Alim. Nutr.

, Araraquara ISSN 0103-4235

v. 16, n. 1, p. 89-97, jan./mar. 2005

ENCAPSULAÇÃO: APLICAÇÃO À TECNOLOGIA DE

ALIMENTOS
Henriette Monteiro Cordeiro de AZEREDO*

RESUMO: A encapsulação, na indústria de alimentos, núcleo com fatores ambientais, retardando alterações que
é um processo no qual um ou mais ingredientes ou podem resultar em perda de aroma, alteração de cor ou perda
aditivos (que constituem o núcleo) são revestidos por do valor nutricional; separar componentes reativos ou
uma cápsula comestível. O presente trabalho apresenta incompatíveis; reduzir a taxa de migração do material do
uma revisão de literatura sobre a encapsulação na núcleo para o ambiente externo (por exemplo, por
tecnologia de alimentos – os objetivos, os principais evaporação, que é muito rápida no caso de compostos de
métodos, os materiais encapsulantes mais utilizados, e sabor não encapsulados); evitar reações prematuras de um
algumas das aplicações na indústria de alimentos. substrato; mascarar compostos de sabor indesejável;
promover melhor solubilidade do núcleo e melhor
PALAVRAS-CHAVE: Microencapsulação; liberação incorporação em sistemas secos.19, 44, 48 Outro importante
controlada; goma arábica; amidos modificados; objetivo é permitir que a liberação do material do núcleo
dextrinas. ocorra lentamente com o tempo, ou a partir da ocorrência
de um certo evento. Esse conceito é denominado de
liberação controlada, podendo, portanto, referir-se ao
controle do início da liberação ou da taxa de liberação.51 A
Introdução
liberação controlada ajuda a evitar a utilização inefetiva e a
perda de compostos durante o processamento.
A encapsulação é um processo de empacotamento
Materiais hidrossolúveis podem também ser
de partículas (ex: compostos de sabor, pigmentos,
encapsulados. Entretanto, ao invés da existência de um
acidulantes, nutrientes, enzimas, conservantes) em cápsulas
núcleo e uma cobertura claramente definidos, o produto
comestíveis.32 O material encapsulado é denominado de
consiste de uma matriz homogênea do polímero envolvendo
recheio ou núcleo, e o material que forma a cápsula,
partículas do núcleo.24
encapsulante, cobertura ou parede.26 As cápsulas podem ser
classificadas por tamanho em 3 categorias:6 macro- (>5000
m), micro- (0,2-5000 m) e nanocápsulas (<0,2 m). Em
termos de arquitetura, as cápsulas podem ser divididas em
dois grupos: aquelas nas quais o núcleo é nitidamente
concentrado na região central, circundado por um filme
definido e contínuo do material de parede, e aquelas nas
quais o núcleo é uniformemente disperso em uma matriz.
O primeiro grupo pode ser classificado como sistema do
tipo reservatório, e caracteriza as “verdadeiras”
microcápsulas; e o segundo, classificado como sistema
matricial, resulta nas chamadas microsferas.34, 47 A principal
diferença entre as microcápsulas e as microsferas está no FIGURA 1 - Alguns modelos de microcápsulas. (A): matriz
fato de que, nas microsferas, uma pequena fração do material (microsfera); (B): microcápsula simples; (C): simples,
“encapsulado” permanece exposto na superfície, o que é irregular; (D): duas paredes; (E): vários núcleos; (F):
evitado pela verdadeira encapsulação. No entanto, o termo agrupamento de microcápsulas4, 26.
‘encapsulação’ tem sido usado em seu sentido mais amplo,
englobando tanto a formação de microcápsulas quanto de
microsferas.19 As microcápsulas podem ter ainda mais de Principais métodos de encapsulação
um núcleo, ou várias paredes para um mesmo núcleo.16 A
Figura 1 apresenta alguns dos principais modelos de A escolha do método de encapsulação para uma
microcápsulas. aplicação específica depende de uma série de fatores, como:
Alguns dos objetivos da encapsulação de tamanho de partículas requerido, propriedades físicas e
componentes de alimentos são: reduzir as interações do químicas do núcleo e da parede, aplicação do produto final,

*EMBRAPA Agroindústria Tropical - 60511-110 - Fortaleza - CE - Brasil.

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mecanismos desejados de liberação, escala de produção e
custo. 47 Vários métodos podem ser utilizados para
encapsulação, entre os quais podem-se destacar os seguintes:
Atomização
A atomização é uma técnica relativamente barata, e
a mais utilizada pela indústria de alimentos. É um dos
métodos mais antigos de encapsulação, tendo sido usado
na década de 1930 para preparar os primeiros compostos
de sabor encapsulados.24
O material a ser encapsulado, geralmente
hidrofóbico, é emulsificado em uma solução aquosa ou
dispersão do material encapsulante, e a emulsão óleo-em-
água resultante é bombeada através de um atomizador para
uma câmara a alta temperatura.39 Na encapsulação de
aromas, a relação típica entre material de parede e núcleo é
de 4:1.19 À medida em que as partículas são lançadas no
meio gasoso, elas tomam a forma esférica, com a fase oleosa
“empacotada” no interior da fase aquosa. Em contato com
o ar aquecido, a água se evapora rapidamente da cápsula. A
alta relação área de superfície/volume das partículas
promove rápida evaporação da água. Com isso, o tempo de
exposição das partículas ao calor é curto (geralmente poucos
segundos), e a temperatura do núcleo não ultrapassa os
100oC, o que reduz a ocorrência de alterações indesejáveis
em compostos termossensíveis.24
As cápsulas produzidas por atomização são
geralmente do tipo matricial, com o núcleo distribuído na
forma de micropartículas na matriz seca do material
encapsulante. Os mecanismos de liberação do núcleo
geralmente associados à atomização são pela ação de
solventes e por difusão.47
A principal vantagem da encapsulação por
atomização é a possibilidade de trabalhar com materiais
termolábeis, embora alguns compostos de aroma possam
ser perdidos. Outra vantagem é o pequeno tamanho das
partículas (geralmente menores que 100 m), o que torna o
produto altamente solúvel;24 por outro lado, torna-o mais
suscetível à oxidação,39 além de poder gerar problemas de
separação em misturas secas. A separação pode ser evitada
por meio de um processo de aglomeração, no qual as
partículas encapsuladas são tratadas com vapor, que induz
à coesão e formação de partículas maiores.29
Quanto maior o teor de sólidos da emulsão a ser
atomizada, menor o tempo necessário para formação das
cápsulas, o que favorece a retenção dos voláteis. Outros
fatores que afetam a retenção de voláteis são: viscosidade
da emulsão; peso molecular e pressão de vapor dos
compostos voláteis; concentração dos compostos de sabor;
tipo e peso molecular do encapsulante; velocidade do ar de
secagem; tamanho das gotículas atomizadas; temperatura
de secagem.50
Zilberboin et al.68 sugeriram uma modificação no
processo de atomização para encapsular substâncias muito
voláteis ou termolábeis. O processo modificado
(desidratação a frio ou desidratação por solvente) consiste
na atomização de uma emulsão (material do núcleo em
solução do material de parede) em um líquido desidratante
(ex: álcool ou poliglicol), à temperatura ambiente. O
processo foi utilizado pelos autores para encapsular
oleorresina de páprica e diversos ésteres voláteis.
Extrusão
A encapsulação por extrusão, método
particularmente útil para compostos termolábeis, envolve a
dispersão do material do núcleo em uma massa fundida de
um carboidrato. A mistura é forçada, através de moldes, em
direção a um líquido desidratante (ex: isopropanol) que
endurece a cobertura. Quando o material entra em contato
com o líquido desidratante e a parede se endurece, qualquer
porção oleosa é removida da superfície. Os filamentos do
material extrusado são quebrados em fragmentos menores,
separados e secos. O método produz partículas relativamente
grandes, que podem ser usadas quando se desejam
fragmentos visíveis. A ausência de material do núcleo na
superfície e a completa encapsulação conferem ao produto
excelente estabilidade.51
Os hidrocolóides aniônicos, especialmente os
alginatos, podem ser utilizados para a encapsulação por
extrusão, graças à sua capacidade de formar géis em contato
com soluções salinas.34
Leito fluidizado
A fluidização ocorre quando um fluxo ascendente
de um fluido através de um leito de partículas atinge
velocidade suficiente para suspendê-las sem expulsá-las da
corrente do fluido. O leito de partículas torna-se assim
semelhante a um líquido em ebulição, daí o termo
fluidização.21 Na encapsulação em leito fluidizado, enquanto
as partículas do núcleo são suspensas, o material da parede
é atomizado para dentro da câmara, depositando-se sobre
as partículas do núcleo. Quando as partículas atingem o
topo da coluna ascendente, são lançadas em uma coluna
descendente de ar, que as lança novamente no leito
fluidizado, onde são novamente revestidas, secas e
endurecidas. As sucessivas passagens das partículas, com
orientação aleatória, por esse ciclo de revestimento, assegura
maior uniformidade da parede. A turbulência da coluna de
ar é suficiente para manter a suspensão das partículas
cobertas, permitindo sua rotação, o que torna o revestimento
uniforme.29 São obtidas assim verdadeiras microcápsulas,
em contraste com a atomização e a extrusão, que produzem
microsferas.19
A encapsulação em leito fluidizado é uma das poucas
tecnologias que possibilitam que as partículas sejam
revestidas com praticamente qualquer tipo de material de
cobertura (polissacarídeos, proteínas, emulsificantes,
gorduras etc.), o que permite o uso de uma ampla gama de
formas de liberação controlada. O uso de gorduras, ceras
ou emulsificantes como material de cobertura é
relativamente novo, mas muito promissor. Uma vantagem
do uso desse tipo de material reside no fato de que não há

necessidade de solvente para formular o material de
cobertura, como no caso de materiais de base aquosa, o que
reduz o tempo de processo. Além disso, o consumo de
energia é menor, devido à não necessidade de evaporação.27
Se a cobertura for à base de gorduras, a liberação ocorre
por aumento de temperatura ou por fratura física, ao passo
que partículas cobertas com materiais hidrossolúveis têm
seus núcleos liberados geralmente por adição de água. Este
método tem sido usado, por exemplo, para isolar ferro do
ácido ascórbico em formulações multi-vitaminas, ou para
encapsular sal ou acidulantes, evitando a interação desses
ingredientes com outros componentes de formulações.5
Coacervação
Coacervação é um fenômeno coloidal referente a uma
separação de fases, em que uma fase líquida rica em um
colóide separa-se de uma solução macromolecular, como
resultado de uma redução da solubilidade por meios
químicos ou físicos (ex: alteração de temperatura ou de pH,
adição de uma solução iônica concentrada, entre outros). A
nova fase, rica em colóides, apresenta-se na forma de
gotículas líquidas, que acabam por coalescer, formando uma
camada contínua que se deposita para formar a parede da
cápsula. A etapa final é o endurecimento da parede e o
isolamento das cápsulas.63
A coacervação envolve três etapas: formação de três
fases – uma fase líquida que atua como veículo, uma fase
do material a ser encapsulado, e uma terceira do
encapsulante; deposição do material a ser encapsulado,
formando um núcleo; solidificação do encapsulante.34 O
método produz, portanto, um sistema do tipo reservatório.
Um exemplo típico de encapsulação por coacervação
ocorre em sistemas com dois colóides hidrofílicos de cargas
elétricas opostas. O sistema gelatina-goma arábica é o mais
estudado, e o processo é conduzido da seguinte forma, sob
contínua agitação: o material do núcleo é emulsificado ou
suspenso em uma das duas soluções (gelatina ou goma
arábica), e a outra solução é então adicionada, formando-se
assim um sistema com três fases. O pH inicial deve ser
maior que 5,0 (ponto isoelétrico da gelatina); assim, ambos
têm cargas negativas e se repelem, sendo portanto miscíveis.
Com a diminuição gradual do pH até 3,8-4,3, a gelatina
adquire cargas positivas, que interagem com as cargas
negativas da goma arábica, formando-se microcápsulas que
se depositam em torno das gotículas do núcleo.
Posteriormente, deve-se promover a formação de ligações
cruzadas do material com um aldeído, para assegurar maior
integridade da cobertura.34, 63
Apesar de muito eficiente, a coacervação é um
processo caro, e por isso não muito utilizada na indústria
de alimentos.24
Liofilização
A liofilização é um método baseado na desidratação
por sublimação de um produto congelado. Consiste em duas
91
etapas, a saber: (a) congelamento rápido do produto e (b)
sublimação do gelo sob vácuo. 61 Um processo de
encapsulação pode ser realizado por meio de liofilização de
uma emulsão do material do núcleo com um encapsulante.
O método gera produtos de excelente qualidade, uma vez
que minimiza as alterações associadas a altas temperaturas.
De fato, Desobry et al.20 observaram que a encapsulação
por liofilização resultou em menor degradação de -caroteno
durante o processo (8%), quando comparada à atomização
(11%) e à secagem em tambor (14%). Por outro lado, seu
alto custo e longo tempo de processo prejudicam sua
aplicabilidade comercial.
Secagem em tambor
A secagem por contato ocorre por meio de contato
direto de um leito ou camada do material com uma superfície
aquecida; a transferência de calor se dá principalmente por
condução. A secagem em tambor é um tipo de secagem por
contato, em que o material, fluido ou em forma de pasta, é
espalhado em uma camada bem fina na superfície de um
tambor rotativo aquecido.
Desobry et al.20 observaram maior estabilidade,
durante a estocagem, de -caroteno encapsulado por
secagem em tambor, em comparação com o processo por
atomização ou liofilização, o que foi atribuído pelos autores
à menor relação área/volume das partículas obtidas pela
secagem em tambor. Semelhantemente, Buffo &
Reineccius 14 observaram maior retenção, durante a
estocagem, de compostos de aroma encapsulados por
secagem em tambor do que por atomização ou liofilização.
Inclusão molecular
A inclusão molecular, ao contrário dos demais
processos descritos, ocorre a nível molecular, utilizando
ciclodextrinas (CD) como encapsulantes. As CD são
oligossacarídeos cíclicos que consistem em 6 ( -CD), 7 ( -
CD), 8 ( -CD) ou mais unidades glicopiranósicas ligadas
em posição -(1,4). A molécula resultante atua como uma
cápsula molecular, com uma superfície externa polar e uma
cavidade apolar, que a torna capaz de atuar como uma
“molécula hospedeira”, formando complexos de inclusão
com uma grande variedade de “moléculas hóspedes” de
baixa polaridade.36
A formação de um complexo de inclusão depende
de um ajuste geométrico entre a molécula hóspede e a
cavidade da molécula hospedeira, além de compatibilidade
entre ambas em termos de polaridade.42 O número de
unidades de glicose da CD determina o diâmetro interno e
o volume da cavidade. Assim, a -CD é adequada para
complexar moléculas de baixo PM ou com cadeias laterais
alifáticas, enquanto a -CD forma complexos com
compostos aromáticos e heterocíclicos, e a -CD pode
complexar moléculas maiores, como esteróides.36 Nenhuma
ligação covalente é formada ou rompida durante a formação
do complexo. A principal força motriz da complexação é a
92
liberação de moléculas de água da cavidade, que são
deslocadas por moléculas mais hidrofóbicas. O complexo
resultante, bastante estável, precipita da solução e pode ser
recuperado e desidratado.36, 53 O complexo se dissocia
facilmente para liberar a molécula hóspede nas condições
de temperatura e umidade da boca.29
A inclusão em CD tem profundos efeitos sobre as
propriedades das moléculas hóspedes, entre eles: aumento
da solubilidade, aumento da estabilidade oxidativa,
estabilização de emulsões, controle da volatilidade, controle
da liberação de sabores.29, 36 A técnica não requer a utilização
de equipamentos específicos caros.37 Por outro lado, uma
grande limitação é o alto custo das CD.42
Segundo Szente & Szejtli57, a inclusão molecular em
-CD foi efetiva em reduzir a perda de voláteis em café.
Matioli & Rodriguez-Amaya37, encapsulando licopeno,
observaram que, quanto maior a proporção de -CD, maior
foi a intensidade de cor do produto final. A estabilidade do
complexo foi excelente, mesmo em presença de luz.
Inclusão em lipossomas
Os lipossomas são vesículas microscópicas formadas
por uma ou mais camadas concêntricas de lipídios,
geralmente fosfolipídios.12 Essas estruturas destacam-se por
sua capacidade em encapsular materiais hidrofóbicos,
hidrofílicos e anfifílicos, a depender de sua composição
lipídica. Os lipossomas têm sido amplamente estudadas por
pesquisadores na área de saúde, devido ao seu uso potencial
como revestimento de fármacos que incluam
macromoléculas bioativas. Recentemente, o uso de
lipossomas pela indústria de alimentos têm sido sugerido,
especialmente para encapsulação ou imobilização de
enzimas. 32 A encapsulação da enzima neutrase em
lipossomas, além de reduzir a quantidade requerida da
enzima, reduz o tempo requerido para maturação de queijo
Cheddar, em comparação com o processo convencional. O
uso da enzima encapsulada evita a degradação prematura
da caseína e a perda da enzima no soro, já que a liberação
só ocorre após a remoção do soro.35
Materiais encapsulantes mais utilizados
Um dos principais fatores que influenciam a
estabilidade de compostos encapsulados é a natureza do
material encapsulante.52 A escolha do material a ser utilizado
deve levar em consideração uma série de fatores, como:
propriedades físicas e químicas do núcleo (porosidade,
solubilidade etc.) e da parede (viscosidade, propriedades
mecânicas, transição vítrea, capacidade de formação de filme
etc.), compatibilidade do núcleo com a parede, mecanismo
de controle e fatores econômicos.13 O material de parede
deve ser insolúvel e não reativo com o núcleo.30
Os carboidratos são os materiais mais utilizados para
encapsulação, graças à sua capacidade de se ligar a
compostos de sabor, além de sua diversidade e baixo custo.24
A estabilidade de emulsões é um fator importante a
se considerar para encapsulação de compostos de sabor, uma
vez que estes são geralmente insolúveis em água. Para atuar
como emulsificante, um composto deve conter grupamentos
hidrofílicos e hidrofóbicos; quanto maior a capacidade
emulsificante do encapsulante, melhor a retenção de
compostos.24, 48 Os encapsulantes devem atender ainda aos
seguintes requisitos: boas propriedades de formação de
filme; baixa higroscopicidade; baixa viscosidade a altas
concentrações de sólidos (menor que 0,5 Pa.s em
concentrações superiores a 45%); sabor e odor suaves; fácil
reconstituição; baixo custo. Na prática, muitas vezes, pelo
fato de um mesmo composto não englobar todas essas
propriedades, usam-se misturas.56, 60
A seleção do material de parede a ser utilizado para
processos de encapsulação envolve geralmente caros e
demorados procedimentos de tentativa e erro, com base em
vários critérios, entre os quais: eficiência de encapsulação,
estabilidade durante a estocagem, grau de proteção do núcleo
e características microscópicas da superfície.40
A goma arábica (ou goma acácia) é constituída por
um arranjo altamente ramificado de galactose, arabinose,
ramnose e ácido glicurônico, contendo ainda cerca de 2%
de um componente protéico ligado covalentemente a esse
arranjo molecular, exercendo um papel crucial na
determinação das propriedades emulsificantes da goma.2, 46
É considerada historicamente como o material encapsulante
por excelência, graças à sua solubilidade, baixa viscosidade,
boas propriedades emulsificantes, sabor suave e alta
estabilidade oxidativa conferida a óleos.33, 50, 58 Por outro lado,
tem alto custo e problemas de disponibilidade, já que é
produzida em regiões sujeitas a variações climáticas
imprevisíveis e conflitos políticos, o que pode comprometer
sua oferta. Assim, a busca por substitutos totais ou parciais
para a goma arábica tem sido incentivada.38
Alguns trabalhos registraram que a goma mesquita,
de estrutura similar à da goma arábica, apresentou melhor
capacidade emulsificante que aquela, para encapsular óleo
essencial de laranja9 e oleorresina de pimenta.52
O amido é um material abundante e barato. Em seu
estado nativo, o amido, em forma de grânulos, é insolúvel
em água fria. Entretanto, quando uma dispersão aquosa de
amido sofre aquecimento suficiente para romper os grânulos,
forma-se uma pasta capaz de produzir filmes de boas
propriedades mecânicas. Por outro lado, a viscosidade das
soluções de amido é geralmente alta demais para a maior
parte dos processos de encapsulação.33 Além disso, o amido
não possui grupos hidrofóbicos, não exercendo portanto
praticamente nenhum efeito estabilizante de emulsões, a
não ser pelo aumento da viscosidade.48
Um método utilizado para reduzir a viscosidade do
amido e aumentar sua solubilidade em água é a
dextrinização, que consiste no aquecimento dos grânulos
de amido em presença de ácido ou base; como resultado,
ocorre hidrólise parcial do polímero, assim como
repolimerização para formar cadeias mais ramificadas. Os
graus de hidrólise e repolimerização podem ser variados

para obtenção de produtos com diferentes propriedades de
solubilidade e viscosidade, embora um tratamento térmico
drástico possa tornar o produto muito escuro e com sabor
alterado.33 Existe alta correlação entre o valor de equivalente
de dextrose (ED)* de um amido hidrolisado e a estabilidade
oxidativa conferida ao núcleo. Com o aumento do ED,
aumenta a barreira ao oxigênio e, portanto, a estabilidade
oxidativa.1 De fato, Wagner & Warthesen64 observaram que,
quanto maior o ED de um amido hidrolisado, maior a
eficiência da cápsula em proteger -caroteno contra
oxidação. Por outro lado, quanto maior o ED, menor a
temperatura de transição vítrea ** , aumentando a
probabilidade de aglomeração (caking) do pó obtido.45
Devido à sua baixa viscosidade a altas concentrações,
as maltodextrinas têm sido estudadas como possíveis
substitutos para a goma arábica em emulsões atomizadas.7,
60
Por outro lado, maltodextrinas têm baixa capacidade
emulsificante. 3, 33 Os resultados obtidos por Thevenet58
indicaram que uma mistura 1:1 de goma arábica e
maltodextrina foi quase tão eficiente quanto goma arábica
pura para estabilização oxidativa de óleo essencial de
laranja. Já os resultados obtidos por Dib Taxi23 indicaram
que a goma arábica foi mais eficiente do que maltodextrina
(ED 10) na manutenção da estabilidade de suco de camu-
camu encapsulado por atomização, com relação à retenção
de vitamina C, cor e da atividade de água. Bhandari et al.,10
testando diferentes proporções entre goma arábia e
maltodextrina, também observaram maior retenção de
voláteis à medida em que a relação goma arábica/
maltodextrina aumentou.
O amido pode ser modificado quimicamente por meio
de hidrólise parcial seguida da reação com um componente
hidrofóbico.50 Com isso, o amido é atraído para a interface
óleo-água de uma emulsão, podendo assim ser utilizado
como encapsulante. Um composto comumente utilizado para
ligação ao amido é o octenil-succinato. O polímero assim
produzido tem boa solubilidade em água e excelente retenção
do material volátil de aroma após a secagem.7, 60 Segundo
Trubiano & Lacourse60, a utilização de amido modificado
com octenil-succinato como material de parede resultou em
uma perda de compostos de sabor cerca de 20 vezes inferior
ao registrado com a goma arábica. Os amidos modificados
têm baixa viscosidade, o que permite seu uso em maiores
concentrações que a goma arábica. Isso explica ao menos
parcialmente a melhor retenção de sabor.50 Por outro lado,
os amidos modificados exercem pouca proteção contra
oxidação durante a estocagem.48
Yoshii et al.66 observaram que a adição de gelatina à
solução encapsulante, à base de maltodextrina e goma
arábica, promoveu um aumento da retenção de etilbutirato
durante a atomização, além de um melhor controle das taxas
de liberação desse volátil. Os autores sugeriram, como
explicação, que a gelatina forme uma crosta na superfície
*ED é definido como o poder redutor percentual de um composto, quando comparado ao da glicose (dextrose), na mesma base de peso seco. É uma medida do grau
de hidrólise do amido.
**Transição vítrea é uma transição de segunda ordem, de um estado sólido (vítreo), para um estado gomoso, mais fluido. Sua principal conseqüência é um
aumento da mobilidade molecular.
93
das partículas durante a encapsulação, favorecendo a
retenção do núcleo.
Alguns polissacarídeos de origem marinha (ex:
alginato, quitosana, carragena) têm uma aplicação
interessante para processos de encapsulação. Esses
compostos podem criar um ambiente mais adequado em
regiões específicas do alimento - por exemplo, um ambiente
mais ácido na superfície do produto, favorecendo o efeito
de ácidos orgânicos utilizados como conservantes.32 Torres
& Karel59 obtiveram uma concentração de ácido sórbico na
superfície de produtos de umidade intermediária. O baixo
pH da superfície, necessário à efetividade do conservante,
foi mantido pela carragena.
Encapsulação e o controle da liberação do núcleo
A encapsulação permite que o núcleo seja isolado
do ambiente externo até que a liberação seja desejada. A
liberação no local e no momento adequados é uma
propriedade de extrema importância nos processos de
encapsulação, melhorando a efetividade e reduzindo as doses
requeridas de aditivos e ampliando o espectro de aplicações
de compostos de interesse.27
Karel & Langer32 mencionaram alguns exemplos de
situações que requerem controle da difusão de componentes
específicos do alimento, especialmente aditivos. Compostos
de sabor e nutrientes devem ser liberados no momento do
consumo, mas sua difusão deve ser prevenida durante o
processamento e a estocagem. Outros componentes, como
ácidos e substâncias participantes de ligações cruzadas,
podem ser liberados durante uma etapa do processo, mas
protegidos nas etapas precedentes. Em alguns casos, os
conservantes são necessários na superfície do produto,
enquanto sua difusão para outras partes deve ser controlada,
para evitar diluição.26
Os principais fatores que afetam as taxas de liberação
do núcleo estão relacionados a interações entre o material
encapsulante e o núcleo.25 Além disso, outras variáveis
influenciam a liberação, tais como: volatilidade do núcleo,18
proporção entre núcleo e encapsulante,67 tamanho das
partículas 55 e grau de viscosidade do polímero
encapsulante.17
Em geral, o tipo e geometria das partículas do núcleo
e, principalmente, do material encapsulante determinam o
mecanismo de liberação do núcleo. A maioria dos compostos
usados como encapsulantes são carboidratos, tipicamente
hidrofílicos e amorfos, capazes de formar uma estrutura
vítrea por meio da remoção de água.32 Os processos que
utilizam encapsulantes hidrofílicos resultam geralmente em
liberação mais rápida do núcleo, enquanto o uso de gorduras
ou ceras como encapsulantes tende a retardar a liberação.65
Seguem os principais mecanismos envolvidos na
liberação do núcleo. Embora sejam apresentados
94
separadamente, na prática é comum uma combinação de
mecanismos.42
Liberação controlada por difusão. A difusão é um dos
mecanismos mais importantes no processo de liberação.
A parede de uma cápsula atua geralmente como uma
membrana semipermeável. Se a parede estiver íntegra,
a liberação do núcleo ocorre principalmente por
difusão,56 cuja taxa é governada pelas propriedades
químicas do núcleo e do material encapsulante, assim
como por algumas propriedades físicas da parede, como
estrutura da matriz e dimensões dos poros.65 Outro fator
de grande importância é o estado físico do material de
parede. Materiais no estado vítreo são geralmente bem
mais impermeáveis que no estado gomoso.47 A liberação
do núcleo ocorre quando a estrutura vítrea da matriz
sofre transição para um estado gomoso, de maior
mobilidade. Como a temperatura de transição vítrea
depende muito do teor de plastificante (geralmente
água), a proteção contra umidade deve ser assegurada
pela utilização de uma embalagem de alta barreira ao
vapor de água ou por dupla encapsulação, que consiste
em uma matriz hidrofílica revestida por uma
hidrofóbica.32 Mesmo depois que a temperatura ou a
umidade tenham ultrapassado um valor crítico, que
permita a transição vítrea, a taxa de liberação do núcleo
varia em função da temperatura e do teor de umidade.31
Liberação ativada por degradação. Proteínas ou lipídios
podem se degradar pela ação de proteases e lipases,
respectivamente.19
Liberação ativada por solvente. Em contato com um
solvente, o material da parede pode se dissolver
totalmente, liberando rapidamente o núcleo, ou começar
a se expandir, favorecendo a liberação. A ativação pela
água é o mecanismo mais comum de liberação na
indústria de alimentos, já que a maioria dos
encapsulantes é hidrossolúvel.49
Liberação controlada por pH. Resulta de alterações na
solubilidade em água do material de parede, decorrentes
de alterações no pH.49
Liberação ativada por temperatura. O núcleo é liberado
como resultado de uma mudança de temperatura,
afetando o estado físico e a taxa de liberação. Existem
dois conceitos distintos: a liberação sensível à
temperatura, reservada para materiais que se colapsam
ou expandem quando uma temperatura crítica é
atingida, e a liberação ativada por fusão, que envolve a
fusão do material de parede (que pode ser, por exemplo,
um lipídio modificado ou uma cera) por aumento de
temperatura.19
Liberação ativada por pressão. Ocorre quando uma
pressão é aplicada às paredes das cápsulas, por exemplo,
durante a mastigação. Um exemplo é a liberação de
compostos de sabor em gomas de mascar.19
Os mecanismos mais comuns de liberação,
frequentemente associados a produtos atomizados ou
extrusados, baseiam-se em ação de solvente e difusão.
Embora a maioria dos encapsulantes libere o núcleo
rapidamente após hidratação, as matrizes podem ser
modificadas para liberar o núcleo em um determinado
momento. A liberação pode ocorrer subitamente ou,
alternativamente, pode ser controlada por mudanças nos
parâmetros do processo que regulam o tamanho das
partículas, o volume ou diâmetro dos poros ou a área de
superfície da cápsula. Variações na composição,
modificações químicas (como ligações cruzadas) ou adição
de grupos funcionais podem ser também usadas para
controlar a liberação. O amido pode ser modificado para
ter maior afinidade com certos grupos funcionais do núcleo,
melhorando a formação de uma emulsão.65
Algumas aplicações na indústria de alimentos
O material a ser encapsulado pode ser o alimento
como um conjunto, ou uma determinada classe de compostos
(ingredientes ou aditivos), embora esta última aplicação seja
mais freqüente. A aplicação mais conhecida da encapsulação
em alimentos é a proteção de compostos de aroma, que
podem ser perdidos por evaporação, oxidação ou interações
com outros compostos. As técnicas de encapsulação e
liberação controlada constituem uma forma de proteger esses
compostos. O encapsulante deve ser capaz de formar uma
cobertura de alta barreira a compostos orgânicos,
promovendo boa retenção de voláteis e protegendo o núcleo
contra a ação do oxigênio atmosférico. Uma grande
preocupação é que os compostos de aroma sejam liberados
de forma rápida e efetiva quando o alimento entra em contato
com a boca, do contrário a encapsulação não teria sentido.
Assim, geralmente são utilizados materiais de parede
bastante hidrossolúveis, como amido e dextrinas.7
Apesar de os estudos de encapsulação já se
encontrarem em estágio avançado com relação aos
compostos de aroma, são ainda limitados em relação a outras
classes.
Alguns trabalhos foram realizados envolvendo a
encapsulação de corantes. As fortes restrições impostas pelo
mercado ao uso de corantes sintéticos têm motivado sua
crescente substituição por pigmentos naturais. No entanto,
além de mais caros que os sintéticos, os pigmentos naturais
são muito instáveis quimicamente. Os carotenóides, por
exemplo, que constituem uma das principais classes de
corantes naturais, são muito suscetíveis a oxidação e
isomerização, que resultam em perda de cor. A encapsulação,
além de evitar essa degradação, possibilita ainda a dispersão
dos carotenóides em água, facilitando sua aplicação em
alimentos.37 Em alguns trabalhos, os autores concluíram
que a encapsulação aumenta a estabilidade de carotenóides,8,
41, 43, 54, 64
antocianinas28 e betalaínas.15
Muitas vitaminas são altamente oxidáveis, podendo
se beneficiar da encapsulação, que, além de aumentar a
estabilidade desses compostos, pode ainda mascarar
possíveis sabores ou odores estranhos. Nesse caso, o material
de parede deve liberar o núcleo apenas após a ingestão, ou
seja, no estômago ou no intestino. São utilizados geralmente
materiais hidrofóbicos, como ceras, embora muitos

derivados de celulose e proteínas com ligações cruzadas
possam também promover liberação entérica.13
Os teores de muitos conservantes em alimentos são
limitados pela legislação, além de apresentarem limitações
sensoriais. A liberação controlada de conservantes por
encapsulação melhora sua eficiência, reduzindo o teor
requerido desses aditivos. A encapsulação de ácidos
orgânicos utilizados como conservantes em panificação,
como o ácido sórbico, evita uma queda prematura do pH,
que poderia comprometer o crescimento das leveduras. A
liberação desses ácidos, por outro lado, é requerida durante
a estocagem, quando sua ação contra o crescimento de
fungos é necessária.22
Uma aplicação de crescente interesse industrial é a
produção de sucos de frutas encapsulados em pó. Os sucos
de frutas são produtos de alta demanda no mercado mundial,
e sua produção sob a forma de pós tem sido muito visada.
Entretanto, a alta higroscopicidade e a natureza
termoplástica desses pós acarretam problemas como adesão
às paredes do secador, aglomeração, entre outros, o que pode
ser contornado pela utilização de encapsulantes. No caso
de maltodextrinas, as de menores valores de ED são mais
adequadas, já que são menos higroscópicas.11 Dib Taxi23
observou que a estabilidade de suco de camu-camu
microencapsulado por atomização foi bem superior à do
produto liofilizado sem encapsulante, tomado como
referência.
Considerações finais
Apesar da grande variedade de produtos
encapsulados disponíveis no mercado de produtos
farmacêuticos e cosméticos, a encapsulação tem encontrado,
até o momento, relativamente pouco espaço na indústria de
alimentos. Uma das razões disso é o fator custo – enquanto
os setores farmacêutico e de cosméticos geralmente suportam
a utilização de técnicas de alto custo, a indústria de alimentos
tipicamente trabalha com margens de lucro relativamente
baixas, sendo imperativa a necessidade de redução dos custos
de produção. Além disso, as indústrias apresentam muitas
vezes forte resistência à adoção de novas tecnologias. No
entanto, deve-se considerar que muitos compostos de grande
impacto mercadológico na indústria de alimentos, como os
aromas e corantes naturais, são altamente degradáveis,
perdendo suas propriedades de interesse e,
consequentemente, seu valor de mercado. Com base nos
resultados de inúmeros trabalhos, indicando que as técnicas
de encapsulação podem proteger esses compostos,
aumentando consideravelmente sua estabilidade, pode-se
assumir que a encapsulação tem alto potencial para expandir
mercados de produtos de alto valor agregado.
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ABSTRACT: Encapsulation in food industry is a process
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by which one or more ingredients or additives (i.e., the
core) are coated with or entrapped within an edible
capsule. This work presents a literature review on food
encapsulation - the objectives, the main methods, the
most utilized encapsulating agents and some of the
applications in food industry.
KEYWORDS: Microencapsulation; controlled release;
arabic gum; modified starches; dextrins.
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