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Edição 48 Possessão demoníaca: manifestação do mal ou transtorno mental


Setembro de 2011
Por Douglas Naegele
Palestra: Wladimir Pomar
Não faz muito tempo eu fui abordado com a seguinte pergunta: Você acredita na manifestação do
Internacional
Diabo? Diante de tamanha sinceridade e credulidade embutidas na pergunta eu, mesmo contendo
Literatura
o riso, respondi da seguinte maneira: Quem você quer ouvir? O teólogo e acadêmico ou o crente?
Cinema
Religião – como não houve resposta, eu decidi que comporia um artigo abordando o tema, a fim de
Homenagem responder ao que crê e àquele que não se satisfaz com uma resposta da fé e busca a laicidade
Humor acadêmica.
Ficção
Cotidiano Definições
Crônica: Alexandre Brandão
Em primeiro lugar devemos partir do princípio das definições. O que são demônios? Bem, a
Crônica: Angela Leite
Crônica: Antonio Barreto primeira resposta que nos vêm à mente, como pertencentes à sociedade ocidental (judaico‐
Crônica: Denise Ribeiro cristã), é a de que um demônio é uma entidade espiritual que personifica o mal. A tradição
Crônica: Valéria Lopes popular, sedimentada em nossas lendas, nos diz que tais entidades exercem sobre o ser humano
Crônica: Vivina de Assis Viana toda sorte de influências, sejam estas perversões sexuais, sejam de caráter e até de ações
Poesia inconscientes, mas que, invariavelmente, são malévolas. Contos, novelas, romances, filmes e
Conto seriados televisivos nos ajudaram a solidificar essa ideia a partir do século XVIII. Todavia, nem
Ensaio sempre foi assim, como veremos.

Pesquisar: Demônio, inicialmente, era uma entidade que muito se assemelhava aos gênios da mitologia
árabe. De origem grega a palavra demônio, daimon ou daemon, significava “voz interior”, ou o
 Matéria  Autor
“deus que vive dentro de nós” e “nos aconselha”, mas que também poderia ser a fonte do
  sentimento de ódio(1). Com o passar do tempo a sua descrição mudou, ganhou a forma “física” de
deuses pagãos, mesclando‐se com Pã, ou outras divindades, e até mesmo suas ações se tornaram
associadas à venda da alma do crente, ou a pactos, que envolveriam a entrega total da vontade
daquele que o serve.

Os mais antigos relatos sobre o que seria mais tarde considerado pelos cristãos como demônios
podem ser encontrados nas antigas culturas da Mesopotâmia, e posteriormente na Pérsia, Egito e
até em Israel, onde uma diversidade de espíritos era considerada como causadora de doenças,
destruição de plantações, inundações, incêndios, pragas, ódios e guerras. Diziam que espíritos
com nomes como “O Emboscador” e “O Pegador” estavam sempre prontos a atacar, em todo e
qualquer lugar: em desertos e florestas, em porões e telhados e dentro de casas que não
estivessem devidamente protegidas com amuletos e feitiços.

Para a maioria das denominações cristãs, os demônios são “anjos caídos” que foram expulsos da
presença de Deus, conforme consta no livro de Apocalipse (12,7‐9). Segundo esta leitura, o líder
desta revolta, ocorrida nos céus, teria sido “Lúcifer” (estrela da manhã, em Isaías 14,12), que
desejou ser igual a Deus (Ezequiel 28,2), foi lançado à Terra. Quando, porém ele foi lançado fora
do Céu sobre a Terra, trouxe um terço dos anjos (Ap. 12,4). A Bíblia não cita em nenhum
momento o motivo exato que levou a terça parte dos anjos a se colocarem ao lado de “Lúcifer”,
muito menos a justa quantidade que fez essa opção, o que leva à conjetura de que, obviamente,
estes estavam insatisfeitos com a posição por eles exercida nas hordas celestiais.

Lúcifer, também conhecido como Diabo (do grego “diábolos” – caluniador, ou acusador) ou
Satanás (do hebraico “satan” – opositor ou adversário), segundo o dicionário Aurélio era “Na
tradição judaica mais primitiva, um dos anjos de Jeová, advogado ou representante dos homens
junto a este, e que posteriormente, sob a influência do problema do mal e das soluções de tipo

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dualista dadas a esse problema, passou a significar o mau, o acusador, o tentador, o demônio”. 

Para o espiritismo cristão, demônios não existem. Já que segundo essa crença, Deus, em sua
magnânima perfeição, ao deixá‐los existir, estaria contrariando suas leis e contradizendo‐se,
tendo em vista que “Deus é Amor” e a existência do Mal, como sua criação seria um erro. Nesse
sentido, o que comumente são conhecidos como demônios, na verdade, seriam espíritos que
vagam, em estágio estacionário de evolução, que se distanciaram, por livre escolha (livre
arbítrio), dos princípios divinos da criação.

Ainda dentro do conceito o espírita, os espíritos tidos vulgarmente por demônios, exerceriam
influência sobre outros os seres vivos, de modo muito semelhante ao conceito grego, já que estes
manipulariam os encarnados através de pensamentos ruins, ações negativas, tudo aquilo que vá
contra os princípios morais cristãos. No fenômeno identificado como “incorporação”, no qual um
espírito assume o controle das vontades e das ações daquele que é usado como veículo. Esse
comportamento copia exatamente aquele que é descrito como “possessão demoníaca”, mas que
os espíritas alegam ser uma forma de “obsessão” de um espírito estacionário, não evoluído,
desencarnado, em estado “temporário de ignorância” e que assume o papel da personagem
fictícia (demônio) passando a agir em seu nome, representando esse papel mitológico.

Outras religiões atribuem aos espíritos tidos por levianos o rótulo de “demônio” por não
conhecerem a relação espiritual na que estaríamos imersos.

A possessão demoníaca: uma dicotomia

Como vimos, segundo as tradições, a possessão demoníaca se dá através de três possibilidades: a


primeira, envolveria um pacto ou uma entrega pessoal daquele que se oferece como “prêmio” ao
demônio a fim de obter uma facilidade qualquer (em alguns casos, não envolveria nem a devoção
ao Mal, mas apenas a entrega da “alma eterna”, como no caso da lenda de Fausto); a segunda,
seria uma série de atormentações às quais o indivíduo ficaria sujeito e que afetariam todas as
áreas de sua vida, estas seriam resultado da ação direta de “espíritos obsessores” ou demônios,
normalmente envolvidos em escolhas feitas pelo próprio obsedado, tais como comportamentos,
lugares de freqüência, uso de drogas e excesso de bebidas, por exemplo; e por fim, a possessão
demoníaca involuntária, da qual o indivíduo tem seu comportamento alterado e ações controladas
diretamente pelo demônio, sem que nenhuma causa aparente seja detectada, ou seja, o demônio
passa a se manifestar diretamente através do corpo do indivíduo (esse último caso tem sido
exaustivamente explorados por Hollywood, em filmes como “O Exorcista”).

Em todas as possibilidades, a alteração de comportamento, bem como as ações do indivíduo ficam


com a ênfase da retórica acerca da possessão demoníaca. Em outras palavras, isto significa que
existe uma série de sintomas comuns em todos os casos que envolvem a dita possessão. Por
exemplo, é muito comum o relato do aparecimento de entidades que apenas o indivíduo as vê. Ou
ainda vozes ocultas e, muitas das vezes, anônimas, são ouvidas apenas pelo indivíduo. Marcas
aparentes na pele são notadas, do mesmo modo que algumas flagelações também surgem. No
entanto, tais sintomas também são relatados pela medicina como características comuns a vários
transtornos mentais, tais como a histeria, a mania, a psicose, a síndrome de Tourette, a
esquizofrenia ou o Transtorno Dissociativo de Identidade, e até mesmo na epilepsia há
coincidências de sintomas.

Em casos de Transtorno Dissociativo de Identidade em que a personalidade é questionada quanto à


sua identidade, em 29% dos casos as identidades se apresentam como demônios.

Entretanto, não há como negar que à luz da fé, a manifestação do Mal e a possessão demoníaca
são verdades imensuráveis. Tanto que a Igreja Católica lançou, no final de 1999, uma versão
atualizada do “Rituale Romanum” que trata do ritual do exorcismo (a versão anterior datava de
1614). Outra afirmação neste sentido é a proliferação de denominações religiosas, principalmente
cristãs neo‐pentecostais, com foco na expulsão de demônios.

Historicamente, principalmente no período em que a religião se misturou com a ciência e impedia


seus avanços, a possessão demoníaca foi considerada a causa única da loucura. Relatos de
possessões demoníacas dos séculos XIII – XVII nos apresentam textualmente descrições dos sintomas
facilmente identificados com as patologias psiquiátricas já citadas. No Brasil um dos livros sobre o
tema é “A Loucura sob novo prisma” do médico homeopata Bezerra de Menezes (1831‐1900), um
documento clássico, embora relegado a segundo plano por sua opção religiosa. Menezes se tornou
espírita convicto e até existem obras póstumas “psicografadas” assinadas por ele. No
desenvolvimento da psiquiatra no Brasil esse tema também foi abordado, sobretudo pela escola
baiana(2), entre outros, sobretudo por Nina Rodrigues (1862‐1906) que apesar da carga de
preconceitos e patologização de manifestações religiosas (interpretando estas como
manifestações epilépticas ou histéricas) conseguiu reunir e produzir considerável material
etnográfico sobre as religiões africanas tendo como continuadores vultos como Estácio de Lima
(1897‐1984), Arthur Ramos (1903‐1949) entre outros(3).

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A interpretação psicanalítica inaugurou uma forma de estudo até hoje válida, na perspectiva da
relação entre o conteúdo religioso e manifestações criminosas. Pode‐se tomar como marco dessa
  abordagem o trabalho de Sigmund Freud “Uma neurose demoníaca do século XVII” (1922), onde  
ele analisa o caso do pintor Christoph Haizmann através de um texto produzido, muito
possivelmente, em 1714 (compilado entre 1714 e 1729) que se baseava nos relatos dos clérigos
envolvidos no caso e um diário do pintor (datado de 1677 e 1678). O caso chama a atenção pela
sua semelhança com a lenda, já citada, de Fausto, que faz um pacto com o demônio e depois
busca auxilio para se livrar da opressão demoníaca. Vale a leitura para quem mostrar curiosidade.

A possessão demoníaca e a ciência

Hoje em dia, com o desenvolvimento da Ciência, principalmente da medicina, da psicologia e da


psicanálise, a maioria dos casos de possessão demoníaca são qualificados como distúrbios
sociológicos, e não patológicos. Dalgalarrondo(4) em estudo de revisão de trabalhos publicados
desde o final do século XIX sobre messianismo; “loucura religiosa” e trabalhos contemporâneos
relacionando religião, o uso de álcool e drogas, além de algumas condições clínicas (esquizofrenia
e suicídio), refere‐se à ausência de uma linha de pesquisa que proporcione uma melhor
articulação entre investigação empírica e análise teórica dos dados, assim como um diálogo mais
próximo da psiquiatria com ciências sociais, como a antropologia e a sociologia da religião para
um maior avanço nesta área.

O Código Internacional de Doenças – 10ª Versão (CID‐10), no item F44.3 – define o estado de
transe e possessão como “transtornos caracterizados por uma perda transitória da consciência
de sua própria identidade, associada a uma conservação perfeita da consciência do meio‐
ambiente. Devem aqui ser incluídos somente os estados de transe involuntários e não desejados,
excluídos aqueles de situações admitidas no contexto cultural ou religioso do sujeito. Exclui:
esquizofrenia (F20.‐), intoxicação por uma substância psicoativa (F10‐F19 com quarto caractere
comum .0), síndrome pós‐traumática (F07.2) e transtorno(s) orgânico(s) da personalidade
(F07.0) e transtornos psicóticos agudos e transitórios (F23.‐)”.

A classificação F44 está estabelecida para Transtornos Dissociativos ou de Conversão, que por
vezes se caracterizam por “uma perda parcial ou completa das funções normais de integração das
lembranças, da consciência, da identidade e das sensações imediatas, e do controle dos
movimentos corporais. Os diferentes tipos de transtornos dissociativos tendem a desaparecer
após algumas semanas ou meses, em particular quando sua ocorrência se associou a um
acontecimento traumático. A evolução pode igualmente se fazer para transtornos mais crônicos,
em particular paralisias e anestesias, quando a ocorrência do transtorno está ligada a problemas
ou dificuldades interpessoais insolúveis. No passado, estes transtornos eram classificados entre
diversos tipos de ‘histeria de conversão’. Admite‐se que sejam psicogênicos, dado que ocorrem
em relação temporal estreita com eventos traumáticos, problemas insolúveis e insuportáveis, ou
relações interpessoais difíceis. Os sintomas traduzem freqüentemente a idéia que o sujeito se faz
de uma doença física. O exame médico e os exames complementares não permitem colocar em
evidência um transtorno físico (em particular neurológico) conhecido. Por outro lado, dispõe‐se
de argumentos para pensar que a perda de uma função é, neste transtorno, a expressão de um
conflito ou de uma necessidade psíquica. Os sintomas podem ocorrer em relação temporal
estreita com um estresse psicológico e ocorrer freqüentemente de modo brusco. O transtorno
concerne unicamente quer a uma perturbação das funções físicas que estão normalmente sob o
controle da vontade, quer a uma perda das sensações. Os transtornos que implicam
manifestações dolorosas ou outras sensações físicas complexas que fazem intervir o sistema
nervoso autônomo, são classificados entre os transtornos somatoformes (F45.0). Há sempre a
possibilidade de ocorrência numa data ulterior de um transtorno físico ou psiquiátrico grave.”

É importante enfatizar que, segundo essas definições o estado de possessão, segundo a definição
médica, deve incluir aqueles de transe involuntários e não desejados, mas exclui aqueles ligados
ao contexto cultural ou religioso do sujeito. Não pode, portanto, ser tomado como um
reconhecimento dos fenômenos espirituais pela medicina. Tal tipo de reconhecimento está longe
de deixar de ser uma grande controvérsia na área médica e psicanalítica. Se bem que alguns
médicos psiquiatras busquem corroborar a tese de que a obsessão espiritual, ou possessão
demoníaca, esteja reconhecida pela medicina.

No que tange à prática do exorcismo em pessoas com sintomas de possessão é atribuída por alguns
ao efeito placebo e ao poder da sugestão. Algumas pessoas supostamente possuídas são realmente
narcisistas ou sofrem de baixa auto‐estima e agem como uma “pessoa possuída por um demônio”
com o propósito de ganhar atenção.

Minha opinião

Em todos esses anos em que tenho lidado com a religião, as relações humanas e a psicogênese,
não encontrei nada que possa fundamentar ou mesmo sustentar a tese da possessão demoníaca
como algo real e palpável.

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Posso compreender a existência do Mal como uma condição de caráter do ser humano, não como
uma ação direta de uma entidade espiritual. Por isso, creio que a representação do Mal dentro das
religiões, nada mais é do que a simplificação para o entendimento geral de ações reprováveis pela
ética e pela moral oferecidas pelas virtudes adquiridas por aqueles que seguem os preceitos da fé.

(1) Bóreas se enche de raiva demoníaca para violentar Orítia, filha do rei Erecteu de Atenas e
casada com Tereu rei da Trácia; Ovídio, Metamorfoses, Livro VI, 675‐701

(2) Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, fundada em 1952, e hoje é mantida pela
Fundação Baiana para o Desenvolvimento da Ciência (FBDC).

(3) Raimundo Nina Rodrigues, médico legista, psiquiatra, professor e antropólogo. Estudou na
Faculdade de Medicina da Bahia (1882‐85) e terminou o curso na Faculdade de Medicina do Rio de
Janeiro (1887), foi diretor da Escola de Medicina da Bahia

(4) Dalgalarrondo, Paulo. Estudos sobre religião e saúde mental realizados no Brasil: histórico e
perspectivas atuais. Rev. psiquiatr. clín. v.34 supl.1 São Paulo 2007

Douglas Naegele é teólogo e psicanalista, responsável pelo site: Douglas Naegele: Psicanálise e


Teologia ‐ Um olhar junguiano (www.douglasnaegele.com)

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Saturnino
22/09/2011 
   
Interessante e esclarecedor, até a medida do possível em
nossos dias.

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