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INTRODUÇÃO
E, por isso mesmo, a questão-base com a qual nos confrontaremos e que permeará
todo o trabalho é: por que as entidades dinâmicas são mais interessantes que as entidades
estáticas? A partir dela, serão formulados problemas e justificações para reconsiderar a
importância do Dinamismo e da Ontologia de Processos tanto dentro da Metafísica quanto
para a realidade subjetiva do homem e para a Ciência. E, portanto, para um desenvolvimento
mais preciso e ordenado, o corpo textual será dividido em cinco seções:
1. Introdução
2. O conflito das entidades
3. Devir metafísico e persistência subjetiva
4. Ontologia de Processos enfrentando paradoxos
5. Conclusão: o devir permanece em questão
Já o devir resultou mais numa herança problemática do que solucionadora. Devir, vir-a-
ser, tornar-se, Doutrina dos Contrários são formas de sintetizar o pensamento de Heráclito,
que parte do pressuposto de que tudo a todo momento sofre constante mudança ou
transformação. Uma de suas mais célebres elocuções está até hoje em questão:
“Tudo flui e nada permanece, tudo dá forma e nada permanece fixo. Você não
pode pisar duas vezes no mesmo rio, pois outras águas e ainda outras, vão
fluir.”
A respeito delas, ambas linhas teóricas foram formuladas dentro da discussão dos
particulares concretos, a fim de lidar com o problema da persistência. O Perdurantismo (ou
Quadridimensionalismo) defende que particulares concretos (objetos) existem segundo partes
temporais numericamente diferentes. Desse modo, “o tempo é a quarta dimensão física na
qual o particular também se estende, como se fosse uma dimensão espacial” (LOUX, M.J.
(2002), Metaphysics - A Contemporary Introduction, quarto parágrafo da seção 6.1). Já o
Durantismo (ou Continuantismo), no entanto, defende que o particular concreto persiste
integralmente idêntico em instantes temporais distintos. Portanto, os durantistas rejeitam a
quadridimensionalidade do particular concreto, não possuindo, pois, partes temporais e
existindo apenas nas três dimensões espaciais.
Tal rejeição não é em vão. Ainda pensando nos particulares concretos, notamos alguns
problemas da persistência: (1) sejam partes temporais (Perdurantismo) ou partes espaciais não
essenciais (Durantismo), como o particular se mantêm o mesmo sofrendo mudanças em suas
partes? (2) O que garante que a divisão em partes de um particular seja uma divisão re al e não
uma divisão arbitrária e subjetiva? Embora muitos metafísicos já tenham apresentado
possíveis soluções lógicas, o problema da persistência ainda é um desafio a ser confrontado
para manter as entidades estáticas ― particular concreto é uma delas ― como categorias
ontológicas confiáveis para a estrutura fundamental da realidade.
Repito: não é em vão que um metafísico processual deve rejeitar tanto o princípio de
persistência quanto as entidades estáticas. Diante de uma persistência meramente subjetiva,
não existem objetos nem propriedades, particulares nem universais. Apenas existem
processos ou, mais radicalmente, existe somente o caráter dinâmico da realidade, o devir. Se
assim não for, uma Ontologia de Processos deixaria de ser um sistema de categorias
ontológicas e seria apenas uma metafísica revisionária de sistemas ontológicos já
predominantes ― como a Ontologia de Objetos e Propriedades.
ONTOLOGIA DE PROCESSOS ENFRENTANDO PARADOXOS
Após séculos de uma tradição filosófica e científica cuja base ontológica sempre se
firmou sob categorias estáticas, desenvolver um sistema ontológico formado por entidades
dinâmicas não apenas é um desafio como um enfrentamento de problemas “paradoxais”. Isto
se dá justamente pela aparente impossibilidade de se formular uma teoria cujos axiomas não
dariam conta de lidar com o dinamismo de tais entidades, justamente pelo seu caráter
dinâmico. Em palavras mais modestas, como poderíamos conceituar algo que no momento em
que é conceituado já deixou de sê-lo, necessitando a cada instante mutável de um novo
conceito? Como se pode notar, não se trata de um regresso ao infinito, mas, ainda além, de
um paradoxo ininterrupto.
Outro problema também apontado por muitos metafísicos é: não seriam os processos
apenas objetos que trocam de propriedades ao longo do tempo? Ou ainda, particulares que
instanciam diferentes universais em instantes de tempo distintos? De fato, segundo este
raciocínio, processo pode ser reduzido como a forma pela qual nos referimos a estados
distintos de um mesmo particular ao longo de suas mudanças temporais. Ainda assim, por
equivalência lógica, podemos afirmar o contrário: particular pode ser reduzido como a forma
pela qual nos referimos a ocorrências singulares de um processo. O impasse permanece e
resta-nos, então, dar uma definição razoável para processo ― a fim de não o reduzirmos a
uma mera troca de propriedades ― e mostrar como os processos podem ser exaustiva e
exclusivamente as entidades fundamentais da realidade.
Adotemos processo como toda entidade cujos constituintes essenciais de seu ser
dependem de uma formação dinâmica e temporal, o que, necessariamente, o torna um
processo. Aparenta que caímos num regresso ao infinito, porém, segundo o princípio de
causalidade, todo processo é causado por um processo anterior, sendo ambos partes de um
mesmo processo maior. E, para fugirmos deste regresso, devemos considerar um “processo-
gênese” que englobe todos os processos. Se podemos confiar nos atuais paradigmas
científicos, este processo-gênese foi o Big Bang, a partir do qual todos os posteriores
“subprocessos” formaram tudo o que hoje conhecemos. E como toda a realidade ainda está
em devir, da mesma forma o Universo permanece em constante expansão espaço-temporal,
conforme as demonstrações de Einstein. Por fim, sintetizado de forma banal, um processo é
processo dinâmico e tudo é dinamicamente um processo.
A essa altura, temos algumas saídas: (1) admitir um regresso ao infinito no qual
infinitos processos provocariam infinitos processos ao longo de um infinito tempo, (2)
simplesmente afirmar que o princípio de causalidade se aplica apenas aos processos interiores
do processo-gênese, sendo aqueles nada menos que subcategorias deste, (3) “apelar” para
Deus, colocando-o numa categoria extrametafísica e extracognoscível.
Antes de analisarmos especificamente cada saída, vamos compreender porque o
problema “início-fim” surgiu. É fácil perceber como uma Ontologia de Processos se adéqua,
mais do que os tradicionais sistemas metafísicos, às atuais perspectivas científicas, tais como o
Big Bang ― já mencionado ―, a mecânica quântica e a evolução biológica. Não apenas às
Ciências Naturais, os processos também se adéquam, com ainda mais sucesso, à explicação
dos fenômenos sociais. No entanto, para a Lógica, o processo como caráter fundamental da
realidade ainda é um desafio paradoxal, pois põe em questão a viabilidade de início e fim. Se
mantemos o princípio de causalidade, caímos naquelas três alternativas. Se, todavia,
abandonamos tal princípio, uma quarta alternativa seria reformular nossas intuições lógicas
segundo o método dialético de Hegel. Enfim, como pretendo manter o princípio de
causalidade, fiquemos com as três saídas anteriores:
Em (1), ainda que o Big Bang fosse um “subinício” de um processo infinito, a Segunda
Lei da Termodinâmica prevê a Morte Térmica do Universo, estado no qual toda energia
existente terá sido convertida em calor, resultando em equilíbrio térmico absoluto e entropia
máxima. Desse modo, o processo Universo terá um fim, o que descarta a possibilidade de um
processo infinito. Além disso, mesmo que o equilíbrio térmico absoluto seja considerado como
um estado infinito de ser, nele não haveria mais processo.
Todavia, assumo que a terceira alternativa, por mais sofisticada que aparente, pode
ser considerada tão arbitrária quanto à segunda ou quanto à persistência ( sexto e sétimo
parágrafos da seção anterior). Aliás, arbitrariedade é um entrave difícil de ser evitado por
qualquer filósofo. Contudo, isso será abordado na próxima seção.
Já está claro onde quero chegar: a garrafa e a tampa ― assim como tudo na realidade
― mais são processos do que objetos e propriedades. A questões que devemos enfrentar é:
por que considerar a garrafa como um processo e não como um objeto? Qual vantagem te mos
com isso?
Você muito bem pode, e sem muita dificuldade, inverter inteiramente as duas seções
anteriores e refutar tudo o que propus para a viabilidade de um sistema ontológico processual.
Quando joguei o devir para o âmbito metafísico e a persistência para a epistemologia e, mais
radicalmente, para a subjetividade, você pode muito bem propor o oposto: persistência
metafísica e devir subjetivo. No fim, tudo depende da maneira como articularemos nossos
argumentos e raciocínios e, infelizmente, sempre haverá algum ponto no qual cairemos em
arbitrariedade.
Muitos filósofos tendem a se ofender com o que direi, mas, por mais racionais que
tentemos ser, mais subjetivos somos. Até mesmo dentro da Filosofia mais analítica, os
argumentos selecionados partem de uma escolha. Por isso, finalizo com duas citações que
sempre admirei:
Fra ncisco Ângelo Coutinho, Rogério Pa rentoni Ma rtins e Ana Ca rolina de Oli veira Neves . Uma Metafísica para a
Ecologia. Disponível em:
http://www.repositorio.ufc.br/bi ts tream/riufc/6662/1/2012_Art_FACountinhoRPMa rtins ACONeves .pdf
WIKIPÉDIA:
Princípio de instanciação.
Disponível em: https://pt.wikipedia .org/wiki /Princ%C3%ADpio_da _insta ncia%C3%A7%C3%A3o
Problema dos Universais. Disponível em: https ://pt.wikipedia .org/wiki /Problema _dos_uni versais