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Introdução:
Trata-se dum artigo pequeno, mas de grande valor, pois encarou com coragem
e realismo o evidente declínio, ou pelo menos a falta de crescimento, das igrejas do
protestantismo histórico, em vez de tentar encobrir os pontos fracos da sua própria Igreja
com palavras de retórica.
É sempre mais fácil falar sobre o passado, com certo distanciamento e ideias
já estabilizadas e aceites pela grande maioria, do que falar do presente. Mas em algumas
mentalidades, talvez possa surgir a ideia de que, se a igreja do presente parece ter pouco
futuro, então basta aplicar as lições do passado para resolver os problemas do presente.
Certamente que há lições a tirar do passado, mas será que o problema é assim tão
simples?!
18 Quando Eli, que estava junto à porta, ouviu o que se tinha passado com
a arca da aliança, caiu para trás e, como estava velho e pesado, partiu o pescoço e
morreu. Eli tinha dirigido Israel durante quarenta anos.
Escolhi esta passagem, que em princípio parece que pouco nos tem a dizer,
pois trata-se duma das passagens mais tristes da história de Israel, em que uma palavra se
nos destaca, “Icabod” que significa, a glória de Deus nos abandonou.
Mas foi precisamente por isso, pois também nós estamos numa fase da
história em que por vezes parece que a Igreja chegou ao fim e que já não haverá mais
“espaço” para a Igreja na sociedade do futuro, em que esta será olhada (e isso já está a
acontecer), como simples curiosidade do passado, que talvez seja de preservar por
motivos culturais, mas que já nada tem a dizer de importante ao homem culto dos nossos
dias.
Neste início de século e de milénio, vários crentes têm meditado no futuro da
teologia, quando se debatem questões que não é habitual serem abordadas nas igrejas. É
verdade que estamos perante uma passagem veterotestamentária onde nem tudo pode ser
considerado normativo para o cristão, mas penso que algumas importantes lições para os
nossos dias, podemos tirar desta passagem.
Samuel foi educado em Siló, onde nessa época estava a Arca do Senhor e os
principais documentos da história de Israel. É natural que tivesse adquirido uma sólida
cultura, num contexto cultural em que não era possível distinguir entre cultura teológica
ou cultura histórica ou outros ramos do conhecimento como acontece nos nossos dias.
Ele teve portanto os conhecimentos e a sensibilidade necessária para registar os
acontecimentos da sua época que fizeram a história de Israel.
Não tenho dúvidas de que este capítulo 4 terá sido escrito por Samuel, que
possivelmente terá assistido pessoalmente à maior parte destes acontecimentos. Segundo
o historiador Josefo, Samuel nessa altura era um menino de cerca de 12 anos de idade.
Supõe-se que estes factos históricos tenham ocorrido cerca do ano 1070 AC
na Ásia Menor, mais concretamente no Israel dos nossos dias, a sul da actual Tel Aviv,
onde nessa época se localizava a fronteira entre Israel e a Filisteia. Estava-se já no fim da
época dos Juízes, época de grande arrefecimento espiritual, a começar pelos sacerdotes
que serviam no Tabernáculo.
Temos depois os seus dois filhos: Ofni e Fineias. Penso que a deficiência da
sua educação deve ter começado logo na infância, pois eram os filhos do grande juiz Eli
e cedo se devem ter habituado aos privilégios e a uma vida sem dificuldades. Nessa época
a que se refere este capítulo 4, já eram sacerdotes que em princípio deveriam suceder ao
seu pai. No entanto, a sua vida espiritual tinha grandes falhas:
Aproximação crítico-teológica
Será que foi Deus que capitulou diante do deus dos filisteus?
Afinal... o que eles fizeram, ao trazer a Arca, não foi um acto de fé?
Qual a diferença entre fé e superstição?
Estas, são somente algumas das perguntas que esta passagem nos pode
suscitar.
O texto não nos dá as respostas, como gostaríamos, pois esta é uma passagem
histórica, que se limita a registar os acontecimentos (segundo a visão e interpretação dos
israelitas), acontecimentos que têm de ser reinterpretados à luz da mensagem de Jesus.
Como mudar a situação? Como fazer com que Deus, que já dera tantas provas
do seu poder e da sua fidelidade a Israel, viesse mais uma vez em seu auxílio?
Não acredito, que não tivessem aparecido alguns profetas a exortar Israel ao
arrependimento dos seus pecados e das suas graves transgressões, mas todos estes foram
certamente silenciados para não afectar a moral dos combatentes, e devem ter sido
olhados como traidores, como aconteceu noutras passagens veterotestamentárias. Será
que nos nossos dias não acontece coisa semelhante nas igrejas?
Os anciãos de Israel reúnem-se para meditar na importante questão: “Por que
é que o Senhor permitiu que os filisteus nos vencessem?... (vr. 3)
Nos momentos mais importantes, a Igreja dos nossos dias, também se reúne
para meditar nos seus problemas, em especial no afastamento do Senhor. Isso é salutar,
mas infelizmente, nem sempre é suficiente, pois não nos dá a garantia de se ter encontrado
a resposta correcta.
É verdade que não estamos perante uma passagem didáctica, e não é correcto
firmar doutrina em simples descrições históricas e ainda para mais do Velho Testamento,
mas alguns pormenores desta descrição podem pelo menos servir para nossa meditação.
Onde é que Deus se manifesta? O que nos ensina a teologia? Não é na Arca
do Concerto?
Vejo nesta passagem, já a gestação do pensamento que muito mais tarde daria
origem à teoria da eficácia dos sacramentos, por estes actuarem “ex opere operato”
conforme foi proclamado pelo Concílio de Trento (1545-63). Mas também no
protestantismo, quando os nossos rituais ou gestos litúrgicos deixam de ser atitudes
conscientes, fruto da nossa espiritualidade e dependência do Senhor, para passarem a ser
meios de se obter espiritualidade ou meios de desencadear a acção do Senhor. Nestes
casos, estaremos perante a superstição e não a fé, que é sempre uma dádiva do Senhor…
Bem sei as implicações que esta afirmação pode ter na nossa teologia, pois
talvez muito do que se passa nas nossas igrejas, (protestantes ou evangélicas), seja mais
superstição do que fé. Por exemplo, a própria oração, quando fazemos um pedido sem a
necessária submissão à divina vontade e dizemos: Temos de orar muito para que Deus
nos faça isto ou aquilo, não estaremos a utilizar a oração como uma forma de pressão para
a actuação divina? Também o batismo, quando deixa de ser o testemunho consciente
duma realidade espiritual para se tornar um meio de remissão de pecados, como por vezes
tem sido ensinado, ou um sacramento que irá produzir os seus frutos no futuro (batismo
infantil)? Ou a Ceia do Senhor, quando deixa de ser simples memorial, fruto da realidade
espiritual e é utilizada como meio de santificação, ou como meio de se obter a
ressurreição, como afirma a terceira estrofe do hino 114 do hinário “Celebrai com alegria”
que afirma: Se bebermos deste cálice e comermos deste pão, o Senhor nos há-de dar o
dom da ressurreição… tantas vezes entoado nos cultos da Ceia do Senhor, com muito
mais atenção à música do que às doutrinas da Reforma e àquilo que dizemos ao Senhor?
Afinal, qual a diferença entre jejum e greve da fome?
Será que, assim como no passado, a astronomia se confundia com a astrologia
e hoje já ninguém com certa cultura poderá confundir a astronomia, ciência séria e
respeitável, com a superstição da astrologia, também haverá naquilo que nos nossos dias
chamamos de teologia, duas atitudes bem diferentes, uma teologia séria e uma superstição
que continua a ter o mesmo nome?
Será que a imagem de Deus, que apresentamos nas nossas igrejas ainda é a
do Deus supremo? Ou não estaremos já, influenciados pela cosmovisão da modernidade,
a apresentar a imagem dum deus ao serviço do Homem, centro da sua própria cosmovisão,
um deus para resolver os nossos problemas, um deus que pode ser influenciado ou de
certa maneira pressionado pela nossa “teologia”?
Conclusão
Ofni e Fineias trabalharam para o Senhor. Foram eles que trouxeram a Arca
do Concerto, com toda a pompa e dignidade. Com as suas vestes sacerdotais, pareciam
os sacerdotes perfeitos e estavam em grande actividade. Eles eram aceites e aclamados
por todo o povo e pelo exército de Israel. Todo o povo tinha muita fé, mas… Fé em quê?
Na Arca do Concerto? Fé em quem?
Muitas vezes o “crescimento” das igrejas dos nossos dias, não passa do
resultado da “propaganda religiosa” ou da “teologia demagógica”. Também nos nossos
dias, de nada serve trabalhar para a Igreja, se não tivermos uma vida exemplar e fidelidade
ao Evangelho, pois até a religiosidade bem sucedida, nem sempre significa a aprovação
do Senhor.
Não há dúvidas de que Ofni e Fineias foram bem sucedidos sob o aspecto
“religioso”. Eles trouxeram novo ânimo ao exército de Israel, e até os filisteus ficaram
aterrorizados ao verem Ofni e Fineias ao lado da Arca do Concerto.
Isto até faz lembrar o que se passa nos nossos dias. Todos nós sabemos de
igrejas “poderosas” com grande número de crentes, com um grande fervor religioso, que
se desfazem dum dia para o outro...... Muitas vezes por motivos que nos fazem lembrar
Ofni e Fineias.
Deus não está tão interessado nos nossos dotes de oratória, na nossa alegria e
no nosso louvor, mas em primeiro lugar está interessado na nossa fidelidade.
Deus não se importa tanto com a nossa santidade litúrgica, mas com a
santidade espiritual, ou santidade contabilística dos crentes e das igrejas, nem está
interessado na imponência das nossas igrejas se ao lado das mesmas ou entre os próprios
crentes houver crianças com fome.
5) Afinal, Deus acabou por responder ao seu povo, muito mais tarde, e a Arca
voltou para Israel. Nesses momentos tristes e difíceis para Israel, o Senhor já não olhava
para os seus sacerdotes, nem para os anciãos, mas para um menino chamado Samuel, que
a todos passava despercebido.
Deste facto, podemos concluir, que a resposta do Senhor virá, quando, como,
e pelos meios que o Senhor entender. Por vezes virá na altura menos oportuna e muitas
vezes utilizando pessoas não capacitadas pela religião, nem aceites pela hierarquia
religiosa. Quando as igrejas estão em crise, temos a tendência de procurar a solução
através da sua organização, sua liturgia, seus pastores, seus presbíteros e estudantes de
teologia, mas a resposta poderá vir através dum jovem aluno de escola dominical.
Março de 2010
BIBLIOGRAFIA:
Vários artigos com o mesmo título ICABODE, dos Pastores Ricardo Gondim,
Caio Fábio, Carlos Siqueira e outros.