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2ª Edição
© 2013, Elsevier Editora Ltda.
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sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.
ISBN: 978-85-352-4554-7
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
O46e
ISBN 978-85-352-4554-7
1. Responsabilidade social da empresa. 2. Administração de empresas - Aspectos sociais.
3. Livros eletrônicos. I. Título.
Este livro é o resultado de muitos anos de aprendizado nas áreas de desenvolvimento susten-
tável e responsabilidade social de empresas (RSE), através de ensino, pesquisa, consultorias,
visitas e discussões em congressos e palestras. No decorrer dos anos, escrevi uma série de
artigos acadêmicos e profissionais, mas nunca havia tentado consolidá-los. A partir da neces-
sidade no programa de certificação de programas de graduação da Fundação Getulio Vargas
(FGV) em criar material didático em RSE, ainda escasso no Brasil, surgiu a oportunidade
de juntar todo o material que desenvolvi em uma só publicação.
O conteúdo está voltado, principalmente, para o leitor que quer conhecer os principais
fundamentos conceituais e práticos da RSE, mas não deseja um linguajar acadêmico ou
tecnicista. Pode servir de material didático para disciplinas de graduação de responsabilidade
social e sustentabilidade em cursos de administração ou quaisquer ciências sociais com viés
de reflexão sobre a prática. Porém, este livro também poderá ser utilizado em disciplinas de
pós-graduação, juntamente com textos complementares, sugeridos em cada capítulo.
Uma das características deste material é a farta indicação de sites da Internet e bibliografia
para o aprofundamento em cada tópico principal. Este livro busca oferecer uma introdução
a vários tópicos importantes que ajudam a entender RSE, mas como o tema é amplo, abre o
caminho para a obtenção de mais conhecimento quando direciona o leitor para a abundância
de material existente hoje na Internet.
Uma outra faceta deste livro é o uso de estudos de caso, que podem servir para uma
discussão em aula ou em grupos de estudo, ou simplesmente para reflexão sobre os conceitos.
A maioria dos casos foi desenvolvida pelo autor com base em estudos aprofundados das
empresas, e todos já foram testados em sala de aula. Isso dá ao livro uma dimensão bastante
prática para tentar aplicar os conceitos desenvolvidos em cada capítulo.
Este livro se inicia por uma discussão da importância de tentar entender RSE, tanto para
as empresas como para toda a sociedade. As empresas, nos últimos anos, ganharam poder
econômico e político, e são agentes importantes de mudança social, que pode ser positiva
ou negativa. Elas já são alguns dos maiores entes econômicos do mundo. Governos, isolada-
mente, não são capazes de regulá-las. Então surge a necessidade de outros tipos de regulação,
através do mercado, da sociedade civil e das organizações internacionais. Este livro tenta
entender de que forma estão se criando esses mecanismos de regulação.
Ao mesmo tempo, as empresas têm percebido sua importância na sociedade e procurado
mudar a maneira de se relacionar com ela, incorporando ações das esferas sociais, políticas
e ambientais, que não faziam parte de seu vocabulário até pouco tempo. Assim, o livro tenta
mostrar algumas das principais ferramentas existentes para buscar um melhor relacionamento
das empresas com a sociedade.
viii Empresas na sociedade
Seguimos uma discussão sobre o conceito de uso de recursos comuns. Estamos em uma
sociedade interligada e com cada vez mais limitações de recursos. As ações de uns afetam
as ações de outros, limitando a visão da “mão invisível” do mercado perfeito que partia do
princípio que seu benefício viria quando a ação de uma pessoa/organização não afetasse
o bem-estar de outra. Na prática, isso é cada vez mais difícil. Estamos no mesmo barco,
e todos temos de cuidar bem dos nossos recursos, sabendo não só gerá-los, mas também
dividi-los. Como fazer isso ainda não aprendemos, mas, ao menos, já começamos o processo
de aprendizado.
Foi um grande desafio produzir e revisar este livro, e espero que os leitores possam fazer
bom uso do material gerando debates que saiam da sala de aula ou de reflexões individuais e
possam influenciar mudanças, nem que sejam pequenas, em nossa maneira de ver o mundo
e dar-nos conta dos desafios imensos que temos pela frente.
Tabela 1.1 Das 150 maiores entidades econômicas do mundo, 100 são empresas
empregados diretos e que opera em mais de 90 países,1 tem uma receita maior que o PIB da
Argentina e das Filipinas, países com mais de 40 e 90 milhões de habitantes respectivamente! E a
tendência é o aumento da participação das empresas entre essas maiores entidades nos próximos
anos e décadas. Não demorará muito para termos, possivelmente, alguma empresa entre as vinte
maiores (por exemplo, se as gigantes do petróleo continuarem se unindo). Outro fator interessante
é a ascensão de empresas de países em desenvolvimento, particularmente a China.
No Brasil, a situação não é diferente quando comparamos o poder econômico das empresas
aos PIBs dos estados (para não falar dos municípios). Por exemplo, a Vale, uma empresa
privada, teve uma receita de aproximadamente R$ 77 milhões (US$ 45,3 bilhões2) em 2010.
Isso é maior que o PIB de 16 estados brasileiros, e que os PIBs de Sergipe, Piauí, Tocantins,
Amapá, Acre e Roraima somados em 2009. Seu lucro líquido naquele ano foi de aproximada-
mente R$ 29 bilhões (US$ 17,26 bilhões), maior que o PIB de nove estados. A Petrobras, que
tem o controle estatal mas que opera como uma empresa privada, teve uma receita de mais de
R$ 204 bilhões (US$ 120 bilhões) em 2010, perdendo apenas para o PIB dos quatro estados
mais ricos, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul em 2009.
1
Dados de 2010 obtidos de www.shell.com (acessados em 4 de março de 2012).
2
Fortune (2011). Considerou-se R$1,70 = US$ 1,00 (aproximadamente o valor em dezembro de 2010).
Por que estudamos responsabilidade social? 3
O impacto social das empresas na produção é importante, porém não é exclusivo. Em-
presas podem ter impacto nos preços e acessibilidade dos produtos aos consumidores (como
no caso direto da Walmart), na taxa de câmbio com transferência de lucros, exportação e
importação, e mesmo no desenvolvimento local com a possibilidade de gerar ou não novos
negócios a partir das suas atividades.
O campo da responsabilidade social não trata somente de empresas multinacionais, que
têm um impacto global. Empresas pequenas também têm uma atuação econômica importante
em nível local em muitas regiões do mundo. Além disso, muitas têm uma relação bem pró-
xima com a sociedade, investindo em projetos sociais, mesmo que não sejam reconhecidos
como ações de responsabilidade social.
Portanto, é inegável o poder econômico das empresas, maior do que o de muitos países.
Isso lhes dá um poder fenomenal em todos os níveis: local, nacional ou global. Suas decisões,
além dos impactos econômicos, têm impactos sociais, ambientais e políticos, que não podem
ser ignorados pela sociedade. Entender esses impactos e como a sociedade e as empresas
respondem a eles é um dos objetivos de se estudar responsabilidade social empresarial.
Tabela 1.3 O quanto você confia em cada uma destas instituições para fazer as coisas
de maneira correta? (em %)
Empresas 50 62 66 77 63
Governos 43 31 53 35 32
Mídia 45 70 57 65 61
ONGs 58 74 67 78 49
Fonte: Edelman, 2006. Pesquisa com público informado.
Poucas organizações públicas, como a Polícia Federal e as Forças Armadas, contam com
alguma confiança da população no Brasil (Figura 1.1). Em especial, as organizações ligadas
ao sistema político, principal responsável por indicar os gestores públicos mais importantes do
país, contam com uma credibilidade baixíssima, somente 21%. Com isso, as pessoas cada vez
mais tendem a confiar em empresas, mídia e organizações não governamentais (ONGs), não
só no Brasil, mas em muitos países. No Brasil, as empresas são as organizações que contam
com a maior confiança da população (Tabela 1.3), seguida de perto pela mídia. Essa confiança
nas empresas chega a ser até quase duas vezes maior do que a depositada nos governos em
países como o Brasil, México e Itália, resultado de anos de decaída na provisão dos serviços
públicos, mesmo com a crescente carga tributária, e os repetitivos escândalos de corrupção
política, que resultam em pouca ou nenhuma punição dos responsáveis.
Esses números, de alguma forma, são ruins para a democracia, pois provocam uma
sensação de falta de esperança em mudanças e diminuem a pressão sobre nossos go-
vernantes para que melhorem as organizações públicas. Porém, sem nos alongarmos
nas consequências da péssima imagem do setor público, ela leva as pessoas a buscarem
organizações em outras esferas, como as do setor privado, em quem possam confiar e com
quem possam contar para preencher as lacunas criadas pelos serviços públicos. Assim,
as pessoas jogam sua confiança de um mundo melhor nas empresas, passando a prestar
mais atenção em suas responsabilidades sociais e a demandar que cumpram o papel no
qual o Estado fallhou.
6 Empresas na sociedade
exemplo os projetos sociais e ambientais. Com a falta de credibilidade e a crise fiscal dos
governos em muitos países, mais acentuadamente na América Latina, o papel do Estado tem
sido muitas vezes reduzido em quantidade e qualidade na provisão de serviços públicos,
inclusive nas áreas sociais, como da educação, saúde e assistência social. Além disso, a
estagnação econômica das últimas décadas tem levado a um agravamento do quadro social,
com o desemprego, a não diminuição significativa da pobreza e o aumento da criminalidade.
Esses problemas afetam diretamente o ambiente em que muitas empresas estão instaladas, e
fazem com que recaia sobre elas a responsabilidade de mitigá-los, provendo escolas, hospitais
e segurança para comunidades ao seu redor. Finalmente, há uma mudança ética em tudo
isso. Empresas e cidadãos estão se conscientizando da importância de uma ação empresarial
responsável, porque simplesmente é o que se deve esperar de uma empresa, ocasionando,
com isso, mudanças.
e técnicas de modo a avaliar investimentos sociais sob a ótica privada. Busca estudar estratégias
de ação social (filantropia estratégica) e maneiras de introduzir as questões sociais como mais
um objetivo das empresas. Não vê incompatibilidade entre investimentos sociais e lucratividade
das organizações.
• Recursos ambientais e empresas: estuda a relação entre as empresas e o meio ambiente, incluindo
os atores que defendem seus interesses (por exemplo, os ambientalistas). Tenta entender as conse-
quências ambientais, e seus impactos na sociedade, e das atividades empresariais e as reações de
empresas e gestores diante das demandas por mais sustentabilidade no uso dos recursos naturais.
Vê a empresa como parte do meio ambiente e que deve se adaptar a ele. Mede o seu desempenho
ambiental. Busca saber se há uma relação positiva entre este último e uma boa gestão e os resultados
financeiros das empresas.
• Empresas e sociedade: compreende a empresa como parte da sociedade. As empresas devem agir
para buscar a legitimidade na sociedade. Estuda como as empresas respondem às demandas sociais
e qual é a reação à essas ações empresariais. Vê a gestão com stakeholders (partes interessadas)
como uma forma eficaz ou justa de tomar decisões na empresa (Figura 1.2).
Não há uma distinção muito clara entre as várias abordagens na maneira de analisar
algumas questões transversais ou objetos. Por exemplo, a relação empresa-governo, as
cadeias produtivas ou o mercado financeiro podem ser analisados por qualquer das quatro
abordagens. Como este livro não utiliza um direcionamento conceitual rígido, ele não segue
nenhuma das abordagens estritamente. Apesar disso, ao longo dele, usaremos principalmente
as abordagens empresas e sociedade e recursos ambientais e empresas.
Sites interessantes
Instituto Ethos para Responsabilidade Social: www.ethos.org.br
Business for Social Responsability: www.bsr.org
Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS): www.cebds.org.br
World Business Council for Sustainable Development (WBCSD): www.wbcsd.org
Aspen Institute: www.aspeninstitute.org
International Association for Business and Society (IABS): www.iabs.net
Social Responsibility Research Network (SRRNet): www.socialresponsibility.biz
Por que estudamos responsabilidade social? 9
Referências
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Puppim de Oliveira, José Antonio. Responsabilidade ampliada. GV Executivo, v. 4, n. 2, p. 78-81,
2005.
Bibliografia recomendada
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business. Harvard: Harvard Business Review Press, 2011.
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Tenório, Fernando Guilherme (org.). Responsabilidade social empresarial – Teoria e prática. Rio de
Janeiro: Editora FGV, 2004.
Periódicos da área
Business & Society: bas.sagepub.com
Business Ethics Quartely: http://secure.pdcnet.org/beq
Cadernos de Gestão Social: www.periodicos.adm.ufba.br/index.php/cgs
Journal of Business Ethics: www.springerlink.com/content/100281
Journal of Corporate Citizenship: www.greenleaf-publishing.com/page16/Journals/JccHome
Revista de Gestão Social e Ambiental: www.revistargsa.org
Social Responsibility Journal: www.emeraldinsight.com/info/journals/srj/srj.jsp
2 Evolução dos debates sobre
desenvolvimento sustentável
e responsabilidade social das empresas
Objetivo
Familiarizar-nos com os principais marcos históricos e documentais do debate sobre
o desenvolvimento sustentável.
Neste capítulo estudaremos como a Revolução Industrial trouxe à tona uma série de pro-
blemas relacionados com a qualidade de vida da população, a utilização dos recursos naturais
e a degradação do ambiente urbano e rural. Veremos como a sociedade reagiu à degradação
do meio ambiente e como se articulou em nível global e local de modo a criar regras para
a gestão socioambiental. Seguiremos com uma definição dos principais instrumentos de
gestão da política ambiental.
Essas mudanças sociais, como, por exemplo, a criação de uma classe trabalhadora urbana,
influenciaram mudanças políticas, como os movimentos de trabalhadores e os movimentos
socialistas.
A Revolução Industrial possibilitou que o ser humano expandisse sua capacidade de
produção e deslocamento. Com isso também permitiu que ele tivesse uma maior interfe-
rência na natureza. Agora, com o uso da energia dos combustíveis fósseis, o ser humano
podia modificar de forma radical o espaço natural ao seu redor, e mesmo modificar lugares
mais distantes pela facilidade de deslocamento. Primeiro, a Revolução Industrial aumentou
significamente a utilização de recursos naturais per capita, tanto pela necessidade crescente
de matérias-primas como de combustíveis para abastecer as máquinas. Por outro lado, o
deslocamento também facilitou que mais mercados pudessem ser alcançados e que a energia
e matérias-primas pudessem ser trazidas de lugares mais afastados. Finalmente, as conse-
quências do processo de produção, como resíduos e efluentes, aumentavam a degradação
ambiental. Essas mudanças causaram câmbios profundos na relação homem-natureza.
Inicialmente, os problemas socioambientais eram vistos como uma consequência natural do
“desenvolvimento”, que era confundido com crescimento econômico. Era mais ou menos
assim: “se querem desenvolvimento, então têm de abrir mão da qualidade ambiental”. Isso
não era somente uma visão da sociedade capitalista. Nos países ditos comunistas, como a
ex-União Soviética, havia uma visão bastante parecida (ilustrado muito bem na Figura 2.1).
A poluição era mostrada até como algo positivo (“estamos nos desenvolvendo”). Era o
crescimento econômico, a qualquer custo, da sociedade moderna.
Os primeiros movimentos sociais mais organizados, criados para tentar controlar as trans-
formações crescentes vindas da Revolução Industrial na natureza, ocorreram na segunda
metade do século XIX, com os movimentos do conservacionismo, especialmente nos
Estados Unidos. Com a expansão americana para o Oeste, os conservacionistas temiam
que os resultados dessa expansão fossem os mesmos da ocupação da Costa Leste, ou seja,
praticamente o desaparecimento dos espaços naturais para dar lugar às cidades e fazendas. Os
conservacionistas conseguiram grandes êxitos nas suas ações, como o movimento de criação
dos parques nacionais nos Estados Unidos, sendo o primeiro deles o Yellowstone. Porém,
esses movimentos não conseguiram mudar a ação humana de forma mais radical.
Figura 2.1 Um cartaz da era soviética. (A tradução do texto é: “A fumaça das chaminés
é a respiração soviética”.)
a expansão das propriedades agrícolas e a revolução verde, que levava ao uso intensivo de
fertilizantes e pesticidas.
Começaram a surgir protestos de vários lados. Intelectuais escreviam livros alertando
sobre os problemas ambientais, como o célebre livro Primavera silenciosa de Rachel
Carson, de 1962. Nele a autora alertava sobre o desaparecimento dos pássaros com a des-
truição de seus hábitats pela expansão da revolução verde. Cada primavera em que ia para o
campo, ela via que existiam menos pássaros cantando, até que se silenciaram. Nas cidades,
a qualidade de vida era cada vez pior, com grande contaminação do ar e da água causando
doenças resultantes desse novo cenário, muitas delas nunca antes vistas. Países como o Japão
tiveram casos graves de contaminação de populações inteiras por metais pesados, poluentes
14 Empresas na sociedade
Moderno Pós-moderno
Sociedade industrial Sociedade de serviços
Mecanizada Tecnologia da informação (TI)
Bens materiais Informação
Gigantismo gerencial Decisões descentralizadas
Padronizado Flexibilidade
Especializado Generalidade
Hierarquizado Redes organizacionais
Capital físico Capital natural, social, humano, intelectual
Público-privado ONGs, parcerias
ocorreram ao mesmo tempo e em sinergia com outros movimentos da sociedade civil que
aconteciam na época, como o movimento pacifista (contra a Guerra do Vietnã), feminista,
dos direitos civis (nos Estados Unidos com Martin Luter King) e hippie.
Os movimentos ambientalistas começaram a se organizar. Primeiro houve mobilização em
nível local, através de associações de moradores, movimentos da sociedade civil em escolas,
universidades e associações de trabalhadores. Muitos desses movimentos protestavam contra
problemas locais criados pela contaminação do meio ambiente e suas consequências para
as populações em que nele viviam. Depois, alguns se associaram e expandiram para outros
países, se transformando em movimentos globais ambientalistas.
Ao mesmo tempo, existia um dilema sobre como combater os problemas ambientais. As
empresas assumiam o posicionamento de que os problemas ambientais eram consequências
naturais da produção desde os primórdios da Revolução Industrial, isso significa que, se
você produz, vai ter poluição e problemas sociais. Assim, se a população quer altos padrões
materiais, terá, como resultado, de suportar altos padrões de contaminação ambiental. O Estado
não sabia como compatibilizar a produção material e a preservação da qualidade de vida. Ele
dependia dos empregos e impostos gerados pelas fábricas. Boa parte da população civil era
empregada nas fábricas e via na produção industrial uma forma de geração de emprego e renda.
Como nem o Estado (primeiro setor), nem as empresas privadas (segundo setor) se mobilizavam
para resolver os problemas ambientais, ganharam força política as organizações da sociedade
civil (terceiro setor) que não eram nem estatais nem privadas, simplesmente defendiam o
interesse público. Essas organizações foram chamadas de organizações não governamentais
(ONGs). Os ambientalistas radicalizavam e pediam o fechamento de fábricas e a diminuição
da economia. Para eles, havia uma relação direta entre meio ambiente e desenvolvimento
econômico. Mais desenvolvimento econômico levava a mais degradação ambiental. Assim,
para proteger o meio ambiente, a economia tinha de diminuir: era um ou outro.
No âmbito internacional, surgiam sinais estarrecedores. O relatório do Clube de Roma,
uma organização civil internacional que reunia respeitados especialistas, apontava que,
16 Empresas na sociedade
principalmente nos países em desenvolvimento, como a poluição por falta de saneamento básico
ou o desmatamento por falta de oportunidades para uma desvalida população agrária. Segundo,
mostrou-se que, em várias experiências práticas, empresas e comunidades tinham conseguido
melhorar a qualidade ambiental e ao mesmo tempo melhorar o desempenho econômico, ou seja,
que ambos não eram incompatíveis como se pensava. Por exemplo, fábricas conseguiam reduzir
seus resíduos sólidos através de reciclagem e, ao mesmo tempo, aumentar sua produtividade.
Esses questionamentos levaram a ONU a criar uma comissão de especialistas para
analisar mais de perto as causas e consequências dos problemas ambientais e suas soluções.
Foi criada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, ou Comissão
Brundtland, pois era chefiada pela ex-primeira ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland.
A Comissão era formada por mais de 40 especialistas de vários países, incluindo o brasileiro
Paulo Nogueira Neto, na época presidente da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA).
Durante anos, através de várias reuniões e debates ao redor do mundo, a comissão chegou a
suas análises finais e conclusões, que foram colocadas em um relatório final, publicado em
1987, como “Nosso Futuro Comum” – ou Relatório Brundtland. Os resultados da Comissão
Brundtland levaram a visões diferentes daquelas de Estocolmo-72. Primeiro, crescimento eco-
nômico e proteção ambiental não são incompatíveis e podem ocorrer ao mesmo tempo. Isso é
hoje chamado de ecoeficiência ou ecoeficácia. Segundo, a pobreza e as questões sociais, e não
só as econômicas, devem ser incorporadas ao debate ambiental. Terceiro, devemos levar em
conta nos desdobramentos das nossas ações não só a geração atual, mas também as gerações
futuras, que podem ser afetadas de forma mais contundente pelos problemas ambientais.
O Nosso Futuro Comum popularizou o conceito de desenvolvimento sustentável (DS):
O conceito embute a ideia de que o desenvolvimento tem de ocorrer nas esferas ambiental,
econômica e social. A comissão colocava que seria possível um melhoramento nas três
esferas, ao mesmo tempo, em muitos casos (Figura 2.3). Existia também a dimensão política
do desenvolvimento sustentável, que declarava que os processos de mudança teriam de ser
capitalismo como sistema econômico, já atuavam na área social, com ações de filantropia.
Os séculos XIX e XX viram a consolidação da ação filantrópica nas empresas capitalistas e
a criação das grandes fundações ligadas às corporações. Além disso, especialmente a partir
da segunda metade do século XX, começaram a aparecer diversos movimentos ligados ao
que hoje se conhece como responsabilidade social corporativa.
Por um lado, temos o movimento ambientalista, que começou nos países desenvolvidos
e na atualidade está presente em praticamente todas as partes do mundo, atuando em rede
global. A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento no Rio
de Janeiro, ou Rio-92, consolidou o conceito de desenvolvimento sustentável e mudou um
pouco o caráter do ambientalismo para que levasse em conta também a dimensão social em
suas ações e demandas.
Por outro lado, temos os movimentos que fiscalizam a ação das multinacionais, especial-
mente com respeito à utilização, por parte dessas empresas, de mão de obra infantil, escrava ou
em condições deploráveis nas suas fábricas em países em desenvolvimento. Também temos
os movimentos anticorrupção pedindo uma maior transparência de empresas e governos,
representados pela ONG Transparência Internacional. Dentro do próprio setor empresarial
e financeiro, começou uma tendência para uma maior transparência das empresas quanto às
suas informações financeiras e suas ações socioambientais para que pudessem ser avalia-
das. Na parte social, também foi cobrada, por algumas ONGs e movimentos sociais, uma
maior contribuição das empresas para projetos sociais. Ainda recentemente, temos visto os
movimentos antiglobalização, que são manifestações, algumas vezes violentas, mostrando o
descontentamento quanto ao sistema capitalista de distribuição de recursos na sociedade e
pedindo uma mudança radical.
Na parte governamental e intergovernamental, surgiram recentemente diversas iniciativas
para pressionar as empresas com uma maior responsabilidade social. No âmbito das Organiza-
ções das Nações Unidas (ONU), foi criado o Pacto Global, uma rede voluntária internacional
de cidadania corporativa liderada pela ONU para conseguir apoio das empresas e sociedade
civil de modo a desenvolver princípios sociais e ambientais universais em um mundo cada
vez mais globalizado. Na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), uma organização que congrega praticamente todos os países desenvolvidos, foram
criadas as diretrizes de responsabilidade social para empresas multinacionais de maneira a
controlar suas atuações em boa parte do mundo.
Na década de 1990, todas essas tendências de movimentos da sociedade civil, governos e
empresas começaram a se convergir num movimento maior, que na atualidade conhecemos
como responsabilidade social empresarial, envolvendo as muitas dimensões dos diversos
movimentos organizados, com demandas sobre as empresas nas questões ambiental, ética,
social, econômica e política (Figura 2.4). Presentemente, esses diversos movimentos ainda
existem com suas diferentes tonalidades, mas há um diálogo muito maior entre eles, e houve
uma gradual incorporação de outras dimensões nas suas linhas de atuação. Hoje, fica difícil
para qualquer um dos movimentos citados falar em uma dimensão sem levar em consideração
as outras. Como, por exemplo, falar de proteção ambiental sem pensar o social?
Ao mesmo tempo, as empresas responderam aos diversos movimentos da sociedade civil
e dos governos. Boa parte das grandes organizações possuem ações na área de RSC. Também
se percebeu que, além de ser uma questão ética, a RSC pode ser feita de forma estratégica
para ter um impacto positivo nas atividades-fins da empresa, gerando, assim, maior retorno
à empresa em médio e longo prazo.
Evolução dos debates sobre desenvolvimento sustentável 21
RSC no Brasil
Iniciativas de filantropia empresarial têm existido no Brasil durante décadas, ainda que sem
a mesma intensidade que em outros países, como Estados Unidos ou Inglaterra. Ademais,
o longo período de ditadura limitou o aparecimento de fortes e independentes organizações
da sociedade civil atuando em RSC, exceto o movimento ambientalista em algumas partes
do país. Porém, a partir da década de 1980, surgem as primeiras organizações que traba-
lham efetivamente com RSC, como o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
(IBASE), ligado ao sociólogo Betinho2, que foi pioneiro na difusão do balanço social de
empresas, documento que divulga publicamente as ações socioambientais das empresas.
Na década de 1990, o movimento de RSC cresceu no Brasil, especialmente com a liderança
do Instituto Ethos criado em 1998. Hoje, além de um movimento ambientalista mais forte e
organizado, temos diversas organizações que trabalham no âmbito de RSC, como o Instituto
de Defesa do Consumidor (IDEC), a Fundação Abrinq e o Centro Empresarial Brasileiro
para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).
No Brasil, RSC ganhou um caráter bastante ligado à ação social empresarial. Talvez seja por
isso que muitos ainda confundem ação social com responsabilidade social de empresas. Assim,
os imensos problemas sociais que temos e a incapacidade do Estado em resolvê-los sozinho
levam ao surgimento de uma demanda por parte da sociedade para que as empresas atuem mais
firmemente em projetos sociais, muitas vezes até em substituição ao próprio Estado.
Sites interessantes
Agenda 21 no Brasil: www.mma.gov.br
Clube de Roma: www.clubofrome.org (procure por “publicações”)
Conferência Rio-92: http://www.un.org/geninfo/bp/enviro.html
Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS): www.cebds.org.br
Fundação Abrinq: www.abrinq.org.br
2
Herbert José de Sousa, sociólogo e ativista dos direitos humanos, foi um dos fundadores do Instituto Brasileiro
de Análises Sociais e Econômicas (IBASE).
22 Empresas na sociedade
Referências
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Bibliografia recomendada
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ambiente. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1992.
Welford, Richard. Corporate social responsibility in Europe, North America and Asia. Journal of
Corporate Citizenship, n. 17, p. 33-52, 2005.
3 Gestão dos recursos comuns
Objetivo
Entender como ocorre o controle dos recursos comuns na sociedade e as consequências
da falta de regras adequadas para geri-los.
A partir da publicação, surgiram várias críticas ao artigo de Hardin. A mais detalhada e com-
pleta pertence à professora Elinor Ostrom (1990). O primeiro ponto das críticas apontava que,
na análise de Hardin, os pastores agiam somente no seu autointeresse e não se comunicavam
nem interagiam entre si. Um segundo ponto das críticas focava nas soluções dadas por Hardin,
que muitos acham limitadas. Ostrom (1990) analisou na prática alguns sistemas de gestão de
recursos comuns em vários países do mundo. Ela viu que havia muitos exemplos de recursos
comuns que eram geridos de forma sustentável durante séculos, e não eram nem privatizados
nem havia um controle estatal rigoroso. As comunidades criaram instituições e regras de gestão
para esses recursos, e, dessa forma, alcançaram uma maneira adequada para seu manejo, de
forma que todos pudessem repartir o uso do recurso sem que ele fosse degradado.
Os recursos comuns (RC) são caracterizados como recursos naturais ou construídos pelo
ser humano com duas características importantes (Ostrom et al, 1991). A primeira é o alto
custo da exclusão de beneficiários do uso dos recursos, seja por meios físicos (por exemplo,
cercas), ou por meios institucionais (por exemplo, leis ou policiamento). A segunda caracte-
rística é que o uso dos recursos por um usuário reduz a disponibilidade deste mesmo recurso
para outros usuários. Assim, há uma certa competição na utilização dos recursos entre os
diferentes usuários que de alguma forma precisa ser equacionada. No caso anteriormente des-
crito do pasto das ovelhas, esse equacionamento não foi feito. Alguns exemplos de recursos co-
muns encontrados em diferentes contextos são: recursos pesqueiros, um lago ou a atmosfera.
Os recursos comuns têm várias formas de direitos de propriedade sob a responsabili-
dade de diversos atores. Os direitos de propriedade podem estar nas mãos de indivíduos,
grupos de indivíduos ou do Estado. Esses atores devem zelar de alguma forma para a boa
gestão dos recursos, criando e fiscalizando normas de uso e transferência de direitos. O mais
importante é que haja o gerenciamento adequado dos recursos e não existe nenhuma fórmula
mágica para isso. Existem recursos comuns gerenciados de diversas formas de direitos de
propriedade. O que não pode acontecer é que os recursos sejam de “acesso aberto”, ou seja,
ninguém seja responsável pela criação e fiscalização de normas que permitam sua adequada
utilização, levando à degradação no longo prazo.
Por que muitas vezes acontece a tragédia dos comuns? Vemos isto no dia a dia, como rios
poluídos, florestas sendo destruídas, pesca predatória, e mesmo com questões em nível global,
como o efeito estufa. Uma das razões por que isso acontece poderia ser a falta de informações.
Os atores sociais e políticos não estariam informados sobre as causas e consequências do mau
uso dos recursos. No entanto, isso não acontece em muitos dos casos, nos quais os atores
estão plenamente informados dos desdobramentos do uso dos recursos.
A sustentabilidade dos recursos comuns depende das regras estabelecidas para seu uso,
tanto a elaboração quanto a fiscalização. Muitas vezes, tais regras não existem (acesso aberto),
ou não garantem o uso dos recursos em longo prazo. Existe um conflito de interesses no uso
dos recursos entre o interesse a curto prazo de indivíduos ou grupos, e o interesse a longo
prazo da coletividade (Figura 3.2). São necessárias regras claras de uso, e sua fiscalização,
para compatibilizar esses dois interesses, que são conflitantes na maioria das vezes. O grande
desafio, então, é criar normas. Quais são os processos que levam a isso?
As normas de uso dos recursos evoluem com o tempo. Sociedades criam e mudam os
mecanismos de incentivos e sanções para o uso dos recursos. Seriam o que se chamam
instituições: “restrições feitas pelo homem que alteram as interações humanas e de compor-
tamento” (North, 1990). Essas normas podem ser formais (por exemplo, leis) ou informais
(como costumes), e seu efeito vai depender também do seu grau de cumprimento pelos agen-
tes responsáveis. Elas variam de sociedade para sociedade por fatores sociais, tecnológicos
e culturais, e também variam com o tipo de recurso e com o tempo. Os comportamentos de
indivíduos e organizações são afetados pelas instituições.
Uma sociedade que vive na floresta, por exemplo, tem suas regras para o uso daquele
ecossistema e seus respectivos recursos. Muitas conseguiram manter a floresta intacta
durante vários anos. Porém, com a introdução de tecnologia (motosserra) ou contato social
com comerciantes de madeira, a sustentabilidade do uso pode mudar, caso as regras não se
adaptem a essas novas situações.
Assim, a solução para a gestão dos recursos comuns não pode ser generalizada, nem é
possível criar um check-list. Experiências ao redor do mundo mostram que existem recursos
ambientais sendo tratados de forma sustentável com gestão feita de várias maneiras, e não
só privada ou estatal. Além disso, muitas vezes a solução de gestão não tem como ser criada
de forma privada e nem de forma estatal devido às características dos recursos ambientais.
Esse é o caso da pesca, em que os recursos (peixes ou outros animais marinhos) são de
difícil privatização ou estatização. Também há casos em que a gestão privada ou estatal
não deram os resultados esperados, como inúmeras estatizações de recursos na antiga
União Soviética ou o problema da degradação dos lençóis subterrâneos privatizados em
Los Angeles. Daí a necessidade de ver os recursos ambientais como recursos comuns que
devem ser geridos com regras de uso, mas que podem ter diferentes tipos de direitos de
propriedade.
As soluções para se evitar a tragédia dos comuns são diversas, e não se limitam à priva-
tização e estatização propostas por Hardin. Diferentes tipos de instituições e regras podem
ser criadas. E todas têm uma característica comum: não são perfeitas na prática; todas têm
problemas de implementação. Algumas delas são as seguintes:
• Limitar o número de ovelhas. É estabelecido um número máximo de ovelhas no pasto, de acordo
com sua capacidade de carga. Esse número pode ser controlado dividindo-se o número de ovelhas
igualmente entre os diversos pastores; ou cada um coloca um número de ovelhas livremente até
que se alcance o limite, a partir do qual não se pode mais colocar ovelhas;
• Coletivismo em todas as propriedades, incluindo ovelhas. Agora, ambos, o pasto e as ovelhas, são de
toda a coletividade, assim como os benefícios (ou prejuízos) causados. Problema na implementação:
pode acontecer como nos países comunistas. Pode ocorrer redução na produtividade porque há
poucos incentivos individuais para melhorar a produção, já que qualquer resultado de um esforço
a mais não vai ser recompensado individualmente, mas sim dividido entre todos;
• Criação de uma taxa por ovelha para ajudar na gestão do pasto. Pastores pagariam uma taxa para
a cooperacional que cuidaria de manutenção do pasto. Caso haja muitas ovelhas, elevam-se as
taxas para controlar o número delas. Problema na implementação: alguns pastores podem não ter
condições de pagar a taxa, ou esta pode não ser bem utilizada;
• Conscientização dos pastores. Alguns pastores mais conscientes do problema poderiam tentar
sensibilizar o restante do grupo a controlar o número de suas ovelhas de forma sustentável e
voluntária. Com isso, o número total seria controlado, sem precisar de taxas ou sanções. Problema
Gestão dos recursos comuns 27
na implementação: os que não forem conscientizados continuarão a colocar ovelhas até que se
chegue outra vez a uma destruição do pasto;
• Licença-ovelha. Cada ovelha precisaria de uma licença para entrar no pasto. Essa licença seria dada
pelo Estado ou pela cooperacional de acordo com a necessidade do pastor. Também seria possível
leiloar as licenças. Problema na implementação: o controle pode se tornar difícil e haver corrupção
na entrega das licenças.
Muitos dos problemas socioambientais não são recentes, mas a era moderna, principalmen-
te depois da década 1960, trouxe uma grande demanda social e política para a institucionali-
zação da solução dos problemas ambientais nas sociedades modernas. O estabelecimento de
regras de uso dos recursos está em transição. As empresas são atores importantes na utilização
de recursos naturais comuns, como ar, água e florestas. Muitas vezes, elas competem pelos
recursos com outras empresas ou outros usos, como domésticos ou de manutenção de
ecossistemas. A maneira como elas são reguladas, tanto por instituições formais (lei) como
por instituições informais (pressão da sociedade civil) determina seu comportamento na
utilização dos recursos. Caso não haja regras, fiscalização e cumprimento destas, corre-se o
risco de uma utilização insustentável dos recursos, levando a uma tragédia dos comuns. Os
movimentos de RSC buscam, de alguma forma, reagir ao mau uso de muitos dos recursos
comuns da sociedade, sejam eles locais ou globais.
A seguir, descreveremos como a gestão dos comuns tem ocorrido, por exemplo, na pesca.
acima da capacidade de reprodução, existe a sobrepesca. Isso pode comprometer cada vez
mais o estoque de peixe, que vai se reduzindo, e, como resultado, diminui sua capacidade
de regeneração. Se a sobrepesca continuar, chegará um ponto em que o estoque vai acabar.
Assim ocorre a “tragédia dos comuns”, no caso da pesca.
Porém, por que os recursos pesqueiros nem sempre são controlados? Existem normas
para uma gestão mais sustentável dos recursos pesqueiros? A prática mostra que é possível
a gestão sustentável desses recursos, conforme mostram os casos da pesca da lagosta na
Austrália e do bacalhau na Noruega entre 1950 e 2000 (ver a Figura 3.5). Portanto, existem
maneiras de tornar a pesca sustentável.
A pesca predatória acontece porque os recursos comuns (estoque de peixes) estão sob o
regime de “acesso aberto”, pois não há normas que possam controlar a quantidade pescada.
Os pescadores tendem a pescar o máximo possível de uma só vez para aumentar suas
Gestão dos recursos comuns 29
rendas (ou o lucro, se forem empresas) a curto prazo, pois sabem que, se não o fizerem,
outros irão pescar os que sobraram. Não há perspectiva de futuro. É o interesse individual
a curto prazo sobrepondo-se aos interesses coletivos de longo prazo. Como compatibilizar
esses interesses?
Há que ter limites claros no esforço de pesca, de acordo com a capacidade de carga do
estoque. Todos os pescadores podem ter benefícios a longo prazo se o esforço de pesca cair e
for controlado, mas eles só farão isso se houver regras claras e justas, além do cumprimento
destas por todos.
Muitas vezes, o estabelecimento e a fiscalização das regras para pesca estão nas mãos de
burocracias da pesca ou ambientais, que trabalham, muitas vezes, de forma descoordenada
e levam a mais insustentabilidade na pesca. Em vários casos, quando o volume pescado
diminui, governos são sensíveis ao sofrimento e à diminuição de renda dos pescadores, e,
em vez de colocar limites ao volume pescado para garantir a sustentabilidade, promovem
políticas públicas para aumentar o esforço de pesca, como doação de barcos mais potentes,
radares de detecção de cardumes e crédito barato para compra de mais redes. Há mais de-
pleção dos cardumes (estoques), até que os pescadores agarrem o último peixe “escondido
atrás de uma pedra”. Tal ação tem efeito negativo. Hoje já encontramos políticas mais ali-
nhadas com a sustentabilidade, como a proibição da pesca na época do defeso dos peixes,
contudo a fiscalização ainda é falha.
Seria possível utilizar um sistema de impostos ou taxas para tentar controlar a quantidade
pescada. Porém, essa forma também não limita a quantidade pescada e o controle do tamanho
do cardume, pois se o preço do peixe aumentar, os pescadores tendem a pescar mais, o que
pode levar a um estado de sobrepesca outra vez.
Uma solução que se tem mostrado sustentável a longo prazo é a distribuição de quotas
a pescadores, empresas ou associações/cooperativas. Isso tem sido feito em vários países
com algum sucesso (veja Tabela 3.1), já existindo desde a década de 1970 na Noruega. Há
diversos sistemas de gestão, adaptados a cada situação. As quotas podem ser distribuídas
gratuitamente por base histórica ou leiloadas, permitindo-se ou não a venda ou transferência.
30 Empresas na sociedade
O monitoramento das quotas pode ser feito por agências governamentais ou pelos próprios
pescadores ou cooperativas, aplicando diversos tipos de sanções em casos de não cum
primento (Tabela 3.1 dá detalhes relacionados a quatro países). As quotas parecem ser
uma alternativa para se estabelecer normas que garantam a sustentabilidade a longo prazo.
O sistema de créditos de carbono dentro do Tratado de Kyoto para tentar controlar o efeito
estufa é baseado em um sistema de quotas similar aos da pesca.
Recentemente, tem sido desenvolvido um sistema internacional de certificação de pei-
xes, chamado Conselho de Certificação Marinha (Marine Stewardship Council - MSC,
www.msc.org). O selo MSC atesta que o peixe foi pescado de forma não predatória. Apesar
de ainda ser pouco conhecido no Brasil, o uso do MSC vem crescendo no mundo.
Sites interessantes
Garrett Hardin Society: www.garretthardinsociety.org
Center for the Study of Institutions, Population, and Environmental Change (CIPEC): http://www.
indiana.edu/∼cipec/
Gestão dos recursos comuns 31
Referências
Collier, Paul. The Plundered planet: Why we must – and how we can – manage nature for global
prosperity. Oxford University Press, 2010.
Hardin, G. The tragedy of the commons. Science, n. 162, p. 1243-1248, 1968.
Meadows, D. Fish banks game, 2001.
North, Douglass C. Institutions, intitutional change, and economic performance. Cambridge: Cambridge
University Press, 1990.
Ostrom, Elinor et al. Revisiting the commons: local lessons, global challenges. Science, n. 284,
p. 278-282, 1999.
Ostrom, Elinor. Governing the commons: the evolution of institutions for collective action. Cambridge:
Cambridge University Press, 1990.
4 Principais mecanismos
de implementação de políticas
socioambientais
Objetivo
Entender as formas de regulação das empresas, especialmente a regulação estatal, e
como estão mudando
Os recursos comuns precisam de regras para sua boa gestão. As empresas, enquanto impor-
tantes atores para a gestão dos comuns, estão sujeitas a diversos mecanismos regulatórios
tanto do Estado quanto de outras organizações da sociedade, inclusive o mercado.
Empresas podem ser reguladas de várias maneiras. Existem regulações sobre os aspectos
econômicos (por exemplo, impostos, concorrência), sociais, trabalhistas e ambientais. Estas
podem ser feitas diretamente através de leis, pelo mercado, por pressão social e política
(protestos, por exemplo), ou por autorregulação ética (por normas éticas da empresa).
Neste capítulo trataremos com mais detalhes a regulação pelo Estado, analisando como
ela vem se transformando. Citaremos exemplos das políticas ambientais brasileiras, com
destaque para a política de unidades de conservação. No decorrer do livro serão abordados
alguns outros tipos de regulação.
1
Esta parte foi baseada em publicações anteriores do autor (Puppim de Oliveira, 2001, 2003).
36 Empresas na sociedade
têm sido os mais populares, tais como licença ambiental, zoneamento, multas e punições.
Em muitos países, os CEC ainda permanecem como os principais meios disponíveis para
gestão socioambiental pública, como é o caso do Brasil.
Porém, com o passar do tempo, a efetividade e a eficiência dos instrumentos de CEC
para proteção socioambiental têm sido contestadas. Devido principalmente à entrada dos
economistas e administradores nos debates socioambientais e à busca de soluções inovadoras,
instrumentos econômicos (IEs) começaram a ganhar força como alternativas para substituir
ou complementar os instrumentos de CEC.
Com a percepção de que apenas os mecanismos de comando e controle (CEC) não
poderiam proteger o meio ambiente de forma eficaz e eficiente, defensores dos ins-
trumentos econômicos (IEs) vêm aparecendo na academia, governo, organizações não
governamentais (ONGs) e agências multilaterais. Entre algumas desvantagens do CEC
em relação aos IEs citadas pelos especialistas, podemos citar que os mecanismos de
CEC são muito caros e, em geral, não têm atingido os objetivos propostos. As críticas aos
mecanismos de CEC incluem que eles apresentam ausência de incentivos aos atores sociais
regulados, são feitos por pessoas que estão um pouco fora da realidade local, favorecem a
alguns grupos de interesse, quebram os direitos à propriedade privada e geram um clima
de confrontação entre regulador e regulado.
Especialistas descrevem várias tipologias para a classificação dos instrumentos econômi-
cos (IEs) para a gestão socioambiental. Porém, não há um consenso quanto ao número ou à
forma dos instrumentos econômicos. Essas tipologias variam na maneira como classificam
o que são instrumentos econômicos e a maneira como os diferenciam. Em geral, os IEs são
classificados em dois grandes grupos. O primeiro se refere aos instrumentos que servem
como prêmios ou penalidades sob determinado produto ou fator para direcionar a melhoria
socioambiental. Estes são os chamados incentivos econômicos na Tabela 4.1. O segundo
grupo se refere aos mecanismos que atuam na forma da criação de um mercado de uma
“mercadoria socioambiental” em que se negocia direta ou indiretamente algum certificado
que reflete a escassez de algum recurso socioambiental. Estes seriam os mecanismos de
mercado na Tabela 4.1. Os instrumentos econômicos podem ser classificados em sete tipos
básicos de acordo com uma tipologia da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) (Barbe, 1994): taxas de emissão, cobrança pelo uso, taxas por produtos,
cobranças administrativas, licenças intercambiáveis, sistema de depósito com reembolso
e subsídios. Além disso, existem outras formas de instrumentos, como a priorização de
compra de material e entrada em licitações de produtos ou empresas socioambientalmente
responsáveis.
Ainda existem outros instrumentos que podem complementar os de comando e controle
(CEC). A informação sempre foi um instrumento primordial para uma boa gestão das políticas
socioambientais. Estão incluídos nesse tipo de instrumento a educação socioambiental, a
pesquisa e as informações socioambientais de acesso ao público, como condições da praia
ou do ar em determinada região.
Recentemente, os instrumentos de negociação e mediação ganharam força como
alternativa de gestão. No Brasil, temos os termos de ajustamento de conduta (TACs)
como exemplo. Os TACs têm servido para adequação de muitas organizações e projetos
aos padrões socioambientais legais através de um processo de negociação envolvendo
diversas partes interessadas, como o Ministério Público, órgãos ambientais, ONGs e
comunidades.
Principais mecanismos de implementação de políticas socioambientais 37
ambiental pública nos três níveis da federação. Segundo, institucionalizou uma série de ins-
trumentos de gestão da política ambiental no Brasil.
O SISNAMA estabeleceu estruturas organizacionais na federação, nos estados e nos
municípios para gerir a política ambiental pública (veja Figura 4.3). As estruturas nos três
níveis são bastante similares e se complementam na gestão ambiental, sendo formadas por
órgãos reguladores e executores. Na esfera federal, os órgãos reguladores são o Executivo
(presidente e ministérios), o Legislativo (Congresso) e o Conselho Nacional de Meio
Ambiente (CONAMA). O CONAMA é um colegiado composto por representantes dos três
níveis da federação e da sociedade civil, presidido pelo ministro do Meio Ambiente. É o
órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA. Dentro do CONAMA, existem o plenário,
câmaras técnicas e grupos de trabalho para análise e tomada de decisões. O CONAMA
talvez seja a organização mais importante dentro da estrutura do SISNAMA. Além disso,
há o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)
que é o órgão responsável pela execução das políticas ambientais (aquele que tem poder
de aplicar a lei ) e das decisões dos órgãos reguladores. O IBAMA foi criado em 1989
pela fusão de quatro entidades brasileiras que trabalhavam na área ambiental: Secretaria
do Meio Ambiente (SEMA), Superintendência da Borracha (SUDHEVEA), Superin-
tendência da Pesca (SUDEPE) e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
(IBDF).
De forma parecida com o nível federal, existe uma estrutura do SISNAMA nos
estados, formada pelos respectivos órgãos reguladores no Executivo (governadores e
secretarias estaduais), Legislativo (assembleias legislativas) e nos Conselhos Estaduais
de Meio Ambiente (CONSEMAs). Esse é um nome genérico para os conselhos. O
nome, a estrutura e a responsabilidade do CONSEMA variam em cada Estado de acordo
com a legislação estadual. Por exemplo, no estado da Bahia, o CONSEMA se chama
CEPRAM, e sua composição é paritária de 1/3 para o estado, 1/3 de ambientalistas e 1/3
de entidades de classe (trabalhadores). Em alguns estados, o CONSEMA tem somente
caráter consultivo. Em outros, tem caráter deliberativo também e até decisório. Os estados
Principais mecanismos de implementação de políticas socioambientais 39
também contam com um órgão executor da política estadual e com decisões dos órgãos
reguladores. No Rio de Janeiro é a FEEMA, em São Paulo, a CETESB, e no Rio Grande
do Sul, a FEPAM.
Muitos municípios já têm sua estrutura do SISNAMA formada pelos órgãos reguladores
nos Executivos (prefeitos e secretarias municipais), Legislativos (câmaras de vereadores)
e Conselhos Municipal de Meio Ambiente (COMUMAs). De maneira similar à estrutura
estadual, COMUMA é o nome genérico, e sua estrutura e responsabilidades variam de acordo
com o município. O órgão executor pode ser a Secretaria de Meio Ambiente ou algum outro
órgão indicado por legislação municipal.
Para a gestão da Política Nacional de Meio Ambiente, a Lei n° 6.938/81 estabeleceu um grupo
de instrumentos que podem ser utilizados pelos três níveis do SISNAMA, listados a seguir:
• estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;
• zoneamento ambiental;
• AIA;
• licenciamento;
• incentivos à melhoria ambiental;
• áreas protegidas (reservas, APAs);
• sistema nacional de informações sobre o meio ambiente;
• cadastro técnico;
• penalidades.
Alguns desses instrumentos são utilizados pelos três níveis do SISNAMA, como o
estabelecimento de áreas protegidas. Outros têm legislações específicas para sua utilização.
Por exemplo, o licenciamento, em geral, é de responsabilidade estadual, exceto aquelas
designadas por legislação ao IBAMA, que incluem algumas atividades de petróleo, a área
nuclear e atividades de fronteira do país ou que afetem mais de um estado.
As responsabilidades dos diversos atores dentro do SISNAMA têm variado muito com
o tempo e se adaptado à institucionalização da questão ambiental nas agendas de políticas
públicas dos diversos componentes do SISNAMA. Como vimos, muitos estados saíram na
frente na efetiva institucionalização legal e organizacional de uma estrutura de gestão da
política ambiental. A federação estabeleceu a lei estruturante da Política Nacional de Meio
Ambiente (Lei n° 6.938/81) e criou uma estrutura que apresenta responsabilidades mais
ligadas ao direcionamento geral e ao financiamento de atividades da política ambiental
nacional, além de responsabilidades em atividades importantes como o controle do desma-
tamento. Cada vez mais, vemos as responsabilidades sendo passadas aos níveis mais baixos
da estrutura do SISNAMA, que são os municípios. Por exemplo, muitos estados, como São
Paulo e Bahia, já fizeram convênios com municípios que têm sua estrutura do SISNAMA
montada para licenciar algumas atividades, como pequenos estabelecimentos comerciais
ou industriais.
Um outro marco na legislação ambiental foi a Lei n° 9.605, de 1998, ou Lei dos Crimes
Ambientais. Antes, o ato de degradar o meio ambiente era considerado somente um delito.
Agora pode ser crime e pode implicar tanto as pessoas físicas como jurídicas das organizações
implicadas, como diz o texto da referida Lei.
Art. 2o Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos
nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem
como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor,
40 Empresas na sociedade
e o processo de priorização das ações na área ambiental, como, por exemplo, saber onde
é mais eficiente investir para controlar determinado tipo de problema, como a poluição
do ar (seria investir na fiscalização das fábricas? No incentivo a carros ambientalmente
mais limpos?).
Os entes da federação podem criar quaisquer tipos de UCs indicados. Hoje temos UCs
federais, estaduais e municipais. Em nível federal, o Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade (ICMBio), vínculado ao Ministério do Meio Ambiente executa as ações do
SNUC. Órgãos estaduais e municipais também estão envolvidos, como institutos de florestas
ou secretarias de meio ambiente.
As UCs sofreram uma grande transformação nos últimos 150 anos. Desde a criação do
primeiro parque nacional com o objetivo de conservação dos recursos, o Yellowstone nos
Estados Unidos, o conceito dos parques nacionais depois foi adotado por outros países, e
hoje está na agenda ambiental em praticamente todas as partes do mundo. O ponto-chave das
ideias dos conservacionistas era a separação entre homem e natureza. Para eles, o homem
era o vilão da natureza, sendo necessário criar mecanismos para separar os dois de forma
a proteger a natureza. Assim, a ideia dos parques nacionais era para que eles fossem uma
espécie de “aquário”, em que o homem deveria ser separado do meio natural, podendo somente
contemplá-lo, uma espécie de mito da natureza intocada (Diegues, 1998). Porém, em muitos
países, a área do parque excluía os moradores que nele viviam, ou o utilizavam para algum
fim (por exemplo, caça, cultos religiosos). Então, surgiram os conflitos entre a preservação
e o uso. Com isso, foi necessário buscar uma compatibilização entre os seres humanos e a
conservação da natureza, considerando os seres humanos como parte dela. Instituiram-se,
assim, as novas formas de unidades de conservação, que chamamos de “unidades de uso
sustentável”. Elas buscam a harmonia entre o homem e a natureza. Nelas, as comunidades
podem se associar com empresas para a venda de produtos sustentáveis e outras atividades
de geração de renda, como o ecoturismo.
42 Empresas na sociedade
O caso da Vila Carioca é um desafio para a empresa manter seus compromissos. A Vila
Carioca é um bairro na zona sul de São Paulo, a maior cidade da América do Sul. O grupo
ambientalista Greenpeace e o Sindicato dos Trabalhadores no Comércio e Derivados de Pe-
tróleo de S. Paulo (Sinpetrol) alegaram que a região teve o solo, o ar e a água contaminados
por diversos poluentes provenientes das atividades industriais que se espalhavam por aquela
área nos anos 1990. A poluição pode ter contaminado cerca de 30 mil pessoas que moravam
na região.5 A Shell foi acusada de ser uma das principais fontes de poluição, que incluem
outras companhias instaladas na região. O jornal Folha de S.Paulo6 considera que Vila
Carioca pode ser uma das áreas mais contaminadas de São Paulo, se as suspeitas forem
verdadeiras. A Shell está instalada na área desde 1951 e despejou por décadas grandes
quantidades de resíduos no solo. Os passivos socioambientais têm valores significativos,
e alguns especialistas concluem que parte da terra deveria ser desapropriada para ser limpa e
toda a população da área deveria ser removida e recompensada. Entretanto, os argumentos da
empresa são os de que ela seguiu todas as leis ambientais existentes, e foram usadas as me-
lhores tecnologias disponíveis na época. Na verdade, a maioria do material foi despejada bem
antes das novas leis ambientais, que apareceram a partir da década de 1970. As leis existentes
na época foram seguidas, e a Shell fez, algumas vezes, até mais do que as leis exigiam. Na
área, havia também outras empresas com problemas ambientais que podem ter contribuído
para o problema. A Shell argumenta que a percepção das pessoas tinha como base alguns
rumores e fatos não científicos. A Shell diz que trabalha com informações científicas e que o
problema não é tão terrível como a mídia reporta. Portanto, até onde vai a responsabilidade
da Shell para resolvê-lo? A companhia deveria ser legalmente responsável pelo problema?
O comportamento da Shell nesse caso pode ser considerado ético e correspondente aos seus
princípios de responsabilidade social?
2
Este caso foi preparado inicialmente para o Instituto Global para Assuntos Éticos, Escola de Negócios Mendoza,
Universidade de Notre Dame, Estados Unidos. Agradeço aos comentários de Patrick Murphy e Georges Enderle.
O caso foi elaborado através de consulta a documentos, sites, artigos de jornais e entrevistas com diversos atores
envolvidos no caso, incluindo pessoas da Shell.
3
Do site da Shell: www.shell.com (“Who we are”), acessado em 18 de março de 2005.
4
Ibidem.
5
De acordo com o Ministério Público de São Paulo (Folha de S.Paulo, 04/20/2002)
6
Data de 15/06/2002.
Principais mecanismos de implementação de políticas socioambientais 43
Figura 4.4 Mapa da área: a área da Shell é a que está em destaque no meio, 2000.
Vila Carioca
A Vila Carioca é um bairro típico da classe trabalhadora que pode ser encontrado ao redor de
muitas áreas industriais de países em desenvolvimento. A região cresceu como um mix de área
industrial e residencial com pouco planejamento para separar fisicamente o espaço ocupado
pela população e as áreas onde se concentravam as instalações das atividades de risco,
como tanques de óleo e tubulações (veja Figura 4.4). Inicialmente, nos anos 1950, a Vila
Carioca era apenas uma área industrial, mas como a cidade de São Paulo cresceu rapida-
mente (sem planejamento), a população procurou novos espaços e instalou suas residências
próximas às plantas industriais. Como muitas plantas foram fechadas ou se mudaram com a
desindustrialização de algumas partes da cidade de São Paulo, após os anos 1970, a proporção
de assentamentos residenciais aumentou significantemente. Os assentamentos eram tanto
formais (titulares e licenciados) como informais (favelas e casas construídas em terrenos
sem escritura).
A história ambiental da Shell na Vila Carioca começou em 1951 quando a companhia
construiu na área um tanque de armazenamento e um terminal. Essas instalações foram me-
lhoradas diversas vezes, e a planta ainda estava operando em 2005. A Shell também tinha
uma planta industrial para produzir pesticida, mas mudou-se para outra área nos anos 1970.
As instalações tinham a melhor tecnologia disponível da época e sempre seguiram as regras
ambientais e os padrões mundiais da Shell.
A descoberta
Em março de 2003, a prefeitura de São Paulo anunciou que uma área de 180.000 m2 (apro-
ximadamente 25 campos de futebol) ao redor da planta da Shell da Vila Carioca estava
44 Empresas na sociedade
contaminada com vários poluentes tóxicos, incluindo metais pesados7 e Drins,8 do grupo
dos poluentes orgânicos persistentes (POPs). A prefeitura autuou a Shell e a Companhia de
Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), responsável pela fiscalização, as quais
foram acusadas, respectivamente, de poluição e negligência na exigência no cumprimento
das leis ambientais.
Todavia, o caso foi levantado bem antes. Em 1993, o Greenpeace e a Sinpetrol preencheram
uma reclamação formal na justiça contra a Shell. O caso foi deixado para a CETESB, mas
apenas poucas medidas foram tomadas até que a prefeitura oficialmente entrasse no caso.
Durante décadas, plantas industriais da região descarregaram poluentes tóxicos no solo
e na água, e, agindo assim, eles contaminaram também os lençóis freáticos. Seis poços da
região foram fechados inicialmente. Apesar de haver apenas um poço oficialmente registrado
na região, existiam possivelmente muitos outros poços clandestinos. Em um dos poços, cuja
água era usada para consumo humano, o nível de Dieldrin (um dos POPs) na água era 0,327
micrograma por litro, mais de 100 vezes o limite permitido de 0,03 micrograma por litro.
Um relatório do Ministério Público estimou que a poluição poderia contaminar a população.
O promotor público avaliou que pelo menos 30 mil pessoas da vizinhança poderiam ter sido
afetadas.
Os moradores entraram em desespero quando perceberam os danos causados pela poluição
da qual tomaram conhecimento. Muitos deles não foram oficialmente informados do pro-
blema, como disse uma moradora: “Eu nasci aqui e apenas tive notícia do caso através dos
jornais. Sempre plantei vegetais no quintal e pensei que a minha família estava tendo uma
alimentação saudável...”. Outros ainda disseram que suspeitavam que algo estava errado com
a água. “A água estava amarela, malcheirosa e as gotas deixavam manchas nas roupas...”,
outra moradora mencionou.9
Em 2002, anos depois da denúncia inicial de 1993, muitas pessoas ainda se sentiam
abandonadas pelas autoridades públicas e pela Shell, apesar de entrarem na Justiça. Nesse
meio tempo, nada foi feito, e ninguém foi propriamente informado sobre a situação. Testes
médicos foram voluntariamente feitos por duas clínicas privadas a pedido da equipe de
investigação da prefeitura.10 Outros moradores temiam que a Vila Carioca se tornasse um
bairro fantasma, que as pessoas e mesmo a Shell abandonassem a região. Como num mar
da desinformação, alguns temiam o pior: epidemias de terríveis doenças, a contaminação
de suas crianças, desvalorização de seus imóveis, ou mesmo que os residentes ficassem
estereotipados como “indivíduos contaminados”.
7
Metais pesados são quaisquer elementos metálicos com densidades moderadamente altas. Muitos deles são ex-
tremamente tóxicos, mesmo em baixas concentrações. Exemplos de metais pesados são mercúrio (Hg), cadmium
(Cd), arsênico (As), cromo (Cr) e chumbo (Pb). Os seus impactos na saúde são relativamente conhecidos. Uma
série de problemas de saúde pode ser causada por eles dependendo da duração e quantidade da exposição, incluindo
malformação de fetos, problemas na síntese da hemoglobina, efeitos nos rins e doenças graves no sistema nervoso
(mais detalhes em www.lenntech.com/heavy-metals.htm).
8
“Drins” é o nome genérico usado para um grupo de organoclorados, tais como Endrin, Dieldrin e Aldrin. Eles
fazem parte do grupo dos poluentes orgânicos persistentes (POPs) e eram usados como pesticidas na agricultura.
A Convenção da ONU de Estocolmo em 2000 (não confundir com a Conferência em 1972) recomendou banir
a produção e o uso de Drins. Os POPs ficam no ambiente por longos períodos e se espalham geograficamente,
acumulando-se na gordura dos organismos vivos (incluindo o ser humano) e são tóxicos (veja mais detalhes da
Convenção de Estocolmo em www.pops.int).
9
Folha de S.Paulo em 05/04/2002, artigo “Moradores da Vila Carioca usaram poço no auge da contaminação.”
10
CETESB e Shell não aceitam os testes dizendo que a metodologia estava errada.
Principais mecanismos de implementação de políticas socioambientais 45
Apesar das circunstâncias, as pessoas queriam que a Shell ficasse no local. Esta oferecia
empregos e renda, e muitos dos moradores eram seus funcionários. Outros temiam que,
com a mudança da Shell, as favelas vizinhas de Heliópolis ocupassem as áreas da empresa,
aumentando o seu tamanho. A Shell passou a dar informação e apoio para a comunidade a
partir de 2002.
A posição da Shell
A Shell se estabeleceu no Brasil em 1913, e na Vila Carioca desde 1951.
Ela trabalha em setores de distribuição de combustível, produção de lubrificantes e
químicos, e, mais recentemente, extração e exploração de petróleo. Seu lucro em 2006
foi de mais de US$ 25 bilhões. A companhia oferecia, em 2005, 2.130 empregos diretos
e aproximadamente 60 mil indiretos (empresas associadas e terceirizadas e estações de
serviço). É uma das maiores distribuidoras de combustível privado do país, e contava com
aproximadamente 20% do mercado em 2005. Tem atualmente uma rede de 3 mil postos
de gasolina espalhada pelo país. Em Vila Carioca, a Shell dispunha de um terminal de dis-
tribuição com capacidade para 50 milhões de litros, e também de uma planta de pesticidas
até os anos 1970.11 Em 2002, apenas 165 empregados trabalhavam no terminal, um número
relativamente pequeno comparado com o número de trabalhadores quando a Shell produzia
também os pesticidas.
A prefeitura afirma que o solo e o lençol freático da região em torno da Shell estão
contaminados por poluentes que foram usados durante um longo período como compo-
nentes da gasolina. Esses poluentes foram resultado do procedimento normal de limpeza
dos tanques de gasolina da Shell antes dos anos 1970, quando as questões ambientais ainda
não tinham sido pensadas. Os resíduos da parte interna dos tanques de gasolina foram
simplesmente despejados no solo durante várias décadas até os anos 1970. Esses eram os
procedimentos-padrão mundiais do setor no passado.
A companhia tomou diversas ações para remediar o problema até 2005, como promover
estudos e incinerar 2,5 toneladas de solo contaminado e resíduo de combustível. Entretanto,
representantes da Sinpetrol disseram que essas ações não seriam suficientes. Eles alegavam
que a Shell tinha a responsabilidade de evitar a dispersão dos poluentes para as áreas fora da
companhia, cercando as áreas afetadas com concreto.
A prefeitura concluiu que a Agência Estadual de Meio Ambiente (CETESB) foi muito
relapsa no caso da Shell, como afirmou publicamente em abril de 2002: “As ações da Shell
e as suas propostas limitaram-se a remover o material que era fonte da contaminação e
deixou os poluentes do lençol freático a cargo da natureza...” ademais, a CETESB concordou
com essa atitude, sendo que naquele momento precisaria ter feito uma intervenção mais
energética. O funcionário da CETESB argumentou: “A ciência dos fatos e as técnicas para
lidar com áreas contaminadas eram recentes, tanto para nós quanto para a companhia, então
esperamos que as coisas sejam mais rápidas do que há dez anos atrás.”12
Embora a Shell implementasse uma série de ações para tentar resolver os problemas,
ela se manteve em silêncio em várias oportunidades para evitar que fosse considerada a
única responsável pelo caso. Quando a CETESB e a Shell foram acionadas, preferiram não
11
Observatório Social da Central Única dos Trabalhadores (2002). Shell (www.observatoriosocial.org.br).
12
Folha de S.Paulo, 20/04/2002.
46 Empresas na sociedade
comentar a reclamação. A Shell mencionou numa nota ao público “que ações para remediar
o problema estavam sendo tomadas, e que a companhia tinha rígidos códigos de conduta e
valores para assumir a responsabilidade pelos resultados desta operação.”13
Outras companhias também foram suspeitas de contaminação. Por exemplo, a BR (uma
subsidiária da Petrobras, um empreendimento estatal que é a maior companhia do país)
mantinha um depósito de 250 tanques velhos e muitos caminhões numa propriedade próxima
à Shell. Os tanques eram suspeitos de estarem derramando combustível no solo. A BR ainda
operava essa planta em 2002. Mais de 100 empresas ainda operam na região com atividades
ligadas a tintas, refinarias, combustíveis e químicos. Ao mesmo tempo, o tráfego é intenso,
e a Shell recebe mais de 200 veículos por dia.
Com relação aos POPs, a Shell não aceitou a cobrança inicialmente. A companhia alegou
que aqueles componentes vieram de outras empresas da região, como a planta de pesticidas
do Grupo Matarazzo, que faliu. Contudo, mais tarde, representantes da Shell admitiram
que a concentração de certos POPs em partes do solo da companhia estava acima dos
padrões aceitáveis. No caso do Aldrin, o alto teor do produto atingiu 1.320 vezes o limite
estabelecido pela CETESB. A concentração do Isodrin chegou a 2.450 vezes mais do que o
aceito na União Europeia, onde a empresa tem sede. A Shell produziu pesticidas entre 1940 e
1970, quando sua planta foi transferida para Paulínia, no interior do Estado de São Paulo. A
companhia também alegou que os dejetos orgânicos achados na área não eram da empresa,
uma vez que os transformava em inorgânicos antes de enterrá-los.
A Shell se defendeu de várias acusações e multas que recebeu. Foi acusada uma vez pela
prefeitura (por operar sem licença) e quatro vezes pela CETESB (por contaminação da água,
atraso no reporte das condições da sua água e solo) entre 1993 e 2003. Em 2003, a companhia
ainda recorria de várias acusações.
A contaminação da água foi também contestada pela Shell. No início, a empresa admitiu
o fato apenas em sua propriedade. Ainda assim um relatório técnico de uma firma con-
tratada pela própria Shell em 2000 citou a contaminação da água nas áreas vizinhas, a qual
também foi encontrada, mais tarde, pela Agência Sanitária Municipal. Os agentes municipais
começaram a identificar as pessoas que moravam ao redor da companhia para analisar o
grau de exposição das mesmas.
A companhia promoveu estudos sobre a contaminação e seus impactos ao meio ambiente
e na população, incluindo análise de riscos e planos de remediação para toda a região. A
companhia reclamou que o seu relatório de meio ambiente e medição de risco da região é
o “maior e mais completo estudo de meio ambiente em uma área específica jamais feito
no Brasil” de acordo com um gerente da Shell. Esses estudos serviriam para satisfazer as
demandas estadual e municipal, entretanto, os dois governos não concordaram e tornaram
as coisas ainda mais confusas. A CETESB concluiu que os estudos para o município não se
enquadraram nos requerimentos estaduais.
Naquela data a companhia declarou que estava “agindo claramente, de modo transparente
e responsável, respeitando seus acionistas, autoridades públicas, a mídia e a população.” En-
tretanto, até 2002 a população alegou que a Shell não tinha informado aos stakeholders sobre
o problema. A companhia também não enviou representantes para uma reunião organizada
pela comunidade de Vila Carioca para discutir o problema e as soluções. Um check-up
médico feito voluntariamente por uma clínica particular encontrou uma grande incidência
13
Ibidem.
Principais mecanismos de implementação de políticas socioambientais 47
estão cientes do grau do problema, quem são os causadores, em que nível e quem deve ser
responsabilizado. Além disso, a percepção dos stakeholders é diferente da percepção da em-
presa. A população e algumas autoridades públicas creem que esse seja um problema grave
e temem pelos resultados da contaminação. A Shell, com base em seus estudos e capacidade
técnica, diz que não é tão grave e nega a necessidade de alarde, uma vez que há um pequeno
risco de contaminação humana.
A Shell é uma empresa que tem severos códigos de conduta pública relativos às questões
sociais e ao meio ambiente. Nesse caso, a empresa seguiu todas as legislações existentes
desde o início da regulamentação ambiental no Brasil nos anos 1970, fazendo até, em alguns
casos, mais do que exigiam as leis. A contaminação pareceu ter acontecido antes de serem
estabelecidas as regulamentações, incluindo o período em que a Shell mantinha uma planta
antiga que foi fechada há décadas.
Mesmo sendo reticente em algumas questões, a companhia trabalhou próxima às autori-
dades públicas responsáveis pelo caso, tomando diversas ações para remediar o problema.
Além disso, a Shell era somente uma das várias empresas que atuavam na região da Vila
Carioca. Foi a principal suspeita de ter causado o problema, mas não a única. Outras compa-
nhias podem ter sido responsáveis também, como a BR distribuidora (Petrobras) e uma fábrica
de pesticidas do Grupo Matarazzo, já desativada (suspeita de ter deixado graves problemas
ambientais), assim como dezenas de empresas menores.
Sites interessantes
Environmental Protection Agency (EPA): www.epa.gov
Instituto Socioambiental (ISA): www.socioambiental.org.br
Ministério do Meio Ambiente: www.mma.gov.br
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA): www.unep.org
Shell: www.shell.com
Vitae Civilis: www.vitaecivilis.org.br
Referências
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emerging EHS dynamics. Environmental Protection, 2007.
Puppim de Oliveira, José Antônio. Instrumentos econômicos para gestão ambiental: lições das ex-
periências nacional e internacional. Salvador: Núcleo de Estudos Avançados em Meio Ambiente
(NEAMA), 2003.
Puppim de Oliveira, José Antônio. Command control versus economic mechanisms: what is the
evidence for efficiency and effectiveness in environmental management? International Journal
of Environmental Creation, 2001, p. 27-33, 2001.
Toffler, Alvin. The third wave. New York: Pan Books, 1980.
Bibliografia recomendada
Barbe, Jean-Philippe. Economic instruments in environmental policy: lessons from OECD experience
and their relevance to developing economies. OECD Technical Paper. Paris, n. 92, 1994.
Fiorino, D. Making environmental policy. Los Angeles: University of California Press, 1995.
Margulis, Sérgio. A regulamentação ambiental: instrumentos e implementação. Brasília: IPEA, n. 437,
1996. (Texto para discussão).
Stone, Christopher D. Where the law ends: the social control of corporate behavior. Nova York: Harper
and Row, 1975.
Viola, Eduardo J.; Leis, Hector R. A evolução das políticas ambientais no Brasil, 1971, 1991: do
bissetorialismo preservacionista para o multissetorialismo orientado para o desenvolvimento
sustentável. In: Hogan, Daniel J.; Vieira, Paulo Freire (orgs.). Dilemas socioambientais e desen-
volvimento sustentável. Campinas: Editora da Unicamp, 1995.
5 Definições de responsabilidade
social corporativa
Objetivo
Tentar entender a dificuldade de se definir RSC.1
1
Vários trechos deste capítulo têm como base os artigos do autor (Puppim de Oliveira, 2005, 2006).
52 Empresas na sociedade
criada inicialmente pelos executivos e donos da empresa Ford, em 1936, mas que depois
foi desvinculada.
Algumas organizações tentam trazer para a prática da ação social princípios aplicados
na gestão empresarial tradicional, constituindo o que se chama empreendedorismo social.
O empreendedorismo social busca fomentar a proatividade das organizações, incluindo
as empresas, no engajamento para a solução dos problemas sociais. Isso se daria através
de ações inovadoras, conhecimento e mobilização de recursos financeiros e humanos para
a gestão de questões sociais.
Muitas empresas tentam vincular suas ações sociais à estratégia da empresa, escolhendo e
implementando seu modo de atuar socialmente de maneira que seus negócios se beneficiem
a curto e longo prazos. Utilizam essas ações em suas campanhas de marketing para ganhar
legitimidade e associá-las à sua marca ou produtos com o intuito de atrair consumidores.
Apesar da ação social ser importante em alguns casos, principalmente em países com
grandes demandas sociais, ela não pode ser o único parâmetro para avaliar a responsabilidade
social de empresas. Muitas delas focam sua atuação de responsabilidade social em ações
sociais, colocando-se como socialmente responsáveis. Porém, se a empresa, por exemplo,
corrompe funcionários públicos, engana consumidores e tem trabalhadores informais, deixa
a desejar em responsabilidade social, por mais que invista em ações sociais. Aliás, muitas
empresas fazem investimentos vultosos em ação social para compensar os problemas que
têm em outras esferas, como na ambiental, ética ou judicial.
que segue a legislação com rigor não poderia ser considerada socialmente responsável? Ela
não estaria cumprindo seu papel de cidadã pagando seus impostos e seguindo as legislações
trabalhista e ambiental? Não há nenhum argumento plausível para negar que uma empresa
cumpridora de suas obrigações pudesse ser considerada socialmente responsável. Entretanto,
o reverso é verdadeiro, ou seja, uma empresa que não cumpre com a legislação não pode ser
considerada socialmente responsável.
Na realidade, é difícil encontrar uma lista de requisitos bem definida sobre o que uma
empresa deve ser ou fazer para ser considerada socialmente responsável. Porém, mesmo não
existindo consenso sobre a definição e os requisitos necessários e suficientes para que uma
empresa possa ser considerada socialmente responsável, há uma série de pontos fundamentais
para a busca da RSC. Por exemplo, uma empresa que almeja ser socialmente responsável
tem de seguir a legislação em todas as áreas. Além disso, a responsabilidade social pode
ser vista pelas dimensões de atuação das empresas, como desempenho responsável na área
ambiental, consideração às comunidades que são impactadas pelas atividades empresariais,
respeito aos empregados e seus familiares e transparência nas ações.
Entretanto, ainda fica pouco claro saber até que ponto se deve atuar em cada uma dessas
dimensões para uma empresa ser considerada socialmente responsável. Uma alternativa para
“balizar” a atuação nas diversas dimensões de RSC é o diálogo com os chamados stakehol-
ders, que são quaisquer organizações ou indivíduos legitimamente interessados nas ações da
empresa, como empregados, acionistas, governos, organizações não governamentais (ONGs),
comunidades afetadas, fornecedores e clientes. Como partes interessadas na ação empresarial,
os stakeholders têm expectativas e demandas quanto ao comportamento da empresa diante das
questões ambientais e sociais. Com o diálogo franco e respeitoso entre os representantes da
empresa e seus stakeholders, as ações de RSC nas diversas dimensões em uma organização
vão sendo definidas. Em geral, há uma expectativa dos stakeholders quanto às ações de
uma empresa para legitimá-la como socialmente responsável ou cidadã. Muitas vezes, uma
empresa não tem como satisfazer a todas as demandas de todos os stakeholders ao mesmo
tempo. Dessa forma, suas ações de RSC caminham para um balanço entre as demandas dos
stakeholders e o que a empresa realmente pode empreender sem comprometer seu funciona-
mento a curto ou longo prazo, sempre mantendo o diálogo com os stakeholders. O contínuo
dessa comunicação entre empresa e stakeholders, se feita de forma apropriada, vai criando
um ambiente de confiança entre eles, fazendo com que a empresa tenha maior legitimidade
ante os stakeholders para que seja considerada socialmente responsável.
Carroll propõe um modelo em forma de pirâmide com quatro responsabilidades que vão
da base ao ápice. Nesse modelo a empresa tem uma responsabilidade econômica fundamental
na base, pois sem ela a empresa (privada) não pode existir a médio prazo. Uma vez que possua
Banco Mundial
Responsabilidade social corporativa é o compromisso das empresas em contribuir para
o desenvolvimento econômico sustentável através do trabalho com os funcionários, suas
famílias, a comunidade local e a sociedade como um todo, a fim de melhorar suas vidas de
maneira que isso se reflita nos negócios e no desenvolvimento como um todo.
Ethos
Responsabilidade social empresarial é a forma de gestão que se define pela relação
ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais se relaciona e pelo
estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável
da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras,
respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais. (www.
ethos.org.br).
Sites interessantes
Fundação Ford: www.fordfound.org
Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE): www.gife.org.br
Instituto Ethos: www.ethos.org.br
2000 ISO 26000: www.iso.org/sr
Referências
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Magazine, 23 Sept. 1970.
Carroll, A. B. A Three-dimensional conceptual model of corporate social performance. Academy of
Management Review, n. 4, p. 497-505, 1979.
Puppim de Oliveira, José Antonio. Responsabilidade ampliada. GV Executivo, v. 4, n. 2, p. 78-81,
2005.
_________. Obrigado Friedman! Boletim de Responsabilidade Social e Ambiental do Sistema Finan-
ceiro, Banco Central, n. 12, dez. 2006.
Bibliografia recomendada
Doane, Deborah. Beyond corporate social responsibility: minnows, mammoths and markets. Futures,
n. 371, p. 215-229, 2005.
Pendleton, A. The real face of corporate social responsibility. Consumer Policy Review, v. 14, n. 3,
p. 77-82, 2004.
Pereira, Wolney Afonso; Campos Filho, Luiz Alberto Nascimento. Investigação sobre as semelhanças
entre os modelos conceituais de RSC. Revista de Gestão Social e Ambiental, v. 1, n. 1, p. 3-18,
2007. Disponível em: <http://www.rgsa.com.br>.
Rodrigues, Maria Cecília Prates. Ação social das empresas privadas: uma metodologia para avaliação
de resultados. Tese de Doutorado -- EBAPE-FG, 2004.
6 Motivações para responsabilidade
social empresarial
Objetivo
Entender as diversas abordagens de RSC e suas implicações para a sociedade.
6.2 Tipologias de RSC1
Esta variedade de correntes de pensamento ético se reflete na diversidade de definições de
RSC. O que é responsabilidade para alguns pode não ser para outros. Porém, alguns autores
dividem as definições de responsabilidade social existentes em quatro grupos ou modelos
1
Baseado no trabalho de Cheibub e Locke, 2002.
60 Empresas na sociedade
(Cheibub e Locke, 2002). A diferença entre esses modelos se baseia na motivação da ação
de responsabilidade social e o alvo dessa ação (Tabela 6.1).
A motivação poderia vir de um objetivo utilitário ou instrumental (da ética teleológica,
“fazer porque traz benefícios”) ou por princípios morais (da ética deontológica, “fazer porque
é o correto e justo”). O alvo da ação também pode ser dividido em duas tendências: aquelas
em que os principais beneficiários são os acionistas/donos, ou aquelas em que os alvos são
os stakeholders.
O primeiro modelo, produtivismo, seria a ideia defendida por Milton Friedman, ou seja, a
responsabilidade social da empresa é gerar lucro e retorno aos acionistas. Para ele, qualquer
ação social que desvirtue os objetivos econômicos é ruim para a sociedade e ruim para a
empresa, pois causaria ineficiências econômicas. O segundo modelo vê uma ação de RSE
enquanto uma ação de filantropia, que não esteja relacionada com o negócio da empresa.
Nele a motivação é puramente moral (“fazer o bem”) e o alvo da ação é o acionista/dono,
pois este se sentirá “bem” com a ação ou ganhará status social.
No idealismo ético, terceiro modelo, as empresas devem beneficiar os stakeholders por
princípios morais, porque isso é o certo (mesmo que possa gerar prejuízo para a empresa).
A empresa deve cuidar dos stakeholders primeiro, por princípios. Finalmente, há a visão
chamada progressista da RSE, segundo a qual a empresa deve levar em consideração o in-
teresse dos stakeholders nas ações, buscando para isso também o interesse instrumental de
beneficiar a empresa no médio e longo prazo, pois evitará conflitos, ganhará credibilidade
e, possivelmente, concentrará imagem positiva.
Para muitos, o idealismo ético seria a atitude ou modelo mais louvável sob o ponto de
vista moral, se baseássemos nossa análise na ética deontológica (princípios universais da
ação, independentemente das consequências). Para serem socialmente responsáveis, os
empresários e as empresas deveriam basear suas ações em princípios que privilegiassem
os stakeholders em primeiro plano. Acionistas e interesses dos proprietários deveriam
ficar em segundo plano. Ou seja, em um local onde faltam escolas, a empresa local deveria
construí-las para ser socialmente responsável; onde os hospitais estão desequipados, as
empresas deveriam equipá-los e procurar cobrir todas as lacunas sociais deixadas pelo
Estado.
Isso seria louvável sob o ponto de vista ético, mas pode ter efeitos daninhos a longo
prazo. Nesse caso, as empresas estariam praticamente ocupando o espaço público que seria
de responsabilidade de governos. Por um lado, é bom porque supre a falta ou ineficiência do
Estado, mas, por outro, isso pode minar a democracia. A população olharia para a empresa em
questão como supridora dos serviços e não se preocuparia com seus líderes governamentais.
Os governos poderiam também se acostumar com a situação e passar responsabilidades
sobre os serviços sociais para as empresas. As empresas, por sua vez, poderiam colocar
seus interesses nas ações e se beneficiar indiretamente com as ações controlando a esfera
Motivações para responsabilidade social empresarial 61
pública. No final, isso seria ruim para a empresa também, pois ela ficaria sobrecarregada
com responsabilidades sociais, que talvez não pudesse cumprir a longo prazo. Dessa forma,
chegamos a um outro impasse.
A Matriz da Virtude (Martin, 2002) é uma boa ferramenta para analisar o tipo de ação de
uma empresa em relação à motivação, valor para a empresa e contexto (Figura 6.1). A matriz
tem quatro quadrantes: dois inferiores (fundação cívica) e dois superiores (fronteira).
As linhas entre os quadrantes podem ser diferentes entre outros contextos (países, por
exemplo) e se mover ao longo do tempo. No caso de um país desenvolvido – com uma
fundação cívica mais sólida implicando leis mais rígidas e maior conscientização da po-
pulação – pode apresentar a linha horizontal localizada mais acima do que um país em
desenvolvimento.
Os quadrantes inferiores, Escolha e Cumprimento, estão relacionados diretamente com
a organização cívica da sociedade, incluindo o Estado. O cumprimento se refere a leis e
regulamentos, e seu cumprimento. Uma ação da empresa de caráter social pode ser a resposta
a uma lei existente.
O quadrante Escolha se refere a normas e costumes de uma sociedade, ou a regulação
social sobre a empresa. Por exemplo, uma empresa estrangeira ocidental em um país mu-
çulmano geralmente escolhe respeitar que seus funcionários sigam o costume de rezar cinco
vezes ao dia.
Algumas escolhas se tornam lei com o tempo (pode acontecer o contrário, mas é mais
raro). Por exemplo, muitas empresas proibiam cigarro em suas dependências, mesmo quando
não havia uma lei obrigando. Com o tempo, em muitos países isso se tornou lei, obrigando
as empresas a não permitirem o fumo.
À medida que uma sociedade se desenvolve, a linha horizontal tende a subir, ou seja,
os padrões de conduta exigidos da empresa aumentam (a fundação cívica aumenta), mas
há casos de mudanças para baixo, como a Rússia na década de 1990 (onde a qualidade de
regulação se deteriorou com as mudanças políticas). Nos anos 2000, por exemplo, há uma
pressão para diminuir a rigidez das leis trabalhistas na Europa, a fim de facilitar a ação das
empresas em contratar e demitir.
Os quadrantes superiores de fronteira englobam as ações de RSC que estão relacionadas
diretamente com o mercado. Elas podem aumentar o valor para os acionistas (proprietários),
mesmo que não sejam imediatamente visíveis. Porém, essas ações também envolvem riscos
e podem ser ruins para a lucratividade.
As ações no quadrante estratégico visam fazer parte da estratégia da empresa e aumentar
sua competitividade, gerando valor aos donos e aumentando os lucros. Podem levar a reações
de clientes, empregados e governos.
Muitas vezes, os concorrentes tendem a imitar, e essas ações do quadrante estratégico
tornam-se parte da fundação cívica da sociedade. Por exemplo, no caso da Seguradora Pru-
dential em relação à aids nos Estados Unidos. Os seguros de vida da Prudential começaram
a permitir, através de contratos, que pacientes com aids usassem o seguro médico para
pagamento de despesas médicas relacionadas à doença, assegurando os benefícios futuros
em caso de morte, ainda que isso não fosse lei e nem prática de mercado. Era sua estratégia
para manter e atrair clientes, além de ter seus benefícios sociais. Com a boa receptividade
do público, ela ganhou mercado, e logo outras seguradoras a imitaram. Ao final, tal conduta
se tornou padrão no mercado de seguros. Com isso, hoje os clientes de seguro esperam que
as empresas sigam esse padrão.
No Brasil, temos o exemplo do cinto de segurança, que apesar de existir desde o início
do século passado, os carros comerciais só passaram a tê-lo na década de 1960, devido ao
grande número de acidentes. Era uma decisão estratégica de algumas empresas de colocar
um produto com diferencial de segurança para seus clientes. Com o tempo, quase todos os
modelos ofereciam o cinto de segurança. Estatísticas mostravam a redução de vítimas que
usavam cinto nos acidentes. Na década de 1980, ele passou a ser obrigatório apenas nas es-
tradas de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro. Em 1998, finalmente o código o tornou
obrigatório, e, hoje, inclusive os passageiros do banco de trás devem usá-lo. Atualmente,
algo similar se passa com os airbags no Brasil. Apesar de não ser lei, muitos carros oferecem
mais esse diferencial de segurança.
O Quadrante Estrutural está relacionado com motivações intrínsecas e morais (“fazer
o que é certo”). Uma ação de RSC nesse quadrante pode ser prejudicial aos interesses do
proprietário.
Um exemplo típico de motivação é o da empresa têxtil Malden Mills na cidade de Lawren-
ce, no estado de Massachusetts, Estados Unidos (Martin, 2002). Lawrence era um centro fa-
bril que se desindustrializou nas últimas décadas, devido ao custo da mão de obra comparado
com países em desenvolvimento. Em 1995, um incêndio destruiu completamente a fábrica.
O seu dono ganhou US$ 300 milhões do seguro que cobria incêndios. O que muitos fariam
com esse dinheiro? Poderiam utilizá-lo para uma confortável aposentadoria em alguma praia
Motivações para responsabilidade social empresarial 63
paradisíaca, ou começar um outro negócio em um país onde os custos fossem mais baixos,
ficando assim mais competitivo. Porém, o empresário tinha um compromisso moral com
a cidade e os empregados e decidiu manter o pagamento dos empregados e reconstruir a
fábrica (que faliu no ano 2000).
Diante do exposto, se colocariam as seguintes perguntas:
• Por que ele fez iso?
• Por que outras empresas não fazem o mesmo?
• Você faria igual se fosse o empresário?
Não há uma linha clara nos quadrantes estrutural e estratégico. Muitas vezes, se faz uma
ação de RSC com uma motivação moral, mas ao final ela se transforma em uma vantagem
competitiva. O caso da empresa Procter & Gamble de não pagar propina nos negócios no
exterior ilustra isso. Empresas corrompem políticos e funcionários públicos para ganhar
projetos em muitos países. A Procter & Gamble decidiu criar políticas estritas para que isso
não fosse permitido. No início, ela pode ter perdido bons negócios, mas, com o tempo, ganhou
reputação de boa cidadã. Quando chegou uma lei nos Estados Unidos contra corrupção no
exterior (Foreign Corrupt Practices Act), ela já estava adaptada em todos os seus processos
para controlar isso. Assim, a empresa se beneficiou ao final.
Globalização é o fenômeno do aumento de fluxo de capitais, bens, pessoas e informações
entre fronteiras de países. Com a globalização, surgem algumas questões sobre o compor-
tamento das empresas que trabalham em vários contextos e, também, como as sociedades
respondem a elas. Os países têm diferentes fundações cívicas, pois suas leis e costumes são
diferentes. Como vimos, países desenvolvidos tendem a ter a fundação cívica maior. Como
deve se comportar uma multinacional que trabalha em vários países? Como compatibilizar
as diferenças nas fundações cívicas para ter um comportamento socialmente responsável?
Uma conhecida multinacional com sede em um país desenvolvido estabelecendo-se em
um país pobre sem bons serviços públicos e uma legislação razoável ajuda a levantar a linha
horizontal da fundação cívica, pois traz empregos e geralmente paga melhores salários e,
também, tende a seguir melhores padrões ambientais e trabalhistas (uma das razões para isso
é que as multinacionais estão sob maior vigilância da mídia e sociedade civil organizada).
Porém, mesmo assim alguns desses padrões ambientais e trabalhistas são menores que os
padrões no seu país sede. Tal diferença é justa?
Por outro lado, hoje muitas multinacionais estão deixando a produção nos países desen-
volvidos por questões de alto custo, principalmente aquelas que necessitam de mão de obra
intensiva. Há uma pressão, por exemplo, na Europa, para que se baixem os padrões traba-
lhistas. Assim, existe a tendência de uma equalização das linhas horizontais da fundação
cívica. Por um lado, há oportunidades de melhora nos países em desenvolvimento (vejam só
o caso de Cingapura, que era pobre e hoje tem indicadores de desenvolvimento maiores que
alguns países da Europa Ocidental), mas podem criar problemas em outros países.
Porém, pode haver uma disputa entre governos para atrair esses investimentos/fábricas
para seus países ou regiões. Uma maneira de conquistar a atenção é baixando os padrões
ambientais, sociais e trabalhistas, como já se vê em alguns casos, como na “guerra fiscal”
que temos hoje no Brasil entre os estados (alguns estados reduzem os impostos mais que
outros para tentar atrair indústrias). Isso pode levar ao que chamamos de “corrida ao fundo
do poço” nos padrões da fundação cívica. Dessa forma, todos sairiam perdendo a longo
prazo. Assim, há grandes oportunidades para melhorias com a globalização, que pode levar
64 Empresas na sociedade
Em 2005, os produtos da Nike eram feitos em mais de 700 fábricas, empregando um total
de 500 mil trabalhadores em 51 países. A empresa tinha apenas 22.658 trabalhadores diretos,
sua grande maioria trabalhando nos Estados Unidos. Ao longo dos anos, a Nike ampliou
seus produtos, também entrou em outros setores (vestimenta e equipamentos esportivos) e
expandiu suas vendas para além dos Estados Unidos, Europa, América Latina e Ásia.
orientou seus empreiteiros a parar de aplicar isenções para o salário mínimo legal. Em abril
de 1999, depois que o governo da Indonésia aumentou o salário mínimo para 231.000 rupia/mês
(US$ 26), a Nike anunciou que aumentaria o salário dos trabalhadores empregados por seus
fornecedores acima do salário mínimo legal, entre US$ 30 e US$ 37,50 por mês.
Figura 6.2 Artigos com menção negativa da Nike em alguns dos principais jornais do mundo.
3
Safety, Health, Atittudes of Management, People Investment and Environment (SHAPE).
68 Empresas na sociedade
incluem a Gap, Inc., a Fundação MacArthur e o Banco Mundial. Finalmente, a Nike participa
da Associação do Trabalho Justo, anteriormente Sociedade das Indústrias de Vestimenta.
Iniciada em 1996, pelo ex-presidente Clinton, a Fair Labor Association (FLA; em tradução
livre, Associação do Trabalho Justo) é uma organização americana, sem fins lucrativos que
procura juntar vários acionistas industriais para desenvolver um conjunto em comum de
padrões e para monitorá-los no mundo todo. No entanto, a FLA passou por experiências con-
troversas, incluindo a deserção de seus afiliados dos sindicatos. Ela recentemente começou
a patrocinar auditorias independentes das fábricas que fornecem a seus membros.
O resultado dessas múltiplas atividades começa a produzir mudanças significativas entre os
seus fornecedores. Por exemplo, como consequência de suas várias inspeções, auditorias e
pesquisas internas, a Nike tem se mostrado apta a praticamente eliminar o uso de materiais
químicos derivados do petróleo na produção de calçados. Claro que nem todas as críticas
dirigidas à empresa desapareceram. Muitos ainda continuam a reclamar dos baixos salários e
das condições de trabalho inadequadas dos seus fornecedores no Vietnã, China e Indonésia.
Outros argumentam que as iniciativas da Nike simplesmente não são suficientes e que a
companhia poderia fazer muito mais em relação a salários, condições de trabalho, direitos
humanos e desenvolvimento socioeconômico local.
Sites interessantes
Center on Philanthropy Indiana University: www.philanthropy.iupui.edu
Institute for Ethical Business Worldwide, University of Notre Dame: www.ethicalbusiness.nd.edu
Caux Round Table: www.cauxroundtable.org
Nike: www.nike.com
International Society of Business Economics and Ethics (ISBEE): www.isbee.org
Referências
Cheibub, Zairo B.; Locke, Richard M. Valores ou interesses? Reflexões sobre a responsabilidade
social das empresas. In: Kirschner, Ana Maria; Gomes, Eduardo R.; Cappellin, Paola. Empresa,
empresários e globalização. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
Martin, Roger. The virtue matrix. Harvard Business Review, v. 80, n. 3, p. 66-77, Jan./Feb. 2002.
70 Empresas na sociedade
Puppim de Oliveira, José Antonio. Shell’s environmental responsability in Vila Carioca, São Paulo,
Brazil. Caso preparado para o Institute for Ethical Business Worldwide, Mendoza Business School,
Notre Dame University, Estados Unidos, 2005.
Bibliografia recomendada
Almeida, Filipe J. R. Responsabilidade social nas empresas e valores humanos. Tese de Doutorado
– EBAPE-FGV, 2007.
Ashley, P. A. et al. (org.). Ética e responsabilidade social nos negócios. São Paulo: Saraiva, 2005.
Locke, Richard M.; Distelhorst, Greg; Pal, Timea; Samel, Hiram. Production goes global, standards
stay local: private labor regulation in the global electronics industry. Massachusetts Institute of
Technology, Political Science Department Working Paper, n. 2012-2021.
López Parra, Marcelo Fernando. Responsabilidade corporativa: entre o social e o regulado. Estudo
de um setor da siderurgia brasileira. Tese de Doutorado – EBAPE-FGV, 2004.
7 Gestão com stakeholders
Objetivo
Entender conceito de gestão com os stakeholders1.
7.1 Stockholders e stakeholders
A visão tradicional da empresa no século XX era aquela preconizada por Milton Friedman,
ou seja, gerar retornos econômico-financeiros para seus proprietários (acionistas, ou stock
holders, em inglês). Essa era a função social da empresa, que correspondia aos princípios
da economia tradicional (chamada de economia neoclássica).
No decorrer dos anos, surgiram outras interpretações, cada uma com diferentes atores
(Carrol e Buchholtz, 2005). A típica visão econômica empresarial era aquela em que en-
travam os fatores de produção e saíam os produtos (Figura 7.1). A empresa era indepen-
dente de outros atores da sociedade, tendo como princípio que tudo o que se produzisse
se comercializava e que a empresa não deveria se importar com os demais fatores que
afetassem a produção, como os fornecedores. Uma outra visão, chamada da produção,
começou a levar em conta o mercado (cliente) e os fornecedores (Figura 7.2) como atores
com que a empresa, de alguma forma, tem de interagir. A visão da teoria principal-agente
(Figura 7.3) da empresa se fortalece com as ideias de governança corporativa a partir da
profissionalização dos gestores. Os proprietários e os gestores têm interesses e informações
diferentes, o que cria dificuldades de fazer com que a gestão da empresa ocorra na direção
dos interesses dos proprietários (acionistas). A visão tradicional de gestão incorpora os
funcionários como atores importantes da empresa, junto com os fornecedores, clientes e
proprietários (Figura 7.4).
O desempenho econômico-financeiro foi o principal (ou talvez o único) objetivo de uma
empresa nas concepções tradicionais descritas anteriormente. Cada vez mais, entretanto,
surge o interesse de diversos grupos da sociedade no desempenho social e ambiental das
empresas, como os stakeholders, que são grupos de interesse com certa legitimidade que
exercem influência junto a ela, interferindo diretamente na sua atuação, pressionando os
diretores, os acionistas e, sobretudo, o corpo gerencial (Figura 7.5). Não mais restrito aos
interesses financeiros e de lucratividade das empresas, o desempenho social também vem
sendo questionado.
Os stakeholders se consideram parte legitimamente interessada no funcionamento da
empresa, seja porque impactam ou são impactados por ela, ou apenas porque se interessam
seu comportamento. Entre eles podemos incluir as comunidades afetadas pela empresa, os
funcionários, consumidores, fornecedores, associações comerciais, governos, mídia e ONGs,
além da sociedade como um todo.
1
Este capítulo foi baseado no artigo Puppim de Oliveira e Waissman, 2002.
72 Empresas na sociedade
O novo papel desempenhado pelas empresas hoje envolve decisões relativas ao uso
de recursos, sejam materiais, naturais, humanos, sociais ou ainda de capital. O antigo
conceito do acionista, que se imbuía do espírito de propriedade para preocupar-se com
questões a longo prazo, cedeu lugar a vários acionistas minoritários dispersos que percebem
o empreendimento como um investimento. E como tal, precisa dar retorno financeiro
independente de questões que não agreguem tanto retorno financeiro a curto e médio
prazos. Ou seja, na visão antiga, prevalecia o senso de propriedade, e o proprietário era
facilmente reconhecido, sendo inclusive por vezes nominalmente citado como responsável
por eventuais problemas.
Se utilizarmos apenas a racionalidade fria e calculista dos financistas, podemos afirmar
que para um investidor (stockholder) seu principal interesse é o retorno financeiro gerado pelo
empreendimento. Anteriormente, caso os investimentos não trouxessem o retorno adequado,
simplesmente venderiam suas ações. Porém, cada vez mais a postura socioambiental das
empresas é levada em conta pelos investidores, tanto como um indicador de boa gestão,
quanto uma maneira de fortalecer a marca e diminuir riscos. Hoje as próprias empresas
e investidores reconhecem esses valores, a ver pelo interesse de iniciativas como o Índice
Dow Jones de Sustentabilidade, da Bolsa de Nova York, e o Índice de Sustentabilidade Em-
presarial, da Bolsa de São Paulo.
O conceito de stakeholder é compatível com os valores democráticos, sendo o processo
de decisão mais aberto às interferências e à participação de grupos de interesse, sejam eles
internos ou externos, obrigando assim a um gerenciamento mais participativo, seja com
a presença dos funcionários ou mesmo da comunidade na qual a empresa está inserida.
Cabe ainda destacar que os gestores procuram manter uma estreita aproximação com as
Gestão com stakeholders 73
Moral
Toda sociedade, ou grupos sociais, tem determinados costumes e normas (instituições) que
moldam comportamentos e são referências para julgá-los. Esses costumes e normas são
construídos socialmente ao longo do tempo e estão sempre mudando. Algum comportamento
imoral é algo que vai contra esses costumes e normas. Por outro lado, estamos sujeitos a
vários padrões morais. Por exemplo, se estamos em família, esta espera determinado tipo
de comportamento. No trabalho ou na escola, o comportamento esperado é outro. Na igreja,
espera-se que nos comportemos de maneira diferente. Assim, apesar de não haver um só
conjunto estrito de normas e costumes na sociedade, há certos padrões que são inaceitáveis
em uma sociedade em um determinado momento.
Ética
O significado de ética aqui utilizado é a maneira como se define ou discerne o que é bom
e o que é mau (ou o que é certo e o que é errado) de maneira a tomar uma decisão e ter um
comportamento coerente. Existe a ética como um campo da Filosofia que tenta entender o
modo de ser e pensar dos seres humanos e, consequentemente, suas ações. Aqui transpomos
a ética para as organizações, que, apesar de não terem a capacidade de pensar e discernir,
as pessoas que dela fazem parte têm, e, assim, as suas ações e as da organização podem ser
julgadas do ponto de vista ético, pela sociedade. O significado do bom pode ser válido tanto
para o indivíduo ou organização quanto para a sociedade. Também há um certo relativismo
do que seja bom ou mau, pois aquilo que é bom para alguns pode não ser para outros.
Legitimidade
A legitimidade é a qualidade ou estado de ser legítimo perante a sociedade ou um grupo
social. Muitas vezes, esta legitimidade é dada por fundamentos na justiça, na razão ou na lei.
Nas democracias, os estatutos legais têm legitimidade porque derivam de um sistema demo-
crático que os faz e executa. Porém, muitas vezes, destoam dos discursos e práticas sociais,
ou não são executados, o que tira a sua legitimidade. Daí por que esta pode ser definida pela
justiça e razão. Quando indivíduos ou organizações ganham legitimidade perante um grupo
ou sociedade, geralmente ganham credibilidade. Isso facilita seu reconhecimento social e a
ação na sociedade.
As empresas buscam a interação com os stakeholders como uma maneira de tentar sua
legitimação perante eles e a sociedade. Para isso elas tentam mudar a maneira de tomar
decisões e agir. Antes, as decisões eram geralmente baseadas em uma racionalidade subs-
tantiva que levava em consideração somente os interesses de um grupo restrito, e privilegiando
os proprietários/acionistas e gestores. Isso dificultava o seu processo de legitimação perante os
outros grupos da sociedade. Com a consolidação da democracia em muitos países, essa falta
de legitimação junto a vários stakeholders ao longo do tempo levava a dificuldades em obter
apoio a muitas de suas ações, o que lhes causava também danos econômicos ao longo do tempo
(projetos bloqueados, protestos que ferem a imagem, trabalhadores insatisfeitos etc.).
Mesmo que a empresa busque muitas vezes incorporar benefícios aos stakeholders em
suas ações, caso não haja interação na hora da decisão ou comunicação dos resultados,
possivelmente continuará faltando legitimidade. À medida que começa a haver uma maior
interação da empresa com os diversos stakeholders na sociedade, essa comunicação passa
76 Empresas na sociedade
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000
DQO 101,6 105,5 104 42,3 31 26,9 24,7 23,9 25,0 32,5 20,2 15,4 18,1
DBO 18,5 23 21,12 4,98 1,92 2,26 1,960 1,9 2,08 3,32 1,68 1,43 1,58
AOX – – – 2,9 0,91 0,69 0,3 0,22 0,27 0,26 0,12 0,10 0,11
AOX = compostos halogenados de oxigênio; DBO = demanda biológica de oxigênio; DQO = demanda química de oxigênio.
Fonte: Dados fornecidos pela Aracruz.
78 Empresas na sociedade
a mbos atentos aos impactos ambientais advindos do processamento da madeira para a trans-
formação da celulose e, posteriormente, a obtenção do papel. Podemos dividir essa atenção
em três frentes: florestal, industrial e desenvolvimento social.
Setor florestal: Para a produção de celulose se utiliza apenas o eucalipto, sendo que a
madeira nativa não é empregada em nenhum outro processo. Porém, vários questionamentos
surgem em relação ao tipo e à escala das plantações de eucalipto.
Grupos ambientalistas no mundo exercem fortes pressões junto à opinião pública ques-
tionando a cultura do eucalipto, e essa não é uma questão exclusiva dos brasileiros, embora,
pelas proporções que ocupa em nosso país, mereça atenção.
No Brasil, os questionamentos que surgiram referem-se à homogeneidade das florestas,
por serem consideradas espécies exóticas; às grandes extensões de terras necessárias para
alimentar uma indústria desse segmento; ao elevado consumo de água necessário; e ao
impacto sobre a biodiversidade local, afetando, segundo alegações de ambientalistas, a fauna
e a flora nativas.
A questão das grandes extensões de terra tem sido enfrentada de duas maneiras principais:
com o expressivo aumento de produtividade por árvore e através de parceiros que plantam
eucalipto em pequenas extensões de terra. O fato é que a Aracruz alega ter comprado as terras
já erodidas e exauridas, promovendo todo um trabalho de recuperação dos solos.
Em 2002, para cada 1,8 ha de florestas de eucalipto, a empresa planta um hectare de mata
nativa, entremeando suas plantações. Nesse espaço de mata nativa, estão incluídos diversos
ecossistemas, tais como pântanos, florestas secundárias e mangues. O principal objetivo é
manter o equilíbrio do ecossistema, o que também é uma forma natural de controlar eventuais
pragas, especialmente por tratar-se de reflorestamento utilizando processo de clonagem.
Desde 1973, a Aracruz adota um programa de melhoramento genético a partir de cerca de
cem espécies de eucaliptos de várias origens diferentes, já tendo obtido mais de três mil cruza-
mentos adaptados às várias condições das diversas regiões de suas propriedades. Expressivos
ganhos de produtividade foram obtidos como fruto dessa tecnologia de produção em escala,
aliada às condições extremamente favoráveis ao plantio de eucalipto, o que acaba se refletindo
na obtenção de mais polpa celulósica por árvore e uma menor necessidade de terras para a
obtenção dos mesmos resultados, além de se desenvolverem mais depressa (Figura 7.7).
O baixo custo da madeira é fruto do grande volume de madeira por hectare de plantio, com
o baixo consumo específico de madeira por tonelada de celulose. A área de pesquisa vem
trabalhando com novos clones, que têm permitido aumentar a produtividade das florestas.
Figura 7.8 Volume de produção (milhares de toneladas). STD = standard; ECF = elemental
chlorine-free; TCF = tottaly chlorine-free; ACF = Aracruz chlorine-free.
Fonte: Relatório Anual Aracruz Celulose 2000. Informações Financeiras, 2000, p. XXII.
Setor industrial: No caso industrial, o alvo é o grande volume de água e energia elétrica
necessário no processo da fabricação de celulose. Por outro lado, estão as preocupações
com odor, particulados, insumos utilizados na etapa de branqueamento e resíduos e efluentes
gerados pelo processo de fabricação.
A indústria, especialmente aquela que exporta grande parte de sua produção, também
recebe pressões internacionais sobre os padrões mínimos de manejo ambiental. Na prática,
uma indústria como a Aracruz, que exporta mais de 90% de sua produção, precisa se adequar
não apenas à legislação vigente no Brasil, mas, ainda, respeitar e se adaptar a leis e exigências
do mercado internacional (veja Figura 7.8).
Em 1991, foram investidos cerca de US$ 100 milhões no processo de branqueamento
e de redução de poluentes. Isso permitiu iniciar a produção de celulose ECF (element
chlorine-free) e TCF (tottaly chlorine-free), visto que há crescente demanda e pressão
mercadológica pela substituição de componentes de cloro na produção de celulose. Já
o tipo de celulose ECF utiliza apenas compostos de cloro e não o cloro elementar, acarre-
tando menos impacto ambiental. Por último, temos a celulose TCF, que emprega peróxido
de hidrogênio como oxidante, em vez de cloro, e é considerado o método que acarreta
menos impacto ambiental, embora demande maior uso de água para assegurar a qualidade
do produto, causando aumento de custo final. A empresa passou a produzir ainda, a partir
de 1997, o tipo de celulose ACF (Aracruz chlorine-free), cujo conteúdo de organoclorados
na celulose situa-se abaixo de 30 ppm. O remanescente da produção que ainda contém cloro
é denominado standard (STD), que tem maior impacto ambiental em relação aos compostos
halogenados formados.
O contínuo investimento no aprimoramento de equipamentos e procedimentos industriais
permitiu à empresa a melhoria sistemática de seus indicadores industriais, especialmente no
que diz respeito à qualidade de seus resíduos líquidos, gasosos e sólidos. Acrescentam-se
a isso os avanços que vêm sendo obtidos no reaproveitamento desses resíduos, permitindo
diminuir o odor, o consumo de energia elétrica e de água. Entre 1990 e 2000, houve a redução
de cerca de 75% de emissões de material particulado, e a empresa atribui esses resultados à
substituição de equipamentos de controle de poluição por outros mais modernos.
O volume de efluentes foi significativamente reduzido entre 1988 e 2000, como pode ser
observado na Tabela 7.1, e houve o reaproveitamento de parte da água, que passou a ser uti-
lizada na refrigeração dos equipamentos no processo de lavagem e de queima nas caldeiras.
80 Empresas na sociedade
Os níveis de efluentes admitidos variam de acordo com a legislação de cada país e seguem a
referência internacional de indicadores padrão, em que os indicadores mensuram a quantidade
de compostos por quilo seco ao ar. Segundo a empresa, os indicadores de efluentes encontram-se
abaixo dos limites estabelecidos pelo órgão ambiental estadual.
Ação social: Sob esse prisma observa-se que a Aracruz Celulose vem promovendo, siste-
maticamente, iniciativas na área social, especialmente educação e infraestrutura, apoiando
diversos projetos. A empresa investe recursos em projetos específicos que possam contribuir
para resultados autossustentáveis das comunidades beneficiadas, atuando em estreita parceria
com entidades de comprovada experiência em seus campos de atuação.
Ao se instalar no interior do estado, a Aracruz vem suprindo algumas de suas neces-
sidades de infraestrutura, realizando investimentos até 2000 no montante de US$ 125
milhões, não apenas construindo um bairro residencial, mas também oferecendo todos
os serviços necessários para atrair mão de obra qualificada e também oferecer condições
dignas de moradia, como educação, saúde, cultura e lazer. Entre 1989 e 2006, a Aracruz
gerou mais de US$ 4 bilhões de riquezas, sendo US$ 1.232,1 de impostos (Figura 7.9).
Além disso, a empresa patrocina diversos projetos sociais, a maioria em parcerias com
prefeituras, universidades e ONGs. Porém, há ainda uma percepção de que a empresa
não colabora suficientemente com o desenvolvimento local/regional, na visão de alguns
stakeholders.
que se refere à mensuração, seja das metas e dos objetivos a serem alcançados, seja de seus
resultados. Isso em um ponto de vista mais amplo, em que se queira quantificar o impacto da
gestão ambiental na marca propriamente dita. Claro que há sinalizadores concretos referentes
a esse tipo de gestão, em particular se forem abordados elementos como emissões, poluentes
e dioxinas, entre outros, mas, conceitualmente, uma indústria não pode se autodenominar
responsável em termos ambientais sem bases finais sólidas.
O mesmo se refere à comunicação, quando na realidade a grande mensuração se dá
através de pesquisas de imagem, sejam elas promovidas interna ou externamente, ou através
da medição de notícias veiculadas a respeito de uma empresa. Comparativamente, é muito
mais tangível a verificação contábil e financeira, ou ainda mercadológica e de produção, mas
o processo da marca em si é mais complexo. Trata-se, pois, de um ativo intangível, diante
das incessantes buscas por lucratividade tornam-se argumentos mais vulneráveis quando da
análise dos investimentos necessários.
Na Aracruz Celulose predominou, até fins da década de 1980, uma postura reativa diante
do processo de comunicação. Quando solicitada, a empresa respondia, porém era proativa
basicamente junto aos seus acionistas, até devido ao papel do BNDES, banco estatal em uma
época de ditadura, como um dos principais acionistas. Foi a partir da privatização e da conse-
quente entrada do Grupo Safra como um dos três principais acionistas que a empresa mudou
seu comportamento e, do ponto de vista do marketing, reposicionou-se. Esse fato talvez possa
ser explicado pela postura empresarial agressiva desse acionista, e também pelo fato de que
a empresa agora deixara de ter seu capital majoritário estatal para tornar-se privada. Até essa
época, era como se a empresa se limitasse a cumprir a legislação, fosse ambiental, financeira
ou social, e, de certa forma, ignorasse a importância de estabelecer um contato mais direto
com a comunidade local. Havia, por parte da população circunvizinha, um expressivo indício
de rejeição, constatado em pesquisa de imagem aplicada em 1991-1992.
O trabalho com marcas exige uma dinâmica de constantes mudanças, sendo prática
comum às empresas de grande porte promoverem pesquisas de imagem de marca e clima
organizacional a cada dois anos, podendo esse prazo ser ampliado ou reduzido mediante
algum fator exógeno relevante. O principal objetivo é avaliar como a empresa vem sendo
percebida pelos seus stakeholders e qual o distanciamento de seu posicionamento em relação
à sociedade e também de seus objetivos estratégicos. Isso permite corrigir os rumos dos
esforços de marketing e comunicação empreendidos até então, redirecionando, se necessário,
através de novas iniciativas/ações. Recomenda-se que a pesquisa seja tanto quantitativa como
qualitativa, de modo a melhor avaliar a consistência da imagem de marca.
A partir do final da década de 1980, os questionamentos por parte dos ambientalistas
levaram a Aracruz a ser menos reativa. Essa significante mudança de sua postura deveu-se
à conjuntura internacional, em que a variável ambiental tornara-se fator determinante para
a competitividade e a imagem das corporações diante dos stakeholders. O modelo de de-
senvolvimento adotado pela Aracruz suscitou um clima de ambiguidade, entre a atração e a
rejeição pelos diversos stakeholders, colocando à empresa o desafio de conviver com esses
conflitos sem ferir a ética nem fazer concessões que prejudicassem suas atividades, como
ilustra a Figura 7.10. Com isso, a Aracruz buscou uma maior interação entre comunicação
e suas ações ambientais. Além de investir em ações socioambientais e atingir resultados
de melhora, a empresa implementou toda uma estratégia de comunicação para gerenciar sua
imagem diante dos stakeholders. Essa estratégia objetivava informar os stakeholders sobre
suas ações ambientais e monitorar suas percepções.
82 Empresas na sociedade
Foram analisadas as pesquisas de imagem realizadas no período 1990 a 2001, sendo que
a Aracruz Celulose S. A. não mais dispunha dos resultados da pesquisa de 1995. Para esta
específica, foi utilizado o estudo feito por Gertner et al. (1999). A primeira pesquisa objeto
desse estudo foi promovida pela Marplan/SP, composta de etapas quantitativa e qualitativa.
As demais foram realizadas por um instituto de pesquisa capixaba, o Futura, sendo algumas
quantitativas e outras qualitativas. Embora sejam metodologias distintas, houve aspectos
que permitiram concluir fatos relativos ao andamento da percepção da imagem da marca
Aracruz no período observado. As pesquisas de imagem realizadas no período de 1992-1998
não pretenderam oferecer soluções imediatas, mas sim colaborar, apontando caminhos para a
comunicação institucional da empresa em seu estado sede. Elas foram importantes ferramen-
tas na formulação de estratégia da organização, validando a direção a ser seguida e ainda
facilitaram o diálogo com os stakeholders. Embora adotando metodologias distintas ao longo
dos anos, as pesquisas realizadas ofereceram alguns aspectos que permitem conclusões
comuns a todas, notadamente no relacionamento social da empresa; no manejo do meio
ambiente e na sua comunicação institucional. As diferentes metodologias no decorrer do
tempo indicaram um aprendizado com o passado e com o processo evolutivo natural a cada
nova pesquisa. Pontificaram novas abordagens e a necessidade de melhor compreender os
diferentes públicos, seus valores e inquietações.
Pode-se melhor visualizar na prática o modelo da Figura 7.10, aliando ação ambiental e
comunicação. Os principais aspectos levantados, cada qual à época assinalada, onde são ainda
observadas as lições de comunicação que podem contribuir para influenciar, positivamente,
a imagem da marca Aracruz Celulose S.A.
Sob o aspecto do desenvolvimento socioeconômico, o principal questionamento apontado
pelas pesquisas refere-se à postura de distanciamento da empresa no que diz respeito ao
relacionamento social que vem mantendo, considerada um pouco à margem da realidade
do Estado. A partir das ações de comunicação implantadas após o ano de 1993, houve uma
sensível melhora no relacionamento da empresa com a comunidade. Ainda assim, pelas con-
clusões da última pesquisa analisada (1998), verifica-se que a sua imagem, apesar de haver
melhorado significativamente, continua sendo percebida em um quadro de distanciamento.
As ações de comunicação e os recursos destinados aos diversos projetos sociais não têm
sido suficientes para reverter a percepção da imagem da Aracruz, por vezes negativa, no
Espírito Santo. Apesar das várias iniciativas implantadas, a lição que permanece é a da
necessidade de se investir de maneira contínua na comunicação transparente e sistemática
por parte da empresa, discutindo abertamente as questões relevantes que afetam ou poderão
afetar o cotidiano das comunidades do Espírito Santo. A promoção de audiências públicas,
independente de sua obrigatoriedade para a obtenção de licenças de operações, parece ser
um caminho recomendável na discussão e no enfrentamento dos assuntos mais relevantes.
Seguindo esse mesmo raciocínio, a promoção de fóruns de debates e seminários para re
presentantes de setores da sociedade, tidos como formadores e multiplicadores de opinião,
sobre os mais variados assuntos que integrem as preocupações levantadas por essas lideranças,
configura-se como uma direção condizente a ser perseguida.
Sob o ponto de vista ambiental, as pesquisas permitem concluir que houve sensível melho-
ra, nos últimos anos, nos esforços empreendidos pela empresa tanto na área industrial como
na florestal. Na primeira, pode-se destacar quatro elementos principais que foram levantados
como preocupações por parte dos formadores de opinião nas diversas pesquisas estudadas.
As questões relativas ao forte odor característico e ao uso do cloro foram positivamente
resolvidas, através de ações ambientais. Pôde ser constatado que a empresa modificou sua
postura diante do odor, modificando também o processo produtivo da celulose, com a subs-
tituição parcial do uso do cloro e a instalação de filtros mais modernos e eficazes. A própria
formação da Rede de Percepção de Odores permite avaliar positivamente a nova atitude, já
que a Aracruz forma um grupo de pessoas externas à empresa para monitorar a qualidade da
percepção do mau cheiro. Tem-se a impressão de que, ao longo do tempo, em se mantendo
baixos os níveis de odores, esse aspecto não será mais relevante para a comunidade.
Já a questão da poluição da água parece enfrentar a falta de conhecimento, por parte do
público pesquisado, dos esforços feitos para o monitoramento desse item – a empresa vinha
promovendo ações ambientais nessa área, inclusive apoiando grupos de pesquisas, mas sem
o reconhecimento do seu empenho, o que permite concluir que a comunicação não vem
obtendo a eficácia necessária. É o caso de tentar associar-se a essas marcas que gozam de cre-
dibilidade – instituto de pesquisas, ONGs – e fazer com que falem sobre a empresa de forma
independente. O fato de a empresa ser favoravelmente citada por terceiros permite fortalecer
sua imagem de marca e ainda contribuir com a isenção desses porta-vozes voluntários.
A área florestal vem enfrentando desafios mais críticos no que tange à visibilidade tanto
do eucalipto como das grandes extensões de terras. No primeiro caso, a empresa ainda não
consegue dar visibilidade positiva às plantações de eucalipto provando que são benéficas para
o desempenho econômico do estado e, em menor escala, do próprio país. O eucalipto ainda é
um mistério para grande parte da população e, segundo fonte entrevistada, o fator tempo pode
em muito contribuir para minimizar o impacto do “estrangeirismo” que essa árvore causa.
A imagem da empresa, entretanto, não pode esperar tanto tempo, cabendo então in-
crementar ainda mais ações práticas de comunicação. A Aracruz hoje distribui uma pu-
blicação chamada “O eucalipto, uma árvore amiga”, cujo conteúdo também consta de seu
site. Consideramos essa uma ação insuficiente para reverter o nível de desconhecimento
e questionamentos existentes nessa empresa.
Outro aspecto relevante é a mudança do foco da comunicação para a ênfase no aspecto
econômico e os benefícios sociais gerados. A própria Aracruz utilizou o viés ambiental
quando falou sobre a árvore em sua propaganda em 1993. Pelos mitos que cercam o eucalipto,
84 Empresas na sociedade
e dúvidas também, sugerimos que esse assunto seja tratado através da linguagem racional,
respaldada em dados e fatos, ao invés de se adotar o apelo emocional.
A crítica sobre as grandes extensões de terra necessárias ao plantio de eucaliptos per-
manece, embora pequenos agricultores, através do programa Fomento Florestal, passaram
a plantar eucaliptos com fins comerciais. Essa parceria ainda não foi suficiente para cessar
as críticas, sobretudo por parte dos formadores de opinião e das entidades envolvidas com a
questão agrária. Outras culturas agrícolas, como, por exemplo, as permanentes, ocupavam
mais de 15% das terras do Espírito Santo.
Parece que o eucalipto continua sendo o elemento que suscita fortes questionamentos,
embora a empresa mantenha reservas nativas e invista na recuperação da fauna e da flora
para o equilíbrio da biodiversidade.
Não basta que ela se orgulhe por dominar a melhor tecnologia e estar adiante do resto do
mundo em termos de produtividade por árvore de eucalipto. É preciso difundir melhor essas
iniciativas. A Aracruz continua empreendendo esforços para ampliar ainda mais a quantidade
de polpa celulósica por árvore, o que, a longo prazo, pode diminuir a pressão por mais ex-
tensão de terras. Entretanto, há um limite físico inclusive para essa questão, pois, por mais
celulose que uma árvore possa gerar, ainda assim são necessárias grandes extensões de terras
para suprir a produção da capacidade instalada da fábrica.
Sites interessantes
Accountability: www.accountability21.net
Aracruz Celulose: www.aracruz.com.br
Referências
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v. 8, n. 6, p. 187-216, dez. 2002.
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Journal of Business Ethics, v. 21, n. 1, ago. 1999.
Bibliografia recomendada
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socioambientais da Aracruz Celulose S.A. Ilhéus: Editus, 2003.
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University Press, 2010.
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California Management Review, v. 25, n. 3, p. 88-106, 1983.
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24, n. 2, p. 206-221, 1999.
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n. 4, p. 367-386.
Suchman, M.C. Managing legitimacy: strategic and instituional approachs. Academy of Management
Review, v. 20, n. 3, p. 571-610, 1995.
8 Mercado e responsabilidade social
empresarial
Objetivo
Estudar a relação entre comportamentos empresariais mais socialmente responsáveis,
gestão econômico-financeira das empresas e mercado.
1
Este capítulo teve como base trabalhos anteriores de que o autor participou (Puppim de Oliveira, 2002; e Puppim
de Oliveira e Domingues, 2002).
88 Empresas na sociedade
ambiental de empresas. Verificou-se que as ações das empresas mais socialmente respon-
sáveis eram bem mais valorizadas do que a média de outros índices tradicionais. Esses
índices mais recentes são aplicados em outras bolsas como a Bovespa em São Paulo.
Além do mais, já existem diversos fundos de investimento que priorizam os investimentos
em empresas ambiental ou socialmente responsáveis de acordo com critérios e redes de in-
formações criadas por eles. Esses fundos tem se tornado populares nos últimos anos e suas
ações já se tornaram globais.
A empresa
O grupo Tramontina contava com sete empresas localizadas na Serra Gaúcha, assim
distribuídas geograficamente e por unidade de negócios em 2000. Desde o início da
década de 1990, a empresa tinha introduzido uma série de medidas para gerenciar seus
aspectos ambientais. Muitas dessas medidas envolviam investimentos em equipamentos,
mudanças de processos, compra de terreno e treinamento de funcionários. A empresa
vinha implantando sistemas de tratamento de resíduos, efluentes e emissões com padrões
de qualidade superiores às determinações do órgão ambiental do Estado do Rio Grande do
Sul (Fundação Estadual de Proteção Ambiental - FEPAM). Além disso, a Cutelaria vinha
introduzindo tecnologias limpas e acompanhando os resultados através de um moderno
laboratório de controle. Diversas ações foram tomadas para melhorar a qualidade ambiental
na Tramontina Cutelaria, tais como:
• Gerenciamento dos resíduos sólidos, que será o foco do caso e será tratado com detalhes a seguir.
• Gerenciamento dos efluentes líquidos.
• Tratamento de emissões gasosas.
• Treinamento e educação ambiental.
• Auditorias ambientais.
• Responsabilidade social e ambiental.
O caso trata especificamente da questão do gerenciamento dos resíduos sólidos na unidade
de cutelaria de Carlos Barbosa (RS), mostrando que os investimentos feitos para a melhora
da qualidade ambiental tiveram retornos financeiros significantes.
retorno do capital investido, verificou-se que, no período de 1991 a 1999,2 a empresa obteve
uma Taxa Interna de Retorno (TIR) de aproximadamente 26%. Esse valor é superior ao
retorno esperado em muitos investimentos em setores tradicionais. Considerando-se uma
taxa de desconto de 12%, verificou-se que o Valor Presente Líquido (VPL) para o mesmo
período seria de US$ 536.171 (valores de 1991), eliminando quaisquer possibilidades de in-
certezas acerca do sucesso do projeto.
Esta análise do sucesso do investimento da empresa não deve ficar adstrita às variáveis
mensuráveis (custos e benefícios diretos), explanadas anteriormente, não podemos olvidar
os ganhos não mensuráveis, de natureza social e ambiental da região, bem como a segurança
da população circunvizinha que se beneficia com uma atividade industrial preocupada com
a conservação do meio ambiente. Além disso, há uma série de benefícios intangíveis para a
2
Escolhemos o limite como sendo 1999, devido à brusca variação do câmbio no início de 2000.
94 Empresas na sociedade
própria empresa que não foram incluídos, como retorno em melhoria da imagem institucional,
possibilidade de abertura de mercados ambientalmente sensíveis no Brasil e no exterior
e redução dos riscos de contaminação dos funcionários e das comunidades.
Sites interessantes
Instituto Akatu para o Consumo Sustentável: www.akatu.org.br
Tramontina: www.tramontina.com.br
Referências
Puppim de Oliveira, José Antônio. Entendendo as respostas empresariais aos desafios socioambientais
no Brasil: dois estudos de caso. Revista Portuguesa e Brasileira de Gestão, v. 1, n. 1, p. 56-67,
2002.
Puppim de Oliveira, José Antônio; Domingues, Josmar Borges. Testando o conceito de ecoeficiência.
Case Studies: Revista Brasileira de Management, v. 5, n. 32, p. 35-46, 2002.
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Bibliografia recomendada
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novation. Harvard Business Review, set. 2009.
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p. 120-134, set./out., 1995.
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of innovation and growth. Harvard Business Review, jan. 2011.
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& Society Review, v. 108, n. 1, p. 11-33, 2003.
9 Marketing e responsabilidade social
Objetivo
Estudar como as questões socioambientais estão relacionadas com a marca e marketing
das empresas.
Outra forma de diferenciação está na reputação favorável de uma marca, podendo servir
de indicador de procedência e garantia do que pode ser esperado do produto ou serviço em
questão. A marca é, ainda, uma vantagem competitiva quando registrada, já que não pode
ser, legalmente, copiada.
A vantagem competitiva também pode ser criada através da comunicação, quando as ferra-
mentas são utilizadas com eficiência para construir uma reputação positiva. O posicionamento
da marca, usado como diferencial de comunicação, garante a memorização do produto pelos
consumidores, e envolve aspectos emocionais ligados a ele e aos serviços. A marca líder na
memória dos consumidores desfruta de mais negócios, se comparada à segunda marca líder,
e assim sucessivamente. O fato de uma marca ser líder por muitos anos torna sua identidade
mais forte. Pode-se constatar que há várias formas de se criar vantagens competitivas,
e uma marca forte é aquela que consegue ser facilmente reconhecida e identificada por sua
identidade, sua essência e seus valores.
Em suma, entre as principais vantagens competitivas na diferenciação de uma empresa
pode-se citar: a diferenciação de produtos, quanto mais exclusivos e difíceis de serem
copiados, melhor; uma definição clara dos stakeholders envolvidos, de modo que a empresa
possa direcionar esforços claramente dirigidos a esses públicos-alvo; fortes vínculos com
os clientes, em que o serviço diferenciado agrega valor ao produto; e a própria reputação
e a imagem de marca da empresa, em que a credibilidade percebida está respaldada em
resultados e ações concretas e tangíveis em todas as outras frentes do marketing. A sinergia
entre esses fatores colabora para que a busca por outros fornecedores seja improvável.
Afinal, apesar das inovações tecnológicas e rápidas mudanças de mercado, o cliente precisa
sentir-se seguro e confiante com seus fornecedores, e uma imagem e reputação favoráveis
configuram-se entre os principais ativos de uma organização.
Pode-se constatar que, para se criar um diferencial competitivo que possibilite agregar
valor à marca, é preciso perceber a informação como um ativo e desafio à organização.
Um ativo, pois no livre mercado cada empresa busca suplantar sua concorrente, tratando-a
praticamente como rival. Sendo assim, as empresas vão à busca pela compreensão de quais
são seus pontos fortes e fracos, comparando-os com os dos seus competidores, de modo a
vislumbrar as oportunidades de negócios e os diferenciais. Percebe-se que a estratégia de
marketing está centrada em um conjunto de informações a respeito do mercado, dos clientes
e da concorrência. Trata-se de um desafio, pois consideramos a comunicação como uma
informação tratada de modo estratégico, em que a inteligência aplicada ao uso que será dado
a essa informação é que determinará a garantia de torná-la uma vantagem competitiva que
agregue valor à marca.
Muitos produtos ou empresas com propostas mais socialmente responsáveis falham em sua
estratégia de marketing. O produto ou a empresa pode ser excelente, mas se não houver uma
boa distribuição, um preço compatível e uma boa promoção, as chances de não lograr bons
resultados é grande. Inicialmente, o produto e a empresa têm de ter características claras de
sua diferença diante de outros produtos ou empresas similares. Igualmente importante é que
não basta ser mais social ou ambientalmente responsável e pecar nas outras características,
como baixa qualidade em outros aspectos e baixa durabilidade. Por exemplo, uma empresa
americana que criou um sapato alternativo com borracha reciclada não conseguiu uma boa
qualidade no acabamento. Logo, os sapatos descolavam. Com isso, o esforço de inovação
foi em vão, pois perdeu clientes.
Além disso, o produto tem de ser encontrado facilmente e ter uma boa distribuição ou praça.
Se o consumidor tem uma intenção de compra mais responsável, mas há dificuldade para que
o produto chegue às prateleiras de seu supermercado mais próximo, ou diretamente à sua
casa, essa intenção de compra pode não se concretizar. Também é importante a regularidade
e confiabilidade de entrega. O produto tem de estar sempre na prateleira, não pode somente
aparecer de vez em quando. Um diretor de compras de um supermercado do Rio de Janeiro,
que comprava produtos orgânicos, se queixou, em um evento do qual participou, de que um
dos grandes problemas é a falta de confiabilidade na entrega dos produtos orgânicos. Muitas
vezes o produto não chegava, ou chegava com uma qualidade sofrível. A prateleira dos
produtos orgânicos ficava vazia, tornando-se um custo para o supermercado (outros produtos
poderiam estar ali).
Marketing e responsabilidade social 99
A mesma forma de se pensar o marketing pode ser aplicada ao preço dos produtos social-
mente mais responsáveis. Os preços desses produtos socialmente responsáveis têm de ser
compatíveis com as suas características, com seus similares e substitutos, senão correm o
risco de suas vendas ficarem aquém do sustentável em termos financeiros. Geralmente, apenas
os mercados de nicho pagam muito mais caro por um produto socialmente responsável que
tenha as mesmas características (exceto pelo fator ligado à RSC) que um produto padrão.
O sucesso de produtos como o filtro de café com papel marrom (sem branqueamento, mais
ambientalmente responsável) se deve ao seu preço similar ou até mais baixo, se comparado
ao filtro com papel branco.
Uma estratégia é focar em produtos de nicho ou agregar outros fatores para compensar o
preço, como uma melhor qualidade. Por exemplo, móveis de madeira certificada, mais cara
que a tradicional, são utilizados por empresas ou em produtos de alto padrão de qualidade
ou sofisticação, com um custo naturalmente mais alto. Assim, o preço da madeira pode ser
amortizado e não vai pesar tanto no produto final.
A promoção é o último P do marketing que deve ser levado em consideração. O produto
deve ser divulgado com transparência em relação a suas características e às da empresa. Uma
certificação reconhecida ajuda na promoção do produto, já que facilitará ao consumidor fazer
sua intenção de compra com segurança. Porém, um dos grandes problemas de muitos países,
incluindo o Brasil, é a falta de informação dos consumidores, especialmente a familiaridade
sobre as certificações. Poucos conhecem as mais importantes que poderiam subsidiar uma
decisão de compra.
Os quatro Ps do marketing tradicional são uma referência para que o produtor ou a
empresa busquem colocar o produto no mercado. Porém, por outro lado, os consumidores
e supermercados que trabalham com produtos social ou ambientalmente responsáveis têm
de levar em conta as dificuldades encontradas na fabricação ou no gerenciamento de empresas
mais socialmente responsáveis. Muitas vezes, os problemas com a qualidade do produto
existirão, mas há que se tentar ajudar a aperfeiçoar o produto. O mesmo com o distribuidor
final, como o supermercado. Às vezes, pode acontecer de não chegar a carga de reposição do
produto. É necessário buscar uma solução em conjunto com o produtor, ou até mesmo uma
maior diversificação de fornecedores para evitar que falte o produto. Entretanto, é importante
reforçar que para que haja inserção nos mercados tradicionais (mainstream), o processo de
adequação aos quatro Ps tem de sempre buscar uma melhoria contínua para que no futuro o
produto tenha viabilidade econômica, além da responsabilidade social.
Natura
A Natura foi criada em 1969 e é uma das líderes no mercado de cosméticos. A partir da
década de 1990, a empresa passou a reforçar seu vínculo com questões socioambientais.
Define sua missão como “contribuir de forma inovadora e significativa para a conquista
de uma sociedade mais justa e solidária, promovendo ações de fortalecimento ao cidadão
como agente de transformação social”. A Natura é uma empresa de referência em tópicos
ligados à responsabilidade social no Brasil. As principais causas de apoio são o uso susten-
tável da biodiversidade brasileira, combate ao estereótipo da mulher e vínculo entre mãe
e filho. Ela está presente em quase todos os municípios brasileiros, além de sete países da
América Latina e França. Sua distribuição é basicamente por venda direta, contando com
1, 2 milhões de consultores. O crescimento tem sido grande nos últimos anos, tendo uma
receita bruta de mais de R$ 6 bilhões. A empresa trabalha com comércio direto com as
comunidades, sendo a primeira empresa brasileira a firmar contratos de remuneração do
conhecimento tradicional difuso com as comunidades. A Natura tenta associar sua marca
e algumas linhas de produtos a questões socioambientais. Uma das suas características é
o alto nível de investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), por volta de 2,8%
de suas receita líquida, que gera um constante desenvolvimento de novos produtos com
qualidade.
O Boticário
A loja O Boticário foi fundada em 1977 como uma farmácia de manipulação em Curitiba para
se tornar a maior rede de franquias do país e a maior do mundo no setor. Em 2012 possuía
3.200 lojas no Brasil e estava presente em 24 países, incluindo Estados Unidos, Portugal,
Japão, Bolívia, Paraguai e Peru. A empresa busca ter uma forte atuação ambiental e social,
tendo o compromisso de investir 1% de sua receita líquida em investimento social. Além
disso, tem forte atuação na área de conservação ambiental através da Fundação O Boticário
de Preservação da Natureza. O Boticário utiliza a natureza e ações sociais em sua propaganda,
como se pode ver em suas lojas.
As três empresas utilizam as questões socioambientais em suas estratégias de negócio,
tentando conectar sua marca e produtos às causas socioambientais. Há então uma receita para
ter sucesso com isso? As questões socioambientais têm sua importância nos negócios dessas
empresas, mas seu êxito não está explicado somente no trato das questões socioambientais.
Parece que o sucesso delas se deve também, ou principalmente, a outros aspectos do negócio,
olhando para os quatro Ps. Elas não têm estratégias iguais nos quatro Ps e nas suas ações
na área socioambiental, o que mostra que existem várias maneiras de se conseguir sucesso
empresarial. Primeiro, elas são empresas inovadoras na utilização de elementos naturais em
seus produtos, que têm excelente qualidade, fator bastante valorizado pelo público. Investem
em pesquisa e desenvolvimento de produtos com esse tipo de elementos. Segundo, todas têm
excelentes canais de distribuição, sejam por lojas, franquias ou venda direta por consultoras.
Terceiro, apesar de terem um preço relativamente acima da média, elas conseguiram produtos
valorizados por outros aspectos (por exemplo, alta qualidade) e marcas consolidadas. Ou
seja, o consumidor paga mais, principalmente, pelo produto, e não porque elas fazem ações
de responsabilidade social. Finalmente, elas conseguem utilizar as questões socioambientais
102 Empresas na sociedade
na promoção do produto e da marca, de forma a trazer benefícios de uma imagem com credi-
bilidade. As causas são muitas vezes direcionadas ao público-alvo do mercado, mulheres, que
são sensíveis a questões como autoestima e o vínculo entre mãe e filho. Assim, o sucesso com
mais responsabilidade social pode ser alcançado de diversas formas. Um ponto é importante:
as ações ligadas à responsabilidade social não são tudo para o êxito nos negócios. É preciso
ter êxito nas outras esferas do negócio (marketing, P&D, finanças etc.).
tem relação com o consumo nas grandes cidades. O mesmo pode-se dizer dos gases que
provocam o efeito estufa (veja Capítulo 15). Por exemplo, em Tóquio, pela primeira vez
seus cidadãos comem mais carne bovina do que peixe, devido a mudanças no padrão
de consumo e também pela pesca excessiva de algumas espécies. Esse comportamento
produz um grande impacto no meio ambiente, uma vez que são gerados mais gases para
produzir um quilo de carne bovina do que um quilo de peixe (Gadda e Marcotulio, 2007).
Também o consumo de carne vermelha leva a expansão da fronteira agropecuária. A pro-
dução de animais ameaça vários locais de alta biodiversidade em várias partes do mundo
(FAO, 2006).
As empresas e a sociedade são responsáveis pelo crescente consumo, porém as empresas
têm um papel fundamental na conscientização do consumidor, pois são elas que bombardeiam
a mídia diariamente com propagandas que ativam o desejo de consumir. Muitas vezes elas
somente promovem produtos supérfluos, desnecessários. Também há o consumo exagerado
dos materiais utilizados na confecção das embalagens que, após seu uso, não tem um descarte
correto e são jogadas na lata do lixo.
A solução para o problema não é fácil. Reduzindo o consumo, a economia pode sofrer
mudanças com menor oferta de trabalho, queda na renda per capita, e mais desemprego.
Por outro lado, o aumento do consumo provoca impactos no meio ambiente. Deve, portanto
existir um consenso entre o consumir consciente e os métodos de produção industrial, para
que seja possível um equilíbrio entre o meio ambiente e a qualidade de vida.
3. Como as empresas podem promover a redução do consumo de seus próprios produtos sem fechar
as portas?
4. Consumo zero é possível?
Sites interessantes
Instituto Akatu para o Consumo Sustentável: www.akatu.org.br
Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC): www.idec.org.br
Natura: www.natura.com.br
O Boticário: www.oboticario.com.br
The Body Shop: www.thebodyshopinternational.com
Referências
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options. Roma: FAO. Disponível em: < http://www.fao.org/docrep/010/a0701e/a0701e00.htm >.
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Gadda, T.; Marcotullio, P. The influence on Tokyo’s post-war marine seafood consumption patterns.
UNU-IAS Working Paper, UNU-IAS, Yokohama, n. 145, UNU-IAS, 2007. Disponível em: < http://
www.ias.unu.edu/resource_centre/145%20Tatiana%20Gadda%20and%20Peter%20Marcotullio.
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Puppim de Oliveira, José Antônio; Waissman, Vera. Integrando ação e comunicação para uma estratégia
de marketing ambiental: o caso Aracruz Celulose. Revista Eletrônica de Administração – READ,
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Bibliografia recomendada
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Ottman, Jacquelyn A. Marketing verde: desafios e oportunidades para a nova era do Marketing. São
Paulo: Makron Books, 1994.
Polonsky, Michael; Mintu-Wimsatt, Alma T. (org.). Environmental marketing. Nova York: The
Hawthorne Press Inc., 1995.
10 Globalização e Pacto Global
Objetivos
Entender o processo de globalização, a inserção das empresas e sociedades nesse
processo, apresentar o pacto global e as metas do milênio.
10.1 Introdução1
Nas últimas décadas, temos visto um acelerado processo de globalização, aqui definida
como um maior fluxo de informação, capital, bens e pessoas entre as fronteiras dos países.
Ao mesmo tempo, como vimos no Capítulo 1, as empresas também cresceram de tamanho
e capilaridade, ao ponto em que várias delas atuem em centenas de países. Existem mais
de 63 mil empresas multinacionais (Chanda, 2003), produzem 25% do PIB mundial. As mil
maiores multinacionais produziam 80% dos produtos industrializados em 2000. Elas também
têm se diversificado de nacionalidade. Em 1960, 60% das 500 maiores multinacionais eram
norte-americanas, em 2000, esse número havia caído para 36%, em 2011 era somente 26,6%
(Fortune, 2011). A tendência é que cada vez mais surjam multinacionais com sede nos países
em desenvolvimento como China, Brasil e Índia. A China já conta com 61 empresas (12,2%)
entre as 500 maiores do mundo.
Com o crescimento das multinacionais, aumentou também seu poder político e a sua
flexibilidade. Podem produzir onde quiserem, muitas vezes aproveitando os baixos padrões
ambientais e trabalhistas de alguns países para diminuir custos de produção. Assim, com a
maior competição entre os países para atraí-las, elas ganharam poder de barganha, e acabam
negociando incentivos fiscais e outros benefícios com países ou regiões para se instalarem.
Por outro lado, elas também podem trazer investimentos, renda e tecnologia para países
em desenvolvimento, e podem também ser uma força de desenvolvimento econômico. Assim,
como fazer com que as multinacionais tragam benefícios e não, problemas?
Nenhum país sozinho pode controlar algumas das grandes multinacionais. Ao mesmo
tempo, não existe uma organização com poder de criar e fiscalizar “leis globais”, parecidas
com as quais um país soberano faz. As regulações políticas via protestos ou monitoramento
das multinacionais existem. Algumas ONGs se especializaram nesse monitoramento, como a
Corporate Watch e Multinacional Monitor. Porém, apesar de aumentarem a fiscalização sobre
as multinacionais, seu efeito é bastante limitado dada a atuação dessas empresas.
Algumas das próprias empresas multinacionais têm interesse em que haja mecanismos
regulatórios. As empresas mais socialmente responsáveis ou aquelas com monitoramento
mais estrito em seus países de origem (como países europeus) se sentem ameaçadas por
empresas multinacionais de outros países e, eventualmente, com pouca responsabilidade
social.
1
Este capítulo é baseado em trabalhos anteriores dos quais o autor participou (Puppim de Oliveira et al., 2007) junto
com a turma de mestrado do ISAE/EBAPE-FGV de 2007.
106 Empresas na sociedade
Assim, apesar de não haver leis globais, existem algumas iniciativas para tornarem as
empresas mais socialmente responsáveis, ou através de mecanismos voluntários, para tentar
trazer seu poder econômico para resolver questões globais, ou através de regulação de redes.
Neste capítulo analisaremos duas das mais importantes dessas iniciativas: o Pacto Global
e as Diretrizes da OECD para Multinacionais.
b. Reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população sem acesso permanente e sustentável
à água potável segura.
c. Até 2020, alcançar uma melhora significativa nas vidas de pelo menos 100 milhões de habitantes
de bairros degradados.
8. Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.
a. Avançar no desenvolvimento de um sistema comercial e financeiro aberto, que se baseie em
regras, previsível e não discriminatório.
b. Atender às necessidades especiais dos países menos desenvolvidos. Atender às necessidades
especiais dos países sem acesso ao mar e dos pequenos Estados insulares em desenvolvimento.
c. Tratar globalmente o problema da dívida dos países em desenvolvimento, mediante medidas
nacionais e internacionais de modo a tornar a sua dívida sustentável a longo prazo.
d. Em cooperação com os países em desenvolvimento, formular e executar estratégias que permitam
que os jovens obtenham um trabalho digno e produtivo.
e. Em cooperação com as empresas farmacêuticas, proporcionar o acesso a medicamentos essen-
ciais a preços acessíveis, nos países em vias de desenvolvimento; em cooperação com o setor
privado, tornar acessíveis os benefícios das novas tecnologias, em especial das tecnologias
de informação e de comunicações.
Princípios de Proteção Ambiental, baseados na declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente
e Desenvolvimento
O Pacto Global (PG) é um fórum aberto, acessível, que procura atender à participação de
um diversificado grupo de empresas e organizações. No Brasil, o Pacto Global é composto
por duas instâncias principais: a Rede Brasileira do PG e o Comitê Brasileiro do Pacto
Global (CBPG). As empresas brasileiras signatárias dessa organização passam a fazer parte
de uma rede nacional, que terá uma série de atividades ao longo do ano. O Comitê Brasileiro
do PG é um grupo menor, representativo de organizações e empresas, que deverá orientar,
facilitar e encorajar as empresas signatárias e outras partes interessadas a fazer parte do PG
e desenvolver programas relacionados aos dez princípios. Entre suas atribuições, o Comitê,
sempre em sintonia com a Rede, define a agenda anual do PG no Brasil. Os membros do
Comitê nomeiam um presidente com mandato de dois anos. A Secretaria Executiva do PG no
Brasil é responsabilidade do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
“Ponto Focal” do PG no Brasil.
Ainda no Brasil, os objetivos definidos para o Comitê são os de massificar seus princípios
no país; ampliar a adesão de empresas e organizações brasileiras; apoiar as empresas na
implantação dos princípios; promover a troca de experiências e aprendizado dos princípios
do PG; exercitar as funções de articulador internacional com as demais redes do PG e com
o escritório em Nova York; promover o vínculo entre os princípios do PG e os objetivos
de Desenvolvimento do Milênio, assim como assessorar o presidente do CBPG.
As signatárias do Pacto Global podem participar dos diálogos de políticas,3 das redes
locais,4 dos fóruns de aprendizagem5 e também de projetos em parceria6 com a ONU.
Como claramente exposto no Manual do Pacto Global, o “Global Compact não é uma
agência tradicional das Nações Unidas, mas uma rede que existe para promover uma ini-
ciativa”. Por essa postura mais liberal, não reguladora, que busca criar a conscientização
do mundo corporativo, “o Global Compact entrou em território não regulamentado”, resul-
tando em críticas daqueles que gostariam que o mesmo tivesse “garras mais afiadas” através
do “monitoramento e da inspeção” (Rede Brasileira do Pacto Global, 2012).
De acordo com o Pacto Global, as empresas, o grupo de empresas e/ou as outras organiza-
ções participam da rede de forma voluntária, e para isso terão de:
“1. Um compromisso de implantação gradual dos dez princípios. Espera-se que os signatários realizem
uma série de mudanças em suas atividades, de forma que o Pacto Global e seus princípios façam
parte de sua estratégia, sua cultura e suas atividades diárias.
3
Todos os anos, o Pacto Global convoca reuniões de tomada de decisões, com ênfase em questões específicas
relacionadas à globalização e à cidadania empresarial. As reuniões articulam as empresas com as agências das
Nações Unidas, as organizações do trabalho, as organizações não governamentais e outros grupos, no sentido
de produzir soluções para os problemas contemporâneos. As questões abordadas já incluíram, no passado, temas
tais como “O papel do Setor Privado em Zonas de Conflito”, e “Negócios e Desenvolvimento Sustentável”.
4
O Pacto Global encoraja a criação de comitês e redes no país, ou na região. Tais redes são estabelecidas para apoiar
a implementação dos dez princípios; conduzir trocas de experiências e informações; congregar diálogos locais/
regionais em questões da globalização; realizar projetos em parceria; e recrutar novas empresas signatárias. O
Escritório do Pacto Global e o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) facilitam e apoiam
o processo de formação dessas redes locais.
5
As empresas são convidadas a compartilhar exemplos de boas práticas empresariais no portal do Pacto Global na
internet. Além disso, os participantes são encorajados a desenvolver estudos e análises de casos detalhados e a
utilizar tais casos para as atividades de aprendizagem nos mundos empresarial e acadêmico. Eventos de apren
dizagem locais, regionais e nacionais apoiam o compartilhamento do conhecimento.
6
O Pacto Global encoraja as empresas a participar de forma conjunta em projetos com as agências das Nações
Unidas e organizações da sociedade civil alinhadas com os objetivos de desenvolvimento das Nações Unidas.
Globalização e Pacto Global 109
7
Levantamento feito pelos alunos de mestrado do ISAE-FGV de Curitiba, 2007.
Globalização e Pacto Global 111
1 Não faz qualquer menção ao Pacto Global (seja no site ou via COP).
2 Divulga relatório de acompanhamento (COP).
3 Divulga na página da internet da empresa dados que permitam avaliar
o seu desempenho em relação aos princípios do Pacto Global.
4 Divulga relatório de acompanhamento (COP) e divulga na página da
internet da empresa dados que permitam avaliar o seu desempenho em
relação aos princípios do Pacto Global.
empresas foram avaliadas e classificadas de acordo com o grau de divulgação dado ao Pacto
Global. Para isso foi adotada a escala na Tabela 10.1.
A pesquisa revelou que 40% dessas empresas não fazem qualquer menção à sua condição
de signatária ao Pacto Global ou mesmo qualquer citação ao Pacto Global em sua página
corporativa na internet. Uma delas, aliás, sequer possui site próprio na internet.
Das empresas pesquisadas, no entanto, 60% possui relatório de acompanhamento de pro-
gresso (COP) disponível na página do Global Compact e dessas, todas encaminharam
relatórios relativos ao ano de 2006.
Apenas uma das dez empresas está classificada em grau “4”; pois, divulga os dez prin-
cípios do Pacto Global no site na internet e apresenta dados suficientes para avaliar o seu
desempenho em relação aos dez princípios.
Considerando esses resultados apontados, percebemos que muitas empresas não divulgam
suas ações de responsabilidade social de forma explícita e clara. Algumas possuem programas
e ações sociais junto aos funcionários e comunidades, cuja característica é predominante-
mente social, mas deixam de relacionar essas ações com os princípios do Pacto Global.
Embora a maioria das empresas tenha conhecimento da importância do Pacto Global, o
que levou ao engajamento, poucas procuram estabelecer metas e compromissos anuais com
resultados tangíveis e ações determinadas. Verificamos também que a grande maioria das
empresas apresenta muitas informações relacionadas com atividades sociais, porém com
baixa utilização de indicadores.
Ao pesquisar, no site da Organização das Nações Unidas, o relatório Communication
Progress (COP), em que as empresas signatárias deveriam anualmente divulgar os progressos
de suas ações de responsabilidade socioambiental, fomos surpreendidos pela quase total
inexistência de relatórios estruturados conforme previsto pelo PG. Encontramos, em alguns
casos, simples relatos das ações pontuais, sem objetivos ou resultados mensuráveis.
Por outro lado, não há qualquer diretriz ou conjunto de pré-requisitos definidos pelas
Nações Unidas que orientem as empresas para a elaboração do relatório de acompanhamento
de progresso (COP), especialmente em relação ao conteúdo mínimo necessário, ao padrão, à
periodicidade e à qualidade das informações, o que faz com que, na maioria dos casos, não
haja qualquer condição para o estabelecimento de referenciais comparativos entre organi-
zações signatárias. Em pelo menos um dos casos pesquisados, o relatório COP limita-se a
apenas uma carta assinada pelo presidente da organização em questão.
Ainda existe muito a ser feito e estruturado nessas empresas, principalmente no sentido de
estabelecer ou, se forem existentes, divulgar as metas e ações de curto, médio e longo prazos.
112 Empresas na sociedade
Além das leis locais, as empresas devem levar em consideração esses princípios e a opinião
das partes legitimamente interessadas em suas operações. Cada país partidário tem um Ponto
de Contato Nacional (PCN) que é responsável pela implementação das diretrizes no país.
No Brasil, esse ponto fica no Ministério da Fazenda. As denúncias de quebra dos princípios
podem ser feitas ao PCN por quaisquer das partes interessadas, como sindicatos e ONGs.
O órgão notifica a empresa para tentar uma solução e pode articular outros PCNs (como o
do país da sede da empresa). A empresa tem de responder à denúncia, sob pena de ser
responsabilizada nos países envolvidos.
Theun 2 na Tailândia. A ONG alegava desrespeito aos direitos humanos, entre outras irregu-
laridades. Baseado em informações coletadas por ONGs e por promotores e financiadores do
projeto, incluindo o Banco Mundial, o PCN francês concluiu que não havia inobservância dos
princípios da OCDE. A EDF se comprometeu a ir além dos princípios. De qualquer forma,
o PCN seguiu de perto os desdobramentos do projeto.
Perguntas
Será que as empresas do caso anterior perdem competitividade?
Globalização e Pacto Global 115
Sites interessantes
Corporate Watch: www.corpwatch.org
Metas de Desenvolvimento do Milênio: www.unmillenniumproject.org
Multinational Monitor: www.multinationalmonitor.org
OCDE: www.ocde.org
Pacto Global Brasil: www.pactoglobal.org.br
Pacto Global Mundo: www.globalcompact.org
Ponto de Contato no Brasil para as Diretrizes da OCDE: www.fazenda.gov.br/sain/pcnmulti/novo.asp
Rede Puentes de Responsabilidade Social: www.redpuentes.org
Transparência Internacional: www.transparency.org
Referências
Chanda, Nayan (2003). Yale Global Online. Disponível em: < yaleglobal.yale.edu/about/globalinc.
jsp >. Acesso em: 30 jan. 2012.
Manual do Pacto Global. Entendimento prático da visão e dos princípios. Documentos essenciais.
Disponível em: < www.pactoglobal.org.br >. Acesso em: 5 jun. 2007.
Ponto de Contato Nacional (PCN) para as Diretrizes da OCDE para Multinacionais (2007). Disponível
em: < www.fazenda.gov.br/sain/pcnmulti/novo.asp >. Acesso em: 30 jan. 2012.
Puppim de Oliveira, José Antonio et al. A implementação do Pacto Global pelas empresas do Paraná.
In: ENGEMA, IX, 2007, Curitiba. Anais... Curitiba, nov. 2007. p. 19-21.
Bibliografia recomendada
Cockcroft, Laurence. Implementation of the OECD Convention: the conditions of success. Transparency
international. Working Papers.
Fritsch, Stefan. The UN Global Compact and the global governance of corporate social responsibility.
Global Society, v. 22, n. 1, jan. 2008.
Ruggie, John Gerard. The theory and practice of learning networks: corporate social responsibility and
the global compact. Journal of Corporate Citizenship, n. 5.
11 Normas e certificação
Objetivos
Entender a importância da certificação e familiarizar-se com as principais certificações
na área socioambiental.
Figura 11.2 Modelo de performance social corporativa proposto por Carroll (1979).
Figura 11.3 O tripé da performance de John Elkington (triple bottom line - TBL).
Normas e certificação 119
No Brasil, temos os indicadores Ethos. O Instituto Ethos desenvolveu uma série de in-
dicadores para avaliar a responsabilidade social das empresas. Esses indicadores estão
divididos em sete dimensões:
1. Valores, transparência e governança;
2. Público interno;
3. Meio ambiente;
4. Fornecedores;
5. Consumidores e clientes;
6. Comunidade;
7. Governo e sociedade.
Cada dimensão conta com uma série de perguntas que servem para balizar as ações
corporativas diante de um benchmarking formado por um grupo de empresas. Dessa forma,
uma empresa pode saber em que nível está em relação a outras empresas.
Os indicadores são importantes para qualquer sistema de certificação. Boa parte dela se
concentra na checagem de uma série de indicadores, tanto de gestão como de desempenho.
11.2 Normas e certificações
Na área socioambiental, vem se desenvolvendo nos últimos anos um grande número de nor-
mas e certificações relativas a diversos fatores, como ambientais, gestão com stakeholders
e local de trabalho. Hoje, quando vamos ao supermercado e olhamos alguns produtos, vemos
diversos selos indicando uma ou mais certificações. Mas o que é uma certificação?
Norma é um documento emitido por uma organização para estabelecimento de diretrizes,
regras e padrões para processos ou produtos. Algumas normas podem gerar certificações,
como a ISO14001 ou a SA8000.
A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) define a certificação como “um
conjunto de atividades desenvolvidas por um organismo independente da relação comercial
com o objetivo de atestar publicamente, por escrito, que determinado produto, processo ou
serviço está em conformidade com os requisitos especificados” (www.abnt.org.br).
As certificações são criadas por organizações governamentais e não governamentais.
O valor de uma certificação vai depender da credibilidade do organismo que a emite
e de como o processo de certificação é feito. Se esta perder a credibilidade porque o
organismo que a emitiu não é confiável ou o processo de certificação é suspeito, perderá
também seu valor.
A certificação desempenha vários papéis importantes no mercado e na sociedade moderna.
Um deles é ajudar a homogeneizar determinados padrões nacionais e internacionais. Isso
pode facilitar o comércio entre os países, pois se os produtos de um grupo de países seguem
os mesmos padrões, não haverá barreiras técnicas que impeçam sua comercialização naquele
grupo. Por outro lado, muitos países adotam seus próprios padrões para dificultar o comércio e,
assim, proteger-se do mercado externo de produtos. Um exemplo típico são os padrões de
televisão, que variam muito de país para país, dificultando o comércio de televisores.
A certificação também pode ser uma garantia de que o produto tem padrões determinados,
garantindo sua qualidade ou adaptação a determinado uso, como, por exemplo, a voltagem
de um aparelho elétrico.
120 Empresas na sociedade
1
Accountability não tem uma tradução consolidada para o português. Seria uma espécie de responsabilidade ins-
titucional.
Normas e certificação 123
Certificações florestais
Uma das áreas de certificação que mais vem crescendo é a florestal, devido à importância que
as florestas vêm ganhando nos debates globais (como biodiversidade e efeito estufa) e com o
desmatamento descontrolado em muitos países. O objetivo é certificar a madeira, garantindo que
sua origem é sustentável. Os selos são utilizados nos produtos, propiciando ao consumidor a
escolha de um produto mais responsável ambientalmente. Já existem algumas centenas de milhões
de hectares de florestas certificadas pelos principais esquemas de certificação (FSC e PEFC).
CERFLOR/PEFC
O Programa Brasileiro de Certificação Florestal (CERFLOR) foi criado pela iniciativa da
Sociedade Brasileira de Silvicultura (SBS), que congrega as principais empresas ligadas ao
setor florestal no Brasil, em parceria com outras organizações de pesquisa e ensino, empresas,
organizações não governamentais e órgãos do governo.
O CERFLOR foi desenvolvido dentro do SINMETRO (Sistema Nacional de Metrologia,
Normalização e Qualidade Industrial), cujo órgão executivo é o INMETRO (Instituto Nacional
de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial). A ABNT foi responsável pela elabo-
ração das normas técnicas que estabeleceriam os padrões para certificação.
Em 2005, o CERFLOR foi reconhecido pelo PECF (Program for the Endorsement of
Forest Certification), que é uma organização independente englobando uma rede que abrange
todo o processo de certificação em mais de 30 países.
Mais informações:
INMETRO/CERFLOR: www.inmetro.gov.br/qualidade/cerflor.asp
SBS: www.sbs.org.br
PEFC: www.pefc.org
ISO
A ISO ou Organização Internacional para Padronização (International Organization for
Standardization) é a mais conhecida organização internacional que trata de padronização.
Funciona como uma espécie de guarda-chuva das organizações de padronização nacionais,
contando com mais de 150 membros. A ABNT é a única representante do Brasil da organi-
zação, que transforma as normas ISO em equivalentes nacionais NBR.
Suas normas têm impacto importante no estabelecimento de padrões mundiais. A ISO cria
normas para homogeneizar padrões entre países, englobando desde o sistema internacional
de identificação de livros (ISBN), as normas de gestão da qualidade (série ISO9000), as
normas de gestão ambiental (série ISO14000), e, mais recentemente, o estabelecimento da
norma de responsabilidade social (ISO26000).
Mais detalhes: www.iso.org
de gestão) para alcançá-los. Para se adequar à norma, a organização deve ter os seguintes
elementos: políticas ambientais, planejamento, implementação e operação, ações corretivas
e revisão. No mundo, já existem milhares de empresas com certificações ISO.
ISO 26000
Em 2010, foi estabelecida uma norma ISO para responsabilidade social, a ISO 26000,
depois de um processo de discussão que envolveu mais de 450 especialistas de 99 países.
O processo de elaboração da norma tem sido inovador, com a participação de diversos
segmentos da sociedade, representando os principais stakeholders relacionados a uma
norma como essa, como empresas, trabalhadores, ONGs e governos. No Brasil a liderança
se concentrou na ABNT.
A ideia é criar uma “linguagem” comum no campo da responsabilidade social, utilizando
as mesmas terminologias e diretrizes para ações de responsabilidade social, gestão com
stakeholders e geração de relatórios de RSE. A norma tem sete princípios fundamentais:
governança, direitos humanos, práticas trabalhistas, meio ambiente, práticas operacionais
justas (anticorrupção, competição, etc.), consumidor e comunidade.
Como a norma ISO14001, deve servir a qualquer tipo de organização, incluindo aquelas
que não sejam empresas (prefeituras, ONGs etc.). A tendência é enfatizar os resultados do
desempenho da organização. No processo de construção da ISO26000, busca-se aproveitar
os princípios de todos os padrões e normas já estabelecidos, como a SA 8000, AA1000, o
Pacto Global e o GRI (Global Reporting Initiative). Porém, diferentemente das ISO14001
e ISO9001, a ISO126000 não é certificável.
Mais detalhes: www.iso.org/sr.
Com vendas anuais de US$ 1,654 bilhão e lucro de US$ 102 milhões no exercício eco-
nômico 2001, a Pecom já era uma empresa multinacional com operações em vários países
da América Latina.
Através de diferentes divisões – Exploração e Produção de Petróleo; Transporte e Comer-
cialização de Petróleo e Gás; Refinação e Petroquímica; Geração, Transporte e Distribuição de
Energia Elétrica; Florestal e Agroindústria – produzia e comercializava alguns dos seguintes
produtos: diferentes tipos de petróleo, combustíveis para automóveis, asfaltos, produtos
bunkering, dissolventes, poliestireno, estireno, borracha, ureia e outros fertilizantes. A Divisão
Florestal produzia madeiras serradas de Pino Resinoso e Paraná, madeiras impregnadas, ma-
deiras de encaixe macho e fêmea (finger joint), molduras e multilaminados compensados.
A Pérez Companc, fundada em 1946, transformou-se, com o passar do tempo, em um
dos grupos industriais mais importantes, bem-sucedidos e respeitados da Argentina. Os
irmãos Jorge e Carlos Pérez Companc transformaram sua frota de quatro barcos, que eram
usados para transporte de maquinaria pesada e outros materiais entre Buenos Aires e o sul
da Argentina, em uma companhia multinacional.
Durante a década de 1970 e na seguinte, iniciou-se o processo de diversificação dos
negócios da companhia através da aquisição do controle da construtora Sade, uma empresa
dedicada ao desenho, à engenharia e à construção de projetos de transmissão e geração
de energia, infraestrutura e obras civis. A Pecom Energia acrescentou participações em
categorias como sistemas de computação e informação, atividades industriais e manu-
fatureiras diversas, produção de cimento e petroquímica. Alguns desses negócios foram
interrompidos posteriormente quando a Companhia reestruturou sua estratégia e decidiu
concentrar seus esforços dentro do setor da energia, em concordância com as exigências
de competitividade derivada da nova realidade econômica mundial.
No início da década de 1990, a companhia participou ativamente do processo de privatização
da Argentina, adquirindo, assim, campos petrolíferos adicionais, oleodutos, refinarias, plantas
petroquímicas, redes de distribuição elétrica, telecomunicações (através de sua participação
na Telecom Argentina S.A.) e serviços. A Pérez Companc era nesse momento uma compa-
nhia familiar que carecia de formalismos, com uma diversidade de negócios manejados em
diferentes graus por gerentes profissionais, sob a direção de Jorge Gregorio Pérez Companc.
A sociedade de controle (independente das companhias constituídas legalmente), Pérez
Companc S.A., estabeleceu-se formalmente no ano de 1993 para dar mais estrutura a suas
diversas filiais. Essa sociedade possui 98,21% das ações em circulação da Pecom Energía S.A.
(de agora em adiante Pecom), enquanto o restante 1,79% se encontrava em poder do público
até o ano de 2002. As ações da Pérez Companc S.A. se cotizaram na Bolsa de Buenos Aires e
na Bolsa de Nova York, enquanto as da Pecom se cotizaram apenas em Buenos Aires.
O compromisso da diretoria
Quando adquiriu os ativos que anteriormente pertenceram ao Estado, a companhia também ad-
quiriu grandes problemas ambientais, e um maior potencial para causar danos ao ambiente.
Em 1993, a companhia pediu ao atual diretor de Meio Ambiente, Qualidade, Saúde e
Segurança Ocupacional que desenvolvesse um plano para avaliar e melhorar o desempenho
socioambiental da Pérez Companc.
A primeira atividade realizada foi uma pesquisa voltada a problemas ambientais em 27
das companhias do grupo. A pesquisa apresentou problemas significativos. As refinarias
recém-compradas e as plantas petroquímicas eram muito antigas, ineficientes e contaminadoras.
Identificaram-se também problemas potenciais com transformadores baseados em PCBs.
A questão socioambiental passou a ser uma das principais preocupações da Pecom, de
acordo com seus diretores.
Desde o início das discussões sobre como realizar o desempenho socioambiental, a Pérez
Companc teve parâmetros claros para seu esforço corporativo devido ao apoio explícito da di-
reção, que soube equilibrar as considerações ambientais com as necessidades dos negócios.
Todas as companhias sob propriedade e controle da Pérez Companc deviam incorporar
considerações ambientais em suas operações cotidianas, com o objetivo de reduzir o impacto
socioambiental e proteger a imagem da empresa. Por outro lado, desejava-se manter o menor
staff corporativo possível, capaz de sustentar a integração e o fluxo de dados e facilitar a
coordenação e os conhecimentos.
3
Grandes fossas abertas onde se depositava o material de desperdício extraído dos poços, principalmente petróleo
de baixa qualidade misturado com água e outras impurezas.
128 Empresas na sociedade
Programa corporativo
Uma preocupação importante foi a diversidade (e a natureza bem dispersa) das operações
da empresa. Isso originou a necessidade estratégica de manter a independência e a flexibi-
lidade das companhias operadoras (embora a companhia devesse se assegurar de que todas
as empresas do grupo estivessem realmente fazendo o que era necessário). Esses parâmetros
mostravam claramente a necessidade de se ter um programa forte em um nível corporativo,
com a responsabilidade pelas operações concentradas no âmbito operacional.
O início
De modo a recomendar uma política para a alta gerência, iniciou-se um longo processo de
revisão das políticas ambientais corporativas e de princípios orientadores, tais como o Busi-
ness Charter for Sustainable Development da International Chambers of Commerce (ICC).4
Finalmente, o grupo responsável recomendou uma política e alguns objetivos estratégicos
corporativos que foram adotados posteriormente.
Implementar uma política em toda a corporação implicava necessariamente um enfoque
baseado em sistemas. Nessa época foi adotada a norma (voluntária) British Standard 7750, que
era o sistema de gestão socioambiental mais importante,5 que depois deu lugar a ISO 14001.
4
Formada por membros de mais de 130 países, a ICC foi fundada em 1919, com o propósito de promover o comércio
internacional, a inversão e a economia de mercado (veja site do ICC).
5
A International Organization for Standardization (ISO) estava desenvolvendo, naquele momento, a série 14000,
baseada, em grande parte, na BS 7750.
6
Algo interessante é que essa unidade, a qual está fora do negócio básico da Pérez Companc, produziu muitos
dos altos gerentes da corporação. Por exemplo, Oscar Vicente (que ocupava o cargo de presidente), Tadeo Perich
(gerente-geral) e outros chefes de outras unidades empresariais.
7
Os fatores que transformavam a Petroquímica Cuyo na melhor opção para o projeto-piloto era sua localização
(região agrícola de Mendoza) e sua consideração de planta “limpa” porque fora desenhada com tecnologia nova
e muito eficiente.
8
Naquela época, a taxa de câmbio entre o dólar americano e o peso era de 1:1.
Normas e certificação 129
Outros projetos
Baseado no sucesso obtido com o projeto-piloto, a alta direção ordenou, então, a outras unidades
que repetissem a experiência. Em uma primeira etapa, escolheram três unidades de extração
de petróleo (que receberam ISO 14001 em 1997), uma companhia de oleodutos (OLDEVAL)
e as duas plantas de uma companhia de plásticos e fertilizantes (PASA) que receberam a
certificação no mês de dezembro de 1997.9
Iniciou-se a fase final do plano no mês de novembro de 1997: todas as unidades que a
Pérez Companc possuía ou controlava na Argentina receberam a ordem de serem certificadas
com ISO 14001 até o dia 31 de dezembro de 2000. As unidades fora da Argentina deveriam
ser certificadas até o dia 31 de dezembro de 2001.
Alguns problemas
Apesar de seu sucesso inicial, a companhia teve uma série de problemas que foi resolvendo:
1. Sistemas de informação: a tendência das companhias operacionais de desenvolver seus próprios
sistemas de informação contrastava com a meta corporativa em curto prazo de integrar plenamente
os sistemas de administração de qualidade, ambiente e segurança dos trabalhadores em todo o
grupo;
2. Mudanças na política socioambiental corporativa: as companhias operacionais estão fazendo
mudanças na política socioambiental da corporação para torná-la mais pertinente a suas próprias
operações;
3. Avaliação do desempenho: uma grande preocupação era saber como as companhias estavam me-
lhorando seu desempenho socioambiental11;
4. Entusiasmo: via-se com preocupação a maneira de como manter o entusiasmo das pessoas em longo
prazo. (Poder-se-ia pensar que seria mais difícil manter a concentração gerencial e dos trabalhadores
à medida que o processo de administração se tornasse mais rotineiro, ficando cada vez mais difícil
encontrar melhoras.)
9
A verdadeira prova para muitos altos gerentes da Pérez Companc foi a implementação na PASA, uma compa-
nhia adquirida pelo grupo alguns anos antes. Originalmente, suas duas plantas – uma de plásticos e a outra de
fertilizantes – eram totalmente obsoletas, com enormes problemas ambientais e uma falta geral de controle em
todas as suas operações.
10
D eve ser destacado que na década passada foram oferecidas numerosas normas de natureza ambiental,
apresentando-se as dificuldades principalmente no terreno de sua aplicação. Esse foi o produto da superposição
de autoridades e das modalidades existentes em nosso país nesse campo. Um fato que contribui para aumentar
o trabalho legislativo e administrativo é que os municípios podiam legislar e regulamentar temas ambientais que
considerem de interesse.
11
Nesse momento, a ISO estava desenvolvendo uma norma que poderia guiar esse processo.
130 Empresas na sociedade
Liderança socioambiental
A Pérez Companc teve um enfoque proativo em relação a questões ambientais e inquietudes
sociais na estrutura estratégica da companhia. A liderança socioambiental requer métodos
criativos e inovações para resolver os problemas existentes e gerir as questões emergentes.
Liderança socioambiental significa estar à frente na evolução da gestão socioambiental, ob-
tendo melhorias ambientais significativas em cada pequeno campo de ação da empresa.
A gestão socioambiental estratégica é um conceito essencial para gerir tanto as res-
ponsabilidades comerciais como as ambientais das empresas modernas. A atividade so-
cioambiental corporativa é cada vez menos uma consideração socioambiental, para ser
mais uma consideração estratégica, de marketing, de finanças, de eficiência dos processos
e de desenvolvimento de produtos. Quando se incorporou Qualidade, Saúde e Segurança
Ocupacional a meio ambiente, foi necessário realizar uma avaliação da política. Uma nova
política socioambiental foi proposta. Essa política é mais progressista e busca a integração
com outros setores da empresa. A política atual é de aplicação obrigatória também para
12
Um aporte importante da Qualidade é o da utilização de técnicas sistemáticas para a resolução de problemas e
seguimento das ações corretivas.
13
A Segurança, enquanto disciplina, oferece à gestão ambiental elementos de grande importância. As técnicas
para análise sistemática de riscos de processos, atividades e conteúdos fortalecem consideravelmente o controle
dos aspectos ambientais significativos, diminuindo, assim, a probabilidade de acidentes com seus consequentes
impactos econômicos, ambientais, trabalhistas e sociais.
14
Aos sintomas da “parede verde” acrescentam-se outros fatores que contribuem para a pouca credibilidade
socioambiental. Alguns deles são:
• estratégias e programas socioambientais muito amplos e que não concordam com a estratégia de negócio da
empresa;
• expectativas de benefícios potenciais irreais derivados do management socioambiental;
• criação de uma cultura ambiental que não é congruente com a cultura de negócios da empresa;
• comunicação pobre entre a gerência ambiental e as linhas de negócios sobre os tipos e as fontes de vantagens
competitivas que podem ser aumentadas.
Normas e certificação 131
Sites interessantes
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT): www.abnt.org.br.
Business Charter for Sustainable Development da International Chamber of Commerce (ICC): www.
iccwbo.org.
Greenglobe; certificação de empresas de turismo: www.greenglobe.org.
Instituto de Estudios para la Sustentabilidad Corporativa, Argentina (IESC): www.instituto.ws/iesc.
Instituto Ethos: www.ethos.org.br.
International Organization for Standardization (ISO): www.iso.org.
Marine Stewardship Council (MSC); certificação de pesca: www.msc.org.
Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro): www.inmetro.gov.br.
OHSAS 18001 (norma certificável para segurança e saúde ocupacional): www.ohsas-18001-
occupational-health-and-safety.com.
Sustainability (empresa fundada por John Elkington): www.sustainability.com.
Referências
Carroll, A.B. A Three-dimensional conceptual model of corporate social performance. Academy of
Management Review, n. 4, p. 497-505, 1979.
Puppim de Oliveira, José Antônio; Gardetti, Miguel A. From the periphery to the center: analysing
changes to prioritize corporate citizenship in Pérez-Companc. Journal of Corporate Citizenship,
n. 21, p. 71-83, 2006.
Bibliografia recomendada
Barbieri, José Carlos. Gestão ambiental empresarial: conceitos, modelos e instrumentos. São Paulo:
Saraiva, 2004.
Cajazeira, J.; Barbieri, J. C. A nova versão da norma ISO 14.001: as influências presentes no primeiro
ciclo revisional e as mudanças efetuadas. READ. Revista Eletrônica de Administração, v. 4,
p. 5, 2006.
Cajazeira, J. ISO 14001 – Manual de implantação. 3. ed. Rio de Janeiro: Quality Mark, 1996. 120p.
Harrington, H. J.; Knight, A. Implementação da ISO 14000. Rio de Janeiro: Editora Atlas, 1999.
Hoffman, A. Integrating environmental and social issues into corporate practice. Environment, v. 42,
n. 5, 2000.
Norman, W.; MacDonald, C. Getting to the bottom of “triple bottom line”. Business Ethics Quarterly,
v. 14, n. 2, p. 243-262, 2004.
Rosen, Christine Meisner; Beckman, Sara L.; Bercovitz, Janet. The role of voluntary industry standards
in environmental supply-chain management: an institutional economics perspective. Journal of
Industrial Ecology, v. 6, n. 3-4, p. 103-123, 2002.
Tewari, Meenu; Pillai, Poonam. Global standards and environmental compliance in the Indian leather
industry. Oxford Development Studies, v. 33, n. 2, p. 245-267, 2004.
12 Relatórios e balanços sociais
Objetivo
Examinar o papel dos balanços sociais e a maneira que devem ser publicados.
12.1 Introdução1
Responsabilidade social ou socioambiental de empresas (RSE) é um tema recente, mas
de crescente interesse na mídia, empresariado, academia, governo e sociedade civil do
Brasil. Não há uma lista rígida de ações que uma empresa deve adotar para ser socialmente
responsável. Porém, apesar de não existir uma definição consensual, responsabilidade social
envolve uma gestão empresarial mais transparente e ética e a inserção de preocupações
sociais e ambientais nas decisões e resultados das empresas. RSE diz respeito à maneira
como as empresas agem, como impactam e como se relacionam com o meio ambiente e
suas partes legitimamente interessadas (os chamados stakeholders). Tudo isso reflete na
governança corporativa, ou seja, como uma organização é governada, e, consequentemente,
afeta seus resultados econômico-financeiros.
A avaliação da responsabilidade socioambiental das empresas é importante para que
tomadores de decisão nas empresas e stakeholders saibam como estão as organizações
de seu interesse diante dos aspectos socioambientais. O balanço social, ou outra publicação
que disponibilize informações socioambientais de uma organização, surge como uma das
principais ferramentas para sintetizar e disponibilizar as informações sobre como a empresa
vem trabalhando as questões socioambientais. Entretanto, RSE deve ser o resultado de
uma construção política e social com os diferentes stakeholders. O papel do balanço social
surge a partir daí, ou seja, não somente informar de maneira organizada aos stakeholders
o que a empresa tem feito, mas envolve a maneira como ele é construído com os diversos
stakeholders, e isso inclui também a divulgação de uma avaliação franca do que não tem
sido feito e da opinião dos stakeholders sobre as ações da empresa.
O primeiro balanço social do Brasil foi feito na empresa Nitrofertil, em 1984. Porém, o
primeiro modelo apareceu somente 13 anos depois. Em 1997, Betinho, do Instituto Brasileiro
de Análises Sociais e Econômicas (IBASE), lançou uma campanha estimulando a publicação
dos balanços sociais propondo um modelo de balanço social (o chamado Modelo IBASE),
estabelecendo, assim, uma discussão mais ampla com empresários mais progressistas sobre
o tema. Isso catalisou a publicação de balanços sociais por diversas empresas. O modelo foi
aperfeiçoado algumas vezes e serviu como um referencial no Brasil e no exterior. Além disso,
existem diversas organizações que incentivam e trabalham para a divulgação de informações
socioambientais pelas empresas, como o Instituto Ethos, o Conselho Empresarial Brasileiro
para o Desenvolvimento Sustentável e a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN).
1
Este capítulo foi baseado em artigos anteriores do autor (Puppim de Oliveira, 2004 e 2005).
136 Empresas na sociedade
No balanço, a empresa tem de preencher dados em relação aos indicadores internos (gastos
com os empregados), externos (projetos externos à empresa), ambientais, corpo funcional e
informações sobre a cidadania corporativa (veja Figura 12.2 como exemplo, o caso da Petro
bras). Os dados são apresentados em relação a indicadores econômicos da empresa, como
receita líquida e resultado operacional.
A grande vantagem do modelo IBASE é a sua simplicidade. Com informações diretas,
é relativamente fácil para as empresas, mesmo as pequenas, reportarem os dados e criarem
uma estrutura para fazer isso anualmente. Ao mesmo tempo, facilita o acesso à interpretação
dos dados pelos diferentes stakeholders. Não se necessita formação técnica para entender
o balanço IBASE.
Este documento serve para qualquer empresa em qualquer setor e de qualquer porte.
Também há a vantagem de poder se comparar rapidamente a evolução da empresa ao longo
do tempo e se fazer comparação entre empresas. Com essa simplicidade, ele passou a ser o
modelo mais popular entre as empresas brasileiras.
O IBASE passou a oferecer o Selo Balanço Social IBASE/Betinho desde 1998 para em-
presas que cumprem determinados critérios na publicação do Balanço Social. O selo é mais
um incentivo para as empresas fazerem melhores balanços.
durante muito tempo foi o Instituto Ethos e passou ao Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa (IBGC).
O GRI tenta harmonizar e integrar diversas questões relativas a RSE, como códigos de
conduta, sistemas de gestão, padrões de desempenho e convenções internacionais. O GRI
é menos um modelo, como o IBASE, e mais indicações de processo sobre como relatar
(Figuras 12.3 e 12.4), incluindo indicadores, e tem um processo estabelecido para seguir as
regras (due process). O GRI tenta deixar uma flexibilidade suficiente para que o relatório
possa ser compatível com outras diretrizes, em alguns casos até legais, como na França, ou
referências, como o modelo IBASE. O conteúdo tem de mostrar o perfil, as formas de gestão
e os indicadores de desempenho nas áreas econômica, ambiental, trabalhistas, de direitos
humanos, social e de responsabilidade pelo produto (Figura 12.5).
Hoje o GRI está se tornando o padrão internacional de relatórios. Várias grandes empresas
já o adotam, incluindo as brasileiras, como a Petrobras e a Natura.
suas funções social e ambiental. Além disso, devem informar como está sua relação com
os stakeholders. É verdade que relatórios sociais malfeitos não levam executivos à prisão,
nem causam transtornos com o Fisco ou os credores. O problema é que eles afetam a credi-
bilidade corporativa da mesma maneira que balanços contábeis fraudulentos. “Escaldados”
pelos recentes escândalos corporativos nos Estados Unidos e na Europa, os stakeholders
procuram checar cada vez mais as informações apresentadas nos balanços das empresas,
incluindo as sociais. Organizações, como a Corporate Watch, já se dedicam a localizar e
denunciar companhias que publicam informações pouco confiáveis sobre sua conduta moral
e suas ações socioambientais.
Os stakeholders, quando analisam os dados contidos no documento, precisam encontrar
as informações corretas sobre os valores investidos pela empresa nos projetos. Só assim
eles poderão confrontar os números com os relatórios das entidades assistidas e medir os
resultados das iniciativas. Só assim eles poderão comparar os investimentos sociais de um
ano com o dos anos anteriores, e também com os das outras empresas que analisam. Mas
nem todos os balanços que estudei permitiram essa identificação.
Os balanços sociais não devem ser produzidos como folhetos informativos ou materiais
de propaganda criados para amenizar problemas de imagem. Não devem ser utilizados
para proteger um “telhado de vidro” – função de assessores de imprensa, publicitários e
profissionais de relações públicas. Os balanços precisam ajudar a transformar a organização
numa entidade socialmente mais responsável. Não existe um checklist ou uma rígida listagem
sobre como ser uma companhia socialmente responsável. Esse conceito deve ser resultado de
Relatórios e balanços sociais 145
uma construção política e social com os stakeholders. Com isso, o próprio entendimento do
que é responsabilidade social pode mudar com o tempo, de acordo com o local e conforme
a empresa.
No fundo, a responsabilidade social reflete a qualidade da governança corporativa de uma
organização. Os balanços sociais são, antes de tudo, um instrumento importante para a tomada
de decisão na empresa. Um relatório ruim, que não desperte a reação dos stakeholders, priva
também a cúpula da corporação de informações imprescindíveis para a gestão estratégica.
Com isso, afeta a governança e, possivelmente, os resultados da empresa. Não se trata apenas
de informar, de maneira organizada, o que tem sido feito na área social. É preciso apresentar
também o que não tem sido realizado e a opinião (até mesmo a mais crítica) dos diversos
públicos interessados.
Muitas empresas, especialmente as grandes, já aderiram à rotina de publicar balanços
sociais. Não há uma “receita de bolo” infalível para se fazer um balanço social que reflita
verdadeiramente as visões dos diversos públicos sobre os aspectos socioambientais de uma
organização. A seleção das informações e sua apresentação deve ser criteriosa para gerar um
impacto positivo na governança da empresa e na sua credibilidade diante dos stakeholders.
Por isso, a acuidade das informações, a transparência e a participação dos diversos públicos
interessados na confecção do relatório social podem fazer a diferença.
É uma questão tão relevante que existem até indicadores de responsabilidade social e
sustentabilidade para balizar o mercado financeiro em muitos países, como o Dow Jones
Sustainability World Index, nos Estados Unidos, e o FTSE 4Good, na Inglaterra. No Brasil,
a Bolsa de Valores de São Paulo tem o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), cujo
propósito é refletir a adesão das empresas a princípios de responsabilidade social corporativa.
Esses critérios, cada vez mais, podem influenciar o valor das ações das empresas, o que afeta
seu desempenho econômico-financeiro. Daí a importância de se produzir bons relatórios
sociais.
A tendência de publicação de balanços sociais no Brasil é de aumento, inclusive em
razão da obrigatoriedade de divulgação desses relatórios em setores regulados, como o de
eletricidade. O desafio é que as companhias deem um novo passo qualitativo, antes que os
balanços sociais, ou até mesmo o próprio conceito de responsabilidade social empresarial,
fiquem desgastados e caiam em descrédito.
Devemos nos aprofundar não só no aperfeiçoamento do balanço social enquanto
ferramenta de gestão e regulamentação, mas tentar estudar a conexão desse documento
com temas maiores, por exemplo, analisando o porquê de as empresas publicarem balanços
sociais, como os stakeholders os têm utilizado e que impactos isso gera nas empresas e nos
stakeholders.
Faça a coisa certa – Sete dicas para elaborar balanços sociais consistentes
Padronize e identifique as fontes
As informações, principalmente as de natureza quantitativa, devem ser padronizadas para
que possam ser comparadas. Cite as fontes de todas as informações, com detalhamento
suficiente para que possam ser checadas.
(Continua)
146 Empresas na sociedade
Sites interessantes
Balanço Social IBASE: www.balancosocial.org.br
Empresas com relatórios com diretrizes GRI: Petrobras, www.petrobras.com.br; Natura, www.natura.
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Relatórios e balanços sociais 147
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13 Responsabilidade social em cadeias
de valor e pequenas empresas
Objetivo
Entender como as questões ligadas à responsabilidade social afetam uma cadeia
de valor. Entender o conceito de RSE em pequenas empresas, além de estudar o que
é comércio justo.
Porém, existem pontos positivos da ação das MPMEs na área de responsabilidade social.
Por exemplo, boa parte delas faz algum tipo de ação social, ou seja, projetos voluntários que
beneficiam a comunidade onde atuam. Aproximadamente 70% das MPMEs fazem algum tipo
de ação social (Figura 13.1). Por outro lado, começam a aparecer pressões e oportunidades
para elas. Primeiro, as preferências dos consumidores tendem a mudar, privilegiando as em-
presas mais socialmente responsáveis. Segundo, muitas estão se conectando com cadeias
globais onde já há essas questões socioambientais, ou por pressão dos consumidores em locais
distantes ou por políticas de RSC de grandes empresas. Terceiro, cresce o número dessas em-
presas que começam a ter políticas de RSE por questões morais (de seus proprietários) ou por
1
Este capítulo é baseado no relatório de pesquisa sobre pequenas empresas, APLS e desenvolvimento sustentável
da EBAPE/FGV.
150 Empresas na sociedade
vislumbrarem benefícios a médio e longo prazo. As MPMEs, por seu porte, têm a capacidade
de mudar rapidamente quando necessário. Finalmente, começa a aumentar a fiscalização
dos poderes públicos sobre questões ligadas a RSE, como fatores ambientais e trabalhistas.
A melhoria socioambiental das MPMEs, mesmo sendo um desafio, pode levar a grandes
impactos socioambientais, já que apresentam grande capilaridade.
Assim, MPMEs, muitas vezes aglomeradas em clusters, poderiam ser um mecanismo
importante para alavancar dinamismo nos processos de inovação e desenvolvimento econô-
mico e social. Além disso, uma das ideias principais por trás das políticas para MPMEs é
que apoiá-las é também uma boa política social, porque elas são geralmente mais débeis; no
entanto, geram mais trabalho e renda, na maior parte das vezes, para os mais pobres. Muitas
das políticas públicas para MPMEs nos países em desenvolvimento assumem que qualquer
tipo de apoio a MPMEs, sejam elas formais ou informais, legais ou ilegais, é importante para
o desenvolvimento econômico e social local, e, consequentemente, bom para comunidades
locais. Um exemplo típico dessas políticas é o microcrédito para MPMEs informais, que é
bastante popular em todo o mundo.
É verdadeiro que algumas dessas políticas conduzem ao desenvolvimento econômico e
social, gerando postos de trabalho e tirando pessoas da pobreza e da dependência de redes de
apoio social (quando existem), como a Bolsa Família, Fome Zero e outros programas. En-
tretanto, esse desenvolvimento pode não ser sustentado a longo prazo, pois essas políticas para
MPMEs podem somente gerar postos de trabalho informais ou de baixa capacitação, frequen-
temente mal pagos e em condições precárias de trabalho, em empresas que produzem bens de
baixa qualidade, não pagam impostos e nem respeitam as leis ambientais e trabalhistas.
Os benefícios dessas iniciativas podem ser perdidos de repente por crises políticas,
mudanças macroeconômicas (por exemplo, alterações no valor do câmbio) ou por crises
financeiras internacionais. Além disso, sob a globalização, a competição de produtos vindos
de outras partes do país ou do mundo, ou uma posição fraca em uma cadeia de valor, pode
levar à inviabilidade do negócio, perder o pouco lucro que tem ou reduzir os já baixos salários,
conduzindo a uma “corrida ao fundo do poço”. As MPMES ainda podem sobreviver com
subsídios, mas, com a chegada de importações de produtos de melhor qualidade e menores
Responsabilidade social em cadeias de valor e pequenas empresas 151
Porém, estar em um cluster pode também gerar limitações para alavancar as melhorias
socioambientais, tais como:
• complexidade para encontrar soluções devido ao grande número de atores;
• alto valor dos custos ou investimentos devido à grande escala;
• alto risco de um impacto negativo nos clusters, o que pode inviabilizá-lo economicamente;
• resistência política ou cumplicidade para fazer lobby e barrar as mudanças, como no caso do
cumprimento da lei.
2
Esta parte está em Milanez e Puppim de Oliveira, 2009. Veja o texto para detalhes do caso de mineração.
154 Empresas na sociedade
particularmente importante para as pequenas empresas, pois elas são fonte de dinamismo na
economia e na inovação. Com elas a área de tecnologia da informação (TI) se desenvolveu
no Vale do Silício, e isto pode acontecer com a geração de ideias para as questões ambientais
e sociais.
APLs não devem apenas estimular o desenvolvimento econômico local e a inovação
tecnológica, mas também fortalecer grupos sociais mais vulneráveis e garantir a proteção ao
meio ambiente. Ao trazer esse debate para a questão das pequenas empresas, há a expectativa
de se definir estratégias para que os APLs não apenas aumentem a renda dos trabalhadores,
mas também auxiliem muitas pequenas empresas a sair do estágio atual, onde impera a in-
formalidade, e criem ciclos virtuosos onde as atividades passem a ser realizadas formalmente,
pagando impostos, garantindo boas condições de saúde e segurança dos trabalhadores e
seguindo a legislação ambiental.
Existe uma ampla literatura sobre APLs, que não se restringe à descrição dos arran-
jos, mas também prescreve políticas e ferramentas que favorecem a sua criação e o seu
desenvolvimento (Schmitz e Nadvi, 1999). Entretanto, muitos desses estudos focam a função
dos APLs em obter ganhos de produtividade, acessar novas tecnologias e aumentar a escala
de produção; ou seja, focam o aumento da competitividade das empresas e o desenvolvimento
econômico de uma região (Silva e Demajorovic, 2008). Esse foco do estudo dos APLs é
justificado pela grande necessidade de se estimular a inovação tecnológica entre as PMEs;
uma vez que essas empresas enfrentam dificuldades de financiamento, de qualificação de
mão de obra e de acesso a novas tecnologias (Ipiranga et al., 2007). Como resultado desse
cenário, no Brasil, somente 3,2% das empresas com menos de 50 empregados e apenas 2,1%
daquelas na faixa entre 50 e 99 empregados desenvolvem produtos novos para o mercado
nacional. A título de comparação, esse índice sobe para 33,4% quando se trata de empresas
com mais de 500 empregados (IBGE, 2005). O processo de inovação tecnológica pode ser
caracterizado como uma ação cooperada de vários atores relacionados direta ou indireta-
mente a um sistema produtivo; por esse motivo, ela tende a ser beneficiada pela difusão da
informação e do conhecimento criados pelos APLs.
Existe uma potencial relação entre inovação tecnológica e a melhoria do desempenho
ambiental. Apesar de ser uma vertente importante, ela ainda parece não ocorrer naturalmente
no contexto das PMEs. Existem os autores que argumentam que novas tecnologias seriam
capazes de reduzir impactos ambientais e, ao mesmo tempo, de aumentar a competitividade
das empresas. Essa argumentação tem por base principal o pressuposto de que novas soluções
tecnológicas estariam voltadas principalmente para o aumento da eficiência dos processos
produtivos, que não apenas seria um objetivo econômico, mas também ambiental. Outra pos-
sível contribuição da inovação tecnológica seria o desenvolvimento de processos produtivos
que evitassem os impactos ambientais criados pelas atividades atuais. Segundo esse ponto
de vista, prevenir a poluição valeria a pena, pois evitaria gastos relacionados à correção de
tais impactos. Entretanto, a adoção de novas tecnologias ambientais não parece ocorrer na-
turalmente; ao menos, no caso das PMEs brasileiras. Tais empresas não possuem capacidade
financeira suficiente para investir em soluções preventivas e tendem a focar ações corretivas
que, em muitos casos, apenas aumentam os custos operacionais. Por exemplo, enquanto 34%
das microempresas desenvolvem programas de reciclagem ou aproveitamento de resíduos,
apenas 5% desenvolvem atividades para mudança na composição, desenho ou embalagem
de produtos para torná-los menos danosos ao meio ambiente (BNDES et al., 1998). Por esse
motivo, contar apenas com a influência indireta da inovação para melhoria do desempenho
Responsabilidade social em cadeias de valor e pequenas empresas 155
ambiental não parece ser uma estratégia eficaz, o que sugere a necessidade de iniciativas
específicas.
Nesse caso, APLs também podem ser apresentados como instrumentos de promoção
entre as PMEs de questões ligadas à saúde e segurança dos trabalhadores, bem como aos
problemas ambientais. Ao se agregar tais temas no debate sobre APLs deve se considerar que
esses arranjos têm bases técnicas e sociais bastante concretas nos locais onde se constituem
e, portanto, são intrinsecamente associados aos seus territórios.
Políticas públicas para melhoramento de APLs poderiam envolver iniciativas para conectar
as PMEs a cadeias que valorizem as questões socioambientais, além de ajudá-las a adaptar
seu processo produtivo. Para tanto, parte-se do princípio de que muitas das características
dos APLs podem ser aplicadas à área socioambiental, entre elas:
aproximadamente, por 170 empresas sendo responsável, sozinho, por mais da metade das
exportações de móveis do país.
Enquanto o polo de Bento Gonçalves está voltado principalmente para a fabricação de
móveis retilíneos seriados (de madeira aglomerada, chapa dura e MDF), o polo de São
Bento do Sul é especializado em móveis torneados de madeira maciça, especialmente
pínus.
O crescimento das exportações na última década obrigou a indústria a se reequipar no
mercado internacional com máquinas e equipamentos de última geração, para garantia da
qualidade dos seus produtos e de maiores escalas de produção. A redução a zero das alíquotas
das máquinas e equipamentos importados, sem similares de fabricação nacional, contribuiu
muito para essa renovação.
As exportações do setor cresceram rapidamente nos últimos anos. De um total exportado
de US$ 351 milhões em 1996, atingiu-se US$ 940,6 milhões em 2004, representando 0,98%
das exportações brasileiras. Os principais mercados para os produtos brasileiros foram: União
Europeia, Estados Unidos e Mercosul.
Pelas respostas apresentadas, verifica-se que as empresas pesquisadas consideram que o
fato de fazerem parte de arranjos produtivos locais tem sido mais importante para o aumento
de suas exportações do que para resolver seus problemas ambientais (Figura 13.2).
Ao serem indagadas sobre sua preparação para o atendimento das exigências ambientais
de fatores reconhecidamente controlados nos países mais avançados do mundo (origem das
matérias-primas, toxicidade da pintura, processo de pintura, sistema de gestão ambiental,
questões trabalhistas), as empresas moveleiras se consideraram entre razoáveis e altamente
preparadas para atendê-las, e no que diz respeito ao item “questões trabalhistas” existe a
percepção de que a preparação excede ligeiramente às demais (Figura 13.3).
Outro ponto pesquisado, as exigências de organizações externas em relação às questões
ambientais, mostra que aquelas feitas pelos clientes externos da empresa são claramente
superiores às de outras entidades, como bancos, clientes nacionais ou organizações não
governamentais. Os únicos órgãos cujas exigências ambientais se aproximam daquelas
feitas pelos clientes estrangeiros são os órgãos ambientais dos governos estaduais – no caso,
sendo entendidos especificamente como as Fundações de Meio Ambiente de Santa Catarina
Figura 13.2 Fazer parte de um polo moveleiro tem ajudado a empresa a: A = resolver seus
problemas ambientais; B = aumentar suas exportações.
Responsabilidade social em cadeias de valor e pequenas empresas 157
Figura 13.3 Preparação para atender às exigências ambientais do mercado externo (escala
de diferencial semântico): A = origem das matérias-primas; B = toxicidade da tinta; C = processo de
pintura; D = sistema de gestão ambiental; E = questões trabalhistas.
Figura 13.4 Exigências externas para questões ambientais (escala de diferencial semântico): A =
órgão ambiental do governo estadual; B = prefeitura; C = bancos; D = seguradoras; E = clientes
nacionais; F = clientes internacionais; G = sindicato patronal do setor; H = comunidade ou
organizações não governamentais.
e do Rio Grande do Sul, onde está localizada a totalidade das empresas que fizeram parte
da pesquisa (Figura 13.4).
A atribuição aos clientes internacionais pelas maiores exigências ambientais, por sua
vez, é ressaltada nas respostas à pergunta seguinte, em que é reforçada a percepção de que o
mercado europeu é mais exigente em termos ambientais do que o mercado norte-americano,
além do Mercosul e do próprio mercado interno (Figura 13.5).
Entre os fatores que as empresas exportadoras de móveis consideram que mais dificultam
uma melhor atuação ambiental destaca-se o custo elevado dos equipamentos. Fatores como
falta de informações técnicas, mudança de legislação, falta de financiamento e custo de mão
de obra foram considerados menos prejudiciais à atuação ambiental da empresa do que o
custo dos equipamentos (Figura 13.6).
158 Empresas na sociedade
Figura 13.5 Exigências ambientais por mercado (escala de diferencial semântico): A = Brasil;
B = Mercosul; C = Estados Unidos; D = União Europeia.
Figura 13.6 Fatores que dificultam a atuação ambiental (escala de diferencial semântico): A = falta
de informações técnicas; B = mudança constante de regulamentação ambiental; C = custo elevado
dos equipamentos; D = falta de financiamento; E = custo elevado de mão de obra.
A pesquisa constatou que, das 76 empresas pesquisadas, a grande maioria (63) possui
licenciamento ambiental, embora apenas nove possuam certificação de gestão ambiental
(ISO 14001 ou outra). A certificação de origem de matéria-prima (FSC ou outra) é um
documento que 43% das empresas (33) afirmaram possuir, o que pode certamente ser
atribuído à matéria-prima utilizada – madeira e derivados – cuja pressão feita pela so-
ciedade organizada tem sido intensa com o objetivo de assegurar a manutenção de matas
nativas.
Responsabilidade social em cadeias de valor e pequenas empresas 159
13.4 Comércio justo
Não existe uma definição consensual sobre comércio justo. Aqui consideraremos que comér-
cio justo são as práticas de relacionamento no mercado em que o cliente paga um preço maior
que o preço de mercado com o objetivo de proporcionar melhoras nas condições econômicas,
sociais ou ambientais dos fornecedores, sejam eles indivíduos ou organizações (cooperativas
ou empresas). Os consumidores finais pagam a mais por esse produto e sustentam a cadeia.
Em geral, os consumidores estão nos países ou regiões de alta renda, e os fornecedores em
países em desenvolvimento ou regiões/grupos sociais de baixa renda ou locais de interesse
ecológico. O comércio justo é bastante difundido na Europa. Algumas organizações certificam
as práticas de comércio justo que, devido ao apelo de responsabilidade social, são utilizadas
na sua estratégia de marketing (Figura 13.7).
A ideia de comércio justo apareceu na década de 1940 com a ONG OXFAM, que atua
até hoje com comércio justo, com a ideia de ajudar os refugiados da guerra. O movimento
chegou aos Estados Unidos com a intenção de ajudar produtores de café em Porto Rico a
venderem seu produto àquele país. Na década de 1960, o movimento ganhou força depois
da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (1964), em que saiu
o slogan “Comércio e não ajuda” para apoiar países em desenvolvimento. Com isso muitas
ONGs europeias se mobilizaram para difundir o comércio justo na Europa.
O movimento ganhou o mundo, e hoje existem diversas formas de se fazer o comércio
justo, apesar das divergências ideológicas sobre o que se pode chamar de comércio justo.
Temos desde cooperativas de produtos orgânicos que vendem diretamente aos consumidores,
como em muitas cidades no mundo, até empresas multinacionais que compram diretamente
de comunidades (community-trade). No caso de algumas cooperativass de venda direta, como
a Horta-Vida em Recife, os consumidores conhecem os produtores e vice-versa. Sabem que
estão pagando a mais por um produto de boa qualidade para alguém de suas relações que
precisa que se pague mais.
No outro extremo temos empresas multinacionais de sucesso como a Natura e The Body
Shop que compram partes dos insumos diretamente de comunidades e utilizam isso em seu
marketing. The Body Shop coloca:
The Body Shop acredita que o comércio justo pode realizar uma diferença positiva
na vida de pessoas. A empresa acredita que o Comércio Comunitário é a forma de colocar
os princípios do comércio justo em prática. (The Body Shop, visualizado em dezembro
de2005, citado em Fortes, 2007).
Com a globalização das últimas décadas, iniciativas de comércio justo ganharam força.
Surgiram algumas certificações como a da Max Havelaar, na Holanda, e a partir de então redes
de certificadoras de comércio justo, como a Fairtrade Labelling Organizations International
(FLO) que congrega certificadoras de vários países, e a European Fair Trade Association
(EFTA), que congrega nove países (a OXFAM faz parte da EFTA).
O principal ponto é a força que alguns atores têm na cadeia de valor dos produtos e
denúncias sobre empresas no que tange à exploração do trabalho, baixos preços aos for-
necedores, destruição ambiental e condições sociais degradantes dos produtores. Muitas
vezes, os produtores ficam com valores irrisórios do valor final do produto na prateleira do
supermercado. Outras vezes, são ameaçados de mudança de fornecedor, caso não cumpram
com as exigências ou preços do cliente. Aliado à falta de leis ou fiscalização efetiva nos
países em desenvolvimento, muitas vezes isso força os produtores a condições degradantes
ou destruição ambiental (“corrida ao fundo do poço”). O comércio justo tenta regular o fato
através de um mercado mais justo com os que são mais fracos na cadeia. Para isso adota
algumas diretrizes, que variam de acordo com a organização. Alguns princípios adotados
pelas organizações de comércio justo podem ser:
• os produtores devem ganhar um valor justo pelos seus produtos;
• os padrões éticos devem ser seguidos na produção, processamento, marketing e venda;
• os produtores e compradores não devem explorar o meio ambiente de forma daninha;
• a dignidade dos produtores deve ser mantida;
• os valores são difundidos na cadeia;
• as condições de comércio devem ser constantemente checadas;
• a redução do gap entre produtores e consumidores;
• o empoderamento dos marginalizados na cadeia.
Mais especificamente a FLO adota as seguintes políticas para seus membros:
• pagar um preço que, no mínimo, cubra os custos de uma produção sustentável e possa prover
uma renda;
• pagar um prêmio para que os produtores possam investir em desenvolvimento;
• pagar parcialmente à vista, se o produtor precisar;
• assinar contratos de longo prazo para permitir práticas sustentáveis a longo prazo;
• os produtores devem ter padrões trabalhistas, sociais e ambientais mínimos.
Apesar de algumas divergências entre as diversas organizações que trabalham com
comércio justo, este está crescendo. Estimativas apontam que, por exemplo, 15% das bananas
vendidas na Suíça são de comércio justo. Outras culturas populares em comércio justo são
o café e o suco de laranja, como no caso a seguir.
Responsabilidade social em cadeias de valor e pequenas empresas 161
Sites interessantes
The World Bank (Banco Mundial, empresas e desenvolvimentos): go.worldbank.org/3D6O87NGB0
Fairtrade Town (“cidades com comércio justo”): www.fairtradetowns.org
162 Empresas na sociedade
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Rock, M. T.; Angel, D. P.; Lim, Pao Li. Impact of firm-based environmental standards on subsidiaries
and their suppliers: evidence from Motorola-Penang. Journal of Industrial Ecology, v. 10, n. 1-2,
p. 257-278, 2006.
Tendler, J. Small firms, the informal sector, and the devil’s deal. IDS Bulletin (Institute of Development
Studies), v. 33, n. 3, jul. 2002.
14 Responsabilidade social
empresarial e investimentos
Objetivo
Entender a relação do setor financeiro com a responsabilidade social das empresas.
1
Esta parte foi baseada em um trabalho anterior do autor (Puppim de Oliveira, 2006).
164 Empresas na sociedade
Questionários, entrevistas e algumas vezes auditorias são feitas para classificá-las. A partir
daí se cria um índice com a participação dessas empresas.
14.3 Princípios do Equador
Os Princípios do Equador para Instituições Financeiras são uma iniciativa lançada em
Washington em 2003 pelo International Finance Corporation (IFC), o braço para financiamento
privado do grupo do Banco Mundial. Eles são de adesão voluntária, no qual os aderentes se
Figura 14.4 Total de recursos aplicados usando o DJSI (em milhões de dólares).
2
Project finance é um método de financiamento em que o credor recebe de acordo com as receitas do projeto. Seria
como se o credor entrasse como sócio no projeto, pois ele só recebe se o projeto der certo. Para isso, geralmente
ele se preocupa mais com a gestão, muitas vezes ganhado assento nesta. Em geral, o project finance é usado para
projetos grandes e complexos como infraestrutura, mineração, exploração de petróleo e plantas petroquímicas.
Seria como se o credor entrasse como sócio no projeto.
Responsabilidade social empresarial e investimentos 169
foi parar na Corte de Haia (órgão máximo de resolução de disputas internacional, previsto
no Tratado do Rio Uruguai como o órgão competente para resolver estes casos). Em 2010
começou um processo de monitoramento conjunto entre argentina e Uruguai. Porém, a crise
institucional ainda é grande, apesar de ter melhorado depois da mudança de governos dos
dois lados (Figura 14.6).
Sites interessantes
Companhia Energética de Minas Gerais - CEMIG (a melhor concessionária no DJSI): www.cemig.com.br
CERES: Green Investors Network: www.ceres.org
Dow Jones Sustainability Index (DJSI): www.sustainability-indexes.com
Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BOVESPA: www.bovespa.com.br/ise
New Ventures: www.new-ventures.org
Princípios do Equador: www.equator-principles.com
Social Investment Forum: www.socialinvest.org
Responsabilidade social empresarial e investimentos 171
Referências
Monzoni, M. Apresentação na IV Conferência Inter-americana de RSE, 2006.
Puppim de Oliveira, José A. Bridging the gap between small firms and investors to promote investments
for green innovation in developing countries: two cases in Brazil. Int. J. Technological Learning,
Innovation and Development (Inderscience), n. 4, v. 4, p. 259-276, 2011.
SEBRAE. Informação do site do Sebrae. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br>. Acesso
em 17 jul. 2005.
Social Investment Forum. Report on socially responsible investing trends in the United States (2005 e
2010). Disponível em: <http://www.socialinvest.org>. Acesso em 18 jan. 2007 e 20 fev. 2012.
Bibliografia recomendada
Boatright, John R. Finance ethics: critical issues in theory and practice. Hoboken, NJ: John Wiley &
Sons, 2010.
Bouma, J. J.; Jeucken, Marcel; Klinkers, L. (coords.). Sustainable banks: the greening of finance.
Sheffield, UK: Greenleaf Publishing, 2001.
Campos, Fabiana Moreno. Incorporação de questões ambientais e sociais na definição de carteiras de
investimento: conceito e desempenho recente dos principais índices internacionais e das iniciativas
no mercado brasileiro. (Dissertação de Mestrado) - COPPEAD/UFRJ, 2006.
Domini, A. L. Socially responsible investing: making a difference and making money. Chicago:
Dearborn Trade Publishing, 2001.
Entine, J. The myth of social investing: a critique of its practice and consequences for corporate social
performance research. Organization & Environment, v. 16, n. 3, p. 352-368, 2003.
Haigh, M.; Hazelton, J. Financial markets: a tool for social responsibility? Journal of Business Ethics,
v. 52, n. 1, p. 59-71, 2004.
United Nations Environment Programme (UNEP). Globalization and sustainable development: oppor-
tunitiesand challenges for the financial services sector. Geneva, Switzerland: UNEP, 2001.
Ventura, Elvira C. F. Dinâmica de institucionalização de práticas sociais: estudo da responsabilidade
social no campo das organizações bancárias. (Tese de Doutorado) - EBAPE-FGV, 2005.
15 Mudanças globais e efeito estufa
Objetivo
Entender o processo de busca de soluções aos problemas socioambientais globais
e estudar o caso das mudanças climáticas.
15.1 Mudanças globais
O ser humano provoca uma série de mudanças no ambiente onde vive. Na Pré-História,
essas mudanças não tinham um impacto muito grande sobre o ambiente, pois o número de
habitantes da Terra era pequeno e a capacidade de alteração do ser humano era limitada
tecnologicamente. À medida que o tempo passou, a população aumentou, e a capacidade
tecnológica da sociedade humana para alterar o ambiente se desenvolveu, permitindo, assim,
uma maior pressão sobre os recursos naturais. Além disso, a área de influência do ser humano
no ambiente se expandiu para lugares onde ele não existia, como a Antártica.
Com a Revolução Industrial, as mudanças se aceleraram, especialmente no que diz respeito
ao consumo de recursos naturais, tanto como matéria-prima quanto como absorvente dos sub-
produtos dos processos industriais (lixo, esgoto etc.). O século XX foi o mais transformador
do ambiente. Devido à urbanização e a melhorias nos padrões de saúde, a população teve
um crescimento estrondoso. Passou de uns 1,6 bilhões de habitantes em 1900 para aproxi-
madamente 6 bilhões em 2000. Seus padrões de consumo também aumentaram, causando
uma pressão ainda maior sobre os recursos naturais. Para fazer frente a esse consumo, as
alterações nos ecossistemas foram radicais, como mostra a Figura 15.1 para os casos da
cobertura florestal, exploração pesqueira e emissões de gases de efeito estufa.
Chegamos ao século XXI com uma Terra sob pressão em relação aos seus recursos
naturais, e ainda sob um tremendo impacto das necessidades econômicas e sociais da ainda
crescente população. As questões socioambientais globais são diversas, como algumas que
mencionamos a seguir:
• o efeito estufa (ou aquecimento global). Aumento da quantidade de alguns gases na atmosfera que
aumentam a temperatura na Terra, causando desequilíbrios ambientais;
• destruição da camada de ozônio pela emissão de gases destruidores da camada de ozônio que protege
o ser humano de alguns raios solares;
• perda de biodiversidade causada pela destruição de ecossistemas e desaparecimento de espécies;
• escassez e poluição dos recursos hídricos pelo aumento do consumo, poluição e má gestão;
• exploração desenfreada dos recursos naturais, como florestas e pesca;
• degradação dos solos e desertificação devido à expansão de técnicas predatórias de agricultura,
inadaptabilidade do solo a determinadas culturas e má gestão do solo;
• resíduos sólidos aumentam em volume e toxicidade em alguns casos, o que, aliado à falta de gestão
adequada em muitos países, coloca em risco a população. Além disso, falta de destino final adequado
a resíduos nucleares;
• aumento populacional que coloca mais pressão sobre os recursos naturais;
174 Empresas na sociedade
• pobreza que persiste, assim como a desigualdade. As 225 pessoas mais ricas detinham um rendi-
mento igual aos dos 47% mais pobres (2,9 bi) (ONU, 1998);
• poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) são substâncias que persistem muito tempo no meio
ambiente e que, a altas concentrações, causam distúrbios nos seres vivos, incluindo o homem. Como
os POPs não existiam no passado, e seu acúmulo é permanente, isso pode ameaçar as gerações
futuras, quando as concentrações estarão maiores, causando problemas.
Muitas dessas questões ainda estão longe de serem solucionadas, e algumas até causaram
situações de deterioração. Então surge a questão: como criar políticas e mecanismos para
gerir todos esses problemas?
sozinhos, sem a articulação com outros atores da sociedade, têm capacidade limitada para
gerenciar os problemas globais, nem mesmo nacionais. É necessária a articulação com outros
atores da sociedade, como empresas e organizações da sociedade civil.
Por outro lado, não existe um “Estado global” para cuidar dos problemas globais. A
Organização das Nações Unidas (ONU) não é um Estado global. Ela não tem a legitimidade
para exercer o poder de coerção que os Estados têm, através de legislação e poder de polícia.
Seu papel é mais de uma organização multilateral que é o espaço político de representação
dos Estados nacionais para se articular as questões de interesse da comunidade global. Existe
uma série de outras organizações multilaterais e internacionais que tem os Estados como
representantes, mas nenhuma delas tem a capacidade de implementar políticas para gerir as
questões globais. Da mesma forma, existe uma série de outras organizações que agregam em-
presas, sociedade civil organizada e governos subnacionais que também tentam participar das
decisões políticas e implementação de políticas globais, mas nenhuma delas tem a capacidade
de mobilização ou representação de todos os atores sozinha, até de um mesmo setor.
Acordos globais
Uma das maneiras de tratar questões de interesse global é através de leis internacionais, como
tratados ou acordos internacionais, entre países ou em organizações internacionais, como a
ONU ou a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Essa tem sido a maneira tradicio
nal de tentar gerir os problemas globais. Inicialmente, as discussões envolvendo acordos
internacionais eram estritamente fechadas aos Estados, representantes legítimos da comu-
nidade global, mesmo que algumas questões entrassem na agenda via outras organizações.
Por exemplo, as questões ambientais nas décadas de 1960 e 1970, que culminaram com a
Conferência de Estocolmo em 1972, foram levadas para a agenda de discussões global pelas
ONGs ambientalistas. Porém, nas últimas duas décadas, atores não governamentais têm sido
incorporados oficialmente nas discussões das questões globais, sejam eles ONGs, empresas
ou academia; apesar de as decisões ainda serem tomadas pelos Estados nas organizações
internacionais. De qualquer forma, a influência de atores não governamentais é grande,
como é o caso do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, do inglês
Intergovernmental Panel on Climate Change), painel formado por cientistas do clima, na
agenda das políticas globais de mudanças climáticas.
Dois passos
Os acordos internacionais, particularmente no âmbito da ONU, ocorrem geralmente com dois
tipos de tratados: convenção e protocolo. A convenção, via de regra, é um tratado bem geral,
colocando certos princípios bem abrangentes, como “tal problema existe e a comunidade
internacional precisa fazer algo”. Em seguida vem o protocolo, que suplementa com detalhes
a aplicação de um tratado anterior, como uma convenção, ou faz emendas ao tratado anterior.
Ele geralmente determina responsabilidades e ações para que algo seja então implementado.
Os tratados geralmente levam o nome da cidade onde foram propostos. Exemplos disso são
a Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio de 1985, e o Protocolo de
Montreal sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio de 1987.
Os países podem decidir que compromissos assinar e podem inclusive assinar uma conven-
ção, mas não assinar o protocolo relativo a ela. Os Estados Unidos, por exemplo, assinaram
176 Empresas na sociedade
a Convenção sobre Mudanças Climáticas, mas não assinaram o Protocolo de Kyoto que a
seguiu. Ou seja, eles assumiram os compromissos da convenção, mas não se comprometeram
a seguir o protocolo. O Brasil tem assumido diversos compromissos internacionais na área
ambiental. A Tabela 15.1 exemplifica alguns deles.
Os tratados internacionais, principalmente o protocolo, determinam as diretrizes de
ação para tentar resolver o problema. Geralmente apontam as responsabilidades e quem
é responsável pelo problema. Também colocam a forma de gestão, quem e como decide,
quem e como gerencia, quem paga e quem recebe. Finalmente colocam os mecanismos de
implementação, ou seja, como serão implementados os princípios do acordo.
A implementação dos tratados internacionais geralmente cai sobre os países que assinam
os compromissos. Eles devem transformar esses compromissos assumidos internacionalmente
em políticas públicas nacionais.
Limitações
Existem algumas limitações básicas na efetividade dos acordos internacionais para alcançar
os objetivos de gestão das questões globais, colocados a seguir:
• Fragilidade da implementação por alguns países: muitos países têm dificuldades de obter recursos
ou instituições que permitam cumprir com os compromissos assumidos. O sistema político in-
ternacional, através da ONU ou acordos multilaterais/bilaterais, pode dar ajuda financeira e técnica,
mas nem sempre isso é suficiente para ultrapassar as barreiras técnico-financeiras.
Mudanças globais e efeito estufa 177
• A questão da soberania: nenhum país é obrigado a assinar nenhum acordo. A ONU, ou outra
organização multilateral, não pode obrigar um país a cumprir com um tratado, mesmo que ele tenha
assinado. Existe o princípio da soberania da ONU, que garante aos Estados soberanos decidir o que
assinar e cumprir. O mais importante nos tratados são os compromissos morais.
• Conflito Norte x Sul: há uma grande disparidade econômica e social entre os países desenvolvidos
(Norte) e países em desenvolvimento (Sul), o que gera diferentes visões sobre as políticas globais
e as maneiras de implementá-las. Como resultado, existe uma certa rivalidade entre eles, o que
dificulta as negociações dos acordos.
• Falta de um sistema de punição e incentivos: não há muitos incentivos à implementação, exceto pela
questão do compromisso moral e da credibilidade do país. Se um país não cumpre, não é punido, e se
cumpre, e outros não cumprem, não recebe nenhum incentivo, o que faz com que muitos acordos
não tenham efetividade em sua implementação. O Protocolo de Kyoto é um dos poucos tratados que
tenta introduzir incentivos ao cumprimento através do mecanismo de desenvolvimento limpo.
15.3 Mudanças climáticas
As mudanças climáticas são o fenômeno de aumento médio da temperatura da Terra causado
pelo avanço da concentração de alguns gases na atmosfera, os chamados “gases de efeito
estufa” (GEE). Temos evidências bastante consistentes para mostrar que o fenômeno está
ocorrendo (IPCC, 2007):
• O período 1995-2006 está entre os 12 anos mais quentes desde 1850, quando se tem a medição
instrumental.
• A temperatura média do hemisfério norte durante a segunda metade do século XX foi possivelmente
a mais quente nos últimos 500 anos e talvez dos últimos 1.300 anos.
• A temperatura média do Ártico cresceu quase o dobro da taxa média global nos últimos
100 anos.
O efeito estufa em si não é um fenômeno daninho. Pelo contrário, sem ele provavelmente
não existiria vida na Terra, pois seria muito frio. O problema é exatamente a sua exageração.
O aumento das emissões dos gases de efeito estufa (GEE) é o grande responsável pela
exageração do efeito estufa. São seis GEE, mencionados no Protocolo de Kyoto:
• CO2 (dióxido de carbono): gerado na combustão (indústrias, queimadas etc.) e respiração;
• CH4 (metano): aterros sanitários, gado, emissão natural dos manguezais;
• N2O (óxido nitroso): vindo da manufatura de fertilizantes, combustão;
• HFCs: usados em ar-condicionado, refrigeração;
• PFCs: utilizado como alternativa aos CFCs e HCFCs;
• SF6: usado em equipamento de energia elétrica (fluido dielétrico).
As emissões antrópicas podem ser de dois tipos básicos, as causadas por processos
industriais (incluindo termoelétricas a combustíveis fósseis) e aquelas por resultado de
mudança do uso do solo (queimadas para agricultura ou reflorestamento, gado etc.). Existe
uma grande diferença entre os tipos de emissões de GEE dos países (Figura 15.3a). Os
países mais industrializados (ou do Norte) têm como principal fonte de emissão de GEE os
Mudanças globais e efeito estufa 179
Figura 15.2b Aumento das emissões nos últimos anos. Fonte: Peters et al., 2011, Nature CC; Data:
Boden, Marland, Andres-CDIAC, 2011; Marland et al., 2009.
Figura 15.2d Principais emissores devido ao uso de combustíveis fósseis. Emissões totais e emissões
per capita.
Fonte: Global Carbon Project, 2011; Data: Boden, Marland, Andres-CDIAC, 2011; Population
World Bank, 2011.
climáticas significativas (como resultado dos seus esforços, o IPCC ganhou o Prêmio Nobel
da Paz de 2007).
Com os dados preocupantes sobre o clima, houve uma pressão de ambientalistas e de
alguns países para que fossem tomadas medidas e começassem as negociações para buscar
uma solução ao possível problema das mudanças climáticas. As negociações evoluíram, e a
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Global do Clima (UNFCCC, sigla
em inglês) ou Convenção do Clima (www.unfccc.int) foi firmada durante a Conferência
Rio-92. As negociações entre os países continuaram no âmbito das Nações Unidas através da
Conferência das Partes (COPs), que é o fórum decisório das negociações. Na terceira COP
Mudanças globais e efeito estufa 181
(COP-3) em Kyoto foi proposta a Criação do Protocolo de Kyoto, que estabelece entre seus
mecanismos o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL (ou CDM, do inglês, Clean
Development Mechanism). Depois de muitas discussões, finalmente conseguiu o número
suficiente de países para ratificá-lo, o Protocolo de Kyoto, agora Tratado de Kyoto, entrou em
vigor no dia 16 de fevereiro de 2005, estabelecendo metas de redução de emissões aos países
desenvolvidos a serem atingidas no período de 2008 a 2012. O Protocolo não foi ratificado
por países importantes em termos de emissão, como os Estados Unidos e a Austrália.
182 Empresas na sociedade
Variação (1990-2005)
Item 1990 2005 em %
Esses acordos internacionais sobre mudanças climáticas colocam uma diferença nas
responsabilidades entre os países. As responsabilidades são comuns, mas diferenciadas.
Isso quer dizer que todos os países são responsáveis (pois todos emitem alguma forma de
gases de efeito estufa), mas alguns países são mais responsáveis que outros. Isso se deve a
questões históricas e de intensidade de produção dos GEE.
Os países desenvolvidos e ex-comunistas do leste da Europa junto com a Rússia con-
tribuem mais para o efeito estufa, já que se industrializaram antes dos países em desenvol-
vimento e têm geralmente uma intensidade de emissão de GEE maior per capita e os gases
são de alguma forma cumulativos. Esses países são chamados países do Anexo 1 e têm metas
de redução das emissões totais de GEE estabelecidas: aproximadamente 5% menos do que
emitiam no ano 1990, quando foi feito um inventário de emissões.
O restante dos países em desenvolvimento, chamados de não Anexo 1, não tem metas de
redução estabelecidas. O Brasil faz parte desse grupo, devido a questões históricas também.
Como se industrializaram bem depois e têm, em geral, uma baixa taxa de emissão per capita,
esses países contribuem menos para as causas do efeito estufa.
as ferramentas que os países podem utilizar para honrar seu compromisso para a solução
global. Esses três mecanismos são:
• implementação conjunta: um país do Anexo 1 pode implementar um projeto de redução em outro
país do Anexo 1;
• comércio de emissões: países do Anexo 1 podem transacionar emissões entre eles para atingir as
metas de Kyoto;
• mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL ou CDM): explicado em mais detalhes a seguir.
Os dois primeiros mecanismos só podem ser utilizados entre países do Anexo 1. O terceiro
(MDL) só pode ser operacionalizado entre um país do Anexo 1 (que precisa de crédito) e
um país não Anexo 1 (onde o projeto é feito).
O Protocolo de Kyoto vigora até 2012. Ainda não existe uma definição sobre o
acordo que dará seguimento a um compromisso além dele. A tendência é que somente
em 2015 os países deverão chegar a um acordo de metas com compromissos para depois
de 2020.
de carbono mais robusto nos Estados Unidos. Porém, há uma pressão crescente da sociedade
civil, acionistas e ONGs para que as empresas atuem para combater as mudanças climáticas.
Muitas empresas tem programas específicos na área. Há diversos programas de monitorar e
divulgar as emissões de empresas, como no caso do Carbon Disclosure Project (www.cdpro-
ject.net). Assim as empresas estão cada vez mais engajadas com iniciativas ligadas a reduzir
seus gases de efeito estufa, e teste de iniciativas mais polêmicas como o Carbon Capture and
Storage (CCS), que busca recuperar da atmosfera e armazenar massas imensas de dióxido
carbono em depósitos (veja mais em sequestration.mit.edu). Entretanto ainda existem dúvidas
sobre a viabilidade, e aceitação por parte da comunidade científica e política, do CCS. De
qualquer forma pode ser uma área promissora de atuação de empresas no futuro.
É necessário passar por uma série de checagens e registros por organizações internacionais,
nacionais e independentes, para tentar evitar fraudes no processo, ou influências políticas.
O Brasil saiu na frente no registro de projetos MDL, tendo os dois primeiros projetos
registrados junto ao Conselho Executivo do MDL em 2004 (o primeiro, o projeto do aterro
sanitário de Nova Iguaçu, será visto a seguir). Porém, hoje está em terceiro lugar. A China,
com quase metade do mercado de RCEs, está à frente (Figura 15.5), seguida pela Índia.
Entre os projetos brasileiros estão a geração de eletricidade (por biomassa principalmente),
Figura 15.5 Participação no potencial de redução de emissões para o primeiro período de obtenção
de créditos.
186 Empresas na sociedade
Sites interessantes
Carbon Capture and Sequestration Technologies Program at MIT: sequestration.mit.edu
Carbon Disclosure Project: www.cdproject.net
Centro Clima (COPPE/UFRJ-MMA): www.centroclima.coppe.ufrj.br
European Environmental Agency: www.eea.europa.eu/themes/climate
European Trade Scheme: http://ec.europa.eu/clima/policies/ets/index_en.htm
Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas: www.forumclimabr.org.br
Friends of Earth: http://www.foe.co.uk/campaigns/climate_change.html
Ministério da Ciência e Tecnologia: www.mct.gov.br/clima
Ministério do Meio Ambiente: www.mma.gov.br
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (ONU-CQNUMC): www.unfccc.int
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas: www.ipcc.ch
World Resources Institute: www.wri.org
Referências
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2002. Atualizado em 2009 pelo MCT. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/clima>.
Camargo, Aspásia; Capobianco, João P.; Puppim de Oliveira, José A. Meio ambiente Brasil: avanços
e obstáculos pós-Rio-92. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.
188 Empresas na sociedade
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC). Status atual das
atividades de projeto no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) no Brasil e
no mundo. Junho, 2011.
Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Climate Change 2007. IPCC Fourth
Assessment Report. Disponível em: <http://www.ipcc.ch>. Acesso em: 14 out. 2007.
Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Coordenação-Geral de Mudanças Globais de Clima.
Segunda Comunicação Nacional do Brasil à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre
Mudança do Clima. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2010.
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) (1997). Climate change information.
Disponível em: <http://www.unep.org>. Acesso em: 10 maio 2007.