua antiga forma invariável:
.) í
DESTAQUES SOBRE OS ADVÉRBIOS 341
340 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

de circunstância no século XIII. Tanto é verdade que se pode deslocar o Eu «õo vi nenhum estádio.
Ele não vem de jeito nenhum.
advérbio não para junto dessa expressão: "Juscelino viveu não no século Eu não vi ninguém conhecido na festa.
XIII, mas no século XX". Eu não fiz nada de mal a essa pessoa.
Às vezes, o escopo da negação vai além dos limites da oração em que
se acha esse advérbio. É o que acontece em: Apesar da dupla negação, as frases continuam a ter sentido negativo.
Ocorrendo depois do advérbio, o pronome indefinido pode assumir
O presidente não se elegeu, prometendo recessão.
tanto a forma negativa quanto a afirmativa. Exemplos:
O que se quer negar aqui não é que o presidente tenha sido eleito, mas Eu não vi estádio nenhum.
que ele tenha prometido recessão como plataforma de sua campanha. O
escopo do advérbio de negação é, nesse caso, o verbo prometer, que está em ou
outra oração. Similarmente, na frase: Eu não vi estádio algum.
Eu não quero que as crianças viajem no banco da frente;
Quando antecede não, este é omitido, como em:
o advérbio não não tem por escopo o verbo quero, nem mesmo viajem, mas
Nenhum estádio eu vi
a expressão circunstancial no banco da frente. É como se disséssemos: De jeito nenhum ele vem.
Ninguém conhecido eu vi na festa.
Eu quero que as crianças viajem, mas não no banco da frente.
Nada de mal eu fiz a essa pessoa.

Algumas vezes, uma frase pode ter dupla leitura, dependendo do escopo
que se quiser dar ao advérbio de negação. É o que acontece em: "O time do 17.6 LOCUÇÕES NEGATIVAS POLARES
São Paulo não está em 1a lugar por acaso" em que, se considerarmos o verbo
estar como escopo da negação, chegaremos à conclusão de que o São Paulo Existem, em português, algumas expressões que aparecem somente em
não está, de fato, em l2 lugar e que esse fato não se deve a uma casualidade. frases negativas. São as chamadas locuções negativas polares, porque são, por
Se, ao contrário, considerarmos a circunstância por acaso como escopo da assim dizer, "atraídas" pela negação. Ê o caso de:
negação, chegaremos à conclusão de que o São Paulo está, de fato, em l 2 Ela não mexeu um dedo para me ajudar.
lugar e que isso não se deve a nenhuma casualidade, mas, sim, ao seu bom Ele não é flor que se cheire.
desempenho em campo.
Essas expressões têm o efeito de intensificar a negação e não podem, de
fato, aparecer em versões afirmativas dessas sentenças, como em:
17.5 DUPLA NEGAÇÃO E ELIPSE DO ADVÉRBIO DE NEGAÇÃO
*Ela mexeu um dedo para me ajudar.
Em português, existe o fenómeno da dupla negação, em frases com o *Ele é flor que se cheire.
advérbio não e os pronomes indefinidos nenhum, ninguém, nada. Exemplos:
342 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS ADVÉRBIOS 343

Existem algumas expressões como uma ova, uma pinoia e outras me- Só eu liguei o automóvel.
Eu só liguei o automóvel.
nos educadas que têm o efeito de negar a afirmação de um interlocutor,
v
como em:
No primeiro exemplo, só tem a função de focalizar o pronome eu, dei-
Você comprou esse perfume, não comprou? xando implícito que ninguém mais ligou o automóvel. No segundo exemplo,
Comprei uma ova!
focaliza o verbo liguei, deixando implícito que eu não fiz qualquer outra coisa
com o automóvel, além de ligá-lo.
"Eu comprei uma ova" significa dizer, de maneira mais enfática: "Eu
Convém lembrar que só fica invariável, quando advérbio:
não comprei esse perfume!"
Só ela viajou.
Só eles viajaram.
17.7 ADVÉRBIOS FOCALIZADORES
Eis e sim também estão entre os advérbios focalizadores. Exemplos:
Entre os advérbios não predicativos, incluem-se, ainda, os advérbios
Eis o relógio que você me pediu.
focalizadores. Tais advérbios representam um expediente utilizado pelo fa- Senna sim sabia pilotar.
lante para dar destaque a qualquer elemento, colocando-o em um primeiro Você comprou sim esse apartamento!
plano na frase. São eles:
No primeiro exemplo, eis focaliza o termo relógio. No segundo exemplo,
a) focalizadores de inclusão: inclusive, até, mesmo, até mesmo, pelo menos, sim focaliza Senna, e, no terceiro, o verbo comprou.
também.
b) focalizadores de exclusão: somente, apenas, exclusive.
17.8 ADVÉRBIOS ORACIONAIS
Exemplos:
inclusão: Advérbios oracionais são aqueles que afetam uma oração inteira. Po-
Todos pediram demissão, inclusive seu irmão. dem ser classificados em: de circunscrição, modalizadores, aspectualizadores
Ele chegou até mesmo a pedir uma nova reunião. e avaliativos.
exclusão:
Somente um voluntário se apresentou. a. Advérbios de circunscrição
A Ferrari fez apenas dois "pit stops".
São aqueles que limitam o ponto de vista sob o qual pode ser considerada
correta uma determinada asserção. Se dizemos, por exemplo:
No primeiro exemplo, inclusive focaliza o termo seu irmão. No segundo,
até mesmo focaliza o verbo pedir. No terceiro exemplo, somente focaliza o Oficialmente, o dinheiro arrecadado veio do Uruguai;

termo um voluntário. No último, apenas focaliza dois "pit stops".


entende-se que a informação de que o dinheiro veio do Uruguai se cir-
Às vezes o adjetivo só é empregado no lugar de somente, como em:
cunscreve a uma versão oficial, das autoridades do governo, restando a
344 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE OS ADVÉRBIOS 345

pressuposição de que o dinheiro em questão pode ter, eventualmente, Diariamente, os jornais publicam o resultado das pesquisas eleitorais.
outra origem. Geralmente, ele chega às duas horas.

Outros advérbios de circunscrição são: humanamente, praticamente.


Outros advérbios aspectualizadores são: normalmente, inicialmente,
Incluem-se também, nessa função, locuções adverbiais como no fundo, de
ultimamente, frequentemente, eventualmente, ocasionalmente, costumeira-
fato, a bem da verdade, sob o ponto de vista de etc. Por exemplo, na frase:
mente, intermitentemente etc. Incluem-se também, como aspectualizadoras,
No fundo, todos sabem que ele é desonesto; as locuções adverbiais: às vezes, algumas vezes, de vez em quando, de quando
em quando etc.
a locução no fundo circunscreve a oração seguinte a uma convicção não Esses advérbios podem ser agrupados de acordo com o aspecto que
traduzível em palavras, não sujeita a provas, contida apenas no foro íntimo significam. Diariamente, frequentemente, eventualmente, costumeiramente
das pessoas.
são advérbios aspectualizadores frequentativos; inicialmente, um inceptivo
b. Advérbios modalizadores1 (que marca o início de uma ação).

São os que condicionam uma asserção a crenças, opiniões e expectativas. d. Advérbios avaliativos
Se dizemos:
Os advérbios avaliativos acrescentam um comentário apreciativo - po-
Dificilmente, o brasileiro consegue deixar de querer levar vantagem em tudo. sitivo ou negativo - do enunciador a respeito daquilo que ele enuncia. É o
que acontece nas frases:
o que fica pressuposto é que essa aludida dificuldade é uma crença dis-
Felizmente, todos se salvaram a tempo.
seminada na opinião pública. O advérbio dificilmente traz ao texto a Lamentavelmente, havia alguém sem salva-vidas.
voz (ou as vozes) desse senso comum, o que tem o efeito persuasivo de
convidar o interlocutor a aderir também a essa opinião generalizada. Outros advérbios avaliativos são: afortunadamente, francamente, sur-
Outros advérbios modalizadores são: talvez, realmente, possivelmente, preendentemente, inacreditavelmente etc.
provavelmente etc.

c. Advérbios aspectualizadores2

Os advérbios aspectualizadores têm a função de determinar a


duração do evento veiculado por uma frase. Por esse motivo, podem
ser também considerados como modificadores do aspecto verbal.
Exemplos:

1.0 termo modalização está ligado à figura do falante, à sua participação pessoal dentro
de um texto. Ver também auxiliares modais no capítulo da Sintaxe.
2. A ideia de aspecto está ligada à duração do processo verbal.
18

DESTAQUES SOBRE AS PREPOSIÇÕES

18.1 ANTECEDENTE E CONSEQUENTE

Preposição é uma palavra invariável que, colocada entre dois ter-


mos, relaciona o segundo ao primeiro, quase sempre por um vínculo
de subordinação. Por isso, pressupõe necessariamente um antecedente
e um consequente. A própria etimologia faz alusão a um termo conse-
quente (a palavra preposição é formada do prefixo latino prae = antes +
o substantivo positione = posição). Trata-se, pois, como o nome indica,
de uma palavra que se posiciona antes do termo consequente. Assim,
não fazem sentido frases constituídas apenas de uma palavra e uma
preposição, como estas:

Choveu em.
Trovejou durante.
Ventou sobre.

Só seriam aceitáveis essas frases se, após as preposições, viessem palavras


tais como nas frases a seguir:

Choveu em Brasília.

347
DESTAQUES SOBRE AS PREPOSIÇÕES 349
348 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

Trovejou durante a noite. 18.3 Dois ANTECEDENTES E UM CONSEQUENTE


Ventou sobre a cidade.
Quando dois ou mais antecedentes exigem a mesma preposição, podem

Apenas em casos de elipse, uma preposição pode aparecer no final de ter o mesmo consequente. Exemplos:
uma frase, como no exemplo: A construção e a destruição do prédio exigiram tempos diferentes.
Tome dois comprimidos antes ou depois das refeições.
Os governistas votaram a favor do novo imposto; os oposicionistas, contra.

É possível ainda que duas ou mais preposições tenham um único termo


Nessa frase, o termo consequente (o novo imposto) foi omitido, ficando
subordinado. Trata-se de uma ocorrência frequente com preposições de
subentendido no contexto.
sentidos opostos. Exemplos:
Com ou sem chuva, o jogo será realizado.
18.2 ORAÇÃO COMO CONSEQUENTE Não havia nada sob nem sobre a mesa.

A preposição pode subordinar uma oração a um antecedente. Quando Construções como essas devem ser evitadas, quando existem antece-
isso ocorre, a oração encabeçada pela preposição pode ou não ter conjun- dentes com regências diferentes. Exemplo:
ção em seu início. No primeiro caso, o verbo estará no indicativo ou no
A comissária entrou e saiu da cabina do avião.
subjuntivo. No segundo caso, o verbo estará no infinitivo ou gerúndio.
Exemplos:
Entrou é uma antecedente incompatível com a preposição de. Nin-
Todos tinham certeza de [que a viagem seria tranquila]. guém diz: Ele entrou da casa. Uma das maneiras de evitar o impasse é a
Em [se tratando de finanças], imóvel é um bom investimento.
Colombo precisou de três navios para [descobrir a América]. seguinte:

A comissária entrou na cabina do avião e saiu dela.


Às vezes, a oração infinitiva principia por outra palavra. Nesse caso a
preposição jamais deve ligar-se a um artigo ou pronome demonstrativo que
modifique essa palavra. Exemplos: 18.4 REPETIÇÃO E ELIPSE DA PREPOSIÇÃO

Chegou a hora de a onça beber água. Quando se trata de vários complementos sob o comando do mesmo
A ideia de esse remédio ter efeitos colaterais não agradou.
termo antecedente, a preposição pode ser usada antes do primeiro termo
da sequência e omitida antes dos demais, ou pode ser explicitada antes de
Isso acontece porque a preposição afeta a oração por inteiro e não apenas
cada um deles. Exemplos:
a palavra modificada pelo artigo. Quando ela modificar apenas uma palavra,
a preposição pode ligar-se ao artigo, como em: I - Caminhou por montes, vales e vilas.
II - Caminhou por montes, por vales e por vilas.
A ideia do ministro foi aplaudida por todos.
350 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO DESTAQUES SOBRE AS PREPOSIÇÕES 35J

É claro que, embora os sentidos sejam iguais, os efeitos de sentido são Quando a ideia de cálculo aproximado se refere ao passado, a expressão
diferentes: a repetição, no caso II, põe em relevo cada um dos elementos da cerca de pode ser antecedida pelo verbo haver, como em:
sequência, individualizando-os. A elipse, no caso I, engloba todos numa É a segunda vez que a vejo com este roupão. A primeira foi há cerca de onze meses.
só unidade.
Quando os dois termos ligados a um antecedente remetem a uma
18.6 À CUSTA DE, CUSTAS
única referência, a elipse é obrigatória. Em uma frase como "Receba os
cumprimentos dos alunos e amigos", alunos e amigos têm a mesma refe- À custa de significa às expensas. Exemplo:
rência: alunos que também são amigos. Já em "Receba os cumprimentos
Com 30 anos, ainda vive à custa do pai.
dos alunos e dos amigos", alunos e amigos têm, necessariamente, referên-
cias diferentes. Custas significam despesas judiciais. Exemplo:

As custas serão pagas pelo réu.


18.5 ACERCA DE, A CERCA DE, HÁ CERCA DE
A construção "Ele vive às custas do pai" não existe na língua padrão.
Acerca de significa a respeito de. Exemplo:

A obra de Harold Bloom, acerca do cânone ocidental, é um trabalho dirigido ao 18.7 Ao ENCONTRO DE, DE ENCONTRO A
público norte-americano.
Ao encontro de significa união. Quando alguém diz algo como: "Suas
Cerca de significa aproximadamente. Exemplo: ideias vêm ao encontro das minhas", quer dizer que as ideias se unem, se
harmonizam. De encontro a significa o contrário, significa oposição, choque.
Cerca de 4 milhões passarão o "réveillon" nas praias do Rio.
Quando alguém diz algo como: "Suas ideias vêm de encontro às minhas", isso

Às vezes, a expressão cerca de é precedida da preposição a, como em: quer dizer que as ideias são contrárias, se chocam.

Foi a cerca de 20 lojas para comparar preços.


Assistiu a cerca de 2 000 filmes de ação. 18.8 A PAR DE

Essa preposição, em casos como esses, não está relacionada à locução A forma correta é a par de. Ao par de não faz parte da língua padrão

cerca de, mas aos verbos que a antecedem. Uma prova disso é que, se retirar- atual. Exemplo:
mos a expressão cerca de dessas frases, a preposição a permanece: Todos já estavam a par das negociações.

Foi a 20 lojas para comparar preços.


Existe, contudo, a expressão estereotipada ao par, que significa sem ágio
Assistiu a 2 000 filmes de ação.
no câmbio, vendido pelo valor de face. Exemplo:
Sendo esse a apenas uma preposição, não deve ter acento de crase. Todas as ações foram vendidas ao par.
DESTAQUES SOBRE AS PREPOSIÇÕES 353
352 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LlNGUA PADRÃO
18.12 SOMOS QUATRO, ESTAMOS QUATRO
18.9 A PRINCÍPIO, EM PRINCÍPIO
Não se emprega a preposição em nessas construções. Exemplos:
A locução a princípio é utilizada em textos narrativos, para assinalar
um evento anterior a um outro que vem depois. Exemplo: Somos quatro a reclamar dessa situação.
Estávamos quatro, outro dia, conversando sobre o vestibular.
Li a carta, mal a princípio e não toda, depois fui lendo melhor1.

A locução em princípio é utilizada em textos argumentativos/disserta-


tivos e serve para destacar uma ideia. Exemplo:

A humanidade estava por demais adiantada para que se pudesse ainda defender,
em princípio, a escravidão, como o haviam feito nos Estados Unidos2.

18.10 ATRAVÉS DE

Através de significa de lado a lado, atravessadamente. Exemplo:

Via a luz através da vidraça.


O homem, através dos séculos, vem criando uma ciência cada vez mais eficaz.

A locução através de, com o sentido depor meio de, em expressões como:
"Aprenda através de exercícios", apesar de já dicionarizada, ainda não encontra
unanimidade dentro da língua padrão. Em seu lugar, devem usar-sepor meio
de, por intermédio de: Aprenda por meio de l por intermédio de exercícios.

18.11 A VISTA, A PRAZO

A expressão à vista é utilizada com emprego do acento grave da crase,


uma vez que a palavra vista é feminina. Escreve-se, portanto: "Comprou tudo
à vista". Já a expressão a prazo não tem esse acento, uma vez que a palavra
prazo é masculina. Escreve-se, portanto, "Comprou tudo a prazo".

1. Joaquim Maria Machado de Assis, Dom Casmurro. Página da Web.


2. Joaquim Nabuco, Minha Formação, p. 169.
ÍNDICE REMISSIVO

abreviaturas - 40-41 "âncora" temporal - 96


acento diferencial - 66 antecedente - 347-349
acento tónico - 62-63 ao encontro de, de encontro a - 351
acentuação - 61-72 apor de- 351
acerca de, a cerca de, há cerca de - 350- apositivas - 140
-351 aposto- 111-114
ações - 267, 270 aposto especificativo - 111
à custa de - 71, 351 aposto enumerativo - 112
aditivas- 131-132 aposto explicativo - 112, 257
adjetivos compostos - 164 a princípio, em princípio - 352
adjuntos adverbiais - 103-107,252-255 aquele - 286-287
advérbios aspectualizadores - 344-345 argumentos - 81-127, 129
advérbios avaliativos - 345 aspas - 265-266
advérbios de circunscrição - 343-344 aspecto - 98-99, 322, 344-345
advérbios focalizadores - 342-343 através de - 352
advérbios modalizadores - 344 à vista, a prazo - 69, 352
adversativas - 132-134
agente da passiva - 119-122, 140 baixo - 163
alguém e a concordância verbal - 185 barato - 163
alguns de nós - 183-184 blocos prosódicos - 250-254, 256-257,
alternativas - 134 259, 262, 264
a maior parte, de - 175-177
a maioria de - 175-177 cada- 181

355
ÍNDICE REMISSSIVO 357
356 GRAMÁTICA MlNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

cada um - 179 esse, este - 286-287 modais-l 52-153 particípios duplos - 311, 321-323
) particípios verbais - 165
caro -163 explicativas - 135 modalidade - 98-99
causais - 143-146 ) perfeito-317-319
expressões invariáveis - 162
cerca de- 179 ) nada e a concordância verbal - 185 perto de- 179-180
classificadores partitivos - 299-302 não só... mas também - 182 plural aparente - 174-175
faz dez dias- 189 )
clíticos - 237-238 nem... nem -181 ponto de exclamação - 249
finais-151-152, 192
l nem um nem outro - 181 ponto de interrogação - 248-249
clivagem - 124, 127-128, 292 forma marcada - 167
coesão textual - 285-289 ) ninguém e a concordância verbal - 185 ponto e vírgula - 262-263
forma não-marcada - 167
colocação - 237-245 nomes de cor - 162-164 ponto final - 247
frase - 75-76 )
comparativas - 146-148 nomes próprios - 35, 36 pontuação - 247-266
) numerais - 299-307 porque, por que - 293-294
complemento nominal - 114-146 gerúndio - 243, 244, 319-320, 326
completivas nominais - 139 número de páginas e folhas - 305 predicado - 89-97
gerundismo - 320, 326
conceito de regência - 201-202 número fracionário - 178-179 predicador - 96-107
grande parte de - 175-177
concessivas - 148-149 número percentual - 177-178 predicado verbo-nominal - 99-103
grupos entoacionais - 250
conclusivas - 134 predicativas - 139
concordância - 159-197 objetivas diretas - 137-138 predicativo - 96, 165-170
há muito tempo que - 154
concordância do adjetivo - 170-171 objetivas indiretas - 138-139 prefixos - 49-59
haja vista - 190
concordância nominal - 159, 161-172 objeto direto - 90-92 presente-313-319
hífen - 48-59
concordância verbal - 159,173-197 objeto indireto - 92-95 próclise - 238-242, 244
homónimas homófonas - 42
condicionais - 149-150 oração complexa - 129-155 proclíticos - 238-242, 244
conformativas - 150 oração sem sujeito - 86 prolepse - 212
iconicidade- 144-145,164,168-170,172,
conjugação - 309-312, 315-316, 320, oração simples - 79-128 pronomes oblíquos - 237-245
175-181,186,225, 279, 294, 301, 314
326-336 orações adjetivas - 140-143 pronomes relativos - 287-289
imperativo - 314-317
conjunções coordenativas - 257 orações adjetivas explicativas - 141- proporcionais - 153-154
infinitivo - 190-197, 319
consecutivas - 150-151 -142,259
infinitivoflexionado- 190-197
consequente - 347-349 orações adverbiais - 143-155 quantos de nós - 183-184
iniciais maiúsculas - 37-40
construções impessoais - 189 orações equativas - 165-167, 169 que (como sujeito) - 184
contaminação - 204, 217,219,228,232 orações substantivas - 135, 193-195 que horas são - 188-189
língua padrão - 204, 217, 232
coordenação - 130-135 ou... ou - 182 quem (como sujeito) - 184
locativas - 152
crase - 67-71 outro e a concordância verbal - 185
locuções negativas polares - 341-342
radical-309-311, 327, 332
locuções pronominais de tratamento
dois-pontos - 263 palavras compostas - 48-49 regência verbal - 203-204
- 294-297
dupla negação - 340-341 palavras de origem africana - 33 repetição de preposição - 349
locuções verbais - 118
dúvidas na grafia - 45-47 palavras de origem desconhecida - 33 restritivas - 141
palavras de origem tupi - 33 reticências - 248
mais de um - 179
é que - 127-128, 292-293 palavras átonas - 61
mais grande, mais pequeno - 283-284
ênclise - 238-239 palavras tónicas - 61 será que - 292-293
meio-dia e meia - 189
enclíticos - 238-239, 241, 244 parêntese - 264 subjetivas - 136-137
menor - 283-284
endocentricidade - 108-109 parônimas - 43-44 subjuntivo - 313-314
menos de- 179-180
escopo - 339-340 particípio - 320-321 subordinação - 130, 135-155
mesóclise - 242-243
358 GRAMÁTICA MÍNIMA PARA O DOMÍNIO DA LÍNGUA PADRÃO

substantivos abstratos - 267-271 um e outro - 181


substantivos compostos - 274-282 uso do h - 34
sufixo agem - 32 uso do k - 34-35
sufixo es, esa- 31 uso do w - 35
sufixo ez, eza - 31 uso do y - 36
sufixo inho - 32
sufixo oso - 32 verbo ser- 186-187
sufixo ugem - 32 verbos abundantes - 311
sujeito - 85-89, 173-186
sujeito composto - 185-186
verbos anómalos - 311
verbos auxiliares - 119
GRAMÁTICA MÍNIMA
sujeito elíptico - 87-88
sujeito posposto - 173-174
verbos defectivos - 312,316-317,326-336
verbos factitivos - 193-195
para o Domínio da Língua Padrão
sujeito, posição do - 88-89 verbos irregulares - 310, 326-336
verbos regulares - 309-310
tal qual- 170 verbos sensitivos - 193
tanto... quanto - 183 vírgula - 250-262, 264
tempo-312-321 vocativo- 117,258
temporais - 154 vogal temática - 320
termo consequente - 347-349 vossa Excelência - 169
termo regente - 201-202 voz - 323
termo regido - 201-202 voz ativa - 323 António Suárez Abreu
tópicos - 125-127, 185, 260-261 voz medial - 123-124
travessão - 263-264 voz passiva - 119-122, 323
tudo e a concordância verbal - 185 vozes verbais - 119-124, 323

um dos que- 180-181 zeugma do verbo - 260

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