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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE HUMANIDADES E DIREITO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

LUCIANO ROBSON PETERLEVITZ

“EIS QUE LIVRAREI DA PRISÃO O MEU POVO ISRAEL E


JUDÁ”: AS PALAVRAS DE SALVAÇÃO EM JR 30-31 COMO PROJETO
DE RETRIBALIZAÇÃO

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2014
LUCIANO ROBSON PETERLEVITZ

“EIS QUE LIVRAREI DA PRISÃO O MEU POVO ISRAEL E


JUDÁ”: AS PALAVRAS DE SALVAÇÃO EM JR 30-31 COMO PROJETO
DE RETRIBALIZAÇÃO

Tese de Doutorado apresentada em cumprimento


às exigências do curso de Pós Graduação em
Ciências da Religião, para obtenção do grau de
Doutor.
Área de Concentração: Linguagens da Religião
Linha de Pesquisa: Literatura e Religião no Mundo
Bíblico
Orientador: Dr. Tércio Machado Siqueira

SÃO BERNARDO DO CAMPO

2014
FICHA CATALOGRÁFICA

Peterlevitz, Luciano Robson


P441e “Eis que livrarei da prisão o meu povo Israel e Judá”: as palavras
de salvação em Jr 30-31 como projeto de retribalização /Luciano
Robson Peterlevitz -- São Bernardo do Campo, 2014.
298fl.

Tese (Doutorado em Ciências da Religião) – Faculdade de Humanidades


e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da Universidade Metodista
de São Paulo, São Bernardo do Campo
Bibliografia

Orientação de: Tércio Machado Siqueira

1. Bíblia – A.T. – Jeremias – Crítica e interpretação 2. Tribalismo I.


Título

CDD 224.207
A tese de doutorado sob o título “‘Eis que livrarei da prisão o meu povo Israel e Judá’ – As
palavras de salvação em Jr 30-31 como projeto de retribalização”, elaborada por Luciano
Robson Peterlevitz, foi defendida e aprovada em 27 de outubro de 2014, perante a banca
examinadora composta por: Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira (Presidente/Universidade
Metodista de São Paulo), Prof. Dr. José Ademar Kaefer (Titular/ Universidade Metodista de
São Paulo), Prof. Dr. Edson de Faria Francisco (Titular/ Universidade Metodista de São
Paulo), Prof. Dr. Antônio Renato Gusso (Titular/Faculdade Teológica Batista do Paraná) e
Prof. Dr. Rodrigo Franklin de Souza (Titular/ Universidade Presbiteriana Mackenzie).

__________________________________________
Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira
Orientador e Presidente da Banca Examinadora

__________________________________________
Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião


Área de Concentração: Linguagens da Religião
Linha de Pesquisa: Literatura e Religião no Mundo Bíblico
Agradecimentos

Ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.

À minha esposa, Paula.

Aos meus pais, Sergio e Rita.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Tércio Machado Siqueira.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

À Faculdade Teológica Batista de Campinas.


Resumo
A presente tese propõe uma interpretação exegética da profecia de Jr 30-31 na perspectiva
social. Jr 30-31 forma uma unidade literária no livro de Jeremias, composta por subunidades
que podem ser designadas de perícopes. Grande parte das expectativas salvíficas deste trecho
literário devem ser atribuídas à literatura originária do livro, e provém das articulações sociais
engendradas por Jeremias no fim do século 7 e início do século 6 a.C. em prol dos
empobrecidos da antiga sociedade palestina Israel/Norte e de Judá/Sul. Os primeiros ditos
salvíficos de Jr 30-31 surgiram na época de Josias (Jr 30,10-11.18-21; 31,2-5). Nessa época,
originaram-se as expectativas de salvação dirigidas para as populações israelitas do Norte.
Outro intenso surgimento das expectativas salvíficas aconteceu nos anos imediatamente
posteriores à queda de Judá, em 587 a.C., quando Jeremias novamente direcionou uma
palavra de esperança aos pobres do Israel/Norte, e incluiu também em sua mensagem aqueles
que permaneceram na terra de Judá/Sul depois do saque babilônico. Nesse cenário podem ser
localizadas as seguintes perícopes: 30,3.5-7.12-17; 31,15.16-20.21-22.27-28.31-34. A
presente tese supõe que, de modo geral, Jr 30-31 seja uma reconfirmação da desmilitarização
e da desurbanização de Jerusalém ocorridas naquele período, já que esse novo cenário político
e econômico favoreceu os desprestigiados da Palestina. O tribalismo é o moto das
expectativas salvíficas da literatura jeremiana original. No engendramento de uma nova
sociedade, retribalizada, livre do jugo monárquico e dos imperialismos, Jr 30-31 defendem a
posse da terra aos camponeses que sofreram espoliações do império assírio e dos reis judaítas.
Com a queda do Estado de Judá, os empobrecidos poderiam retomar suas vidas e possuir a
terra como meio de produção e subsistência. A relação entre as palavras de salvação e o
tribalismo também pode ser notado em outros trechos do livro de Jeremias. A estruturação
verbal proponente de ‘destruição’ e ‘reconstrução’ de 31,28 pode ser encontrada em Jr 1,10;
18,7.9; 24,6; 42,10 e 45,4. As promessas de salvação contidas em Jr 1,10, 31,27-28 e 42,10
anunciam a continuidade da vida na terra de Judá depois da catástrofe de 587 a.C. Essa ideia
também pode ser percebida em Jr 23,5-6, 30,8-9. Em Jr 24,6, por sua vez, lê-se uma promessa
para os exilados de Judá, que viviam na Babilônia sob o sistema tribal. Em Jr 3,6-13.19-25;
4,1-2, as expectativas salvíficas de Jeremias apresentam o caminho para a reorganização
social através da conversão para Javé.

Palavras chaves: literatura profética – Jeremias – salvação – pobres – tribalismo.


Abstract
The purpose of this thesis is to provide an exegetical interpretation of the prophecy from
Jeremiah 30-31 from a social perspective. Jeremiah 30-31 forms a literary unit in the book of
Jeremiah, composed of subunits that can be designated as pericopae. A large part of the
salvific expectations from this literary text needs to be attributed to the book’s literary origin
and comes from the social articulations produced by Jeremiah at the end of the 7th century and
the beginning of the 6th century B.C., in support of the poor of the ancient Palestine society,
Israel/North and Judah/South. The first salvific statements appearing in Jeremiah 30-31
occurred during the era of Josiah (Jer 30,10-11.18-21; 31,2-5). Salvific expectations
originated during this period aimed at the Israelite population of the North. Another intense
occurrence of the salvific expectation happened during the years immediately after the fall of
Judah in 587 B.C., when Jeremiah again directed a word of hope to the poor of Israel/North,
and also included in his message those who remained in the land of Judah/South after the
Babylonian destruction. The following pericopae can be found in this scenario: 30,3.5-7.12-
17; 31,15.16-20.21-22.27-28.31-34. This present thesis assumes that, in general, Jeremiah 30-
31 is a reconfirmation of the demilitarization and breakdown of the urbanization of Jerusalem
that happened during that period, being that this new political and economic scenario favored
the under privileged people of Palestine. Tribalism is the model of the salvific expectations of
the original Jeremiah literature. In the development of a new society, with renewed tribalism,
free from the yoke of the monarchy and the imperialists, Jeremiah 30-31 defends the
ownership of the lands by the rural people who suffered from the plunder under the Assyrian
Empire and the kings of Judah. With the fall of the state of Judah, the poor could resume their
lives and possess the land as a means of production and livelihood. The relationship between
the words of salvation and tribalism can also be noted in other texts from the book of
Jeremiah. The structural verbal proponent of “destruction” and “reconstruction” in 31,28 can
be found in Jer 1,10; 18,7.9; 24,6; 42,10 e 45,4. The promises of salvation contained in Jer
1,10, 31,27-28 e 42,10 announce the continuity of life in the land of Judah after the
catastrophe of 587 B.C. This idea can also be seen in Jer 23,5-6, 30,8-9. In Jer 24,6, on the
other hand, we read about a promise for the exiles of Judah that lived in Babylonia under the
tribal system. In Jer 3,6-13.19-25; 4,1-2, Jeremiah’s salvific expectations present the path for
a social reorganization through the conversion to Yahweh.

Key words: prophetical literature – Jeremiah – salvation – poor - tribalism


Resumen
En esta tesis se propone una interpretación exegética de la profecía de Jeremías 30-31 en la
perspectiva social. Jer 30-31 forman una unidad literaria en el libro de Jeremías, compuesto
por subunidades que pueden ser designadas perícopas. Gran parte de las expectativas
salvíficas de este tramo literario se debe atribuir a la literatura original del libro, y proviene de
las articulaciones sociales engendradas por Jeremías en el final del siglo séptimo y el
comienzo del siglo sexto antes de Cristo, en favor de la sociedad palestina empobrecida del
antiguo Israel / Judá y del Norte / Sur. Los primeros dichos salvíficos de Jer 30-31 surgieron
en la época de Josías (Jer 30,10-11.18-21; 31,2-5). En ese momento, se originan expectativas
de salvación dirigidas a la población israelí del Norte. Otra intensa aparición de expectativas
salvíficas que sucedió en los años inmediatamente después de la caída de Judá en el año 587
aC, cuando Jeremías dirigió de nuevo una palabra de esperanza para los pobres de Israel /
Norte, y también se incluye en el mensaje de los que se quedaron en la tierra de Judá / Sur
después del saqueo de Babilonia. En este escenario las siguientes perícopas se pueden
localizar: 30,3.5-7.12-17; 31,15.16-20.21-22.27-28.31-34. En esta tesis se asume que, en
general, Jer 30-31 es una reconfirmación de la desmilitarización y de la desurbanización de
Jerusalén que ocurrió en ese período, ya que este nuevo entorno político y económico
favoreció los desacreditados de Palestina. El tribalismo es el lema de las expectativas
salvíficas de la literatura original jeremiana. Una nueva sociedad siendo engendrada,
retribalizada, libre de la opresión monárquica y del imperialismo, Jr 30-31 defienden la
posesión de la tierra a los campesinos que sufrieron el saqueo del imperio asirio y reyes
judaítas. Con la caída del estado de Judá, los empobrecidos podrían reanudar sus vidas y
poseer la tierra como medio de producción y subsistencia. La relación entre las palabras de
salvación y el tribalismo también se puede notar en otras partes del libro de Jeremías. La
estructuración verbal que propone la "destrucción" y "reconstrucción" de 31.28 se puede
encontrar en Jer 01:10; 18,7.9; 24,6; 42.10 y 45.4. Las promesas de salvación contenidas en
Jer 1,10, 42,10 y 31,27 a 28 anuncian la continuidad de la vida en la tierra de Judá después de
la catástrofe del año 587 a.C. Esta idea también se puede percibir en Jer 23,5-6, 30, 8-9. En
Jer 24,6, a su vez, se lee una promesa a los exiliados de Judá, que habitaban en Babilonia bajo
el sistema tribal. En 3,6-13.19-25 Jer; 4,1-2, las expectativas salvíficas de Jeremías muestran
el camino para una reorganización social a través de la conversión a Yahvé.

Palabras clave: literatura profética - Jeremías - salvación - pobre - tribalismo.


Sumário
Sistema de Transliteração ...................................................................................................... 10
Introdução ............................................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1. Jr 30-31 na Pesquisa Bíblica ........................................................................ 21


1.1 Teorias sobre composição do livro de Jeremias............................................ 21
1.1.1 A literatura deuteronomista ................................................... 21
1.1.2 A relação entre a literatura deuteronomista e o livro de
Jeremias .............................................................................. 26
1.2 Teorias sobre a composição de Jr 30-31 ....................................................... 31
1.2.1 Siegfried Herrmann ............................................................... 31
1.2.2 Robert P. Carrol .................................................................... 32
1.2.3 Nelson Kilpp ......................................................................... 36
1.2.4 William L. Holladay ............................................................. 41
1.2.5 Bob Becking .......................................................................... 42
1.2.6 Walter Brüggemann .............................................................. 43
1.2.7 Outros trabalhos .................................................................... 44

1.3 Avaliação geral ............................................................................................. 45

CAPÍTULO 2. A forma e o lugar de Jr 30-31 ...................................................................... 49


2.1 Tradução........................................................................................................ 49
2.2 Delimitação ................................................................................................... 68
2.2.1 A estrutura literária de Jr 30-31 ........................................................... 69
2.2.2 Identificação das perícopes .................................................................. 70
2.2.3 As perícopes analisadas na presente tese ............................................. 74
2.3 Contexto histórico da atuação de Jeremias ................................................... 74
2.4 Análise da Forma e do Lugar de Jr 30-31 ..................................................... 76
2.4.1 Jr 30,1-3 ............................................................................. 76
2.4.2 Jr 30,4-7 ............................................................................. 79
2.4.3 Jr 30,8-9 ............................................................................. 85
2.4.4 Jr 30,10-11 ......................................................................... 89
2.4.5 Jr 30,12-17 ......................................................................... 96
2.4.6 Jr 30,18-21 ....................................................................... 105
2.4.7 Jr 31,2-6 ........................................................................... 111
2.4.8 Jr 31,7-9 ........................................................................... 115
2.4.9 Jr 31,10-14 ....................................................................... 121
2.4.10 Jr 31,15-22 ....................................................................... 128
2.4.11 Jr 31,31-34 ....................................................................... 131
2.5 Considerações finais .................................................................................... 136

CAPÍTULO 3. As palavras salvíficas de Jr 30-31 como projeto de


retribalização .................................................................................................................. 138
3.1 A relação entre Jeremias e o tribalismo no contexto social do séc. 6
a.C. ........................................................................................................ 138
3.2 As palavras salvíficas de Jr 30-31 como projeto de retribalização ....... 146
3.2.1 Jr 30,1-3: “eu os farei retornar à terra” .............................. 146
3.2.2 Jr 30,4-7: Jacó “será salvo” ................................................ 149
3.2.3 Jr 30,8-9: “Davi, o rei deles”.............................................. 154
3.2.4 Jr 30,10-11: “E tu, não temas, meu servo Jacó” ................ 158
3.2.5 Jr 30,12-17: “eu te curarei” ................................................ 163
3.2.6 Jr 30,18-21: “Eis-me revertendo a prisão das tendas de
Jacó” ................................................................................. 173
3.2.7 Jr 31,2-6: “plantarão vinhas nas montanhas de Samaria” .. 182
3.2.8 Jr 31,7-9: “Porque eu sou para Israel como um pai” ......... 191
3.2.9 Jr 31,10-14: “Javé resgatou Jacó” ...................................... 198
3.2.10 Jr 31,15-22: “haverá recompensa para o teu trabalho” .... 207
3.2.11 Jr 31,31-34: “uma aliança nova” ...................................... 214
3.3 Considerações finais ............................................................................. 233

CAPÍTULO 4. A relação entre a salvação e o tribalismo no livro de Jeremias........ 235


4.1 A profecia de Jeremias e sua relação com o tribalismo – Palavras de
ameaça e salvação em Jr 1,4-19 ............................................................ 235
4.2 Ruína e salvação em Jr 1,10; 18,7.9; 24,6; 31,28; 42,10 e 45,4 ............ 249
4.2.1 Jr 1,10; 18,7-8 e 31,28......................................................... 250
4.2.2 Jr 24,6; 42,10 e 45,4 ............................................................ 255
4.3 A conversão como condição para a salvação em Jr 3,6-13.19-25;
4,1-2 ....................................................................................................... 258
4.4 O novo Davi em Jr 23,5-6 ..................................................................... 266
4.5 Considerações finais .............................................................................. 274

Conclusão ......................................................................................................... 275


Referências Bibliográficas .............................................................................. 280
10

Sistema de Transliteração do Hebraico

Para a transliteração da língua hebraica, a presente tese segue o sistema proposto por
Milton Schwantes, que em seus cursos e orientações sempre sugeria a representação de cada
letra hebraica por apenas uma letra latina. A tese opta por essa orientação, com exceção das
letras duplicadas pelo daguesh forte.

Esse mesmo sistema de transliteração é aplicado às vogais (sinais massoréticos). Cada


sinal massorético é representado por uma vogal, sem diferenciação entre vogais longas,
vogais breves e semivogais. Atenção especial deve ser dada às “mães da leitura”/matres
lectionis (h, w e y), que podem representar os sons das vogais: a (h '), e (y e), i (y i), o (wO), u
(W). A primeira vogal será transliterada como ah (h ,' qames com he, no final da palavra), já

que o “h” também pode alongar a vogal em português.

Forma Nome Transliteração


a ’aleph 
bB beth 
gG gimel 
dD daleth 
h he 
w waw 
z zayin 
x heth h
j teth t
y yodh 
k K % kaph 
&^
l lamedh 
m~ mem 
n! nun 
s samekh 
[ ‘ain ‘
pP@ pe 
c# tsadeh 
11

q qoph 
r resh 
v shin 
 sin s
tT taw 
12

Introdução
A presente tese investiga o conceito de salvação no texto profético de Jr 30-31. Essa
unidade literária é uma composição de vários ditos proféticos, cada qual contendo promessas
de salvação que foram direcionadas para os exilados de Israel/Norte e de Judá/Sul, e não
somente para esses, mas também para aquelas populações que permaneceram na Palestina1
depois das invasões dos assírios sobre Israel (século 8 a.C.) e da Babilônica sobre Judá (final
do século 7º a.C. e início do século 6º a.C.).

O autor da tese foi motivado a escrever quando se deparou com o conceito de tribalismo
no Antigo Testamento e com as possibilidades hermenêuticas que se abrem a partir deste
conceito para a leitura dos textos proféticos. O tribalismo pode ser definido como o modo de
produção que propõe o usufruto comunitário da terra como meio de produção. O conceito
fundamental do tribalismo é que a terra é um dom de Javé, e todas as famílias tem o direito de
usufruir igualitariamente de sua produção. O que despertou interesse no autor da tese foi
perceber, especialmente através das leituras dos livros de Milton Schwantes, que o tribalismo
não se restringiu àquele período pré-estatal, que antecedeu a formação da monarquia no
antigo Israel, antes, sobreviveu ao longo de toda a antiga história de Israel e de Judá no
âmbito do interior das terras da Palestina. Schwantes defendia que grande parte da literatura
do Antigo Testamento, especialmente aquela da época do exílio (século 6 a.C.), como a Obra
Historiográfica Deuteronomista (Dr-2Rs), Jeremias, Sofonias e Habacuque, apresenta a ótica
do campesinato tendo o tribalismo como fundamento.2 Nessa perspectiva, esses textos
bíblicos esboçam um projeto político contra o sistema monárquico que promovia violências e
injustiças contra os pobres. No dizer de Schwantes: “A organização política prevista não tem
marcas de um estado. Não se conta com sua restauração, pois não está prevista a reconstrução
de cidades. Conta-se antes com uma retribalização do campo judaíta. As novas estruturas
sociais serão bem mais clânicas do que citadinas.”3

1
A palavra “Palestina” é uma palavra de origem grega (Philistia) traduzida do hebraico~yTiv.lpi . pelixtim, e
originalmente foi uma designação dos gregos à planície litorânea, já que naquela região moravam os ~yTiv.lip.
pelixtim “filisteus”. Os romanos aplicaram a palavra não somente à faixa litorânea, mas também às montanhas da
Cisjordânia. Na presente tese, o termo será utilizado no sentido da definição de Donner: “Sob ‘Palestina’
entende-se em geral o palco da história bíblica, portanto preferencialmente a Cisjordânia, mas também as partes
da Transjordânia: os territórios dos atuais estados de Israel da Jordânia, e os territórios palestinos.” Herbert
Donner, História de Israel e de seus povos vizinhos (vol.1 “Dos primórdios até a formação do estado”), São
Leopoldo, Editora Sinodal, p.50.
2
Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século VI a.C.,
3ª edição, São Leopoldo, Oikos, 2009, p.52.
3
Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio, p.52.
13

Assim, o tribalismo não é pré-estatal, mas anti-estatal.4 Portanto, seria possível afirmar
que muitos textos bíblicos propõe um projeto de retribalização, ou seja, uma volta àquele
governo sistematizado pela liderança clânico-tribal, pertencente ao período das tribos que
antecedeu à formação da monarquia, e existente na forma de projeto ideológico na pregação
de muitos profetas (como Sofonias, Habacuque e Jeremias).

O ponto importante a notar é que o tribalismo não é meramente um sistema político


alternativo à monarquia, mas sim, principalmente, um programa humanitário proponente de
relações sociais justas e fraternas.

Desse modo, o autor da tese percebeu que o conceito do tribalismo poderia se tornar
uma chave de leitura para interpretação de muitos daqueles textos proféticos que apresentam
esperança e salvação. Isso porque se esses textos estiverem vinculados a um projeto tribal,
então, a salvação anunciada por eles poderia ser interpretada como um projeto de
reestruturação daquelas classes sociais que tanto foram oprimidas pelas monarquias de Israel
e Judá.

Na busca daqueles textos proféticos proponentes da retribalização, o autor deparou-se


com Jr 30-31. A grande questão é: as palavras de salvação nesse trecho literário não
apresentariam um projeto de esperança para aqueles que foram oprimidos pelas monarquias e
pelos imperialismos contemporâneos de Jeremias?

O objetivo da presente tese é responder a essa questão.

O livro de Jeremias contém predominantemente oráculos de denúncias contra os


pecados de Judá e Israel. A crítica aos reis, aos falsos sacerdotes e aos falsos profetas é a
ênfase da mensagem de Jeremias.

Contrastando com os anúncios de juízo divino, há poucos trechos no livro de Jeremias


contendo promessas de salvação e restauração para Judá e Israel. Jr 30-31 é justamente um
desses trechos. Trata-se de um conjunto literário chamado de “Livro da Consolação”, pois
desenvolve a esperança de restauração para um povo sofrido, e, bem no início do conjunto, se
diz que a mensagem de Jeremias deveria ser registrada em um rp,se seper “livro”5 (Jr 30,2).

4
Milton Schwantes, As monarquias no antigo Israel: um roteiro de pesquisa histórica e arqueológica, São Paulo,
Paulinas/CEBI, 2006, p.11.
5
A presente tese optou pela seguinte padronização no sistema de transliteração e tradução: caracteres hebraicos
( rp,se
), transliteração (seper) e tradução (“livro”). Essa mesma padronização é seguida nas seguintes obras,
dentre outras: Milton Schwantes, Isaías – Textos selecionados, São Leopoldo, Faculdade de Teologia, 1979,
167p. (Série Exegese; vol.8/1); Nelson Kirst, Jeremias – Textos selecionados, São Leopoldo, Faculdade de
Teologia, 1984, 243p. (Série Exegese; vol.6/1-3); Mercedes Lopes, A mulher sábia e a sabedoria da mulher –
14

Daí a suposição de que Jr 30-31 tratar-se-ia de um pequeno livreto que propõe salvação e
esperança.

Assim, Jr 30-31 é um livro, e passou a ser designado pelos pesquisadores como o “Livro
da Consolação”6. Assim também será designado pela presente tese.

Inicialmente a tese supõe que grande parte do Livro da Consolação procede do próprio
Jeremias, que atuou no território benjamita e em Jerusalém, entre 627 a.C. e 587 a.C. Muitas
unidades literárias de Jr 30-31 emergem da experiência do profeta e do seu grupo social no
contexto das ameaças babilônicas sobre a terra de Judá. Jeremias, que tanto sofrera nas mãos
da política imperialista dos reis de Judá, finalmente articulou uma mensagem de esperança
aos pobres da terra, quando o Estado judaíta sucumbiu ao ataque da Babilônia.

A partir dessa análise, a presente tese almeja contribuir com a pesquisa acadêmica em
torno do livro de Jeremias, mais especificamente ao que diz respeito a Jr 30-31. De maneira
geral, os pesquisadores dos últimos decênios, como Siegmund Böhmer7, Winfried Thiel8 e
Robert Carrol9, influenciados pelos trabalhos de Bernhard Duhm10 e Sigmund Mowinckel11
do início do século 20, afirmam que os ditos poéticos do livro de Jeremias provêm do próprio
profeta e são autênticos, enquanto a prosa provém de outra fonte, e deve ser atribuída a
autores da época exílica e pós-exílica. Esses pesquisadores praticamente definem a salvação
apresentada em Jr 30-31 como sendo a volta dos exilados para a terra de Judá.

A preocupação central desses trabalhos é a identificação do processo de composição do


livro de Jeremias, e notadamente desconsideram os fatores sociais que certamente
contribuíram para a constituição do texto. Mas, qual o significado das palavras de salvação
em Jr 30-31 se elas forem interpretadas na perspectiva do tribalismo?

Além disto, pode-se questionar: é possível afirmar a dicotomia entre prosa e poesia no

símbolos de co-inspiração – Um estudo sobre a mulher em textos de Provérbios, São Bernardo do Campo,
Universidade Metodista de São Paulo, 2007, 232p. (tese de doutorado); Fernando Cândido da Silva, Uma
aliança abominável e pervertida? Anotações subalternas sobre o arquivo deuteronômico, São Bernardo do
Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2011, 331p. (tese de doutorado).
6
Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant: Uses of Prophecy in the Book of Jeremiah, Londres, SCM Press,
1981, p.204.
7
Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund - Studien zu Jeremia 30-31, Göttingen, Vandenhoeck &
Ruprecht, 1976, 160p. (Göttinger Theologische Arbeiten; 5).
8
Winfried Thiel, Die deuteronomistische Redaktion von Jeremias 26-45, Neukirchen, Neukirchener Verlag,
1981, 138p. (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament; 52).
9
Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant – Uses of Prophecy in the Book of Jeremiah, Londres, SCM Press,
1981, 344p.
10
Bernhard Duhm, Das Buch Jeremia, Tübingen, J. C. B. Mohr, 1901, 391p. (Kurzer Hand-Commenter zum
Alten Testament; 11).
11
Sigmund Mowinckel, Zur Komposition des Buches Jeremia, Kristiania, J. Dybwad, 1914, 68p.
15

livro de Jeremias? É possível separar, rigidamente, esses dois estilos literários? Não seria
possível afirmar que a forma literária dos oráculos de salvação apresenta uma poesia
caracteristicamente prosaica, a tal ponto que os textos até então considerados como pós
jeremianos, na verdade, possuem um estilo próprio de Jeremias, que poderia ter escrito uma
poesia com traços prosaicos?

A partir dessa problematização, a presente tese procurará responder a outras questões


específicas:
1) As palavras salvíficas de Jr 30-31 são endereçadas a “Israel” (Jr
30,2.4.10; 31,1.2), “Jacó” (30,7.10.18; 31,7), “Efraim” (30,6), “Judá” (30,2), “Sião”
(30,17b). Quem são esses interlocutores para os quais o texto é dirigido? Quem é o
“povo sobrevivente da espada” (31,2)?

2) Alguns trechos dos oráculos de salvação foram dirigidos para


Israel/norte: 30,5-7; 30,12-15; 30,18-21 + 31b; 31,2-6 = 9b; 31,15-17; 31,18-20; e
31,21-22. Qual é o significado destes textos?

3) “Sião” é mencionado em Jr 30,17b; 30,6.12. Qual a relação entre o


projeto tribal desenvolvido em Jr 30-31 e a tradição sionita?

4) A análise do verbo bWv xub “voltar” será de fundamental importância


para o desenvolvimento da presente tese (Jr 30,3.10.18; 31,8.16.17.18.19.21.23.24.).
Quem são os sujeitos sociais deste verbo?

Referencial Teórico
O instrumento teórico a ser utilizado na presente tese é a exegese literária e histórica das
ciências bíblicas. O modelo é o método da leitura sociológica da Bíblia12 relacionado
intimamente com o método histórico crítico13 e com a leitura popular. Na presente tese, o
método histórico crítico será instrumentalizado em sua aplicação da crítica literária e da
história das formas.
É importante explicitar que a abordagem sociológica da Bíblia Hebraica tem como
objeto de estudo a literatura e a realidade social do antigo Israel, bem como as forças

12
Uwe Wegner, A leitura bíblica por meio do método sociológico. São Paulo: CEDI, 1993. 28p. (Mosaicos da
Bíblia; 12); Gilberto Gorgulho e Ana Flora Anderson, “A leitura sociológica da Bíblia”, em Estudos Bíblicos,
Petrópolis/São Leopoldo, Vozes/Sinodal, 1984, n.1, pp.7-19; Airton José da Silva, “Leitura sociológica da
Bíblia”, Estudos Bíblicos, Petrópolis/São Leopoldo, Vozes/Sinodal, n. 32, 1991, p.74-84.
13
Uwe Wegner, A leitura bíblica por meio do método sociológico, p.21.
16

econômicas e ideológicas subjacentes à produção desta literatura. Busca-se não somente o


sentido do texto, mas também a identificação dos sujeitos sociais por trás do texto, para se
chegar, em última instância, nos “modos de pensar” que constituíram os textos bíblicos.14 A
leitura popular, beneficiando-se dos instrumentos de análise das Ciências Sociais, observa
quatro lados da situação subjacente ao texto: os lados econômico (organização da produção e
do trabalho), social (organização das classes sociais), político (organização do poder) e
ideológico (organização do sistema de valores e ideias).15 Aliado a isto, o método sociológico
busca identificar os conflitos em torno dos quais gira o texto.16 No caso dos textos proféticos,
como o de Jeremias, o conflito se estabelece contra reis, sacerdotes e profetas corruptos e
descompromissados com os valores éticos da Palavra de Javé.
A vantagem deste método é a possibilidade de uma reflexão de Deus a partir do
cotidiano dos autores do texto.17 Ou seja, Deus está na nossa realidade nua e crua, e está
interessado nas nossas dores e tristezas. A leitura sociológica focaliza aquelas tristezas geradas
por estruturações sociais injustas e opressoras.
A aplicação do método histórico-crítico será utilizado de forma cautelosa. A presença de
inserções tardias e exílicas é inquestionável, segundo o parecer da exegese histórica da
maioria dos biblistas atuais. Contudo, incorre-se num sério problema, ao afirmar a presença
da teologia exílica e pós-exílica em Jeremias. É que essa afirmativa, defendida por inúmeros
exegetas contemporâneos, inflacionou-se a tal ponto que a mensagem jeremiana quase é
completamente descaracterizada. Portanto, é preciso ter cautela. O mero desmembrando de
unidades literárias, considerando somente o processo compósito do texto, incorre-se num
desconstruir quase infinito, sem perspectivas de uma análise global da textualidade.
Na presente tese, as palavras salvíficas jeremianas serão observadas pelo viés da
literatura que as constituem. Neste caso, a análise se efetuará pela exegese. A exegese
pergunta pelo significado do texto.18 Isto, apesar das inquietantes questões levantadas pelas
novas metodologias científicas, as quais, tendo Michel Foucault como um dos grandes
representantes, descontrói os discursos positivistas fundantes do pensamento ocidental pela

14
D. J. Chalcraft, Introduction, em D. J. Chalcraft (editor), Social Scientific Old Testament Criticism. A Sheffield
Reader, Sheffield, Sheffield Academic Press, 1997, p.16-17.
15
Uwe Wegner, A leitura bíblica por meio do método sociológico, p.6; Airton José da Silva, “Leitura sociológica
da Bíblia”, p.81. Veja também AA.VV., “Sociologia das Comunidades Paulinas”, em Estudos Bíblicos,
Petrópolis, Vozes/Metodista/Sinodal, n.25, 1990.
16
Uwe Wegner, A leitura bíblica por meio do método sociológico, p.10.
17
Uwe Wegner, A leitura bíblica por meio do método sociológico, p.11. Veja também Pablo Richard,
“O fundamento material da espiritualidade (Rm 8,1-17 e 1Cor 15,35-58)”, em Estudos Bíblicos, Petrópolis,
Vozes, n.7, p.73-85, 1985.
18
Grant R. Osborne, A espiral hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação bíblica, tradução de Daniel
de Oliveira, Robinson N. Malkomes, Suali as Silva Saraiva, São Paulo, Vida Nova, 2009, p.26.
17

negação da objetividade científica. A presente tese, contudo, perseguirá o significado da


passagem bíblica em questão (Jr 30-31), a despeito das limitações relacionadas à distância
entre o texto bíblico e o intérprete.
Portanto, a “exegese é o esforço da ciência para tornar o texto inteligível”.19 De modo
mais específico, a presente tese sustenta a seguinte definição de exegese bíblica,
referenciando-se na proposta de Milton Schwantes: é a análise dos conteúdos de um texto
bíblico, a partir de um conjunto literário em questão devidamente delimitado (observando-se
as diferenciações literárias) e à luz da situação histórica de sua composição e dos seus agentes
sociais.20 Nesse instrumento de análise, nota-se que cada perícope21 tem sua relevância e cada
qual dinamiza um jeito próprio de exprimir uma afirmação teológica. A exegese precisa
esboçar o texto, no caso de Jeremias, a narrativa e/ou a poesia, percebendo seu significado
através da estruturação literária.
É notável a relação entre o instrumental utilizado por Milton Schwantes e a crítica das
formas. Mas é preciso considerar que, nos trabalhos de Schwantes, os gêneros literários não
ocupavam o lugar primordial, mas sim, os conteúdos do texto bíblico. Portanto, a presente
pesquisa se fundamentará em comentários bíblicos, dicionários bíblicos e teológicos, livros de
teologia do Antigo Testamento, e, principalmente, livros e artigos que explicitem o conteúdo
de Jr 30-31.

Metodologia
O instrumento de análise exegética da presente tese será aquele proposto por Milton
Schwantes22. Este pesquisador latino-americano sugeriu os seguintes passos metodológicos
para a análise exegética do texto hebraico: a forma, o lugar e os conteúdos do texto.
A forma é “o rosto, o jeito do texto”23. Trata-se da análise da disposição literária do
texto. Na análise da forma, serão observados os seguintes elementos: a tradução, a
delimitação das unidades literárias, e, em cada uma delas, a coesão interna, o estilo e o

19
Josef Schreiner, “O estudo científico do Antigo Testamento”, em Josef Schreiner, Palavra e mensagem do
Antigo Testamento, 2a edição, tradução de Benôni Lemos, São Paulo, Editora Teológica, 2004, p.75 (559p.).
20
Essa é a percepção do autor da tese a respeito da exegese exercitada nos livros de Milton Schwantes. Milton
não escreveu nenhuma definição de exegese em seus trabalhos exegéticos.
21
O termo “perícope” será usado nesta tese no sentido de uma subunidade literária inserida dentro de uma
unidade maior. A perícope é uma pequena unidade de sentido.
22
Haroldo Reimer, “Não há dabar sem contexto: Apontamentos sobre Hermenêutica Bíblica em Milton
Schwantes”, em Caminhos, Goiânia, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, vol.1. n.2, jul./dez.2013, p.232-
245.
23
Milton Schwantes, Da vocação à provocação – Estudos exegéticos em Isaías 1-12, 3a edição ampliada, São
Leopoldo, Oikos, 2011, p.42.
18

gênero.24
A tradução preferencialmente é literal, sendo fundamentada no TM da Biblia Hebraica
Stuttgartensia25.
A delimitação é a fixação das unidades literárias. Trata-se de perceber as fórmulas
introdutórias e conclusivas, que demarcam uma unidade de sentido.
A coesão interna é a análise das conexões internas da perícopes. O estilo é a definição
da qualidade literária do texto, e pode ser poético ou narrativo. Para a observação do estilo
poético ou narrativo do texto, é necessário acompanhar a disposição literária do texto.26 Isso
significa notar as ‘estrofes’ que compõe a poesia, ou, no caso de textos prosaicos, os
‘parágrafos’. Na concepção de Milton Schwantes, a ‘estrofe’ é “uma unidade de sentido na
poesia”.27 ‘Parágrafos’ e ‘estrofes’ são “parcelas diferentes”28 dentro de uma perícope. Em
muitos dos seus trabalhos exegéticos, Schwantes analisava o estilo do texto bíblico na medida
em que as ‘estrofes’ eram identificadas, sendo também observadas as constituintes de cada
estrofe, a saber, suas frases.29 Portanto, a coesão interna era observada juntamente com o
estilo do texto.30
A grande marca da poesia hebraica, segundo Milton Schwantes, é a repetição de frases.
Ou seja, “um pensamento é expresso em duas ou mais formulações frasais similares
(paralelas, na linguagem usual), sendo que a segunda parte pode descrever ou intencionar
mais ou menos o mesmo que a anterior, ou o contrário e antitético, ou ainda ser um acréscimo
ou uma complementação”31.
Comumente os trabalhos exegéticos de Milton Schwantes analisam outros elementos da
forma, como a disposição dos verbos e a disposição da estrutura da perícope. A estrutura
verbal da passagem é importante, já que são “os verbos que dão a dinâmica do texto”32. Isso
significa identificar os tempos dos verbos (perfeitos e imperfeitos, particípios). A disposição
da estrutura, por sua vez, é a percepção dos temas da perícope. 33 Mas, esses dois elementos, a

24
Veja Lucas Merlo Nascimento, “A Bíblia e a vida: O método exegético de Milton Schwantes”, em Revista
Caminhando, v. 17, n. 2, jul./dez. 2012, p.55-63.
25
Karl Elliger; Wilhelm Rudolph (editores), Bíblia Hebraica Stuttgartensia, Stuttgart, Deutsche
Bibelgesellschalft, 1997, 1574p.
26
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.403.
27
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.404.
28
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.95.
29
Veja, por exemplo, Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.404.
30
Veja, por exemplo, a análise de Is 9,1-6, onde Schwantes analisa o estilo identificando as ‘estrofes’ do texto;
depois analisa a ‘estrutura’, e finalmente pergunta pelo gênero literário. Milton Schwantes, Da vocação à
provocação, p.403-415.
31
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.403.
32
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.409.
33
Veja o modo como Milton Schwantes observa a estrutura de Is 9,1-6, em Da vocação à provocação, p.411: o
19

disposição dos verbos e a estrutura, nem sempre são notados por Schwantes, havendo, em
alguns dos seus trabalhos exegéticos a ausência da análise da disposição verbal.34
Finalmente, o último passo na análise da forma é identificação do gênero literário. 35 O
gênero é um padrão formal encontrado num conjunto de textos. Os seguintes gêneros são
encontrados na literatura profética: dito profético, fórmula do mensageiro, hinos, lamentações.
De fundamental interesse para a presente tese é a “palavra de promessa”36 ou “oráculo de
salvação”37 que anuncia a intervenção salvífica de Deus, já que Jr 30-31 fundamentalmente
contém palavras salvíficas.
O lugar é “o chão do texto, suas raízes na realidade”38. Trata-se da análise da datação do
texto e do seu “lugar vivencial”, o Sitz im Leben. De maneira geral, na pesquisa bíblica, mais
especificamente no método histórico-crítico, o Sitz im Leben pertence à crítica das formas, e
tenta perceber a relação entre a fixação de fórmulas literárias e as situações concretas dos seus
escritores.39 No entanto, nos trabalhos de Milton Schwantes, e na leitura sociológica da
Bíblia, o “lugar vivencial” procura muito mais identificar os agentes sociais por detrás dos
textos do que simplesmente perceber a relação entre um gênero literário e uma determinada
situação concreta.40 Esse item também indaga sobre os autores do texto. No caso de Jr 30-31,
a pergunta é se o texto pode ser atribuído ao profeta Jeremias ou a redatores da época exílica
ou pós-exílica.

Os conteúdos compõem “o coração do texto”41. No dizer de Schwantes, é a ‘palavra’, o


significado teológico do texto. É o ápice da análise exegética. A análise dos itens anteriores (a
forma e o lugar) encaminham as descobertas dos conteúdos. O significado do texto é
abordado a partir de sua estruturação literária, respeitando-se os parágrafos ou estrofes, caso
sejam identificados no texto. O lugar do texto também lança luzes para a compreensão dos
conteúdos, pois o estudo do contexto histórico evidencia “que não é suficiente ler as palavras
como formulações idealizadas pela intenção de um autor, mas que se faz necessário perceber

v.1 refere-se ao problema e à solução; a solução é a novidade de Deus; o v.2 descreve a ‘consequência’ da
novidade, ao passo que os v.3-6 enumeram suas três causas, terminando com uma promessa.
34
Por exemplo, na análise exegética de Ageu 1.1-15a, Schwantes abordou a estrutura desta subunidade, mas não
analisou sua disposição verbal. Veja Milton Schwantes, Ageu, Petrópolis/São Bernardo do Campo/São Leopoldo,
Vozes/Imprensa Metodista/Sinodal, 1986, p.26-27 (Comentário Bíblico).
35
Claus Westermann, Teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Paulinas, 1987, p.48-71 e p.117-127.
36
Josef Schreiner, “O estudo científico do Antigo Testamento”, p.67.
37
Grant R. Osborne, A espiral hermenêutica, p.343.
38
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.52.
39
Uwe Wegner, Exegese do Novo Testamento, São Leopoldo/São Paulo: Editora Sinodal/Paulus, 1998, p.171.
40
Veja as diferenciações do conceito de “lugar vivencial” entre o método histórico-crítico e o método
sociológico, em Uwe Wegner, A leitura bíblica por meio do método sociológico, p.21-23.
41
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.58.
20

através delas as lutas sociais da época”42.


Portanto, a presente tese propõe-se a analisar as palavras salvíficas de Jr 30-31
utilizando-se dos instrumentos metodológicos de Milton Schwantes. O primeiro passo é a
percepção da forma de Jr 30-31. O segundo passo é a datação deste texto, identificando o seu
lugar histórico e os agentes sociais que constituíram o texto. E o terceiro passo é análise do
conteúdo das palavras salvifícas de Jr 30-31. Embora a forma e o lugar lancem luzes sobre o
sentido da passagem bíblica, é só no item ‘conteúdos’ que se explicará o seu real significado.

Estrutura da tese

A presente tese está dividida em quatro capítulos. O primeiro descreve as principais


pesquisas em torno do livro de Jeremias e do Livro da Consolação (Jr 30-31), com o objetivo
de situar o leitor no estado atual do debate. O segundo analisará a forma e o lugar de Jr 30-31,
sob a pressuposição hermenêutica de que a compreensão da estrutura literária e da época de
sua escrita incide diretamente na interpretação dos oráculos de salvação de Jr 30-31. O
terceiro focalizará os conteúdos das palavras de salvação de Jr 30-31, notando o tribalismo
como moto do projeto de esperança da literatura jeremiana original. O quarto buscará analisar
outros trechos do livro de Jeremias que apresentam ditos de salvação e que elucidam o sentido
social das promessas de Jr 30-31.

42
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.58.
21

Capítulo 1. Jr 30-31 na Pesquisa Bíblica

Introdução

Neste primeiro capítulo a tese propõe uma breve descrição das pesquisas acadêmicas
sobre Jr 30-31. O objetivo principal desta descrição é a identificação dos principais autores
que defenderam hipóteses concernentes à origem e à composição do Livro da Consolação (Jr
30-31), situando assim os leitores no estado atual da pesquisa.

Contudo, antes de focalizar as pesquisas em torno de Jr 30-31, é necessário descrever as


teorias sobre a composição do livro de Jeremias, para familiarizar o leitor com alguns termos
e expressões da academia bíblica, tais como “literatura deuteronomista” e “estilo literário”
(“prosa” e “poesia”) como fator determinante para a identificação autoral do livro. Depois,
num segundo momento, poderemos focalizar as pesquisas sobre Jr 30-31, com o intuito de
realçar a necessidade de aprofundamento das questões que envolvem a origem e o sentido
teológico desses dois capítulos de Jeremias.

1.1 – Teorias sobre composição do livro de Jeremias


A maioria dos pesquisadores bíblicos compreende a formação do livro de Jeremias a
partir de inúmeras redações que teriam surgido desde a época do profeta até o período do pós-
exílio babilônico, sendo a redação “deuteronomista” a mais importante para a confecção final
do livro. Mas, qual o sentido da palavra “deuteronomista” nas teorias da pesquisa, e qual sua
relação com o livro de Jeremias? É essa questão que será respondida, nesse momento da tese.

1.1.1 – A literatura deuteronomista

Na pesquisa bíblica atual, particularmente nas escolas teológicas alemã e latino-


americana, a literatura deuteronomista é a composição de escritos que realçam a importância
do compromisso de Israel com a “lei”/torah de Javé, predominantemente presente no livro de
Deuteronômio, e também encontrada na redação dos livros históricos, dos proféticos
(especialmente Oséias e Jeremias) e dos Salmos. Segundo essa concepção, a literatura
deuteronomista é fruto de inúmeras edições e revisões, efetuadas desde as reformas de
Ezequias e Josias até o período do pós-exílio babilônico.

De acordo com G. Braulik:


22

“A linguagem do Dt é prosa artística de alto nível retórico. Ela se caracteriza


pelo ritmo ondeante de períodos bem longos, que estendem além de frases
secundárias intercaladas. Conhece um tipo de métrica da prosa, trabalha com
quantidade de palavras equilibradas entre si, expressões fixas e frequentes
assonâncias.”43

A título de exemplo, essa caracterização da literatura deuteronômica pode ser percebida


nos seguintes textos de Deuteronômio:

Dt 4,5-6:
5
Eis que vos tenho ensinado estatutos e juízos,

como me mandou o Senhor, meu Deus,

para que assim façais no meio da terra que passais a possuir.


6
Guardai-os, pois,

e cumpri-os,

porque isto será a vossa sabedoria

e o vosso entendimento perante os olhos dos povos que, ouvindo


todos estes estatutos, dirão: Certamente, este grande povo é gente sábia e inteligente.

Dt 6,24:

O Senhor nos ordenou para que cumpríssemos todos estes estatutos, temendo a Javé o
nosso Deus,

para que tudo nos corra bem, todos os dias,

para nos guardar em vida, como hoje se vê.

Períodos curtos, com expressões fixas e trabalhadas, podem ser encontrados em Dt 4,1 e
28,45:

43
Georg Braulik, “O livro do Deuteronômio”, em Erich Zenguer et al., Introdução ao Antigo Testamento,
tradução de Werner Fuchs, São Paulo, Edições Loyola, 2003, p.102 (Bíblica Loyola, 36).
23

Dt 4,1:

Agora, pois, ó Israel, ouve os estatutos e os juízos

que eu vos ensino,

para os cumprirdes,

para que vivais,

e entreis,

e possuais a terra que o Senhor, Deus de vossos pais, vos dá.

Dt 28,45:

E virão sobre ti todas estas maldições,

e te perseguirão,

e te alcançarão,

até que sejas destruído,

porque não ouviste a voz de Javé teu Deus,

para guardares os seus mandamentos

e os seus estatutos que te ordenou.

Esse estilo literário predomina nas “molduras” externas do livro de Deuteronômio (Dt
1-11 e 29-32), mas também são percebíveis nas revisões e ampliações da parte central do livro
(Dt 12-26), realizadas por deuteronomistas. De acordo com essa perspectiva, as últimas
redações dos livros históricos, particularmente dos livros de Josué, Juízes e Samuel, foram
feitas justamente pelos deuteromistas (por exemplo: Js 1,3-9.12-18; 8,30-35; 23; 24; Jz 2,6-
3,6; 1Sm 7; 12; 2Sm 7), sendo eles também os responsáveis pela redação de quase todos os
trechos de 1 e 2 Reis.44

Martin Noth45 defendeu a tese (1943) de que a “obra historiográfica deuteronomista”


(Dtr ou OHDtr), iniciando-se em Dt 1, e concluindo-se em 2Rs 25, foi compilada por um

44
Ernst Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, tradução de D. Mateus Rocha, São Paulo,
Editora Academia Cristã/Paulus, 2012, p.324.
45
Martin Noth, Überlieferungsgeschichtliche Studien, Halle, Niemeyer, vol.1, 1943, p.12-18 (Schriften der
24

único autor, em Judá, pouco depois da libertação do rei Joaquim do cárcere na Babilônia (2Rs
25,27-30). O suposto autor deuteronomista teria redigido a obra como uma teodiceia, com o
objetivo de responder as crises teológicas geradas pelo exílio babilônico, particularmente
aquelas que perguntavam sobre a inatividade de Deus frente à ação dos caldeus contra
Jerusalém e contra o templo sagrado. A Dtr afirmaria a destruição do Estado de Davi e do
templo como consequência das constantes rebeldias de Judá contra os mandamentos de Javé.
A obra não apresentaria nenhuma perspectiva de salvação para o futuro, antes, focalizaria
somente a ira justa de Javé contra a rebeldia de Judá.

Noth acreditava que os livros de Dt – 2Rs é a composição de uma só obra, a “obra


historiográfica deuteronomista”, porque esses livros bíblicos apresentam uma linguagem
similar, e há também uma linha teológica que perpassa esses livros, qual seja, o exílio
babilônico é uma punição a Judá por seus pecados contra a “lei” (torah) de Javé.

A tese de Noth foi reformulada pela pesquisa bíblica posterior. Em linhas gerais, a
maioria dos estudiosos (particularmente aqueles da escola alemã,desde Noth até a atualidade,
e aqueles da escola latino-americana) desacredita na existência de um único autor
deuteronomista, mas defende a hipótese de várias edições e revisões deuteronomistas,
supostamente ocorridas desde a época do rei Ezequias até o pós-exílio.

De acordo com os estudiosos alemães Georg Braulik e Norbert Lohfink, e, no cenário


latino-americano, Pedro Kramer46 (entre outros), as primeiras redações da literatura
deuteronomista estão associadas com a centralização do culto em Jerusalém promovida pelo
rei Ezequias de Judá (725-697 a.C.), como tentativa de eliminar o sincretismo cultual (2Rs
18,4.22), visando promover um levante contra as religiões estrangeiras, particularmente a
assíria, já que a Assíria ameaçava a independência política e econômica de Judá. Nesse
contexto teriam sido elaboradas as leis da “centralização do culto”, legitimadas
posteriormente (Dt 12,4-7.8-12.13-19.20-28; 14,22-27; 15,19-23; 16,1-8.9-12.13-15.16s;
17,8-13; 18,1-8; 26,1-11; 31,9-13).47

Königsberger Gelehrten Gesellschaft, Geisteswissenschaftliche Klasse; 18,2).


46
Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio – Programa de uma sociedade sem empobrecidos e
excluídos, São Paulo, Paulinas, 2006, 192p. (Coleção exegese). Veja uma proposta semelhante em Shigeyuke
Nakanose, “Para entender o Deuteronômio – Uma lei a favor da vida?”, em Revista de Interpretação Bíblica
Latino-Americana/RIBLA, Petrópolis/São Leopoldo, Editora Vozes, n.23, 1996, p.176-193; Cássio Murilo Dias
da Silva, “Deuteronômio, portal da História Deuteronomista”, em Teocomunicação, Faculdade de Teologia da
PUCRS, Porto Alegre, v.42, n.1, jan./jun. 2012, p.37-49.
47
Georg Braulik, “O livro do Deuteronômio”, p.104.
25

A legislação litúrgica proponente da centralização dos sacrifícios em Jerusalém, que, na


pesquisa de Braulik e Lohfink, identifica-se com o Deuteronômio original, desapareceu no
reinado de Manassés.48 Depois de algumas décadas, supostamente sob o rei Josias de Judá
(640-609), o “livro da lei” foi “encontrado” (2Rs 22,8), o que desencadeou a reforma de
Josias em 622 a.C. (2Rs 22-23). Nesse contexto, as leis deuteronômicas teriam sido
reelaboradas sob a forma de um contrato de vassalagem, nos moldes formais dos contratos
assírios, nos quais um vassalo presta juramento de fidelidade a um suserano. Na redação do
livro de Deuteronômio, Judá e o rei são os vassalos que, numa cerimônia de renovação da
aliança, prestam juramento ao suserano Javé. Especificamente no contexto da reforma de
Josias, quando a centralização do culto foi radicalizada como tentativa de extinguir o
sincretismo religioso, o livro do Deuteronômio teria se transformado no “documento da
aliança” que fundamentava a relação do povo e do rei com Javé (2Rs 23,1-3; compare com Dt
31,9-13).49 Também foi nesse cenário que teria surgido a primeira redação da obra
historiográfica deuteronomista50, que seria uma “narrativa josiânica de conquista da terra”
(Lohfink) escrita com o objetivo de legitimar a expansão do Estado josiânico para as terras do
Norte palestinense (onde estavam as 10 tribos de Israel), visando também promover a política
antiassíria, bem típica do governo de Josias.51 De acordo com Braulik, o acervo básico dessa
obra seria Dt 1 – Js 22.52

Com a morte de Josias, em 609 a.C., a reforma deuteronômica desmantelou-se.


Sequencialmente, vieram os exílios babilônicos (605, 597 e 586 a.C.), quando a literatura
deuteronômica teria adquirido novas ênfases: o exílio é uma punição de Javé contra o Israel
que rebelou-se contra as cláusulas da aliança (Dt 28,25). “Por isso, experimenta-se essa
situação de desgraça no exílio. Mas um possível futuro se abre, no mesmo texto bíblico, se
houver conversão a Iahweh, ouvindo sua voz e obedecendo às suas leis. Isso, para Georg
Braulik, fez surgir os textos de Dt 29,21-27; 4,25-28.”53

48
Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio, p.28.
49
Georg Braulik, “O livro do Deuteronômio”, p.105; Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio,
p.19-24.
50
Georg Braulik, “As teorias sobre a obra historiográfica deuteronomista (‘DtrG’), em Erich Zenguer et al.,
Introdução ao Antigo Testamento, tradução de Werner Fuchs, São Paulo, Edições Loyola, 2003, p.168 (Bíblica
Loyola, 36); Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio, p.30.
51
Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio, p.31.
52
Georg Braulik, “O livro do Deuteronômio”, p.105.
53
Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio, p.33. Dt 4,25-28, citado pelo autor, provavelmente deve
englobar Dt 4,29-31, onde o tema da conversão a Javé é desenvolvido, ou o texto citado deveria ser Dt 4,29-31, e
não Dt 4,25-28.
26

Nesse cenário, supostamente surgiu a segunda redação da Obra Historiográfica


Deuteronomista. Braulik explica:

“Determinada camada deuteronomista realça que a própria ocupação da terra


da promessa estava condicionada à obediência aos mandamentos (p.ex., 6,18s;
11,8b.22-25). Outras camadas de revisões do tempo do exílio levam a uma
mudança na teologia da aliança. Recorrendo parcialmente à tradição da aliança
com Abraão e os patriarcas (cf. Gn 15,18; 17), ela não mais faz depender a
afirmação da aliança, por parte de Javé, da obediência de Israel (4,31; 7,9; 9,5;
30,6). Acima de tudo está a graça.”54

As últimas edições da literatura deuteronomista supostamente ocorreram no pós-exílio,


quando as tradições sobre a morte de Moisés teriam sido desenvolvidas (Dt 32,48-52 e 34,2.7-
9), e foi exatamente isso que teria impulsionado o desmembramento do livro de Dt da suposta
obra historiográfica deuteronomista, vinculando-o aos livros precedentes (Gn – Nm). Surgia o
“Pentateuco”.

Ainda sobre o surgimento da literatura deuteronomista, convém mencionar E.


Nicholson55, para quem o livro de Deuteronômio originalmente foi composto por círculos
proféticos do Norte, que, após a queda do Estado de Israel, migraram para o Sul, e
transferiram à dinastia davídica as expectativas de uma reunificação da nação em torno de
Javé outrora alimentadas no Reino do Norte (Israel). O programa deuteronômico seria uma
reposta à apostasia de Manassés. Quando Josias ascendeu ao trono, as autoridades de Judá
valeram-se do projeto deuteronômico e adaptaram-no aos interesses da dinastia davídica.
Decorrente deste engendramento político em torno de Josias, teria surgido a Obra
Historiográfica Deuteronomista, cuja redação final supostamente ocorreu no exílio.

1.1.2 – A relação entre a literatura deuteronomista e o livro de Jeremias

A época das redações e das revisões da literatura deuteronomista, conforme aventada


pela pesquisa bíblica alemã e latino-americana, coincide com a época da redação do livro de
Jeremias. Muitos ditos de Jeremias foram proferidos na época de Josias (Jr 1,2). No ano 605
a.C., um primeiro rolo, contendo as mensagens de ameaças e ruínas contra Jerusalém, foi
escrito (Jr 36). E, de acordo com a nota redatorial do livro, o ministério do profeta prolongou-

54
Georg Braulik, “O livro do Deuteronômio”, p.106.
55
E. W. Nicholson, Deuteromy and Tradition, Oxford/Philadelphia, Blackwell/Fortress Press, 1967, p.1-17.
27

se até o início do exílio (Jr 1,3). Portanto (se fato existiu um movimento deuteronomista nos
séculos 7 a 5 a.C.), parte da história do profeta Jeremais coincide com a dos deuteronomistas.

A questão de suma importância para a presente tese diz respeito à relação entre a
literatura deuteronomista e o livro de Jeremias, já que muitos trechos de Jeremias apresentam
os mesmos temas e os mesmos traços literários da literatura deuteronomista.

Há dois estilos literários marcantes no livro de Jeremias: a poesia e a prosa. As


pesquisas de Sigmund Mowinckel e Bernhard Duhm aventaram a hipótese de que cada um
desses estilos provém de fontes distintas.56 Supostamente haveria três tipos de fontes: fonte A,
fonte B e fonte C.57 A fonte A seriam os ditos do próprio Jeremias, típicos da literatura
profética, confeccionados no estilo poético, e refletiriam a mensagem do profeta nos tempos
do pré-exílio. A marca literária da fonte A seria a primeira pessoa do singular tendo Javé por
sujeito, que fala através da boca de Jeremias (Jr 2,2b-3.4-5; 4,5-6). As “confissões de
Jeremias” também pertenceriam a essa fonte A (11,18 – 12,6; 15,10ss.15-21; 17,14-18; 23,18-
23; 20,7-13.14-18).58

De acordo com Sigmund Mowinckel e Bernhard Duhm, as outras fontes foram


responsáveis pela compilação das partes narrativas do livro de Jeremias. A fonte B seria
composta por textos biográficos, que, à semelhança de Am 7,10-17, descrevem fatos
envolvendo o profeta Jeremias, pela terceira pessoa do singular, e podem ser encontrados em
Jr 26-45. Geralmente a fonte B inicia-se datando precisamente os eventos (26,1; 28,1; 36,1),
embora alguns trechos não estabeleçam datas (19,14 – 20,6).59

Esta fonte B supostamente foi escrita por Baruque (Bright60). Mowinckel, por sua vez,
deixou em aberto a questão da autoria dessa fonte.61 De qualquer modo, muitos pesquisadores
afirmam que um antigo rolo contendo as mensagens de Jeremias foi escrito por Baruque (Jr

56
Veja uma discussão sobre isso em John Bright, Jeremiah - A New Translation With Introduction and
Commentary, New York, Doubleday & Company, 1986, p. LXIII-LXXIII (The Anchor Bible; 21).
57
Bernhard Duhm, Das Buch Jeremia, Tübingen, J. C. B. Mohr, 1901, 391p. (Kurzer Hand-Commenter zum
Alten Testament; 11); Sigmund Mowinckel, Zur Komposition des Buches Jeremia, Kristiania, J. Dybwad, 1914,
68p. Veja um breve resumo sobre este período da pesquisa em Otto Eissfeldt, The Prophetic Literature, em The
Old Testament and Modern Study – A Generation Of Discovery and Research, ed. H. H. Rowley, Oxgord,
Clarendon, 1951, p.151-153.
58
John Bright, Jeremiah, p. LXVI.
59
John Bright, Jeremiah, p.LXVII.
60
John Bright, Jeremiah, p.LXVII.
61
Rolf Rendtorff, Antigo Testamento – Uma introdução, tradução de Monika Ottermann, Santo André, Academia
Cristã, 2009, p.296.
28

36), em 605 a.C., o que permite afirmar que “ele participou no desenvolvimento da tradição a
respeito de Jeremias”62.

A fonte C englobaria os discursos em forma de prosa, muito parecidos com a


textualidade deuteronomista.63 Assim, a linguagem encontrada no livro de Deuteronômio
também pode ser percebida na linguagem de prosa amplamente desenvolvida no livro de
Jeremias. Para John Bright, uma característica comum na fonte C é o envio do profeta, por
Javé, a fim de pregar ou representar alguma ação que Deus executaria entre o seu povo
(exemplos: 7,2.16.27ss; 11,1-17; 16,1-13; 18,1-12; 19,1-13).64 De acordo com Mowinckel,
essa fonte C teria sido escrita por um autor deuteronomista no pós-exílio, na época de
Esdras,65 e supostamente pode ser encontrada em Jr 7,1-8,3; 11; 18; 21; 25; 32; 33s; e 44.66
Entretanto, alguns pesquisadores, como Eissfeldt e Weiser, atribuem a fonte C para Jeremias,
sendo que Weiser acredita que Jeremias teria usado fontes pré-deuteronômicas.67 Rudolph,
por sua vez, defende a autoria de Jeremias em muitos textos prosaicos, mas admite que há
revisões deuteronomistas neles: Jr 7,1-8,3; 11,1-14; 16,1-13; 17,19-27; 18,1-12; 21,1-10;
22,1-5; 25,1-14; 35,8-22; 35.68

Mowinckel acreditava também na existência de uma quarta fonte, denominada por ele
de fonte D, que seria composta por palavras de salvação, escritas no pós-exílio. Jr 30-31
pertenceria justamente a essa fonte.69

John Bright afirma que, no decorrer da composição do livro, houve uma interação entre
a fonte deuteronomista e a antiga poesia jeremiana. Essa afirmativa refere-se, inclusive, aos
capítulos que são objetos da presente tese, a saber, Jr 30-31.70 Haveria, também, uma pequena
interação entre as narrativas biográficas e os discursos deuteronomistas, como se lê em 29,16-
20; 32,17-44; 33,12-22; etc.

62
Ernst Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.561.
63
Sigmund Mowinckel, Zur Komposition des Buches Jeremia. Veja Wilhelm Rudolph, Jeremia, Tübingen, J. C.
B. Mohr, 3a edição, 1968, p.XIV-XXIII (Handbuch zum Alten Testament; 12).
64
John Bright, Jeremiah, p. LXVIII.
65
Ernst Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.556.
66
Ivo Meyer, “O livro de Jeremias”, em Erich Zenguer et al., Introdução ao Antigo Testamento, tradução de
Werner Fuchs, São Paulo, Edições Loyola, 2003, p.412 (Bíblica Loyola, 36). Veja também Michael Williams,
“An Investigation of the Legitimacy of Source Distinctions for the Prose Material in Jeremiah,” em Journal of
Biblical Literature, Philadelphia, The Society of Biblical Literature and Exegesis, vol.112, l993, p.193-210.
67
Ernst Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.556.
68
Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.XIX-XXIII.
69
Ivo Meyer, “O livro de Jeremias”, p.412.
70
John Bright, Jeremiah, p. LXVIII.
29

De qualquer modo, é importante mencionar que a pesquisa bíblica constatou que os


estilos poético e prosaico deuteronomista são vastamente encontrados no livro de Jeremias,
particularmente nos caps. 1-25 e 26-45. “Recentemente prevalece sempre mais a opinião de
que são sinal do trabalho de uma redação deuteronomista, que teria redigido tanto as palavras
de Jeremias nos caps. 1-25 quanto as narrativas sobre Jeremias nos caps. 26-45, e ainda teria
dado ao conjunto sua forma atual [...]”.71 Pesquisadores como Thiel e Hyatt também
defendem essa opinião.72

Deste modo, de acordo com a maioria dos pesquisadores, as palavras do profeta


Jeremias, como encontradas na redação atual do livro de Jeremias, foram revisadas e
ampliadas pelos deuteronomistas, na época do exílio e pós-exílio, exceto os caps. 46-51
(oráculos contra as nações) que compõem um complexo distinto no livro de Jeremias, Para
Ivo Meyer, “as aproximações linguísticas e teológicas do livro de Jeremias com a literatura
restante na esfera de influência do Deuteronômio devem ser debitadas na conta dos editores
de uma versão exílica do livro”73.

Já de acordo com W. Thiel, as últimas redações do livro de Jeremias são pós-


deuteronomistas, sendo quase impossível a identificação exata do ambiente dos seus autores74,
enquanto que, para Thomas Römer, existiram duas redações deuteronomistas do livro de
Jeremias, realizadas no final do exílio.75

Ivo Meyer, mesmo admitindo que as redações deuteronomistas foram realizadas no


exílio e não devem ser vinculadas ao profetas Jeremias, por outro lado, afirma que “Jeremias,
enquanto poeta com linguagem original, pode (ou tem de) expressar-se ao mesmo tempo
como ‘pregador’ no idioma dessa corporação em que também atuavam ‘deuteronomistas’”76.

71
Rolf Rendtorff, Antigo Testamento, p.289.
72
Winfried Thiel, Die deuteronomistische Redaktion von Jeremias 1-25, Neukirchen, Neukirchener Verlag, 1981,
331p. (Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament; 51); Die deuteronomistische
Redaktion von Jeremias 26-45, Neukirchen, Neukirchener Verlag, 1981, 138p. (Wissenschaftliche Monographien
zum Alten und Neuen Testament; 52); J. Philip Hyatt, Jeremiah – Prophet of Courage and Hope, New York,
Abingdon Press, 1958, 128p. Veja também Ernest W. Nicholson, Preaching to the Exiles – A Study of the Prose
Tradition in the Book of Jeremiah, Nova York, Schocken, 1970, 154p.
73
Ivo Meyer, “O livro de Jeremias”, p.414.
74
W. Thiel, Die deuteronomistische Redaktion, citado por Ivo Meyer, “O livro de Jeremias”, p.414. Veja também
Eckart Otto, “Deuteronomiumstudien II – Deuteronomistische und postdeuteronomistische Perspektiven in der
Literaturgeschichte von Deuteronomium 5-11”, em Zeitschrift für Altorientalische und Biblische
Rechtsgeschichte (Journal for Ancient Near Eastern and Biblical Law), Harrassowitz Verlag, Wiesbaden, n.15,
2009, p.65-215.
75
Thomas Römer, A chamada História Deuteronomista – Introdução sociológica, histórica e literária,
Petrópolis, Vozes, 2008, 207p.
76
Ivo Meyer, “O livro de Jeremias”, p.412.
30

É sugestiva a hipótese de Sellin e Fohrer. Embora neguem a autoria de Jeremias de


alguns trechos (Jr 7,24-28; 7,29-8,3; 16,10-13; 17,19-27), e defendam a presença do estilo do
Deuteronômio no livro (por exemplo: Jr 14,2-15,2), por outro lado, admitem que Jeremias,
num segundo período de atuação, foi influenciado pela “linguagem teológica de cunho
deuteronômico, utilizada em sua época, do mesmo modo como no primeiro período se
inspirava na forma e no conteúdo da pregação dos antigos profetas” 77. Para Sellin e Fohrer, os
seguintes trechos, escritos em versos breves, podem ser atribuídos ao profeta Jeremias: Jr 7,1-
15.16-20.21-23; 11,1-14; 16,1-9; 18,1-11; 21,1-7.8-10; 22,1-5; 25,1-14; 34,8-22 e 35.78

Outro pesquisador que merece destaque é John Bright. Ele acredita na existência da
fonte C no livro de Jeremias, contudo, pondera que as diferenciações entre as palavras
proféticas em forma poética e os discursos em prosas não podem ser enfatizadas em
detrimento da compreensão geral da obra de Jeremias: “Minha própria convicção é que,
apesar de diferenças verbais inegáveis, o contraste entre o Jeremias da poesia e o Jeremias da
prosa (e, pode-se acrescentar, entre Jeremias e o 'Deuteronomista’) foi muito exagerada, pelo
menos por muitos estudiosos”.79

Bright acredita que a prosa (fonte C), parecida com a do deuteronomista, não precisa ser
necessariamente datada nos anos do pós-exílio.80 Pois, a fonte C, embora semelhante ao
deuteronomista, possui um estilo literário próprio. Até porque, segundo Bright, o estilo
retórico prosaico já é bem característico no 7º e 6º séculos a.C., sugerindo que o material foi
redigido não muito depois da metade do exílio, poucas décadas depois da morte de Jeremias.81

Quer dizer, Bright admite a fonte C, mas crê que não há um distanciamento muito
grande entre as palavras proféticas de Jeremias e as narrativas deuteronomistas.

Assim, pode-se constatar que a pesquisa bíblica concentra-se predominantemente nas


questões que envolvem a origem e o desenvolvimento da literatura do livro de Jeremias. Esse
debate em torno do surgimento do livro de Jeremias, naturalmente, influenciou a concepção
da origem e desenvolvimento de Jr 30-31.

77
Ernst Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.556.
78
Ernst Sellin; Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.556.
79
“My own conviction is that, in spite of undeniable verbal differences, the contrast between the Jeremiah of the
poetry and the Jeremiah of the prose (and, one might add, between Jeremiah and the ‘Deuteromists’) has been,
by many scholars at least, badly exaggerated.” John Bright, Jeremiah, p.LXXIII.
80
Para mais detalhes, veja John Bright, “The date of the Prose Sermons of Jeremiah”, em Journal of Biblical
Literature, Philadelphia, The Society of Biblical Literature and Exegesis, vol.70, 1951, p.15-35; William L.
Holladay, “Prototype and Copies – A New Approach to the Poetry-Prose Problem of the Book of Jeremiah”, em
Journal of Biblical Literature, Philadelphia, The Society of Biblical Literature and Exegesis, vol.79, 1960,
p.351-367.
81
John Bright, Jeremiah, p.LXXI.
31

1.2 – Teorias sobre a composição de Jr 30-31


Vários estudos já foram realizados em Jr 30-31, tanto por pesquisadores europeus e
norte-americanos, quanto por pesquisadores latino-americanos. Estes últimos reconhecem o
valor teológico do livro de Jeremias no cenário de pobreza e opressão da América Latina. A
presente tese alinha-se ao labor latino-americano. Contudo, nossa pesquisa não desconsidera
as demais fontes de pesquisas, particularmente as europeias.

Para a compreensão do debate em torno da literatura jeremiana no contexto da pesquisa


europeia, dois nomes merecem atenção: Bernhard Duhm e Wilhelm Rudolph. Duhm defendeu
a autenticidade de Jr 30,12-14; 31,2-6.15-22, mas afirmou que as demais partes devem ser
situadas no exílio e no pós-exílio.82 Para Wilhelm Rudolph, Jr 30-31 propõe salvação e
esperança para o Reino do Norte, e foi escrito no contexto da reforma de Josias; depois o
texto foi reelaborado para os exilados judaítas.83

Outros pesquisadores desenvolveram as constatações de B. Duhm e Wilhelm Rudolph.


Abaixo segue uma lista dos principais nomes.

1.2.1 – Siegfried Herrmann

A pesquisa de Siegfried Herrmann84 demonstrou que existe um bom número de palavras


de salvação no livro de Jeremias, no entanto, poucas delas podem ser atribuídas ao próprio
Jeremias. As várias expectativas salvíficas no livro revelam uma pluralidade de origens e de
intenções, revelando que tais textos são resultados de uma longa tradição que interpretou as
palavras iniciais do profeta Jeremias e as aplicou a outras expectativas.

Herrmann admite a existência de alguns textos no livro de Jeremias reveladores da


experiência pessoal do profeta quanto à possibilidade de salvação pessoal em meio às
perseguições, e devem ser identificados como autenticamente jeremianos (1,8.18.19; 15,20).
A partir desta experiência pessoal, o profeta também teria alimentado a expectativa de
salvação ao reino do Norte, conforme se lê em 3,12.13; 31,15ss. Assim, afirmando que, apesar

82
Bernhard Duhm, Das Buch Jeremia, Tübingen, J. C. B. Mohr, 1901, 391p. (Kurzer Hand-Commenter zum
Alten Testament, 11).
83
Wilhelm Rudolph, Jeremia, Tübingen, J.C.B.Mohr, 3a edição, 1968, p.188-191 (Handbuch zum Alten
Testament; 12).
84
Siegfried Herrmann, Die prophetischen Heilserwartungen im Alten Testament – Ursprung und Gestaltwandel,
Stuttgart, Kohlhammer, 1965 [sobre Jeremias: “Die Heilserwartungen im Jeremiabuch”, p.235-241].
32

da ira contra Israel, Javé planeja um futuro profícuo ao seu povo, Jeremias inaugura uma nova
fase no profetismo. O profeta de Anatote desenvolveu suas expectativas salvíficas pessoais
como chave interpretativa da leitura da história do povo de Deus, enquanto os profetas que o
precederam, embora anunciassem salvação, não a formularam sistematicamente. Desta forma,
Jeremias tornou-se um modelo de alguém que soube afirmar a transitoriedade da desgraça,
desenvolvendo expectativas salvíficas em relação ao Reino do Norte. Por essa razão, Jeremias
foi reconhecido pelos redatores do livro como o profeta da desgraça e da graça.

Segundo Herrmann, a sistematização das expectativas salvíficas jeremianas foram


desenvolvidas pelos deuteronomistas. Esses redatores consideraram Jeremias como patrono
das promessas futuras, e colocaram em sua boca uma série de outras afirmativas salvíficas
motivadas pela conjuntura histórica do pós-exílio. Jr 30-31 deve ser atribuído a esses
redatores deuteronomistas.

Assim, nas bases jeremianas, constrói-se a seguinte teologia: Javé destruiu e demoliu
seu povo, mas está pronto a construí-lo e plantá-lo novamente (1,10). Os profetas anteriores
anunciaram a salvação para o povo de Deus, contudo a salvação jamais havia sido anunciada
como algo tão próximo, a ser realizada nas mediações temporárias daquele que a espera.
Portanto, Jeremias se constitui uma autoridade profética a quem os deuteronomistas
recorreram para sistematizar a expectativa de restauração após o catastrófico exílio
babilônico.

A limitação do trabalho de Siegfried Herrmann é a falta de análise do vínculo de


Jeremias com grupos sociais desprestigiados de Judá. Quer dizer, o profeta anunciou
esperança para o antigo reino do Norte, visando só o Norte, ou o profeta pregou as promessas
divinas àquele Reino como chave hermenêutica para a expectativa salvífica de sua mensagem
aos grupos sociais de sua contemporaneidade, inclusive àqueles de Judá? Se Jeremias
anunciou esperança ao Norte, por que ele não anunciaria a salvação nos anos imediatamente
posteriores ao ataque babilônico contra Judá?

1.2.2 – Robert P. Carrol

Robert P. Carrol85 se propõe a fazer uma leitura da literatura jeremiana a partir dos
níveis de tradição do livro, que, para ele, teriam se formado em um longo período de tempo

85
Robert P. Carrol, The book of Jeremiah – A commentary, Philadelphia, The Westminster Press, 1986, 874p.
(The Old Testament Library)
33

mediante o trabalho de vários editores, que intervieram no texto nos mais variados
contextos.86 Ele reitera que sua preocupação não é com as fontes literárias, mas com a
organização redacional do corpo textual.87

Carrol lembra-nos que Jeremias é totalmente conduzido pela palavra de Javé.88 Para ele,
essa tradição em torno da “palavra de Javé” situa-se no contexto do pós-exílio, no cenário do
Império Persa, quando as instituições (políticas, econômicas e religiosas) de Judá estavam
declaradamente falidas. 89

No texto de Jeremias existem os mais variados interesses representados nos diversos


níveis de tradição. Isso faz com que o texto que hora se apresenta seja bastante diversificado
em seu gênero e possua intermináveis desconexões literárias. Conforme indicaremos abaixo,
essa leitura de Carrol influencia diretamente na interpretação das expectativas salvíficas no
livro de Jeremias.

Carrol reconhece o pequeno número de fragmentos alusivos à esperança futura no livro


de Jeremias. Além de pouco numerosos, tais fragmentos não têm muita coerência e estrutura
própria (ver 3,14-18; 12,14-17; 16,14-15; 17,4-26; 22,2-4; 23,5-6.7-8; 24,4-7; 29,10-14; 42,7-
12). A falta de esperança nos poemas da tradição jeremiana leva Carrol afirmar que Jr 30-31
provém de uma tradição diferente daquela apresentada no livro de Jeremias; os compiladores
do Livro da Consolação reuniram poemas alusivos à reconstrução do povo, da cidade e da
economia.90

Para Carrol, a maior dificuldade em atribuir Jr 30-31 ao próprio Jeremias reside na


afirmativa de que o profeta de Anatote proferiu oráculos de ruína para o mundo citadino e
para a terra de Judá. Em contrapartida, a esperança de uma restauração política é o tom
dominante do Livro da Consolação, assevera Carrol.91 Então, a atribuição de Jr 30-31 ao
profeta Jeremias seria fruto de um trabalho redatorial (Jr 30,1-3).92 De acordo com esta
perspectiva, os ditos que proferem ruínas e os ditos que proferem esperança futura conflitam-
se entre si; essas mensagens tão distintas não poderiam ter sido anunciadas por um mesmo
homem. Considerando que Jr 30-31 pode ser aproximado da tradição de Oseias e de Deutero-

86
Robert P. Carrol, The book of Jeremiah, p.57.
87
Robert P. Carrol, The book of Jeremiah, p.57.
88
“He is the bearer of the Word and has no existence apart from that word.” Robert P. Carrol, The book of
Jeremiah, p.78.
89
Robert P. Carrol, The book of Jeremiah, p.78.
90
Robert P. Carrol, The book of Jeremiah, p.568.
91
Robert P. Carrol, The book of Jeremiah, p.569.
92
Robert P. Carrol, The book of Jeremiah, p.569.
34

Isaías, (veja 30,9.10-11; 31,2-6.7-9.10-14.18-20), “é preferível atribuir isto [mensagem de


salvação] aos círculos anônimos durante e depois do exílio que apreciavam as expectativas de
restauração (os descendentes dos profetas de shalom?)”93. Portanto, os mesmos círculos que
compuseram Oseias e o Segundo Isaías, supostamente também redigiram o Livro da
Consolação na perspectiva da restauração de Judá no período do Império Persa. 94 Segundo
Carrol, a associação de Jr 30-31 ao profeta Jeremias seria fruto de um trabalho editorial no
período do pós-exílio, quando os poemas jeremianos foram anexados com outros materiais,
dentre os quais, o Livro da Consolação. A esperança, supostamente faltante na tradição
jeremiana original, foi correlacionada aos poemas de Jeremias.

Em From Chaos to Covenant – Uses of Prophecy in the Book of Jeremiah95, Carrol


também se propõe a analisar as várias camadas traditivas presentes no livro de Jeremias,
sendo que a redação final do texto teria nascido dos deuteronomistas que voltaram do exílio
Babilônico e desejavam reestruturar suas vidas em Judá, no cenário do Império Persa. Essa
comunidade pós-exílica promoveu uma releitura sobre os acontecimentos caóticos acometidos
sobre Judá (destruição de Judá pelos babilônicos) e a esperança de retorno à terra da Palestina.
Daí o título do seu livro: o “chaos” (caos) seria a destruição de Judá pela Babilônia, e a
‘convenant” (aliança) seria a possibilidade de reorganização da comunidade no cenário do
pós-exílio.96 Nesse cenário, a profecia de Jeremias foi remodelada de acordo com a ideologia
dos exilados, que almejavam sobrepor-se àqueles que permaneceram na Palestina durante o
exílio. De acordo com Carrol, daí surge o mito da “terra vazia”, a ideia de que a terra de Israel
ficou vazia durante o exílio babilônico para expiação dos pecados do povo, enquanto na
realidade, historicamente, muita gente continuou vivendo na terra da Palestina.97 Carrol
acredita que essa ideologia esteja presente em muitas passagens do livro de Jeremias, em sua
redação final, como por exemplo, em Jr 42-43; 24 e 29.98 A comunidade da Palestina e
aqueles que partiram para o Egito eram objetos da ira divina. Portanto, restava esperança de
futuro somente para os exilados na Babilônia.99

Assim, supostamente os exilados (na Babilônia) comporiam a comunidade que coletou

93
“it is preferable to attribute it to the anonymous circles during and after the exile which cherished expectations
of restoration (the descendants of the prophets of shalom?).” Robert P. Carrol, The book of Jeremiah, p.569.
94
Robert P. Carrol, The book of Jeremiah, p.570.
95
Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant – Uses of Prophecy in the Book of Jeremiah, Londres, SCM Press,
1981, 344p.
96
Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant, p.262-263.
97
Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant, p.226-248.
98
Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant, p.237.
99
Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant, p.243.
35

as profecias de Jeremias, e as desenvolveu de acordo com seus propósitos ideológicos.


Segundo a abordagem de Carrol, a comunidade pós-exílica, composta por ex-exilados,
necessariamente constitui-se um mediador hermenêutico para a interpretação do livro de
Jeremias.

Portanto, a suposição básica do trabalho de Carrol é que não temos acesso à teologia
original de Jeremias, uma vez que o pensamento do profeta foi totalmente remodelado de
acordo com as intenções da comunidade pós-exílica. Deste modo, o intérprete de Jeremias não
pergunta sobre quem foi Jeremias, mas sim o que disseram sobre ele.

Abordando a problemática da reconstrução da vida de Jeremias, Carrol também analisa


a dualidade literária poesia x prosa presente no livro de Jeremias. Essa caracterização implica
distribuição de dois eixos teológicos presentes no livro: um primeiro constitui-se oráculos de
juízo, indicadores da impossibilidade de arrependimento da comunidade judaíta, e são
essencialmente poéticos (6,10; 8,4-6; 13,23; etc.); outro eixo teológico é formado por sermões
que convocam o povo ao arrependimento, e são essencialmente prosaicos (7,3; 18,7-11; 26,3).
Para Carrol, o profeta Jeremias dificilmente teria proferido dois gêneros caracteristicamente
diferentes.100 O autor responde a essa problemática analisando as duplicatas do livro de
Jeremias. Ele identifica vários versos, frases e ideias que são encontrados repetidas vezes ao
longo do livro, como por exemplo, 23,19ss. = 30,23ss. Essa repetitividade supostamente seria
uma indicação de que o texto jereminano foi drasticamente retrabalhado pelos redatores.
Deste modo, o importante não é a análise da vida de Jeremias em si, mas o modo como a
tradição interpretou a vida e a mensagem do profeta.101

Obviamente essa abordagem de Carrol determina diretamente a interpretação das


palavras salvíficas no livro de Jeremias, em especial aquelas encontradas em Jr 30-31. Isso
porque, de acordo com Carrol, as expectativas salvíficas não seriam exatamente de Jeremias,
mas dos grupos do pós-exílio, em especial daqueles que retornaram da Babilônia.102 Aqueles
que permaneceram na Palestina por ocasião do exílio, representados no livro de Jeremias
pelos sacerdotes corruptos e falsos profetas, atraíram sobre si o juízo divino; segundo essa
versão deuteronomista da tradição jeremiana, não haveria esperança para eles. A ideia da nova
aliança e da consolação, presentes em Jr 30-31, devem necessariamente ser interpretadas a
partir das articulações ideológicas do ex-exilados que aspiravam uma nova comunidade em

100
Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant, p.8.
101
Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant, p.9.
102
Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant, p.71-73, 256-258.
36

Judá.103 No parecer de Carrol, as promessas salvíficas são dirigidas para essa comunidade
composta por ex-exilados da Babilônia.

A abordagem de Robert P. Carrol suscita várias questões, que a presente tese procurará
responder: (1) Para Carrol, a esperança de futuro no livro de Jeremias está relacionada com a
reconstrução das cidades e do Estado de Judá. Ele não considerou a possibilidade de
encontrarmos no livro de Jeremias expectativas salvíficas fundamentadas em outras instâncias
econômicas; (2) Acreditar que o texto jeremiano anuncia uma ruína total sobre os morados de
Judá significa desconsiderar a possibilidade de os oráculos de juízo se dirigirem
especificamente contra setores da sociedade judaíta (reis, sacerdotes, profetas) alinhados às
políticas injustas, e não exatamente sobre todos os moradores. E se considerarmos que a
palavra de restauração dirige-se a outro grupo específico, a saber, aos pobres da terra, aqueles
que permaneceram na terra de Judá após a queda de Jerusalém? Se essa questão for
positivamente respondida, então, é plenamente possível atribuir a esperança esboçada em Jr
30-31 ao próprio Jeremias. Não se pode negar a história constitutiva do Livro da Consolação e
seus primeiros endereçamentos; (3) Segundo Carrol, a tradição prevalecente na redação de
Jeremias é aquela oriunda dos exilados na Babilônia. Entretanto, essa suposta tradição
localiza Jeremias em Judá. Ora, se toda a população judaíta que estava no Egito e na Palestina
deveria ser aniquilada, por que essa mesma tradição localiza o próprio Jeremias não na
Babilônia, mas na Palestina?; (4) À luz das constatações acima, por que negar a possibilidade
de um mesmo homem proferir tanto oráculos de juízo quanto oráculos de salvação?

1.2.3 – Nelson Kilpp

Nelson Kilpp104 fez uma análise da relação entre a promessa de salvação


(Heilsverheissung) e o anúncio de julgamento (Unheilsverkündigung) presentes no livro de
Jeremias.

Segundo este exegeta luterano, a palavra de salvação foi dirigida para poucos grupos e
indivíduos. Kilpp inicia sua tese analisando as propostas interpretativas do livro de Jeremias,
concernentes ao juízo divino e à promessa. Embora a palavra de salvação não seja um
elemento completamente faltante na literatura jeremiana, ela e seu desenvolvimento

103
Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant, p.72.
104
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen – Das Verhältnis von Heilsverheissung und Unheilsverkündigung
bei Jeremia und im Jeremiabuch, Neukirchen, Neukirchener Verlag, 1990, 195p. (Biblisch-theologische Studien;
13).
37

certamente pertencem a uma tradição pós-jeremiana.105 Assim, Kilpp acredita que grande
parte do livro de Jeremias é fruto do escrito deuteronômico.106

A pesquisa de Kilpp esboça os seguintes resultados:

1) Jeremias anunciou salvação (Heil) para Judá (24; 29,5-7; 32,6-15) e à população do
Norte (2,12s.21-22a; 31,4-5a.15-16a.18-20), e provavelmente para alguns pequenos grupos
(35,2-11.19; 39,15s.; 45).107 Em 597 a.C. Jeremias declarou uma mensagem de ruína (Unheil)
para uma parcela da população judaíta, depois da deportação efetuada pelos babilônicos.
Entretanto, o profeta proferiu também uma mensagem de salvação, encontrada em Jr 24 e
29,5-7. Há, portanto, uma justaposição entre a mensagem de ruína e a mensagem de salvação,
que, segundo Kilpp, foi propiciada pelos diferentes grupos aos quais Jeremias endereça sua
mensagem. A mensagem encontrada em 32,15 articula esperança para a população de Judá,
bem como para alguns grupos, representados por Ebed-Melek e pelos recabitas, mas
simultaneamente descreve uma situação calamitosa para Jerusalém, arruinada pela invasão
das tropas babilônicas.108

2) A declaração de salvação sobre Judá surge a partir de uma experiência visionária do


profeta Jeremias, em 597 a.C.. Paralelamente a 1,11s13s., o capítulo 24 reflete o pensamento
do profeta. Na visão dos dois cestos de figos (Jr 24), Jeremias declara o juízo divino contra a
população que permaneceu na terra após a invasão babilônica, para fundamentar a promessa
de salvação aos exilados. Nessa mesma perspectiva, a carta de 29,5-7 afirma a proficuidade
dos exilados na Babilônia. A promessa também é dirigida a alguns indivíduos, Ebed-Melek e
Baruk. No auto-relato de Jr 32,6s., também percebe-se que haveria salvação para a terra de
Judá.

Jeremias também se refere à ruína do Reino do Norte.109 Contudo, nos textos referentes
à população nortista, não encontramos mais uma experiência visionária, mas sim, uma
reflexão. Jeremias vale-se dos textos de Oseias, que anunciara salvação ao reino do Norte (Os
2.16s.). No parecer de Kilpp, a palavra de Oseias não se cumpriu; apesar disto, Jeremias não
invalida a palavra divina. Pois, a palavra de Javé anunciada por Oseias é desenvolvida por
Jeremias no século 6 a.C. Isso porque, para o profeta, Israel/Norte ainda é culpado pelo
pecado de idolatria. Mas Javé estende àquele povo uma palavra de salvação, convidando-o ao

105
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.12.
106
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.12-13.
107
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.177.
108
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.177-178.
109
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.178.
38

arrependimento (3,12s.22; 31,20). Então, a demonstração da culpa do Norte não fundamenta


uma futura ruína, já que aquele Reino já estava arruinado. Na verdade, Jeremias estaria
afirmando a volta de uma situação de juízo, como forma de levar o povo a reconhecer sua
culpa e experimentar assim a salvação oferecida por Javé (31,2s.).

3) A promessa de salvação confirma o juízo sobre Judá. Neste caso, Kilpp está dizendo
que o anúncio de juízo sobre Jerusalém não foi cancelado depois da ruína de 588/7, quando a
cidade foi destruída pelas tropas babilônicas. O favor de Deus sobre uma parte do povo pode
intensificar o anúncio de ruína sobre outro setor da população. Nesse ponto, Kilpp nega
qualquer possibilidade de Jeremias ter anunciado uma reconstrução de um Estado
independente, no Norte, ou uma reconstrução da cidade de Jerusalém. Na perspectiva
jeremiana, não haveria nenhum retorno daqueles que foram exilados em 722, nem dos que
foram exilados em 597 a.C.110

4) A promessa de salvação não anula a situação de juízo. A palavra de esperança de


Jeremias anunciava um novo início, mas isso não significava a restauração da situação do
passado.111 A ruína permanece sobre a terra de Judá e sobre o povo. Mas há uma promessa
que perpassa toda a palavra jeremiana. O profeta conclama a construir casas e plantar jardins,
afirmando a bênção divina sobre aqueles que obedecerem a tal palavra (Jr 29,5). Nessa
mesma perspectiva, o profeta afirma que ainda se comprarão campos e casas em Judá (32,15)
e vinhas serão plantadas nas montanhas de Samaria (31,5). Promete-se a multiplicação dos
descendentes da população (29,6; 31,4). Assim, a bênção é prometida para diferentes pessoas:
aos exilados na Babilônia; aos que permaneceram em Judá e aos que estavam nas montanhas
de Efraim. Entretanto, Kilpp pondera que a realização da promessa restringe-se ao nível
familiar. Esta seria a comunidade de Javé, à qual Jeremias se dirige, convidando-a a interceder
pela Babilônia (29,7).112

5) O conteúdo da promessa jeremiana teve sua forma expandida.113 Certamente Javé


manifesta sua presença, quando as casas são construídas, os jardins são plantados e as festas
são celebradas. Mas Kilpp afirma que a especificidade de Jeremias foi transformar a salvação
num imperativo (Jr 29,5s.). Jeremias ordenou os exilados a confiarem na provisão de Javé,
sendo que tal confiança seria comprovada com atitudes: construir casas e plantar pomares.

6) Jeremias elabora sua pregação a partir do juízo efetuado por Deus sobre o Reino do
110
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.179-180.
111
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.180.
112
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.180-181.
113
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.181.
39

Norte.114 Entretanto, o desenvolvimento da reflexão sobre a experiência do Israel do Norte e


sua aplicabilidade a Judá está fora da época de Jeremias, devendo ser explicada por um longo
processo escriturário do livro de Jeremias.

Quanto a Jr 30, Nelson Kilpp sugere que o texto foi escrito tendo por motivação a
chegada da ruína a Judá, como uma realidade descrita por Jeremias e considerada como ainda
presente. Mas, contrapondo-se à ruína presente, constrói-se a afirmativa de que Javé intervirá
favoravelmente na história do seu povo e contra os seus inimigos. Já em relação a Jr 31,
Kilpp considera-o como um texto que preserva grande parte da mensagem de Jeremias, sendo
esta entendida como uma articulação de esperança ao Norte: Raquel seria consolada pelo
amor de Javé (31,2s.17a). Entretanto, a menção de uma peregrinação à Sião (31,6) precisa ser
entendida como uma adição posterior. De acordo com Kilpp, Jr 31,6 certamente se refere à
volta dos exilados para Sião.115 Nessa mesma perspectiva, a promessa de salvação, como
volta do exílio e reconstrução, torna-se o elemento aglutinador de Jr 30-31. Por essa ótica,
entende-se 31,10s.23s. A temática da reconstrução, exposta pelo recorte de 31,27-28, é
considerada por Kilpp como deutêro-jeremiano. Assim, Jr 30-31 provém de um período pós-
Jeremias. Esse texto articula o juízo passado e a esperança futura como possibilidade de
reconstrução para o povo de Judá no período do pós-exílio babilônico.116

Em outro texto117, Nelson Kilpp afirma a impossibilidade de Jeremias anunciar


restauração para Judá como um ressurgimento da estrutura social anterior ao exílio. A carta
jeremiana (Jr 29,5-7) promete a bênção de Javé sobre as famílias que estão na terra estranha.
Ora, segundo Kilpp, a vivência das famílias na Babilônia contrasta com o sistema político de
Judá, que estava sob o reinado de Zedequias. Os desterrados viviam nos vilarejos, sob a
liderança dos anciãos, como no período tribal.118 Esse modo de vida é construído sem a
intervenção político-administrativo do Estado sobre a vida das famílias. Assim, o modo de
vida dos exilados representa uma nova esperança na medida em que engendra uma nova
constituição social. “A organização política maior, o Estado, sob um rei, centralizada em uma
capital, Jerusalém, está, para Jeremias, fadada ao juízo de Deus. Neste caso, o anúncio de
juízo e de salvação tem o mesmo conteúdo.”119 Por essa razão, Jeremias não anuncia nenhuma
volta à terra de Judá, já que lá, em Judá, permanece o juízo divino. Kilpp conclui que Jeremias
114
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.181.
115
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.181-182.
116
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.182.
117
Nelson Kilpp, “Jeremias escreve aos exilados – A dimensão crítica do anúncio profético de salvação”, em
Estudos Teológicos, vol.88A, 1988, p.9-20.
118
Nelson Kilpp, “Jeremias escreve aos exilados”, p.18.
119
Nelson Kilpp, “Jeremias escreve aos exilados”, p.18.
40

não anunciou a volta dos exilados, pois isso implicaria uma restauração “ao estado de coisas
anterior ao juízo divino”120, o que para Kilpp é ilógico; Jeremias não poderia afirmar “um
retorno para um país e uma cidade que ele sabe que ainda vão ser destruídos”.121

Em sua tese doutoral, Kilpp já questionava a possibilidade de Jeremias anunciar uma


volta ao estado da ordem social anterior: “A restauração da condição antes da chegada da
catástrofe poderia aparecer absurda, já que a mesma situação conduziria a uma nova
catástrofe.”122 A tese de Kilpp aponta à seguinte afirmativa: grande parte dos projetos de
restauração da população judaíta provém de uma época mais recente, e não faziam parte da
mensagem de Jeremias. Em seu artigo Jeremias escreve aos exilados: a dimensão crítica do
anúncio profético de salvação, ele afirma a impossibilidade de Jeremias ter anunciado uma
nova aliança e um retorno à terra prometida: “nada de uma futura aliança, de um retorno
glorioso à pátria, de reconstrução do que foi ou iria ser destruído, da repopulação de Judá, do
novo Davi, da dominação sobre outros povos, da reunião do povo em torno do templo.”123
Essa mensagem negativa aponta à “dimensão crítica do profetismo que, para o profeta
Jeremias, tem uma base teológica: a salvação não anula o juízo, antes o pressupõe e o
confirma; somente dentro da situação de juízo – no caso, o exílio – há possibilidade de vida
nova, a partir da estaca zero.”124

Algumas questões podem ser levantadas à tese de Kilpp:

1) Kilpp não desenvolveu a questão das relações sociais entre aqueles que receberiam o
juízo divino e aqueles que receberiam a salvação divina, apesar de reconhecer que o juízo
aponta o aniquilamento da ordem social da época de Jeremias (monarquia). Assim, a presente
tese pretende aprofundar o entendimento das relações sociais entre Jeremias e os grupos que
são objetos de sua palavra de esperança.

2) Para Kilpp, o único grupo que recebeu de fato uma palavra de salvação foi os
exilados da Babilônia. Mas os exilados perfaziam a elite da sociedade judaíta, e neste caso,
Jeremias dirigiu sua palavra exclusivamente àquela classe social? E os pobres que
permaneceram na terra de Judá depois da queda do Estado? Kilpp admite que Jeremias
anunciou salvação para alguns indivíduos (Ebed-Melek e Baruque). Mas isso não tornaria a

120
Nelson Kilpp, “Jeremias escreve aos exilados”, p.19.
121
Nelson Kilpp, “Jeremias escreve aos exilados”, p.19.
122
“Die Wiederherstellung der Zustände vor dem Eintreffen der Katastrophe könnte unsinnig erscheinen, da ja
dieselben Zustände zu ihr geführt haben.” Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.17.
123
Nelson Kilpp, “Jeremias escreve aos exilados”, p.19.
124
Nelson Kilpp, “Jeremias escreve aos exilados”, p.20.
41

mensagem de Jeremias muito individualista? O profeta não teria anunciado nenhuma palavra
de esperança para os pobres que permaneceram na terra de Judá?

3) Kilpp afirma que qualquer reconstrução do passado estaria completamente fora da


mensagem original de Jeremias. Mas, se o profeta idealizou um passado tribal, anterior ao
período monárquico, não estaria assim almejando a reconstrução das coisas passadas?

4) Quando Kilpp diz que Jeremias não anunciou nenhuma volta à terra da promessa,
devendo essa promessa ser entendida como uma atualização da palavra do profeta no pós-
exílio, não estaria ele ignorando a possibilidade de Jeremias originalmente ter anunciado uma
volta à terra enquanto posse da terra produtiva? Já que a posse da terra é um tema
efetivamente tribal, e considerando que Jeremias insere-se no tribalismo, por que não admitir
que Jeremias prega a volta à terra, mas não uma volta dos exilados da Babilônia, mas uma
volta enquanto retomada da terra como meio de produção?

1.2.4 – William L. Holladay

William L. Holladay125 defendeu que o núcleo original de Jr 30-31 compõe-se por


estrofes alusivas ao Israel/Norte que foram escritas na época de Josias.126 Neste aspecto, a
pesquisa de Holladay foi influenciada por Wilhelm Rudolph. Holladay identifica sete estrofes:
(1) 30,5-7; (2) 30,12-15; (3) 30,18-21 + 31b; (4) 31,2-6 = 9b; (5) 31,15-17; (6) 31,18-20; e (7)
31,21-22.127 Este núcleo literário foi reutilizado por Jeremias no contexto da queda de
Jerusalém em 587 a.C., quando as seguintes passagens foram adicionadas: Jr 30,10-11.16-17
e 31,9-9a. Holladay chama essa adaptação de ‘Recension to the South’, que foi estruturada

125
William L. Holladay, Jeremiah 2 - A Commentary on the Book of the Prophet Jeremiah Chapters 26-52,
Philadelphia, Fortress Press, 1986, 682p. (Hermeneia - A Critical and Historical Commentary on the Bible).
Outros trabalhos de Holladay também serão analisados ao longo da composição da presente tese: William L.
Holladay, The root “subh” in the Old Testament – With particular reference to its usages in covenantal contexts,
Leiden, Brill, 1958, 191p.
William L. Holladay, “On Every High Hill and Under Every Green Tree”, em Vetus Testamentum, Leiden, E. J.
Brill, vo. 11, nº1, 1961, p.170-176
William L. Holladay, Prototype and Copies: A New Approach to the Poetry-Prose Problem of the Book of
Jeremiah, Journal of Biblical Literature, vol.79, 1960, p.351-367
William L. Holladay, "Elusive Deuteronomists, Jeremiah, and Proto-Deuteronomy," , CBQ, nº 66, 2004, p.55-77
William L. Holladay, "The Structure and Possible Setting of the New Covenant Passage, Jer 31,31-34,"em
Palabra, Prodigio, Poesía, Roma, AnBib 151, 2003, p.185-89
William L. Holladay, “A Fresh Look at ‘Source B’ and ‘Source C’ in Jeremiah”, em VetusTestamentum, Leiden,
E. J. Brill, vol. 25, nº2, 1975, p.394-412
William L. Holladay, “The Identification of the Two Scrolls of Jeremiah”, em VetusTestamentum, Leiden, E. J.
Brill, vol. 30, nº4, 1980, p.452-467.
126
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.156.
127
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.156-159.
42

por duas adições: 30,1-3 e 31,27-28.128 Imediatamente após a queda de Jerusalém, esses
blocos literários teriam sido expandidos com mais duas passagens: 31,29-30 e 31,31-34.129 No
contexto do exílio babilônico, algumas passagens “inautênticas” foram acrescentadas: Jr 30,8-
9; 31,23-25.26.35-37.38-40.130

A análise de Holladay é muito oportuna para compreensão de Jr 30-31. No entanto, a


deficiência de sua pesquisa é o estrito vínculo estabelecido entre Jeremias e o texto profético,
a ponto de considerar os trechos escritos por Jeremias como “autênticos” e aqueles que foram
escritos no exílio como “inautênticos”. Nisto, a pesquisa de Holladay depende
fundamentalmente do método histórico-crítico. Mas a textualidade jeremiana não seria fruto
de uma coletividade social? Se aqueles trechos literários cuja autoria de Jeremias é
questionada são oriundos da escola do profeta, então não há relação entre esses textos e o
mesmo grupo social de onde emergiu o profeta? Se essa resposta for positiva, mesmo os
textos supostamente pós-jeremianos (como as notas redatoriais de Jr 1,1-3 e 30,1-3) também
podem ser considerados “autênticos”.

1.2.5 – Bob Becking

A pesquisa de Bob Becking131, fundamentada nos trabalhos de John Barton132 e E.


Talstra133, propõe a interpretação de Jr 30-31 tendo como referencial teórico o método
estruturalista. Este modelo metodológico, quando aplicado à interpretação da Bíblia,
considera os padrões estruturais literários utilizados no Antigo Oriente Médio, bem como as
leituras que os seus leitores realizaram ao longo da história posterior à composição original.
Os proponentes deste método, como Becking, fazem uso da crítica textual e das pesquisas que
consideram a redação final do texto, mas defendem que essas metodologias não respondem
adequadamente sobre o sentido do texto, já que o sentido não está restrito ao texto em si, mas
é um processo dinâmico sempre em construção.

A principal questão levantada por Bob Becking é se Jr 30-31 pode ser lido como um
texto coerente. Por ‘coerência’, Becking refere-se a um texto que, apesar de conter diferentes
128
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.160-163.
129
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.163-165.
130
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.165-167.
131
Bob Becking, Between Fear and Freedom – Essays on the Interpretation of Jeremiah 30-31, Leiden/Boston,
Brill Academic Publishers, 2004, 338p. (Oudtestamentische Studiën; 51)
132
John Barton, Reading the Old Testament – Method in Biblical Study, London, Darton, Longman & Todd,
1984, p.8-19.
133
E. Talstra, Oude en nieuwe lezers – Een inleiding in de methoden van uitleg van het Oude Testament,
Kampen, Ontwerpen, 2002, 320p.
43

formas literárias e temas, apresenta uma ideia básica.134 Becking responde positivamente a
essa questão, quando afirma que, a despeito da heterogeneidade formal e temática de Jr 30-31,
existe uma temática que perpassa todo esse trecho, a saber, a promessa de consolação.135

Para analisar a coerência de Jr 30-31, Becking propõe os seguintes passos:


1) Análise do texto e da sua composição. O autor considera as diferenças
textuais entre o TM (Texto Massorético) e a LXX (Septuaginta), e conclui que, com
raras exceções, o TM está bem construído e pode ser utilizado como base para a
hermenêutica. Utilizando-se do criticismo literário, Becking afirma que Jr 30-31 está
estruturado em dez sub-unidades literárias diferentes (Jr 30,5-11; 30,12-17; 30,18-
31,1; 31,2-6; 31,7-14; 31,15-22; 31,23-25; 31,27-30; 31,31-37; 31,38-40).
2) Na sequência, Becking analisa cinco das dez subunidades identificadas
(Jr 30,5-11; 30,12-17; 31,15-22; 31,27-30; 31,31-37;). Utilizando o método de John
Barton e E. Talstra, o autor compara o texto de Jr 30-31com outros textos do Antigo
Oriente Médio, com o objetivo de descrever o padrão estrutural mental dos leitores
antigos.
3) Finalmente, Becking propõe a interpretação teológica de Jr 30-31,
apresentando-a como o resultado final da exegese. Ele defende que a salvação
proposta em Jr 30-31 relaciona-se com a teologia do Êxodo. Esta temática perpassa
todo o Livro da Consolação, a apresenta-se como um elemento aglutinador desses dois
capítulos de Jeremias.

O trabalho de Becking será muito importante para a presente tese. Pois o autor discute a
estrutura formal e a teologia de Jr 30-31, fazendo uso de ampla bibliografia sobre o assunto.
Mas a deficiência deste texto encontra-se em sua completa omissão sobre os agentes sociais
por detrás do texto, sobre os quais esta tese insistentemente perguntará.

1.2.6 – Walter Brüggemann

Walter Brüggemann136 interpreta Jr 30-31 como uma promessa divina dirigida para a
comunidade do exílio babilônico.137 “Realmente, o livro de Jeremias é estruturado em 1,1-3 e

134
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.9.
135
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.9.
136
Walter Brüggemann, A commentary on Jeremiah – Exile and Homecoming, Grand Rapids/Cambridge,
William B. Eerdmans Press, 1998, 502p.
137
Walter Brüggemann, A commentary on Jeremiah, p.264-269.
44

52,12-30 para situar a literatura para e no exílio”.138 Brüggemann faz uma leitura na
perspectiva teológica, considerando a estrutura geral do livro de Jeremias, que essencialmente
aponta ao “destruir e edificar” (Jr 1,10) do povo de Israel, sendo que a última palavra de Javé
para o povo é a promessa de restauração. Brüggemann reconhece que a perspectiva da
restauração do exílio babilônico é originária da comunidade de judeus da Babilônia.
Supostamente seria a mesma comunidade que também elaborou a teologia encontrada nos
livros de Esdras e Neemias.139

A presente tese, por sua vez, propõe-se a questionar a afirmativa de que as palavras de
conforto e salvação essencialmente foram dirigidas aos exilados na Babilônia. Pois, conforme
será demonstrado na presente pesquisa, as palavras salvíficas de Jeremias certamente tiveram
alguma relação com as populações do Norte da Palestina, com as quais o próprio Jeremias
mantinha fortes vínculos no início do seu ministério profético.

1.2.7 – Outros trabalhos

Outros pesquisadores também contribuíram de forma significativa para a compreensão


do surgimento e do desenvolvimento de Jr 30-31. Alguns destes escreveram trabalhos
especializados em Jr 30-31. É importante destacar Siegmund Böhmer140, Barbara Bozak141,
Georg Fischer142 e Norbert Lohfink143.

É importante notar que Wilhelm Rudolph144 e Norbert Lohfink145 consideram a maioria


dos oráculos de Jr 30-31 como textos propagandísticos da época da reforma de Josias, datados
de 622 a.C. Este rei judaíta ambicionou expandir o domínio da monarquia davídica para o
Norte de Israel, e, ao idealizar uma reunião entre Norte e Sul, o texto jeremiano supostamente
apoiaria tal projeto político. No entanto, é preciso asseverar que o projeto josiânico

138
“Indeed, the book of Jeremiah is framed in 1:1-3 and 52:12-30 to situate the literature toward and in exilie.”
Walter Brüggemann, A commentary on Jeremiah, p.264.
139
Walter Brüggemann, A commentary on Jeremiah, p.262, nota 2.
140
Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund – Studien zu Jeremia 30-31, Göttingen, Göttinger, 1976, 160p.
(Theologische Arbeiten; 5)
141
Barbara A. Bozak, Life "anew" – A Literary-theological Study of Jer. 30-31, Roma, Pontificio Istituto
Biblico, 1991, 196p. (Analecta biblica; 122)
142
Georg Fischer, Das Trostbüchlein – Text, Komposition und Theologie von Jer 30-31, Stuttgart, Katholisches
Bibelwerk, 1993. 298p. (Stuttgarter Biblische Beiträge, 26)
143
Norbert Lohfink, “Der junge Jeremia als Propagandist und Poet - Zum Grundstock von Jer 30-31”, em
Norbert Lohfink , Studien zum Deuteronomium und zur deuteronomistischen Literatur II, Stuttgart, Katholisches
Bibelwerk, 1991, p.87-106 (Stuttgarter Biblische Aufsatzbände; 12).
144
Wilhelm Rudolph, Jeremia, Tübingen, J. C. B. Mohr, 3a edição, 1968, 325p. (Handbuch zum Alten
Testament; 12).
145
Norbert Lohfink, “Der junge Jeremia als Propagandist und Poet”, p. 87-106.
45

centralizou o Templo de Jerusalém como elemento de coesão política, enquanto que Jeremias
criticou veementemente o sistema religioso da capital de Jerusalém. Ademais, o Templo
sequer é mencionado em Jr 30-31. Como, pois, fundamentar a afirmativa de que Jr 30-31
originalmente apoiava a reforma de Josias tendo como objetivo principal promover o templo e
a reforma? Assim, embora muitos pesquisadores vinculem Jr 30-31 ao profeta Jeremias, a
pergunta sobre os sujeitos sociológicos do texto ainda não foi adequadamente respondida. A
presente tese entende que a compreensão do significado das palavras salvíficas de Jr 30-31
atrela-se à identificação dos agentes sociais constituintes do texto.

Nesse sentido, os trabalhos de biblistas latino-americanos são importantes. No entanto,


constata-se que autores como José Severino Croatto146, Jacir de Freitas Faria147, Tomaz
Hughes148, Nelson Kirst149, Luiz Alexandre Solano Rossi150, Jorge Pixley151, Airton José da
Silva152 e Ágabo Borges de Sousa153, de modo geral, foram demasiadamente influenciados
pelas constatações da pesquisa europeia. Isso porque os temas envolvendo as expectativas
salvíficas no livro de Jeremias (promessas de restauração, nova aliança, novo Davi) são
considerados por esses autores como pós-jeremianos e interpretados na perspectiva da
comunidade do pós-exílio. O mérito desses autores é a aplicação dos textos das palavras de
salvação ao cenário dos empobrecidos do continente latino-americano. No entanto,
infelizmente não há no cenário da teologia latino-americana nenhum trabalho acadêmico que
aprofunde o debate em torno da origem e do significado das palavras de salvação de Jr 30-31.

1.1.3 – Avaliação geral


Por um breve levantamento bibliográfico, é possível constatar que a tendência geral da
pesquisa é considerar o anúncio de julgamento como procedente de Jeremias, devendo ser
146
José Severino Croatto, “Da aliança rompida (Sinai) à aliança nova e eterna Jeremias 11-20 + 30-33”, em
Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana/Ribla, vol./nº 35/36 2000, p.97-108.
147
Jacir de Freitas Faria, “Perdão e nova aliança. Proposta jubilar de Jeremias 31,23-34”, em Revista de
Interpretação Bíblica Latino-Americana/Ribla, Petrópolis, Vozes, 1999, vol.33, p.112-132.
148
Tomaz Hughes, “Há uma esperança para o seu futuro” (Jr 31,7-22) em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes,
vol.75, 2002, p.77-84.
149
Nelson Kirst, Jeremias - Textos selecionados, São Leopoldo, Faculdade de Teologia, 1984, 243p. (Série
Exegese, vol.6/1-3).
150
Luiz Alexandre Solano Rossi, “Proposta de renovação da Aliança em Jr 31,31-34 – ‘Nós ainda estamos no
exílio’”, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes, vol.90, 2006, p.35-41. Confira também, Carlos Mesters, O
profeta Jeremias - Boca de Deus, boca do povo - Uma introdução à leitura do livro do profeta Jeremias, São
Paulo, Edições Paulinas, 2ª edição, 1992, 151p.
151
Jorge Pixley, Jeremiah, Danvers, Chalice Press, 2004, 176p. (Chalice Commentaries for Today)
152
Airton José da Silva, “Arrancar e destruir, construir e plantar – A vocação de Jeremias”, em Estudos Bíblicos,
Petrópolis, Vozes, vol.15, 1987, p.11-22.
153
Ágabo Borges de Sousa, “O significado do verbo ‘plantar’ no Livro de Jeremias: Iahwe como agricultor”, em
Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana/RIBLA, Petrópolis, Vozes, vol.24, 1996, p.27-37.
46

atribuídas pouquíssimas expectativas salvíficas ao profeta de Anatote.

Siegfried Herrmann praticamente se detém a datar os textos que propõem salvação,


identificando aqueles que provêm de Jeremias e aqueles oriundos dos redatores
deuteronomistas exílicos e pós-exílicos.

Robert P. Carrol basicamente utiliza a crítica da redação, e enfatiza a organização


redatorial final do livro de Jeremias.

Nelson Kilpp segue os pressupostos dos trabalhos de Siegfried Herrmann e Robert P.


Carrol, dois pesquisadores cujos trabalhos sintetizam a pesquisa bíblica europeia referente às
expectativas salvíficas no livro de Jeremias. O mérito da pesquisa de Kilpp é o
reconhecimento de que o juízo divino apontava o aniquilamento da ordem social da época de
Jeremias (monarquia). No entanto, Kilpp não desenvolveu o sentido das palavras de salvação
em Jr 30-31 a partir das questões que envolviam as relações sociais entre aqueles que
receberiam o juízo divino e aqueles que receberiam a salvação divina.

William Holladay depende fundamentalmente do método histórico crítico, e considera


como “autênticos” os textos que podem ser atribuídos a Jeremias e “inautênticos” aqueles que
foram escritos no exílio.

Bob Becking utilizou a crítica textual e a crítica da redação, propondo-se a entender os


padrões estruturais literários de Jr 30-31, compreendendo este texto como uma constituição de
diversas formas literárias e temas teológicos, organizados em torno de uma temática comum,
a saber, a promessa de consolação.

Walter Brüggemann interpreta Jr 30-31 na perspectiva teológica, a partir da estrutura


geral do livro de Jeremias, que, segundo ele, essencialmente aponta ao “destruir e edificar” (Jr
1,10), sendo que o “destruir” seria o exílio babilônico e o “edificar” seria a restauração do
exílio babilônico proposta pela comunidade de judeus da Babilônia.

Os biblistas latino-americanos, José Severino Croatto, Jacir de Freitas Faria, Tomaz


Hughes, Nelson Kirst, Luiz Alexandre Solano Rossi, Jorge Pixley, Airton José da Silva e
Ágabo Borges de Sousa foram bastante influenciados pela pesquisa europeia, e basicamente
se propõem a afirmar que as expectativas salvíficas no livro de Jeremias (promessas de
restauração, nova aliança, novo Davi) são pós-jeremianas e devem ser interpretadas na
47

perspectiva da comunidade do pós-exílio, havendo uma identificação entre essa comunidade e


os empobrecidos e injustiçados no cenário latino-americano.

Assim, na perspectiva da academia bíblica, Jeremias alimentava uma desesperança


quanto à reestruturação da comunidade judaíta no século 6 a.C. Os textos proponentes de
esperança e reestruturação de Judá, sendo o principal deles o Livro da Consolação (Jr 30-31),
supostamente provém da literatura prosaica de origem deuteronomista, pertencente ao pós-
exílio.

Conquanto seja possível considerar a redação final do livro de Jeremias como


procedente da época de escritores deuteronomistas no pós-exílio, como já foi devidamente
mostrado pela pesquisa bíblica, por outro lado, é preciso reconsiderar a afirmativa de que a
maioria dos ditos de salvação, pelo menos aqueles de Jr 30-31, originou-se das mãos desses
escritores. Supostamente os redatores deuteronomistas seriam os exilados na Babilônia, que,
ao retornarem à Palestina, desejavam refazer suas vidas e retomar o controle da sociedade
judaíta. O problema dessa interpretação é a absolutização de um dogma hermenêutico, qual
seja, todas as palavras salvíficas devem ser interpretadas pela ótica de uma única comunidade,
a golah, composta pelos exilados da Babilônia. Mas será que, muito antes da volta do “exílio
babilônico”, tantas outras comunidades não voltaram para a Palestina (veja Jr 40,12!)? Por
que ler as palavras de salvação de Jr 30-31 procurando simplesmente entendê-las como “pré-
exílicas”, “exílicas”, e “pós-exílicas”, tendo como referência somente o exílio babilônico,
como se este fosse o único evento propulsor da escrita do livro de Jeremias, ignorando o
exílio promovido pelos assírios contra Israel/Norte no século 7 a.C.? O exílio babilônico não
foi o único! Isso porque populações israelitas do Norte também foram deportadas para longe
da sua terra, pelos assírios (2Rs 17,6). Os anais assírios contabilizam 27.290 deportados de
Israel.154 Portanto, é compreensível que Jeremias dirigisse sua atenção ao !wOpc' sapon “norte”
(Jr 3,12), convocando as populações nortistas à conversão a Javé e anunciando-lhes salvação
(Jr 3,12-13). Então, mediante a leitura de Jr 3,12-13, e considerando que Jr 30-31
insistentemente refere-se a ‘Israel/Norte’, por que desconsiderar a possibilidade de Jeremias
ter anunciado a ‘volta’ daqueles que foram exilados pelos assírios?

Também é necessário asseverar a impossibilidade de julgar as palavras poéticas do livro


de Jeremias como sendo “autênticas” do profeta, e os discursos em prosa como sendo pós-
jeremianos e “não autênticos”. Isso porque toda a mensagem de Jeremias está imbuída tanto
154
Mario Liverani, Para além da Bíblia: História antiga de Israel, tradução de Orlando Soares Moreira, São
Paulo, Paulus/Loyola, 2008, p.185-191.
48

de textos poéticos como de prosaicos, e esses dois estilos se fundem para abordar temas
similares. Por exemplo, em Jr 3,1-4,4, o tema principal é o convite de Javé à conversão. Esse
trecho é composto tanto por unidades poéticas (3,1-5.19-25; 4,1-2.3-4) como por um
complexo prosaico (Jr 3,6-18). A poesia e a prosa estão unidas sob um mesmo assunto, a
saber, o ‘adultério’ da nação.155 Portanto, a relação entre a prosa e a poesia precisa ser melhor
compreendida. A presente tese se propõe a analisar a relação entre dois estilos,
particularmente em Jr 30-31.

Pode-se levantar ainda outra questão: na leitura de Jr 30-31, é possível ignorar a


existência das populações que não foram exiladas para a Babilônia, mas permaneceram na
terra?

Além disto, há outro sério problema nas pesquisas atuais sobre o livro de Jeremias,
especialmente nas escolas europeia e americana. É que elas praticamente não analisam os
sujeitos sociais subjacentes à literatura de Jr 30-31. Pode-se indagar: as palavras de salvação
não poderiam ser entendidas como um projeto de estruturação da vida social daqueles que não
foram exilados?

Deste modo, a presente tese pretende propor uma leitura sociológica de Jr 30-31, na
tentativa de identificar os agentes sociais que propunham as palavras de salvação. A relação
entre palavras de salvação e relações sociais certamente lançará novas perspectivas para a
interpretação do Livro da Consolação. Os próximos capítulos tentarão esclarecer os vínculos
entre a salvação e o engendramento de relações sociais fraternas e justas em Jr 30-31.

155
John Bright, Jeremiah, p.LXXIV.
49

Capítulo 2. A forma e lugar de Jr 30 – 31

Introdução

O objetivo deste capítulo é desenvolver algumas observações relativas à forma e ao


lugar histórico de Jr 30-31. A forma é a análise da disposição literária do texto, na tentativa de
se notar a delimitação das perícopes, a coesão interna de cada uma delas, buscando também
entender o estilo (poesia ou prosa) e o gênero literário. O lugar é a busca pela datação do
texto, observando-se dois fatores importantes: 1) o pano de fundo histórico; e 2) os agentes
sociais subjacentes ao texto.

Pretendemos averiguar a possibilidade de a maioria das palavras salvíficas de Jr 30-31


provir do próprio Jeremias, devendo, pois, ter um sentido teológico originário nas primeiras
atuações do profeta, no reinado de Josias, até os anos imediatamente posteriores à queda do
Estado de Judá, antes de serem relidas e reutilizadas por aqueles que voltavam do exílio.

A pressuposição básica por detrás da análise da forma e do lugar é que a literatura


jeremiana é um veículo de comunicação teológica. A compreensão da literatura implica
diretamente a interpretação dos oráculos de salvação no livro de Jeremias. Conforme o
capítulo 1 já constatou, uma das afirmações centrais da pesquisa acadêmica em torno do livro
de Jeremias é que os oráculos poéticos provêm de Jeremias e são “autênticos”, enquanto a
prosa provém de outra fonte, e deve ser atribuída a “deuteronomistas”. Entretanto, a partir de
uma análise cuidadosa da forma literária do texto jeremiano, pode-se indagar se de fato existe
uma dicotomia entre poesia e prosa.

O primeiro passo para a análise da forma e do lugar de Jr 30-31 é a apresentação da


tradução literal do texto. Comecemos com ela, então.

2.1. Tradução

Jr 30,1 – 31,40:
50

1
A palavra que aconteceu156 para Jeremias de Javé, para dizer157:
2
Assim diz Javé, Deus de Israel, para dizer158:
Escreve159 para ti todas as palavras que falei160 para ti, num161 livro.
3
Por que dias virão, dito de Javé,
eu reverterei a prisão162 do meu povo Israel e de Judá163, diz Javé,
e eu os farei retornar164 à terra que dei165 para os pais deles,
e a possuirão166.

4
E estas são as palavras que falou Javé para Israel e para Judá.
5
Pois assim diz Javé167:
Um som de tremor(medo)168 ouvimos169,
um terror/tremor,
e não existe170 paz.
6
Perguntai urgentemente171,
e vede,

156
hy"h' hayah qal perfeito “aconteceu”.
157
rm;;a' ’amar qal infinitivo “dizer”.
158
rm;;a' ’amar qal infinitivo “dizer”.
159
bt;K' katab qal imperativo “escrever”.
160
rb;D dabar piel perfeito “falar”.
161
Preposição la, ’el “para”, usada aqui no lugar de l[; ‘al “sobre”.
162
tWbv.-ta, yTib.v;w> vexabti ’et-xebut “reverterei a prisão”. Trata-se da raiz verbal bWv xub “voltar”,
“tornar”, “reverter”, tendo por objeto direto tWbv. xebut, “prisão”: “suspender a sentença de prisão”. Veja
Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, São Leopoldo/Petrópolis,
Sinodal/Vozes, 2003, 16a edição, p.242.
163
Sugestão da BHS: a expressão hd'WhywI
viyhudah “Judá” seria uma adição.
164
la xub hifil perfeito “voltar”.
165
la natan qal perfeito “dar”.
166
la yarax qal perfeito “possuir”.
167
Sugestão da BHS: a expressão hw"hy> rm;a' hko-yKi ki-koh ’amar YHVH “pois assim diz Javé” seria uma
adição.
168
hd'r'x]
haradah “tremor”, “medo”. Veja I hd'r'x]
haradah em Ludwig Koehler e Walter Baumgartner,
Hebräisches und aramäisches Lexicon/HAL, Leiden, E. J. Brill, vol.1, 1967, p.337a.
169
Wn[.m'v'
xama‘nu, primeira pessoa plural de [m;v'
xama’ qal perfeito “ouvir”. Traduzido pela LXX na
segunda pessoa do plural (avkou,sesqe). A BHS propõe yti[.m;v'; xama‘ti primeira pessoa singular “ouvi”, para
concordar com ytiyair ra’iti “vejo” do v.6.
170
!yae ’en “não existe”.
171
an" na’ “urgentemente”. Esta partícula “expressa ênfase, urgência; sua tradução pode variar, conforme o
sentido”. Nelson Kirst et. al, Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.148.
51

se gerará172 um macho.
Por que vejo todo homem forte173 (com) as mãos dele sobre a cintura dele,
como uma mulher que dá à luz174?
Transformaram-se175 todas as faces em palidez.
7
Ai176!
Porque grande (será) aquele dia,
e não haverá como ele;
e (será) um tempo de angústia, aquele para Jacó,
mas dela177 será salvo.

8
E acontecerá naquele dia, dito de Javé dos Exércitos,
quebrarei178 o jugo dele de sobre o teu pescoço,
e tuas cadeias romperei179,
e não mais o180 escravizarão181 continuamente estrangeiros.
9
E servirão182 a Javé, o Deus deles,
e a Davi, o rei deles,
que farei levantar183 para eles.

10 184
E tu não temas, meu servo Jacó,

172
dl;y yalad qal particípio masculino “gerar”, “dar à luz”, “parir”.
173
rb,G, geber “homem forte”.
174
dl;y yalad qal particípio feminino “gerar”, “dar à luz”, “parir”. BHS: a palavra hd'lAe YK; kayyoledah “como
uma mulher que dá à luz” possivelmente foi apagada na LXX.
175
%p;h'
hapak nifal perfeito “virar, derrubar, destruir, voltar, transformar, mudar, volver !”. Nelson Kirst et. al.,
Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.55.
176
yAh
hoy “ai”. A LXX traduziu evgenh,qh “tornou-se”. A BHS sugere Wyh' hayu “eram”, “foram”, e sugere
transpor a palavra para o final do v.6.
177
hN"M,mimimmennah “de uma parte”. Preposição !mi min + sufixo da terceira pessoa feminina singular.
178
rb'v' xabar qal imperfeito “quebrar”, “despedaçar”.
179
qt;n nataq piel imperfeito “romper”, “quebrar”.
180
Ab bo. LXX: auvtoi. “eles”, pronome pessoal nominativo.
181
db;[' ‘abad qal imperfeito “trabalhar”, servir”.
182
db;[' ‘abad qal vav consecutivo perfeito “trabalhar”, “servir”.
183
~Wq qun hifil imperfeito “levantar”, “erguer”.
184
Os v.10-11 são iguais a Jr 46,27-28. Essas duas perícopes (Jr 30,10-11 e 46,27-28) são ausentes na LXX.
52

dito de Javé,
e não te apavores, Israel.
Porque eis que te salvarei185 do afastado186,
e a tua descendência da terra da prisão deles,
E voltará Jacó,
e terá descanso,
e estará tranquilo,
e não existirá aquele que (causa) faz tremer187.
11
Porque188 contigo (estou) eu,
dito de Javé189,
para te salvar.
Porque farei uma destruição completa em todas as nações nas quais que te dispersei lá190;
Quanto a ti, não farei uma destruição completa.
E te disciplinarei191 para o direito,
e não te inocentarei192.

12
Por que assim diz Javé:
Desespero para a tua ruína193,
será acometida de doença194 a tua ferida.

185
[v;y yaxa‘ hifil particípio “salvar”, precedido pela expressão ynIn>hi yKi ki hinni “porque eis-me”.
186
qAxr'me merahoq “do afastado”: preposição !mi min + adjetivo masculino singular absoluto qAxr' rahoq “o
que se mantém longe / afastado”. Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português,
p.227.
187
dr:x'harad hifil “assustar”. Veja Jz 8,12; 2Sm 17,2; Ez 30,9. Quanto à expressão dyrIx]m; !yaew> ve’en
maharid “e não existirá aquele que (causa) faz tremer”, veja Lv 26,6; Dt 28,19; Is 17,2; Jr 7,33; 46,27; Ez 34,28;
39,26; Mq 4,4; na 2,12; Zc 3,13. Veja drx hrd em Ludwig Koehler e Walter Baumgartner, Hebräisches und
aramäisches Lexicon/HAL, Leiden, E. J. Brill, vol.1, 1967, p.337a.
188
yKi
ki “porque”. BHS: a frase bqo[]y: yDIb.[; ar'yTi-la; hT'a; ’atah ’al-tira’ ‘abday ya‘qob “ e tu não
temas, meu servo Jacó” é para ser colocada antes do trecho que se inicia com ^[,yviAhl. ynIa] ^T.ai-yKi ki-
’itk ’ani lehoxi‘ek “porque contigo estou para te salvar” (Jr 30,10)? Conferir 46,28. A BHS chama a atenção
sobre a semelhança textual entre Jr 30,11 e 46,28, conjecturando que o referido trecho de 46,28 deveria constar,
também, em 30,11.
189
A BHS sugere a transposição da expressão hw"hy>-~aun> ne’um JHVH “dito de Javé” do TM para antes de yKi
ki “porque”, como em 46,28. É para ser deletado.
190
~v' xam “lá”, advérbio de lugar.
191
rs;y
yasar piel vav consecutivo perfeito “castigar”, “disciplinar”, “censurar”, “ensinar”, “treinar”. Nelson
Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.91.
192
&'Q,na: ] al{ hQen:
naqeh lo’ ’anaqqeka, hq'n naqah piel infinitivo “inocentar”, seguido pela raiz do mesmo
verbo no piel imperfeito antecedido pelo advérbio de negação, literalmente “inocentar não te inocentarei”.
193
TM: %reb.vil. %l' %reb.vi
lexibrek “para a tua ruína”. BHS: não seria ?
53

13
E não há o que sentencia a tua sentença195,
para (a) úlcera196, remédios;
cura não existirá para ti.
14
Todos os teus amantes se esqueceram197 de ti,
e a ti não procuram198.
Por que (com) um golpe de inimigo te feri199,
(com) uma disciplina de200 terrível.
201
Pois202 grande (é) a tua iniquidade,
são numerosos203 os teus pecados.
15 204
Por que gritas (por causa) sobre a tua ruína?
Incurável (é) o teu sofrimento.
Pois205 grande (é) a tua iniquidade,
são numerosos206 os teus pecados.
Fiz207 isso para ti.

16
Por isso208 todos os que te devoram serão devorados,

194
hl'x'
halah nifal imperfeito “cansar-se”, “estar cansado”, “ser acometido de doença”. Nelson Kirst et al.,
Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.68.
195
%nEyDI !D'
dan dinek “sentença (para a) tua sentença”: normalmente propõe-se deletar essa expressão
(Duhm, Weiser, Bright), ou substituí-la por ~ykiKurI
rikkukim “amolecimentos” (um alívio para as feridas,
através do óleo), a fim de concordar com a terminologia médica da perícope (cf. Is 1,6). Veja BHS.
196
rAzm'l.
lemazor “para úlcera”. Provavelmente essa palavra foi extraída de Os 5,13. William Mckane, A
Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.767.
197
xk;v'
xakah qal perfeito “esquecer”.
198
vr;D
darax qal imperfeito “procurar” . Wvrod>yI al{ %t'Aa
’otak lo’ yidroxu “a ti não procuram”. Sugestiva
é a tradução do Targum: “Eles não investigaram/preocuparam sobre o seu bem-estar”. A Peshitta propõe a
mesma frase de 4,30: WvQeb;y> %vep.n:
napxek yebaqqexu “e tua vida desejam tirar”.
199
hk'n nakah hifil perfeito “ferir”.
200
TM: rs;Wm musar “disciplina”, no estado construto. BHS: a palavra é para ser lida como estado absoluto
rs'Wm musar “disciplina” em vez do estado construto rs;Wm musar “disciplina de”?
A BHS sugere que a expressão %yIt'aJox; Wmc.[' %nEwO[] bro l[; ‘al rob ‘aonek ‘asmu hatto’tayk
201
“pois
grande (é) a tua iniquidade, são numerosos os teus pecados” é uma adição extraída do v.15.
202
l[;
‘al “sobre”, “diante de”, “por causa de”.
203
~c;[' ‘asam qal perfeito “ser numeroso/ser grande”.
204
O v.15 está ausente na LXX.
205
l[; ‘al “sobre”, “diante de”, “por causa de”.
206
~c;[' ‘asam qal perfeito “ser numeroso/ser grande”.
207
hf'[' ‘asah qal perfeito “fazer”, conjugado na primeira pessoa singular. BHS: as recensões da LXX de
Orígenes de Alexandria e de Luciano de Antioquia apresentam a terceira pessoa plural (cf. 4,18).
208
!kel'
laken “por isso”. Compare com Is 30,18. Seria bastante ilógico pensar que o pecado de Judá traria a
54

e todos os teus opressores, 209todos eles210,


na (para a) prisão/cativeiro irão.
E serão os teus saqueadores saqueados211,
e todos os que te despojam entregarei para despojo.

17
Porque farei subir uma cura para ti,
e das tuas feridas212 te curarei,
dito de Javé,
Porque (de) repudiada chamaram a ti,
Sião213, aquela a qual ninguém busca.

18
Assim214 diz Javé:
Eis-me revertendo a prisão215 das tendas216 de Jacó,
e de suas moradas217 terei compaixão218
E será (re)construída219 uma cidade sobre a ruína dela220,

destruição dos inimigos de Judá. William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2,
p.766. Possíveis traduções: “então” (Weiser); “ainda” (Nicholson), mas emendando lK' !kel'
para lk'w>
(Bright,
Rudolph; cf. BHS).
209
WkleyE ybiV.B; ~L'Ku
kullam baxxbi yeleku “todos eles, na (para a) prisão/cativeiro irão”. BHS: a LXX
traduziu kre,aj auvtw/n pa/n e;dontai “eles comerão toda a carne”, sugerindo a retroversão para o hebraico ~r'fb'
hOLKu. WlkeaOy yo’kelu kulloh besaram.
210
~L'Ku “todos eles”, omitido na Vulgata e na Peshitta.
211
hS'vim.li limxossah, literalmente “para saque”.
212
TM: %yIt;AKM;miW umimmakotayik “das tuas feridas”. LXX: avpo. plhgh/j ovdunhra/j “das pragas dolorosas” (cf.
14,17).
213
!AYci siyon “Sião”: para Duhm e Volz, trata-se de uma glossa. A LXX traduziu qh,reuma u`mw/n “nossa presa”, e
a BHS sugere o hebraico WndEyce sedenu.
214
hKo koh: advérbio “aqui”, “agora”, “assim”, “de sorte que”. De acordo com a BHS, a palavra está separada da
expressão hw"hy> rm;a' ‘amar YHVH “diz Javé”.
215
tWbv. bv'-ynIn>hi hinni-xab xebut “eis-me revertendo a prisão”: partícula adverbial yNEhi hinne com o sufixo
da primeira pessoa comum singular, com a raiz verbal bWv xub no qal particípio, tendo por objeto direto o
substantivo tWbv. xebut “prisão”.
216
~ylih'ao ’ohalim “tendas”. Ausente na LXX.
217
TM: wyt'nOK.v.miW “e das suas moradas”. BHS: a LXX traduziu kai. aivcmalwsi,an auvtou/ “o cativeiro dele”,
que, por retroversão, corresponde a wOtybiv.W uxbito.
218
~x;r raham piel imperfeito “ter compaixão”.
219
hnB' banah nifal vav consecutivo perfeito “construir”.
220
HL'Ti tillah “ruína dela”, substantivo lte tel, “colina”, “outeiro”, junto com o sufixo pronominal na terceira
pessoa singular feminina, “dela”. O lte tel é um outeiro formado por ruínas de cidade.
55

e uma habitação221 sobre o seu lugar222 se assentará223.

19
E sairá deles a ação de graças,
e som dos que riem224.
E os multiplicarei,
e não diminuirão.
225
E os glorificarei,
e não serão insignificantes.

20
E serão226 os filhos dele como outrora,
e a assembleia dele diante de mim será estabelecida227,
e castigarei228 a229 todos os opressores dele.
21 230
E será/acontecerá o grandioso231 dele da parte dele232,

221
!Amr>a;
’armon “morada”, normalmente traduzido como “palácio” (fortificado). Seria um tipo de “cidadela”.
Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.18. Supõe-se que esta palavra seja
tipicamente palestinense, em oposição a outro termo lK'yhe
hekal “palácio”. Veja Ludwig Koehler e Walter
Baumgartner, The hebrew and aramaic lexicon of the Old Testament, Leiden/Boston, E. J. Brill, vol.1, p.89. A
palavra hebraica procederia da raiz assíria ramu, que significa principalmente “estabelecer morada, habitar”.
Veja Victor P. Hamilton, artigo ’armon, cidadela, palácio, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K.
Waltke (organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova,
1998, p.122-123. Decorre daí nossa tradução “habitação”.
222
AjP'v.mi mixpato, literalmente “juízo dele”.
223
bv;y yaxab qal imperfeito “sentar”, “habitar”.
224
qx;c' sahaq piel particípio “rir”.
225
TM: Wr['cy. I al{w> ~yTid>B;k.hiw> vehikbadtim velo’ yis‘aru “E os glorificarei, e não serão insignificantes”.
Ausente na LXX.
226
TM: Wyh'w>
vehayu “e serão”. LXX: kai. eivseleu,sontai “e virão”. BHS: seria o hebraico Wab'W uba’u “e
virão”?
227
!WK
kun nifal imperfeito “ficar firme/teso, ser estável, estar seguro, estabelecer, ser durável, estar pronto.
Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.99.
228
dq;P'paqad qal perfeito “visitar”, “castigar”.
229
l[; ‘al “sobre”, “acima de”, “contra”.
230
WNM,mi AryDIa; hy"h'w> vehayah ’addiro mimmennu “e será o grandioso dele da parte dele”. A BHS sugere a
alteração do TM para ~h,me ryDIa; hy"h'w> vehayah ’adir mehem “e será o grandioso deles”, e propõe conectar
essa expressão com o v.20.
231
ryDIa;
’adir “grandioso”, “poderoso”, “magnificente”. Ludwig Koehler e Walter Baumgartner, The hebrew
and aramaic lexicon of the Old Testament, vol.1, p.13-14. Veja também Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-
português e aramaico-português, p.3.
232
WNM,mi
mimmennu, preposição !mi
min com o sufixo da terceira pessoa masculina singular. Wilhelm Gesenius,
Hebrew and english lexicon in Veteris Testamenti libros, Grand Rapids, WM B. Eerdmans Publishing Company,
1957, p.481. Existem várias propostas para mudanças consonantais e vocálicas na primeira frase do v.21. A BHS
propõe substituir AryDIa;
’adiro “glorioso dele” por ryDIa’adir (sem o sufixo da terceira pessoa), e WNM,mi
56

e o governador233 dele do meio dele234 sairá.


235
Eu o farei aproximar236,
e será aproximado237 para mim.
Pois quem seria este (que) arriscaria238 o seu o coração para se aproximar para mim?
Dito de Javé.

22 239
Sereis para mim como povo,
e eu serei para vós como Deus.

23
E eis a tempestade de Javé,
uma fúria240 saiu,
uma tempestade que ataca;
sobre a cabeça dos ímpios rodeará241.

mimmennu, “da parte dele” (tradução nossa) por ~h,me


mehem, “deles”. Essa proposta foi seguinda por Volz,
que traduziu a sentença como “ele deverá ser mais poderoso do que eles“, ou seja, o sufixo no plural referência
os “opressores“, sobre os quais Jacó se imporia poderosamente. Veja a respeito, William L Holladay, Jeremiah
2, p.178-179. Holladay segue parcialmente proposta da BHS. Ele reconhece que a ausência do sufixo na palavra
ryDIa ’adir pode causar ambiguidade: WNM,mi
mimmennu pode referir-se tanto ao opressor (esta palavra, para
Holladay, originalmente seria singular, para ser paralela ao termo Alv.momoxlo “governador dele”) quanto ao
Jacó; na primeira percebção, “dele” seria o opressor (Jacó seria mais poderoso do que ele), enquanta na segunda
percebção “dele” seria o próprio Jacó (o ‘glorioso‘ seria dele, procedente de Jacó). Assim, para Holladay, o
sufixo seria de fato uma emenda textual, acrescido para evitar ambiquiadade. Entretanto, a presente tese
manteve o TM, pois este revela muito bem a projeto tribal engendrado por Jeremias. Ora, ~ycix]l{
lohasim
“opressores” é um grupo social bem distinto de Jacó, não havendo, pois, nenhuma ‘paralelidade’ poética entre
eles e as duas primeiras frases do v.21. Portanto, pode-se manter o plural ~ycix]l{ lohasim “opressores”.
Quanto à palavra AryDIa;’adiro, ela se relaciona literariamente com lvewOm moxel “governador”, que também
está sufixada com a terceira pessoa. Assim, a relação entre as duas primeiras frases do v.21 é bastante
intensificada pelo sufixo em cada um dos substantivos: “grandioso dele” e “governador dele”.
233
II lv;m' maxal qal particípio “governar”. Trata-se, neste caso, de um verbo substantivado. Sobre o particípio
na função de substantivo, veja Page H. Kelley, Hebraico Bíblico: uma gramática introdutória, 4ª edição,
tradução de Marie Ann Wangen Krahn, São Leopoldo, Sinodal, 1998, p.238.
234
ABr>Qim miqqirbo “do meio dele”: preposição !mii min “de”, com o substantivo br<q<qereb “interior”,
“meio”.
235
vG:nIw> wyTib.r;q.hiw>
vehiqrabtiv veniggax “eu o farei aproximar, e será aproximado”. LXX: kai. suna,xw
auvtou,j kai. avpostre,yousin “e eu os juntarei, e eles voltarão”.
236
br:q' qarab hifil vav consecutivo perfeito “aproximar”.
237
vg:n nagax nifal vav consecutivo perfeito “achegar-se”, “aproximar-se”.
238
I br;[' ‘arab qal perfeito “ser fiador”, “intervir”, “interceder”, “trocar”, “negociar”, “ficar por fiador”.
Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.186.
239
V.22: ausente na LXX.
240
TM: hm'xe hemah “fúria”. Sugestão da BHS: seria uma adição.
241
TM: rreAGt.mi mitggorer, hipoel particípio de I rWG gur “demorar-se como estrangeiro”. Nelson Kirst et al.,
57

24
Não retornará/voltará atrás a ardente242 ira de Javé,
até o executar dela243,
até fazer levantar dela244 os propósitos do seu coração.
No fim dos dias compreendereis isto.

31.1
Naquele tempo, dito de Javé,
Eu serei como Deus para todos os clãs245 de Israel,
e eles serão para mim como povo.

2
Porque assim diz Javé:
Encontrou246 graça247 no deserto248,
povo de249 sobreviventes de espada,
aquele que anda250 para o seu repouso251, Israel.
3
De longe Javé apareceu252 para ele253,
e (com) um amor perpétuo eu te amei254,

Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.38. Sugerimos a correção do TM: llexot.mi hipoel


particípio de lWh hul “rodear”, como em 23,19. Veja a BHS.
242
TM: !Arx] haron “ardente”. BHS: deletado em 23,20.
243
hfo'[' ’asah qal infinitivo “fazer”, com o sufixo da terceira pessoa masculina singular.
244
~Wq qun hifil infinitivo “levantar”, com o sufixo da terceira pessoa masculina singular.
245
TM: tAxP.v.mi lkol. lekol mixpehot “de todos os clãs”. BHS: a LXX traduziu tw/| ge,nei “da
família/nação”, que, por retroversão, corresponde a tx;P;v.mil. lemixpahat “para a família de”.
246
ac'm' masa’ qal perfeito “encontrar”. O TM apresenta o verbo na 3ª pessoa. A LXX apresenta a 1ª singular.
247
TM: !xe hen “graça”, “favor”. BHS: a LXX traduziu qermo.n “calor”, que, por retroversão, corresponde a !xo
hom; também na Vulgata: lupinum. William L. Holladay segue Volz, que propôs hn<xo honeh qal particípio
“acampar”. William L. Holladay, Jeremiah 2, p.152.
248
TM:rB'd>MiB; bamidbar “no deserto”. BHS: provavelmente rB'd>MiK; kamidbar “como um deserto”.
249
TM: ~[; ‘am “povo”. BHS: LXX traduziu meta. “com” = ~[i.
250
TM: %Alh' halok qal infinitivo absoluto da raiz verbal %l;h' halak “andar”. Entretanto, seguimos o aparato
crítico da BHS: %lewOh holek, particípio do mesmo verbo. Veja William L. Holladay, Jeremiah 2, p.152.
251
TM: A[yGIr>h;l. leharggi‘o hifil infinitivo construto da raiz verbal [g:r raga‘ “descansar”, com o sufixo da
terceira pessoa masculina singular. Entretanto, provavelmente trata-se de wO[wOGr>m;l. lemargo‘o “seu repouso”
(cf. 6,16). Veja BHS.
252
ha'rra’ah nifal perfeito “deixar-se ver”, “tornar-se visível”, “aparecer”. Nelson Kirst et al., Dicionário
hebraico-português e aramaico-português, p.220.
253
TM: yli wOl
li “para mim”. BHS: a LXX traduziu auvtw/ “para ele”, que, por retroversão, corresponde a . Veja
William L. Holladay, Jeremiah 2,p.152.
254
bh;a;’ahab qal perfeito “amar”.
58

por isso arrastei255 para ti a bondade.


4
Novamente eu te construirei256,
e serás reconstruída257, virgem de Israel.
Novamente enfeitarás258 os teus tamborins,
e sairás259 com dança260 dos que riem261.
5
Novamente plantarás262 vinhas nas montanhas de Samaria,
Plantaram263 os plantadores264 e colherão265.

6
Por que existirá o dia, quando os vigias266 gritarão267na montanha de Efraim:
Levantem-se!268
Subamos269 a Sião, para Javé, o nosso Deus.

7
Porque assim diz Javé:
Gritai270 para Jacó, alegremente271.
Jubilai272 com a primeira das nações273.

255
%v;m' maxak qal perfeito “agarrar”, “arrastar”.
256
hnB' banah qal imperfeito “construir”.
257
hnB' banah nifal vav consecutivo perfeito “construir”.
258
II hd'[' ‘adah qal imperfeito “adornar, enfeitar”. Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-
português, tradução Ivo Storniolo e José Bortoline, São Paulo, Paulus, 1997, p.480 (Coleção dicionários).
259
ac'y"
yasa’ qal vav consecutivo perfeito “sair”.
260
TM: lAxm.Bi bimhol “com dança”. BHS: a LXX traduziu meta. sunagwgh/j “com a congregação”, que, por
retroversão, corresponde a lh;q.Bi. Veja o v.13.
261
qx'f' sahaq piel particípio “rir”, “estar alegre”, estar contente”.
262
[j;n nata‘ qal imperfeito “plantar”.
263
[j;n nata‘ qal perfeito “plantar”.
264
[j;n nata‘ qal particípio “plantar”. Trata-se, neste caso, de um verbo substantivado. Sobre o particípio na
função de substantivo, veja Page H. Kelley, Hebraico Bíblico, p.238.
265
TM: WlLexi
hillelu “e colherão”, da raiz verbal Ill;x'
halal piel vav consecutivo perfeito “profanar”.
Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.69. BHS: a LXX traduziu kai.
aivne,sate “e louvareis” = wllh;w>
.
266
rc;n nasar qal particípio “vigiar”, na função substantivada. Page H. Kelley, Hebraico Bíblico, p.238.
267
arq' qara’ qal perfeito “gritar”.
268
~Wq qum qal imperativo “levantar”.
269
hl'[' ‘alah qal imperfeito “subir”.
270
!n:r' ranan qal imperativo “gritar de alegria”.
271
TM: hx'm.fi simhah “alegria, júbilo, satisfação”, possivelmente exercendo a função de adjetivo para o
verbo !n:r' ranan “gritar”. Seguimos a proposta de Rudolph. A LXX omite essa palavra.
59

Fazei-vos ouvir274,
Louvai275,
E dizei276:
Salvou277, Javé, o teu povo278,
o resto de Israel279.
8
Eis que os trago280 da terra do norte,
e os reúno281 das extremidades da terra282.
Com eles (há) o cego,
e o aleijado283,
A grávida,
e a aquela que dá à luz.
Juntos: uma grande assembleia.
E eles voltarão284 para cá285.
9
Em choro virão286

272
lh;c' sahal qal imperativo “gritar estridentemente”, como o relinchar dos cavalos. Veja LXX e Vulgata.
I
273
TM: ~yIAGh; haggoyim “as nações”. BHS: provavelmente ~yrh' harim “montes”. De acordo com Mackane,
seria uma imitação de Is 42.11. William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2,
p.788.
274
[m;v'xama’ hifil imperativo “ouvir”.
275
II ll;h' halal piel imperativo “louvar” (a Deus).
276
rm;a' ‘amar qal imperativo “dizer”.
277
TM: ^M.[-; ta, hw"hy> [v;Ah hoxa‘ YHVH ’et-‘ammk “fez salvar Javé o teu povo”. Seguimos a proposta
da BHS: [v;Ah hoxa‘, da raiz verbal [v;y' yaxa’ hifil imperativo “salvar”, deve ser corrigido para [;vwi Oh hoxi‘a
hifil perfeito. Na LXX, o verbo está conjugado no indicativo aoristo: e;swsen ku,rioj to.n lao.n auvtou/ “salvou o
Senhor o seu povo”, corroborando assim o hebraico [;vwi Ohhoxi‘a. Veja também o Targum: “Javé tem redimido o
seu povo, o resto de Israel”. Essa tradução também foi adotada por Rudolph, Weiser e Bright.
278
TM: ^M.[; “o teu povo”. BHS: wOm[, sufixo na 3ª pessoa singular, como na LXX.
279
laerf' .yI tyrIaev. tae ’et xe’erit yisra’el “o resto de Israel”: BHS: seria uma adição?
280
awOB bo’ hifil particípio “trazer, fazer vir”.
281
#b;q' qabas piel vav consecutivo perfeito “reunir”.
282
#r,a'-yteK.r>Ym: i miyyarkete-’ares “das partes da terra”. A palavra yteK.r>Y:mi miyyarkete é o substantivo dual
construto de hk'rEy: yarekah “termo”, “parte”, “posterior”, “flanco”. Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-
português e aramaico-português, p.95. Tem o sentido de “extremidades” (ARA) ou “confins” (BJ).
283
TM: x;SepiW rWE[i ~B'
bam ‘ivver upisseah “com eles (há) o cego e o aleijado”. BHS: a LXX traduziu evn
e`orth/| fasek “na festa da páscoa”, que, por retroversão, corresponde a xs;P, d[ewmO B..
284
bWv xub qal imperfeito “voltar”.
285
I hN'he hennah advérbio de lugar e tempo: “aqui, para cá, aqui...acolá; até agora”. Nelson Kirst et al.,
Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.55. BHS: hNehihinne “eis”, partícula adverbial
relacionada com o v.9. Essa partícula parece nos arremessar novamente para o início do v.8, onde ela já havia
aparecido.
60

com consolações287 os trarei288


conduzi-los-ei289 para os uádis290 de águas,
no caminho plano,
não tropeçarão291 nele.
Porque sou para Israel como um pai,
e Efraim (ele é) o meu primogênito.

10
Ouvi292 a palavra de Javé, nações,
e anunciai293 às ilhas distantes.
E dizei294:
Aquele que espalhou295 Israel o reunirá296,
e guardará297 como aquele que pastoreia298 o seu rebanho.
11
Porque Javé resgatou299 Jacó,
e redimiu-o300 da mão do mais forte do que ele.
12
E virão301,
e gritarão302 no alto303 de Sião,

286
TM: Waboy" awOB bo’ qal imperfeito “vir”. BHS: a LXX traduziu evxh/lqon
yabo’u “eles virão”, da raiz verbal
“eles sairão, que, por retroversão, corresponde a wac.y .
287
TM: ~ynIWnx]t;b.W ubtahanunim “e em súplicas”. LXX: kai. evn paraklh,sei “e em consolação”. A BHS propõe
corrigir o TM para ~ymiIWxn>t;b.W ubtanhumim “e em consolações”. A mudança é sugestiva, pois o substantivo
~ynIWnx]t; tahanunim não combina com o verbo ~keyliAa ’olikem “os trarei de volta”, onde o sujeito é Javé;
seria bastante deselegante atribuir a Javé as “súplicas”. O Targum de Jônathan ben Uziel
traduz !wnybyrqa !yaygs !ymxrb “com grande misericórdia eu os trarei”. Essa tradução é seguida pela
Vulgata: Et in misericórdia reducam eos.
288
lb;yyabal hifil imperfeito “trazer, liderar, conduzir”.
289
%l;h' halak hifil imperfeito “levar, carregar, fazer andar”.
290
~ylix'n> nehalim “uádis”, um riacho de leito seco; um vale com leito de um curso de água.
291
lv;K' kaxal nifal imperfeito “tropeçar”.
292
[m;v' xama’ qal imperativo “ouvir”.
293
dg:n nagad hifil imperativo “contar, anunciar; declarar”.
294
TM: Wrm.aiw> ve’imru “e dizei”. BHS: uma adição? A mesma forma verbal aparece no v.7.
295
hrz zarah piel particípio “espalhar, ventilar, lançar fora”.
296
#b;q' qabas piel imperfeito “reunir”.
297
rm;v' xamar qal vav consecutivo perfeito “cuidar”, “guardar”.
298
h['r ra‘ah qal particípio “pastorear”.
299
hd'P' padah qal perfeito “resgatar, livrar”.
300
l[;G ga’al qal perfeito “redimir, resgatar”.
301
awOB bo’ qal vav consecutivo perfeito “vir”.
61

e fluirão304 ao bem de Javé,


sobre o grão,
e sobre o vinho
e sobre o azeite,
e sobre os filhos do rebanho (de ovelhas),
e sobre o boi.
E será a vida deles como um jardim encharcado305,
e não continuarão306 a desfalecer307 continuamente.
13
Então terá alegria308 a virgem na dança,
e os jovens309 e os velhos, juntos310.
E tornarei311 o lamento deles em alegria,
e os confortarei312,
e os alegrarei313 depois do sofrimento deles314.
14
e saciarei315 a vida dos sacerdotes316 (com) gordura317,

302
!n:r ranan piel vav consecutivo perfeito “gritar de alegria”.
303
TM:~Arm.bi bimrom “no alto”. LXX: evn tw/| o;rei “nos montes”; cf. Vulgata. A BHS propõe inserir o
hebraico ~yrIh'b, beharim “nos montes” e deletar o topônimo !AYci siyon “Sião”.
304
I rh;n nahar qal vav consecutivo perfeito “fluir”. Alguns intérpretes, como Volz e Rudolph, preferem II rh;n
nahar “ser radiante”. William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.794.
305
TM: hw<r' !g:K.
kegan raveh “como um jardim encharcado”. LXX: w[sper xu,lon e;gkarpon “como uma
árvore frutífera” (Gn 1,11: , que, por retroversão, corresponde a yrIP. #[e ; Sl 148,9:
, que, por retroversão, corresponde a yrIP. #[e
). Veja BHS; William Mckane, A Critical and
Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.793.
306
@s;y
yasap hifil imperfeito “fazer aumentar, acrescentar”.
307
baeD da’eb qal infinitivo “desfalecer, enfraquecer”.
308
xm;f' samah qal imperfeito “regozijar-se, estar alegre”.
309
TM: ~yrIxub;W ubahurim “e os jovens”. BHS: a LXX traduziu “na congregação
jovem”, que, por retroversão, corresponde a ~yrIxuB; lh;q.Bi.
310
TM: wD'x.y: yahdav “juntos”. LXX: carh,sontai “eles (velhos) se alegrarão”, possivelmente o hebraico WDxy.
“alegrar-se-ão”. Veja BHS. Contudo, a forma adverbial wD'x.y: aparece em Jr 31,8.
311
%p;h' hapak qal vav consecutivo perfeito “virar, subverter”.
312
TM: ~yTim.xn; Iw> venihamtim “e os confortarei” , da raiz verbal ~x;n naham piel vav consecutivo perfeito
“confortar”. Ausente na LXX. De acordo com Holladay, trata-se de uma variação do verbo seguinte, ~yTix.M;fiw>
vesimmahtim “e os alegrarei”. William L. Holladay, Jeremiah 2, p.153.
313
xm;f'
samah piel vav consecutivo perfeito “levar a regozijar-se, alegrar, tornar alegre”.
314
TM: ~n"Agymi migonam “do sofrimento deles”. BHS: a LXX traduz megalunw/ “e eu aumentarei” (que,
provavelmente, corresponde por retroversão a ytyBirI), e anexa o termo ao início do v.14, entendendo como uma
duplicação de ytiyWErIw> verivveti “e saciarei”.
315
hwr ravah piel vav consecutivo perfeito “estar bêbado; encharcar, saturar”.
62

e o meu povo com meu bem se satisfará318.


Dito de Javé.

15
Porque assim diz Javé:
uma voz em Ramá319 foi ouvida,
um lamento,
um choro de amarguras,
Raquel lamenta320 sobre os filhos dela,
ela se recusa321 ser consolada322 sobre os filhos dela,
porque eles não existem323.

16
Porque assim diz Javé:
Refreie a tua voz do lamento,
e os teus olhos da lágrima.
Porque haverá recompensa para o teu trabalho, dito de Javé324,
e voltarão da terra inimiga,
17
e haverá esperança para o teu futuro, dito de Javé,
e voltarão os filhos para o território deles.
18
Escutei atentamente Efraim, aquele que cambaleia325,
Tu me disciplinaste,
e fui disciplinado,

316
TM: ~ynIh]Kho ; hakohanim “os sacerdotes”. BHS: LXX ui`w/n Leui “filhos de Levi”, que, por retroversão,
corresponde a ywIle ynEB..
317
TM:!v,D' daxen “gordura”. Ausente na LXX.
318
[;bfe ' sabe‘a qal imperfeito “estar farto (de comida)”.
319
TM: hm'r"B. beramah “em Ramá”. A BHS sugere alterar a vocalização de hm'r"B. beramah para hm'r"B'
baramah, já que o substantivo hm'r" ramah sempre vem precedido pelo artigo: hm'r"h' haramah. “a Ramá”. Por
exemplo, Js 18,25. Veja Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.191,195-196.
320
hk'B'bakah piel particípio “lamentar, chorar”.
321
!aem' ma’en piel perfeito “recusar, refutar”.
322
~x;n naham nifal infinitivo “confortar”.
323
TM: WNn<yae’enennu “ele não existe”. É difícil relacionar o sufixo singular no advérbio !yIa; ’ayin com o plural
~ynIB' banim “filhos”, da sentença anterior. BHS: o TM deveria ser ~n"ya? Veja uma discussão em Bob
Becking, Between Fear and Freedom, p.196.
324
TM: hw"hy>-~aun>
ne’um YHVH “dito de Javé”. BHS: deletado na LXX.
325
dWnnud hitpolel participativo “cambalear”. Também pode ser traduzido como “oscilar, balançar-se, vaguear,
errar (sem pátria e sem destino); expressar simpatia, expressar condolências”. Nelson Kirst et al., Dicionário
hebraico-português e aramaico-português, p.152.
63

como um bezerro não domado326.


Faze-me voltar,
e voltarei.
Porque tu és Javé, o meu Deus.
19
Por que depois de me arrepender/voltar327,
fui consolado;
depois de conhecer,
328
eu bati329 sobre a coxa330,
estava envergonhado331,
e também fui envergonhado332.
Porque eu trazia o escárnio da minha juventude.
20
Um filho precioso para mim (é) Efraim,
333
uma criança (de) prazeres?
Pois cada vez que334 eu falar nele335,
certamente me lembrarei dele continuamente.
Por isso geme minhas entranhas por336 ele,
certamente terei compaixão dele,
dito de Javé.

21
Levanta para ti postes337,

326
dm;l' lamad pual perfeito “ensinar, instruir”.
327
TM: ybiWv xubi “voltar”, qal infinitivo da raiz verbal bWv xub “voltar”. BHS: a LXX traduziu aivcmalwsi,aj
mou “meu cativeiro”, que, por retroversão, corresponde a yyIb.vi; deve ser inserida a palavra yTib.v.;
328
TM: yTiv.Bo %rey"-l[; yTiq.p;s' sapaqti ‘al-yarek boxti “eu bati sobre a coxa, estava envergonhado”. BHS:
LXX traduz evste,naxa evfV h`me,raj aivscu,nhj “eu lamentei por causa do dia da”, que, por retroversão, corresponde
a tvbo ymey>-l[; yTiq.n:a' ?
329
qp;s' sapaq qal perfeito “bater”.
330
%rey" yarek “coxa”, “lado”.
331
vwOB box qal perfeito “envergonhar”.
332
~l;K' kalam nifal perfeito “envergonhar”.
333
O TM apresenta a partícula ~ai ’im “se”, “não”, antes do substantivo dl,y< yeled “uma criança”. Seguimos
a LXX e a Peshitta, que omitem essa partícula. Veja BHS.
334
TM: yDemi
midde “a partir do necessário”. Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-
português, p.48. Veja 1Sm 7,16.
335
A raiz verbal rb;D" B
dabar piel infinitivo + . forma uma expressão idiomática, com o sentido de “falar dele”.
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.208.
336
L
A preposição . le “para” “is to be construed as indicating a dativus commodi, indicating for whom or to
whose advantage something is done”. Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.208.
64

coloca para ti marcos/sinalizações338,


coloca o teu coração na vereda,
(no) caminho (por onde) andaste339.
Volta, virgem de Israel,
volta para estas340 tuas cidades.
22
Até quando irás de cá para lá, filha rebelde341?
Porque cria342 Javé uma nova na terra:
uma fêmea circula343 um homem forte.

23
Porque assim diz Javé dos Exércitos, o Deus de Israel:
Novamente dirão esta palavra na terra de Judá,
e nas cidades dela,
quando eu reverter344 a prisão deles:
Abençoar-te-á345 Javé,
campina da justiça,
monte santo.
24
Voltarão nela,
Judá e todas as cidades dela,
juntos, os agricultores e os que puxam346 o rebanho.
25
Porque eu saciarei347 pessoa cansada,
e a toda pessoa que enfraqueceu348, darei abundância349.

337
TM: ~ynIYUci siyunim “postes”. LXX: Siwn “Sião”.
338
~yrIWrm.T; tamrurim “marcos/sinalizações”. É um hápax. Veja Rudolph, Jeremia, p.196. LXX: timwri,an
“punição”, provavelmente corrompido. William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah,
vol.2, p.802. BHS: provavelmente ~yrImoyTi
timorim (postes?).
339
%l;h' halak qal perfeito “andar”. “caminho por onde andaste”: ketib: yTik.l'h'; qere’: T.k.l'h'.
340
TM: hL,ae ’elleh “estas”. BHS: a LXX traduziu penqou/as “lamenta”, que, por retroversão, corresponde a
hl'bea].
341
bbeAv xobeb “rebelde”, adjetivo feminino.
342
arB' bara’ qal perfeito “criar, moldar, formar”.
343
bb;s' sabab poel imperfeito “circundar”. Veja Holladay, “Jer. xxxi 22b reconsidered”, p.236–239; Holladay,
Jeremiah 2, p.195; Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.224.
344
bWv xub qal infinitivo “voltar”, no sentido de “restaurar”.
345
%r:B' barak piel imperfeito “abençoar”.
346
[s;n nasa‘ qal vav consecutivo perfeito “puxar”.
347
hwr ravah hifil perfeito “saciar, saturar, regar”. Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e
aramaico-português, p.224.
65

26
Sobre isso, despertei,
e vi,
e o meu sonho foi agradável para mim.

27
Eis que dias virão, dito de Javé,
e semearei350 a casa de Israel,
e a casa de Judá,
uma semente de humano,
e uma semente de animal.
28
E acontecerá351: como velei352 sobre eles para arrancar353,
e para derrubar354,
e para demolir355,
e para fazer destruir356,
e para fazer o mal357,
Assim velarei358 sobre eles para construir359,
e para plantar360,
dito de Javé.

29
Naqueles dias eles não dirão ainda:
pais comeram uva verde,
e os dentes dos filhos se embotaram.
30
Porque cada um pela sua iniquidade morrerá,

348
baeD da’eb qal perfeito “desfalecer”.
349
alem' male’ piel perfeito “encher”.
350
[r:z zara‘ qal vav consecutivo perfeito “semear”.
351
hyh' hayah qal vav consecutivo perfeito “acontecer”.
352
I dq;v' xaqad qal perfeito “velar”, “vigiar”.
353
vt;n natax qal infinitivo “arrancar”.
354
#t;n natas qal infinitivo “derrubar”, “demolir”, “quebrar”.
355
sr:h' haras qal infinitivo “demolir”.
356
db;a' ’abad hifil infinitivo “destruir”.
357
h['r ra‘a hifil infinitivo “fazer o mal”.
358
I dq;v' xaqad qal imperfeito “velar”, “vigiar”.
359
hnB' banah qal infinitivo “construir”.
360
[j;n nata‘ qal infinitivo “plantar”.
66

todo o homem que comer uva verde terá embotado os dentes dele.

31
Eis que dias virão, dito de Javé,
e estabelecerei361 com a casa de Israel e com a casa de Judá362 uma aliança nova.
32
Não como a aliança que estabeleci363 com os pais deles, no dia em que peguei364 pela mão
deles para fazê-los sair365 da terra do Egito;
porque366 eles quebraram a minha aliança, embora eu governasse367 por eles/neles,
dito de Javé.
33
Porque esta (é) a aliança que estabelecerei368 com a casa369 de Israel depois daqueles dias,
dito de Javé,
Darei370 a minha lei no interior deles,
e sobre o coração deles a escreverei371,
E serei Deus para eles,
e eles serão povo para mim.
34
E não ensinarão372 novamente cada um o seu próximo,

361
tr:K' karat qal vav consectivo perfeito “cortar, estabelecer”.
362
TM: hd'Why> tyBe-ta,w> ve’et-bet yehudah “e com a casa de Judá”. BHS: trata-se de uma adição; no v.33, a
expressão não é mencionada.
363
tr:K'
karat qal perfeito “cortar, estabelecer”.
364
qz:x' hazaq hifil “agarrar, segurar, tomar a si”. Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e
aramaico-português, p.66.
365
ac'y
yasa’ hifil “fazer sair”.
366
rv,a]’axer: neste caso provavelmente é uma conjunção que inicia uma oração subordinada adverbial,
normalmente traduzida como “porque”. Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-
português, p.20. Veja a tradução da KJA/King James Atualizada: “pois eles não horaram o meu pacto”. O TM
inseriu a pontuação ‘athnach sobre o substantivo precedente ~yIr'cm. i
misrayim “Egito”, sugerindo a separação
entre a conjunção e o substantivo. Veja Bernard P. Robinson, “Jeremiah’s New Covenant – Jer 31,31-34”, em
Scandinavian Journal of the Old Testament, vol.15, nº 2, 2001, p.192.
367
yTil.[;B'
ba‘alti , literalmente “eu sou esposo”, da raiz verbal l[;B'
ba‘al qal perfeito, “governar, dominar”.
Veja Coppens, “La Nouvelle Alliance em Jer 31:31-34”, em Catholic Biblical Quarterly, vol.25, 1963, p.15. A
expressão “embora eu governasse por eles/neles” foi traduzida pela KJA como “mesmo sendo Eu o Marido
divino deles”. Ao invés de yTil.[;B'
ba‘alti, a LXX e a Peshita leram o hebraico ytl.[G; '
gal‘alti “detestar”,
“abominar”. Assim também Robert P. Carrol, Jeremiah, p.610. Veja BHS. Mas o TM pode ser mantido, já que a
rejeição da aliança necessariamente significa rejeição de autoridade. Veja ainda Bernard P. Robinson,
“Jeremiah’s New Covenant – Jer 31,31-34”, p.192.
368
tr:K'karat qal imperfeito “cortar, estabelecer”.
369
TM: tyBe
bet “casa de”. BHS: Alguns poucos manuscritos apresentam o hebraico ynEB.
bene “filhos de”. Veja
uma discussão sobre isso em Bernard P. Robinson, “Jeremiah’s New Covenant – Jer 31,31-34”, p.149, nota 49.
370
!t;n
natan qal perfeito “dar”. Provavelmente um ‘perfeito profético’, ou seja, refere-se ao futuro a partir de
uma ação já concluída no passado.
371
bt;K'
katab qal imperfeito “escrever”.
372
dm;l' lamad piel imperfeito “ensinar”.
67

E cada um o seu irmão, para dizer373:


Conhecei374 a Javé!
Porque todos eles me conhecerão375, dos menores deles até os maiores deles,
dito de Javé.
Porque perdoarei376 a iniquidade deles,
e o pecado deles não lembrarei377 novamente.

35
Pois assim diz Javé:
Aquele que deu o sol para luz diária,
os estatutos378 da lua,
e as estrelas para a luz da noite;
aquele que provoca379 o mar,
e rugem as ondas dele,
Javé dos Exércitos é o seu nome.
36
Se removerem-se estes estatutos diante de mim,
dito de Javé,
também a semente de Israel cessará de ser nação diante de mim todos os dias.

37
Assim diz Javé380:
Se forem medidos381 céus nas alturas,
e investigados382 fundamentos da terra para baixo,
também eu rejeitarei toda a semente de Israel,
por tudo o que fizeram, dito de Javé.

373
rm;a' ’amar qal infinitivo “dizer’.
374
[d:y yada’ qal imperativo “conhecer”.
375
[d:y yada’ qal imperfeito “conhecer”.
376
xl;s' salah qal imperfeito “perdoar”.
377
rk;z zakar qal imperfeito “lembrar”.
378
TM: tQoxu huqqot “estatutos”. Ausente na LXX.
379
[g:r raga‘ qal particípio “provocar”, “perturbar”.
380
TM: hw"hy> rm;a' hKo koh ’amar YHVH “assim diz Javé”. Ausente na LXX. BHS: provavelmente uma
adição.
381
TM: WDM;yI yimmaddu “forem medidos”, nifal imperfeito dd:m' madad “medir”. BHS: a LXX traduziu
u`ywqh/| “exaltado”, “levantado”, que, por retroversão, corresponde a WmrUy .
382
TM: Wrq.x'yEw>
veyehaqeru “e investigados”, da raiz verbal rq;x' haqar nifal imperfeito “investigar”, “buscar”.
LXX: tapeinwqh/| “humilhado”.
68

38
Eis que dias virão383, dito de Javé,
e será construída a cidade para Javé,
desde a torre de Hananeel até o portão384 da esquina.
39
E será estendida novamente a linha385 de medida diante dele,
sobre a colina do Gareb,
e será retornada até a Goa.
40 386
E todo o vale387 dos cadáveres e das cinzas gordurosas,
e todos os campos388 até o uádi389 do Cedrom,
até a esquina da porta dos cavalos, (para o) oriente,
consagrado para Javé;
e não será destruído,
e nunca mais será arrasado.

2.2 – Delimitação

Jr 30-31 forma um conjunto à parte no livro de Jeremias. Em 29,32 encerra-se a


narrativa que descreve a mensagem de Jeremias aos deportados na Babilônia. Em 30,1 inicia-
se outro conjunto: “A palavra que aconteceu para Jeremias, da parte de Javé”. O v.1 do
capítulo 32, em seu início, é semelhante a 31,1. Lê-se, em 32,1, o início de outro grande
conjunto em Jeremias. Em outros trechos do livro, a “palavra” de Javé também introduz
novos horizontes literários (1,1; 2,1; 7,1; 11,1; 21,1; 25,1; 26,1; 33,1; 34,1; 35,1; 36,1; 46,1).

383
“Eis que dias virão”: qere’ de~yaiB' ~ymiy" hNEhi hinne yamim ba’im, apresentado em muitos manuscritos e
em muitas versões. O ketib apresenta uma omissão acidental (haplografia) da palavra ~yaiB' ba’im “virão”.
384
TM: r[;v; xa‘ar “portão”, sem a preposição. Trata-se de uma haplografia (omissão acidental da preposição
l. le “para”). BHS: a LXX traduz e[wj pu,lhj “até o portão”, que corresponde a r[;vl; . lexa‘ar “para o portão”.
385
“linha”: ketib: hwEq ; qere’: wq'. .
386
TM: !v,D,h;w> ~yrIg"P.h; qm,[eh'-lk'w> vekol-ha‘emeq happegarim vehaddexen “e todo o vale dos cadáveres e
das cinzas gordurosas”. Ausente na LXX.
387
TM: qm,[eh'
ha‘emeq “o vale”. BHS: provavelmente xk;nO nokah “defronte”, possivelmente sequenciado por
~qom.W umeqom “e um lugar”.
388
tAmreV.h; haxxeremot; qere’: tAmdeV.h; haxxedemot. O ketib troca equivocadamente a
“campos”: ketib:
letra d (dalet) pelo r (rex).
389
lx;n nahal “uádi”, um riacho de leito seco; um vale com leito de um curso de água.
69

Pode-se afirmar, pois, que Jr 30-31 é uma unidade literária. Trata-se de um rp,se seper “livro”

(Jr 30,2).

2.1.1 – A estrutura literária de Jr 30-31

À constatação da unicidade de Jr 30-31, segue-se outra observação: esse texto é um


conjunto de pequenos trechos literários. Nesta unidade literária, podem-se identificar
pequenas subunidades. Contudo, antes de averiguá-las, convém demonstrar a estrutura
literária de Jr 30-31. Pela análise da estrutura do texto, as perícopes começam a ser
identificadas. Neste caso, o objetivo inicial da análise literária será traçar um “raio x” do texto
“a fim de conhecê-lo internamente e mais de perto”390.

Convém observar Jr 30-31, para se perceber a estrutura de todo o conjunto:

I. Introdução ao livro da consolação: 30,1-3


II. Angústia e salvação para Jacó: v.4-7
III. Promessa de um novo Davi: v.8-9
IV. Dito de salvação para Jacó/Israel – Libertação dos inimigos: v.10-11
V. A ferida incurável de Israel: v.12-15
VI. Oráculo de salvação para Sião – Libertação dos inimigos: v.16
VII. A cura da ferida de Israel: v.17
VIII. Promessa para Jacó: v.18-21
IX. Promessa e ira de Javé: v.22-31,1
A. Promessa: O povo de Deus e o Deus do povo: v.22
B. A ira de Javé: v.23-24
C. Promessa: O povo de Deus e o Deus do povo: 31,1
X. Salvação no passado e no futuro: v.2-6
A. Salvação no passado: encontro entre Deus e o povo no deserto: v.2-3
B. Salvação no futuro: promessas de reconstrução: v.4-5
C. Convite para Sião: v.6
XI. Alegria da salvação: a volta do exílio: v.7-9

390
Tércio Machado Siqueira, O Povo da Terra no período monárquico, São Bernardo do Campo, Universidade
Metodista de São Paulo, 1997, p.18 (tese de doutorado).
70

A. A alegria: v.7
B. A razão da alegria: v.8-9
XII. Alegria da salvação: a volta do exílio: v.10-14
A. A razão da alegria: v.10-12
B. A alegria: v.13-14
XIII. O choro e o consolo de Raquel: v.15-20
A. O choro de Raquel: v.15
B. O consolo de Raquel: v.16-20
XIV. Convite para a terra prometida: v.21-22
XV. Promessa de restauração para Judá: v.23-26
XVI. “Eis que dias virão”: um tempo de restauração para Judá e Israel: v.27-
28
XVII. A responsabilidade pessoal no tempo da restauração: v.29-30
XVIII. “Eis que dias virão”: a nova aliança no tempo da restauração: v.31-34
XIX. A permanência de Israel: v.35-37
A. As leis da natureza como paradigma da eleição de Israel: v.35-36
B. A impossibilidade para se medir céus e terra como paradigma para a
eleição de Israel: v.37
XX. Reconstrução de Jerusalém: v.38-40

2.2.2 – Delimitação das perícopes

É muito importante fundamentar a existência de pequenas unidades literárias, já


constatadas na estrutura literária.

Uma primeira pequena unidade pode ser encontrada em 30,1-3. Se bem que, por uma
análise formal, esta peça textual é bastante costurada: há duas introduções (v.1 + v.2). O v.4
demarca uma nova introdução. No v.3, lê-se um dito, emoldurado pelos versos 2 e 3. Ou seja,
o conteúdo do v.3 está cercado pelas “palavras” de Javé. No v.3, o assunto é a posse da terra.

Após uma nova introdução (v.4), o v.5 inicia outro dito: “Assim diz Javé”. Até o v.7, a
tônica do texto é o “terror” (v.5), o “tempo de angústia” (v.7), mas no final há uma promessa
de salvação. Portanto, pelos critérios de conteúdo, os v.4-7 diferenciam-se do v.3.
71

Na sequência do texto, os v.8-9 compõem outra pequena unidade. No início do v.8 lê-
se: “E acontecerá naquele dia, dito de Javé dos Exércitos”. “Naquele dia”, na literatura
profética, geralmente marca a gênese de um novo espaço literário. Ademais, em seu conteúdo,
os v.8-9 são diferentes dos v.5-7: tratam do novo Davi.

No v.10, muda-se o conteúdo. Focaliza-se a libertação de “Jacó” da “terra da prisão”.


Essa é a temática dos versos 10-11. Em contrapartida, o v.12 trata da ferida incurável. No
início do v.12 nota-se a demarcação de um novo dito (“Porque assim diz Javé”). A temática
da ferida incurável persiste até o v.15. Há, pois, um contraponto entre os v.10-11 e os v.12-15.
Portanto, é possível constatar a existência de um pequeno bloco nos v.10-11 e outro nos v.12-
15. Já o v.16 e o v.17 são contrapostos aos v.12-15, mas arremessa-nos aos v.10-11. À
semelhança dos v.10-11, o v.16 refere-se à “prisão” (v.10 e v.16). Mas, enquanto nos v.10-11
Jacó é libertado da prisão, no v.16 os opressores vão para prisão. O v.17 também é promessa
de salvação, como os v.10-11. Há, pois, correspondências entre os v.10-11 e os v.16-17. Resta
saber a correspondência entre os v.16-17 e v.12-15, já que o v.17 refere-se à possibilidade da
cura, enquanto os v.12-15 descrevem a impossibilidade da cura.
Os v.18-21 compõem outra pequena unidade literária. Há uma introdução (“Assim diz
Javé”, no v.18) e uma conclusão (“dito de Javé”, no fim do v.21). Em certo sentido, continua-
se a temática dos v.10-11. Mas, por outro lado, os v.18-21 especificam alguns matizes da
reconstrução israelita na terra da promessa (“cidade”, “palácio”, v.18b; “governador”, v.21).
Jr 30,18-21 diferencia-se do texto precedente (30,12-17). Enquanto que o fim do v.17 refere-
se a “Sião” (Sul), o v.18 alude às “tendas de Jacó” (Norte). Portanto, infere-se que a partícula
adverbial hKo koh “assim”, juntamente com a palavra ynIn>hi hinni “eis-me”, no início do v.18,

prefaciam uma nova unidade de sentido. Em relação ao que lhe segue, observa-se que o v.22 é
a ‘fórmula da aliança’391, articulada por uma linguagem própria. Alguns pesquisadores
propõem a inserção do v.22 nos v.18-21.392 Mas o v.22 compõe uma unidade própria, pois:
(1) no final do v.21 a expressão “dito de Javé” fecha uma unidade de sentido; (2) nos v.18-21,
os sufixos pronominais estão da 3ª pessoa, enquanto no v.22 os sufixos estão na 2ª pessoa; (3)
o v.22 apresenta uma unidade própria composta por duas frases correspondentes. Portanto, a
inserção do v.22 nos v.18-21 está desautorizada, do ponto de vista literário.

391
Sobre a “fórmula da aliança”, veja Rolf Rendtorff, A fórmula da aliança, São Paulo, Loyola, 2004, 119p.
(Bíblica Loyola; 38)
392
Artur Weiser, Jeremia, p.269.
72

Deste modo, Jr 30,18-21 constitui-se uma subunidade dentro de Jr 30-31.393 Na verdade,


Jr 30,18-21 relaciona-se com Jr 31,2-5. Ambos referem-se ao Norte, às “tendas de Jacó”
(30,18), ao “Israel” (31,2), às “montanhas de Samaria” (31,5).

Portanto, a partir do v.22, inicia-se outro bloco literário. A fórmula da aliança deste
verso é encontrada novamente em 31,1, numa outra linguagem. Assim, 30,22 e 31,1
molduram os v.23-24, que descrevem a ruína dos “ímpios”. Lê-se, portanto, um pequeno
subconjunto, em 30,22 – 31,1.

Em 31,2, por sua vez, inicia-se outra pequena unidade literária, pela expressão “porque
assim diz Javé”. Essa unidade estende-se até o v.5. A temática dos v.2-5 é o “repouso” de
Israel, a saber, o direito dos camponeses de Samaria em usufruir da terra e de sua produção.
Diferente dos v.2-5, o v.6 tem outro matiz: o convite para Sião (celebração cúltica), o que, a
rigor, não tem muito haver com os v.2-5. Mas, como aproximar o v.6 dos v.2-5, a despeito da
dessemelhança?

Do v.7 ao v.25 o texto concentra-se na temática da volta dos exilados à terra da


promessa. No v.7 inicia-se um dito, pela expressão “porque assim diz Javé”. O v.10 inicia-se
com um imperativo (“Ouvi”), que parece iniciar uma nova unidade de sentido. Constata-se,
portanto, uma pequena unidade nos v.7-9.

A unidade iniciada no v.10 estende-se até o v.14. Este, em seu final, parece conter uma
fórmula conclusiva: “dito de Javé”. Identificamos assim outra unidade nos v.10-14.

O v.15 é um dito, iniciado pela expressão “porque assim diz Javé”. O dito refere-se ao
“choro” de Raquel. O v.16, por sua vez, inicia outro dito (“Assim diz Javé”), que estende-se
até o v.22. Estes versos (v.16-22) estão vinculados pelo verbo bWv xub “voltar”:

v.16.17.18.19.21.

No v.23, outro dito pode ser identificado: “Porque assim diz Javé dos Exércitos, o Deus
de Israel”. Este dito engloba os v.23-25+26, pois o v.27 inicia outra pequena unidade, pela
expressão “eis que dias virão”.

Deste modo, as seguintes subunidades são identificadas: v.15; v.16-20; v.21-22; v.23-
26. Estes blocos literários, somados aos dos v.7-9 e v.10-14, têm uma temática comum: a
“volta” dos exilados para a terra prometida.

393
Seguindo a proposta da BHS.
73

A pequena unidade iniciada no v.27 estende-se até o v.28. O dito nos v.27-28 descreve a
ruína de Israel e Judá, mas também sua reconstrução. Em certo sentido, esse dito continua a
afirmativa dos v.7-26, a saber, depois do choro e da dor, o povo de Deus finalmente será
reconstruído.

O v.29 inicia outra subunidade: “naqueles dias”. No v.29 lemos um antigo provérbio, e
no v.30, uma contraposição a ele. Os v.29-30 referem-se à responsabilidade individual. Estes
versos distinguem-se tematicamente dos v.27-28, que aludem à destruição-reconstrução.

No v.31 inicia-se outra pequena unidade, com a mesma introdução do v.27. Portanto,
identifica-se uma perícope nos v.31-34, pois no v.35 principia-se outro dito (“pois assim diz
Javé”). A unidade composta pelos v.31-34 alude à promessa da nova aliança. Seu conteúdo,
assim, é diferente dos v.29-30.

Pelos mesmos critérios literários empregados até aqui, é possível encontrar ainda três
subunidades: v.35-36 + v.36 e v.38-40. A última subunidade, v.38-40, em seu início (“eis que
dias virão”) é muito parecida literariamente com v.27-28 e v.31-34. Os ditos dos v.35-36 e
v.37 são bem parecidos, na linguagem e no conteúdo (inviolabilidade da promessa divina).
Por outro lado, os v.38-40 carregam significativas diferenças em seus conteúdos teológicos.
Pois, nessa pequena unidade, pela primeira vez desde 30,1, menciona-se a reconstrução de
Jerusalém.

Portanto, por uma primeira leitura em Jr 30-31, e mediante critérios de formalidade


literária e de conteúdo, é possível constatar que esses dois capítulos formam uma grande
unidade literária no livro de Jeremias. Trata-se de uma composição de pequenos trechos
literários. Poderíamos designá-la de panfleto.394 A textualidade jeremiana é fruto de
articulações. Pode-se perceber que as inserções no texto foram construindo os significados,
integrando sentidos às perícopes, as quais, através de um processo redacional, foram
recebendo novos contornos teológicos pela aproximação com outras afirmativas. Certamente
Jr 30-31 surgiu numa coletividade social.

É preciso fazer ainda outra constatação. Jeremias 30-31 refere-se tanto a Israel (Norte)
quanto à Judá (Sul). William L. Holladay observa algumas estrofes alusivas ao norte, que
possivelmente foram organizadas por Jeremias e aplicadas a Judá. Holladay identifica sete

394
Para uma definição de “panfleto”, veja Milton Schwantes, A terra não pode suportar suas palavras –
Reflexão e estudo sobre Amós, São Paulo, Paulinas, 2004, p.147-150 (Coleção Bíblia e história); Carlos Mário
Vásquez Gutiérrez, Dito, panfleto e memória – Uma abordagem a partir de Amós 3-6, São Bernardo do Campo,
Universidade Metodista de São Paulo, 2002, 231p. (tese de doutorado)
74

estrofes395: (1) 30,5-7; (2) 30,12-15; (3) 30,18-21 + 31b; (4) 31,2-6 = 9b; (5) 31,15-17; (6)
31,18-20; e (7) 31,21-22. Assim, esses trechos referentes a Israel/Norte secundariamente
foram deslocados e aplicados a Judá/Sul.396

2.2.3 – As perícopes analisadas na presente tese

Não foi possível analisar todas as perícopes de Jr 30-31, pois isso alargaria bastante a
presente tese e fugiria ao seu real propósito. Portanto, analisar-se-ão somente aquelas
subunidades que realçam a relação de Jeremias com as lutas sociais do seu tempo, a saber: Jr
30,1-3; 30,4-7; 30,10-11; 30,12-17; 30,18-21; 31,2-6; 31,7-9; 31,10-14; 31,15-22; 31,31-34.

2.3 – Contexto Histórico da atuação de Jeremias

A data do início do ministério de Jeremias é 627 a.C., “no décimo terceiro ano” do rei
Josias (Jr 1,2; cf. 3,6; 25,3). A Assíria ainda exercia o seu poderio militar sobre a Palestina
(2,18),397 ainda que o ano da vocação de Jeremias tenha coincidido com a morte do último
dos grandes monarcas assírios, Assurbanipal. Por isso, não é nenhum fascínio acreditar que
Jeremias, oriundo da terra de Benjamim (Jr 1,1), portanto com fortes vínculos com o
Israel/Norte, desenvolveu um ministério junto às populações nortistas que em 722 a.C.
tinham sido severamente atingidas pelo poderio assírio (Jr 3,12a).

De acordo com Jr 36, no ano 605 a.C. Jeremias ditou para Baruque os oráculos que Javé
tinha lhe dirigido desde 627 a.C. A atuação de Jeremias estendeu-se até julho de 587 a.C.(Jr
1,2-3).
Os inícios do ministério de Jeremias têm como pano de fundo a ascensão dos medos
contra o império assírio e a aparição dos citas na região costeira da Síria-Palestina398 como
aliados da Assíria, contra os quais os medos tiveram que lutar. Quando os medos estavam

395
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.156-159.
396
Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.188.
397
Outros entendem que o início do ministério de Jeremias deve ser datado no ano de 609 a.C, e 627 a.C. seria o
ano do seu nascimento. Veja J. Asurmendi, “Os Profetas do Século VII”, em Os Profetas e os Livros Proféticos,
São Paulo, Edições Paulinas, 1992, p.194ss. Para uma melhor compreensão cronológica do livro de Jeremais,
veja A.R. Green, “The cronology of the last days of Judah – The apparent discrepancies”, em Journal of Biblical
Literature, Philadelphia, The Society of Biblical Literature and Exegesis, vol.101, 1982, p.57-73.
398
Sobre a dominação dos citas na Ásia, conferir R. P. Vaggione, “Over all Ásia? The Extent of the Scythians
Dominion in Herodotus”, em Journal of Biblical Literature, Philadelphia, The Society of Biblical Literature and
Exegesis, vol.92, 1973, p.525-530; Asurmendi, J., “Os Profetas do Século VII”, p.194.
75

prontos para conquistar Nínive, tiveram que investir forças contra os bárbaros citas provindos
do sul da Europa. E por fim, os medos extinguiram a ameaça cita, e finalmente conquistaram
a Assíria em 612 a.C.

O declínio da Assíria, a partir de 627 a.C., motivou o rei Josias a elevar Judá entre as
grandes nações do antigo oriente Médio. O acontecimento mais marcante na época de Josias,
sem dúvida, foi a reforma deuteronômica (confira 2Rs 22 - 23). É difícil saber se Jeremias
participou desse movimento. O profeta não menciona a reforma no seu livro, o que pode
sugerir que ele aprovou-a tacitamente. Ou, tal omissão é um sinal de desprezo à reforma.
Para Skinner, Jeremias inicialmente teria apoiado a reforma josiânica, mas depois, ao
contemplar seus deslizes, questionou o movimento.399

Fato é que a reforma se desintegrou em 609 a.C., quando Josias, lutando contra a
aliança entre Egito e Assíria, morreu em confronto com o faraó Neco.

Um dos filhos de Josias, Joacaz, reinou somente três meses, e foi destronado pelos
egípcios, que colocaram outro filho de Josias no trono de Judá, Jeoaquim (609 – 597 a. C.).
Com certa obviedade, este monarca esteve submetido ao Egito, e repassava aos egípcios
grandes contingentes de tributos retirados da população empobrecida de Judá. Essa política
pró-Egito foi severamente criticada por Jeremias (Jr 2,18.36-37; 37,7). A derrota egípcia em
Carquêmis (605 aproximadamente) pela Babilônia selou a falência da campanha pró-egípcia.

A Babilônia assenhorou-se da Palestina, a partir de 605 a.C. Em 597 a.C. Joaquim


assumiu o trono de Judá. Mas reinou somente três meses, pois nesse mesmo ano os
babilônicos sitiaram Jerusalém, e levaram Joaquim e a elite jerusalemita para a Babilônia, e
tornaram Zedequias (597-587 a.C) rei de Judá. Em 594 algumas tensões pairaram sob o
império Babilônico. A subida de um novo faraó no Egito anunciava uma esperança da queda
dos babilônicos. A crise fez surgir uma tensão dentro do profetismo, na questão da veracidade
do profeta: alguns profetas motivaram Zedequias a se rebelar contra a Babilônia, enquanto
Jeremias sabiamente alertou sobre o poderio babilônico, afirmando que a força deste império
não poderia ser batida por qualquer aliado. A única saída, segundo Jeremias, era a submissão
à Babilônia (Jr 38,17-18). Entretanto, Zedequias se rebelou contra os caldeus, o que causou a
destruição de Jerusalém em agosto de 587 a.C.

399
John Skinner, Jeremias – Profecia e Religião, traduzido por Rubem Alves, São Paulo, Aste, 1996, p.136-137.
76

Parece evidente que, nesse cenário histórico, a escrita do texto de Jeremias não
aconteceu numa só vez. É possível afirmar que os escritos jeremianos circulavam livremente
antes de serem reunidos num conjunto maior. Isso pode ser deduzido de Jr 36. O rolo
mencionado em Jr 36 continha essencialmente anúncios de juízo, e foi queimado pelo rei
Jeoaquim. Posteriormente outro rolo foi escrito. De acordo com 36,32, “muitas outras
palavras como estas” foram acrescidas, ou seja, outros oráculos de juízos foram editados por
Baruque após a destruição do primeiro rolo. Através de Jr 36, pelo menos duas informações
sobressaem-se. Primeira: o rolo citado por Jr 36 não pode ser relacionado com o Livro da
Consolação (Jr 30-31), uma vez que aquele rolo continha somente palavras de juízo. Portanto,
é possível supor que vários textos de Jeremias, originalmente independentes, foram reunidos
posteriormente num corpo literário maior, formando assim o “livro” de Jeremias. Segunda: o
texto jeremiano foi reelaborado. Novos trechos foram acrescentados. O mesmo há de ser dito
sobre Jr 30-31. Na datação do texto, a ser averiguada a partir deste momento, é possível
perceber esse processo de escrita.

2.4 – Análise da Forma e do Lugar de Jr 30-31

2.4.1 – Jr 30,1-3

A Forma

Jr 30,1-3 possui coesão interna. Nota-se uma semelhança literária entre a frase do v.2a e
a do v.1. Ambas encerram-se com o infinitivo construto rmoale le’mor “para dizer”, que

aponta um conteúdo a ser expresso sequencialmente no texto. No v.2b, identifica-se outra


frase: “Escreve para ti todas as palavras que falei para ti, num livro”. Por essa frase, somos
arremessados ao v.1, à “palavra” anunciada lá. As “palavras” do v.2b são “a palavra” do v.1.

O v.3 apresenta outra introdução: “porque dias virão, oráculo de Javé”. Nos textos
proféticos, a expressão “porque dias virão” caracteristicamente demarca um novo trecho
literário. É o que acontece também aqui, em Jr 30-31 (veja 31,29-30; 31,31-34 e 31,38-40).
Este v.3 está conectado com os v.1-2 pela forma verbal rm;a' ’amar “dizer”. Isso porque a

expressão “diz Javé” aparece nesse v.3. Ademais, na própria introdução do v.3, percebe-se a
origem divina da fala, pela expressão “dito de Javé”. Certamente o v.3 há de ser entendido
como conteúdo da “palavra” dos v.1-2. No v.3 está o que Javé falou.
77

O v.4 volta a se referir às “palavras”. Mas este verso inicia outra subunidade literária,
como já foi demonstrado na delimitação das perícopes.

Portanto, há uma notável coesão interna em Jr 30,1-3. Mas, quanto ao estilo, observa-se
uma mescla entre prosa e poesia. A repetição de frases e ideias, que se constitui como
característica básica da poesia hebraica400, só pode ser percebida no v.3. Após a introdução
(“Por que dias virão, oráculo de Javé”), leem-se três frases, advindas da boca de Javé:

eu reverterei a prisão do meu povo Israel e de Judá, diz Javé,

e eu os farei retornar à terra que dei para os pais deles,

e a possuirão.

Na primeira frase, a temática é a reversão da prisão. A segunda frase apresenta a


temática da “terra”. A terceira frase, por sua vez, continua a temática da segunda: é a posse da
terra. Parece que essa última frase é um ponto culminante. Diferente das duas frases
anteriores, onde Javé era o sujeito das frases, essa terceira frase tem o “povo” como sujeito do
verbo.

Nos v.1-2 a repetição está ausente. O texto é prosaico. Portanto, pode-se afirmar que o
estilo de Jr 30,1-3 é tanto prosaico como poético. Esta constatação é muito importante para a
pesquisa no livro de Jeremias. Pois, conforme observado no capítulo 1 desta tese, uma das
afirmativas essenciais da escola europeia de interpretação de Jeremias afirma a dicotomia
entre trechos poéticos e prosaicos. Na perspectiva dessa escola, os trechos poéticos devem ser
considerados como ‘originais’, atribuídos a Jeremias, enquanto que as partes prosaicas
supostamente vieram dos redatores deuteronomistas.

Não é fácil definir o gênero de Jr 30,1-3. O v.1 demarca o início do Livro da


Consolação. Pode-se afirmar que 30,1 é o título de todo o conjunto composto por Jr 30-31. O
v.2a é o dito do mensageiro. É costumeiramente designado pela crítica das formas como a
“fórmula do mensageiro”. O v.2b é um imperativo para que Jeremias escrevesse as palavras
de Javé. É uma nota explicativa da origem de todo o conjunto que segue, a saber, Jr 30-31, o
Livro da Consolação. O v.3 é um oráculo de salvação, um dito de Javé, que expressa consolo
para aqueles que estão longe da terra prometida.

400
Veja Milton Schwantes, Sentenças e Provérbios – Sugestões para a interpretação da Sabedoria, São
Leopoldo, Oikos, p.171-179; Pedro Julio Triana Fernández, Caminhar para a esperança – Uma leitura de Joel
3,1-5, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 1994, p.127-132 (dissertação de
mestrado).
78

O Lugar

Vários autores/redatores contribuíram para composição de Jr 30,1-3. As duas


introduções (v.1 e v.2a) denotam a coletividade de autores. O v.1 possivelmente foi escrito
pelos colecionadores do livro de Jeremias. O texto faz referência à “palavra que aconteceu
para Jeremias”. Essa expressão também consta na introdução de outras mensagens
jeremianas: 1,1; 2,1; 7,1; 11,1; 21,1; 25,1; 26,1; 33,1; 34,1; 35,1; 36,1; 46,1. O v.2
provavelmente foi escrito por Baruque, secretário de Jeremias. Embora a ordem da escrita do
rp,se seper “livro” seja endereçada a Jeremias, provavelmente o profeta desconhecia a arte da
escrita, e Baruque redigia seus textos (Jr 36).

Jr 30,1-3 é deutoronomista? Ou é de Jeremias? Se o texto for deuteronomista, a


mensagem nele contida deve ser interpretada como um convite para que os exilados na
Babilônia retornassem para a terra de Judá. O problema para essa interpretação é a menção
“do meu povo Israel”. Ora, somente o Reino do Sul (Judá) foi atingindo pelo exílio
babilônico.401 Considera-se ainda que Jeremias era de Benjamim, e essa região mantinha
fortes laços com as populações do Norte, o antigo “Israel”. Não há razão, pois, para que o
texto de Jeremias proponha a volta de somente um exílio, aquele que atingiu Judá no século 6
a.C., já que o “Israel” (Norte) é mencionado no texto, e ele não foi transportado para a
Babilônia. Por isso, a presente tese segue a proposta da BHS, que em seu aparato crítico
considera “Judá” como adição402 (contudo, a presente tese considera que essa adição
provavelmente ocorreu na época do próprio Jeremias). Pode-se levantar então a suspeita de
que as primeiras palavras salvíficas de Jeremias foram dirigidas ao Israel/Norte, antes de
serem aplicadas à Judá num contexto posterior. Constata-se ainda que “Jacó/Israel” inúmeras
vezes é mencionado em Jr 30-31 à moda dos profetas nortistas Oseias e Amós, sem qualquer
relação com Judá (30,18; 31,2-5.18-20).

É possível concluir que o dito de Jr 30,3 não somente pode ser atribuído a Jeremias,
como também evoca sua atuação junto às populações do Norte da Palestina (“meu povo
Israel”). Isso pode ser comprovado pela análise da tradição subjacente ao texto. Estamos
diante da tradição da terra prometida, especialmente relacionada à promessa aos patriarcas.
Sabe-se que a tomada da terra prometida é uma tradição benjamita 403, provavelmente

401
William MacKane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.751.
402
Também Rudolph e Weiser. Contra Duhm, Bright e Carrol.
403
Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, volumes 1 e 2, 2ª edição, tradução de Francisco Catão, São
Paulo, ASTE/TARGUMIM, 2006, p.295.
79

celebrada numa festa em Gilgal404. Com isso é possível deduzir que o dito jeremiano
primeiramente foi dirigido às populações nortistas, que desde o ataque assírio de 722 a.C.
viviam afastadas da Palestina, sendo depois aplicado a Judá, nos anos imediatamente
posteriores ao exílio babilônico. Portanto, a escrita do dito não aconteceu em uma única vez.
Existem pelo menos duas redações.

A segunda redação provavelmente ocorreu por volta de 587 a.C. William L. Holladay
sugere o momento próximo da queda de Jerusalém, quando Jeremias estava preso do pátio da
guarda (32,2; 37,15).405 Baruque tinha acesso ao profeta (32,12), e é possível, conforme
afirma Holladay, que Jeremias ditou ao seu amigo as palavras do rp,se seper “livro” (Jr 30,2).
Entretanto, a sugestão da presente tese é que o texto, já com a adição “Judá”, localiza-se de
fato em 587 a.C., não nos momentos anteriores à queda do Estado de Judá, mas nos
momentos imediatamente posteriores. Aventa-se a possibilidade de datar a composição final
de 30,3 no cenário descrito em Jr 39-40, quando o Estado judaíta sucumbiu ao ataque da
Babilônia. Jeremias e seu grupo viram nessa ruína a possibilidade dos pobres da terra
retomarem o direito sobre a produção dos produtos da terra. Pois a monarquia judaíta, à
semelhança do Reino do Norte, extorquia os bens dos camponeses. 406 Entretanto, no cenário
exílico, a colheita volta a ser abundante (veja Jr 40,12!). Para Jeremias, era o início de uma
nova história para aqueles camponeses empobrecidos. É nesse chão que surge a promessa
contida em Jr 30,3.

2.4.2 – Jr 30,4-7

A Forma
A coesão interna de Jr 30,4-7 não é facilmente percebida. Há duas introduções: o v.4 e
o 5a (‘o dito do mensageiro’). No v.5a a raiz verbal rm;a' ’amar qal perfeito “dizer” tem Javé

como sujeito. Contudo, na primeira frase do v.5b, o sujeito é expresso pela raiz [m;v' xama‘

qal perfeito “ouvir”, na primeira pessoa plural (“nós ouvimos”). O v.6, por sua vez, inicia-se

404
Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, p.291. Observando as diferentes concepções teológicas
sobre a conquista da terra prometida, von Rad interpreta tradição benjamita como inserida numa expressão
cúltica que celebrava Javé como doador da terra; esta tradição, segundo o pesquisador alemão, diferenciava-se da
ideia predominante nas fontes do “Hexateuco” indicadora da promessa da terra aos patriarcas.
405
William L Holladay, Jeremiah 2, p.171.
406
Haroldo Reimer, “Sobre economia no antigo Israel e no espelho da Bíblia hebraica”, em Ivoni Richter Reimer
(editora), Economia no mundo bíblico – Enfoques sociais, históricos e teológicos, São Leopoldo, Sinodal/CEBI,
2006, p.14.
80

com outra conjugação verbal. Trata-se de dois verbos imperativos plurais: Wla]v; xa’alu

“perguntai” e War> re’u “vede”. O tom interrogatório das três primeiras frases do v.6 persiste

na sequência, no v.6b, já que a primeira frase deste v.6b inicia-se pelo advérbio [;WDm;
maddu‘a “por que?”. Mas o verbo ha'r ra’ah qal perfeito está na primeira pessoa singular
(“eu vejo”). O v.6c, que é a última frase do v.6, apresenta o sujeito “faces”, tendo o verbo
%p;x' hapak perfeito “transformar” no passivo (nifal). Assim, os v.5-6 apresenta a seguinte

sequência verbal:
V 5: qal perfeito terceira pessoa: dito do mensageiro (“assim diz Javé”).
V.5b: verbo qal perfeito primeira pessoa plural: “nós ouvimos”.
V.6a: dois verbos no imperativo plural: “perguntai” e “vede”.
V.6b: verbo qal perfeito primeira pessoal singular: “eu vejo”.
V.6c: verbo nifal perfeito: “transformaram-se” ou “foram transformadas”.

O v.6 é coeso, no aspecto formal. Pois aquilo que o interlocutor imaginário é arguido a
ver (“vede”), ele, o autor do texto, vê: “eu vejo”. O v.6c é a constatação de que aquilo que o
autor vê (macho/homem forte transformando-se em parturiente) é uma realidade.
O v.7 inicia-se com um yAh hoy “ai”. Na sequência, leem-se três frases nominais

referentes à ruína (“aquele dia”, o “tempo de angústia para Jacó”). A última frase, por seu
turno, apresenta a raiz verbal [v;y yaxa’ nifal imperfeito “salvar”. Esta última frase

demonstra correspondência em relação às demais, principalmente em relação a anterior, já


que o elemento “Jacó” aparece implicitamente nela, pois ele, Jacó, seria libertado “dela”
(hN"M,mi mimmennah), da “angústia” (hr'c' sarah) mencionada na frase anterior.

Mas é difícil saber o sujeito do anúncio do v.7. Seria Javé (v.5a)? Seria uma
coletividade (“nós”, v.5b)? Seria um indivíduo (“eu vejo”, v.6b)? Pode-se inferir que a
interação entre as ‘pessoas’ sustenta a suposição de que a voz profética surge numa
coletividade social. Tanto a coletividade do v.5 quanto a individualidade do v.6 tendem ao
yAh hoy “ai!” do v.7. Mas, no atual contexto redacional, considerando os v.5-7 com a

‘fórmula do mensageiro’ (v.5a), e observando ainda o v.4, infere-se que a promessa do final
81

do v.7 provém do próprio Javé.407 “O profeta Jeremias poderia dar esta segurança somente no
contexto de um oráculo”. 408
A partir desta última suposição, pode-se manter a coesão dos v.4-7, a despeito de suas
diferenças formais.
Quanto ao estilo, Jr 30,5-7 é poesia, apesar de apresentar traços prosaicos. O v.5b é
poético. Leem-se três sentenças:
Um som de tremor ouvimos,
um terror,
e não existe paz

A segunda sentença, dx;P; pahad “um terror/tremor”, repete a ideia da primeira frase,

onde lê-se sobre o hd'r'x] haradah “tremor”. Mas a terceira frase inova. Pois as duas

primeiras dizem o que há (dx;P; pahad e hd'r'x] haradah). A terceira diz o que não há:

~Alv' xalom “paz”.


O v.6 é parcialmente poético. A repetição pode ser encontrada no início deste verso, na
interpelação aos interlocutores:
Perguntai urgentemente,
e vede

O restante do v.6 é prosa. A repetição de frases e ideias está ausente.


O v.7 é poesia. Após o yAh hoy “ai” inicial, observam-se quatro frases:

Porque grande (será) aquele dia,


e não (haverá) outro como ele,
e (será) um tempo de angústia aquele para Jacó,
mas dela será salvo.

Portanto, há uma mescla entre poesia e prosa, em Jr 30,4-7. Nota-se a seguinte variação
de estilo:
Poesia: v.5b-v.6a
Prosa: última frase do v.6a até o v.6c

407
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.756-757.
408
“The prophet Jeremiah could have this assurance only in the context of an oracle.” William Mckane, A
Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.757.
82

Poesia: v.7.

A estrutura de Jr 30,5-7 pode ser esboçada da seguinte maneira:


V.5: a angústia de Jacó.
V.6: a imagem da parturiente.
V.7: o dia da ruína.

Quanto ao gênero, Jr 30,5-7 é oráculo de lamentação409, havendo, contudo,


significativas diferenças entre esses versos: o v.5 é uma audição; o v. 6 é uma visão (v.6); e o
v.7 é um yAh hoy “ai!”410, um lamento fúnebre. Percebe-se que a lamentação é tanto coletiva
(“nós ouvimos”, v.5) como individual (“vejo”, v.6).411

O Lugar
A autoria de Jr 30,4-7 é bastante discutida pelos pesquisadores. O v.4 é uma introdução.
Para Kilpp, os v.5-6 seriam um anúncio de juízo de Jeremias dirigido a Jerusalém, enquanto
que o v. 7 constituiria uma expansão interpretativa da ruína declarada nos v.5-6.412 Segundo
Kilpp, em Jr 30,5-6 prevalecem os complementos verbais, e o v.7 é composto por
complementos nominais. A reflexão do v.7 não se ajusta no contexto da audição e visão
proféticas encontradas nos v.5-6. A expressão WhmoK' !yIam; e me’ayin kamohu “não haverá

como ele” (v.7) não se encontra em Jeremias. De acordo com Kilpp, o ~wOy yom “dia” não

409
Para Bob Becking, o v.7 não tem a forma de um oráculo de lamentação. “The accusation (Anklage) is
missing. Merely the element of announcement (Ankündigung) could be seen in vs. 7.” Bob Becking, Between
Fear and Freedom, p.148. Veja também Claus Westermann, Grundformen Prophetischer Rede, Muenchen,
Kaiser Verlag, 1960, p.136-140 (Beiträge zur evangelischen Theologie; 31). No entanto, a presente tese segue a
proposta de Nelson Kilpp: os v.5-7 são um anúncio de ruína e simultaneamente um lamento em razão de uma
angústia experimentada por aquele que profere o texto. Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p. 111.
410
yAhhoy é uma interjeição: “ai”, “ferida”. Palavra derivada de cantos fúnebres. Ludwig Koehler e Walter
Baumgartner, Hebräisches und aramäisches Lexicon/HAL, vol.1, 1967, p.232ab. Essa palavra ajusta-se muito
bem no contexto do v.5, não havendo, pois, necessidade de seguirmos a LXX, que traduziu evgenh,qh “tornou-se”,
sugerindo a retroversão para o hebraico hyh' hayah “tornar/acontecer”. Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.190, e
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.140 seguem a LXX. No entanto, a tradução do TM é apoiada pela Vulgata
(Vae!) e Peschitta (hy).
411
É preciso seguir parcialmente a emenda aventada pela crítica textual: de fato, a expressão inicial do v.5 “pois
assim diz Javé” é uma adição posterior (conforme o aparato crítico da BHS), pois não coaduna-se com a terceira
plural do verbo [m;v' xama‘ qal perfeito “ouvir” e com a primeira pessoa do verbo ha'r ra’ah “ver” no v.6.
Excetuando-se essa emenda, a presente tese sustenta a manutenção da conjugação verbal do TM, não seguindo,
pois, a tradução da LXX, avkou,sesqe, na segunda pessoa do plural, nem a proposta da BHS, yt[mv primeira
pessoa, para concordar com ytyar “eu vejo” do v.6. Contra Rudolph; Weiser. Veja Nelson Kilpp, Niederreissen
und Aufbauen, p.107, nota 2.
412
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.109-110.
83

parece ser aplicado a 587 a.C., mas ajusta-se numa comparação hiperbólica com outro estágio
do juízo, à semelhança da linguagem encontrada no pós-exílio, como em Jl 2,2. Contudo,
pode-se indagar se “aquele dia” em Jr 30,7 não seria uma alusão específica ao cenário dos
v.5-6. Ademais, Jl 2,2 apresenta uma linguagem diferente de Jr 30,5-7.
De acordo com as constatações de Herrmann, Jeremias só pregou palavras de salvação
para alguns indivíduos (cf. Jr 1,8.19; 15,20), e não para Judá ou Israel.413 Portanto, para
Herrmann, o conceito de “dia de Javé” proponente de salvação para Israel anunciada em Jr
30,7 não poderia provir de Jeremias. Também Holladay afirma que a palavra de salvação em
Jr 30,7 é mera ironia, e na verdade o texto é uma terrível visão de julgamento.414
Böhmer defende que a imagem desenvolvida em Jr 30,5-7, que vincula a
parturiente/transformação dos rostos com o dia de Javé, pode ser encontrada somente em Is
13,8 e Jl 2,6, e sugere que o texto de Jeremias seja dependente de Is 13,8.415 A possibilidade
de salvação no dia de Javé é encontrada somente em Ob 17 e Zc 14,2. Esses três elementos
(imagem da parturiente; transformação dos rostos; salvação no dia de Javé) encontram-se em
Jr 30,5-7. Portanto, para Böhmer, esses versos de Jeremias foram escritos depois de 587, e
originam-se nas expectativas de salvação relacionadas ao pós-exílio.
Ainda muitos outros pesquisadores situam a origem de Jr 30,5-7 no período pós-
jeremiano do exílio ou do pós-exílico, pertencendo ao gênero escatológico.416

A presente tese referencia-se parcialmente na pesquisa de Bob Becking, o qual, embora


desacreditando da autoria jeremiana de Jr 30,5-7, demonstrou a existência de inúmeros textos
do Antigo Oriente Médio que se referiam a anomalias ou a mudanças de elementos,
sugestivos de uma imagem parecida como esta encontrada em Jr 30,6.417 Normalmente são
textos 'proféticos', onde os deuses prometiam transformar os homens em mulheres e os ricos
em pobres/pobres em ricos. Também, já no século 8 a.C., havia cláusulas contratuais entre
suseranos e vassalos, nas quais os vassalos são intimidados a obedecer ao suserano sob pena

413
Siegfried Herrmann, “Die Heilserwartungen im Jeremiabuch”, em Die prophetischen Heilserwartungen im
Alten Testament – Ursprung und Gestaltwande, Stuttgart, Kohlhammer, 1965, p.217s., 222, 2225s. (BWANT 5
F., H.5).
414
William Holladay, “Style, Irony, and Authenticity in Jeremiah”, em Journal of Biblical Literature,
Philadelphia, The Society of Biblical Literature and Exegesis, vol.81, 1962, p.44-54; William Holladay,
Jeremiah 2, p.172-173.
415
Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund - Studien zu Jeremia 30-31, Göttingen, Vandenhoeck &
Ruprecht, 1976, p.58-59 (Göttinger Theologische Arbeiten; 5).
416
Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.189-190; William William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on
Jeremiah, p.759-760. Sobre os v.5-7, veja ainda Ulrich Schröter, “Jeremias Botschaftfür das Nordreich – Zu N.
Lohfinks Überlegungen zum Grundbestandvon Jeremia xxx–xxxi”, em Vetus Testamentum, Leiden, E. J. Brill,
vol.35, nº03, 1985, p.323.
417
Bob Becking, Between Fear and Freedom. p.142-148.
84

de se tornarem mulheres, ou seja, desprovidos de qualquer tipo de poder/força.418 Portanto, a


imagem de valentões tornando-se como mulheres já era comum no cenário de Jeremias, e
pode-se aventar a hipótese de que, por ocasião do enfraquecimento do poderio assírio sobre a
Palestina, a partir de 627 a.C., a imagem usada pelos poderosos para intimidar os mais fracos
foi usada amplamente por Jeremias, principalmente para ironizar o poder bélico da monarquia
de Judá (Jr 4,29-31; 6,22-26; 13,20-22; 22,20-23).

É preciso ainda fazer outra constatação. Dos quatro textos referentes à imagem de uma
parturiente para descrever o enfraquecimento do exército/poderes governamentais (Jr 4,29-31;
6,22-26; 13,20-22; 22,20-23), três aparecem no contexto de lamentação, do mesmo modo que
Jr 30,5-7. Em Jr 4,31, encontra-se um cântico fúnebre: yli an"-yAa ’oy-na’ li “ai de mim”419.
A imagem da parturiente de Jr 6,24 é seguida por um convite à “lamentação” (dP;s.mi

misppad, 6,26). No contexto de Jr 22,23, a lamentação é mencionada (22,18: dp;s' sapad qal
imperfeito “lamentar”, e yAh hoy “ai”), embora o foco seja a sua ausência - o esvanecimento

da glória pessoal do rei de Judá. Por estas observações, pode-se arguir a favor da unidade
literária de Jr 30,5-7 indicadora da autoria jeremiana. Jr 30,7 também é uma palavra de
lamentação vinculada à imagem da parturiente (v.6), relacionada a uma situação de morte e
desespero (v.5). Assim, o “tremor” (hd'r'x] haradah) e o “terror” (dx;P; pahad) referidos no

v.5 podem ser compreendidos como uma memória das aniquilações causadas pelas grandes
potências nos pequenos países do corredor sírio-palestino, desde o século 7 a.C. (assírios) até
século 6 a.C. (babilônicos). Essa memória expandiu-se grandemente com a desmilitarização
de Judá pelos babilônicos nos inícios do século 6 a.C. A presente tese supõe que “aquele dia”
(dia do juízo, v.7) situa-se especialmente nesse cenário histórico.

418
Veja em especial Bob Becking, Between Fear and Freedom. p.144. No caso, Becking cita um tratado assírio
do século 8a.C., quando Ashur-nirari V (755-745 a.C.) requereu de Mati’-ilu o cumprimento de um tratado
mediante o pagamento de tributos; em caso de descumprimento do regulamento, o rei assírio prometeu
transformar Mati’-ilu e seus soldados em mulheres.
419
Há, no Antigo Testamento, diferenças formais entre yAh hoy e yAa
‘oy. A palavra yAh
hoy é uma interjeição
que ocorre no início de cantos fúnebres e nas introduções de declarações proféticas de desgraças. Já o termo yAa
‘oy sempre se refere a um grupo concreto de pessoas, pois é acompanhado por pronomes pessoais e/ou pela
preposição l. le “para” (como é o caso de Jr 4,31, cuja tradução literal é “ai para mim”). Ernst Jenni, artigo hoy
“ay”, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario teológico– Manual del Antiguo Testamento,
Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.1, 1978, col. 668-670. Contudo, yAh yAa
hoy e ‘oy têm um sentido similar,
em Jr 30,7 e 4,31: Jr 30,5-6 pressupõe uma situação terrível de morte, podendo o yAh hoy do v.7 ser facilmente
aplicado àquela situação; o yAa ‘oy de Jr 4,31 também aplica-se a uma situação que envolve morte, pois aquele
que lamenta é ameaçado por “assassinos”.
85

O lugar vivencial de Jr 30,5-7 pode ser o culto, no contexto das lamentações (2Cr
35.25). Existe uma coletividade, uma comunidade (veja o plural: “nós ouvimos”, v.5), e
alguém que conduz a fala (veja o singular: “eu vejo”, v.6). No entanto, a lamentação é
entoada no contexto bélico. Há medo e “não existe paz” (v.5b). O “homem forte” (rb,G< geber)

tem sua face empalidecida, pela chegada de um exército estrangeiro (v.6). É um “tempo de
angústia” (v.7). Considerando a menção de “Jacó”, que evoca o Israel/Norte, é possível
afirmar a existência de uma antiga memória da invasão assíria sobre a Palestina, no século 8
a.C. As terras do Norte conheceram o terror dos exércitos assírios; ainda pode-se ouvir o som
da “bota que pisa ruidosamente no chão” (Is 9,4) que tanto intimidou as populações nortistas,
como se nota no texto isaiano do século 8 a.C. (Is 8,23, 9,1-4). Pode-se aventar que as
populações nortistas migraram para Judá depois da queda do reino do Norte, e lá, no Sul,
guardavam suas memórias e tradições.
Por outro lado, situando Jr 30,5-7 no contexto do profeta Jeremias, pode-se afirmar que
esses versos cantam/lamentam a chegada de outro poderio estrangeiro: a Babilônia. Nesse
cenário, quando os exércitos caldeus arrasaram Jerusalém (587 a.C.), Jeremias e sua
comunidade, valendo-se das memórias nortistas, entoaram um cântico fúnebre a respeito da
‘morte’ do Estado de Judá.

2.4.3 – Jr 30,8-9

A Forma

A coesão interna de Jr 30,8-9 pode ser observada pelo uso da raiz verbal db;[' ‘abad

“servir”, em ambos os versos. Há um tema comum que perpassa esses dois versos, qual seja, a
libertação do “jugo”/ “cadeias” dos “estrangeiros” (v.8) e o soerguimento de novo Davi (v.9).

O estilo de Jr 30,8-9 é prosaico. Contudo, notam-se repetições, o que concede certo tom
poético à perícope. No v.8, duas frases relacionadas na forma de quiasmo:

A B
Quebrarei o jugo dele de sobre o teu pescoço,
B A
e tuas cadeias eu romperei.
86

As duas primeiras frases do v.9 estão unidas pelo verbo db;[' ‘abad qal consecutivo

perfeito “servir”:
E servirão a Javé, o Deus deles,
e a Davi, o rei deles

A segunda frase é nominal, mas o verbo db;[' ‘abad está implícito. Outro elemento que

une as duas frases é o sufixo na terceira pessoa do masculino “deles”: “o Deus deles” / “o rei
deles”.
Quanto ao gênero, Jr 30,8-9 pode ser classificado como uma proclamação de
salvação.420

O Lugar

Jr 30,8-9 descreve uma expectativa messiânica relacionada com a descendência de


Davi, que pode ser atribuída a Jeremias, escrita no final dos tempos da monarquia de Judá. A
presente tese sugere que o lugar histórico de Jr 30,8-9 é o mesmo de Jr 23,5-6. Ambos
anunciam o surgimento do novo “Davi”.

Atentemo-nos para Jr 23,5-6:

5
Eis,

dias chegando, dito de Javé,

e erguerei para Davi um rebento justo,

e reinará um rei,

e agirá sabiamente421 e executará direito e justiça na terra.

6
Em seus dias,

será salvo422 Judá,

e Israel habitará423 em segurança,

420
Wiliam Holladay, Jeremiah 2, p.170.
421
I lk;v'
xakal hifil imperfeito “agir sabiamente/adequadamente”, veja Wilhelm Gesenius, Hebräisches und
aramäisches Handwörterbuch über das Alte Testament, Heidelberg, Springer, 17ª edição, 1962, p.786a.
422
[v;y
yaxa‘ nifal imperfeito “ser salvo”, “receber ajuda”.
87

e este [é] seu nome pelo qual o chamarão:

“Javé nossa justiça”.

Jr 23,4-5 é uma perícope424 situada num trecho literário maior, composto por Jr 21,1-
23,8, designado de “livro sobre os reis”425. Trata-se de um livreto que apresenta críticas e
ameaças aos últimos reis de Judá. Inicialmente, Zedequias, o último rei, é mencionado (21,1-
22,9). Depois, apresenta-se Salum, que governou brevemente entre Josias e Jeoaquim (22,10-
12). Na sequencia, o texto diz respeito a Jeoaquim, que durante o seus dez anos de governo se
opôs à mensagem de Jeremias (22,13-23), e, finalmente, Jeconias/Joaquim, deportado em 597
a.C. para a Babilônia (22,24-30). Desse modo, os últimos reis de Judá são mencionados,
cronologicamente na ordem inversa. Em Jr 23,1-8, no entanto, o texto volta a referir-se a
Zedequias, embora a atenção esteja muito mais voltada para as esperanças do exílio,
certamente propostas para as comunidades da diáspora judaica. No entanto, é preciso
considerar que, embora Jr 23,1-8 apresente os horizontes do pós-exílio, os v.5-6 realçam
muito mais a perspectiva daqueles que permaneceram na terra de Judá426, e constituem um
fragmento jeremiano com o horizonte pré-exílico. Acontece que a promessa de Jr 23,5-6 pode
ser localizada historicamente no final do período da monarquia de Judá, no início do 6 º
século.427 Isso porque o v.6 faz referência ao último rei de Jerusalém, Zedequias (597-587
a.C.), através da expressão Wnqed>ci sidqenu “nossa justiça” (v.6), que, etimologicamente

relaciona-se com WhY"qid>ci sidqiyahu “Zedequias”, cujo sentido é “Javé é justo”. O contexto

de Jr 23,5-6 é aquele narrado nos caps. 37-45 de Jeremias, ou seja, os anos e meses finais da
monarquia judaíta. Portanto, justamente quando a monarquia de Judá desfalecia, “Javé nossa
justiça” promete a vinda de um novo Davi, que, diferentemente do último rei judaíta
(Zedequias), praticaria a justiça sobre a terra.

Pode-se afirmar mais uma vez, agora pela análise conjunta de Jr 30,8-9 e 23,4-5, que
Jeremias era um benjamita enraizado nas tradições judaítas/sul e israelitas/norte, e acreditava
piamente na continuidade do davidismo judaíta, bem como na continuidade da vida em Judá

423
!k;v'
xakan qal “morar”, “habitar”, “acampar”, “permanecer”.
424
A introdução do v.5 (“Eis dias chegando, dito de Javé”) evidencia o início de um trecho literário, distinto dos
v.1-4 que se referem aos “pastores/reis”. O v.7 apresenta nova introdução (“Por isso, eis que dias virão, dito de
Javé”), iniciando outra subunidade. Portanto, os v.5-6 formam um conjunto próprio, uma perícope.
425
Veja Ernst Sellin e Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.557-558.
426
Veja Herbert Donner, História de Israel e de seus povos vizinhos, São Leopoldo, Editora Sinodal, vol.2 (“Da
época da divisão do reino até Alexandre Magno”), 1997, p.439-442.
427
Veja Milton Schwantes, Breve História de Israel, São Leopoldo, Editora Oikos, 2011, p.49-58.
88

depois da queda de Jerusalém. Justamente por essa razão, quando obrigado a decidir-se pela
permanência em Judá ou pela ida à Babilônia, decidiu permanecer. É nesse cenário que
Jeremias articula suas palavras de salvação. É verdade que a esperança jeremiana foi
terrivelmente abalada quando o último remanescente de Davi, Gedalias, foi assassinado. Este
intendente dos caldeus administrou a vida judaíta nos meses subsequentes à queda de
Jerusalém, e, ao que parece, Jeremias apostava em seu governo como meio de soerguimento
da vida em Judá (Jr 40). Mas com sua morte, e com a fuga para o Egito daqueles que estavam
próximos de Jeremias, esses mesmos que promoveram a violenta deportação do profeta com
eles, a continuidade da vida em Judá estava ameaçada.

Desse modo, de acordo com a perspectiva dos redatores de Jr 37-45, a ruína foi
completa em Judá. Até parece que os narradores dos episódios de 587 são tomados por certo
grau de desesperança. No entanto, a subunidades de Jr 30,8-9 e 23,5-6 elaboram esperança,
em meio à ruína de 587.

Para o esclarecimento do lugar histórico de 30,8-9 e 23,5-6, também é importante a


identificação do ‘sujeito’ social por detrás da composição do texto. As pesquisas de Milton
Schwantes apontaram que os textos messiânicos do sul são divididos entre jerusalemitas e
judaítas; os primeiros elaboraram propostas messiânicas relacionadas com os interesses
ideológicos da cidade de Jerusalém, enquanto que o segundo grupo preocupava-se com as
questões relacionadas ao mundo agrícola e pastoral do interior de Judá.428 Do ponto de vista
histórico e sociológico, “Judá” (Jr 23,6) identifica-se com yMi[; ‘ammi “meu povo” do livro de

Miqueias (Mq 2,8-9; 3,3)429, também designado em outros textos do Antigo Testamento como
#r<a'h' ~[; ‘am ha-’ares “o povo da terra”, que pode ser identificado com os camponeses

judaítas.430 “Israel” (Jr 23,6), por sua vez, certamente é uma referência às populações
camponesas do Norte.

Portanto, se Jr 23,5-6 pode ser datado no final da época da monarquia de Judá, o mesmo
pode ser dito em relação a Jr 30,8-9, já que ambos os textos apresentam uma expectativa
messiânica relacionada com um descendente de Davi. Conforme se evidenciará na análise
exegética dessas passagens, a ser realizada nos capítulos 3 e 4 da presente tese, o anúncio
428
Milton Schwantes, “Esperanças messiânicas a davídicas”, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Editora Vozes,
1989, n.23, p.18-29.
429
Milton Schwantes, Igreja como povo – “meu povo” em Miquéias, Belo Horizonte, Centro de Estudos
Bíblicos/CEBI, 1989, 24p. (A Palavra na vida; 15)
430
Tércio Machado Siqueira, O Povo da Terra no período monárquico, São Bernardo do Campo, Universidade
Metodista de São Paulo, 1997, 195p. (tese de doutorado)
89

messiânico de Jr 30,8-9 e 23,5-6 está relacionado com as expectativas dos camponeses


contemporâneos de Jeremias. As esperanças messiânicas são sediadas na roça.

2.4.4 – Jr 30,10-11

A Forma
De início, percebe-se que a palavra salvífica de Jr 30,10-11 dificilmente é um
complemento da prosa encontrada nos v.8-9. Pois o referencial dos v.8-9 é a tradição
davídica, enquanto que nos v.10-11 a referência é a tradição do Norte (Jacó/Israel). Na
verdade, os v.10-11 vinculam-se com os v.5-7431, em especial com o final do verso 7: a raiz
verbal [v;y yaxa‘ “salvar” do final do v.7 reencontra-se nos v.10-11. Portanto, apesar da

ausência dos v.10-11 na LXX, pode-se afirmar que eles são uma continuação dos v.5-7. Jr
30,10-11 pode ser considerado uma resposta à lamentação evocada nos v.5-7.432
O estilo de Jr 30,10-11433 essencialmente é poesia. No v.10a lemos duas frases, havendo
entre elas a expressão “dito de Javé”:

A B
E tu não temas, meu servo Jacó,
dito de Javé
A’ B
e não te apavores, Israel.

Essas duas frases apresentam o advérbio la;’al “não” seguido de um verbo qal

imperfeito: ar'yTi-la; ’al-tira’ “não temas”, na primeira frase, e tx;T-e la; ’al-tehat “não te

apavores”, na segunda. Portanto, verifica-se aí a repetição. Essas duas frases constituem-se


“dito de Javé” para “Jacó/Israel”.

O v.10b apresenta duas frases:

Porque eis-me que te salvarei do afastado,

431
Essa é a proposta de Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.191: der in 10,10f “die eche Fortsetzung von 5-7”).
432
Aqui, sigo a proposta de Kilpp: “Der prophetenrede (V.5-7) folgt ein Jahwerede in Form eines Heilsorakels
(V.10f.). Es ist Antwort auf die Klage (…). Für Kompilator von Jer 30 übernehmen V.5-7 die Funktion einer
Notschilderung.” Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.113.
433
Jr 30,10-11 reencontra-se em Jr 46,27-28.
90

e a tua descendência da terra da prisão deles

Essas duas frases continuam a fala de Javé do v.10a. A primeira frase deste v.10b
apresenta a conjunção yKi ki “porque” seguida da partícula demonstrativa sufixada com a

primeira pessoa, ynIn>hi hinni “eis me”. A fala divina expressa uma ação divina: “te salvarei”,
tradução de [v;y yaxa‘ hifil “salvar”. O objeto da ação de Javé é o “Jacó/Israel” referido nas

duas frases do v.10a, pois o verbo [v;y yaxa‘ é sufixado pela 2ª pessoa masculina singular. A

segunda frase do v.10b é repetição da primeira. Trata-se de uma frase nominal, onde o verbo
da frase anterior aparece implicitamente, e o objeto da salvação continua sendo referenciado.

Portanto, as duas frases do v.10b repetem uma mesma ideia: Deus libertará seu povo.
Contudo, há uma diferença entre elas. Na primeira frase, lemos o inimigo de quem
“Jacó/Israel” é libertado: “do afastado”. Na segunda, lemos o lugar de onde é ele é liberto:
“da prisão deles”.

O v.10c apresenta quatro frases:

E voltará Jacó,
e terá descanso,
e estará tranquilo,
e não existirá aquele que (causa) faz tremer.

Diferente das frases anteriores, onde Deus era o sujeito dos verbos, nas três primeiras
frases do v.10c “Jacó” é o sujeito. Os três verbos estão conjugados no qal consecutivo
perfeito, o que confere um tom prosaico ao texto; eles expressam ações consecutivas futuras.
Essas frases, mesmo que se refiram a ações diferentes de Jacó, repetem uma mesma ideia, a
saber, o efeito da salvação de Javé anunciada no v.10ab. Por isso, pode-se afirmar que
estamos diante de um estilo poético com traços prosaicos.

A última frase, por seu turno, não tem mais “Jacó” como sujeito da frase, mas apresenta
a extinção do causador da ruína de Jacó. É o efeito final da libertação de Javé.

Pela estrutura verbal do v.10 percebe-se também sua estrutura temática:


91

V10a: dois verbos no qal imperfeito: ar'yTi-la; ’al-tira’ “não temas” e tx;T-e la; ’al-

tehat “não te apavores”.

V.10b: na primeira frase, [v;y yaxa‘ hifil “salvar”. Javé é o sujeito. A libertação de Javé

é anunciada.

V.10c: nas três primeiras frases do v.10c, emprega-se o vav consecutivo perfeito (bWv

xub qal “voltar”; jq;v' xaqat qal “descansar”; !a;v' xa’an palal “estar tranquilo”). Jacó é o

sujeito. O efeito da libertação de Javé é anunciado.

V.10c: na quarta frase, usa-se drI:x' harad hifil particípio “tremer”. O inimigo de Jacó é

o sujeito do verbo, mas sua ação maléfica não ameaça mais Jacó. O efeito final da libertação
de Javé é anunciado.

Essa estruturação evidencia que o v.10 forma uma parcela literária. Designamo-la de
‘estrofe’, “uma unidade de sentido na poesia”434. Portanto, o v.10 compõe uma estrofe.

O v.11a é prosa. A repetição de frases está ausente:


Porque contigo (estou) eu, oráculo de Javé, para te salvar.
É uma continuação da temática do v.10. No início da frase lê-se a conjunção yKi ki

“porque” seguida pelo sinal de objeto direto tae ’et435 sufixado com a segunda pessoa

masculina singular. Anuncia-se não só o sujeito da ação (Javé), como o objeto da ação
(“contigo”), que é o “Jacó/Israel” referido no v.10.

O v.11b é prosaico, mas apresenta traços poéticos:

A1 B1
Porque farei uma destruição completa em todas as nações nas quais te dispersei lá;
B2 A2
quanto a ti, não farei uma destruição completa.

A1: o sujeito da ação é Javé.

434
Milton Schwantes, Da vocação à provocação – Estudos exegéticos em Isaías 1-12, São Leopoldo, Oikos, 3a
edição ampliada, 2011, p.404.
435
A partícula ’et é somente um sinal do “objeto direto e, portanto, não deve ser traduzida”. Page H. Kelley,
Hebraico Bíblico, p.30.
92

B1: o objeto da ação são as “nações”. Sentido positivo.

B2: o objeto da ação é Jacó. Sentido negativo (advérbio aOl lo’ “não” precede o verbo).

A2: o sujeito da ação é Javé.

No início, percebe-se que o complemento adverbial ~V' ^ytiAcpih] rv,a] ’axer

hapisotik xxam “nas quais te dispersei” pode ser deslocado da frase436. Sendo assim, as duas
frases do v.11b, quando equiparadas, apresentam um ‘paralelismo antitético’: enquanto na
primeira frase a ação de Javé causa ruína às “nações” (~yIAg goyim), na segunda, a ação de

Javé não causa ruína a Jacó. Nas duas frases, emprega-se a raiz verbal hf'[' ‘asah qal

imperfeito “fazer” seguido pelo substantivo hl'k' kalah “completa/totalidade”.

O v.11c é poético. São duas frases:

E eu te disciplinarei para o direito,


e não te inocentarei.
Nas duas frases, os verbos têm Javé como sujeito: rs;y yasar piel vav consecutivo

perfeito “disciplinar”, na primeira frase, e hgn nagah piel infinitivo “inocentar”, na segunda.

Identifica-se aí a repetição. Por isso, à semelhança do v.10c, estamos diante de um texto


poético, porém, com traços prosaicos.

Equiparando-se as frases do v.11b com as do v.11c, pode inferir que o estilo é tanto
prosaico com traços poéticos (v.11b), como também poético com traços prosaicos (v.11c).

Percebe-se também que o v.11b está vinculado com o v.11a, porque ambos se iniciam
com a conjunção yKi ki “porque/pois”. A BHS coloca a frase do v.11a em paralelo à primeira
frase do v.11b:

^[,yviAhl. hw"hy>-~aun> ynIa] ^T.ai-yKi [v.11a: Porque contigo (estou) eu, dito de Javé,

para te salvar]
~yIAGh;-lk'B. hl'k' hf,[a/ , yKi [v.11b: Porque eu farei uma destruição completa em

todas as nações]

436
Veja BHS.
93

Verifica-se que o anúncio do v.11a é detalhado no v.11b: salvação implica na destruição


das “nações” (~yIAg goyim) inimigas de Israel e na preservação de Israel. Mas, no v.11c, o foco

da ação de Javé é unicamente Jacó; a salvação de Javé requer um compromisso de Jacó com o
jP'v.mi mixpat “direito”, pois, de outro modo, Jacó não seria inocentado.
Por esta estruturação, nota-se que o v.11 é uma pequena parcela da poesia/prosa
hebraica, e pode ser designado como uma “estrofe”.

Portanto, notamos que Jr 30,10-11 subdivide-se em duas estrofes: a primeira, no v.10, e


a segunda no v.11. Obviamente essas estrofes estão interligadas por uma mesma temática: a
salvação de Javé para “Jacó/Israel”.

Quanto ao gênero literário, Jr 30,10-11 é um “oráculo de salvação”437. Este gênero


literário geralmente tem as seguintes características formais: inicia-se por um vocativo
seguido por uma ordem para não temer; segue-se a fala divina, na primeira pessoa (verbo no
perfeito), anunciando uma salvação consumada no passado; na sequência, descrevem-se os
efeitos decorrentes da salvação àquele que a recebe; normalmente encerra-se explicando a
finalidade e o objetivo da salvação divina.438 Embora o “oráculo da salvação” esteja presente
em Jr 30,10-11, contudo, ele encontra-se “desformalizado”.439 Pois a promessa de salvação
dirige-se ao futuro. Contudo, os principais elementos do gênero “oráculo de salvação”
aparecem em Jr 30,10-11: vocativo seguido pela ordem de não temer (v.10a); a fala divina na
primeira pessoa, anunciando a salvação divina (v.10b; v.11a); e os efeitos da libertação divina
(v.10c; v.11b.c).

O Lugar

Muitos pesquisadores aventaram a hipótese de que Jr 30,10-11 possui uma terminologia


deutero-isaiana. Há certas expressões de Jr 30,10 que aparecem em Isaías 40-56.440 Nessa

437
Claus Westermann, Prophetische Heilsworte im Alten Testament, p.35; Siegmund Böhmer, Heimkehr und
neuer Bund, p.55-56, 60-61; E.W. Conrad, “The ‘Fear Not’ Oracles in Second Isaiah”, em Vetus Testamentum,
Leiden, E. J. Brill, vol.34, 1984, p.129–52.
438
Werner H. Schmidt, Introdução ao Antigo Testamento, São Leopoldo, Sinodal, 1994, p.246.
439
“Em meio a esses versos, ele [oráculo de salvação] perde a sua forma.” (“In diesem Halbvers löst sich die
Form auf”). Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.115.
440
“Não temas”: Is 40,9; 41,10. 13.14; 43,1.5; 44,2;51,7; 54,4 / “meu servo Jacó”: Is 41,9; 44,1.2. 21; 45,4;
54,1, 2;55,4/ “não te apavores”: Is 51,7. John Arthur Thompson, Book of Jeremiah, p.557; Nelson Kilpp,
Niederreißen und aufbauen, p.117.
94

perspectiva, Claus Westermann analisou os seguintes elementos que constituem o gênero


“oráculo de salvação”: o pronome pessoal prefixado com o vav, hT'a;w> ve’attah “e tu”, sendo
seguido pela expressão negativa verbal ar'yTi-la; ’al tira’ “não temas”, fundamentada

através do yKi ki “porque/pois”, e o complemento nominativo ^[]yviAm ynIn>hi hinni moxi‘aka

“eis que eu te salvarei”. Esse gênero pode ser encontrado em Jr 30,10-11 e no Deutero-Isaías.
Por isso, muitos acreditam que a autoria de Jr 30,10-11 deva ser procurada nos mesmos
redatores do Deutero-Isaías.441

Mas é preciso notar que existem significativas diferenças entre o texto jeremiano e o
isaiano.442 O paralelismo ar'yTi-la; ’al tira’ (“não temas”) e tx;T-e la; ’al tehat (“não te

apavores”), comumente usada pela Obra Historiográfica Deuteronomista e por Ez (Dt 1,21;
31,8; Js 8,1; 10,25; Ez 2,6; 3,9; veja também 1Cr 22,13; 28,20; 2Cr 20,15.17; 32,7), não
aparece no Deutero-Isaías443. A raiz verbal [vy yx‘ “salvar” infinitivo, no v.11 (vinculado à
mesma raiz verbal do v.10 e a do v.7), juntamente com a promessa da presença de Javé (“eu
estou contigo”), apresenta-se como uma construção tipicamente jeremiana:

Jr 30,11: ^[,yviAhl. hw"hy>-~aun> ynIa] ^T.ai-yKi i-yKi “Porque contigo eu estou, dito de
Javé, para te salvar”.
Jr 1,8: hw"hy>-~aun> ^l,Cih;l. ynIa] ^T.ai-yKi “Porque contigo eu estou para te livrar, dito

de Javé”.
Jr 1,19: ^l,yCih;l. hw"hy>-~aun> ynIa] ^T.ai-yKi “Porque contigo eu estou, dito de Javé,

para te livrar”.
Jr 15,20: hw"hy>-~aun> ^l,yCih;l.W ^[]yviAhl. ynIa] ^T.ai-yKi “Porque contigo eu estou

para te salvar e para te livrar, dito de Javé”.


Jr 42,11: ~k,ta. , lyCih;l.W ~k,t.a, [;yviAhl. ynIa' ~k,Ta. i-yKi “Porque eu estou

convosco para vos salvar e para vos livrar”.


Em Jr 1,8 e 42,11 lê-se uma cláusula que fundamenta a negativa verbal ar'yTi-la;’al
tira’, à semelhança de 30,10. Em Jr 1,8.19; 15,20 e 42,11 emprega-se a raiz verbal lc;n nasal

441
Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund, p.60-61; Claus Westermann, Heilsworte, p.107.
442
Nelson Kilpp, Niederreißen und aufbauen, p.116–117; Bob Becking, Between Fear and Freedom, p. 155.
443
Veja, contudo, Is 51,7, onde o paralelismo aparece com outra conjugação verbal.
95

“livrar”, que é sinônimo de [v;y yaxa‘ (15,20; 42,11; cf. 30,11).

Portanto, é possível afirmar que Jr 30,10-11 seja um oráculo de salvação, sem


correlacioná-lo ao suposto Deutero-Isaías do pós-exílio. Este oráculo, de origem sacerdotal444,
no contexto jeremiano pode ser localizado no culto. No entanto, é preciso considerar que o
profeta Jeremias estava à margem do ‘culto oficial’, tanto aquele que era celebrado em
Jerusalém como aquele de sua terra natal, a vila sacerdotal de Anatote. A tradição de Jr 30,10-
11 é nortista: “meu servo Jacó/Israel”. Não há nenhuma referência à Jerusalém ou ao templo.
A destruição dos inimigos visa à posse da terra (principalmente no v.10). A salvação significa
a volta do acesso irrestrito da terra e uma vivência tranquila sobre ela. Por essa constatação,
pode-se concluir que a situação vivencial de Jr 30,10-11 seja uma celebração cúltica
periférica, celebrada por marginalizados como Jeremias.

Quanto à datação de Jr 30,10-11, é preciso fazer uma relação entre este texto e os textos
proféticos neo-assírios datados na época de Esarhaddon e Assurbanipal (séculos 8 e 7 a.C.).445
A cláusula negativa verbal ar'yTi-la; ’al tira’ “não temas” encontra um interessante

paralelismo com a expressão la tapallah empregada nos textos assírios, onde as divindades
prometiam salvação e proteção.446 É notável também que a expressão la tapallah era usada
para referir-se à segurança militar da Assíria aos seus súditos fieis.447 Portanto, o gênero
‘oráculo de salvação’ era bem conhecido no pré-exílio, e é bem possível que Jeremias tinha
conhecimento de tais textos, e, quando iniciou seu ministério profético no período do
enfraquecimento do poderio assírio (627 a.C.), provavelmente usou o gênero desses textos
para consolar aquelas populações do Israel/Norte que tinham sido assoladas justamente pelos
assírios.448 Portanto, é possível datar Jr 30,10-11 entre os anos 627 e 622 a.C., na época de

444
O “oráculo de salvação” tem o seu contexto vivencial no antigo culto de Israel. Trata-se de uma fórmula que
prometia o amparo de Deus, proferida pelo sacerdote ao fiel que buscava fortalecimento da fé.
445
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.155-161. Veja também J. W. Mckay, Religion in Judah under the
Assyrians – 732-609 BC., Naperville, Alec R. Allenson Inc., 1973, 142p. (Studies in Biblical Theology; 26)
446
Veja Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.158. Há um texto assírio referente ao exílio de Esarhaddon,
que, já designado príncipe, exila-se num lugar desconhecido do ocidente, mas é motivado a não temer, pois a
promessa do trono assírio é dirigida a ele.
447
Veja, por exemplo, a promessa de salvação de Tiglate-Pileser III para Amurru-shum-ishkum. Amurru-shum-
ishkum, um chefe caldeu responsável pela segurança da terra, havia sido capturado por inimigos dos assírios.
Então Tiglate-Pileser III dirige-lhe uma palavra de salvação, assegurando-lhe proteção militar. Bob Becking,
Between Fear and Freedom, p.159-160.
448
Becking afirma que a gênero “oráculo de salvação” era bem conhecido no pré-exílio, embora ele admita que
isso não signifique que o autor de Jr 30,10-11 tivesse algum conhecimento dos textos neo-assírios. Becking diz
que este gênero somente aponta o fato de que o conceito de profetas anunciando a reversão de uma situação
difícil já era bem conhecido, não havendo pois necessidade de relacionar o gênero especificamente ao Deutero-
Isaías. Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.161.
96

Josias. Por ocasião da queda de Jerusalém, em 587 a.C., a promessa de salvação de Jr 30,10-
11 certamente foi estendida às populações de Judá.

2.4.5 - Jr 30,12-17

A Forma
Pode-se dizer que, em certo sentido, Jr 30,10-11 e 30,12-15 estão vinculados: a raiz rsy

ysr “disciplinar” do final do v.11 reencontra-se no v.14 em forma substantivada (rs;Wm

musar “disciplina”). Em certo sentido, o julgamento de Javé anunciado no v.11 é efetuado


nos v.12-15. Assim, Jr 30,12-17 repete o pensamento de Jr 30,10-11.449
Jr 30,12-17 é reconhecidamente uma unidade poética. Contudo, essa afirmativa ainda
não foi suficientemente respondida pela pesquisa bíblica. Sobressaem-se inúmeras diferenças
entre os v.12-15, o v.16 e o v.17. A questão é se o v.16 e o v.17 podem ser incluídos na
subunidade dos v.12-15.
Os v.12-15 é um anúncio de ruína em forma de lamentação. O interlocutor interpelado
está totalmente arruinado, não havendo para ele nenhuma possibilidade de cura. O v.16, por
seu turno, apresenta-se como lei do talião. Os inimigos do interlocutor serão punidos. A
despeito da partícula !kel' laken “por isso”, no início do v.16, os vínculos do anúncio de juízo

dos v.12-15 e a punição aos inimigos do v.16 são bastante incompreensíveis. 450 Em
contraposição aos v.12-15, o v.17 apresenta a “cura” para o interlocutor. Notam-se ainda
outras diferenças: no v.14b, Javé apresenta-se como inimigo dos interlocutores do texto,
enquanto que no v.16 os inimigos dos interlocutores são alvo na punição divina. O v.17b
contrapõe-se ao v.14a: no v.17b, a “repudiada” é amparada, enquanto que no v.14 ela
permanece sob o abandono. Essas diferenças suscitam a suspeita de que não há conexão
literária entre os v.12-15, v.16 e o v.17.451
No entanto, a preposição !kel' laken “por isso” conecta literariamente o v.16 com os

v.12-15. E o v.17 pode ser entendido como uma complementação aos v.12-15. Na análise das
palavras salvíficas, essas relações serão explicitadas. Julga-se, por hora, que a unidade de Jr

449
Jeremiah Unterman, From Repentance to Redemption - Jeremiah's Thought in Transition, Sheffield, Sheffield
Academic Press, 1987, p.137-138 (Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series; 54).
450
Veja as sugestões de Walter Brüggemann, “The ‘Uncared For’ Now Cared For (Jer 30:12-17) – A
Methodological Consideration”, em Journal of Biblical Literature, Philadelphia, The Society of Biblical
Literature and Exegesis, vol.104, 1985, p.419-428.
451
Nelson Kilpp, Niederreissenund Aufbauen, p.126.
97

30,12-17 é dividida em três parcelas poéticas designadas como ‘estrofes’: v.12-15, v.16 e
v.17. Vejamos.
Os v.12-15 são poesia. A repetição das frases é facilmente perceptível. No v.12, após a
fórmula do ‘dito do mensageiro’ (“por que assim diz Javé”), notam-se duas frases:

Desespero para a tua ruína,


será acometida de doença a tua ferida.

A primeira frase é nominal. A segunda é verbal, regida pelo verbo hl'x' halah nifal

“adoecer”. A situação de “ruína” (rb,v, xeber) mencionada na primeira é exemplificada na

segunda como uma “ferida” (hK'm; makkah). Assim, a segunda frase é uma ilustração da

primeira. Os substantivos rb,v, xeber “ruína” e hK'm; makkah “ferida” recebem o sufixo na

2ª pessoa feminina singular “tua”. Deste modo, a subunidade iniciada no v.12 diferencia-se
da anterior (v.10-11), que empregava o sufixo no masculino. A mudança do gênero nos
pronomes talvez se explique pelo fato de que o referente nos v.10-11 é “Jacó/Israel”, ao passo
que aqui, nos v.12-15, “Jacó/Israel” é representado como uma mulher abandonada por seus
amantes (v.14).

No v.13 leem-se três frases adverbiais:

E não há o que sentencia a tua sentença,


para (a) úlcera, remédios;
cura não existirá para ti452.

A primeira frase apresenta uma linguagem jurídica. Percebe-se em sua poesia a


aliteração, um tipo de figura sonora etimológica453 construída pela repetição da consoante n
“n” (nun): %nEyDI !D'-!yae ’en-dan dinek, “não há o que sentencia a tua sentença”, ou “não há

defensor para a tua defesa”. As duas frases seguintes apresentam uma linguagem médica, mas
continuam a temática da primeira. A segunda frase é nominal; nela está implícita a partícula
adverbial !yae ’en “não existir” (literalmente “inexistência”). A terceira frase também é regida

pelo advérbio !yae ’en. A segunda e a terceira frases exemplificam o que foi dito na primeira.

452
%l' !yae hl'[T' . “e cura não há para ti” é a mesma construção da última frase de Jr 46,11, não havendo pois
necessidade de alteração no TM. Contra Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.190-191.
453
Veja exemplos de aliterações em Robert Alter, Frank Kermode, Guia literário da Bíblia, São Paulo, Fundação
Editora da UNESP, 1997, p.329-331.
98

Portanto, o essencial foi dito na primeira frase: a inexistência da “sentença/julgamento/causa”


(!yDI din ).

O v.14 pode ser compreendido por três conjuntos de frases, cada qual com duas frases.
No primeiro conjunto (v.14a):

Todos os teus amantes se esqueceram de ti,


e a ti não procuram

A primeira frase tem os “amantes” como sujeito do verbo xk;v' xakah qal perfeito

“esquecer”. Eles continuam sendo sujeitos do verbo da segunda frase, vr:D darax qal

imperfeito “procurar”.

O segundo conjunto frasal, v.14b, volta a se referir à ruína anunciada nos v.12-13:

Por que (com) um golpe inimigo eu te feri,


(com) uma disciplina de terrível

O sujeito das frases é Javé, como nos v.12-13. A segunda frase é nominal, mas o verbo
hk'n nakah hifil perfeito “ferir” da primeira frase está implícito nela. Nesta segunda frase é

explicado o “golpe inimigo” da primeira frase: trata-se de “uma disciplina terrível”. Portanto,
as ideias são repetidas, mas avançam em seus conteúdos.

O v.14c apresenta o terceiro conjunto frasal:

Pois grande (é) a tua iniquidade,


são numerosos os teus pecados.

A primeira frase é nominal e a segunda é verbal, mas ambas repetem um mesmo


conteúdo: a causa da ruína descrita nos v.12b-14b é “a tua iniquidade/teus pecados”.

No v.15, há dois conjuntos frasais, e uma frase final. No v.15a notam-se duas frases:

Por que gritas (por causa) sobre a tua ruína?


Incurável (é) o teu sofrimento.

As frases do v.15b são as mesmas do v.14c. A causa da ruína de Israel novamente é


indicada.
99

Até aqui, notou-se que a grande característica do estilo poético dos v.12-15 é a
apresentação de ideias repetidas em frases duplas, com exceção do v.13, que apresenta três
frases. No entanto, o final do v.15 foge a essa estruturação formal. Pois lemos aí somente uma
frase: “fiz isso para ti”. Portanto, essa frase está formalmente ‘solta’ na disposição poética do
v.15, funcionando como um tipo de ‘amarre’ da subunidade composta pelos v.12-15. Isso
aponta o final de uma parcela poética. Por essa razão, é possível designar os v.12-15 como
uma ‘estrofe’.

Ademais, essa última frase do v.15 é importante por outra razão. É que, tendo Javé
como sujeito do verbo hf'[' ‘asah qal perfeito “fazer”, essa frase enfatiza aquilo que os

v.12b-14b e o v.15a já declararam: o agente da ruína de Israel é o próprio Deus.

Portanto, os v.12-15 formam uma ‘estrofe’. Isso necessariamente requer que analisemos
o v.16 como o início de outra parcela poética. O v.16 é poético, conforme a repetição das
frases abaixo verificadas:

Por isso todos os que te devoram serão devorados,


e todos os teus opressores, todos eles,
na (para a) prisão/cativeiro irão,
e serão os teus saqueadores saqueados,
e todos os que te despojam entregarei para despojo.

A preposição !kel' laken “por isso”, no início da primeira frase, relaciona o v.16 com os

v.12-15. Mas a vinculação entre essas subunidades literárias não é facilmente esclarecida. Isso
porque, considerando o v.16 como um anúncio da destruição dos inimigos de Israel, e
considerando ainda que os v.12-15 focalizam o pecado de Israel, chegaríamos a uma
conclusão ilógica: os pecados de Israel trariam o juízo sobre os inimigos de Israel. Por outro
lado, como já foi anteriormente observado, a poesia encontrada nos v.12-15 caracteriza-se
pela repetição de ideias em duas frases, e essa estruturação poética também é facilmente
percebida nesse v.16. As duas primeiras frases do v.16 anunciam o destino trágico “daqueles
que devoram”, que na segunda frase são designados como %yIr;c' sarayik “os teus opressores”.

Ambas as frases enfatizam que nenhum deles ficará imune: lK' kol “todos/totalidade” (nas

duas frases) serão punidos. As duas últimas frases do v.16 também apresentam conteúdos
100

iguais. Na primeira, há um jogo terminológico entre ss;v' xasas qal particípio “saquear” e o

substantivo hS'vim.i mexissah “saqueados”, enquanto que na segunda o jogo está entre zzB'
bazaz qal particípio “despojar” e o substantivo zB' baz “despojo”. Mas a segunda frase não só
repete, mas também completa a primeira. Pois a primeira frase anunciou a vindicação divina,
enquanto que a segunda dimensiona essa vindicação: lK' kol “todos”.

Entre os dois conjuntos frasais analisados no v.16, aparece uma frase, a terceira do
verso: “na (para a) prisão/cativeiro irão”. Essa afirmação seria um complemento para as duas
primeiras frases. Menciona o lugar para onde iriam “aqueles que te devoram”/ “os teus
opressores”.

Pela análise da estruturação frasal do v.16, já se evidenciou que esse verso compõe uma
estrofe. Ou seja, formalmente diferencia-se dos v.12-15. Portanto, identificam-se duas
estrofes: a primeira, nos v.12-15; e a segunda, no v.16. Os v.12-15 são ameaça e denúncia
contra Israel. O v.16 é ameaça contra os inimigos de Israel.

O v.16 apresenta conjuntos de frases duplas, repetitivas. Já se constatou essa


padronização frasal nos v.12-15. Portanto, a despeito das dificuldades em relacionar ambas as
estrofes (já que seus referenciais temáticos são distintos), a mesma padronização frasal nelas
aponta uma redação contínua entre elas. Isso somente será definitivamente esclarecido nas
páginas subsequentes da presente tese, quando serão analisados a datação e o conteúdo do
v.16 em relação aos v.12-15. Mas, por hora, pode-se afirmar que o v.16 está literariamente
vinculado com os v.12-15 (e a preposição !kel' laken “por isso” no início do v.16 evidencia
isso).

O v.16 também está vinculado com o v.17. Esse v.17 apresenta a mesma formalidade
poética já detectada nas estrofes anteriores: nele podem ser observados conjuntos composto
por duas frases. No caso, são dois conjuntos, cada qual com duas frases:

Porque farei subir uma cura para ti,


e das tuas feridas te curarei,
dito de Javé,
Porque (de) repudiada/expulsada chamaram a ti,
Sião, aquela a qual ninguém busca.
101

No primeiro conjunto, o foco é a “cura” (primeira frase) das “feridas” (segunda frase)
de Israel. O sujeito das duas frases é Javé, conforme se lê na fórmula hw"hy>-~aun> ne’um YHVH

“dito de Javé”. O foco é a cura de Javé (“cura para ti”/ “te curarei”). No segundo conjunto de
frases, o referente é o objeto do favor divino: “repudiada” (primeira frase), “aquela a qual
ninguém busca” (segunda frase). Estas afirmações fundamentam a cura apresentada nas duas
primeiras frases.454 Observa-se ainda que, à semelhança do v.16, o v.17b apresenta a
linguagem da lei do talião. A vingança sobre os inimigos torna-se assim a cura da ferida do
povo. A cura do povo (v.17) somente pode ser efetuada sob a justa punição dos “opressores” e
“saqueadores” (v.16).

Ademais, nota-se que os dois conjuntos estão interligados pela preposição yKi ki

“porque”, presente nas primeiras frases do conjunto; também, essas duas frases terminam
como uma referência ao objeto do favor divino através da preposição l. le acompanhada com

o sufixo da 2ª pessoa, %l' lak “para ti”:

%l' hk'rua] hl,[]a; yKi [Porque eu farei subir uma cura para ti]

%l' War>q' hx'D'nI yKi [Porque repudiada chamaram a ti]

Dessa forma, pode-se entender o v.17 como uma parcela poética, uma ‘estrofe’.

Portanto, Jr 30,12-17 compõe-se por três estrofes poéticas: a primeira, nos v.12-15; a
segunda, no v.16; e a terceira no v.17.

A estrutura de Jr 30,12-17 pode ser assim definida:

V.12b-14b: ameaça divina - a ruína de Israel.

V.14c: denúncia – o pecado de Israel.

V.15: ameaça divina – a ruína de Israel.

V.15b: denúncia – o pecado de Israel.

V.16: ameaça contra os inimigos de Israel.

454
Walter Brüggemann, “The ‘Uncared For’ Now Cared For (Jer 30:12-17)”, p.423.425s.
102

V.17: promessa de restauração para Israel.

Jr 30,12-17 apresenta pelo menos dois gêneros: oráculo de juízo (v.12-15) e oráculo de
salvação (v.16 e v.17). O v.16 desenvolve a lei do talião.

O Lugar

Sob a base das diferenciações formais entre os v.12-15, o v.16 e o v.17, descritas acima,
grande parte dos pesquisadores bíblicos defende a autenticidade de Jr 30,12-15, relegando os
v.16+v.17 a adendos posteriores.455 A pressuposição básica pode ser assim esboçada: os v.12-
15 apresentam o inevitável juízo divino sobre Israel, enquanto os v.16-17 constituem um tipo
de “correção”, pois, divergindo dos v.12-15, anunciam o consolo divino.456
Realmente a linguagem de Jr 30,12-15 pode ser atribuída a Jeremias. Pois o anúncio de
ruína, metaforizado por um golpe de Javé causador de uma ferida incurável, é
caracteristicamente jeremiano.457 As palavras rb,v, xeber “ruína” (Jr 30,12.15) e hK'm;
makkah “ferida” (Jr 30,12) são típicas do lamento jeremiano no contexto do anúncio de
destruição que sobreveio sobre Judá e Jerusalém em 597 a.C.458 Verifica-se que a imagem do
povo ferido frequentemente é encontrada nas lamentações jeremianas (4,19-31.; 8,21-23;
10,19-21; 14,17-18459; veja também 6,4b.26). O adjetivo vn:a] ’anax “desespero” aparece

somente em Jr 20,12 com rb,v, xeber “ruína”.460

455
Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund, p.63; D.A. Knight, “Jeremiah and the Dimensions of the
Moral Life”, em J. L. Crenshaw, S. Sandmel (editores), The Divine Helmsman – Studies on God’s Control of
Human Events Presented to Lou H. Silberman, New York, Ktav, 1980, p.96; Robert P. Carroll, From Chaos to
Covenant, p.207; Robert P. Carroll, Jeremiah, p.582; Christoph Levin, Die Verheissung des neuen Bundes – In
ihrem theologiegeschichtlichen Zusammenhang ausgelegt, Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1985, p.180
(Forschungen zur Religion und Literatur des Alten und Neuen Testaments; 137); Claus Westermann,
Prophetische Heilsworte im Alten Testament, p.108.117.157; Nelson Kilpp, Niederreissenund Aufbauen,
p.120.126. Norbert Lohfink, “Der junge Jeremia als Propagandist und Poet – Zum Grundstock von Jer 30-31”,
em Norbert Lohfink, Studien zum Deuteronomium und zur deuteronomistischen Literatur II, Stuttgart,
Katholisches Bibelwerk, 1991, p.352-353 (Stuttgarter Biblische Aufsatzbände; 12); veja também Ulrich
Schröter, “Jeremias Botschaft für das Nordreich. Zu N. Lohfinks Überlegungen zum Grundbestand von Jeremia
xxx–xxxi”, em Vetus Testamentum, Leiden, E. J. Brill, vol.35, 1985, p.327-329; William L. Holladay, “The
Years of Jeremiah's Preaching”, em Interpretation, vol.37, n.2, 1983, p.158. Hermman defende a unidade de Jr
30,12-17, mas nega-lhe sua autenticidade, atribuindo essas palavras a um texto profético que objetivava
consolar algum individual em particular. S. Herrmann, Die prophetischen Heilserwartungen im Alten
Testament, p.218-219.
456
B. Duhm, Das Buch Jeremia, p.240–41; Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.170-171.
457
Nelson Kilpp, Niederreissenund Aufbauen, p.122.
458
rb,v, xeber “ruína”: Jr 4,6.20; 6,1; 8,21; 10,19; 14,17. hK'm; makkah “ferida”: Jr 10,19; 14,17,
paralelamente a rb,v,
xeber.
459
Jr 14,17-18 precisa ser interpretado no contexto de Jr 14,17-15,2. Veja Nelson Kirst, Jeremias – textos
selecionados, São Leopoldo, Faculdade de Teologia, 1984, p.163-185 (Série Exegese; vol.06, fasc.2). A
inevitabilidade do juízo é assim realçada (veja 15,1-2!), havendo, pois, uma densa relação entre Jr 14,17-15,2 e
103

O termo rAzm mazor “úlcera” (30,13a) aparece somente em Os 5,13. Então a influência

oseiana sobre a literatura de Jeremias é facilmente reconhecida.461 O adjetivo bwOak.m; mak’ob

“sofrimento/dor” (30,15) aparece em Jr 15,18, onde se lê o substantivo baeK. ke’eb “dor”

paralelamente a hK'm; makkah “ferida”. E, à semelhança da última frase do Jr 30,13, Jr 15,18

apresenta a impossibilidade da 'cura'. O plural tAapur> repu’ot “remédios” (Jr 30,13)

aparece somente no oráculo contra o Egito (Jr 46,11), mas sua raiz é encontrada em outras
palavras jeremianas.462 O termo rs;Wm musar “disciplina” (Jr 30,14) é reconhecidamente

jeremiano: tanto em Jr 2,30 como em 5,3 a palavra é usada em paralelo a hk'n nakah

“golpear/ferir”. A relação construta yrIz"ka. ; rs;Wm musar ’akzari “disciplina terrível”463

relembra os “terríveis” (yrIz"ka


. ); inimigos vindos do Norte citados em Jr 6,23.
Em Jr 30,14, emprega-se a forma verbal bh;a; ’ahab particípio piel “amar” (“amantes”),

também usada em Jr 22,20.22, onde é aplicada aos líderes políticos do povo. Em Jr 4,30, há
um termo sinônimo que também se refere às alianças estrangeiras: ~ybig.[o ‘ogbim “amantes”.
Em Jr 2,25 a forma verbal bh;a; ’ahab qal perfeito “amar” tem por objeto os ~yrIz" zarim

“estranhos” - os deuses estrangeiros (veja Jr 3,1).


Constata-se, portanto, que “a imagem da ferida do povo pertence assim ao anúncio
jeremiano de ruína sobre Judá/Jerusalém.”464
Jr 30,15 também possui uma linguagem jeremiana. A raiz verbal q[;z za‘aq “gritar” é

tipicamente jeremiano.465 A construção genitiva %nEwO[] bro rob ‘avonek “grande é a tua

Jr 30,12-15.
460
Veja também 17,16.
461
“Não existe nenhuma dúvida acerca da influência de Oseias sobre o pensamento de Jeremias. Além dos
fatores geográficos - Anatot pertence à tribo de Benjamin - e familiares - Jeremias descendia, talvez, de Eli,
sacerdote de Silo - é possível que a educação de Jeremias tenha incluído os ensinamentos de Oseias.” José Airton
da Silva:
http://airtonjo.com/faq_jeremias.htm#Qual%20foi%20a%20influ%C3%AAncia%20do%20profeta%20Os%C3%
A9ias%20sobre%20Jeremias? Acessado em 24/09/2012.
462
apero
qal: 3,22; 17,14; nifal: 15,18; 17,14; 19,11; piel: 6,14(=8,11); qal particípio rope’ “médico”,em 8,22, e
na forma substantiada hPer>m; marppeh, em 8,15 (veja 14,19.19).
463
Os termos podem ser compreendidos numa relação construta: Ulrich Schröter, “Jeremias Botschaft für das
Nordreich. Zu N. Lohfinks Überlegungen zum Grundbestand von Jeremia xxx–xxxi”, p.327.
464
“Das Bild der Wunde des Volkes gehört also in die jeremianiche Unheilsverkündigung an Juda/Jerusalem”.
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.122.
465
Confira Jr 20,8; 22,20.20; 47,2; 48,20; 49,3. Há também a forma substantivada za‘qah “clamor”, em Jr 18,22;
20,16; 48,2.4.5; 49,21.
104

maldade” também se encontra em Jr 13,22 (veja Os 9,7); o verbo ~c;[' ‘asam qal perfeito

“ser numeroso” aparece em Jr 5,6 (veja 15,8). O paralelismo %nEw[O ] ‘avonek “tua iniquidade”

e %yIt;aJox; hatto’tayik “teus pecados” é recorrente na literatura de Jeremias (veja Jr 5,25;

14,10; 18,23).
O estilo jeremiano também pode ser reconhecido em Jr 30,16-17, havendo, pois,
possibilidade de afirmar que esses versos foram escritos pelo profeta no fim de sua carreira,
talvez depois da queda de Jerusalém.466 Pode-se indicar a origem jeremiana da lei do talião
encontrada em Jr 30,16.467 No oráculo contra Amon (Jr 49,1-6), o texto jeremiano referencia
restritamente a região de Gade (v.1), anunciando a perda do território dos amonitas para os
gaditas; por outro lado, o v.2b refere-se ao “Israel” herdando as terras outrora ocupadas por
Amon: “Israel herdará aos que a herdaram” (v.2b). Assim pode-se relacionar a linguagem de
Jr 30,16 com a de 49,2b.468 Nota-se ainda que o verbo lk;a' ’akal “devorar” (Jr 30,16) é

empregado em outros anúncios jeremianos contra Judá/Jerusalém,469 e também aparece em Jr


10,25, numa unidade jeremiana (10,22-25) paralela a outra unidade jeremiana (Jr 10,19-21).
Ora, Jr 10,19 apresenta a linguagem de Jeremias (hK'm; makah “ferida”), juntamente com

10,25. Os dois trechos estão unidos. A unicidade desses dois trechos contribui para a
afirmativa da unicidade de Jr 30,12-15 e 30,16, já que Jr 30,12-15 e 30,16, juntos, apresentam
a mesma linguagem de Jr 10,19-21+10,22-25.
A expressão WkleyE ybiV.B; baxxebi yeleku “na prisão irão” aparece em Jr 22,22. Ora, se

Jr 30,14, em comparação com 22,22, é de origem jeremiana, porque Jr 30,16 também não
seria?

466
John Bright, Jeremiah, p.286. Veja também Walter Brueggemann, “The ‘Uncared For’ Now Cared For”,
p.419–428; Walter Brueggemann, Theology of the Old Testament , p.262.277-278.440-244;Walter
Brueggemann, A Commentary on Jeremiah – Exile and Homecoming, p.275-278. Holladay defende a
autenticidade de Jr 30,12-17. A imagem da reversão, apresentada no v.16, pode ser atestada como um estilo
jeremiano (Je 11,18; 17,14; 20,7; 22,22). A temática da cura da ferida (v.17) é encontrada em Jr 8,22. Isso
favorece a conclusão de que Jr 30,16-17 pertence a um antigo estágio da carreira de Jeremias William Holladay,
Jeremiah 2, p.155–171. Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.171-172. Para Tompson, Jr 30,12-17 é
uma unidade: a partícula laken “por isso” (v.16) indica mudança da atitude divina: Deus usou Nabucodonozor
para punir, mas também puniria o rei caldeu, por sua vez. Thompson cita Is 27,9-11, onde se encontra uma ideia
parecida com Jr 30,16, mas em referência à Assíria. John Arthur Thompson, Book of Jeremiah, p.557-560.
467
Sobre a lei do talião, veja ainda Jr 17,18.
468
Contra Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.124.
469
Jr 5,14.17; 8,16; 21,14 (conferir 46,10.14; 48,45; 49,27. Tendo “Jacó” por objeto, o verbo 'akal “devorar”
aparece em Jr 2,3 e 10,15.
105

Também observa-se, nesse v.16, a palavra zB; baz “saque”, recorrente nos textos de
Jeremias.470
A preposição laken “por isso”, no início do v.16, é um ponto decisivo para se afirmar
que a autoria de Jr 30,12-15 é a mesma de Jr 30,16. Ou seja, há uma continuidade literária
entre 30,12-15 e 30,16.

Apesar das incertezas suscitadas por muitos pesquisadores bíblicos 471, pode-se afirmar
que Jr 30,17 também apresenta a linguagem de Jeremias. A expressão hk'rua]
hl,[]a; ’a‘aleh ’arukah “farei subir cura” é jeremiana (veja 46,11).472 Além disto, a forma

verbal ap'r rapa’ qal imperfeito “curar” é usada em Jr 17,14, uma passagem que

inegavelmente procede de Jeremias.473


Pelas observações acima, é possível datar Jr 30,12-17 no contexto da destruição que
sobreveio sobre Judá e Jerusalém em 597 a.C. A palavra de Javé anunciou a ruína, mas, por
outro lado, também anunciou a “cura” para as feridas advindas com a invasão babilônica
sobre Judá.

2.4.6 – Jr 30,18-21
A Forma
Jr 30,18-21 apresenta coesão interna. Existe uma sequência literária bastante evidente
nesses versos. A fala de Javé condensa o texto. A primeira pessoa do singular reaparece ao
longo da unidade (v.18a, v.19, v.20, v.21b.c). Além disso, a perícope aponta para a

470
Veja Jr 2,14; 17,3 (15,13).
471
Normalmente alega-se que a fonte genuinamente jeremiana sempre emprega a forma singular makah “ferida”
(Jr 6,7; 10,19; 14,17; 15,18; 30,12.14;), enquanto que as fontes inautênticas sempre usam o plural (cita-se Jr
19,8; 49,17; 50,13). Veja Ulrich Schröter, “Jeremias Botschaft für das Nordreich”, p.329; Nelson Kilpp,
Niederreissen und Aufbauen, p.125. Embora Kilpp admita que o v.17 pode ser de origem jeremiana, ele assevera
que em nenhum outro contexto do livro de Jeremias a terminologia salvífica se apresenta do modo como é
encontrada aqui em Jr 30,17. Ora, se Jr 30,17 possui uma terminologia única (e parece-me que única não
somente no livro de Jeremias, mas no AT), não convém relacionar essa passagem com nenhuma outra, nem com
aquelas consideradas pela crítica como pós-exílicas. Kilpp não acredita que o v.17 seja pré-exílico, e mostra as
similaridades entre esse texto e a literatura deutero-isaiana; mas nota-se que o termo nadah “repudiada” não
aparece no Deutero-Isaías: em Is 54,6; 62,4.12 usa-se o ‘azab “desamparada”, e em Is 54,1; 62,12a emprega-se
xamem “desolada”.
472
Fischer comenta que a palavra II t'lh é encontrada exclusivamente em Jeremias. Georg Fischer, Das
Trostbüchlein - Text, Komposition und Theologie von Jer 30-31, Stuttgart, Katholisches Bibelwerk, 1993,
p.142, na nota de rodapé 16 (Stuttgarter Biblische Beiträge; 26).
473
Sobre Jr 17,14-18, verifica-se que 17,15 só pode ser datado num período anterior a 598 a.C.: “As ameaças de
Jeremias não se realizam. Trata-se, pois, da época antes de 598.” Nota de rodapé da Bíblia de Jerusalém – Nova
Edição, revista e ampliada, São Paulo, Sociedade Bíblica Internacional/Edições Paulus, 5 a edição, 2002, p.2206.
Ainda sobre o uso do verbo rapa’, veja Jr 8,22.
106

restauração de um elemento social: bAq[]y: ya‘aqob “Jacó” (v.18). O plural no início do v.19

(“deles”) arremessa-nos à primeira frase do v.18, às “tendas de Jacó” (no hebraico, lh,a
o’ohel “tenda” é um substantivo masculino). No v.20 lê-se um singular masculino, “dele”,

também presente nas duas primeiras frases do v.21. Dessa forma, os v.19-21 referem-se ao
“Jacó” mencionado no início do v.18.
Quanto ao estilo, Jr 30,18-21 é poesia. Identificam-se frases com conteúdos similares.
No v.18, as duas primeiras referem-se repetidamente à libertação das “tendas de Jacó” e das
“suas moradas”:
Pois assim diz Javé:
Assim eis-me revertendo a prisão das tendas de Jacó,
e de suas moradas terei compaixão.

O sujeito dos verbos é Javé (“diz Javé”, v.18a). A forma verbal em cada frase é
diferente. Na primeira, a partícula adverbial hinne está sufixada com a primeira pessoa
comum singular, sendo seguida pelo verbo bWv xub qal participativo absoluto “voltar” tendo
por objeto direto o substantivo tWbv. xebut “prisão”. Na segunda, o verbo ~x;r raham “ter

compaixão” está conjugado no piel imperfeito. A segunda frase inova o conteúdo da primeira,
já que apresenta a compaixão de Javé para “Jacó”.
Na sequência, notam-se outras duas frases, havendo entre elas uma relação temática:

A B C
E será (re)construída uma cidade sobre a ruína dela,
B C A
e uma habitação sobre o seu lugar se assentará.

O sujeito da ação não é Javé. Na primeira afirmativa, o ‘agente’ é passivo: “uma


cidade” é “construída” (hnB' banah nifal vav consecutivo perfeito). Na segunda, o ‘agente’ é

ativo: “uma habitação” “se assentará” (bv;y yaxab qal imperfeito “assentar”). De qualquer

modo, as duas frases descrevem o efeito da ação de Javé, referida nas duas primeiras frases.
O v.19 continua se referindo aos efeitos da ação de Javé, mas numa linguagem própria.
Esse v.19 possui seis sentenças, em três pares:
107

E sairá deles a ação de graças,


e o som de risos.
E os multiplicarei,
e não diminuirão;
E os glorificarei,
e não serão insignificantes.

Nota-se que, enquanto no v.18 os sufixos pronominais estão na 3ª pessoa singular, nesse
v.19 os sufixos estão na 3ª pessoa plural. Mas, é claro, a “ação de graças” e o “som de risos”
certamente são uma resposta à libertação evocada no v.18. O vav conectivo (“e”) no início do
v.19 também evidencia isso. Por outro lado, após as duas sentenças iniciais, seguem dois
pares de afirmações, que conferem ao v.19 uma estruturação própria. Cada par inicia-se com
uma ação divina (“e os multiplicarei/e os glorificarei”), descrevendo na sequência um efeito
da ação divina (“não diminuirão/e não serão insignificantes”).
Portanto, esse v.19 apresenta certa diferença literária em relação ao v.18. O v.19
apresenta uma estruturação poética peculiar, apesar de estar em continuidade com o v.18.
Identificam-se, pois, duas estrofes: uma no v.18 e outra no v.19.
Uma terceira estrofe pode ser percebida nos v.20-21. No v.20 notam-se três frases:
E serão os filhos dele como outrora,
e a assembleia dele diante de mim será estabelecida,
e castigarei a todos os opressores dele.

A primeira frase refere-se ao ~d,q, qedem “outrora”, a um passado. O sufixo

pronominal singular masculino no substantivo !Be ben “filho” (wyn"b' banayv “filhos dele”)

certamente refere-se ao “Jacó” mencionado no início do v.18. Isso significa que a ação de
Javé para “Jacó” se efetuará no futuro com base no passado. Na segunda frase, no entanto,
ação volta a focalizar somente o futuro: o verbo !WK kun nifal, no imperfeito, denota uma ação

inconclusa, que, neste caso, é futura. A terceira frase é decisiva. O sujeito é Javé, que
desenvolverá uma ação futura decisiva: castigará (dq;P' paqad qal perfeito vav consecutivo

“castigar”) os “opressores” de Jacó.


É óbvio que a dimensão temporal nos verbos hebraicos não pode ser rigidamente
estabelecida. Isso porque, a rigor, o verbo hebraico não denota tempo, mas ação, que pode ser
108

concluída (verbo no perfeito) ou inconclusa (verbo no imperfeito). Mas, quanto à


temporalidade, pela análise da disposição verbal do v.18 e do v.19, percebe-se que há uma
ação contínua de Javé, originada no passado, existente no presente e persistente até o futuro.
Por isso, a ação pode ser no presente (v.18: verbo bWv xub particípio “voltar”, traduzido por

“revertendo”), no futuro (os verbos imperfeitos no v.18-21), ou no passado (~d,q, qedem

“outrora”, primeira frase do v.19). Portanto, a “assembleia” (hd'[e ‘edah) será firmada quando

Javé intervir a favor dela, castigando os seus inimigos. Assim, a segunda e a terceira frases
apontam para uma expectativa da ação de Javé no futuro, que aponta ao reestabelecimento de
uma ordem do passado/“outrora”.
O v.21 continua a temática do v.20. Mas nele (v.21) há uma surpresa. Surge uma
expectativa messiânica:
E será/acontecerá o grandioso dele da parte dele
e o governador dele do meio dele sairá.

Em relação ao v.20, essas duas frases repetem um mesmo conteúdo, e intensificam as


articulações já propostas nos versos anteriores. Pois o surgimento de um messias é indicado
(“o grandioso”/“o governador”), bem como o seu pertencimento a Jacó (sufixo pronominal na
terceira pessoa: “dele”) e sua origem de Jacó (“da parte dele/do meio de dele”).
Se as duas primeiras frases do v.21 indicam a relação entre o messias e sua comunidade,
as duas frases seguintes referem-se à relação entre ele e Javé:
Eu o farei aproximar,
e será aproximado para mim.

Na primeira frase, Javé age, aproxima (br;q' qarab hifil perfeito “aproximar”) para si o

grandioso/governador. A segunda frase descreve o efeito da ação divina: o líder político “será
aproximado” (vg:n nagax nifal vav consecutivo perfeito “aproximar/chegar perto”) de Javé.

No v.21 ainda há uma última frase:


Pois quem seria este (que) arriscaria o seu coração para se aproximar para mim?. Esta
frase é um tipo de ‘sobra’, pois, em relação às demais frases, ela é mais longa e não repete o
conteúdo das frases anteriores.
109

Portanto, o estilo de Jr 31,18-21 é nitidamente poético. As repetições frasais são


flagrantes. A poética deste texto desenvolve-se por três estrofes: a primeira estrofe, no v.18; a
segunda estrofe, no v.19; e a terceira estrofe, nos v.20-21.

É difícil definir o gênero literário de Jr 30,18-21. No início do trecho, usa-se a “fórmula


do mensageiro” (hw"hy> rm;a' hKo koh ’amar YHVH “porque assim diz Javé”, início do v.18),
e no final emprega-se o “dito do mensageiro” (hw"hy>-~aun> ne’um YHVH “dito de Javé”, fim

do v.21). Tal terminologia é muito comum na entrega de mensagens. 474 A mensagem


profética jeremiana, por esta terminologia, anuncia a restauração social (v.18 + v.19 + v.20)
através do soerguimento de uma figura messiânica (v.21). Portanto, pode-se afirmar que os
v.18-21 são um dito divino proponente de consolo e promessa.

O Lugar

A pesquisa bíblica tem sugerido várias hipóteses para a datação de Jr 30,18-21. De


acordo com William Holladay, a perícope precisa ser datada por volta de 587 a.C.; tratar-se-ia
de um texto dirigido ao Israel/Norte, aplicado por Jeremias à realidade de Judá no século
6.a.C., quando o Estado de Judá caiu pelo ataque dos babilônicos.475 Numa linha parecida,
Nelson Kilpp acredita que a promessa de reconstrução endereça-se ao arruinado Estado de
Judá, especialmente a Jerusalém, em tempos exílicos ou pós-exílicos. Nesta perspectiva, o
texto defenderia o Estado judaíta, em especial Jerusalém, anunciando a libertação do jugo dos
opressores.476

Entretanto, é possível que nossa perícope situa-se em tempos pré-exílicos, nas primeiras
atuações de Jeremias no interior de Judá. Estaríamos na época de Josias, cujo reinado estende-
se de 639 até 609 a.C. Pois a referência de Jeremias às terras nortistas 477 relaciona-se com o
expansionismo josiânico àquelas regiões (veja 2Rs 23.15-20). Nessa época, o império assírio
começou a ruir, o que abriu as portas para a expansão do reino de Josias.478 Acontece a
reforma de Josias, em 622 a.C. (2Rs 22-23). Segundo Milton Schwantes, a reforma josiânica
foi uma espécie de pacto entre a cidade (Jerusalém) e o campo, ancorado em Deuteronômio

474
Claus Westermann, Basic Forms of Prophetic Speech, Cambrigde/Louisville, The
Lutherworth/Westminster/John Knox Press, 1967, 391p.
475
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.156-159.
476
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.132. Em nota de rodapé (nota 132), Kilpp cita, entre outros
textos, Jr 31,23; 32,44; 33,11. Supostamente estes textos fazem referência ao Estado de Judá.
477
Além de Jr 30,19-21, veja 2,4.14.26.31; 3,2; 4,2; 31,2-5.
478
Veja Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, (vol.2 “Da época da divisão do reino até
Alexandre Magno”), p.387-407.
110

12-26.479 Alguns aspectos da reforma interessavam à cidade de Jerusalém, como por exemplo,
a centralização do culto e dos sacrifícios. Mas outros pontos da reforma continham interesses
do campo. “O campo tinha interesse na afirmação do tribalismo, do povo, de que todos são
irmãos (um dos conteúdos mais importantes do Deuteronômio). Ao campo, ainda interessa a
afirmação de Javé, Deus único, pois no tempo dos assírios haviam-se multiplicado os cultos
da fertilidade”.480
Há ainda outra informação importante sobre a reforma de Josias e o século 6 a.C.
Segundo Schwantes, desde 701 a.C., quando os assírios arrasaram Judá, destruindo 46
cidades, os templos interioranos e a vida urbana praticamente inexistiam. “Assim confirma a
arqueologia. Tudo estava por terra. Desde 701 a.C., Judá estava, por assim dizer,
desurbanizada!”.481 Ou seja, para Schwantes, não havia templos no interior de Judá para
serem abandonados, e a reforma de Josias tão somente sanciona o status quo. Para a presente
tese, que exercita a interpretação de Jr 30,18-21 na perspectiva tribal, a seguinte informação é
relevante: no século 6 a.C. o movimento tribal é amplamente divulgado. Jr 30,18-21 encaixa-
se justamente nesse cenário.
É possível ser mais específico na datação de Jr 30,18-21. Jeremias começou a atuar no
13º ano do reinado de Josias, em 627 a.C. Até 622 a.C., o profeta profetizou em Anatote.
Portanto, um primeiro período do ministério de Jeremias pode ser datado nos anos 627 a 622
a.C., quando na infantilidade de Josias. A partir de 622 a.C., até 609 a.C., na fase adulta de
Josias, o profeta de Anatote silenciou-se.482 É que nesse período Josias concentrou a reforma
muito mais em Jerusalém e ao redor de sua própria pessoa do que nos interesses tribais
camponeses. Se, por um lado, a reforma suprimiu os cultos aos falsos deuses, por outro lado,
ela tendeu a uma ideologia expansionista, o que certamente não agradou a Jeremias.
Portanto, nos anos antecedentes à reforma, entre 627 a.C. e 622 a.C., Jeremias,
benjaminita, demonstra especial interesse pelas tradições do Norte israelita (Jr 2,4 – 4,2). É o
que se constata nesses v.18-21: “as tendas de Jacó” (v.18) são palavras alusivas ao Norte (veja
Jr 3,12-13!). A festividade aludida no v.19 parece-se com aquela mencionada em Jr 31,4, que
também se situa em tradições nortistas. Seria alguma festividade da colheita comemorada na
Região Central ou no Norte da Palestina (veja Jz 21,19-23!). A “prisão” certamente refere-se

479
Milton Schwantes, Breve História de Israel, São Leopoldo, Oikos, 2008, p.50.
480
Milton Schwantes, Breve História de Israel, p.50.
481
Milton Schwantes, Breve História de Israel, p.50.
482
Contudo, Rainer Albertz acredita que os textos nortistas estendem-se até 609 a.C. Assim, Jeremias teria
apoiado completamente a reforma de Josias. Veja Rainer Albertz, A History of Israelite Religion in the Old
Testament Period – From Beginnings to the end of the Monarchy, Louisville, Westminster John Knox, vol.1,
1994, p.203 (The Old Testament Library).
111

às deportações e massacres sofridos pela população nortista pelos assírios, em 722 a.C. Desde
aqueles anos, as pessoas do Norte, em especial os camponeses, viviam arrasadas, vitimadas
pelos imperialismos. Assim, aquela população ainda vivia sob a sombra da ‘prisão’. Em suas
primeiras atuações, Jeremias elogiou Josias (Jr 22,15-16!), e apoiou uma reforma religiosa nos
moldes do tribalismo. Neste caso, o interesse seria a supressão do imperialismo assírio sobre o
interior de Judá e do Norte. Mas, quando iniciou a reforma josiânica, que se efetivou pela
imponente ideologia monárquica jerusalemita, o profeta silenciou-se. Aliás, é possível afirmar
que o “grandioso” (30,21) refere-se a um messianismo contraposto a toda figura
expansionista. Pois a afirmação messiânica do texto de Jeremias é tipicamente sectarista: o
“grandioso” surgiria “da parte dele” e “do meio dele”. Ora, o ‘grandioso’ surgiria
especificamente do meio de um grupo social, a saber, Jacó. Tratar-se-ia de um segmento
social específico, possivelmente os camponeses.
Estaríamos, assim, num messianismo interiorano, camponês, bem típico das primeiras
atuações de Jeremias, entre os anos 627 e 622 a.C. É possível ainda avançar um pouco após
622, quando a reforma josiânica radicalizou-se. As últimas palavras de Jeremias, em sua
primeira atuação profética, apontariam certo vínculo à proposta da reforma de Josias, desde
que tal reforma se moldasse nos princípios do tribalismo. Depois da morte do rei reformador,
em 609 a.C., Jeremias voltaria a atuar, mas num novo cenário político, marcado pelas tensões
políticas internas em Judá proporcionadas pelo domínio egípcio, viabilizado em Judá por
Jeoaquim.

2.4.7 – Jr 31,2-6

A Forma

A questão da coesão interna de Jr 31,2-6 é difícil de ser respondida. No v.2 “Israel” é


apresentado na 3ª pessoa do verbo ac'm' masa’ qal perfeito “encontrar”, e também é referido

pelo verbo %l;h' halak qal infinitivo (ou particípio483) “andar”. No v.3a, Israel também é

mencionado na terceira pessoa (“para ele”; neste caso, seguimos a tradução grega, já que o
TM apresenta yli li “para mim”, 1ª pessoa, que não combina muito com a conjugação verbal

do v.2 onde Israel é referido na 3ª pessoa). Os v.3b-5, por sua vez, são palavras de Javé para a

483
Veja BHS.
112

“virgem de Israel” (v.4). E, finalmente, o v.6 é um convite dos “vigias” para que Israel
(“Efraim”) subisse para Sião, a fim de adorar Javé.

Ou seja, no v.2-3a “Israel” é mencionado; no v.3b-5 uma palavra de salvação é dirigida


a ele, e no v.6 um convite lhe é dirigido. Assim, a mensagem desta perícope apresenta três
estratos literários. Isso porque na construção sintática há distintos sujeitos e diferentes
conjugações verbais. Por outro lado, esses estratos estão interligados pela referência ao
Israel/Norte: “Israel” (v.2), a “virgem de Israel” (v.4), as “montanhas de Samaria” (v.5) e a
“montanha de Efraim” (v.6). Portanto, convém afirmar que a unidade de Jr 31,2-6 compõe-se
por três estrofes: primeira, v.2-3a; segunda: v.3b-5; e terceira: v.6.

As duas primeiras estrofes apresentam um estilo poético. Na primeira estrofe (v.2-3a),


após o “dito do mensageiro” (hw"hy> rm;a' hKo koh ’amar YHVH “porque assim diz Javé”),
leem-se quatro frases que se referem a “Israel”:

2
Ele encontrou graça no deserto,
povo de sobreviventes de espada,
aquele que anda para o seu repouso, Israel.
3
De longe Javé olhou para ele

A segunda estrofe (v.3b-5) também é poética. No v.3b, há duas frases:

e com um amor eterno eu te amei,


por isso arrastei para ti a bondade.

As duas frases repetem uma mesma ideia: o “amor” (hb;h]a; ’ahabah) e a “bondade”

(ds,x, hesed) de Javé.

Nos v.4-5 notam-se três frases regidas pela partícula adverbial dA[ ‘od “novamente”.
Essas frases apresentam uma ação de Javé, sendo que cada uma delas é seguida por uma
consequência da intervenção divina. Deste modo, a seguinte estruturação poética pode ser
observada:

4
Novamente te construirei,
113

e serás reconstruída, virgem de Israel.


Novamente te enfeitarás com os teus tamborins,
e sairás em meio a danças de risos.
5
Novamente plantarás vinhas nas montanhas de Samaria,
plantaram aqueles que plantam,
e colherão.

Notam-se três conjuntos de frases. Cada conjunto possui duas frases interligadas por
uma mesma temática. No primeiro conjunto (v.4a), as duas frases apontam para o “construir”
(hnB' banah qal imperfeito / hnB' banah nifal vav consecutivo perfeito “construir”.) de

Israel. Na primeira frase, Javé é sujeito do verbo, enquanto que na segunda o mesmo verbo
está no passivo (nifal), tendo Israel como referente; assim essa segunda frase apresenta um
efeito da ação de Javé. No segundo conjunto (v.4b), Israel é o sujeito dos verbos. As duas
frases enfocam a festa (“tamborins”, “danças de risos”) decorrente da reconstrução
mencionada nas frases anteriores.

As duas frases do terceiro conjunto (v.5) focalizam o “plantar” ([j;n nata‘ qal

imperfeito /[j;n nata‘ qal perfeito). Na primeira frase, o sujeito do verbo é ‘Israel’, enquanto

que na segunda o sujeito são os agricultores de Israel (“aqueles que plantam”). E, no final do
v.5, lê-se mais uma frase/expressão: “e colherão”484. Essa última frase/expressão relaciona-se
com a frase anterior (“plantarão aqueles que plantam”), referindo-se ao desfrutar da colheita.
Nota-se também que essa frase/expressão quebra o ritmo poético dos conjuntos anteriores,
onde líamos duas frases entrelaçadas. Por isso, literariamente, convém considerar essa última
frase/expressão como um tipo de ‘amarre’ da estrofe iniciada no v.3b.

O v.6 não apresenta repetição de frases. Portanto, não se constituí poesia. Trata-se de
uma ordem (~Wq qum qal imperativo “levantar” ) e um convite (hl'[' ‘alah qal imperfeito

“subir”) para que os israelitas do Norte subissem ao templo de Jerusalém, a fim de celebrar
“Javé, nosso Deus”. Apesar das diferenças formais entre essa estrofe (v.6) e as duas
anteriores, há, entre elas, uma continuidade: o ~wOy yom “dia” mencionado no v.6 certamente é

o tempo da salvação anunciado nos v.2-5.

484
ll;x'
No capítulo três, a presente tese propõe que o verbo I halal piel vav consecutivo perfeito “profanar” ,
no contexto das afirmações de Jr 31,5, deve ser traduzido como “colher”.
114

Quanto ao gênero literário, Jr 30,2-6 é uma proclamação de salvação que anuncia


restauração.485 Para a construção literária do anúncio de salvação, o texto utiliza a “fórmula
do dito do mensageiro” (v.2a: hw"hy> rm;a' hKo koh ’amar YHVH “porque assim diz Javé”). A
perícope de Jr 30,2-6, especialmente nos v.2-3, aproxima-se dos anúncios de salvação de
Oseias (compare o v.2 com Os 2,14 [TM: 2,16]; o v.3 com Os 11,1-4).

O Lugar
Jr 31,2-6 pode ser atribuído ao profeta Jeremias. A “teologia do deserto” encontrada no
v.2 é uma herança do profeta Oseias do século 8 a.C. (veja Os 2,14 [TM: 2,16]). Essa mesma
temática é encontrada em Jr 2, texto considerado pela pesquisa bíblica como a literatura mais
primitiva de Jeremias.486 A declaração do “amor” (hb;h]a; ’ahabah) e da “bondade” (ds,x,

hesed) de Javé por Israel (v.3) também foi anunciada por Oseias (Os 11,1; veja Os 2,19 [TM:
2,21]).

Pode-se questionar a autenticidade do v.6, por tratar-se de um convite para a adoração


no Templo de Jerusalém, que foi severamente criticado por Jeremias (Jr 7-11)? O profeta de
Anatote dialogou com a “teologia de Sião” (Sl 122,1; Is 2,3; Mq 4,2)? Essa questão pode ser
respondida positivamente, se considerarmos que a crítica ao Templo (Jr 7-11) pertence a outro
período da pregação jeremiana, procedente da época de Jeoaquim, enquanto que o convite
para a adoração no Templo pertence a um estágio anterior, provavelmente quando Jeremias
apoiou a reforma de Josias, que convocou as populações do Israel/Norte para a adoração em
Jerusalém (2Rs 23,15-23). É verdade que a questão acerca do vínculo entre Jeremias e a
reforma josiânica ainda não foi suficientemente respondida pela pesquisa bíblica. Entretanto,
considerando a menção positiva que Jeremias faz de Josias (Jr 22,15-16), é possível afirmar
que Jeremias apoiou a reforma do rei de Judá, pelos menos em seus inícios, quando o profeta
vislumbrou a possibilidade da reforma favorecer a causa dos pobres e camponeses do interior
de Judá. Portanto, pelas constatações acima, pode-se datar Jr 30,2-6 nos anos iniciais da
reforma de Josias, iniciada em 622 a.C.

O lugar vivencial de Jr 30,2-6 é a celebração cúltica de camponeses. São pessoas que


plantam vinhas sobre as “montanhas de Samaria” (v.5), que tocam “tamborins” e saem em
meio às “danças de risos” (v.4b). No caso, a celebração tem um rumo: Sião, Jerusalém (v.6).

485
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.168.
486
Ernst Sellin, Georg Fohrer, Introdução ao Antigo Testamento, p.551. Veja ainda William L. Holladay,
Jeremiah 1, p.77-81; Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund, p.21-28.
115

Portanto, são peregrinos que marcham para Jerusalém, a fim de adorar Javé (Sl 122).
Conforme Jr 41,4-5, vários anos após a reforma de Josias, no período imediatamente posterior
à queda de Jerusalém de 587 a.C., ainda havia homens de Israel/Norte que peregrinavam para
Jerusalém a fim de oferecer oblações e incenso. Ora, o que lemos em Jr 41,4-5 é a perduração
do efeito do convite de Jr 31,6.

2.4.8 – Jr 31,7-9

A Forma

Jr 31,7-9 é uma continuação de Jr 31,2-6. Voltz anexa o v.9 ao v.6, e outros exegetas
sugerem a leitura dos v.7,9c com o v.6 como conclusão aos v.2-6.487 À semelhança do v.6,
prosperidade e vida cúltica caminham de mãos dadas.488

Não existe um consenso entre os exegetas se devemos tratar Jr 31,7-14 como uma
unidade literária ou como duas pequenas unidades (Jr 31,7-9 e Jr 31,10-14). A presente tese
considera duas perícopes distintas, pois, ao que parece, a expressão no início do v.10 (“ouvi a
palavra de Javé”) inicia outra unidade de sentido. Apesar disto, é possível perceber certas
semelhanças entre Jr 31,7-9 e 31,10-14. Em ambas as unidades, a mensagem é dirigida para
“Jacó” (v.7; v.11). Também nota-se uma similaridade de linguagem:

1) O uso da raiz verbal [m;v' xama‘ “ouvir”: v.7: W[ymiv.h; haxmi‘u “fazei-

vos ouvir”; v.10: W[m.vi xim‘u “ouvi”.

2) O uso da raiz verbal !n:r" ranan “gritar”: v.7: WNr' rannu “gritai”; v.12:

WnN>rI rinnenu “e gritarão”.


3) O uso da raiz verbal #b;q' qabas “reunir”: v.8: ~yTic.Bq; i qibbastim “eu
os reúno”; v.10: WNc,B.qy; > yeqabsennu “o reunirá”.

4) O uso da raiz verbal bWv xub “voltar”: v.9: Wab'W uba’u “e eles

voltarão”; v.12: Wab'W uba’u “e eles voltarão”.

487
Robert P. Carrol, The book of the Jeremiah, p.592.
488
Robert P. Carrol, The book of the Jeremiah, p.594. Veja também William L. Holladay, Jeremiah 2, p.168.
116

5) O uso do substantivo ~[; ‘am “povo”: v.7: ^M.[; ‘ammeka “o teu

povo”; v.14: yMi[; ‘ammi “o meu povo”.

6) O uso do substantivo ~yIAG goyim “nações”: v.7 e v.10.

7) O uso da raiz verbal rm;a' ’amar qal imperativo “dizer”: Wrm.aiw>


ve’imru “e dizei” (v.7 e v.10).

Além disto, também nota-se que em ambas as unidades: 1) Javé é apresentado como
libertador (v.7c e v.11); 2) Javé é apresentado como pastor que carinhosamente cuida do
seu rebanho (v.9: “conduzi-los-ei para os ribeiros de águas” [Sl 23,2]; v.10: “e guardará
como aquele que pastoreia o seu rebanho”); 3) descreve-se a alegria decorrente da
libertação (v.7: hx'm.fi simhah “regozijo”; v.13: xm;f.Ti tismah “terá alegria”; v.13:

~yTix.M;fi simmahtim “os alegrarei” ); 4) destaca-se a união daqueles que experimentam a


salvação (v.8 e v.13: wD'x.y: yahdav “juntos”); 5) os dois poemas celebram a volta de Israel

para a terra prometida.

Contudo, algumas diferenças entre Jr 31,7-9 e 31,10-14 podem ser notadas. No v.7, a
mensagem é dirigida a “Jacó”, enquanto que no v.10 a mensagem é dirigida às “nações”. Em
Jr 31,7-9 há uma linguagem que focaliza o processo da volta dos exilados, enquanto que Jr
30,10-14 apresenta uma linguagem que evoca imagens do mundo pastoral e enfatiza a
fertilidade da terra como usufruto dos exilados (veja Jr 31,4-5).489

Portanto, a delimitação literária de Jr 31,7-9 pode ser comprovada. Também é


importante observar a coesão interna desses versículos. Após a forma introdutória
constituída pela “fórmula do dito do mensageiro” (v.2a: hw"hy> rm;a' hKo koh ’amar YHVH
“porque assim diz Javé”), o v.7 apresenta uma séria de imperativos:

WNr' gritai (de alegria)

Wlh]c; “jubilai” (ou “gritai estridentemente”)

W[ymiv.h “fazei-vos ouvir”

489
Robert P. Carrol, The book of the Jeremiah, p.594.
117

Wll.h; “louvai”

Wrm.ai “dizei”

[v;Ah “salva”

No v.8a, a primeira pessoa, tendo Javé como sujeito, referida no v.7, aparece
novamente. A partir do v.8a, a fala de Javé perpassa toda a unidade literária:

“Eis que os trago...os reúno” – v.8a.

“...os trarei...conduzi-los-ei” – v.9a.

“Porque sou para Israel como pai” – v.9b.

Por outro lado, em alguns momentos os sujeitos da ação são os exilados, como no final
do v.8 e no início do v.9:

“E eles voltarão para cá” – v.8c.

“Em choro virão” – v.9a.

Deste modo, o v.8c faz uma conexão com o v.9.

Grande parte dos pesquisadores bíblicos já constatou que, em termos formais, é difícil
perceber a relação entre o v.9b e os v.7-9a. Isso porque a terceira do plural, empregada nos
v.7-9, desaparece, e em seu lugar, no v.9b, usa-se a terceira singular (“Israel/Efraim”). Mas a
coesão entre o v.9b e o restante da perícope pode ser mantida, se entendermos que o
“Israel/Efraim” é o corporativo dos exilados, referidos pelo plural nos versos anteriores.

Também é preciso notar outra questão. O v.9a, diferente do júbilo do v.7, descreve o
“choro” dos exilados. De qualquer modo, as lágrimas aparecem no contexto da salvação, e,
conforme averiguaremos na interpretação dos conteúdos, o choro é de alegria e não de
tristeza.

Quanto ao estilo, pode-se afirmar que os v.7-9 são marcadamente poéticos. No início do
verso 7, lemos duas frases repetitivas:

Gritai para Jacó, alegremente.


Jubilai com a primeira das nações.
118

A repetição é sintética, na medida em que a segunda frase apresenta novos contornos


em relação à primeira. Na primeira frase, o interlocutor é arguido a dirigir-se “para Jacó”,
enquanto que na segunda ele deve alegrar “com” Jacó (“a primeira das nações”). No texto
hebraico, duas preposições são empregadas: l. le “para” (“para Jacó”), e B. be “com/em

(“com a primeira das nações”). Além disto, dois outros elementos ressaltam a progressão da
segunda frase: 1) o grito de alegria na segunda frase é muito mais forte do que na primeira, já
que na segunda o verbo lh;c' sahal qal imperativo “jubilar” é muito mais incisivo: é um

relinchar, como dos cavalos!; 2) a expressão “a primeira das nações” aprofunda a identidade
de “Jacó”, e ressalta sua preeminência em relação aos demais povos.
Na sequência do verso, a repetição constitui-se por verbos imperativos. Há três verbos,
seguidos por um quarto que inicia uma frase:
Fazei-vos ouvir,
Louvai,
E dizei:
Salva, Javé, o teu povo.

No v.8a leem-se duas frases relacionadas entre si:


Eis que os trago da terra do norte,
e os reúno das extremidades da terra.

Não é possível dizer que existe meramente um ‘paralelo’ entre as frases, já que a
segunda não somente repete os conteúdos da primeira, mas aprofunda-os. Na primeira frase,
Javé traz os exilados (awOB bo’ hifil particípio “trazer/fazer vir”). Na segunda frase, Javé reúne

essas pessoas (#b;q' qabas piel vav consecutivo perfeito “reunir”). O primeiro verbo destaca a

vinda dos exilados; o segundo verbo afirma a organização dos exilados. Ademais, nota-se que
o local de libertação, na primeira frase, é a “terra do norte”, enquanto que na segunda frase,
este local é ampliado para as “extremidades da terra”.
O v.8b apresenta características prosaicas. Destacam-se alguns grupos que retornam
junto com os exilados. No v.8c, por sua vez, há duas frases:
Juntos: uma grande assembleia.
E eles voltarão para cá.
Não há repetição entre elas. Portanto, o estilo formal do texto é prosaico.
119

O v.9 é poético. É o que se constata pela repetição das frases. No v.9a leem-se três
frases:
Em choro virão,
com misericórdia eu os trarei,
conduzi-los-ei para os ribeiros de águas.

Na primeira frase, o sujeito são os exilados, enquanto que nas frases seguintes o sujeito
é Javé.
No v.9b também é possível identificar a repetição:
Porque sou para Israel como pai,
e Efraim (ele é) o meu primogênito.

Aparentemente pode-se constatar a ‘paralelidade’ entre as frases. No entanto, como já


tem sido notado pela presente tese, a poesia jeremiana não somente repete conceitos.
Aprofunda-os mediante a repetição. Isto é evidenciado nesse v.9b. Em ambas as frases, o
referencial principal é Javé, que se apresenta como ba' ’ab “pai”. Contudo, na primeira

frase, o foco está sobre o “pai”, enquanto que na segunda está sobre o filho, designado como
rwOrB. beror “primogênito”. Quer dizer, “Israel/Efraim” não somente é filho de Javé (primeira

frase); é o seu filho principal, o mais velho (segunda frase). Portanto, a poesia jeremiana
inova mediante as repetições!

É possível perceber pelo menos três gêneros literários em Jr 31,7-9:

1) O v.7 é uma convocação articulada por vários imperativos. É um tipo de


convocação para arautos490, que deveriam anunciar a mensagem de salvação do povo
de Javé.
2) Os v.8-9 constituem-se um oráculo de salvação, que anuncia a salvação
de Javé e seus efeitos sobre aqueles que a experimentam.491
3) O v.9b é uma variação da “fórmula da aliança” (veja 31,1). No contexto
literário do texto jeremiano, essa fórmula conclui a estrofe poética iniciada no v.7. Em
2Sm 7,14, a fórmula é empregada como parte de uma ideologia real de adoção492, e

490
Veja Hans Walter Wolff, Joel and Amos, p.191, n.3.
491
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.170.
492
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.168.
120

este mesmo conceito transparece na teologia da aliança proposta por Jeremias,


conforme veremos na análise dos conteúdos.

O Lugar

Costumeiramente a pesquisa bíblica atribui Jr 31,7-9a ao Deutero-Isaías, datando-o no


período exílico ou pós-exílico. A linguagem desta unidade literária, juntamente com Jr 31,10-
14, assemelha-se a Is 40-55.493 Por exemplo, Jr 31,7-9 assemelha-se em alguns aspectos a Is
44,23; 48,20-24; 49,13; 52,9-10.494 Depois da queda da Babilônia, desenvolveu-se entre os
exilados a ideologia de Sião como centro de adoração a Javé e como um lugar para onde se
deveriam fazer peregrinações. Assim, Jr 31,7-9 supostamente pertenceria ao período persa,
quando os judeus alimentavam diversas expectativas da reconstrução urbana e rural de
Judá.495

Já em relação ao final do v.9 (“Porque sou para Israel um pai, e Efraim (é) meu
primogênito”), os comentaristas geralmente são mais otimistas, ao que diz respeito à
antiguidade de sua origem. Supostamente trata-se de uma antiga fórmula inserida numa
“atualização” pós-exílica (31,7-9a).496 No entanto, a presente tese considera o final do v.9
como uma herança da literatura de Oseias (Os 11,1), e deve ser relacionada a Jr 31,2-6.497 Isso
porque, conforme a presente tese já tem evidenciado, existe uma inegável influência da
literatura nortista de Oseias sobre Jeremias.

É importante destacar que nem tudo no texto jeremiano assemelha-se ao Deutero-Isaías.


Na verdade, uma simples comparação entre os textos demonstra que as diferenças são maiores
do que as semelhanças. Por exemplo, as expressões !Apc' #r,a,me me’eres sapon “da terra do
norte” e #r,a'-yteK.r>Y:mi miyyarkkete-’ares “das extremidades da terra” (v.8) simplesmente não

aparecem no Deutero-Isaías. Em Jr 6,22, o texto jeremiano usa as duas expressões. Na


verdade, Jr 31,8 é uma reversão de 6,22. Ademais, o v.9b aplica a libertação de Javé às terras
do norte (Israel/Efraim). Deste modo, é possível afirmar a originalidade de Jr 31,7-9.

493
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.143-146; Robert P. Carrol, The book of the Jeremiah, p.592.
494
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.143.
495
Robert P. Carrol, The book of the Jeremiah, p.593.
496
Veja uma discussão sobre isso em Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund, p.66.
497
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.168. Veja uma discussão sobre isso em William Mckane, A Critical and
Exegetical Commentary on Jeremiah, Edinburgh, T. & T. Clark, vol.2, 1996, p.792.
121

Para vários estudiosos, Jr 31,7-9 (junto com Jr 31,10-14) pode ser atribuída ao profeta
Jeremias (Rudolph, Weiser). Outros defenderam a tese de que as palavras jeremianas podem
ser encontradas em 31,5-6.9b,10b-13 (Volz), enquanto outros atribuíram a Jeremias os
fragmentos de 31,2-6.7.9b (Bright). Fohrer acreditava que 31,2-14 é um precursor do
Deutero-Isaías, devendo ser datada num período anterior ao profeta do exílio babilônico, já
que não é possível identificar a escatologia de Is 40-55 na perícope de Jeremias.498
Por mais insistente que sejam os argumentos de muitos comentaristas para atribuir Jr
31,7-9 em um período pós-jeremiano, contudo, nada há no texto que negue a autoria de
Jeremias. Os verbos !n:r" ranan e lh;c' sahal (v.7) aparecem juntos em outros textos

proféticos (por exemplo: Is 12.6; 24.14; 54.1), e apresentam-se como verbos costumeiramente
usados no período profético do antigo Israel. Portanto, é plenamente possível afirmar que
Jeremias valeu-se deste vocabulário usual.
O autor do texto solidariza-se com os exilados, mas ele mesmo não está entre eles. No
final do v.8, lemos um advérbio de lugar: I hN'hehennah “aqui, para cá, aqui...acolá; até

agora”499. Os exilados serão trazidos para o lugar onde o escritor do texto está.500 Desde
modo, o pano de fundo geográfico do autor é a Palestina, justamente o lugar onde estava o
profeta Jeremias.
A proposta de Holladay é muito promissora: Jr 31,7-9 aplica para Judá a palavra de
salvação outrora dirigida para o Norte/Israel (31,9b), e o texto foi escrito entre março/abril de
588 e março/abril de 587 a.C.501 A presente pesquisa sugere que a perícope jeremiana foi
escrita um pouco depois, provavelmente depois da queda de Jerusalém, quando Jeremias
alimentava forte esperança da volta dos exilados para a terra prometida.

2.4.9 – Jr 31,10-14

A Forma

Jr 31,10-14 é uma continuação de 31,7-9. Em ambas perícopes, o profeta é ordenado por


Javé para proclamar o anúncio da salvação de Israel/Jacó.

498
Georg Fohrer, citado por William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.793.
499
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.55.
500
Para Giesebrecht, o autor da peça literária reside na Palestina. William Mckane, A Critical and Exegetical
Commentary on Jeremiah, vol.2, p.790.
501
William L. Holladay, Jeremiah 2 , p.161.
122

Jr 31,10-14 compõe uma unidade literária coesa. No v.10a lê-se uma introdução
constituída pelo vocativo “nações”/ “ilhas distantes”. Na sequência, o anúncio de salvação
tem por referencial “Israel”/ “Jacó” (v.10b.11), chamado no v.14 de “meu povo”. Toda a
perícope é constituída por este referencial. Os v.10b-v.14 são perpassados pela temática da
libertação. É verdade que os v.10b-13a são fala do profeta, enquanto que os v.13b-14 são fala
de Javé. Mas essas ‘falas’ são complementares, pois o profeta é representante de Deus e
anuncia sua vontade para o povo. Deste modo, a coesão interna de Jr 31,10-14 pode ser
facilmente constatada.

O estilo de Jr 31,10-14 é muito parecido com outras perícopes jeremianas do Livro da


Consolação, já analisadas pela presente tese. O texto alterna poesia e prosa, e, a rigor, há uma
mescla entre estes dois estilos literários. Esta é uma característica marcante da literatura de
Jeremias, como demonstrado nas páginas anteriores.

A poesia pode ser identificada nos v.10-14. É fácil perceber a repetição das frases, que
tem por objetivo o aprofundamento das ideias teológicas. No v.10 leem-se dois conjuntos de
frases, intermediados pelo verbo rm;a' ’amar qal imperativo “dizer”:

Ouvi a palavra de Javé, nações,


e anunciai às ilhas distantes.
E dizei:
Aquele que espalhou Israel o reunirá,
e guardará como aquele que pastoreia o seu rebanho.

O primeiro conjunto (v.10a) introduz a perícope e conclama as nações para ouvirem a


profecia de salvação, enquanto que o segundo (v.10b) refere-se a Israel como alvo da salvação
de Javé. A repetição das frases como aprofundamento de ideias é percebível no v.10b: na
primeira frase, Javé é o articulador da comunidade dispersa; na segunda, Javé é apresentado
como pastor da comunidade dispersa.

O v.11 é composto por duas frases:

Porque Javé resgatou Jacó,


e redimiu-o da mão do mais forte do que ele.
123

A afirmação da primeira frase é aprofundada na segunda. Nesta segunda frase se diz de


quem “Jacó” é salvo: “da mão do mais forte do que ele”.

O v.12 é formalmente prosaico. Há uma série de verbos conjugados no vav consecutivo


perfeito, e no final, um verbo imperfeito:

E virão,
e gritarão no alto de Sião,
e fluirão ao bem de Javé,
sobre o grão,
e sobre o vinho
e sobre o azeite,
e sobre os filhos do rebanho (de ovelhas),
e sobre o boi.
E será a vida deles como um jardim encharcado,
e não continuarão a desfalecer continuamente.
Observam-se os seguintes verbos:

awOB bo’ qal vav consecutivo perfeito “vir”.

!n:r ranan piel vav consecutivo perfeito “gritar de alegria”.

I rh;n" nahar qal vav consecutivo perfeito “fluir”.

hyh' hayah qal vav consecutivo perfeito “ser/acontecer”.

@s;y yasap hifil imperfeito “continuar”.


Inicialmente descrevem-se três ações consecutivas de Israel (identificado no texto como
a coletividade plural “eles”): “vir”, “gritar de alegria” e “fluir”. Ao que parece, a terceira ação
é a mais importante, porque na sequência há uma série de expressões que explicitam o que
significa o “bem de Javé” (“grão”, “vinho”, “azeite”, “os filhos do rebanho”, “boi”). No final,
dois verbos descrevem o estado dos filhos de Israel: “ser/acontecer” e “aumentar” (no sentido
de “continuar a aumentar”).
124

O v.13a também apresenta o estilo prosaico:

Então terá alegria a virgem na dança,


e os jovens e os velhos, juntos.

Apresenta-se a consequência da descrição da salvação do v.12 (veja a partícula


adverbial za' ’az “então”, no início do v.13). A segunda frase é nominal, sem verbo; contudo,

nela está implícito o verbo xm;v' xamah piel “alegrar” da frase anterior.

Nos v.13b-14 o sujeito dos verbos passa a ser Javé.


13b
E tornarei o lamento deles em alegria,
e os confortarei,
e os alegrarei depois do sofrimento deles.
14
e saciarei a vida dos sacerdotes (com) gordura,
e o meu povo com meu bem se satisfará.

Há uma grande semelhança entre os v.13b-14 e o v.12. Nota-se que, nos v.13b-14, o
estilo é prosaico, e os verbos estão conjugados no vav consecutivo perfeito, com exceção do
último, que é imperfeito:

%p;h' hapak qal vav consecutivo perfeito “virar, subverter”, com o sentido de

“converter”.

~x;n naham piel vav consecutivo perfeito “confortar”.

xm;v' xamah piel “alegrar”.

hw"r' ravah piel vav consecutivo perfeito “saciar” (“estar bêbado”; “encharcar”,

“saturar”).

[;bev' xabe‘a qal imperfeito “satisfazer-se”.


A poesia desaparece no v.14. Aparentemente não existe repetição nesse verso.
125

Quanto ao gênero literário, Jr 31,10-14 foi designado por Holladay como uma “profecia
de salvação”, uma forma literária muito comum encontrada nos acréscimos do livro de Isaías,
especialmente em Is 35.502 A “profecia de salvação” é uma proclamação que diz respeito à
futura salvação de Israel.

O Lugar

Do mesmo modo como Jr 31,7-9, a maioria dos pesquisadores defende a tese de que a
perícope composta por Jr 31,10-14 também não procede de Jeremias, mas supostamente foi
escrita no período do exílio ou pós-exílio pelo(s) mesmo(s) autor(es) que fez(fizeram) adições
no livro de Isaías. Holladay sustenta a hipótese de que Jr 31,10-14 seja uma “profecia de
salvação” pós-exílica, semelhante aos acréscimos secundários do livro de Isaías.503 Ele diz,
por exemplo, que a cena que descreve Israel jubilando-se por causa da libertação de Javé pode
ser comparada com Is 55,11.504 De acordo com Duhm e Volz, o v.10 é um sobrescrito
secundário inserido no texto, já que a mensagem de Jr 31,10b-14 não é dirigida às nações,
mas para “Israel/Jacó”.505 Considerando a linguagem do v.14, Gisebrecht considera Jr 31,10-
14 como pós-exílica, enquanto Volz confirma a originalidade jeremiana da perícope, mas trata
o v.14 como inserção posterior, já que a perspectiva profética de Jeremias dificilmente
defenderia a causa dos sacerdotes.506

Para muitos estudiosos, existe uma semelhança entre de fraseologia e de vocabulário


entre o v.11(hd:P' padah qal perfeito “resgatar” e la;g" ga’al qal perfeito “redimir”) e o

Deutero-Isaías.507 Holladay argumenta que o verbo finito la;g" ga’al não aparece em outros
trechos do livro de Jeremias, embora ele admita que o particípio laeGO go’el “redentor”

aparece em Jr 50,34, um texto considerado pela pesquisa como autenticamente jeremiano. 508
Holladay também afirma que a raiz verbal hd:P' padah “resgatar” aparece somente uma única

vez na literatura de Jr, em 15,21, além de 31,11.509 Para ele, os dois verbos são empregados de
forma paralela somente em Is 35,9-10; 51,10-11, além de Os 13,14 e Sl 69,19.510 Além disto,

502
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.162.
503
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.170.
504
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.170.
505
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.793.
506
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.794; veja também Wilhelm
Rudolph, Jeremia, p.196.
507
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.793.
508
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.162.
509
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.162.
510
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.162-163.
126

a expressão hw<r' !g:K. kegan raveh “como um encharcado” (v.12) é encontrada em Is

58,11.511 O autor também destaca que a fertilidade da terra e o cuidado de Javé, expressos
pela figura das correntes de águas, compõem uma fraseologia muito parecida com o suposto
Trito-Isaías (Is 58,11; 61,11; 66,12) e com outras passagens consideradas como tardias (Is 35;
cf.29,17-31).512

Contudo, é preciso considerar que o livro de Isaías tem um enfoque teológico


completamente distinto de Jeremias. A perspectiva apresentada no texto de Isaías é
nitidamente escatológica.513 No caso de Is 35, o foco é a libertação de Jerusalém do jugo dos
inimigos opressores. As transformações da natureza e a fertilidade da terra (35,7) são imagens
representativas da salvação referida no v.10, descrita como “alegria eterna” (‫ִׂש ְמחַ ת עֹולָ ם‬

simhat ‘olam); nessa salvação futura, “a dor e o gemido cessarão” (tradução da BJ; hebraico:
‫ָחה‬
ָ ‫אנ‬
ֲ ‫ ְונָסּו יָגֹון ַו‬venasu yagon va’anahah). Is 51,11 é uma reprodução literal de Is 35,11. Em

Is 51,9-11, lê-se a vitória de Javé sobre o caos, representado no texto como um oceano
revoltoso, e a libertação de Sião é apresentada como resultado da ação de Javé sobre as forças
caóticas.

A teologia apresentada em Is 61,11 e 66,12 segue a mesma linha de Is 35,9-10 e 51,10-


11. São textos escatológicos. Por outro lado, conforme se demonstrará na análise dos
conteúdos, Jr 31,12 não tem sentido escatológico. A libertação descrita aí diz respeito às
provisões materiais de Javé para as pessoas necessitadas. Também vale destacar que os textos
supracitados de Isaías têm por referencial a cidade de Jerusalém, perspectiva faltante em Jr
30-31514, que, como já foi sustentado nas páginas anteriores, aponta para a reestruturação

511
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.163.
512
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.163.
513
Obviamente a maioria dos pesquisadores bíblicos atuais segue a proposta do século passado de Wellhausen,
qual seja, a escatologia bíblica é fruto de um desenvolvimento natural da religião israelita. De acordo com o
pesquisador alemão, a escatologia surgiu depois do exílio babilônico. A proclamação de juízo da profecia pré-
exílica simplesmente manifestava uma indignação frente à corrupção moral e religiosa, restrita ao âmbito
nacional e político, e não declarava o fim da história e o juízo das nações. A salvação pregada neste antigo
período não se constituía a irrupção de um novo céu e uma nova terra, e definia-se como uma transformação das
estruturas já constituídas. Depois do exílio, segundo a proposta wellhausiana, o conceito de transformações
cósmicas da natureza, como sinal do juízo de Javé para os ímpios e de salvação para os justos, migrou para a
religião veterotestamentária, principalmente em virtude das relações entre a Palestina e as ideias mítico-
religiosas do Antigo Oriente Médio. Contudo, a proposta de Wellhausen foi rejeita por Gunkel e Gressman, que
mostraram que os antigos hebreus já conheciam a linguagem mítica das grandes potências do Oriente muito
antes do surgimento da profecia. Para um debate sobre essa questão, veja Geerhardus Vos, Teologia Bíblica,
traduzido por Alberto Almeida de Paula, São Paulo, Cultura Cristã, 2010, p.346-358.
514
Somente no final do Livro da Consolação aparece uma referência à restauração de Jerusalém (31,38-40), que,
todavia, apresenta-se numa linguagem totalmente diferente daquela encontrada no livro de Isaías.
127

social dos oprimidos e empobrecidos, especialmente aqueles que moravam nas vilas
interioranas de Juda/Sul e Israel/Norte.

É importante também verificar que a expressão ‫ ְכגַן ָרוֶה‬kegan raveh “como um jardim

encharcado” de Is 58,11 tem uma conotação diferente de Jr 31,12. No texto de Isaías, a


mensagem de Javé é direcionada àqueles que priorizam o ritual religioso (jejum) em
detrimento da prática da justiça social. Eles deveriam dar pão à “alma faminta” (Is 58,10), e
caso procedessem assim (veja as partículas condicionais do v.9-10), então receberiam as
provisões de Javé no momento de escassez material; ou seja, os adoradores comprometidos
com a causa social seriam como mananciais cujas águas não se esgotam. No caso do texto de
Jeremias, já temos observado que a libertação de Javé tem como alvo os camponeses e outros
grupos sociais desprezados pela monarquia de Judá. Ou seja, aqueles que são considerados
como “jardim encharcado” em Jr 31,12 são os pobres que são amparados por Javé. Em
contrapartida, aqueles que são como “jardim encharcado” em Is 58,11 são os ricos que
precisam amparar os pobres, para que também sejam amparados por Javé nos momentos de
dificuldades.

Também é notório que Jr 31,10 não pode ser comparado com os textos do Deutero-
Isaías. Em Is 40-55, as “nações/ilhas” são convocadas para se converterem a Javé (veja Is
41,1-6; 42,10-13; 52,9-10). Em Jr 31,10-14, por seu turno, a salvação não é oferecida para as
“nações”, mas somente para “Israel”. A razão é que no texto jeremiano as “nações” são
sistemas políticos organizados opressores, ao passo que no Deutero-Isaias são pessoas de
diferentes etnias que carecem das novas de salvação.

Portanto, segundo o parecer da presente tese, não é possível afirmar a relação entre Jr
31,10-14 e os textos de Isaías considerados pela pesquisa bíblica como ‘tardios’. A perícope
de Jr 31,10-14 encaixa-se perfeitamente na proposta de reestruturação tribal referida nos
demais trechos do Livro da Consolação. É possível sustentar a hipótese de que Jr 31,10-14
tenha sido redigido na mesma linha de 31,2-6: 1) em ambos, descreve-se a alegria da
“virgem” em meio a uma festividade (v.4 e v.13); 2) nos dois textos os celebrantes estão
caminhando em direção a “Sião” (v.6 e v.12). Contudo, Jr 31,2-6 provavelmente foi escrito
nos anos iniciais da reforma de Josias, conforme já foi demonstrado, ao passo que Jr 31,10-14
possivelmente foi redigido nas cercanias de 587 a.C. Isto porque Jr 31,10-14 está bastante
relacionado com 31,9-10, texto datado pela presente tese no contexto imediatamente posterior
ao ataque babilônico sobre Jerusalém.
128

2.4.10 - Jr 31,15-22

A Forma

É difícil saber se Jr 31,15-22 constitui-se uma unidade literária, ou se precisamos seguir


a sugestão da BHS, que identifica as seguintes perícopes: Jr 31,15; 31,16-17; 31,18-20 e
31,21-22. Teríamos então quatro pequenas unidades literárias, sendo que o foco principal
seria a volta de Israel para a terra da promessa (31,17.18.21).

A questão é: pode-se notar uma coesão interna em Jr 31,15-22?

O v.15 apresenta o estilo poético. Após a “fórmula do dito do mensageiro” (“porque


assim diz Javé”), seguem três repetições em torno da “voz/lamento/choro” de Raquel. Essas
três repetições são regidas pelo verbo [m;v' xama’ nifal “ouvir”:

uma voz em Ramá foi ouvida,


um lamento,
um choro de amarguras

Na sequência, notam-se três frases referentes aos ~ynIB' banim “filhos” de Raquel:

Raquel lamenta sobre os filhos dela,


ela se recusa ser consolada sobre os filhos dela,
porque eles não existem.

As duas primeiras frases terminam com a expressão h'yn<B-' l[; ‘al-baneha “sobre os
filhos dela”. Essas frases repetem ideias semelhantes: na primeira, “Raquel lamenta”; na
segunda, “ela se recusa a ser consolada”. A última frase, iniciada com a conjunção yKi ki
“pois”, é a justificativa do “lamento/choro”: “porque eles não existem”. Raquel chora/lamenta
por causa da inexistência de seus filhos.

Aparentemente o v.16 inicia outra unidade de sentido. A “fórmula do dito do


mensageiro” (“porque assim diz Javé”) em seu início parece introduzir uma nova perícope.
Contudo, esse v.16 nitidamente é uma continuação do v.15: Javé ordena para que Raquel, que
129

no v.15 chora a inexistência de seus filhos, contenha seu ykiB. beki “choro”. Após a “fórmula

do dito do mensageiro” (v.16a), o v.16b apresenta duas primeiras frases regidas pelo verbo
[n:m' mana‘ qal imperativo “refrear”:

Refreie a tua voz do lamento,


e os teus olhos da lágrima

O estilo poético é flagrante. As duas últimas frases do v.16 (v.16c) e as do v.17 também
apresentam um estilo poético, embora apresentem traços prosaicos. O vav consecutivo, no
verbo bWv xub qal, no final do v.16 e do v.17, parece conferir um tom prosaico ao texto.
Contudo, em termos formais, as frases estão intimamente entrelaçadas, e ideias similares são
repetidas em cada frase. Mas, não se trata de mera repetição. Pois cada frase pontua um
conteúdo novo. A primeira frase do v.16c e a primeira do v.17 são regidas pela partícula
adverbial vyE yex “haverá/existirá”:

16c
hw"hy>-~aun> %teL'[up.li rk'f' vyE yKi
71
hw"hy>-~aun> %teyrIx]a;l. hw"qT. i-vyEw>

A1 B1 C1

16c
Por que haverá recompensa para o teu trabalho, dito de Javé,
A2 B2 C2
17a
e haverá esperança para o teu futuro, dito de Javé,

A última frase do v.16c corresponde ao v.17b:

16c
byEAa #r,am, e Wbv'w>

~l'Wbg>li ~ynIb' Wbv'w> 17b

A1 B1
130

16c
e eles voltarão da terra inimiga
A2 B2
17b
e voltarão os filhos para o território deles

Portanto, é possível identificarmos uma ‘estrofe’ em 31,15-17, seguida por outras duas
‘estrofes’ em Jr 31,18-20 e 31,21-22. Assim, existe coesão interna em Jr 31,15-22, mas essa
perícope precisa ser dividida em três subunidades/estrofes.

Quanto ao estilo, a análise acima já constatou a repetição das frases nos v.15-17. O
mesmo pode ser observado nos v.21-22, por uma simples leitura na tradução proposta pela
presente tese. Portanto, os v.15-17 e os v.21-22 são poesia. Em contrapartida, os v.18-20 não
apresentam repetição, sendo caracterizados por traços prosaicos.

O Lugar

Jr 31,15-22 é muito semelhante a 31,2-6 + 31,7-9.515 Tanto em Jr 31,15-22 como em


31,2-6 e 31,7-9 um anúncio de salvação é dirigido às populações do Israel/Norte: “Israel”
(v.2.4.7.9.21); “Efraim” (v.6.9.18.20). Também é notável que em Jr 31,7-9 e em 31,16-22
Efraim é referido como filho de Javé (v.9b e v.20a). Deste modo, assim como Jr 31,2-6 e
31,7-9 podem ser considerados textos da autoria de Jeremias, conforme a presente tese
defendeu nas páginas anteriores, certamente também é possível atribuir Jr 31,15-22 ao profeta
de Anatote.

Jr 31,15 exibe uma cena que também é relatada em Jr 40,1-2516: depois da queda de
Jerusalém, os babilônicos reuniram as pessoas que iriam ser transportadas para o exílio, no
povoado de Ramá, que estava entre Gibeon e Beerote (Js 18,25), a 8 km ao norte de
Jerusalém. Jeremias estava entre aqueles que iriam para o exílio. Mas obteve graça por parte
do comandante babilônico, que concedeu permissão para o profeta continuar vivendo em
Judá, na cidade de Mispa, junto com Gedalias (Jr 40,1-6). Deste modo, o que lemos em Jr
31,15 é o registro do choro dos exilados ouvido pelo profeta.

É importante observar que os exilados de Jr 31,15 não são somente os judaítas que
foram levados para a Babilônia.517 Pois quem chora é “Raquel”. Acontece que justamente no

515
J. Unterman, From Repentance to Redemption – Jeremiah’s Thought in Transition, p.38–53. Veja, contudo,
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.195.
516
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.201.
517
De acordo com Becking (p.201-202), a palavra de salvação prometida em Jr 31,16-17 foi direcionada para os
131

povoado de Ramá estava localizado o túmulo de Raquel518, a mãe de José (Manassés e


Efraim) e de Benjamim.519 Raquel era uma das matriarcas das tribos de Israel/Norte. Mesmo
Benjamim, que pertencia ao Sul/Judá, mantinha fortes relações com o Norte, do ponto de vista
geográfico. Portanto, o grupo de exilados apontado pelo profeta é composto por pessoas de
Judá e de Israel/Norte. “O profeta fala como se seu espírito estivesse lamentando a deportação
dos seus descendentes em 722 a.C.”520

2.4.11 - Jr 31,31-34

A Forma

Jr 31,31-34 possui coesão interna. A temática da nova aliança perpassa esses versos. No
v.31, a nova aliança é prometida. O v.32 refere-se ao rompimento da antiga aliança do Sinai,
apontando a necessidade da nova aliança descrita no v. 33, sendo esta completamente
diferente da antiga. O v.34 inicia-se com um vav conectivo “e”, que apresenta a continuidade
entre os v.34 e v.33; os conteúdos do v.34 aprofundam as diferenciações entre a antiga e a
nova aliança. Portanto, Jr 31,31-34 constitui-se uma unidade de sentido bastante coesa.

O estilo de Jr 31,31-34 é prosaico e poético. Essa mescla de estilos pode ser observada,
apesar de a BHS apresentar o texto como sendo unicamente prosaico. Jr 31-33a é prosa. O
v.31 apresenta uma introdução (“eis que dias virão, oráculo de Javé”), seguida por uma longa
frase: “e estabelecerei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma aliança nova”. O v.32
estrutura-se em duas partes. O v.32a é composto por uma frase, seguida por duas frases
subordinadas:

Não como a aliança que estabeleci com os pais deles,

no dia em que eu peguei pela mão deles,

exilados na Babilônia, e não para as antigas populações do Norte/Israel deportadas pelos assírios no século 8
a.C. Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.201-202. Veja também Siegmund Böhmer, Heimkehr und
neuer Bund, p.52; William Holladay, Jeremiah 2, p.188-189: originalmente o texto foi dirigida para os exilados
de Samaria. “But obviously the words become even more appropriatein the recension to the south, for those who
find themselves exiled in Babylon.” Veja também Nelson Kilpp, Niederreissen und aufbauen, p.151-152;
Portanto, o choro de Raquel seria uma designação poética para o lamento dos exilados na Babilônia. Bob
Becking, Between Fear and Freedom, p.202; Robert Carroll, Jeremiah, p.598. No entanto, Raquel é uma
referência à mãe de José (Manassés e Efraim) e de Benjamim. Portanto, Manassés e Efraim estão incluídos entre
os exilados.
518
1Sm 10,2. Veja, contudo, Gn 35,19.
519
Sobre os “filhos de Raquel”, veja Gn 35,24; 46,19.22.
520
R. K. Harrison, Jeremias e Lamentações – Introdução e comentário, p.108.
132

para fazê-los sair da terra do Egito.

O v.32b é composto por duas frases:

porque eles quebraram a minha aliança,

embora eu governasse por eles/neles,

dito de Javé.

O v.32a focaliza a ação divina. O v.32b realça a ação humana contra a aliança divina.

O v.33 apresenta uma contraposição ao v.32. No v.33a, lê-se uma frase alongada, à
semelhança do v.31a.

No v.33b.c o estilo muda da prosa para poesia. Nota-se a repetição das frases. No v.33b,
encontramos um tipo de quiasmo:

A B C

Darei a minha lei no interior deles,

C’ B’ A’

e sobre o coração deles a escreverei.

O v.33c apresenta a “fórmula da aliança” composta por duas frases interligadas:

E serei Deus para eles,

e eles serão povo para mim.

A difícil perceber a diferenciação entre prosa e poesia no v.34a:

E não ensinarão novamente cada um o seu próximo,

E cada um o seu irmão, para dizer:

Conhecei a Javé!
133

A segunda frase é uma repetição da primeira. As duas, juntas, referem-se ao


conhecimento de Javé descrito na terceira frase.

O v.34b é prosaico; apresenta uma frase alongada: Porque todos eles me


conhecerão, dos menores deles até os maiores deles, dito de Javé.

Finalmente, o v.34c é poético e apresenta-se na forma quiasmática:

A B

Porque eu perdoarei a iniquidade deles,

B A

e o pecado deles não lembrarei novamente.

O Lugar

Muitos pesquisadores acreditam que existe um núcleo jeremiano em Jr 31,31-34 que foi
submetido a várias redações da época do exílio e pós-exílio.521 Alguns datam o texto no
exílio522, enquanto outros consideram-no como pós-exílico523.

Grande parte dos pesquisadores bíblicos desacredita na autoria jeremiana de Jr 31,31-


34. Normalmente essa passagem é atribuída aos escritores deuteronomistas.524

521
Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund, p. 47–88; Norbert Lohfink, “Der junge Jeremia als
Propagandist und Poet”, p.87-106; Nelson Kilpp, Niederreissen und aufbauen, p.99-176. Veja H.D. Potter, ‘The
New Covenantin Jeremiah xxxi 31–34’, em Vetus Testamentum, Leiden, E. J. Brill, vol.33, 1983, p.347-357;
Walter Brueggemann, A Commentary on Jeremiah, p.291-295; W. H. Schmidt, Zukunftsgewissheit und
Gegenwartskritik – Grunzuege prophetischer Verkuendigung, Neukirchen-Vluyn, Neukirchener Verlag, 2002,
p.89-91 (Biblisch-theologische Studien; 51).
522
Bob Becking, Between Fear and Freedom,, p.262, nota 70.
523
Robert Carroll, Jeremiah, p.569; Georg Fischer, Das Trostbüchlein, p.270.
524
E.W. Nicholson, Preaching to the Exiles - A Study of the Prose Tradition in the Book of Jeremiah, Nova York,
Schocken,1970; Winfried Thiel, Die deuteronomistische Redaktion von Jeremias 26-45, Neukirchen,
Neukirchener Verlag, 1981, p.24-28 [Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament, 52];
Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant, p.217; Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund, p.78-79. S.
Herrmann, Die prophetischen Heilserwartungen im Alten Testament, p.179-185; William Mckane, A Critical and
Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.823-826; T. Römer, A. de Pury, ‘Deuteronomistic Historiography
(DH): History of Research and DebatedIssues’, em A. de Pury et al.(editores), Israel Constructs its History –
Deuteronomistic Historiographyin Recent Research, Sheffield, 2000, p.77-79 (JSOT.S, 306); Thomas Römer, “Is
there a Deuteronomistic Redaction in the Book of Jeremiah?”, em Albert Pury; Thomas Römer &, Jean-Daniel
Macchi, Israel constructs its history – Deuteronomistic Historiography in Recent Research, Sheffield, Sheffield
Academic Press, 2000, p.409-410 (Journal for the study of the Old Testament: Supplement series; 306); Ralph
134

E. W. Nicholson afirma que a passagem “provavelmente procede de um autor


deuteronomista” 525, e fundamenta sua afirmativa em dois argumentos que comparam o texto
de Jeremias com as supostas fontes deuteronomistas do exílio e do pós-exílio526: 1) a frase “eu
serei o Deus deles e eles serão o meu povo” (Jr 31,33) ocorre nas passagens prosaicas de
Jeremias, que supostamente pertencem à escola deuteronomista (Jr 7,23; 11,4; 24,7; 32,38); 2)
a passagem da nova aliança afirma a necessidade da torah/lei ser interiorizada no coração (Jr
31,33), assemelhando-se assim aos textos deuteronomistas (Dt 6,6; 30,14); uma das
afirmativas dos deuteronomistas é a obediência da torah como resultante da circuncisão do
coração, obra que seria operada pelo próprio Deus (Dt 30,6; cf. 10,16; Jr 4,4).

Para a presente tese, esses argumentos precisam ser reavaliados. 527 Primeiramente, a
suposição de que a frase “eu serei o Deus deles e eles serão o meu povo” pertença
exclusivamente à literatura deuteronomista exílica ou pós-exílica ignora a possibilidade deste
pensamento ser muito mais antigo e ter sido afirmado por outros grupos anteriores ao
movimento da reforma deuteronômica do século 7 a.C. Existem boas indicações na literatura
oseiânica do século 8 a.C. apontando para a teologia expressa na frase “eu serei o Deus deles
e eles serão o meu povo”, qual seja, Deus estabelecendo um novo relacionamento com seu
povo. Se considerarmos a afirmativa de Os 2,25 [TM: 2,23], e também ponderarmos que todo
arcabouço teológico do livro de Oseias se fundamenta no rompimento e reconstrução do
relacionamento matrimonial entre Javé e Israel, ideia também expressa na teologia da nova
aliança (veja o final do v.32, onde o verbo l[;B' ba‘al “governar/ser esposo” é empregado,
indicando que a frase “eu serei o Deus deles e eles serão o meu povo” do v.33 aponta para
uma linguagem que evoca o relacionamento matrimonial entre Javé e seu povo), poderemos
constatar a influência do profeta Oseias sobre o pensamento de Jeremias.528 Essa influência de
Oseias sobre Jeremias se confirma por uma comparação entre Jr 31,32 e Os 2,16-20: em

W. Klein, Israel in Exile, p.64–66. R. Albertz afirma que Jr 31,31-34 insere-se na terceira edição deuteronomista
do livro de Jeremias. R. Albertz, Die Exilszeit 6. Jahrhundert v. Chr., Stuttgart, 2001, p.259. Outros estudiosos
defendem um núcleo jeremiano em Jr 31,31-34, provavelmente composto pelo quiasmo do v.33, que foi
ampliado por redações posteriores. Veja Bernard P. Robinson, “Jeremiah’s New Covenant – Jer 31,31-34”, p.183.
525
“very probably comes from a Deuteronomic author”. E.W. Nicholson, Jeremiah 26-52, p.71. Veja também
E.W. Nicholson, Preaching to the Exiles, p.82.
526
E.W. Nicholson, Jeremiah 26-52, p.71; Preaching to the Exiles, p.82.
527
A pesquisa mais recente tem a apontado as diferenças entre Jr 31,31-34 e a teologia deuteronomista. Claus
Westermann afirma que a conceito de “nova aliança” definitivamente não existe na teologia deuteronomista.
Claus Westermann, Prophetische Heilsworte im Alten Testament p.113. Veja também Bob Becking, Between
Fear and Freedom, p.253; M. Brettler, “Predestination in Deuteronomy 30.1–10”, em L.S. Schearing, S. L.
McKenzie (editores), Those Elusive Deuteronomists: The Phenomenon of Pan-Deuteronomism, Sheffield, 1999,
p.171-188 (JSOT.S, 268).
528
Bernard P. Robinson, “Jeremiah’s New Covenant – Jer 31,31-34”, em Scandinavian Journal of the Old
Testament, vol.15, nº2, 2001, p.182,184.
135

ambos, o conhecimento (raiz [dy yd‘) de Deus é expresso como marca fundamental da

“aliança” (tyrIB. berit). Com essas constatações, a frase “eu serei o Deus deles e eles serão o

meu povo” deixa de ser refém de um único grupo (“deuteronomista”), datado numa época
específica, para pertencer ao patrimônio religioso geral do Antigo Testamento, muito mais
antigo do que a reforma deuteronômica. Então, é possível afirmar que Jeremias fez uso de um
amplo patrimônio religioso presente no antigo Israel.

Em segundo lugar, é preciso notar que a ordem encontrada no livro do Deuteronômio


em relação à interiorização da hrwT
O torah “lei” no coração difere da interiorização anunciada
na nova aliança. Em Deuteronômio, são as pessoas que precisam guardar as palavras da hrwT
O
torah “lei” em seus corações. Em Jr 31,33, a escrita da hrwT
O torah no coração humano não é
obra do esforço humano, mas procede unicamente de Javé. Na nova aliança, é o próprio Deus
quem escreve sua lei no coração humano. “Isto não pode ser comparado com a circuncisão do
coração.”529 Também é importante notar que a narrativa do Deuteronômio focaliza a aliança
estabelecida por Javé no monte Sinai, enquanto que Jr 31,31-34 aponta à caducidade da
aliança sinaíta com o advento da nova aliança.530 Portanto, Jr 31,31-34 independe da literatura
deuteronomista, apesar de assemelhar-se com ela.

Nicholson também observa que muitas narrativas da História Deuteronomista


descrevem a renovação da aliança (Js 24; 1Sm 12; 2Rs 23), que, de acordo com ele, alinham-
se com a nova aliança descrita em Jr 31,31-34.531 Mas uma simples leitura de Jr 31,31-34
desmente essa afirmação: a passagem jeremiana não anuncia uma renovação da aliança, mas
uma nova aliança.

Pelas constatações acima, pode-se concordar com a tese de Lindblom, que, a partir da
análise de Jr 31,31-34 em comparação com Jr 11,1-9, afirmou a relação indissolúvel entre o
pensamento jeremiano e a teologia da aliança.532 Portanto, pode-se atribuir Jr 31,31-34 ao
profeta de Anatote. A afirmação de William L. Holladay é sugestiva 533: a teologia da nova
aliança foi proclamada por Jeremias na festa das tendas do outono de 587 a.C., quando o
“Livro da Lei” deveria ser lido, de acordo com as disposições de Dt 31,10-11, justamente
529
“It is not comparable in this regard to the circumcision of the heart.” Bernard P. Robinson, “Jeremiah’s New
Covenant – Jer 31,31-34”, p.183.
530
Bernard P. Robinson, “Jeremiah’s New Covenant – Jer 31,31-34”, p.183.
531
E.W. Nicholson, Preaching to the Exiles, p.82-83.
532
Johannes Lindblom, Prophecy in Ancient Israel, Oxford, Basil Blackwell, 1962, p.329.
533
William L. Holladay, Jeremiah 1, p.9; Jeremiah 2, p.165.
136

quinze anos após a reforma josiânica de 622 a.C. O templo havia sido incendiado pelos
caldeus seis semanas antes. Então, Jeremias vale-se do contexto da proclamação da aliança,
para anunciar uma nova aliança para aqueles que estavam diante das ruínas do templo e talvez
indagassem sobre a continuidade das promessas divinas sobre o povo escolhido. Talvez o
cenário proposto por Holladay seja deveras especulativo. Mas a proclamação de Jr 31,31-34
encaixa-se perfeitamente nas proximidades dos acontecimentos de 587 a.C., quando a
proclamação da nova aliança proveu um novo fôlego de esperança para aqueles que estavam
entre os destroços de Jerusalém.

2.5 – Considerações Finais

Este capítulo abordou os aspectos formais de Jr 30-31, e também procurou identificar o


contexto histórico de algumas perícopes desse trecho literário, particularmente aquelas que,
conforme demonstrarão os capítulos seguintes da tese, realçam a relação entre a teologia de
Jeremias e o tribalismo.
Quanto à forma, pode-se concluir que:
1) A poesia jeremiana de Jr 30-31 é caracterizada pela repetição de frases.
Não encontramos frases que meramente repetem conceitos, nem frases que alinham
ideias contrárias para desse alinhamento construir uma afirmativa teológica. Se isso
ocorresse, iriamos dizer que a poesia de Jr 30-31 apresentaria o “paralelismo” como
princípio fundamental. No entanto, a nossa apreciação da poesia de Jr 30-31
evidenciou que a estrutura fundamental da poesia jeremiana não é o “paralelismo”,
mas sim, a repetição, através da qual as afirmativas vão sendo construídas e
progressivamente aprofundadas.
2) Jr 30-31 alterna poesia e prosa, e, a rigor, há uma mescla entre estes
dois estilos literários. Esta é uma característica marcante da literatura jeremiana de Jr
30-31. Por essa razão, constitui-se um labor ineficaz a elaboração de diferenciações
entre a prosa e a poesia, para tentar procurar os ditos originais de Jeremias como sendo
“poesia” e os acréscimos redacionais posteriores como sendo “prosa”. Essa abordagem
atrapalha a compreensão do texto de Jeremias.

Quanto ao lugar, é possível concluir que:


137

1) Jr 31,2-6 é uma convocação às populações do Israel/Norte para a


adoração em Jerusalém, pertencente à época em que Jeremias apoiava a reforma de
Josias (2Rs 23,15-23).
2) Jr 30,18-21 foi escrito um pouco após 622 a.C., quando a reforma
josiânica radicalizou-se. Manifesta o interesse da supressão do imperialismo assírio
sobre o interior de Judá/Sul e do Israel/Norte.
3) Jr 30,8-9 foi redigido nos anos finais da monarquia de Judá, um pouco
antes da ruína de 587 a.C.
4) A maioria das perícopes de Jr 30-31 pode ser datada no período
imediatamente posterior a 587 a.C.: Jr 30,1-3; 30,4-7; Jr 30,12-17; 31,7-9, 31,10-14;
31,15-22; 31,31-34. Nessa época, essas perícopes foram reunidas sob a introdução de
Jr 30,1-3, e também foram unidas às palavras anteriores de Jeremias (Jr 31,2-6; 30,18-
21; 30,8-9), formando assim um rp,se seper “livro” (30,2). Surgia assim o Livro da
Consolação (Jr 30-31).

O escopo da presente tese não permitiu a análise da forma e do lugar das demais
perícopes de Jr 30-31 (Jr 30,23-24; 31,23-25; Jr 31,26; 31,27-28; 31,29-30; 31,35-36; 31,37-
40). Essa análise implicaria um trabalho muito extenso e desnecessário à comprovação da
hipótese central sugerida nesta tese. No entanto, não é difícil admitir que essas perícopes
foram escritas pouco tempo depois da queda de Jerusalém, já que praticamente não se referem
à esperança da reconstrução do templo, tão cara no período do pós-exílio.
Após essas considerações literárias e históricas, finalmente estamos aptos para analisar
os conteúdos de Jr 30-31, particularmente daquelas perícopes cujos traços formais e históricos
já foram apresentados neste capítulo, e nas quais encontramos palavras de salvação, a serem
analisadas no capítulo seguinte. A análise da forma e do lugar é a porta de entrada para a
compreensão dos conteúdos do texto.
138

Capítulo 3. As palavras salvíficas de Jr 30-31 como projeto de


retribalização

Introdução

O capítulo anterior analisou a forma literária de Jr 30-31, atentando-se para a disposição


das frases hebraicas e ao modo como o texto funde a poesia e a prosa dentro de determinadas
unidades literárias. Foi possível perceber que Jr 30-31 apresenta peculiaridades próprias que
permitem relacionar esse texto com a atuação do profeta Jeremias no final do século 7 e início
do século 6 a.C.

A partir de uma análise da perspectiva social, este capítulo da tese inquirirá sobre o
significado das palavras salvíficas de Jr 30-31 no contexto do vínculo de Jeremias com grupos
populares resistentes ao imperialismo e às políticas corruptas dos reis de Judá. Esses grupos
estavam vinculados com o tribalismo.

Incialmente, será preciso notar a relação entre Jeremias e o tribalismo no contexto social
dos séculos 7 e 6 a.C. Para isto, será preciso definir o termo “tribalismo”, para depois
perguntar sobre a relação entre esse tribalismo e a profecia de Jeremias. A partir dessa análise
social, finalmente poderemos considerar as palavras de salvação das seguintes perícopes: Jr
30,1-3; 30,4-7; 30,8-9; 30,10-11; 30,12-17; 30,18-21; 31,2-6; 31,7-9; 31,10-14; 31,15-22 e
31,31-34 .

3.1 – A relação entre Jeremias e o tribalismo no contexto social do século 6 a.C.

Vários estudos já demonstraram que, no antigo Israel, o domínio da terra pelos


oprimidos é de fundamental importância para o estabelecimento da justiça social. O tribalismo
propõe justamente o usufruto comunitário da terra. O conceito fundamental do tribalismo é
que a terra (como meio de produção) é um dom de Javé, e todas as famílias têm o direito de
usufruir igualitariamente de sua produção. No sistema tribal, predominam a fidelidade e o
respeito mútuos entre os membros da tribo.534 Portanto, nesse sistema inexiste a opressão

534
Henri Cazelles, História política de Israel – Desde as origens até Alexandre Magno, São Paulo, Paulinas,
139

contra os camponeses, e não há apropriação do excedente da produção por parte de uma


instância política superior.535

Há certo consenso na pesquisa bíblica que o antigo Israel se estabeleceu em Canaã no


século 13 a.C., nas regiões montanhosas, tendo o tribalismo como base econômica. Na
perspectiva tribal, o importante não é a conquista da terra, mas sim sua distribuição igualitária
entre as famílias e os membros dos clãs (veja Js 14-19). Deste modo, pode-se interpretar a
tomada da terra prometida não somente como cumprimento à promessa outrora feita aos
patriarcas, mas também como um levante contra os sistemas monárquicos opressores de
Canaã. O Deus Javé que libertou Israel do poder opressor do Egito é o Deus que também luta
contra os reis da Palestina e redistribui a terra para todos os israelitas. Então o “Israel” que se
formou no solo da Palestina defendia os oprimidos, e “não somente lhes oferecia uma
comunidade e identidade como eles nunca tiveram antes, mas afirmava que Iahweh era o
Deus que os tinha livrado para que eles pudessem chegar à terra que ele, Iahweh, tinha
prometido a seus antepassados”536.

Por um lado, o tribalismo foi solapado com o advento da monarquia em Israel, sob Saul,
por volta de 1050 a.C. Por outro lado, pode-se afirmar que a ideologia tribal permaneceu
durante toda a história do Israel da época bíblica. “O tribalismo não é um sistema pré-estado,
ele é antiestado.”537 Essa postura antiestadista e proponente do acesso igualitário à terra como
meio de produção pode ser evidenciada entre os profetas bíblicos, especialmente em Amós,
Miquéias, Isaías e Jeremias.

É importante compreender que o modo de produção do mundo bíblico, instaurado pelas


monarquias de Israel e Judá, é o tributarismo.538 Nesse modelo, os camponeses possuíam o
meio de produção (terra), mas entregavam obrigatoriamente significativas parcelas desta
produção para o Estado. Assim, o cenário interno do antigo Israel foi nitidamente marcado,
em vários momentos, por um processo de empobrecimento dos agricultores. O principal
instrumento gerador de pobreza foi a lei do crédito, construída sob uma taxação
desproporcional às colheitas dos agricultores. Os credores confiscavam não somente as terras

1986, p.73.
535
Rui Manuel Grácio Neve, Dios resucita en la periferia: hablar de Dios desde América Latina, Editorial San
Esteban, Salamanca, p.121
536
John Bright, História de Israel, São Paulo, Paulus, 5a edição, 1978, p.180 (Nova coleção bíblica).
537
Milton Schwantes, As monarquias no antigo Israel: um roteiro de pesquisa histórica e arqueológica, São
Paulo, Paulinas/CEBI, 2006, p.11.
538
Veja Ivoni Richter Reimer (Ed.), Economia no mundo bíblico – Enfoques sociais, históricos e teológicos, São
Leopoldo, Sinodal/CEBI, 2006, p.7-32.
140

dos devedores, mas também sua família. Quando as colheitas não eram suficientes para a
quitação da dívida, seja em virtude da seca ou de catástrofes naturais (Am 7,1-4), os
agricultores eram obrigados a vender seus familiares, tornando-se escravos, e, em alguns
casos, eles mesmos eram submetidos à escravidão (Am 2.6; 8.4-6). Perdiam a dignidade e o
direito pessoais. Os empréstimos propiciavam relações de dependência cujo ápice era a
escravidão (Ex 21,2-11; Dt 15,12-18; 1 Rs 4,1).

Por uma simples leitura na literatura profética, é possível notar que os profetas nutriram
um forte sentimento antimonárquico, justamente porque a monarquia sempre tolerou e
patrocinou as injustiças sociais contra os pobres e oprimidos. Então, a queda do Estado
opressor necessariamente conduzia ao restabelecimento das relações comunitárias sem o ônus
do tributo.

A presente tese pretende evidenciar as relações entre a profecia de Jeremias e o


tribalismo. O foco da tese é a salvação anunciada em Jr 30-31 e sua possível relação com o
tribalismo.

Inicialmente, antes do estudo das palavras salvíficas de Jr 30-31, é preciso considerar as


palavras de juízo encontradas no livro de Jeremias. É importante notar que a mensagem de
juízo promulgada por Jeremias é uma continuação da mensagem de profetas como Amós e
Miqueias, que eram radicalmente oponentes do sistema monárquico opressor. Em Jr 26,18 a
mensagem de Jeremias é identificada com a de Miqueias, o morastita. Um resumo do anúncio
de ruína promulgado por Jeremias pode ser encontrado em Jr 26,9:539 “Será como Siló esta
casa, e esta cidade, desolada e sem habitantes” (veja também Jr 7,12-15). O juízo recairia
sobre o templo de Jerusalém e sobre “esta cidade”, Jerusalém.

Jeremias anunciou a ruína dos setores governamentais e religiosos. O juízo recairia


“contra Jerusalém” e “contra as cidades de Judá” (Jr 4,16); “todas as cidades ficam
desamparadas” (Jr 4,19; veja 1,11-19; 4,4-18; 5,6; 5,17; 6,1-30[especialmente 6,6]; 21,6.10;
19,1-15. O profeta denunciou as injustiças em meio “às ruas de Jerusalém” (Jr 5,1), e as
“transgressões” cometidas pelas “cidades” (5.6). Anunciou-se a ruína dos reis daviditas (veja
Jr 21,1-24,10), do exército ( Jr 21,4-5; 30,5-7), e dos setores religiosos aliados ao poder
estatal: sacerdotes (Jr 1,18) e falsos profetas (Jr 23,9-40; Jr 28-29).

539
Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio – História e teologia do povo de Deus no século VI a.C.,
São Leopoldo, Oikos, 3ª edição, 2009, p.43-44.
141

Portanto, a profecia de Jeremias elabora uma crítica veemente contra o Estado de Judá e
seus viabilizadores (reis, exército, sacerdotes/templo de Jerusalém e falsos profetas). A
mensagem de juízo do profeta focaliza o sistema opressor.

Se, por um lado, Jeremias profere críticas destemidas contra o Estado opressor, por
outro lado, sua profecia propõe o acolhimento do pobre e do necessitado:

Jeremias 9,23-24 [TM: 9,22-23]: 23 Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio na sua
sabedoria, nem o forte, na sua força, nem o rico, nas suas riquezas; 24 mas o que se gloriar,
glorie-se nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor e faço misericórdia, direito e
justiça na terra; porque destas coisas me agrado, diz o Senhor (ARA).

Jeremias 22,3: Assim diz o Senhor: Executai o direito e a justiça e livrai o oprimido das
mãos do opressor; não oprimais ao estrangeiro, nem ao órfão, nem à viúva; não façais
violência, nem derrameis sangue inocente neste lugar. (ARA) (veja Dt 27,19).

Jeremias 22,16: Julgou a causa do aflito e do necessitado; por isso, tudo lhe ia bem.
Porventura, não é isso conhecer-me? — diz o Senhor. (ARA).

A perspectiva de Jeremias está de acordo com Provérbios 14.31: “Quem oprime o pobre
insulta o seu Criador”.

A passagem de Jr 22,16 faz referência a Josias como defensor dos oprimidos da


sociedade judaica. Por isso, pode-se concordar com a afirmativa de Rainer Albertz: no início
do seu ministério, entre 627-609, Jeremias apoiou a reforma promovida por Josias (2Rs 22-
23), que apresentava o Código Deuteronômico como documento fundante (Dt 12-26), texto
que prescreve orientações sobre o cuidado dos pobres e dos oprimidos (Dt 14,27-29; Dt 15,1-
18; 16,18-20; etc; veja também Dt 10,17-19); porém, com a morte de Josias em 609, e com a
subida no trono de Judá do ímpio Jeoaquim, a opressão e a violência contra os fracos foi
institucionalizada, e o Código Deuteronômico foi abandonado; por isso, Jeremias se
distanciou da monarquia davidita, proferindo duras críticas contra ela. 540 Em Jr 22,13, o texto
jereamiano afirma que o palácio construído por Jeoaquim foi resultado de um trabalho
forçado e opressivo que comprometeu a “justiça” (qd,c, sedeq) e o “direito” (jP'v.mi

mixppat): “Ai daquele que edifica a sua casa sem justiça/sedeq e os seus aposentos, sem
direito/mixppat! Que se vale do serviço do seu próximo, sem paga, e não lhe dá o salário”.

540
Rainer Albertz, A History of Israelite Religion in the Old Testament Period, Louisville, Westminster John
Knox, vol.1, 1994, p.203,233 (The Old Testament Library).
142

Nesse cenário, o profeta denuncia os ricos poderosos (Jr 5,26-28), bem como a
“opressão” (Jr 6,6) e o “lucro injusto” (Jr 6,13) prevalecentes na cidade de Jerusalém.

Por essa razão, é razoável defender a hipótese de que os verbos “construir” e “plantar”
em Jr 1,10 apontam para o compromisso de Jeremias com a reconstrução de um determinado
grupo social, a saber, o “explorado” (21,12; 22,3), o “estrangeiro” que em terras estrangeiras
tem seus direitos diminuídos (22,3), o “órfão” e a “viúva” (22,3), o “oprimido” e o “pobre”
(22,16). Considerando sua crítica contra Jerusalém e contra o sistema monárquico davídico
opressor, e também considerando a defesa que o seu texto faz do pobre e do necessitado, é
possível afirmar que Jeremias mantinha vínculos com esses grupos sociais oprimidos.541
Albertz sugere que, no período posterior a Jeoaquim, na época de Zedequias (597-587 a.C.),
existiam dois grupos em Judá:

“Um grupo - provavelmente menor - estava preocupado em cumprir a


solidariedade de obrigação ordenada na lei de Deuteronômio, apesar de todas
as dificuldades, enquanto que um segundo grupo - provavelmente maior - não
tinha interesse nestas obrigações e, clara e impassivelmente, buscou sua própria
vantagem econômica.” 542

Com a morte de Josias e com a radicalização das injustiças sociais promovidas em


Jerusalém, Jeremias compreendeu que, inevitavelmente, o juízo divino haveria de chegar
contra a cidade e contra o Estado de Judá (Jr 4,8), porém, depois desse julgamento, chegaria
um período de paz e restauração (Jr 29,7; 32,15).543 Quando Jerusalém capitulou, em 587 a.C.,
a elite foi transportada para a Babilônia, e os pobres continuaram na terra de Judá. A estes foi
concedida a oportunidade de cultivar a terra; aqueles que foram oprimidos pela monarquia
davidita, receberam dos babilônicos uma nova chance de vida:

Jeremias 39,10: Porém dos mais pobres da terra, que nada tinham, deixou Nebuzaradã,
o chefe da guarda, na terra de Judá; e lhes deu vinhas e campos naquele dia. (ARA).

Nesse cenário, Jeremias aliou-se a Gedalias (Jr 40,6), descendente da família de Safã (Jr
40,9) – família que sempre defendeu o profeta (Jr 36,11.19). Com eles, estavam “os homens,

541
Rainer Albertz, A History of Israelite Religion in the Old Testament Period, vol.1, p.180.
542
“One - probably smaller - group was concerned, despite all the difficulties, to go on fulfilling the obligation
solidarity laid down in the Deuteronomic law, while a second group - probably larger - was unconcerned about
these obligations and clearly and unsentimentally sought its own economic advantage.” Rainer Albertz, A
History of Israelite Religion in the Old Testament Period, vol.1, p.235.
543
Rainer Albertz, A History of Israelite Religion in the Old Testament Period, vol.1, p.241.
143

as mulheres, os meninos e os mais pobres da terra que não foram levados ao exílio na
Babilônia” (Jr 40,7); eles colheram “o vinho, as frutas de verão e o azeite” (Jr 40,10).
Também muitos outros exilados retornaram à terra, e, unindo-se aos que lá estavam, fizeram
uma grande colheita:

Jeremias 40,12: então, voltaram todos eles de todos os lugares para onde foram
lançados e vieram à terra de Judá, a Gedalias, a Mispa; e colheram vinho e frutas de verão
em muita abundância. (ARA).

Neste contexto, o exílio representou uma nova oportunidade de salvação para os pobres
agricultores.544 Por essa razão, pode-se afirmar que a salvação apresentada no livro de
Jeremias apresenta-se como uma libertação social e como uma oportunidade de recomeço dos
setores campesinos e empobrecidos da antiga Judá.

Por essas constatações elencadas, que apontam a relação de Jeremias com o tribalismo e
com os ideais de fraternidade, é preciso corrigir algumas afirmativas referentes ao período de
existência do tribalismo em Judá. Acontece que alguns pesquisadores insistem em relacionar
o tribalismo unicamente com o período do exílio, enquanto que, na verdade, o tribalismo
como projeto de fraternidade e redistribuição de terras já existia nas terras da Palestina mesmo
na época da monarquia. De acordo com Nelson Kilpp, desde 597 a.C. os exilados na
Babilônia viviam em vilarejos, sob o comando dos anciãos, num sistema tribal.545 Esse
sistema de vida também surgiu na Palestina depois da queda do Estado de Judá, em 597. A
vida tribal é construída sem a intervenção político-administrativo do Estado sobre a vida das
famílias. Assim, o modo de vida dos exilados e das populações que permaneceram na
Palestina representa uma nova esperança na medida em que engendra-se uma nova
constituição social.
“G. Braulik observa que, mais para o fim do exílio, houve até pessoas que imaginavam
a reconstituição do povo de Israel após o exílio sem Estado e sem templo. Ele encontra isso
expresso em Dt 4,1-40; 30,1-10; 2Sm 7,10.23s; 1Rs 8,52-53.59-60.”546 Associado a isto, de
acordo com Braulik e Lohfink, surgiu no exílio o conceito ético defensor dos pobres e

544
Rainer Albertz, Israel in Exile – The History and Literature of the Sixth Century B.C.E., Atlanta, Society of
Biblical Literature, 2003 (2001), p.6 (Studies in Bible literature; 3).
545
Veja a carta de Jeremias ao exilados (Jr 29,5-7), escrita pelo próprio Jeremias aos desterrados na Babilônia, no
ano 597 a.C. Confira a interpretação de Nelson Kilpp. “Jeremias escreve aos exilados a dimensão crítica do
anúncio profético de salvação”, em Estudos Teológicos, vol.88A, 1988, p.9-20. Contudo, Kilpp não analisa a
possibilidade da mensagem jeremiana de salvação referir-se àqueles que permaneceram na terra de Judá após
587.
546
Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio, p.35.
144

excluídos, que propunha uma reelaboração da fraternidade encontrada nas tribos israelitas da
época dos juízes (Dt 14,28-29; 15,1-18).547

Contudo, esse ideal de fraternidade avultou-se já nos séculos 7 e 6 a.C., muito antes do
exílio, no período em que, de acordo com os pesquisadores atuais, os autores deuteronômios
compuseram as primeiras redações. Sugestiva é a tese de Zabatieiro. Este biblista latino-
americano supõe que o Código Deuteronômico (Dt 12-26) foi elaborado em pelo menos dois
estágios durante o período da dominação assíria sobre a Palestina. Num primeiro momento, a
antiga redação do Código, designada por Zabatiero de “deuteronômica”, “teria sido uma
espécie de panfleto libertário de um movimento social do setor menos abastado do
campesinato judaíta”, sendo depois

“retomada e modificada por escribas da corte de Josias e visava fundamentar os


esforços de reforma promovidos por aquele rei, apoiado pelo setor mais abastado do
campesinato judaíta. Essa segunda redação, aqui denominada de deuteronomista, já
teria incluído a maior parte dos textos da segunda parte do Código e um conjunto
maior de aspectos formais derivados dos tratados de vassalagem.”548

Para Shigeyuke Nakanose, os mais antigos textos deuteronômicos, procedentes do


Norte de Isreal do período tribal, propunham um modelo de vida igualitário e fundamentado
na adoração do Deus Libertador do Egito.549

Frank Crüsemann aponta para “[...] o indício mais seguro de uma origem pré-exílica das
partes mais importantes do Código Deuteronômico, e especialmente da sua postura linguística
predominante, incluindo suas implicações teológicas: o Deuteronômio pressupõe a posse
tranquila da terra por Israel, bem como sua liberdade, e isto de modo uniforme.” 550 Na
perspectiva de Crüsemann, uma leitura atenta no Código Deuteronômico demonstra que este
corpo de leis dificilmente foi composto para atender a expectativa unilateral da monarquia
josiânica; ou seja, o Código não foi escrito para viabilizar o poder central monárquico em
detrimento dos interesses populares. Justamente nesse contexto de desfalecimento do poderio
estatal pós-Manassés, e tendo o povo da terra assumido o controle das decisões políticas da
monarquia davídica, surge a necessidade da elaboração de um código estruturador dos anseios

547
Pedro Kramer, Origem e legislação do Deuteronômio, p.35.
548
Júlio Paulo Tavares Zabatiero, Tempo e Espaço Sagrados em Deuterônomio 12,1-17,13 - Uma leitura sêmio-
discursiva, São Leopoldo, IEPG, 2001, p.51 (tese de doutorado).
549
Shigeyuke Nakanose, “Para entender o Deuteronômio – Uma lei a favor da vida?”, em Revista de
Interpretação Bíblica Latino-Americana/RIBLA, Petrópolis/São Leopoldo, Vozes, 1996, vol.23, p.176-193.
550
Frank Crüsemann, A Torá, p.296.
145

populares. Nesta situação, nascem as leis do Código Deuteronômico, como apontamentos do


'am ha-ares “povo da terra”, agricultores que exerciam influência sobre Jerusalém.551
Portanto, o governo josiânico foi menos dirigido por interesses monarquistas do que por
interesses populares dos agricultores, principalmente na menoridade de Josias.
Os apontamentos de Zabatiero, Nakanose e Crüsemann levantam a suspeita das relações
entre Jeremias e a literatura deuteronômica, e nos conduzem às seguintes afirmativas:

1) A matriz do movimento deuteronômico é o Israel/Norte. Por uma leitura


no livro de Jeremias, nota-se que o profeta Jeremias também mantinha vínculos com o
norte de Israel, como se nota em Jr 3,12; 30,3. De acordo com Jr 1,1, Jeremias era da
“terra de Benjamim”, e, portanto, geograficamente estava próximo das tribos do
Norte.552
2) O ideal de fraternidade, fomentado nas revoluções sociais que
supostamente originaram a literatura deuteronômica nos séculos 6 e 7 a.C., e tão caro à
teologia do Deuteronômio, certamente motivou as pregações de Jeremias. Há fatores
históricos e sociais que se evidenciam tanto na literatura deuteromista como no livro
de Jeremias. Por essas razões, pode-se indagar se o profeta Jeremias não estaria
inserido na tradição deuteronomista, ou se ele mesmo não seria um deuteronomista ou
um pregador do livro do Deuteronômio553.
3) Considerando-se esse pano de fundo marcado por agitações populares, é
possível sustentar o vínculo de Jeremias com grupos populacionais do Israel/Norte
(deuteronomistas), que, com o enfraquecimento dos assírios, avistaram a chegada de
um novo tempo de possibilidades econômicas. A matriz de antigos oráculos
jeremianos seria a literatura deuteronômica originária das terras nortistas. É o que
551
Frank Crüsemann, A Torá, p.300.
552
Milton Schwantes, Sofrimento e esperança no exílio, p.42.
553
Contra Bright e Weippert. Veja: John Bright, “The date of the Prose Sermons of Jeremiah”, Journal of
Biblical Literature, Philadelphia, The Society of Biblical Literature and Exegesis, vol.70, 1951, p.15-35; Helga
Weippert, Schöpfer des Himmels und der Erde – Ein Beitrag zur Theologie des Jeremiabuches, Stuttgart, Verl.
Kath. Bibelwerk, 1981, 111p. (Stuttgarter Bibelstudien; 102). A influência do Deuteronômio sobre o profeta
Jeremias pode ser facilmente percebida (por exemplo: veja Jr 5,28, compare com Dt 32,15; Jr 11,4, compare com
Dt 26,17-18 e Lv 26,12; Jr 19,9, compare com Dt 28,53 e Lv 26,29). Há muitos temas abordados pelos
deuteronomistas que também são encontrados no livro de Jeremias, como por exemplo: 1) o anúncio do exílio:
Dt 28,15-68; 29,21-27; comparar com Jr 11,9-12 e outros anúncios de Jeremias referentes ao exílio (exemplo: Jr
19,1-15; 20,4-6). 2) o relacionamento de Javé com seu povo fundamentado na aliança: Dt 28,1-46; comparar
com Jr 11,1-8 (as bênçãos e as maldições, decorrentes respectivamente da obediência e da desobediência a Javé,
apresentam-se como conclusão do livro da aliança, conforme apresentado em Dt 28,1-46; é notável que Jr 11,1-8
focaliza somente o aspecto da desobediência-maldição [Jr 11,3; veja Dt 28,45]; veja Jr 19,15 e 7,26, e compare
com Dt 9,13). 3) A esperança do futuro condicionada à conversão a Javé: Dt 4,25-31; 30,1-10; comparar com Jr
3,1-4,4; 7,5-7 (confira Jr 18,1-12). 4) O perigo da adoração aos falsos deuses: Dt 4,15-20; 5,8-10; compare com
Jr 7,16-20.29-34; 11,13. 5) O ideal de fraternidade e a justiça social: Dt 14,28-29; 24,14-15; compare com Jr 7,5-
7; 22,13.
146

tentaremos evidenciar na análise das palavras salvíficas jeremianas referentes ao


Norte.

3.2 – As palavras salvíficas de Jr 30-31 como projeto de retribalização

A partir das considerações elencadas acima, a presente tese se propõe a averiguar a


possibilidade de Jr 30-31 esboçar um projeto tribal defensor de uma sociedade mais justa e
fraterna. A suposição fundamental é que esse texto de Jeremias foi endereçado às pessoas que
foram massacradas pelas políticas injustas e opressivas dos reis da casa de Davi, e pelos
imperialismos violentos dos reis da Assíria e da Babilônia. A análise exegética a seguir
tentará comprovar essa afirmativa.

3.2.1 – Jr 30,1-3: “eu os farei retornar à terra”

Em Jr 30,1-3, os termos rb'D' dabar “palavra” e #r,a, ’eres “terra” estão intimamente

relacionados. A partir deles, surge um projeto tribal. É bom salientar que esse projeto somente
será evidenciado no decorrer de Jr 30-31. Por isso, o que afirma Jr 30,1-3, especialmente no
v.3, só pode ser compreendido à luz de outras palavras salvíficas do Livro da Consolação. De
qualquer modo, Jr 30,1-3 é a porta de entrada para as palavras de salvação expressas em Jr 30-
31.

No v.1, a palavra acontece: “A palavra que aconteceu para Jeremias de Javé”.


“Aconteceu” é a tradução da raiz verbal hy"h' hayah qal perfeito, que apresenta menos o

sentido de “ser” do que o de “acontecer”. Ou seja, hy"h' hayah não transmite tanto a ideia de

um ser. No presente texto, o sujeito do verbo é rb'D' dabar “palavra”, termo que também

pode ser traduzido por “assunto, questão, caso, coisa”.554 O rb'D' dabar pode ser escrito num
livro (v.2), mas ele não se define pela escrita; não é o escrito. É algo. Na verdade, o rb'D'
dabar é um acontecimento. Em outros trechos da Bíblia Hebraica, o termo não é o ‘dizer’,
mas sim um agente histórico e criativo. É o que se lê, por exemplo, em Gn 1, onde o rb'D'
554
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.46. Veja uma discussão sobre
dabar em G. Gerleman, artigo dabar “palabra”, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario
teológico– Manual del Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.1, 1978, p.614-627.
147

dabar é o elemento organizativo do caos que assola a terra. Pela “palavra” foram criados os
céus e a terra!

No caso do texto de Jeremias, o rb'D' dabar aponta para qual acontecimento? Para

responder essa questão, é preciso olhar para o v.3. Mas, antes, é importante observar o v.2. A
“palavra” nasce na boca de Javé: “Escreve para ti todas as palavras que falei para ti, num
livro”. Por hora, permanecem dúvidas sobre que partes de Jr 30 – 31 compunham
originalmente o tal rp,se seper “livro”.555 É possível supor que o rp,se seper abarcasse a

maior parte de Jr 30-31.

O v.3 é uma promessa de libertação e salvação. Lê-se o conteúdo das “palavras” (~rIb'D>

debarim) referidas no v.2. Então o rb'D' dabar “palavra”, (v.1-2) é o fato/acontecimento

prometido no v.3. Esse v.3 apresenta dois conteúdos: a libertação e a retomada da terra
prometida. O primeiro conteúdo é este: “eu reverterei a prisão do meu povo Israel e de Judá,
diz Javé.” A expressão tWbv.-ta, yTib.v;w> vexabti ’et-xebut “reverterei a prisão” é a tradução

da raiz verbal bWv xub “voltar”, “tornar”, “reverter”, tendo por objeto direto tWbv. xebut
“prisão”. tWbv. xebut, com bWv xub, significa “suspender a sentença de prisão”556. O

sentido principal não é “trazer do exílio”, mas simplesmente “mudar a sorte”557.


Provavelmente termo deve ser entendido como um cognato do antigo aramaico tbyv xybt

“restauração”558. Considerando que Jr 30,3 insere-se num conjunto de poucas passagens em


que a palavra tWbv. xebut seja pré-exílica559, infere-se que a restauração proposta nas antigas

palavras jeremianas não podem simplesmente se referir à volta dos exilados na Babilônia. Até
por que o objeto da libertação é “meu povo Israel”, e não somente “Judá”. Para muitos
intérpretes, hd'Why> yehudah “Judá” é uma adição no texto hebraico. Pode-se arguir que

Jeremias originalmente se referiu às populações de Israel/Norte, que desde o século 8 a.C.

555
Veja a discussão sobre a extensão do seper em William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on
Jeremiah, vol.2, Edinburgh, T. & T. Clark, 1996, p.749-751 (The Internacional Critical Commentary).
556
Veja Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.242.
557
William MacKane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p. 752.
558
Ludwig Koehler e Walter Baumgartner, The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament,
Leiden/Boston, E. J. Brill, vol.4, p.1385.
559
Ludwig Koehler e Walter Baumgartner, The hebrew and aramaic lexicon of the Old Testament,
Leiden/Boston, E. J. Brill, vol.4, p.1386. Para o debate sobre o significado de xub xebut, veja John Martin
Bracke, “šûb šebût: A Reappraisal”, em Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft/ZAW, Berlin, Walter
de Gruyter, vol.97, nº2, 1985, p.233-244.
148

viviam longe de suas terras. Num segundo momento, a pregação de Jeremias estendeu a
promessa para “Judá”/Sul, possivelmente na ocasião do saque babilônico de 587 a.C.

Um segundo conteúdo teológico é expresso no v.3, por duas frases: e eu os farei


retornar à terra que dei para os pais deles, e a possuirão.

A primeira frase, à semelhança da anterior, inicia-se como a raiz verbal bWv xub

“voltar”, agora conjugado no hifil perfeito vav consectivo na primeira pessoa do singular, com
o sufixo da terceira pessoa do plural: “e eu os farei retornar”. Na frase anterior, a reversão era
de algo negativo (tWbv. xebut “prisão”). Agora, a reversão é para algo positivo (#r<a, ’eres

“terra”). Pode-se afirmar que #r<a, ’eres “terra” é o “pedaço de terra”, o “chão”, o “solo”560.

Indubitavelmente, trata-se da unidade de produção. Essa é uma das grandes temáticas do


Antigo Testamento: a terra como meio de subsistência. Essa é uma afirmação tipicamente
tribal. Nota-se ainda que a raiz verbal bWv xub, em Jr 42.12, tem o sentido de “morar”.

Assim, o verbo não denotaria somente uma volta, mas vivência (morada) na terra (roça). Para
sustentar essa afirmativa, pode-se observar a última frase do v.3: “e a possuirão”. É a
primeira vez que aparece no livro de Jeremias a raiz verbal vr:y yarax “possuir”. Esta mesma
raiz aparece em forma substantivada, em 32,8, sendo traduzida por “posse/herança”. Diferente
das duas frases anteriores, que tinham Javé por sujeito, esta última tem o povo por sujeito. É o
povo possuindo a terra como unidade de produção.

Portanto, esse pequeno trecho (30,1-3) expressa a expectativa da retomada da terra pelos
camponeses empobrecidos, no cenário do exílio babilônico. A “prisão” (tWbv. xebut ) seria o

elemento opressor organizado pelas políticas do Estado, que extorquiam dos camponeses sua
produção e perseguiam aqueles que ousavam questioná-las. Mas, com o fim dos Estados de
Israel e Judá (do Norte, em 722 a.C., e, no contexto de Jeremias, do Sul, em 587 a.C.), os
camponeses poderiam retomar suas vidas, e gozar da produção a que eles tinham direito.

O meio de produção, a terra, é a própria palavra (rb'D' dabar ) de Javé. Noutro dizer, a

palavra de Javé se faz terra.

Essa interpretação de Jr 30,1-3, especialmente do v.3, ainda precisa ser fundamentada


pela análise de outras perícopes de Jr 30-31. Por hora, basta afirmar que a promessa da volta

560
São essas as possibilidades de tradução. Veja Nelson Kirst el al., Dicionário hebraico-português e aramaico-
português, p.18.
149

para a terra prometida certamente foi aplicada a outros grupos de israelitas e judaítas, que no
contexto de Jeremias retomavam suas vidas, após a invasão babilônica sobre a Palestina (Jr
40,12).
Ou seja, muito antes da promessa da terra ser aplicada ao grupo de exilados na
Babilônia, ela foi aplicada a outros grupos de camponeses, com os quais Jeremias certamente
mantinha contato. A palavra de Javé se faz nova a cada momento.

3.2.2 – Jr 30,4-7: Jacó “será salvo”


Em Jr 30,4-7 há uma interação entre ruína e salvação. De início, prevalece a descrição
de uma situação ameaçadora, havendo no final da perícope uma palavra de salvação.
Qual é o significado das palavras de ruína encontradas em Jr 30,4-7, e qual sua relação
com a palavra salvífica encontrada no final do v.7? É muito importante observar que Jr 30-31
tematiza a salvação, e, portanto, causa-nos estranheza que o Livro da Consolação inicie-se por
palavras de ruína. Então, a função dos v.5-7 (o v.4 é introdução) é mais bem compreendida
como uma preparação para o anúncio de salvação encontrado no final do v.7.
O v.5 descreve uma situação de ruína:
Um som de tremor ouvimos,
um terror.

No hebraico, há uma frase (“um som de tremor nós ouvimos”) e uma palavra (“um
terror). A palavra hd'r'x] haradah descreve um terror que acomete aos setores bélicos de uma

cidade devido à iminência de um ataque inimigo. Em 1Sm 14,15 refere-se ao “tremor de


Deus” sobre os filisteus mediante o ataque de Jonatas. O dx;P; pahad “terror”, por sua vez,

tem um amplo significado no Antigo Testamento. Trata-se do “terror” de Deus que acomete
as tropas inimigas do povo de Deus no contexto da guerra santa. 561 Em Jr 49,5, o dx;P; pahad
procede de Javé e devasta o Estado de Moabe. No caso, a palavra de juízo recai sobre a
divindade moabita (“Milcom”), sobre os “sacerdotes” e sobre os “oficiais” (49,3). Nota-se,
então, que dx;P; pahad divino acomete os setores bélicos de uma organização estatal (veja Ex

15,16!). Nessa linha interpretativa, pode-se afirmar que Jr 30,5 alude ao espanto de Deus
sobre os poderes do Estado.
561
Veja H. P. Stähli, artigo phd “templar”, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario teológico–
Manual del Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.2, 1985, col.523-524. Veja também Gehard
von Rad, Holy War in Ancient Israel,
150

A última frase do v.5 é nominal: ~Alv' !yaew> ve’em xalom “e não (há) paz”. O vav
conectivo relaciona essa frase com as duas anteriores. A tradução da palavra ~Alv' xalom é

bastante ampla: “paz, bem-estar, saúde, salvação”. A sua ausência significa desolação e
sofrimento.562 Em Jr 8,15 (=14,19) há uma terminologia parecida com a expressão ~Alv'
!yaew> ve’em xalom “e não (há) paz”: a palavra ~Alv' xalom “paz/bem-estar” é paralela à

palavra bwOT tob “bom”. Jr 8,15 é uma ameaça contra as “cidades fortificadas” (8,14); numa

invasão bélica, toda a “terra” (#r,a, ’eres ) é afetada, mas uma atenção especial é dada aos

setores opressores, em especial “a cidade” (Jr 8,16). Em Jr 12,12 a expressão ~Alv' !yaew>
ve’em xalom é empregada paralelamente à “espada de Javé”; a ausência de paz significa ação
punitiva de Javé através da presença militar de um inimigo; “toda a carne” é ameaçada, mas
os “pastores” (líderes políticos) são responsabilizados (Jr 12,10).

É importante notar que o “tremor/terror” é um “som” (lAq qol) é ouvido por algumas

pessoas. Aqueles que ouvem esse “som” seriam também afetados pela ruína? Para responder
essa questão, precisamos nos atentar aos v.6-7.

O v.6, com um tom interrogativo metafórico, enfatiza a reversão de alguns elementos:


os homens fortes transformam-se em mulheres parturientes, e os rostos são empalidecidos.563
A princípio, o v.6 é um questionamento: “perguntai” (la;v' xa’al qal imperativo) e “por

que?” ([;WDm; maddu‘a, advérbio). Mas o tom arguidor é uma descrição, que assume uma

dimensão crítica: a ameaça recai especialmente sobre rb,G<-lk' kol-geber “todo homem

forte” e sobre ~ynIP'-lk' kol-panim “todas as faces”:

Poderá conceber um macho?


Por que vejo todo homem forte com as mãos dele sobre a cintura dele,
como uma mulher que dá à luz?
Transformaram-se todas as faces em palidez.

562
J. P. Sisson, “Jeremiah and the Jerusalem Conception of Peace”, em Journal of Biblical Literature,
Philadelphia, The Society of Biblical Literature and Exegesis, vol.105, 1986, p.429-442.
563
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.142; Deborah F. Sawyer, “Gender-Play and Sacred Text – A
Scene from Jeremiah”, em Journal for the Study of the Old Testament, Sheffield, JSOT Press, vol.83, 1999,
p.104.
151

O rb,g< geber é o homem “jovem e forte”.564 Esta palavra nunca é empregada no Antigo

Testamento com o mero sentido de “homem” (como adam, ’ix ou ’enox), mas sempre contém
o elemento de força/poder.565 Em Jr 22,30 o texto jeremiano identifica o rb,g< geber com o rei

Jeconias (Joaquim/Conias).

A imagem da mulher em trabalho de parto com suas mãos sobre a cintura é usada para
descrever a vulnerabilidade do jovem homem quando afligido pelo cerco militar.566 A
comparação de militares com “parturiente” aparece em outros jeremianos. Em Jr 4,29-31
(v.31) 6,22-26 (v.24): a “parturiente” é Jerusalém, chamada de “filha de Sião” (4,31; 6,23).
Em Jr 13,20-22 (v.21) a mulher em trabalho de parto é o “rei” e a “rainha” (v.18,
respectivamente Joaquim e sua mãe Neústa). A feminilização dos poderes militares de Judá
acontece por causa da vinda do poderoso inimigo do “Norte”, a Babilônia (v.20). Nota-se
uma denúncia no v.22: as “maldades” e a “violência” cometidas por setores jerusalemita são
a causa da ruína da monarquia. Em Jr 22,23, a imagem da parturiente é aplicada a Jeoaquim,
rei de Judá; esse texto denuncia severamente as injustiças sociais cometidas pelo rei (22.13-
14.17). Em Jr 49,22, a metáfora da parturiente é uma ameaça contra os “valentes de Edom”,
que são os militares do exército de Edom. A palavra de desgraça é dirigida aos setores
bélicos.567

Por essas ocorrências, infere-se que a metáfora da parturiente não se constitui uma
ameaça a toda a população, mas à cidade opressora/Jerusalém (Jr 4,29-31; 6,22-26), aos
setores governamentais (13,20-22; 22,23), às instâncias bélicas (49,22). De igual modo, em Jr
30,6 a imagem apresenta certo sarcasmo em relação ao rb,g< geber “homem forte”: ele é um

“macho” (rk'z" zakar), mas se comporta “como uma mulher que dá a luz” (hd'leAYK;

kayyoledah). Portanto, Jr 30,6 descreve o esfacelamento do poderio militar de Judá frente à


chegada de um poderoso exército inimigo. Mas não é mera descrição. A cena é cômica. São
valentões que se transformam em mulheres que, em meio às dores do parto, nada podem
fazer. As palavras descritivas são críticas.

564
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.37.
565
H. Kosmala, artigo gabar, em G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren e Heinz-Josef Fabry (editores),
Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publisching Company, vol.2,
1975, p.377.
566
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.143.
567
Veja ainda Jr 48,41=49,22; 49,24; 50,43.
152

No fim do v.6 lê-se a expressão “transformaram-se todas as faces em palidez”. A


palavra !Aqr'yEl. leyeraqon “palidez” sugere uma mudança de cor causada por uma terrível

dor. Seria uma cor amarelada, sugerindo o aspecto de palidez.568 O verbo %p;h' hapak

qal/nifal “transformar”, em Jr 13,23, refere-se à mudança da cor da pele, e em 2,21 descreve a


transformação de uma vide frutífera em “brava”. No caso de Jr 30,6, refere-se
especificamente à transformação das ~ynIP' panim “faces” do rb,g< geber/“homem forte”.

Existe uma relação entre esta frase (“transformaram-se todas as faces para palidez”) e a frase
anterior (“como uma mulher que dá à luz”): “todas as faces” correspondem a “todo homem
forte”. A ruína é total (lK' kol), mas não engloba todas as pessoas, pois o texto focaliza o

rb,g< geber.

A análise feita até sugere que a palavra de desgraça do texto jeremiano privilegia as
forças militares: estas são severamente atingidas pela catástrofe. Mas, e a população mais
frágil? Haveria esperança para ela? E para essas pessoas dos setores citadinos, haveria
esperança, quando desprovidos da força bélica? A resposta para estas questões pode ser
encontrada no v.7.

No início do v.7 lê-se yAh hoy “ai!”, uma palavra que permite a afirmar as origens da
palavra de desgraça profética jeremiana no contexto da lamentação pública. 569 Trata-se de
uma palavra que já explicita a presença da morte. Se considerarmos que os v.5-6 descrevem
um cerco militar e a iminente morte dos soldados, “aquele dia” (aWhh; ~AYh; hayyom hahu’),

a ruína, poderia ser eficazmente anunciado através de uma lamentação fúnebre. E, se hipótese
de que as declarações de desgraça foram antigamente elaboradas no contexto sapiencial e
pedagógico das tribos de Israel estiver correta570, e reconhecendo o texto jeremiano como
pertencente a este gênero, então é possível vincular o anúncio jeremiano com o tribalismo.
Depois do hoy “ai!”, notam-se três frases nominais explicitadoras da situação terrível
descrita nos v.5-6. Em foco está “o dia” (~AYh; hayyom), definido como o “tempo de

568
A palavra!Aqr'yEl leyeraqon recebe essa conotação pelas seguintes versões: LXX (i;kteron) ; Vulgata (in
auruginem); Targum (cyrqn’).
569
“A declaração profética de desgraça fica mais bem explicitada se a considerarmos como derivada da
lamentação fúnebre.”(La declaración profética de desgracia queda iluminada si la consideramos como derivada
de la lamentación fúnebre.” Ernst Jenni, artigo hoy “ay”, em Diccionario teológico– Manual del Antiguo
Testamento, vol. 1, col. 671.
570
Erhard Gerstenberger, “The Woe-Oracles of the Prophets”, em Journal of Biblical Literature, Philadelphia,
The Society of Biblical Literature and Exegesis, vol.81, 1962, p.246-263.
153

angústia para Jacó” (bqo[]y:l. ayhi hr'c'-t[e ‘et-sarah hi’ leya‘aqob). Em várias passagens
veterotestamentárias, o hwhy> ~Ay yom YHWH “dia de Javé” retrata a vitória de Javé e o

julgamento das nações inimigas de Israel. 571 Mas o termo ~Ay yom “dia” é usado pelo profeta

Jeremias de maneira singular.572 Em Jr 30,7, o conceito de hwhy> ~Ay yom YHWH não está

bem elaborado; esta expressão nem sequer aparece aqui. Na verdade, em comparação com
outros textos do Antigo Testamento, o ~Ay yom “dia” apresenta-se com uma categoria

terminológica original e única aqui em Jr 30,7:


Por que grande (será) aquele dia,
não (haverá) outro como ele
e (será) um tempo de angústia aquele para Jacó

As duas primeiras frases referem-se ao ~Ay yom “dia”, explicado na terceira frase como

um “tempo de angústia” para Jacó. O ~Ay yom é um t[e ‘et “tempo”. Portanto, empregado
juntamente com t[e ‘et, a palavra ~Ay yom não é abstrata, mas designa um momento

determinado e concreto.573 Trata-se de um “tempo de angústia para Jacó”. Neste caso, a hr'c'
sarah “angústia” atinge “Jacó”. O texto jeremiano não se refere mais ao rb,g< geber “homem

forte”, focalizado no v.6. Assim, embora a hr'c' sarah “angústia” ainda evoque a situação de
ruína descrita nos v.5-6, contudo, no fim do v.7 surge uma declaração (in)esperada: “mas dela
será salvo”. Jacó é livre “dela” (hN"M,m:i preposição !mi min + sufixo da terceira pessoa

feminina singular), da hr'c' sarah “angústia”. A promessa a “Jacó” é uma contraposição ao


terror apontado nos v.5-7, e refere-se à possibilidade de escarpar-se da ruína. O verbo [v'y
yaxa‘ nifal perfeito “salvar” refere-se ao livramento de “Jacó” do desastre (cerco militar)
descrita nos v.5-6.

571
Is 13,6.9; Ez 13,5; Jl 1,15; 2,1.11; 2,4; 4,14; Am 5,18.18.20; Ob 15; Sf 1,7.14.14; Ml 3,23.
572
Em Jr 12,3, é o yom haregah “dia de execução”; em 18,17 e 46,21 é o yom ’ed “dia do desastre”; em 46,10 é
o yom naqamah “dia da vingança”; em 47,4 é o dia “para destruir” (lixdot). Jr 46 refere-se à queda do Egito na
guerra contra os babilônicos de 605 a.C., e em Jr 47 o “dia de Javé” é a destruição dos filisteus pelos egípcios.
573
Ernst Jenni, artigo yom, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario teológico– Manual del
Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.1, 1978, col.995.
154

Quem é bqo[]y: ya‘aqob “Jacó”? Diferentemente dos textos exílicos e pós-exílicos574, o

texto jeremiano dirige-se às populações setentrionais da terra da Palestina. É verdade que o


termo bqo[]y: ya‘aqob “Jacó” é empregado no Antigo Testamento (principalmente a partir do

exílio) como referência a todos os judeus, tanto aos que moravam na Palestina quanto aos que
estavam em outras terras. Entretanto, o trabalho redacional efetuado em Jr 30,3 diferencia
dois setores geográficos: Israel/Norte e Judá/Sul. Assim, havia um rp,se seper “livro” (Jr 30,2)

de Jeremias, originalmente composto por palavras salvíficas ao Israel/Norte. Pode-se afirmar


então que o termo “Jacó” indica uma atuação de Jeremias junto às populações do Norte da
Palestina575, que ainda sofriam por causa das deportações efetuadas pelos assírios no século 8
a.C. Por volta de 597 a.C., quando a monarquia de Judá tornou-se como uma “mulher que dá
à luz” (Jr 30,6; Jr 4,29-31; 6,22-26; 13,20-22; 22,20-23), o profeta preocupava-se com a
situação daqueles que tinham sido deportados do antigo reino do Norte/Israel. Possivelmente
Jeremias estendeu sua palavra salvífica às populações que permaneceram em Judá depois da
queda do Estado judaíta em 587 a.C. A análise de Jr 30,10-11 e Jr 30,12-17 poderá confirmar
essa afirmativa.

3.2.3 – Jr 30,8-9: “Davi, o rei deles”

O v.8 apresenta a ação salvífica de tAab'c. hw"hy> YHVH seba’ot “Javé dos

Exércitos/Javé Zebaote”. O epíteto tAab'c. seba’ot “exércitos” é frequente em Jeremias (82

vezes). No Antigo Testamento, normalmente Javé Zebaote é apresentado entronizado entre os


querubins, sobre a arca da aliança (1Sm 4,4; 2Sm 6,2).576 Não existe consenso entre os
intérpretes sobre o significado exato do epíteto tAab'c. seba’ot577. Gerhard von Rad

acreditava que “Javé Zebaote” era uma expressão relacionada com a “guerra santa”, e sugeriu

574
Veja, por exemplo, Ob 17 e Zc 14,2, que respectivamente enfatizam a libertação para “Sião” e para
“Jerusalém”.
575
Uma proposta similar pode ser encontrada em Norbert Lohfink, “Der junge Jeremia als Propagandist und Poet
- Zum Grundstock von Jer 30-31”, em Norbert Lohfink, Studien zum Deuteronomium und zur
deuteronomistischen Literatur II, Stuttgart, Katholisches Bibelwerk, 1991, p.87-106 (Stuttgarter Biblische
Aufsatzbände, 12). Para Lohfink, Jr 30-31 originalmente era um texto propagandístico da reforma de Josias, que
ambicionou as terras do Israel/Norte.
576
Milton Schwantes, Da vocação à provacação, p.298.
577
De acordo com A. S. van der Woude, o epíteto Zebaote apresenta pelo menos três sentidos: Javé das hostes
militares de Israel (sentido bélico); Javé das multidões cósmicas (anjos, demônios, estrelas, etc.) e Javé todo-
poderoso. Veja A. S. van der Woude, artigo saba’, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario
teológico– Manual del Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.2, 1985, col.627-639.
155

que o brado de Zc 4,6c (“Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito, diz Javé dos
Exércitos”) “era a divisa sob a qual Israel tinha outrora conduzido as suas guerras santas. Ela
deveria vigorar também para a realização do último evento salvífico”578.

No entanto, no livro de Jeremias o epíteto tAab'c. seba’ot não apresenta traços

escatológicos, antes, apresenta Javé como guerreiro, o Deus que luta pelos pobres injustiçados
e perseguidos por potências políticas corruptas (Jr 11,20; 20,12 [veja 20,11 e 1,19]). Do
mesmo modo, o tempo do livramento proposto por Javé Zebaote, em Jr 30,8-9, não é o
escatológico, o “último dia”, mas sim o tempo relacionado com “neste dia” (v.8), o “tempo de
angústia para Jacó” (v.7). É um período de tempo bem definido, ou seja, a mesma época do
sofrimento de Jacó referido em Jr 30,5-7, texto que, conforme já observado, descreve a
destruição de Jerusalém e do Estado de Judá por tropas inimigas.

Na sequência do v.8, leem-se três frases:


Quebrarei o jugo dele de sobre o teu pescoço,
e tuas cadeias eu romperei
e não mais o escravizarão continuamente estrangeiros.

“Eu quebrarei o jugo dele” e “tuas cadeias eu romperei” constituem respectivamente um


sentido constituído por duas raízes verbais e dois objetos que funcionam como sinônimos.579
Descreve-se uma libertação completa. Isto pode ser percebido nas duas formas verbais: rb'v'
xabar qal imperfeito “quebrar” e qt;n nataq piel imperfeito “romper”, “quebrar”. O primeiro

verbo expressa o sentido de “despedaçar”, e o segundo expressa o mesmo sentido,


especialmente pelo grau em que está conjugado, o piel, que indica a intensidade da ação de
Javé.
A terceira frase aprofunda o significado da libertação. A raiz verbal db;[' ‘abad qal vav

consecutivo perfeito significa “trabalhar”, “servir”. Mas, neste caso, não se trata de um
trabalho no sentido digno do termo. Os termos raW"c; savva’r “jugo” e hrs.Am mosrah

“cadeia”, nas frases anteriores, apontam que o db;[' ‘abad “servir” certamente descreve um

trabalho opressor, como aquele descrito no contexto da opressão dos hebreus no Egito (Êx
5,18). O substantivo db,[, ‘ebed pode ser traduzido como “escravo”, “servo”, “empregado”,

578
Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, p.707.
579
Trata-se de “dois para um”, de hendyadioin. Veja Wilhelm Gesenius, Hebraeische Grammatik, Leipzig,
Verlag von F. C. W. Vogel, 1889, 548p.
156

“colono”.580 No contexto da opressão assiro-babilônico sobre os israelitas e os judaítas, sabe-


se que não existiu uma escravidão propriamente dita581, como nos tempos do império romano.
O que havia era o tributarismo582, em que os súditos do reino mantinham a posse da terra, mas
eram obrigados a repassar parcelas significativas da produção excedente para os suseranos. O
que se tem em vista, aqui em Jr 30,8-9, não é libertação dos exilados que viviam na babilônia,
os quais, apesar de possivelmente pagarem tributos aos caldeus, tinham liberdade para
organizar suas vidas em terras estrangeira (Jr 29; Ed 2). Antes, raW"c; savva’r “jugo” e

hrs.Am mosrah “cadeia” constituem-se uma memória da imposição do poderio assírio sobre

as terras do Israel/Norte, e, no contexto de Jeremias, também passou a referenciar o domínio


da Babilônia sobre as terras da Palestina. O texto jeremiano anuncia a queda de todo poder
que ameaça a posse tranquila da terra por parte dos camponeses (Jr 30,3). O solo sobre o qual
a libertação acontece não é o babilônico, mas o da terra da promessa.
Portanto, de acordo com o v.8, a libertação de Javé necessariamente conduz à vivência
sem opressão. Nesse modo de vida, o cultivo da terra aconteceria sem a mediação do poder
estatal opressor.
O v.9 aprofunda os conteúdos do v.8. O v.9 relaciona a libertação (v.8) com o advento
do novo Davi. As duas primeiras frases desse v.9 estão relacionadas pelo verbo db;[' ‘abad

qal vav consecutivo perfeito “servir” (a segunda frase é nominal, mas o verbo db;[' ‘abad

está implícito):
E servirão a Javé, o Deus deles,

e a Davi, o rei deles

É importante destacar que, quando interpretamos este v.9 no contexto das afirmações de
Jr 30,5-7, pode-se perceber nitidamente que o surgimento de “Davi, o rei deles” implica
necessariamente na destruição da monarquia de Judá (veja a interpretação da presente tese de
Jr 30,5-7). Por isso, a libertação do “jugo”/ “cadeias” (v.8) não está voltada para o estado
monárquico. A chave hermenêutica para a compreensão dessa passagem (Jr 30,8-9) está na
última frase do v.9, que é o ápice da perícope: “eu farei levantar para eles” (~h,l' ~yqia'
580
Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.171. Veja Ludwig Koehler e
Walter Baumgartner, The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament, Leiden /Boston, E. J. Brill, vol.2,
1995, p.774-775.
581
Hebert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, vol.2, p.435-439.
582
Carlos Dreher, Escravos no Antigo Testamento, p.12.
157

’aqim lahem). É uma ação de Javé Zebaote: “erguerei” (~Wq qun hifil imperfeito). A ação de

Javé visa beneficiar a comunidade: ~h,l' lahem “para eles”. Jr 23,5-6 é uma passagem

paralela a Jr 30,8-9, e afirma que o governo do novo Davi não estaria voltado para os
interesses políticos e ideológicos de um grupo social seleto, nem para os interesses de uma
única cidade (Jerusalém), mas sim, para “Israel” e “Judá” (Jr 23,6). Estes dois termos, “Israel”
e “Judá”, certamente têm o mesmo sentido apresentado em Jr 30,3, e, portanto, referem-se
respectivamente às populações das dez tribos do norte e às do interior de Judá/sul.

Desse modo, o v.9 resignifica o sentido do verbo db;[' ‘abad “servir”, que, no v.8,

significa “escravidão”. Isso porque a comunidade coletiva no v.9 servi a “Javé, o Deus deles”
(~h,yhela
{ / hw"hy> YHVH ’elohehem); ou seja, a comunidade sérvi a Javé é o Deus que age em

benefício “deles”, e também sérvi “Davi, o rei deles”, o rei que age em beneficio “deles”, pois
Javé levanta “para eles” esse líder. Ou seja, a comunidade trabalha por um líder que é deles e
age por eles, e não para um líder que age em benefício próprio e contra eles. Assim, o que no
v.8 era escravidão, no v.9 se transforma em libertação.

Por essas observações exegéticas, é possível vislumbrar diferenças significativas entre a


libertação prometida em Jr 30,8-9 e aquela prometida pela falsa profecia em Jr 27-28. É de se
estranhar, num primeiro momento, que o mesmo Jeremias proponente da submissão à
Babilônia em Jr 27-28, também anunciou, em Jr 30,8-9, a libertação do jugo dos
“estrangeiros”, dos quais os babilônicos certamente faziam parte (compare o uso do verbo
db;[' ‘abad “servir” em Jr 27,12-15.17583; 28,14 e 30,8-9). Acontece que a falsa profecia,

como aquela do profeta Hananias, pregava uma libertação em consonância com a manutenção
da monarquia corrupta do rei Zedequias de Judá. A libertação pregada por Jeremias, por sua
vez, anunciava o fim da monarquia e a despotencialização militar de Judá (Jr 30,5-7). É
preciso realçar novamente que o “jugo” de Judá seria rompido em um tempo específico,
“naquele dia” (v.8), qual seja, o “tempo de angústia” de Jacó, quando o Estado de Judá ruiu.
Diferente da falsa profecia, que apresenta uma libertação fundamentada em um ufanismo
nacionalista, ideologicamente relacionado com os interesses da capital Jerusalém, a profecia
de Jeremias apresenta um “Davi” que atende aos interesses das populações do interior de Judá
e as do Norte da Palestina.

583
Confira Jr 5,19, onde também existe associação entre ‘abad “servir” e a opressão dos zarim “estrangeiros”.
158

Portanto, o Davi apresentado em Jr 30,8-9, embora designado de %l,m, melek “rei”, é

um líder tribal, não monárquico. Trata-se de um líder que atende aos interesses das
populações do interior de Judá/Sul e de Israel/Norte. Portanto, é um “rei” tribal.

3.2.4 – Jr 30,10-11: “E tu, não temas, meu servo Jacó”

A partir de uma análise da perspectiva social das palavras salvíficas jeremianas, neste
momento se inquirirá sobre a possibilidade de se perceber em Jr 30,10-11 a existência de um
vínculo jeremiano com o tribalismo, que estava ativo no interior palestinense na segunda
metade do século 6 a.C.

As palavras salvíficas de Jr 30,10-11 estão formuladas por poesia, através de repetições.


Por isso, para a análise teológica dessa perícope, é importante percebermos as relações entre
as frases. A salvação brota da poesia.

A libertação anunciada no fim do v.7 é desenvolvida nesses v.10-11. Nas duas primeiras
frases do v.10, aparece um oráculo de salvação, redigido pela repetição de duas frases:

E tu não temas, meu servo Jacó,


dito de Javé,
E não te apavores, Israel.
Trata-se de um hA'hy>-~aun> ne’um-YHVH “dito de Javé”, dirigido para bqo[]y: yDIb.[;
‘abdi ya‘aqob “meu servo Jacó”. A hipótese aventada na presente tese é de que o bqo[]y:
ya‘aqob “Jacó” é uma referência específica às populações do Norte da Palestina. Na segunda
frase, trata-se de laer'f.yI yisra’el Israel”. Assim pode-se realmente suspeitar que o “meu

servo Jacó/Israel” seja o mesmo elemento antropológico já encontrado em 30,3, o “meu povo
Israel”.

Nessas duas frases, é notável o paralelismo ar'yTi-la; ’al-tira’ “não temas” e tx;T-e la;

’al-tehat “não te apavores”. Esses dois verbos normalmente são usados para convidar Israel à
quietude diante das dificuldades da conquista da terra prometida, pois Javé, com seu poder e
força, iria destruir os poderes governamentais constituídos em Canaã (Dt 1,21; 31,8; Js 8,1;
10,25). Mas no presente texto, em questão não está a conquista da terra dos reis cananeus,
mas sim, a perda da posse da terra, como se notará nas frases seguintes do v.10. É importante
159

salientar, contudo, que o temor de Jacó/Israel surge em virtude das ameaças militares,
sugerindo assim certa relação com a ‘conquista’ da terra prometida. Mas quem/o que causa
temor em Jacó?

Na sequência do v.10, notam-se outras duas frases, que, conquanto evoquem a salvação
de Javé também começam a revelar o sujeito do tremor de Jacó:

Porque eis que te salvarei do afastado,

e a tua descendência da terra da prisão deles.

No início da primeira frase, usa-se conjunção hebraica yKi ki “porque”, cuja tradução

também pode ser “eis”, com o objetivo de chamar a atenção do leitor.584 Não se trata, pois, de
mera conjunção, mas quer-se enfocar o conteúdo da frase, a saber, a ação salvífica de Javé
para Jacó. A interjeição ynIn>hi hineni “eis-me” possui o sufixo da primeira pessoa, o que

significa que Javé é o sujeito da frase. O verbo [v'y yaxa’ hifil está no particípio, marcando

uma ação continua e persistente.585 Isso sugere que os interlocutores do texto estão numa
situação de ruína, o que lhes causa temor e apavoramento (vejas as duas primeiras frases do
v.10), mas ação de salvífica de Javé continuamente prontifica-se a libertá-los. É importante
perceber de quem/do que Jacó/Israel seria salvo: do qAxr'me merahoq “afastado”. Seria uma

nação longínqua. Em Jr 5,15, a palavra é usada para referir-se à Babilônia; neste caso (Jr
5,15), pode-se notar que qAxr'me merahoq “afastado” é um poder bélico, “uma nação

distante” (qx'r>M,mi ywOg goy mimmerhaq).

A frase seguinte de Jr 30,10 é nominal, mas nela está implícito o verbo [v'y yaxa’: “e

a tua semente da terra da prisão deles”. O vav “e”, no início da frase, demonstra a
conectividade com a frase anterior. O objeto da salvação é a “descendência/semente” ([r:z<

zera‘). Esta, a descendência de Jacó, está na “terra da prisão deles”. Ou seja, comparando-se
com a frase anterior, pode-se afirmar que populações israelitas estavam na longínqua terra do
qAxr'me merahoq “afastado”. A palavra xibyam “prisão deles” está sufixada com a terceira
584
A tradução “eis” foi proposta por Milton Schwantes nas aulas do Programa de Doutorado em Ciências da
Religião Universidade Metodista de São Paulo, sobre Jeremias, no 2º semestre de 2011.
585
O particípio hebraico é um adjetivo verbal, e geralmente é traduzido em português no gerúndio. Andrew H.
Bartelt, Gramática do Hebraico Bíblico – Fundamentos, tradução de Acyr Raymann, Canoas, ULBRA, 2006,
p.104-105.
160

pessoa masculina plural. O “deles”, assim, pode ser uma referência ao qAxr'me merahoq
“afastado”. Desde modo, essa frase focaliza a salvação de Javé aos descendentes de Jacó das
entidades bélicas coercivas capazes de causar tremor e apavoramento às populações israelitas
e de exterminarem a “descendência/semente” de Jacó/Israel. Essa ameaça teve sua origem no
período da dominação assíria sobre a Palestina, já que era uma prática comum dos assírios a
deportação da população autóctone e a implantação de uma população estrangeira no país
ocupado, inviabilizando assim qualquer ação política por parte do vassalo.586 Embora o texto
jeremiano refere-se à salvação de Javé, está pressuposto, por outro lado, uma situação de
ruína: a descendência de Jacó está numa terra estrangeira. Nota-se que a terra inimiga é uma
“prisão” (ybiv. xebi). Isso implica numa impossibilidade de sobrevivência naquelas terras

opressivas.

Na sequência, a salvação de Javé é desenvolvida poeticamente por quatro


frases/expressões. Trata-se do retorno dos exilados israelitas, descrito como um efeito da ação
salvífica de Javé. A primeira frase é: “voltará Jacó’. O verbo bWv xub qal vav consecutivo

perfeito “voltar” aponta o reverso da “prisão” (bvi xebi) aludida na frase anterior. Mas é

possível notar que o foco não está na ‘volta’ em si, mas na vida após a volta:

e terá descanso,

e estará tranquilo,

e não existirá aquele que (causa) faz tremer.

As duas primeiras frases/expressões repetem uma mesma ideia: em foco está o jq;v'
xaqat qal vav consecutivo perfeito “descansar” e o !a;v' xa’an palal vav consecutivo perfeito

“estar tranquilo”. Mas é na terceira frase que está a ‘surpresa’, o ponto culminante das
frases/expressões anteriores. Trata-se do desaparecimento do poder coercivo e assustador. O
verbo drI;x' harad “tremer” está conjugado no hifil particípio, ou seja, o sujeito do verbo

causa a condição/estado de outrem. Só há tremor por que alguém/algo causa tremor. De certa
forma, os poderes bélicos destrutivos são responsabilizados pela ruína de Jacó. Assim, a

586
“A Assíria esperava que fosse mais fácil governar e manter sob controle a mistura de povos surgida dessa
maneira”. Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, vol 2, p.343.
161

exortação de Javé no início do v.10 através do paralelismo ar'yTi-la; ’al-tira’ “não temas” e

tx;T-e la; ’al-tehat “não te apavores”, sendo seguida pela promessa de salvação, só pode ser

compreendida num contexto onde há uma ameaça abstrata e identificada como a causadora
dos danos a “Jacó”.
O v.11 continua a temática da salvação aludida no v.10. Javé continua sendo o sujeito
do verbo [v'y yaxa’ hifil infinitivo “salvar”. Observam-se três pares de frases, cada qual com

um enfoque especial. O primeiro par, no início do v.11, é um hw"hy>-~aun> ne’um YHVH “dito

de Javé”. Há uma promessa da presença divina (ynIa] ^T.a-i yKi ki-‘itteka ‘ani “contigo estou
eu”), que implica uma ação salvífica (^[,yviAhl. lehoxi‘eka “para te salvar”). Neste texto, a

presença de Javé não tem sentido em si mesma. Não se pode desassociar presença divina e
libertação divina. O que importa é ação de Javé, a intervenção divina em favor daqueles que
sofrem por um poder belicoso.
Os dois pares frasais seguintes do v.11 focalizam certo juízo de Javé sobre o “Jacó”
mencionado no v10. Mas o tom salvífico continua presente. O yKi ki “porque” no início do
primeiro par demonstra certa relação com as duas primeiras frases do v.11 (a primeira frase
do v.11 também inicia-se com yKi ki).

O primeiro par é marcado pela hl'k' kalah “destruição” de Javé. Os conteúdos de cada

frase diferenciam-se de forma antônima: destruição completa para as “nações” e livramento


da destruição para Jacó/Israel. O verbo hf'[' ‘asah qal “fazer” tem por objeto o substantivo
hl'k' kalah “destruição”.587 A primeira frase indica a “destruição em todas as nações”

(~yIAGh;-lk'B. hl'k' kalah bekol-haggoyim). No caso, ~yIAg goyim “nações” não devem ser
compreendidas como povos de modo geral, mas entidades políticas organizadas. 588 Na
verdade, o anúncio de Jeremias considerou Nabucodonozor como um instrumento nas mãos
de Javé (Jr 27,6). Há um interessante paralelo entre os textos proféticos neo-assírios e a
expressão encontrada em Jr 30,11 “farei uma destruição completa em todas as nações”.589
Assim, a referência às “nações” pode ser compreendida na antiga atuação de Jeremias na

587
A expressão aparece na literatura jeremiana em Jr 4,27; 5,10.18; veja também Na 1,8.9; Ez 11,13.
588
Sobre a palavra goyim, veja Milton Schwantes, Da provocação à provação, p.105.
589
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.161.
162

época de Josias, quando a Assíria perdia sua imponência sobre terras palestinenses.590
Jacó/Israel encontra-se “disperso” (verbo #WP pus hifil perfeito “dispersar”) em meio das

entidades governamentais organizadas, neste caso, o império assírio que já se desorganizava a


partir de 627 a.C. Mas, o Jacó/Israel teria outra sorte. Não sofreria a hl'k' kalah “destruição”.

Embora em uma situação de ruína, ainda longe da terra produtiva, dispersos, os israelitas
estão isentos de extinção.

No final do v.11, aflora-se certa punição de Javé sobre Jacó/Israel, sem, contudo,
ofuscar o sentido salvífico:

E te disciplinarei para o direito,

e não te inocentarei.

O verbo rs;y yasar piel vav consecutivo perfeito “disciplinar” tem o sentido de
591
“castigar, disciplinar, censurar, ensinar, treinar”. No contexto de anúncio de salvação,
como entender essa palavra punitiva de Javé? É notável que a profecia jeremiana dirigiu-se ao
Norte com um convite de Javé para a confissão de pecados (3,12-13), havendo, pois,
significativas relações entre as palavras encontradas no final do v.11 e a mensagem jeremiana
encontrada em 3,12-13 e em 31,18. Tanto em 3,12-13 como em 31,18 focaliza-se o bWv xub

“voltar”. Israel é confrontado ao arrependimento. Em 3,12-13, Israel é “desleal”, mas é


convidado à ‘volta’. Em 31,18, depois da vinda da ‘punição’ (rs;y yasar nifal vav

consecutivo perfeito), Efraim (Israel) seria levado por Javé para a conversão. Em Jr 30,11b, o
povo é submetido à punição, mas sob o convite de salvação e conversão (v.10).
É notável que, em Jr 30,11, a disciplina/punição tem por objeto o “direito” (jP'v.mi

mixppat). A ação punitiva de Javé seria um tipo de ‘treinamento’ (esse é o significado de rs;y
yasar) para o exercício do “direito”/mixpat.
A última frase do v.11 é “não te inocentarei”. O verbo hq'n naqah aparece em duas

590
Böhmer chega a suspeitar que Jr 30,10-11 seria uma palavra jeremiana de salvação para as terras do Norte,
anunciadas na época de Josias, quando a Assíria estava se enfraquecendo. Mas ele rejeita tal suposição, e situa Jr
30,10-11 no tempo do exílio. Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund, p.62. O exílio babilônico é
compreendido por ele como um juízo divino, e a volta para terra seria um evento futuro. Böhmer notadamente
desconsidera a dispersão do povo do Norte e as inevitáveis expectativas daquelas populações de restauração, e
restringi a promessa de salvação aos judaítas/Sul.
591
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.91.
163

formas verbais: no piel infinitivo absoluto e no piel imperfeito.592 Uma das funções do
infinitivo absoluto é “reforçar ou intensificar a ideia verbal”, quando sucedido por uma forma
verbal conjugada na mesma raiz.593 Esse parece ser caso do verbo hq'n naqah neste v.11.

Quando situada no contexto dos v.10-11, a declaração “e não te inocentarei” não assume uma
dimensão punitiva, como aquela endereçada às “nações”. Em Jr 30,11 a punição aparece num
contexto onde em jogo está o “direito”/mixpat. Isso significa que o Jacó/Israel, quando de
posse da terra produtiva, seria treinado/ensinado para o exercício do “direito”/mixpat.
Jacó/Israel não seria inocentado, caso o mixpat fosse menosprezado.

Em conclusão, pode-se afirmar que o “Jacó/Israel” em Jr 30,10-11 refere-se às


populações nortistas da Palestina que sofreram as invasões assírias, sendo a promessa de
salvação dirigida a elas. Em um dado momento da profecia de Jeremias, o “Jacó/Israel”
tornou-se uma alusão a todos aqueles que foram assolados não somente pela Assíria, mas
também pela Babilônia. Esta afirmativa será desenvolvida na presente tese pela análise de
outras perícopes de Jr 30-31.

3.2.5 - Jr 30,12-17: “eu te curarei”

Jr 30,12-15 é um anúncio de ruína em forma de lamentação. O v.16, por seu turno,


apresenta-se como a lei do talião. Os inimigos do interlocutor serão punidos! Em
contraposição aos v.12-15, o v.17 apresenta a cura para o interlocutor.
Jr 30,12-15 são palavras de ruína. O v.12 tem duas frases que focalizam a “tua ruína” e
a “tua ferida”:
Desespero para a tua ruína,
será acomedita de doença a tua ferida

A hK'm; makkah “ferida” explica-se pelo termo rb,v, xeber “ruína”. A doença é uma

metáfora da ruína. Em Jr 10,19 e 14,17, como em Jr 30,12, o termo rb,v, xeber “ruína” é

paralelo a hK'm; makkah “ferida”. É importante notar que em Jr 10,19 e 14,17 a hK'm;
makkah “ferida” e o rb,v, xeber “ruína” descrevem o estado calamitoso do mundo citadino,

592
Veja o uso de nagah piel em Êx 20,7; Dt 5,11; Ex 34,7; Nm 14,18; Cf. Na 1,3; e Jr 46,28. Confira também
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.162.
593
Page H. Kelley, Hebraico Bíblico, p.221.
164

consequente da chegada do poderio bélico babilônico.594 Em Jr 4,6, o rb,v, xeber refere-se à

vinda do h['r ra‘ah “mal”, identificado com os exércitos babilônicos (o inimigo do “Norte”).

Este “mal”, que é a “ruína”/rb,v,, nos textos jeremianos configura-se como uma ameaça

contra a cidade de Jerusalém (Jr 6,1; veja 8,21).


Em Jr 6,7, a hK'm; makkah “ferida” é uma palavra paralela à “opressão” (6,6) e

“violência” (6,7) no interior da “cidade”/Jerusalém. Mas, no caso de Jr 6,7, a causadora da


hK'm; makkah “ferida” é a Jerusalém opressora, a “cidade” que há de receber a punição de

Javé (6,6). Em Jr 30,12, por sua vez, a hK'm; makkah “ferida” refere-se à punição sobre um

infrator. Conquanto Jr 6,7 e 30,12 usam a palavra hK'm; makkah “ferida” com aplicabilidade

distintas (em Jr 6,7, o infrator causa a ferida, e em 30,12 ele sofre a ferida), o referencial sócio
antropológico de Jr 30,12 parece ser o mesmo de Jr 6,7: o mundo citadino.
Portanto, as palavras rb,v, xeber “ruína” e hK'm; makkah “ferida” focalizam a falência

dos setores governamentais e bélicos de Judá, resultante da chegada de um poderoso exército


estrangeiro.
No v.13, há três frases. O !D' dan “sentença/julgamento”, na primeira frase, é

explicitado nas duas frases seguintes. O termo rAzm' mazor “úlcera” em Os 5,13 descreve o
estado de Efraim, que buscou a cura para rAzm' mazor no imperialismo assíria; recorreu “ao
rei principal” da Assíria. Em virtude disto, Oseias anuncia a impossibilidade de cura. Por um
lado, o estado calamitoso de Efraim apresenta-se como efeito das alianças com as potências
estrangeiras, por outro, a aliança com o imperialismo é a causa da “úlcera”. A última frase do
v.13 também parece ser influenciada por Os 5,13: a impossibilidade da “cura” (ha'pur>

repu’ah).595
No v.14, há três conjuntos de frases. Muitos pesquisadores sugeriram apagar o terceiro
conjunto de frases (“Pois grande é a tua iniquidade, são numerosos os teus pecados”),
considerando-o como uma antecipação errônea do v.15.596 Mas pode-se arguir em favor

594
A lamentação de Jr 10,19-21, originada do xeber e da makah, aponta para a ameaça da “terra do norte” (Jr
10,22). Embora a ruína seja global, atingindo os “rebanhos”, somente os líderes políticos (“pastores”) são
responsabilizados pela catástrofe. Explica-se assim porque em 10,22 somente as “cidades” são arruinadas. Do
mesmo modo Jr 14,17: a ameaça recai sobre “Jerusalém” (14,16).
595
“e cura não haverá para ti”: a mesma expressão aparece em Jr 46,11b no contexto do oráculo contra o Egito.
596
Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.190; Artur Weiser, Das Buch des Propheten Jeremia – Kapitel 25,15 – 52,34,
Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1955, p.279-280.
165

dessas frases, no contexto dos conjuntos frasais do v.14; a “disciplina terrível” só poder ser
justificada pela “iniquidade” e “pecados”.
No primeiro conjunto de frases (v.14a) há uma referência aos deuses estrangeiros,
através do termo %yIb;h]am; . me’ahabayik, piel particípio com sufixo plural, “teus

amantes/aqueles que amam”, procedente da raiz verbal bh;a; ahab “amar”, bem característica

da literatura de Oseias597 e Ezequiel598. Em Jr 22.20, os %yIb;h]am; . me’ahabayik “teus

amantes” são os líderes políticos de “Jerusalém”. Os arruinados são setores específicos da


sociedade judaíta. Pode-se entender, assim, que em Jr 30,14 os %yIb;h]a;m. me’ahabayik “teus

amantes” são os falsos deuses, a partir dos quais os líderes políticos e religiosos de Jerusalém
oprimem os fragilizados da sociedade.
No segundo conjunto (v.14b), Javé apresenta-se como um “inimigo” que feri com “uma
disciplina terrível”. O hk'n nakah hifil perfeito “golpear/ferir” de Javé, na primeira frase, é

explicado na segunda frase como um yrIz"k.a; rs;Wm musar ‘akzari “uma disciplina de

terrível”. Considerando os “amantes” da primeira frase como os setores governamentais de


Jerusalém, há de se admitir que hk'n nakah e yrIz"k.a; rs;Wm musar ‘akzari aplicam-se à

cidade de Jerusalém.599 O adjetivo yrIz"k.a; ‘akzari “terrível” é usado em Jr 6,23 para

caracterizar a crueldade do poder bélico babilônico contra Jerusalém. Portanto, pode-se


deduzir que a “disciplina” de Javé define-se como uma punição às elites abastadas do setor
citadino; tal punição concretizou-se pelo ataque babilônico sobre o Estado de Judá.
Os dois últimos conjuntos frasais do v.14 (v.14c) reencontram-se no final do v.15. As
duas frases justificam a razão do golpe/disciplina de Javé: o !wO[' ‘avon “iniquidade” e a

ha'J'x; hatta’ah “pecado”. À luz das constatações nos v.12-13, e nos dois primeiros

conjuntos de frases do v.14, pode-se deduzir que os responsáveis por tais delitos são líderes
políticos de Jerusalém.
As duas primeiras frases do v.15 (v.15a) continuam a descrição da situação de ruína dos
versos 12-14b. Através da palavra hm; mah “por que?”, suscitadora de uma questão600, a

597
Os 2,7.9.12.14.15.
598
Ez 16,33.36.37; 23,5.9.22.
599
Em outros dois textos jeremianos a palavra nakah é paralela a musar: Jr 2,30 e 5,3. O contexto desses textos
indica que os setores disciplinados por Javé são “reis”, “príncipes”, “sacerdotes” e “profetas” (Jr 2,26), e estão
“nas ruas de Jerusalém” (5,1).
600
Veja 2,5.18.33.36; 4,30; 13,21; 49,4.
166

palavra profética apresenta um auto-anúncio de ruína. Os interlocutores interpelados são


aqueles que lamentam sua própria “ruína”/xeber.601
As últimas frases do v.14 reaparecem no final do v.15:
Pois grande (é) a tua iniquidade,
são numerosos os teus pecados.

A primeira frase inicia-se com a preposição l[; ‘al “sobre”, “diante de”, “por causa

de”. Assim, o !wO[' ‘avon “iniquidade” e a ha'J'x; hatta’ah “pecado” são a causa da situação

de ruína descrita dos v.12-14b.v.15a. !wO[' ‘avon “iniquidade” e ha'J'x; hatta’ah definem-se

pela extorsão dos fragilizados da sociedade602; os praticantes destes delitos localizam-se no


interior da cidade jerusalemita603, cujos líderes políticos maquinam a morte dos inocentes604.
A última frase do v.15, %l' hL,ae ytiyfi[' ‘asiti ’elleh lak “farei isso para ti”, tem por

objetivo encerrar a subunidade. Lê-se o sufixo feminino singular precedida pela preposição l.

le: %l' lak “para ti”. O mesmo sufixo feminino aparece em toda a nossa subunidade (v.12-

15), significando que há alguém sendo interpelado pelo texto jeremiano. Nossa análise já
demonstrou que o elemento antropológico é o mundo citadino. Resta saber se este mesmo
setor social é interpelado nos v.16 + v.17.
Jr 30,16 diferencia-se bruscamente de 30,12-15. Em Jr 30,14 Javé apresenta-se como
sujeito (primeira pessoa) que fere o povo. Em contrapartida, no v.16, o inimigo do povo
torna-se o objeto da ruína. No v.15, a impossibilidade da cura é apresentada, enquanto que o
v.17 sustenta o contrário: a cura é oferecida por Javé. Jr 30,16-17 seria uma expansão de
30,12-15? É possível afirmar que o anúncio de ruína tenha sido proferido concomitantemente
ao anúncio de salvação?605 Os interpelados em Jr 30,12-15 são os mesmos do v.16 + v.17?
O texto jeremiano move-se de uma descrição de ruína (Jr 30,12-15) para uma predição
de cura (Jr 30,16-17).606 Para a presente tese, a interpretação de Jr 30,16 requer a identificação

601
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.122.
602
Em Jr 5,25, o ‘avon e a hata’ aparecem numa unidade literária, Jr 5,20-29 (A BHS identifica ai um parágrafo
poético), onde os rexa‘im “ímpios” (5,26) são aqueles que extorquem os “órfãos” e os “pobres” (5,28).
603
Em Jr 14,10, o ‘avon e a hata’ são praticados por “este povo” (’am hazzeh), que localiza-se nas “ruas de
Jerusalém” (14,16).
604
Em Jr 18,23, o ‘avon e a hata’ referem-se ao plano dos líderes jerusalemitas contra o profeta Jeremias
(18,18).
605
Walter Brüggemann, “The ‘Uncared For’ Now Cared For (Jer 30:12-17) – A Methodological Consideration”,
em Journal of Biblical Literature, Philadelphia, The Society of Biblical Literature and Exegesis, vol.104, 1985,
p.427. Veja, contudo, Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.123-124.
606
Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.191; William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah,
167

dos sujeitos sociológicos subjacentes à literatura jeremiana. Em Jr 5,14.17, o verbo lk;a'


’akal “devorar” tem por objeto “este povo”, a “casa de Israel” (5,14), aqueles que confiam nas
“cidades fortificadas” (5,17). Em Jr 8,16, não é exatamente a terra que é 'devorada' pelo
inimigo, mas a sua “abundância”, o que significa dizer, “a cidade e os seus habitantes”; os
ameaçados são aqueles que se refugiam em “cidades fortificadas” (8,14, à semelhança de
5,17!). Em Jr 21,14, o objeto do verbo lk;a' ’akal “devorar” é a “moradora do vale”

(21,13)607, a “cidade” de Jerusalém (21,14).

Assim, a primeira frase do v.16 realça a lei do talião em relação aos inimigos que
“devoraram” o mundo citadino; estes inimigos, por sua vez, também seriam “devorados”. O
verbo lk;a' ’akal “devorar” aparece em Jr 2,3 e 10,25 tendo “Israel/Jacó” por objeto. Em Jr

2,3, “Israel” é “Jerusalém” (2,2). Em Jr 10,25, o “Jacó” são as “cidades de Judá” destruídas
pelas tropas babilônicas (Jr 10,22).
Na segunda frase, em foco estão os %yIr;c' sarayik “teus opressores”. A ameaça dirige-se

a “todos eles” (~L'Ku kullam). O TM realça a destruição completa. A expressão WkleyE ybiV.B;
baxxebi yeleku “na prisão irão” aparece em Jr 22,22608, onde os arruinados são os “amantes”,
os líderes políticos. Estes, os setores governamentais de Judá, seriam os mesmos elementos de
Jr 30,14. Mas, em 30,16, os arruinados são os arruinadores. A ruína sempre gera ruína!
As duas últimas frases descrevem a lei do talião609:
e serão os teus saqueadores saqueados,
e todos os que te despojam entregarei para despojo.

A forma verbal zz;B' bazaz “saquear” aparece em Jr 20,5 e no oráculo contra a Babilônia

de Jr 50,37. Curiosamente em Jr 20,5 o verbo tem por objeto a “toda riqueza desta cidade” e
os “tesouros dos reis de Judá”! Assim, Jr 20,5 sugere uma interpretação para Jr 30,16: os
“saqueados” são elementos antropológicos do mundo citadino.

vol.2, p.766.
607
A expressão “moradora do vale” só foi aplicada secundariamente a Jerusalém; originalmente referia-se a
alguma cidade situada em dos vales da Palestina.
608
Confira também Jr 15,2, onde o xebi “prisão” é o destino dos opressores.
609
Compare com Is 42,22.24. No texto de Isáias, o verbo xub tem o sentido de “restituir”!
168

A partícula !kel' laken “por isso”, no início do v.16, vincula o v.16 com os v.12-15! Nos

textos proféticos, normalmente !kel' laken inicia uma ameaça precedida por uma denúncia.
Por isso, seu uso em v.16 em referência à lei do talião, é bastante peculiar.
Seria interessante observar Jr 8,13-16 como chave hermenêutica para a interpretação de
Jr 30,12-15 e Jr 30,16. Nota-se que em Jr 8,13-16 o tema da impossibilidade da cura (Jr 8,15)
está intimamente relacionado ao 'devorar' das cidades judaítas opressoras (Jr 8,16610). Essas
duas temáticas, que em Jr 8,13-16 estão juntas, apresentam-se em Jr 30,12-15
(impossibilidade da cura) e em Jr 30,16 (‘devorar’ dos opressores). É lógico que há uma
diferença: enquanto que em Jr 8,16 as cidades são ‘devoradas’ por exércitos estrangeiros, em
30,16 são os exércitos estrangeiros que são devorados. Portanto, 30,16 seria uma atualização
de 8,16.
Também é notável a afirmativa de que a Babilônia é o objeto da punição divina, em Jr
30,16. Jeremias inicialmente não proferiu nenhuma mensagem de ameaça contra a Babilônia,
o que explica o bom tratamento babilônico ao profeta (Jr 39). Mas, provavelmente depois de
587 a.C., a mensagem jeremiana englobou também o Estado babilônico no anúncio de ruína.
É o que se lê em Jr 25,29.611
Portanto, Jr 30,12-15 e Jr 30,16 podem ser relacionados, desde que se compreenda que
os arruinados em Jr 30,12-15 e Jr 30,16 são pessoas atreladas a sistemas opressores, o que
significa afirmar logicamente que aqueles que em Jr 30,16 recebem a promessa de salvação
são antropologicamente os mesmos de Jr 30,12-15, desde que essas pessoas, ao receberem a
promessa da represália de Javé sobre seus inimigos em Jr 30,16, não estejam mais inseridas
dentro do monárquico opressor. E a promessa de Jr 30,17 somente pode ser compreendida sob
a suspensão permanente de um sistema opressor.
Jr 30,17 deve ser interpretado no todo: o v.17a é uma fundamentação do v.17b:
Porque farei subir uma cura para ti,
e das tuas feridas te curarei,
dito de Javé.
Porque (de) repudiada/expulsada chamaram a ti,
Sião, aquela a qual ninguém busca.

610
O juízo divino em Jr 8,16 recai sobre “a cidade e seus habitantes”, no caso, sobre as “cidades fortificadas”
(8,14).
611
William Holladay, Jeremiah 2, p.676; para a interpretação de Jr 25,29, veja ainda Norman K. Gottwald, As
tribos de Iahweh, p.523.
169

À semelhança do v.16, o v.17b apresenta em certo sentido uma linguagem da lei do


talião. A vingança sobre os inimigos torna possível a cura da ferida do povo. Essa cura
somente pode ser efetuada sob a justa punição dos “opressores” e “saqueadores”.
As duas primeiras frases do v.17 (v.17a) explicam-se mutuamente. Na primeira frase, a
hk'rau ] ‘arukah “cura” é um ato de Javé, o qual, na segunda frase, é sujeito do verbo ap'r
rapa’ “curar”. Javé promete curar as “tuas feridas” (%yIt;AKM; makkotayik). Lembre-se de que

em Jr 30,12-15 o termo hK'm; makkah “ferida” aludia à ruína do mundo citadino causado pela

invasão do exército babilônico (30,12) A raiz verbal apr rp’ frequentemente é empregada

no contexto de reversão do efeito do juízo divino (veja Is 19,22, 30,26b).612 No contexto de


Jeremias, havia inúmeras propostas de curas, mas que eram aliadas às ideologias opressoras
do estado monárquico de Judá.613
O próprio Jeremias considerava sua “ferida” como “incurável” (Jr 8,21-22; 15,18), mas
depois, clama pela cura (Jr 17,14). É de se admitir que os oprimidos, como é o caso de
Jeremias, sofriam as golpeadas da elite de Jerusalém. Mas haveria cura, para esses
oprimidos.614
Por outro lado, Jr 30,17 parece realçar aqueles que outrora oprimiam, mas foram
golpeados por Javé (Jr 30,12-15), e, agora, recebem a promessa da cura, desde que,
obviamente, não estejam mais inseridos dentro do sistema monárquico opressor. Pois seria
totalmente impensável afirmar que o texto jeremiano propõe o ressurgimento das coisas como
eram antes da punição divina, porque isso necessariamente implicaria a restauração do
sistema opressor que foi justamente a causa do juízo divino.
De acordo com o v.17b, a promessa do v.17a é dirigida a !AYci iyons“Sião”, aquela que

foi abananada pelos falsos deuses (duas primeiras frases do v.14). Quem é !AYci iyons

“Sião”?As palavras de salvação deste v.17 são endereçadas não para o Norte/Israel, mas para
Judá?615 Ou, é possível que a promessa tenha sido endereçada aos israelitas que sofreram as

612
M. L. Brown, artigo rapa’, em G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren e Heinz-Josef Fabry (editores),
Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publisching Company,
vol.13, 2004, p.598.
613
Uma falsa cura era apresentada pelos falsos profetas porque estes apresentavam um falso xalom “bem estar”:
rapa’ é paralela a xalom em Jr 6,14; 8,11; confira o paralelismo entre xalom e marpe’ em Jr 8,15; Is 53,5; 57,19.
Ainda sobre a raiz rp’ em Jeremias , veja Jr 51,8-9; 46,11; 33,6; 3,22; confira também Os 14,5(4).
614
Sobre a “cura”, veja ainda Jr 3,22; confira também Os 14,5(4).
615
Assim interpreta Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.127.
170

invasões dos assírios no século 8 a.C.?616 Qual o significado de !AYci iyons “Sião” em Jr

30,17b no contexto das palavras salvíficas de Jeremias?


“Pero, en particular, Sión designa a Jerusalén como la cidad de Yahvé, y su morada, el
templo.”617 Comumente os textos vetero-testamentários empregam a palavra !AYci iyons

“Sião” como referência ao monte sobre o qual o templo jerusalemita foi construído.618 O
termo é amplamente mencionado em textos cúlticos jerusalemitas, que afirmam que o monte
Sião é o trono de Javé (para o uso do substantivo com o verbo xakan “morar”, veja Is 8,18; Sl
74,2; 135,21; e com o verbo yaxab “habitar”, veja Sl 9,12; 132,13; 146,10).619

Há dois textos isaianos pré-exílicos, datados do século 8 a.C., que se referem a Sião/Jerusalém:
Is 1,21-26 e 2,2-5. Estes textos tem seu matiz na profecia defensora do direito e da justiça; justamente
nessa mesma matiz estão os textos jeremianos. Por isso, é interessante uma comparação entre os textos
isaianos e jeremianos que aludem positivamente a Sião/Jerusalém, já que os dois profetas atuaram na
capital de Judá.
Em Is 1,21-26 Isaías critica a monarquia jerusalemita. O “órfão” e a “viúva” eram desprezados
pelo Estado judaíta (v.23b). Conforme apontou Milton Schwantes, a presença de órfãos e viúvas em
Jerusalém no século 8 a.C. aponta à desestruturação do sistema tribal, já que o clã israelita e judaíta
acolhia as viúvas através da lei do levirato e os órfãos eram integrados à parentela.620 Para Milton, esse
texto isaiano (Is 1,21-28), defensor da restauração “cidade da justiça” (1,26), junto com Is 2,2-5,
provém das primeiras atuações do jovem Isaías, quanto o profeta ainda mantinha expectativas
positivas em relação à monarquia de Davi. Nessa perspectiva situam-se Is 1; 2-4. Mas, no contexto da
guerra siro-efraimita (caps. 5-11), quando Acaz recusou-se a ouvir a mensagem profética (7,3-9.10-
17), Isaías rompeu com o davidismo (7,17; 8,14), “e sua profecia torna-se claramente revolucionária
ao anunciar um novo regime que não parte dos davididas, mas de crianças do meio do povo (8,18; 9,1-
6; 11,1-5)”.621
Is 2,2-5 pode ser datado no século 8 a.C., por volta de 740 a.C., quando os assírios ainda não se
impunham sobre os pequenos países do corredor siro-palestino. Essa é a época das primeiras atuações
de Isaías, quando o profeta ainda mantinha perspectivas de reformar o Estado judaíta.622 Mas é notável

616
Artur Weiser, Das Buch des Propheten Jeremia – Kapitel 1 – 25,13, p.280-281; Wilhelm Rudolph, Jeremia,
p.192.
617
Fritz Stolz, artigo siyyon “Sión”, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario teológico–
Manual del Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.2, 1985, col.686.
618
Assim Jr 26,18 (= Mq 3,12), har ha-bayit “o monte do templo”. Veja também Is 2,2 = Mq 4,1.
619
Fritz Stolz, artigo siyyon “Sión”, col.688. Para o desenvolvimento teológico de Sião no exílio e pós exílio,
veja col.692-694, onde cita-se Jr 3,14; 31,6.12 entre os textos pós-exílicos (col.693).
620
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.67.
621
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.78.
622
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.99-102.
171

a proposta de Isaías: o templo sem sacrifícios (1,10-17; esse é um forte indício que o texto não procede
do pós-exílico, pois, caso o fosse, certamente estaria sobrecarregado da teologia sacrificial), um abrigo
para crianças, órfãos, viúvas e pobres (Is 10,2; veja 14,30.32).623 A proposta isaiana reside na
destruição das armas de guerra, transformando-as em dois instrumentos de trabalho do mundo
palestinense: “podadeiras” e “arados” (Is 2,4). Schwantes reconhece que temos ai uma alusão “às duas
produções mais importantes em Israel e Judá: na roça ('arados') e nas árvores frutíferas”.624
Será que as palavras salvíficas jeremianas em relação a Sião (Jr 30,17b) não tem um mesmo
matiz da profecia do Isaías do século 8 a.C.? Nota-se que, à semelhança de Is 1,21-26, alguns textos
jeremianos referem-se aos órfãos e às viúvas, presentes nas ruas de Jerusalém (Jr 5,28; 7,6; 22,3;
49,11), o que significa que o sistema tribal ainda era decadente na época de Jeremias. Reforça-se,
assim, a suposição da presente tese de que Jeremias mantinha vínculos com o tribalismo. Quanto a Is
2,2-5, nota-se a defesa da roça (“podadeiras” e “arados”). A mensagem jeremiana também mantinha
vínculos com a roça (veja nossa interpretação de Jr 30,18-21; confira também Jr 31,2-6!).
Essas constatações levantam a seguinte hipótese: Jerusalém/Sião recebe uma promessa de
restauração nos textos isaianos do século 8 a.C.; assim também Jr 30,17 não precisa ser compreendido
como alusão à teologia sionita do pós-exílico, já que, à semelhança de Isaías, Jeremias poderia propor
o soerguimento de um templo capaz de abrigar os pobres marginalizados pela monarquia de Judá. É
claro que pode ser levantada uma questão contraoponente a essa hipótese: considerando que, no
Antigo Testamento, a monarquia davídica dominou a partir do referencial cúltico sionita (2Sm 5,7; Sl
110; etc.), e observando a radical destruição de Jerusalém anunciada por Jeremias (Jr 30,12-15), como
entender o anúncio de restauração de Sião (Jerusalém) em Jr 30,17? Por outro lado, considerando que
Jeremias era de origem sacerdotal (Jr 1,1), sua mensagem da ruína total de Jerusalém (a crítica e a
ameaça de Jeremias a setores específicos de Jerusalém - reis, sacerdotes e templo salomônico)625 pode
muito bem ser articulada com o surgimento de uma nova Sião, na verdade, um novo templo, livre dos
interesses monárquicos, e acolhedor dos pobres sofredores.

Concernente à menção de !AYci siyon “Sião” em Jr 30,17b, os exegetas normalmente


propõem dois caminhos: alterar o TM, suprimindo a palavra !AYci siyon e entendendo o v.17
como uma promessa dirigida ao Israel/Norte, ou manter o TM, sob a hipótese de que o texto
pertença ao exílio/pós-exílio. Contudo, parece não haver necessidade de alteração do TM.
!AYci siyon “Sião” é empregada de forma singular nesse texto jeremiano. Pois a palavra

623
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.102.
624
Milton Schwantes, Da vocação à provocação, p.112.
625
Veja Jr 4,6.31; 6,2.23; 9,18; veja especialmente 8,19, em que a destruição de Sião implica destruição do
“rei”!. Conferir também 14,19, onde Jeremias intercede por Sião, mas recebe a resposta da inevitabilidade da
destruição em 15,1-2. Por outro lado, nota-se em 14,19 que Jeremias estava bastante apegado ao templo; parece
que, no caso de Jr 14,19, Sião/Judá não pode ser a grandeza política identificada com a monarquia de Davi.
172

aparece junto com xd;n nadah nifal particípio “repudiar”, um termo singular no Antigo

Testamento, empregado com o sentido de infrator desterrado.626 A raiz xdn ndh é usada

principalmente para se referir ao Israel disperso em terras inimigas. 627 xd;n nadah aparece em

Jr 16,15 em referência aos “filhos de Israel”628. Pode-se afirmar, assim, que o referencial do
consolo jeremiano são as populações do Norte/Israel, que se encontravam dispersas em terras
inimigas, para as quais o profeta pregou uma mensagem de esperança, e partir das quais
proclama-se esperança àqueles que foram assolados pelo imperialismo babilônico.
Para a presente tese, o foco de Jr 30,16+v.17 é a retomada da posse da terra, não
somente pelos exilados na Babilônia629, mas também por aqueles que permaneceram na terra
da Palestina após a queda do Estado de Judá. As palavras salvíficas de Jeremias propõem a
retribalização, e tem por referencial as populações nortistas que foram deportadas pelos
assírios.
A ‘cura’ proposta por Jeremias seria a supressão do sistema monárquico opressor.
Desde 597 a.C. os exilados na Babilônia viviam em vilarejos, sob o comando dos anciãos,
num sistema tribal.630 Esse sistema de vida também surgiu na Palestina depois da queda do
Estado de Judá, em 597 a.C.. A vida tribal é construída sem a intervenção político-
administrativo do Estado sobre a vida das famílias. Assim, o modo de vida dos exilados e das
populações que permaneceram na Palestina representa uma nova esperança na medida em que
engendra uma nova constituição social.
Assim, de fato Jr 30,16-17 sustenta uma mudança divina, já que Javé não iria mais
“ferir” (Jr 30,12-15), mas “curar” (Jr 30,17).631 Mas o modo de agir de Javé está intimamente

626
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.125. Veja 2Sm 14,13.14.
627
nifal: Dt 30,4; Is 27,13; etc.; hifil: Dt 30,1; Jr 16,15; etc.
628
xd;n nadah nifal particípio “repudiar”, “aquela que foi repudiada” ( hx'Dn' I ). Na perspectiva da presente tese,
não parece conveniente relacionar considerar o verbo xd;n nadah como uma reminiscência de bz[ (termo que
aparece em Is 54,6; 62,4.12), sob alegação de que bz[ aparece em Is 62,12 com hv'Wrd> “procurada”,
substantivo que em Jr 30,17 aparece na forma verbal vrd darax “procurar”. A razão obvia para se rejeitar tal
proposta é que o verbo xdn nadah não aparece no texto isaiano.
629
Contra Killp, para quem os autores de Jr 30,16-17 utilizaram-se do anúncio jeremiano de ruína (Jr 30,12-15)
para aludir a uma necessidade presente dos exilados da Babilônia. Nessa perspectiva, a promessa de salvação (Jr
30,16-17) constitui-se uma resposta ao lamento/ruína. “A perda da terra, que insiste em permanecer como
realidade, é o tema da promessa de 30,16-17.” “Das Los der im Lande Zurückgebliebenen ist Thema der
Verheissung 30,16f.” Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.128.
630
Veja a carta de Jeremias ao exilados (Jr 29,5-7), escrita pelo próprio Jeremias aos desterrados na Babilônia, no
ano 597 a.C. Confira a interpretação de Nelson Kilpp. “Jeremias escreve aos exilados a dimensão crítica do
anúncio profético de salvação”, em Estudos Teológicos vol.88A, 1988, p.9-20. Contudo, Killp não analisa a
possibilidade da mensagem jeremiana de salvação referir-se àqueles que permaneceram na terra de Judá após
587.
631
Walter Brueggemann, A Commentary on Jeremiah, p.275-278.
173

relacionado à proposta jeremiana sobre a mudança nas relações sociais. Ou seja, Javé não
poderá curar sem que o sistema opressor deixe de existir.

3.2.6 – Jr 30,18-21: “Eis-me revertendo a prisão das tendas de Jacó”


Conforme já foi constatado no primeiro capítulo, em Jr 30,18-21 a poesia é a marca
dominante. Identificam-se frases que tendem a repetir conteúdos. A poética deste texto
desenvolve-se por três estrofes: a primeira estrofe, no v.18; a segunda estrofe, no v.19; e a
terceira estrofe, nos v.20-21.

É possível situar Jr 30,18-21 em tempos pré-exílicos, nas primeiras atuações de


Jeremias no interior de Judá. Estaríamos na época de Josias, cujo reinado estende-se de 639
até 609 a.C. Para o presente trabalho, que exercita a interpretação de Jr 30,18-21 na
perspectiva tribal, a seguinte informação é relevante: no século 6 a.C. o movimento tribal é
amplamente divulgado. Jr 30,18-21 encaixa-se justamente nesse cenário. Esse texto de
Jeremias pode ser datado nos anos antecedentes à reforma, entre 627 a.C. e 622 a.C. Jeremias,
benjaminita, demonstra especial interesse pelas tradições do Norte israelita (Jr 2,4 – 4,2). É o
que se constata nesses v.18-21: “as tendas de Jacó” (v.18) são palavras alusivas ao Norte (veja
Jr 3,12-13!). A festividade aludida no v.19 parece-se com aquela mencionada 31,4, que
também se situa em tradições nortistas. Pode-se datar Jr 30,18-21 um pouco depois de 622,
quando a reforma josiânica radicalizou-se. É preciso lembrar que a reforma de Josias visava
às terra do Israel/Norte (2Rs 23,15-20). As últimas palavras de Jeremias, em sua primeira
atuação profética, apontariam certo vínculo à proposta da reforma de Josias, desde que tal
reforma se moldasse nos princípios do tribalismo. Depois da morte do rei reformador, em 609
a.C., Jeremias voltaria a atuar, mas num novo cenário político, marcado pelas tensões
políticas internas em Judá proporcionadas pelo domínio egípcio, viabilizado em Judá por
Jeoaquim.
Após realçar a realidade histórica por detrás de Jr 10,18-21, é hora de analisar as
expectativas salvíficas dessa perícope. O acento teológico principal desses versos é a
promessa de restauração, articulada por Jeremias em favor dos habitantes das terras nortistas
da Palestina.
Na primeira estrofe (v.18), a ênfase está na reformulação de estruturas socais
constituintes da vida palestinense. O conteúdo teológico do v.18 articula-se numa
terminologia efetivamente tribal. Nas duas primeiras frases lê-se uma ação de Javé: o
174

“reverter” (bWv xub) da “prisão das tendas de Jacó” e a compaixão às “suas moradas”. A

tWbv. xebut “prisão” são as deportações sofridas pelas populações do Norte, por ocasião da

invasão assíria no século 8 a.C. Decênios depois, na época de Jeremias, a população nortista
ainda vivia arrasada por causa das invasões imperialistas. Assim, a primeira frase do v.18
engendra a constituição das “tendas” do Norte. Naquele cenário, Javé estava agindo em favor
daquela gente: “Eis-me revertendo a prisão das tendas de Jacó.” Pela forma verbal (bWv xub

qal particípio), percebe-se que Deus já estava agindo: Deus está revertendo. A “prisão” estava
sendo revertida em libertação. As tendas estavam sendo restauradas. Ora, lh,ao ’ohel “tenda”

é um tipo de cabana. A palavra lh,ao ’ohel pode referir-se ao mundo nômade (Gn 4,20; 13,5;

18,16; etc.), mas também é usada para uma habitação ou lar (1Rs 8,66; 12,16; Sl 91,10; Jz
19,9).632 Na segunda frase, em foco está a “morada”, moradia” (!K'v.mi mixkan)633. Presume-se

que esta palavra denote um tipo de habitação permanente.634 Mas será que lh,ao ’ohel e

!K'v.mi mixkan não designariam os sujeitos sociológicos da esperança aventada nesse verso
18? Sim! lh,ao ‘ohel seria a barraca dos pastores nômades ou abrigo temporário erguido ao
lado dos roçados para proteger os trabalhadores camponeses. !K'v.mi mixkan alude à habitação
destes trabalhadores. Assim, esses trabalhadores das terras nortistas, fragilizados por
conquistas imperialistas, encontrariam um novo fôlego de vida nestas palavras jeremianas.
As duas frases seguintes (v.18b) aparentemente formalizam a constituição de outro
mundo social, a saber, a “cidade” (ry[i ‘ir) e sua “habitação” (!Amr>a; ’armon). Entretanto, a

temática do v.18a continua. Ou seja, o v.18b é uma sequência da libertação articulada no


v.18a:
E será (re)construída uma cidade sobre a ruína dela,
e uma habitação sobre o seu lugar se assentará.

632
Jack P. Lewis, artigo ’ohel, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.21-22; Kraus Koch,
artigo ’ohel, em G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren e Heinz-Josef Fabry (editores), Theological
Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publisching Company, vol.1, 1974, p.118-
130.
633
M. Görg, artigo xakan, em G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren e Heinz-Josef Fabry (editores),
Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publisching Company,
vol.14, 1992, p. 691-702.
634
William L Holladay, Jeremiah 2, p.176.
175

Na primeira frase, focaliza-se o “construir” (hnB' banah nifal vav consecutivo perfeito)

da “cidade” (ry[i ‘ir). Este verbo hnB' banah é bem melhor traduzido como “reconstruir”, já

que a cidade se encontra em “ruína” (lTe tel). Os comentaristas debatem se a “cidade” deve

ser referenciada por Jerusalém ou por Samaria. Mas, aqui no contexto de Jr 30,18, o termo
ry[i ‘ir poderia muito bem ser traduzido por “vila”635. Esse é o sentido sociológico do termo

em Js 13-19! Ademais, essa “cidade” já não se impõe, pois está em “ruína”. Portanto, ry[i ‘ir

são as vilas interioranas da Palestina.


Na segunda frase do v.18b, “habitação” é a tradução do hebraico !Amr>a; ’armon.

Comumente o termo refere-se à residência do rei (1Rs 16,18; 2Rs 15,25), ou às habitações
fortificadas do setor citadino (Am 6,8).636 De modo geral, !Amr>a; ’armon sempre é referido

criticamente nos textos proféticos. Pois, a partir dessas habitações, o pobre é violentado e
extorquido (Am 1,3.7.10.12.14; 2,5; Os 8,14; Jr 17,27). Por isso, considerando os textos
proféticos de Amós e Oseias, e considerando ainda que Jr 30,18-21 insere-se na mesma
tradição nortista daqueles textos, a tradução “fortificação” ou “palácio” seria bastante
esquisita, aqui nesse v.18. Sendo assim, é preciso encontrar outra possibilidade de tradução. A
palavra !Amr>a; ’armon é uma construção tipicamente palestinense, e contrapõe-se a lk'yhe
hekal “palácio”.637 Portanto, !Amr>a; ’armon, aqui em Jr 30,18, precisa ser traduzido por

“palácio” ou “cidadela”. “Speiser relacionou o termo hebraico ’armon com a raiz assíria
ramu, que significa principalmente ‘estabelecer morada, habitar’.”638 Assim, situando Jr 30,18
dentro de articulações tribais, é possível sugerir que !Amr>a; ’armon seja a habitação dos

vilarejos. Na verdade, seria uma construção típica do mundo da Bíblia, de dois andares (Js
2,6).

635
Moises Chavez, Diccionario de Hebreo Biblico, El Passo, Editorial Mundo Hispano, 1992, p.500. O
vocábulo ry[i ‘ir pode ser traduzido “cidade, vila”.
636
“Havia, no palácio de Tirza e no de Samaria, uma parte mais fortificada que é chamada de ’armon, 1Rs 16,18;
2Rs 15.25: era o torreão. No plural, a palavra designa as habitações fortificadas de Jerusalém, Jr 17,27; Lm 2,7;
Sl 48,4.14; 122,7 ou de outro lugar, Am 1,4.12; 2,2.5, etc.”. Roland de Vaux, Instituições de Israel no Antigo
Testamento, tradução de Daniel de Oliveira, São Paulo, Editora Teológica, 2003, p.274. Veja também Hans
Walter Wolff, Joel and Amos – A Commentary on the Books of the Prophets Joel and Amos, Philadelphia,
Fortress, 1977, p.155.
637
Veja Ludwig Koehler e Walter Baumgartner, The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament,
Leiden/New York/Köln, E. J. Brill, vol.1, 1994, p.89. O mesmo termo aparece em Mq 5,4. No texto de Qunrã de
Is 34,13 (1QIsa 24,13) é hytn(w)mra.
638
Victor P. Hamilton, artigo ’armon, cidadela, palácio, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K.
Waltke (organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova,
1998, p.122-123.
176

Há, nessa segunda frase do v.18b, outro dado importante: a “habitação” seria
estabelecida “sobre o seu lugar”, ou literalmente “sobre o seu juízo” (AjP'v.mi-l[; al-

mixppato) que também pode ser traduzida por “de acordo com a justiça”639. É verdade que,
conforme lembra Holladay, AjP'v.mi mixppato é traduzido em outros textos como “seu lugar”,

referindo-se simplesmente ao lugar da construção.640 É o caso de Ex 26,30 e 1Rs 6,38. Mas o


próprio Holladay rejeita essa possibilidade, e sugere que a palavra seja interpretada a partir do
verbo bv;y yaxab qal imperfeito “assentar”, no final do v.18, que possui uma conotação

jurídica. Então, seria correto afirmar que o “sentar-se” objetiva a defesa do jP'v.mi mixppat

“/direito/justiça” (veja Jz 4,4-5, os verbos jpv xpt “julgar/defender” e bv;y yaxab

“assentar” estão relacionados). O v.18b refere-se ao “fundamento”/mixpat sobre o qual a


“habitação” era construída. O jP'v.mi mixppat é o lugar/fundamento sobre o qual se soergue a

esperança profética. Nesse caso, é fundamental a compreensão sociológica da raiz verbal


jpv xpt “julgar, defender” e sua forma substantivada jP'v.mi mixppat “direito”. Milton

Schwantes já constatou que no Antigo Testamento jP'v.mi mixppat referia-se ao direito que

todos os trabalhadores tinham de usufruir dos bens que a sociedade antiga produzia.641 Nossa
perícope (Jr 30,18-21) encaixa-se nessa perspectiva. Pois ry[i ‘ir “vila” e !Amr>a; ’armon

“habitação”, referentes à esperança às terras do Norte, tem um sentido bastante especifico na


linguagem jeremiana. Trata-se de entidades tipicamente tribais, que engendram sua
subsistência pela produção dos clãs e reivindicam para si o direito de consumir o fruto do seu
trabalho.
A segunda estrofe (v.19) descreve a consequência da reconstrução evocada no v.18. A
libertação historicamente articulada no v.18 se traduz em “ação de graças” (hd'AT todah) e

em “som de risos” (~yqix]f;m. lAq qol mesahaqim), no início do v.19. Ora, o louvor surge

exatamente “deles”, das “tendas” mencionadas no v.18 (lembre-se de que lh,ao ’ohel “tenda”

é um substantivo masculino, no hebraico). Neste caso, a “ação de graças” é a gratidão

639
William L Holladay, Jeremiah 2, p.177.
640
William L Holladay, Jeremiah 2, p.177.
641
Milton Schwantes, Das Recht der Armen, Frankfurt/Bern/Las Vegas, Peter Lang, 1977, 312p. (Beiträge zur
Biblischen Exegese und Theologie) [tese publicada em português: O direito dos pobres, São Leopoldo/São
Bernardo do Campo, Oikos/Editeo, 2013, 284p. (Série Teses)]
177

articulada pelas “tendas de Jacó”, que, conforme já averiguamos, são trabalhadores, habitantes
dos vilarejos do interior da Palestina do século 6 a.C.
É possível afirmar que essa terceira estrofe (v.19) descreve uma festa, também
mencionada 31,4b. Nesses dois textos, em foco estão os ~yqix]f;m. mesahaqim “risos”! 31,4b

relataria uma festa da colheita (veja 31,5). É o caso também de 30,19a. No Antigo
Testamento, os camponeses reconheciam que Javé é a fonte da fertilidade dos campos, e
tributavam-lhe louvor pelos cereais e frutas colhidos. Tais festividades eram momentos de
muita alegria (Jz 21,19-21), e também uma ocasião para ajudar fraternalmente os estrangeiros,
os órfãos e as viúvas (veja Dt 16,9-17). Portanto, a “ação de graças” é o resultado da colheita,
que no contexto específico de Jr 10,18-21, só é possível pelo engendramento do sistema
tribal, conforme já observado no v.18. A “ação de graças” e o “som de risos” não nascem por
uma adoração abstratamente fundamentada, antes, seu nascedouro está na organização social,
especificamente a tribal.
Depois das duas frases iniciais do v.19, seguem dois conjuntos frasais, cada qual se
iniciando com Javé por sujeito, e descrevendo, na sequência, uma consequência da ação de
Javé. No primeiro conjunto, lemos:
E os multiplicarei,
e não diminuirão.
A antiga terra da Palestina foi marcada por várias invasões de exércitos inimigos, que
por onde passavam arrasavam os campos e as pessoas. No decorrer da história bíblica,
egípcios, assírios, babilônicos, persas, gregos e romanos se impuseram sobre a terra
prometida. As pessoas eram massacradas. Uma das mais sérias consequências das invasões
imperialistas era a significativa redução populacional (Dt 28.62). Nesse cenário, a promessa
de multiplicação torna-se bastante significativa. A escassez de descendentes era uma ameaça
às estruturas tribais, como se observa na história de Noemi, que só teve sua dignidade
restituída quando sua nora, Rute, suscitou-lhe descendente.642 Ao que parece, no período
exílico e pós-exílico a situação do povo era ameaçada pela escassez de descendentes. Assim,
na promessa do texto jeremiano, as populações apequenadas pelas armas e exércitos
encontrariam um novo fôlego de vida.

642
“A situação de Noemi era também o retrato da situação do povo! As famílias, isto é, as comunidades ou os
clãs, eram cada vez mais fracos e sem defesa, incapazes de garantir sobrevivência aos seus membros. Por isso,
não bastava a luta só pelo pão. Tinham de lutar também pela defesa e pelo futuro da comunidade. De que
adiantaria ter fartura de pão, se não tivesse futuro para o povo?”. Carlos Mesters, Como o ler o livro de Rute –
Pão, família, terra, São Paulo, Paulus, 3ª edição, 2003, p.35 (Série Como Ler a Bíblia).
178

No último conjunto de frases do v.19, lê-se:


E os glorificarei,
e não serão insignificantes.

Aqueles que se tornaram insignificantes, seriam glorificados pelo próprio Javé. É


preciso entender essa afirmativa a partir das articulações tribais de Jr 30,18-21. O verbo dbeK'

kabed hifil vav consecutivo perfeito “glorificar” significa “fazer pesado, dificultar, endurecer,
tornar honrado, fazer numeroso”643. No qal, dbeK' kabed tem o sentido de “ser pesado”, e no

piel, “honrar”644. Nominalmente a raíz dbK kbd aparece na forma adjetivada, dbeK' kabed,

“pesado”, e na forma substantivada, dwObK' kabod, “peso, glória”. O adjetivo dbeK' kabed,

além do sentido usual de peso físico, também denota uma importância financeira. Em Gn
13,2, por exemplo, diz-se que Abraão é dbeK' kabed “rico”. O substantivo dwObK' kabod pode

significar “peso” (físico), “honra” (nas relações humanas) e “honra/glória” de Deus. Mas
dwObK' kabod também pode se referir à abundância de filhos, como se observa em Pv 11,16.

Também designa a “riqueza” (Gn 31,1; 45,13; Is 10,3; etc.), e por extensão pode descrever a
grandeza econômica e política de um país (Is 17,3.4); assim, por ocasião de uma derrota
militar, dizia-se que a “glória se foi” (dwObk'-yai ’i-kabod, 1Sm 4,21.22).

Observa-se, pois, que dbK kbd tem o amplo sentido de “peso” ou “riqueza”. Mas, por

uma análise no dicionário hebraico, também verifica-se que o termo pode referir-se à
grandeza numerosa de descendentes. Este último sentido estaria de acordo com as duas
sentenças anteriores do v.19 (“E os multiplicarei, e não diminuirão”). De fato, o verbo no
hifil, conforme encontrado em Jr 30,19, tem o sentido de “fazer numeroso”. Então, os dois
pares de frases do v.19b expressariam a abundância numerosa daquelas pessoas que outrora
foram apequenadas pelas estruturas imperialistas do mundo antigo, e a decorrente riqueza
material de tal abundância numérica. É preciso que se entenda, ainda, a partir da análise geral
da presente perícope (Jr 30,18-21), que tal multidão está organizada socialmente para extrair
suas riquezas da produção da roça. É o que se verificará no v.21, onde se lê que tal multidão
terá um líder tribal. Mas, por hora, basta afirmar que o v.19 relaciona o “multiplicar” ao

643
Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.98.
644
Claus Westermann, artigo kbd “ser pesado”, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario
teológico– Manual del Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.1, 1978, col.1089-1098.
179

“glorificar”. Verifica-se que a riqueza/prosperidade seria decorrente de uma multidão


organizada socialmente:

E os multiplicarei,
e não diminuirão;
E os glorificarei,
e não serão insignificantes.

Assim, r[;c' sa‘ar qal imperfeito “ser insignificante” seria exatamente o oposto de

“glorificar”. A insignificância não seria outra coisa senão a escassez dos mantimentos
necessários à existência. Não existe melhor forma de honrar uma pessoa do que dar-lhe aquilo
que ela tem o direito de obter: a terra, que produz os recursos necessários à sobrevivência.
Assim, o brado de louvor desse v.19 é consequência da produção da terra (veja Jr 31,4-5!).
Claus Westermann afirma que Jr 30,19, junto com Is 8,23 (Ameida: 9,1), é um texto
tardio, cujo referente é a honra que Deus tributará ao país oprimido. Em ambos os textos, o
verbo dbeK' kabed “glorificar” está no hifil.645Mas Westermann não data a época dos textos

supracitados, e nem explica o caráter da opressão sofrida pelo país que seria honrado por
Deus. Contudo, dbeK' kabed recebe um sentido interpretativo interessante, quando co-

relacionado com Is 8,23. Este texto isaiano faz referência à devastação do Norte de Israel
pelos exércitos assírios, estando, pois, em plena sintonía com os ditos jeremianos que
designam esperança às terras nortistas. Portanto, aquelas pessoas que foram ceifadas pelas
armas dos assírios, e tiveram sua existência ameaçada, agora seriam multiplicados e honrados
por Deus, o que significa afirmar que elas cresceriam em número e seriam enriquecidas dos
bens materiais necessários à subsistência. É claro que bens materiais/prosperidade não devem
ser ententidos pela conotação usual capitalista, no sentido de acúmulo de bens. Trata-se, no
contexto das articulações tribais de Jr 30,18-21, dos materiais necessários à subsistência e
proporcionadores de bem-estar social às populações das terras palestinenses que foram
arrasadas pelos exércitos assírios.
O tribalismo também é marcante na terceira estrofe (v.20-21). Este texto não se refere à
restauração monárquica de Davi, uma época em que os inimigos de Israel seriam extintos.646

645
Claus Westermann, artigo kbd “ser pesado”, col.1100.
646
Contra Rudolph, para quem o termo hebraico ‘adah “congregação” tem um sentido político, como em1Rs
12.20. Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.193..
180

Antes, a primeira frase do v.20 alude ao “outrora”, aos tempos antigos (~d,q, qedem). Há de

ser uma memória do antigo tribalismo, situado na ocupação da Palestina pelas entidades
camponeses, a partir de 1.200 a.C. Certamente essa primeira frase refere-se ao passado tribal,
quando os filhos de Israel (camponeses e outros grupos empobrecidos) foram libertos dos
opressores (cananeus, moabitas, amonitas, midianitas, etc.).
Na segunda frase, a “assembleia” há de ser “estável”, firmemente estabelecida (!Wk kun

nifal imperfeito “firmar”). Essa afirmativa pode ser explicada pela terceira frase: “e
visitarei/castigarei todos os opressores dele”. Os ~ycixl] { lohasim “opressores” (#x;l' lahas

qal particípio “oprimir”) poderiam ser os assírios, como em Am 6,14. Considerando a


profecia de modo geral, em especial a de Jeremias, os ~ycixl] { lohasim “opressores” seriam

os reis (de Israel e de Judá), normalmente defensores de políticas estrangeiras opressoras,


perturbadoras da sociedade tribal organizada pela subsistência de sua produção. Então, o v.20
afirma que a estabilidade tribal não deveria ser mais perturbada por uma ordem social
dominante monárquica.
O v.21 é o ponto culminante da organização social tribal. O messianismo é flagrante
nesse texto: “E será/acontecerá o grandioso dele da parte dele, e o governador dele da parte
dele.” O ryDIa; ’adir647 “grandioso”, de acordo com a segunda frase, é o lvemo moxel

“governador” (lv;m' maxal qal particípio “governar”).

Nelson Kilpp defende o aspecto cúltico de Jr 30,18-21: para ele, este texto refere-se a
uma comunidade em festa, regozijando-se por causa da promessa de um monarca, que teria
preponderantemente uma função religiosa.648 Kilpp assevera que o termo %l,m, melek “rei” é

evitado no texto, subtendendo-se assim que o futuro monarca estará distante de um governo
político. A libertação dos opressores é obra de Javé, e o surgimento do monarca seria
consequência da ação divina.649 William Holladay tem uma sugestão parecida: o lvemo moxel

“governador” seria Josias, e o texto jeremiano construiu uma recensão de textos nortistas
aplicados à ideologia monárquica de Josias; idealiza-se, assim, um líder cúltico que congrega
sobre si o Norte e o Sul.650

647
Para o sentido geral de ’adir, veja G. W. Ahström, artigo ’addir, em G. Johannes Botterweck; Helmer
Ringgren e Heinz-Josef Fabry (editores), Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, William
B. Eerdmans Publisching Company, vol.1, 1974, p.73-74.
648
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.130.
649
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.131.
650
William L Holladay, Jeremiah 2, p.179.
181

Entretanto, pode-se indagar se a omissão do termo %l,m, melek “rei” não sugere que o

messianismo engendrado no texto se distancia rigorosamente da realeza davídica de


Jerusalém. É possível sugerir uma reinterpretação para lv;m' maxal “governar/dominar”.

Pela própria literatura jeremiana, pode-se constatar que o domínio da monarquia efetivou-se
pela opressão aos fracos (veja Jr 21,1-23,40!). Portanto, o ‘domínio’ engendrado por Jeremias
não se construiria pelos matizes monárquicos, expansionistas. Pelo contrário! O messianismo
proposto aqui é nitidamente sectarista na medida em que rompe com a ordem dominante, pois
o “grandioso/governador” surge a partir de um determinado grupo social: “grandioso dele da
parte dele” e “governador dele da parte dele”! Na primeira frase, “da parte dele” é a tradução
de WNM,mi mimmennu, e na segunda frase, “da parte dele” é a tradução de ABr>Qimi miqqirbo.

Pela leitura do TM, pode-se observar nitidamente a especificidade do grupo do qual surgiria o
‘grandioso’. Este há de surgir de Jacó. Engendra-se aqui um messianismo interiorano,
campesino, que não se coaduna com o monarquismo de Jerusalém. Se nossa interpretação das
primeiras estrofes (v.18 e v.19) estiver correta, dificilmente poderemos interpretar o
messianismo do v.21 de outra forma.
Por fim, as últimas três frases do v.21 referem-se a uma ação de Javé: ele aproximará o
tal governante para si mesmo. Kilpp defende que o lvemo moxel “governador” seria um sumo

sacerdote, na linhagem do Salmo 110,4. Para ele, embora nenhum sacrifício seja mencionado,
a forma verbal br;q' qarab hifil “aproximar” é comumente empregada na linguagem

sacerdotal.651 Entretanto, seria um reducionismo afirmar que esta forma verbal sempre possui
este significado. No texto jeremiano, o verbo br;q' qarab aparece com o sinônimo vg:n
nagax nifal vav consecutivo perfeito “aproximar/chegar perto”, e esse paralelismo, em outros
textos bíblicos, nada tem haver com a linguagem sacerdotal, como por exemplo, em Is
41,1.21.652 O verbo é empregado no hifil em Jz 3,17 e 5,17 sem nenhuma conotação cultual.
As duas frases que se referem ao br;q' qarab hifil “aproximar” e ao vg:n nagax “ser

aproximado” estão destacando respectivamente a ação de Javé e o seu efeito a partir da


organização social apresentada nos v.18 + v.19 + 20-21a. A primeira frase destaca a ação de
Javé: “Eu o farei aproximar”. A segunda, por sua vez, refere-se ao efeito de tal ação: “e será
aproximado”. Esta segunda frase é bastante significativa. Parece complementar o que vinha
651
Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.131, nota 138. Veja também William L Holladay, Jeremiah 2,
p.179.
652
Para mais detalhes, veja G. Gerleman, artigo qrb, “acercarse”, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores),
Diccionario teológico– Manual del Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.2, 1985, col. 850.
182

sendo dito deste o início do v.20. Isso porque o ryDIa; ’adir “grandioso” surge não somente
“de” (preposição !mi min, indicando a origem em Jacó, no v.21a), mas também “para” (la,

’el, indicando a direção para Javé, no v.21b). O vínculo entre o ryDIa; ’adir e a comunidade

de onde ele surge corresponde ao vínculo entre ryDIa; ’adir e Javé. A relação pessoal entre o

líder político e Javé não pode ser desvinculada da relação entre tal líder e a comunidade social
interiorana das terras nortistas da Palestina. Pertencer a Javé é tão importante quanto pertencer
a uma comunidade que se organiza socialmente pelos direitos humanitários.
Certamente o messianismo proposto por Jr 30,21 encontra sua maior expressão em
Jesus de Nazaré. Pois o Messias não aderiu as propostas messiânicas defensoras da monarquia
de Davi como uma ordem política dominante sobre os fracos. Aliás, Jesus se distanciou
nitidamente das instâncias políticas e religiosas defensoras dos interesses desumanitários e
opressores. Embora descendente de Davi, o Messias apresentou-se como líder tribal; Jesus é o
Servo de Javé, vinculado ao Deus Salvador, e sempre esteve vinculado a grupos sociais
marginalizados que foram apequenados por estruturas inumanas (como prostitutas, pobres e
leprosos). Neste sentido, Jr 30,21 constitui-se um paradigma interpretativo para o
messianismo cristão.

Portanto, pode-se inferir que a expectativa salvífica jeremiana de Jr 30,18-21 tem seu
nascedouro nas articulações sociais fundamentadas no tribalismo, provindas das primeiras
atuações de Jeremias em Anatot, entre os anos 627 e 622 a.C. Jeremias utilizou antigas
tradições tribais do Norte, e as aplicou para a realidade do século 7 a.C. Engendra-se a
possibilidade organizativa de uma nova constituição social a partir dos pobres daquele
cenário, em especial dos moradores das terras nortistas. Outras propostas aliaram-se a esta,
como por exemplo, o davidismo camponês apresentado pelo próprio Jeremias em outros
textos (Jr 23,5-6). Há, portanto, certo ‘crescendo’ (novas incorporações) na concepção
messiânica jeremiana. Além disso, outras releituras surgiram nos anos imediatamente
posteriores à queda do Estado de Judá, quando Jeremias passou a cooperar com a organização
da roça (40,1-12!). Nesta época, a população judaíta interiorana foi incluída na mensagem
jeremiana.

3.2.7 – Jr 31,2-6: “plantarão vinhas nas montanhas de Samaria”


183

A ação de Javé anunciada em Jr 31,2-5 é apresentada em dois aspectos, que podem ser
notados na disposição verbal da passagem. Por um lado, os v.2-3 descrevem uma ação
concluída:

v.2b: ac'm' masa’ qal perfeito “encontrar”.

v.3a: ha'r ra’ah nifal perfeito “deixar-se ver, tornar-se visível, aparecer”.

v.3b: bh;a; ’ahab qal perfeito “amar” / %v;m' maxak qal perfeito “agarrar”, “arrastar”.

Por outro lado, nos v.4-5, a ação de Javé é inclusa, sendo apresentada para o futuro:

V.4a: hnB' banah qal imperfeito “construir” / hnB' banah nifal vav consecutivo

perfeito “construir”.
V.4b: II hd[' ‘adah qal imperfeito “adornar, enfeitar”; ac'y" yasa’ qal vav consecutivo
perfeito “sair”; qx;f' sahaq piel particípio “rir”.

V.5: [j;n nata‘ qal imperfeito “plantar” /[j;n nata‘ qal perfeito “plantar” / I ll;x'
halal piel vav consecutivo perfeito “profanar”.

Desde modo, pode-se inferir que a promessa contida nos v.4-5 fundamenta-se na ação
salvífica de Javé na história passada de Israel, nos v.2-3. Esses v.2-3 expõe a “teologia do
deserto”, ou seja, eles apresentam o rB'd>Mi midbar “deserto” como um lugar onde Javé

encontrou o seu povo Israel, e dele cuidou com terno amor:

2
Ele encontrou graça no deserto,
povo de sobreviventes de espada,
aquele que anda para o seu repouso, Israel.
3
De longe Javé olhou para ele

A jornada dos israelitas pelo deserto é descrita em Jr 2,2-3 como período em que Israel
amava apaixonadamente Javé, pois ainda não conhecia os deuses da fertilidade adorados na
terra da Palestina. De acordo com a teologia de Oseias, Israel é a esposa adúltera, que se
184

prostituiu com falsos deuses, mas Javé/esposo almeja reconquistar Israel/esposa, conduzindo-
a novamente para o deserto, onde restabeleceria com ela o contrato de casamento (cf. Os 2,14-
20[TM: 2,16-22]).

A primeira frase do v.2 afirma que Israel “encontrou graça no deserto”. O termo !xe
hen “graça” sugere o favor imerecido de um superior para um inferior. Javé, com sua
grandeza e poder, vai ao encontro de um povo fragilizado no deserto. Por isso, apesar de
gramaticalmente o ~[; ‘am “povo” ser sujeito do verbo ac'm' masa’ qal perfeito

“encontrar”, na verdade, teologicamente este ~[; ‘am é passivo: ele foi encontrado pela graça

de Javé, no deserto.653 O rB'd>Mi midbar “deserto” é o oposto da terra prometida. A terra de

Canaã é o lugar onde, segundo o AT, jorram as delícias da terra; no deserto não existem as
abundâncias da terra prometida. Por outro lado, na sequidão desértica também não existem os
falsos deuses da fertilidade. Por isso o rB'd>Mi midbar “deserto” é um lugar onde Israel

poderia desfrutar da relação íntegra com Javé.

Também é preciso constatar que Jr 31,2b tece uma afirmativa muito interessante em
relação a essa “teologia do deserto”. O significado da “graça” é explicitado na expressão
seguinte: “povo sobrevivente da espada”. O termo br,x, hereb “espada” é uma referência aos

armamentos bélicos das nações, e metaforiza a ação punitiva de Javé sobre Israel por
intermédio das potências estrangeiras do Antigo Oriente Médio (Jr 14,15; 24,10; 34,17; 38,2;
42,16). Ou seja, br,x, hereb é empregado como metonímia para “guerra”. Ao que parece, o

enfoque de Jr 31,2 não está no perigo dos falsos deuses da terra da promessa, mas sim, no
perigo dos armamentos bélicos que devastaram a terra da promessa. O ~[; ‘am “povo”, por

sua vez, apresenta-se como uma instância social enfraquecida pela “espada”, contudo, ainda
“sobrevivente” (ydeyrIf. seride). Portanto, “Israel” é o povo que sobreviveu à guerra. O br,x'
ydeyrIf. ~[; ‘am seride hareb “povo de sobreviventes de espada” seria um povo liberto do

poder das armas e do exército.

A última frase do v.2 também é muito importante para a compreensão da “graça”


divina: aquele que anda para o seu repouso, Israel. Destaca-se uma ação de Israel através do

653
O verbo masa’ qal perfeito “encontrar” é empregado em outros textos, tendo Javé como sujeito que encontra
Israel no “deserto”: Dt 32,10; Os 9,10.
185

verbo %l;h' halak qal infinitivo “andar”. Esse povo foi atingido pela “espada”, mas ainda
“caminha”. Está de pé, vivo, e caminhando para um destino: “para o seu repouso”. No TM, lê-
se A[yGIr>h;l. lehargi‘o hifil infinitivo, “fazer repousar”. Contudo, a presente tese segue o

aparato crítico da BHS, que aventa a possibilidade de ler wO[wOGr>m;l. lemargo‘o “seu repouso”,
como em Jr 6,16. À luz das afirmações salvíficas de Jr 30-31, que focaliza a terra como
bênção de Javé, não é difícil interpretar esse [;wOGr>m; margo‘a “repouso” como referência à
retomada da terra prometida (Js 1,13). A partir da expressão anterior (“povo sobrevivente da
espada”), pode-se ainda afirmar que o [;wOGr>m; margo‘a evoca uma vivência tranquila sobre a
terra, sem a intervenção da “espada”, representativa dos poderes bélicos. Assim, a “graça”
divina se manifestou no “deserto”. Contudo, Israel caminha para terra fértil, onde viveria sem
a pressão dos armamentos das grandes potências estrangeiras. Esse é o sentido de
experimentar a graça divina.

A primeira frase do v.3a monta o cenário para as duas frases do v.3b. A raiz verbal ha'r"

ra’ah nifal perfeito “ver-se, ser visto, deixar-se ver, assomar, aparecer...”654 refere-se à
manifestação de Javé para Israel. É difícil saber quem está qAxr' rahoq “longe”. Javé ou
Israel? Pela construção sintática, parece que Javé, distante de Israel, manifestou-se para Israel.
No entanto, à luz de Jr 30-31, pode-se afirmar que Israel estava longe da terra prometida, mas,
onde quer que ele estivesse, seria encontrado por Javé.

A partir do v.3b irrompe-se a voz de Javé, que perdurará até o v.5. No v.3b há duas
frases:

e com um amor perpétuo eu te amei,


por isso arrastei para ti a bondade.
Na primeira frase, Javé declara o seu hb'h]a; ’ahabah “amor” por Israel. O pensamento

do profeta Oseias pode ser notado nessa frase (Os 11,4). Como uma mãe ama os seus filhos,
ou como o marido ama a esposa, assim também Javé ama Israel. Trata-se de ~l'A[ tb;h]a;
’ahabat ‘olam “um amor perpétuo”. O termo ~l'A[ ‘olam, utilizado aqui com o genitivo

modificador na relação construta tb;h]a; ’ahabat, indica tanto um passado longínquo como
654
Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, tradução Ivo Storniolo e José Bortoline, São
Paulo, Paulus, 1997, p.599 (Coleção dicionários).
186

um futuro distante, assumindo assim o sentido de “tempo contínuo” (ilimitado,


incalculável).655 Ou seja, o amor de Javé manifesta-se continuamente, desde o passado, “no
deserto” (v.2), e também se manifestará no futuro, quando os israelitas ocuparem novamente a
terra da promessa. Essa afirmativa é fundamentada na frase seguinte, onde se lê o %v;m'
maxak qal perfeito “arrastar”, tendo por objeto ds,x, hesed “bondade”. A “bondade” divina
seria ‘arrastada’ em direção a Israel. A palavra ds,x, hesed tem o sentido de “bondade

amorosa, misericórdia”656. Se aceitarmos que a ‘teologia do deserto’ continua sendo afirmada


aqui, pode-se inferir que ds,x, hesed denota a fidelidade de Javé/esposo em relação ao

contrato/aliança de casamento efetuado com Israel/esposa, no período em que Israel


caminhava no deserto.657

O amor de Javé (v.3b) é evidenciado nos v.4-5:

4
Novamente te construirei,
e serás reconstruída, virgem de Israel.
Novamente enfeitarás os teus tamborins,
e sairás com dança dos que riem.
5
Novamente plantarás vinhas nas montanhas de Samaria,
plantaram os plantadores,
e desfrutarão.

O v.4a enfatiza reconstrução de Israel na terra prometida. A raiz verbal hn"B' banah

“construir” é empregada duas vezes. No caso, considerando o uso do advérbio dA[ ‘od

“novamente”, pode-se inferir que o verbo sugere o sentido de “reconstruir”658. Na primeira


frase, Javé é o sujeito de hn"B' banah qal imperfeito. Na segunda frase, Israel é o sujeito
passivo: emprega-se hn"B' banah nifal vav consectivo perfeito. As duas frases apresentam um

655
Confira Allan A. Macrae, artigo ‘olam, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke
(organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998,
p.1126-1127; Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.483.
656
R. Laird Harris, artigo hesed, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.499.
657
Para uma discussão sobre a relação entre hesed e a aliança, veja R. Laird Harris, artigo hesed, em R. Laird
Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo
Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.499-503.
658
Os verbos banah “construir” e nata‘ “plantar” são comumente empregados na literatura jeremiana no
contexto das palavras de salvação: Jr 1,10; 18,9; 24,6; 31,28; veja também 29,5.28.
187

só sentido: a vida dos israelitas será refeita sobre a terra prometida. A expressão laer'f.yI
tl;WtB. betulat isra’el “virgem de Israel” é sugestiva. O povo de Deus é apresentado como

uma moça virgem, pronta para contrair o matrimônio com Javé/esposo, apesar de prostituir-
se com os falsos deuses (Jr 18,13). Mas, quem é, exatamente, a laer'f.yI tl;WtB. betulat

isra’el “virgem de Israel”? Essa questão só pode ser respondida com a análise dos v.4b-5.

O v.4b ressalta a festa e a alegria. Se for admitido o verbo I hd"[' ‘adah “prosseguir,

atravessar”659, é possível afirmar que o texto descreve o andar festivo de alguém que toca um
instrumento. Por outro lado, pode-se admitir o verbo II hd"[' ‘adah qal imperfeito “adornar,
enfeitar”660. Neste ponto, uma explicação é necessária. A tradução da ARA (“serás adornada
com os teus adufes”) e da BJ (“te enfeitarás com os teus tamborins”) não coadunam-se muito
bem o substantivo seguinte @To top “tamborim”, que não é um ‘adorno’, mas um

instrumento.661 O termo @To top “tamborim” refere-se aos instrumentos de percussão

comumente usados na entoação de músicas no mundo antigo,662 e eram entoados


normalmente por mulheres663 nas celebrações festivas e vibrantes.664 Desde modo, pode-se
admitir a forma verbal II hd"[' ‘adah qal, mas é preciso entendê-lo como um gesto de

preparação das mulheres para as danças e músicas; elas não somente enfeitam-se a si mesmas,
mas também ornamentavam os instrumentos de percussão tocados por elas.665 Portanto, a
imagem de Jr 31,4 apresenta a laer'f.yI tl;WtB. betulat isra’el “virgem de Israel”

ornamentando-se a si mesma e seu @To top “tamborim”, a fim de dançar e celebrar.

Mas, qual celebração é referida no texto de Jeremias? A resposta está no v.5, onde se lê
uma promessa concernente à plantação de “vinhas nas montanhas de Samaria”. As !Arm.vo
yreh' hare xomeron “montanhas de Samaria” certamente é uma referência à Serra de Samaria

659
Carl Schultz, artigo I ‘adah, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.1076; Nelson Kirst
et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.173.
660
Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português, p.480; Nelson Kirst et. al., Dicionário
hebraico-português e aramaico-português, p.173.
661
A forma verbal II ‘adah qal é empregada em Ez 16,11 com o acusativo ‘edi “enfeites”; por isso a tradução “te
adornei com enfeites” é aceitável, no caso do texto de Ezequiel.
662
Ronald F. Younglood, artigo top, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.1656.
663
Êx 15,20; Jz 11,34; 1Sm 18,6.
664
Gn 31,27; 2Sm 6,5; 1Cr 13,8; Jó 21,12; Is 5.12; 24,8.
665
William Holladay, Jeremiah 2, p.182.
188

(Serra de Efraim), situada na Palestina central, que tem dois cumes: o Monte Ebal (938m) e o
Monte Gerizim (868m).666 Portanto, não se trata da cidade de Samaria, mas sim das regiões
montanhosas no entorno de Samaria, onde estavam os roçados das ~ymir'k. keramim

“vinhas”. Portanto, a festividade mencionada em Jr 31,4 está relacionada com a roça. Tratar-
se-ia de uma festa de colheita.

No v.5, a primeira frase emprega o verbo [j;n" nata‘ qal imperfeito “plantar”, e

descreve uma ação inconclusa, a ser cumprida no futuro. Isso porque a conjugação do verbo
está no imperfeito: y[iJT. i titte‘i “tu plantarás”. No entanto, na frase seguinte, a mesma raiz

verbal está no perfeito: W[j.n" nat‘u “eles plantaram” . Essa forma verbal é seguida pelo

particípio da mesma raiz, exercendo a função substantivada667: ~y[ij.nO not‘im “plantadores”.

Daí a tradução: “plantaram os plantadores”. Portanto, a promessa de Javé, contida no início do


v.5, já começou a ser cumprida. A salvação divina está sendo concretizada. No contexto de
Jeremias, os plantadores já plantavam. Por isso, pode-se inferir que na época de Jeremias já
havia uma retomada parcial das terras palestinenses.

Contudo, o final do v.5 é promessa: “e colherão”, tradução de I ll;x' halal piel vav

consecutivo perfeito “colher”. Essa expressão é importantíssima, já que quebra o ritmo


poético dos conjuntos frasais anteriores, onde líamos frases duplas entrelaçadas. Dessa forma,
a expressão não somente é um ‘amarre’ da estrofe iniciada no v.3b, como também faz uma
afirmativa fundamental para a promessa contida nesse perícope jeremiana. Isso porque o
verbo I ll;x' halal, que a rigor significa “profanar”668, na verdade, pode ser traduzido como
“colher”. Essa afirmação pode ser deduzida de Dt 28.30b (também Dt 20,6):

WNl,L.x;t. al{w> [J;Ti ~r,K,


“vinha plantarás, mas não colherás/desfrutarás”.

666
Milton Schwantes, História de Israel – Local e origens, São Leopoldo, Oikos, 3ª ed. alt. e ampl., 2008, p.19.
Samaria era uma montanha (1Rs 16,24), mas também estava cercada de montes altos. Hans Walter Wolf, Joel
and Amos, p.190. Amós emprega o plural hare xomron “montes de Samaria” em Am 3,9, mas ele refere-se à
cidade de Samaria, como se nota no singular har xomron “monte de Samaria” de Am 4,1 e 6,1.
667
Sobre o particípio na função de substantivo, veja Page H. Kelley, Hebraico Bíblico, p.238.
668
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.69.
189

Muitos intérpretes acreditam que as três últimas palavras de Jr 31,5 são um acréscimo
posterior, uma glosa que parafraseia Dt 28,30.669 No entanto, o final do v.5 é de fundamental
importância para a compreensão do sentido da promessa de salvação ecoada em Jr 31,4-5.
Acontece que Jr 31,5, à semelhança de Dt 29,30b, faz referência ao plantio de ~r<K, kerem

“vinha”, e o significado óbvio do texto é o de desfrutar da colheita. A promessa do final de Jr


31,5 diz respeito à colheita. Assim, observando o v.5 como um todo, havia uma promessa
concernente à plantação de vinhas sobre as montanhas de Samaria, que já começava a se
cumprir no contexto de Jeremias. Por outro lado, o fundamental ainda não havia ocorrido: a
colheita. Os agricultores não haviam colhido as frutas. De qualquer forma, tais agricultores
recebem de Javé a promessa de que a colheita seria possível. Afinal, eles já haviam plantado
(W[j.n" nat‘u “eles plantaram”). Essa promessa é fundamental para a compreensão das

palavras salvíficas de Jr 30-31. Isso porque as pessoas às quais a promessa de salvação é


dirigida são agricultores do Israel/Norte, pertencentes a uma classe social que ao longo da
antiga história de Israel sofreu grandemente, seja pela pesada tributação dos reis, seja pelas
catástrofes naturais (como seca e gafanhotos).670 Os agricultores plantavam, mas não havia
certeza da colheita. Por isso, a promessa está muito mais direcionada para a colheita do que
para o plantio.

Também o uso do advérbio dA[ ‘od “novamente” é significativo, nesses v.4-5.

Subtende-se que a promessa da colheita seria uma volta à determinada época passada. É
notável que o texto jeremiano não aludi à restauração da monarquia nas terras de Israel/Norte.
Antes, afirma-se que a reconstrução sobre a terra prometida se constituiria uma volta ao
passado, ao período tribal, anterior à constituição da monarquia. Isso é reforçado pela
expressão !Arm.vo yreh' hare xomeron “montanhas de Samaria” , no v.5. A promessa de Javé

focaliza a região montanhosa. Sabe-se que, no período da ocupação da terra prometida, o


tribalismo se estabeleceu nas montanhas, já que as planícies continuaram por muito tempo
ocupadas pelas cidades fortificadas dos cananeus.671 Portanto, o texto jeremiano anuncia a
volta da produção clânico-tribal.

669
Norbert Lohfink, “Der junge Jeremia”, p.354, nota 17.
670
Veja, agora, a interpretação de Milton Schwantes do livro de Amós, especialmente de Am 7-9. Milton
Schwantes, A terra não pode suportar suas palavras – reflexão e estudo sobre Amós, São Paulo, Paulinas, 2004,
206p.
671
Milton Schwantes, Breve história de Israel, p.11-17.
190

O v.6 refere-se ao grito (verbo ar"q' qara’ qal perfeito “gritar”) dos vigias, convocando

as populações de Israel/Norte para adorarem em Sião. Os ~yrIc.nO nosrim “vigias”672 são os

guardas da vinha (Jó 27,18; veja também Pv 27,18673), e no contexto de Jr 31,6 entoam um
grito cúltico.674 A voz dos vigias é dirigida para a ~yIr'pa. , rh; har ’epraim “montanha de

Efraim”. Esta expressão é paralela a “montanhas de Samaria” (v.5). Trata-se de um


designativo para a região montanhosa de Efraim, localizada na Palestina Central. Em Jr 4,14,
a expressão ~yIr'pa. , rh; har ’eprayim é traduzida pela ARA como “região montanhosa de

Efraim”; nesse texto, a BJ traduz “montanha de Efraim”, e em nota de rodapé comenta:


“Efraim designa, aqui, a parte montanhosa, de Siquém a Betel, onde se tinham estabelecido os
descendentes da tribo de Efraim, filho de José (Js 16,1s; 17,15; 1Sm 1,1).”675

A expressão ~Ay-vy< yex-yom “existirá o dia” refere-se ao futuro. Por outro lado, o

verbo ar"q' qara’ qal “gritar” está conjugado no perfeito, e aponta uma ação completa. Trata-

se de um “perfeito profético”, sugerindo que a promessa para o futuro certamente se


realizará.676 Deste modo, a promessa relacionada à colheita, ecoada nos v.4-5, de certa
maneira continua sendo referida nesse v.6. As populações de Israel/Norte são convocadas
para adorar Javé em Sião: “Levantem-se! Subamos a Sião, para Javé, o nosso Deus.” Leem-se
dois verbos imperativos: ~Wq qum qal imperativo “levantar” e hl'[' ‘alah qal imperfeito

“subir”. Trata-se de uma ordem, portanto. Nesse momento, pode-se indagar sobre a relação
entre a festa da colheita (v.4-5) e a celebração cúltica em Sião (v.6). De acordo com Jeremias,
o templo de Jerusalém era conivente com as injustiças e opressões (Jr 7,1-20), e por isso seria
completamente destruído (Jr 26,6.9).

Haveria esperança para Sião?

A presente tese defende a hipótese de que Jeremias, que originalmente provém de uma
família sacerdotal (Jr 1,1), sorveu da mesma matiz teológica da profecia de Isaías do século 8
a.C. (Is 2,2-5), e anunciava o nascimento de um sistema religioso livre dos interesses

672
nasar qal particípio “vigiar”, na função substantivada. Page H. Kelley, Hebraico Bíblico, p.238. Veja 2Rs
17,9; 18,8.
673
Walter C. Kaiser, artigo nsyr, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.993.
674
Norbert Lohfink, “Der junge Jeremia”, p.356; William Holladay, Jeremiah 2, p.184.
675
Bíblia de Jerusalém, p.1842.
676
William Holladay, Jeremiah 2, p.184.
191

monárquicos corrompidos pela ganância e violência.677 Na perspectiva jeremiana, surgiria um


novo lugar de culto, que acolheria gentilmente os camponeses do Israel/Norte. É importante
realçar que o referencial do consolo jeremiano são as populações do Norte/Israel, que se
encontravam dispersas em terras inimigas, para as quais o profeta anuncia uma promessa de
reestruturação da vida agrícola (Jr 31,4-5).

3.2.8 – Jr 31,7-9: “Porque sou para Israel como um pai”

É difícil identificar os interlocutores de Jr 31,7-9.678 O v.7 inicia-se com o ‘dito do


mensageiro’(“porque assim diz Javé”), apresentando Javé como o locutor do texto. O texto
sequencia-se com uma série de imperativos. De acordo com a Vulgata, o Targum e a Peshita,
os imperativos são direcionados para bqo[]y: ya‘aqob “Jacó”; neste caso, o substantivo bqo[]y:
ya‘aqob seria um vocativo. No entanto, de acordo com Rudolph, o anúncio é dirigido para as
“nações” (~yIAG goyim). Contudo, segundo o parecer da presente tese, o texto hebraico

apresenta poeticamente alguns interlocutores (os imperativos estão no plural) que, por ordem
de Javé, devem direcionar sua voz à comunidade da fé679 (bqo[]y: ya‘aqob “Jacó”), sendo que

esses interlocutores são parte integrante desta comunidade. Estes, os interpelados pelos
imperativos, são como que arautos que devem proclamar as palavras de salvação contidas em
Jr 31,7-9. Mas, que palavras são essas? Analisemo-las.

No início do verso 7, lemos duas frases:

Gritai para Jacó, alegremente.


Jubilai com a primeira das nações.

Os interlocutores devem “gritar de alegria” (!n:r" ranan qal imperativo) para Jacó. O

termo hx'm.fi simhah “alegria, júbilo, satisfação” seria uma adjetivação para o verbo !n:r"
ranan “gritar”. Portanto, o que lemos na primeira frase é um grito retumbante de alegria. Se
nessa frase os arautos devem gritar para Jacó, na segunda frase, por sua vez, eles devem gritar
com Jacó. Ao que parece, o grito da segunda frase é bem mais forte do que aquele descrito na

677
Veja a interpretação que esta tese propõe para Jr 30,17b.
678
Veja uma discussão sobre a estrutura sintética hebraica do v.7a em William Mckane, A Critical and Exegetical
Commentary on Jeremiah, Edinburgh, vol.2, 1996, p.788.
679
Walter Brueggmann, A commentary on Jeremiah, p.284.
192

primeira: lh;c' sahal qal imperativo “jubilai”, que a rigor significa “gritar estridentemente”,
como o relinchar dos cavalos680. Deste modo, o que lemos no v.7 é um brado de alegria, que,
no contexto das palavras salvíficas de Jeremias 30-31, significa um grito de vitória.681 Isto é
evidenciado nesse v.7. A expressão ~yIAGh; varoB. bero’x haggoyim “a primeira das nações”

ressalta a preeminência de Jacó em relação aos demais povos. Ou seja, do ponto de vista
político e bélico, Israel sempre foi inferior às grandes nações do mundo antigo. Mas a
grandeza de uma nação não está nas armas poderosas ou nas estratégias políticas engendradas
pelo egoísmo humano, mas sim, na relação pessoal com Javé. Pois Javé transforma o pequeno
em grande. Aos olhos divinos, “Jacó” é o primeiro entre todos.
No final do v.7 há uma declaração que diz respeito ao ato salvífico de Javé. Antes,
porém, há três verbos que montam o cenário para tal declaração: [m;v' xama’ hifil imperativo
plural “ouvir”, II ll;h' halal piel imperativo “louvar”, e rm;a' ’amar qal imperativo “dizer”.
Ou seja, o que será dito no final do v.7 precisa ser ouvido, louvado e proclamado. Finalmente,
vem a declaração:
Salvou, Javé, o teu povo,
o resto de Israel.
De acordo com a pontuação do TM, o verbo [v;y" yaxa’ “salvar”, à semelhança dos

verbos anteriores, também constitui-se uma ordem: tratar-se-ia de um hifil imperativo.


Contudo, pode-se indagar: a frase expressa o pedido para o livramento ou apresenta-se como
um louvor a Javé por uma vitória já ocorrida? Ou haveria uma influência da aclamação
litúrgica “hosana” (aN" h['yviwOh hoxi‘ah na’, Sl 118,25; veja Mt 21,9.15; Mc 11,9)?682 Na
LXX, o verbo está conjugado no indicativo aoristo: e;swsen ku,rioj to.n lao.n auvtou/. Neste
caso, o hebraico poderia ser hoxi‘a hifil perfeito.683 Considerando o brado de louvor e a
alegria estampada nos verbos anteriores, é possível afirmar que ação de Javé esteja completa.
Assim, a sugestão da BHS está correta: não se trata de um verbo imperativo, mas de um
perfeito. Deste modo, o TM precisa ser corrigido. Como argumento adicional, pode-se citar o

680
“Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong”, em Bíblia de Estudo Almeida Revista e Atualizada - Com
Números de Strong, Brasília, Sociedade Bíblica do Brasil, 2003; 2005 (Biblioteca Digital Libronix). LXX:
cremeti,sate “relinchar”. Vulgata: hinnite (de cavalos).
681
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, 1996, p.788.
682
Segundo Rudolph, o imperativo foi inserido no texto em um período posterior. Wilhelm Rudolph, Jeremia,
p.195.
683
Veja BHS.
193

Targum, que traduz: “Javé tem redimido o seu povo, o resto de Israel”. 684 Por outro lado, a
ação salvífica de Javé não está restrita ao passado, mas se renova no presente. Quer dizer, o
fiel espera que, do mesmo modo como Deus libertou no passado, também liberte no presente.
Portanto, a frase “salvou, Javé, o teu povo” expressa um desejo de quem já experimentou a
ação salvífica de Deus, mas ainda espera que ele continue amparando na jornada. Por isso,
pode-se inferir que o sentido seria tanto um imperativo como uma declaração de celebração à
salvação já consumada.685

O verbo [v;y" yaxa’ hifil imperativo significa “ajudar, salvar, socorrer, dar

assistência”.686 No contexto de Jeremias, o texto realça o socorro de Javé ao ~[; ‘am “povo”,

que constitui os fragilizados pela violência dos impérios assírios e babilônicos. No final do
v.7, o termo ~[; ‘am é explicitado: trata-se do laer'f.yI tyrIaev. xe’erit isra’el “o resto de
Israel”. Esta expressão merece um destaque especial. Não se trata de um acréscimo
posterior.687 A expressão poderia apresentar conotações escatológicas: o tyrIaev. xe’erit

“resto” não somente são os sobreviventes de Israel, mas são aqueles que formariam o futuro
povo de Deus.688 Contudo, o texto é direcionado especificamente para os leitores
contemporâneos de Jeremias. O tyrIaev. é sinônimo de ra'v. xe’ar “resto, sobra,

remanescente”. A raiz rav x’r designa “a condição de sobreviver a um processo de

eliminação”689. Assim, o termo tyrIaev. xe’erit pode designar aquilo que restou de uma

destruição, especialmente pessoas que sobreviveram a uma guerra (1Cr 4,43; Jr 25,20) ou a
uma catástrofe (Gn 45,7). Portanto, o laer'f.yI tyrIaev. xe’erit isra’el seriam os israelitas que
sobreviveram a catástrofe de 722 a.C. Esta afirmativa é reforçada por Is 37,4, onde se lê que
Ezequias pede a Isaías para que faça “orações pelos que ainda subsistem”, ou seja, “aqueles
israelitas que ainda sobreviveram em Jerusalém depois de a Assíria ter, tempos antes, matado
e levado em cativeiro o Reino do Norte”690. A grandeza política de Israel, a monarquia e seus

684
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, 1996, p.789. Essa tradução tem
foi adotada por Rudolph, Weiser e Bright.
685
Walter Brueggmann, A commentary on Jeremiah, p.284.
686
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.97.
687
Contra Rudolph, que responde positivamente à pergunta do aparato crítico da BHS. Wilhelm Rudolph,
Jeremia, p.195.
688
Essa é a interpretação de Duhm. William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah,
Edinburgh, T. & T. Clark, vol.2, 1996, p.789.
689
Gary G. Cohen, artigo xe’ar, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.1506.
690
Gary G. Cohen, artigo xe’ar, p.1506.
194

viabilizadores, foram completamente destruídos pelos assírios: “nada restou” (ra;v.nI aOl lo
nix’ar, 2Rs 17,18).691 O sistema político monárquico opressor desapareceu, mas as pessoas
sobreviveram. De acordo com a literatura de Jeremias, o tyrIaev. xe’erit “resto” é um grupo
social definido como os “pobres da terra”; tratar-se-ia de camponeses do interior de Judá,
pequenos proprietários de terra, que por ocasião da queda de Jerusalém voltaram a desfrutar
da produção plena da terra (Jr 30,10; 40,7; 52,15.16; veja 2Rs 25,14; 25,12).692

Embora, possivelmente, existissem israelitas do Norte em Jerusalém na época de


Jeremias (cf. Is 37,4), Jr 31,8 focaliza aqueles que moravam em outras regiões do mundo
antigo.

O v.8a descreve a ação salvífica de Javé:

Eis que os trago da terra do norte,


e os reúno das extremidades da terra.

O povo de Javé foi exilado na terra do norte, mas, de acordo com o texto, Javé o
conduziria novamente à terra da promessa. Na primeira frase, Javé traz os exilados (awOB bo’

hifil particípio “trazer/fazer vir”). Na segunda frase, Javé reúne essas pessoas (#b;q' qabas

piel vav consecutivo perfeito “reunir”). O primeiro verbo destaca a vinda dos exilados como
obra divina; o segundo verbo afirma a organização dos exilados como obra divina. Duas
expressões referem-se ao lugar de onde vêm os exilados: !Apc' #r,a,me me’eres sapon “da
terra do norte” e #r,a-' yteK.r>Y:mi miyarkete-’ares “das extremidades da terra”. A primeira

aparece em outros trechos do livro de Jeremias: 3,18; 16,15; 23,8. Em 6,22, por sua vez, o
texto jeremiano usa as duas expressões, só que para se referir ao lugar de onde vem o inimigo
destruidor de Judá, a “grande nação se levanta dos confins da terra” – Babilônia (cf. 50,41).

É importante notar que os exilados não vêm de um único lugar. Robert P. Carrol
observou corretamente que a alegria anunciada no v.7 é causada pelo retorno da diáspora do
Norte (Is 43,6) e de outros lugares (6,22).693 Carro afirma: "Este grande retorno imita a rota da

691
R. E. Clements, E, artigo xa‘ar, em G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren e Heinz-Josef Fabry
(editores), Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publisching
Company, vol.14, 2004, p.279.
692
Tércio Machado Siqueira, “O “resto” em Jeremias”, em Estudos Bíblicos, Petrópolis, Vozes, vol.62, 1999,
p.37-44.
693
Robert P. Carrol, The book of the Jeremiah, p.591.
195

terrível invasão do inimigo cruel que tinha provocado a dispersão original das pessoas (por
exemplo #r,a'-yteK.r>Y:mi miyyarkete-‘ares, v.8; 6,22, ‘de todas partes distantes da terra’). É a
reversão da facticidade que acometeu a nação no passado.”694 É interessante que Carrol,
apesar de negar a procedência jeremiana do texto, afirma que os exilados são as antigas
populações do Norte da Palestina que retornavam para a terra prometida de várias regiões do
mundo antigo.

O v.8b especifica dois grupos que retornam junto com os demais exilados: “o cego e o
aleijado”; “a grávida e aquela que dá à luz”. Essas pessoas têm sérias dificuldades para
enfrentar uma longa viagem. O texto enfatiza que elas não deveriam ser deixadas para trás
pelos peregrinos. Joseph Kimchi695 observa que a caravana dos exilados deveria acomodar
seus passos ao ritmo daqueles que andam dificultosamente, como os cegos, os aleijados e as
grávidas. Em alguns momentos, os exilados precisariam interromper a jornada, para as
grávidas parirem! Ora, o alvo dos exilados é a terra prometida. Contudo, a solidariedade entre
eles é mais importante do que o alvo. Isto é focalizado na frase seguinte, no v.8c: Juntos:
uma grande assembleia. Os exilados estão unidos, “juntos” ( wD'x.y: yahdav), e formam “uma

grande assembleia” (lAdG" lh'q' qahal gadol). A “grande assembleia” pode ser uma

congregação que se reúne para o culto (1Rs 8,65), e, no contexto do texto jeremiano, são
aqueles fragilizados que louvam a Javé (veja o verbo II ll;h' halal piel imperativo “louvar”,
no v.7) enquanto retornam para possuir a terra prometida.
No final do verso 8 lê-se: “E eles voltarão para cá”. O verbo bWv xub qal imperfeito
“voltar” é seguido pelo advérbio de lugar I hN'hehennah “aqui, para cá, aqui...acolá; até
agora”696. Os exilados serão trazidos para o lugar onde o escritor do texto está. Assim, o v.8
focaliza a ação salvífica de Javé, que leva os cativos para a terra da promessa, onde estão
Jeremias e a sua comunidade.

O v.9 enfatiza a proteção de Javé aos exilados. No v.9a, lê-se:


Em choro virão
com consolações eu os trarei

694
“This great return mimics the terrible invasion route of the cruel enemy which had brought about the original
scattering of the people (e.g. miyyarkete-‘ares, v.8; 6,22, ‘from the farthest parts of the earth’). It reverses the fate
of the nation in the past.” Robert P. Carrol, The book of the Jeremiah, p.591.
695
Citado por William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.790.
696
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.55.
196

conduzi-los-ei para os uádis de águas.

Na primeira frase, o sujeito são os exilados. É a vinda (verbo awOB bo’ qal imperfeito
“vir”) dos exilados para a terra da promessa. A frase evoca um choro causado pelas
dificuldades do caminho? Ou seria um tipo da lamentação? À luz do v.7, podemos afirmar
que o choro é de alegria.
Nas duas frases seguintes o sujeito é Javé. Na primeira frase, Javé é apresentado como
condutor do povo. Na segunda frase, Javé é o provedor do povo.
Na primeira frase, a palavra ~ynIWnx]t; tahanunim “súplicas” do TM provavelmente deve

ser lida como ~ymiWxn>T; tanhumim “consolações”. Possivelmente a tradução da LXX,

paraklh,sei “consolação”, esteja fundamentada nessa variante. O substantivo ~ynIWnx]t;


tahanunim “súplicas” não combina com o verbo lb;y yabal hifil imperfeito “trazer”, cujo

sujeito é Javé; seria bastante deselegante atribuir a Javé as “súplicas”. Portanto, o TM deve ser
corrigido para ~ymiWxn>T; tanhumim “consolações”, termo que provém da raiz verbal ~x;n"
naham “consolar”.697 O sentido seria de “misericórdia” ou “graça”, daí a afirmação: com
consolações eu os trarei. De acordo com a terceira frase, Javé conduzirá os exilados “para os
ribeiros de águas” (~yIm; ylex]n:-la, ’el-nahale mayim). Os ~ylix'n> nehalim “uádis” são leitos

de curso de água, muito comuns na terra da Palestina. Jeremias está apresentando Canaã como
encantadora e graciosa, para onde os exilados estavam retornando. 698 Javé é retratado como
um pastor que busca os perdidos e os conduz novamente para casa (Is 40,11).699 Na
sequência, duas expressões enfatizam o cuidado de Javé: rv'y" %r,d,B. bederek yaxar “no

caminho reto” e Wlv.K'yI al{ lo’ yikkaxlu “não tropeçarão”. O adjetivo rv'y" yaxar “reto”

denota muito mais “igualdade” do que “retidão”.700 Isso porque o rv'y" %r,d,B. bederek yaxar

“caminho reto” é percorrido pelo “cego” e pelo “aleijado”. Há uma combinação entre rv'y"
yaxar “reto” e Wlv.K'yI al{ lo’ yikkaxlu “não tropeçarão” (procedente do verbo lv;K' kaxal

697
Benjamim Davidson, The analytical Hebrew and Chaldee Lexicon, Michigan, Regency Reference Library,
1970, 765p.
698
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.185.
699
Walter Brueggmann, A commentary on Jeremiah, p.284.
700
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, 1996, p.790; Wilhelm Rudolph,
Jeremia, p.195.
197

nifal imperfeito “tropeçar”).701 O texto descreve uma superfície sobre a qual aquele que tem
uma desvantagem física pode caminhar; nesse tipo de solo, cegos e aleijados tem suas fadigas
aliviadas.702
Portanto, Javé não somente promete trazer os exilados novamente para casa, mas
também promete cuidar para que todos os empecilhos do caminho sejam removidos.
No v.9b, duas frases descrevem a relação especial entre Javé e o seu povo:
Porque sou para Israel como um pai,
e Efraim (ele é) o meu primogênito.

Os termos laer'f.yI yisra’el “Israel” e ~yIr;pa. , ’eprayim “Efraim” são sinônimos e

referem-se às tribos do Norte da Palestina. Mas a segunda frase não é mera repetição da
primeira. Na primeira frase, Javé apresenta-se como ba' ’ab “pai”. Na segunda frase, por sua

vez, o destaque está sobre o filho, designado como rwOkB. bekor “primogênito” (cf. Gn 48,8-

20). No antigo Israel, o primogênito tinha direito à porção dobrada da herança em relação aos
demais irmãos (Dt 21,17). Segundo a teologia do Antigo Testamento, Israel é o primogênito
de Javé (Êx 4,22; Dt 32,6b). Encontramos nessa afirmação de Jeremias um eco da teologia de
Oseias: “Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei o meu filho” (Os 11,1).
Como essa afirmação ecoou no contexto de Jeremias, quando Jerusalém era considerada a
cidade eleita e a habitação de Javé? É preciso considerar duas coisas:
1) Do ponto de vista histórico, Judá sobrepujou-se ao Israel/Norte, em termos políticos e
bélicos (confira 1Cr 5,1-2). Rubém era “o primogênito de Israel” (v.2), mas Judá tornou-se
“poderoso entre os seus irmãos” (1Cr 5,2). Portanto, é preciso considerar que havia uma
animosidade entre Judá/Sul e Israel/Norte, que, de acordo com muitos intérpretes, pode ser
evidenciada no texto grego (Septuaginta) de 2Sm 19,44.

2) A palavra salvífica de Javé não é dirigida a este Judá monárquico. Jeremias criticou
veemente Jerusalém e o templo. Quer dizer, o Estado de Davi e o sacerdócio corrupto do
templo jerusalemita não são incluídos na esperança jeremiana. Nesse cenário, é interessante a
afirmativa de Jeremias, que não fala da relação entre Javé e Judá, mas sim, entre Javé e
“Israel/Efraim” (Norte). A teologia de Jeremias é inclusiva: em mira estão aqueles israelitas
que haviam sido excluídos da religião organizada em Jerusalém. O que Jeremias está

701
Veja Pv 4,11-12.
702
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, 1996, p.790.
198

afirmando é que Javé não manifestaria sua presença no setor jerusalemita, mas nos bastidores
das afastadas tribos do antigo Israel nortista.

Quer dizer, o v.9b diz que “Israel/Efraim” não somente é filho de Javé (primeira frase);
é o seu filho principal, o ‘mais velho’, o preterido por Javé (segunda frase).

3.2.9 – Jr 31,10-14: “Javé resgatou Jacó”

Jr 31,10-14 basicamente se constitui uma promessa de salvação para os israelitas


exilados. A salvação descrita no v.11 é apresentada como já realizada; por outro lado, nos
v.10b e v.12-14 o texto refere-se a uma libertação futura de Javé. À luz das constatações
realizadas nas perícopes anteriores, especialmente em Jr 31,7-9, nesse momento é preciso
definir com mais exatidão qual o significado dessa salvação e quem são os ‘exilados’
apresentados em Jr 31,10-14.

Os v.10-13a são fala do profeta. O v.10a conclama as “nações” (~yIAG goyim) e as “ilhas

distantes” (qx'r>M,mi ~yYIai ’iyim mimmerhaq) para ouvirem a palavra profética. A rigor, o

dito é dirigido às “nações” (v.10a), contudo, o referente é “Israel/Jacó” (v.10.11). As “nações”


são interpeladas, mas a palavra de salvação não é dirigida para elas. É claro que outros trechos
da Bíblia propõem esperança para elas também (veja Is 40 – 55; Mateus 28,19). Contudo,
conforme a presente tese já tem demonstrado, as “nações” (~yIAG goyim) são entidades

políticas organizadas opressoras que sobrepõem-se com armas bélicas sobre os fracos e
oprimidos (veja Jr 30,11). A palavra yAG goy “nação/povo” aponta “para uma entidade

política e estatal consolidada”703, normalmente descrita nos textos proféticos como opressora
e corrupta.704 Não existe salvação para sistemas déspotas, mas só para pessoas que buscam a
Javé com integridade.

No v.10b o texto promete salvação para “Israel”:

Aquele que espalhou Israel o reunirá,


e guardará como aquele que pastoreia o seu rebanho.

703
Milton Schwantes, Da provocação à provação, p.105.
704
Milton Schwantes, Da provocação à provação, p.105.
199

A primeira frase descreve duas ações de Javé, que essencialmente são distintas:
hr"z"zarah particípio piel “espalhar, ventilar, lançar fora” e #b;q' qabas piel imperfeito

“reunir”. A raiz hrzzrh sugere um espalhamento efetuado pelo vento (cf. Jr 49,32), e “é
usado em várias formas verbais para indicar separação ou espalhamento por razões de
purificação ou castigo. O grão é purificado da palha quando, depois de lançado para o alto, o
vento sopra para longe.”705 Então, Javé é o autor dos infortúnios que sobrevieram a Israel: ele
é “aquele que espalhou” (Lv 26,33), ou seja, lançou-os para o exílio, em virtude da idolatria e
da rebeldia (veja 31,18). Por outro lado, afirma-se que Javé é o autor da restauração de Israel:
“o reunirá”. Javé é aquele que articula a unidade corporativa dos exilados (veja 31,8).
A segunda frase do v.10b descreve a salvação por uma linguagem metafórica que evoca
o mundo pastoral: rm;v' xamar qal vav consecutivo perfeito “cuidar, guardar” e h['r" ra‘ah

qal particípio “pastorear”. Javé é apresentado como um pastor que cuidadosamente supre as
necessidades de suas ovelhas. Neste caso, o verbo rm;v' xamar tem o sentido de “tomar conta

de”, e, juntamente com o verbo h['r" ra‘ah, descreve o cuidado dos pastores sobre o rebanho

(Gn 30,31).706 É importante destacar que o referencial antropológico da restauração não é o


mundo citadino, mas o mundo nômade. Javé se apresenta como um pastor, e não como um
rei. Como presente tese já tem demonstrado, esse é o referencial de Jeremias em Jr 30-31. O
profeta procede dessa maneira para evidenciar que, no contexto da queda de Jerusalém no
século 6 a.C., a atenção de Javé se voltava para outros setores de Judá e Israel, como pastores
nômades e camponeses, que sempre foram bastante assolados pela monarquia das cidades.
O v.11 é uma declaração da salvação já consumada por Javé. Os verbos hd:P' padah qal

“resgatar, livrar” e la;g"ga’al qal “redimir, resgatar” estão no perfeito, dando a ideia de uma
ação completa. A primeira frase declara o hd:P' padah/“resgatar” de Jacó. O sentido do

resgate é aprofundado na segunda frase: “e redimiu-o da mão do forte”. A frase sugere que a
mão do opressor é muito poderosa, e Israel é incapaz de resistir esse poder. 707 É possível
sustentar a hipótese de que esta frase seja uma reminiscência do Sl 35,10:708 “Pois livras o
aflito daquele que é demais forte para ele”. O “afltito” mencionado pelo salmista como alvo

705
G. van Groningen, artigo zarah, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.407.
706
John E. Hartley, artigo xamar, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.1588.
707
Walter Brueggemann, A Commentary on Jeremiah, p.285.
708
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.185.
200

do livramento é o ynI[' ‘ani “pobre”, socialmente injustiçado, também chamado de

“oprimido”709. No Sl 35,10, o responsável pela opressão é o qzx' hazaq “forte”, identificado


no texto como “extorsionários” (verbo lz:g" gazal qal particípio “roubar”) do pobre. Se a
expressão do Sl 35,10 e a segunda frase do v.11 forem paralelas, então se confirma a tese de
que os exilados que serão redimidos por Javé são pessoas oprimidas e fragilizadas por poderes
corruptos. Por essa razão, o v.13 refere-se ao “lamento” (lb,a, ’ebel) e ao “sofrimento” (!Agy

yagon) dessas pessoas. Contudo, o que é destacado no texto de Jeremias é que Javé apresenta-
se como o libertador capaz de “resgatar” (la;g"ga’al qal) os sofredores das mãos dos

poderosos impiedosos. A terminologia da raiz verbal lagg’l710 sugere que Deus é Redentor
de Israel que se levanta para redimi-lo do poder da escravidão e vindimá-lo dos inimigos.
Mas, sempre vale lembrar: “Israel”, na perícope jeremiana, são oprimidos.
O v.12 explica o sentido da libertação declarada nos v.10b-11. Diferente dos v.10b-11,
que apresentava Javé como sujeito, agora o texto descreve três ações dos israelitas libertos, e
no final lê-se uma declaração sobre o que aconteceria com eles em decorrência da salvação de
Javé:
E virão,
e gritarão no alto de Sião,
e fluirão ao bem de Javé,
sobre o grão,
e sobre o vinho
e sobre o azeite,
e sobre os filhos do rebanho (de ovelhas),
e sobre o boi.
E será a vida deles como um jardim encharcado,
e não continuarão a desfalecer continuamente.

De início, descrevem-se três ações dos exilados: a vinda para a terra da promessa; a
adoração a Javé em Sião, e o usufruto dos bens materiais de Javé. Um culto a Javé em Sião

709
Veja Milton Schwantes, O direito dos pobres, p.38-57. Veja ainda Santa Ângela Cabrera, Identificação e
análise dos/as “pobres” como categoria social – Uma pesquisa bíblica a partir dos contextos histórico-sociais
na subunidade dos Salmos 3-14, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2011, 319p.
(tese de doutorado)
710
Helmer Ringgren, artigo ga’al, em G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren e Heinz-Josef Fabry (editores),
Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publisching Company, vol.2,
1975, p.350-355.
201

parece ser mencionado: há um ‘grito’ de celebração ( !n:r ranan piel vav consecutivo perfeito

“gritar de alegria”), “no alto de Sião” (!AYci-~Arm.bi bimrom-siyyon). A BHS sugere mudar o

TM ~Arm.bi bimrom “no alto” para ~yrIh'b, beharim “nos montes”, e deletar o topônimo !AYci

siyon “Sião”. Se a sugestão da BHS for acatada, o referencial geográfico da perícope não
seria Sião, necessariamente. Assim, o dito jeremiano poderia ter sido dirigido ao Norte.
Rudolph segue a sugestão da BHS, e defende a hipótese de que o dito de Jr 31,10-14
originalmente foi dirigido para os exilados do Israel/Norte. Contudo, na LXX consta a
expressão evn tw/| o;rei Siwn “nos montes de Sião” (veja a Vulgata: in monte Sion).
Interpretando o v.12 junto com Jr 31,6, seria possível afirmar que Jeremias descreve uma
comunidade cúltica composta por exilados do norte e do sul, que são conclamados a adorar
Javé em Sião. Neste caso, !AYci siyon “Sião” não é o templo jerusalemita, que foi alvo da
crítica de Jeremias. Provavelmente !AYci siyon “Sião” refere-se a uma celebração cúltica em
Judá, nos anos imediatamente posteriores à queda de Jerusalém, celebrada por peregrinos de
várias partes da Palestina (veja Jr 41,5).
É importante destacar que o alvo do texto não é a celebração cúltica em si mesma. Isso é
explicitado na frase seguinte: “a fluirão711 ao bem de Javé”. Nessa frase reside o sentido de ir
à Sião. A religião corrompida do templo de Jerusalém extorquia os pobres, privando-os do
“bem de Javé”. Mas o texto jeremiano descreve uma celebração em que os adoradores
usufruem dos produtos oferecidos a Deus (Dt 14,22-26).
O que seria, exatamente, o hw"hy> bWj tub YHVH “bem de Javé”? Em Jr 2,7, o termo

bWj tub é paralelo a yrIP. peri “fruto do solo”. Entretanto, aqui em Jr 31,12 não se trata
somente de produtos agrícolas, pois o texto também aludi aos rebanhos de gado miúdo e ao
rebanho bovino. Há dois grupos de mantimentos que são identificados como bênção de Javé
para os exilados.
Em um primeiro grupo, estão os mantimentos agrícolas. O !g"D' dagan “grão” é uma

“palavra genérica, não especificando o tipo de cereal, mas sempre é uma safra ideal e
valiosa”712. Junto com vroyTi tirox “vinho” e rh'c.yI yishar “azeite”, o termo !g"D' dagan

711
Alguns intérpretes, como Volz e Rudolph, preferem II nahar “ser radiante”. William Mckane, A Critical and
Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.794.
712
Earl S. Kalland, artigo dagan, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.299.
202

designa a produção agrícola abundante.713 A mesma listagem é apresentada em Os 2,8 (TM:


2,10), que apresenta Javé como provedor dos camponeses. Nota-se aí a influência da literatura
de Oseias sobre Jeremias.
Em um segundo grupo, estão os !aco-ynEB. bene-so’n “filhos do rebanho” (de ovelhas) e

o rq'b' baqar “boi” A palavra hebraica !aco so’n refere-se a gado miúdo: ovinos e

caprinos.714 Portanto, são elementos do mundo agropecuário. É importante destacar que o


texto refere-se aos “filhos do rebanho”. Em foco está a produção (os “filhos”), sobre a qual as
pessoas libertas têm o direito do usufruto.
O alvo da salvação de Javé, portanto, não é mundo citadino. O que lemos no texto
jeremiano não é uma “ideologia de Sião”715, mas uma palavra de esperança para camponeses
e pastores do interior palestinense (tanto de Judá/Sul como de Israel/Norte). Eles são
conclamados para adorar Javé em Sião, mas os produtos a serem usufruídos por eles não estão
em Sião/Jerusalém, mas nas terras circunvizinhas de Sião, na baixada da Sefelá, no deserto da
Judeia e nas terras de Israel/Norte. Antes de aprofundar essa afirmativa, é preciso ainda
observar os v.12c-13a.
O v.12c apresenta duas frases que expressam a importância da produção agrícola e
pastoral para os exilados. A primeira frase apresenta uma figura de linguagem: hw<r' !g:K.
kegan raveh “como um jardim encharcado”. A LXX traz w[sper xu,lon e;gkarpon “como uma
árvore frutífera”; a tradução grega foi influenciada por Gn 1,11 ( = yrp #[) e
Sl 148,9 ( = yrp #[).716 O importante na expressão é a vp,n, nepex

“vida/alma”, que carece dos produtos mencionados anteriormente (“grão”, “vinho”, “azeite”,
“filhos do rebanho” e “boi”). A figura de linguagem não é só linguagem. De nada vale a
poesia sem a substancialidade material necessária para a subsistência humana. A segunda
frase explica melhor a primeira: “e não continuarão a desfalecer continuamente”. Os exilados
estavam enfraquecidos. O verbo baeD da’eb qal infinitivo tem o sentido de “desfalecer”. Ou

seja, os exilados desfaleciam em virtude da falta dos mantimentos alistados no v.12b. Mas a
libertação de Javé necessariamente conduz à abastança de alimentação, e é isso que preserva a
“vida”/nepex dos exilados.
O v.13a destaca a festa das pessoas libertas por Javé:

713
Earl S. Kalland, artigo dagan, p.299.
714
William L Holladay, Léxico hebraico e aramaico do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 2010, p.429.
715
Contra William L. Holladay, Jeremiah 2, p.185.
716
Veja BHS; William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.793.
203

Então terá alegria virgem na dança,

e os jovens e os velhos, juntos.

A tradução grega (LXX) precisa ser observada:

= verbo indicativo futuro passivo: “se alegrará”.

= substantivo feminino plural “virgens”.

= substantivo dativo feminino singular “sinagoga; lugar de culto”.

= substantivo genitivo masculino plural “homens jovens”.

= substantivo nominativo masculino plural “velhos, anciãos”.

Tradução: “então se alegrará a virgem na congregação jovem, e os velhos se alegrarão”.

De acordo com TM, virgens, jovens e velhos dançam alegremente. Contudo, a


expressão ~yrIxubW; lAxm'B. bemahol ubahurim “na dança e jovens” do TM é traduzida pela

LXX como = “na congregação jovem” (que corresponde ao

hebraico ~yrIxuB; lh;q.Bi), e a palavra wD'x.y: yahdav “juntos” é traduzida como carh,sontai

“eles (velhos) se alegrarão” (que corresponde ao hebraico WDx.yI). Deste modo, a versão grega
conecta ~yrIxuB; bahurim “jovem” imediatamente com hl'WtB. betulah “virgem”,

transformando o hebraico lAxm'B. bemahol “em dança” para lh;q.Bi biqhal “na congregação”,

e o advérbio wD'x.y: yahdav “juntos” é transmutado na forma verbal WDx.yI yihdu “se alegrarão”

que apresenta “velhos” como sujeitos. A correção no TM provavelmente foi efetuada por
judeus que viam a dança da virgem no v.13 como uma inflação ao código moral judaico.717
Contudo, é preciso observar que a forma adverbial wD'x.y: yahdav “juntos” aparece em Jr 31,8,
e a cena que descreve a dança da virgem certamente foi inspirada no v.4b718.

717
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.794.
718
Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.196.
204

O advérbio wD'x.y: yahdav “juntos” é muito importante para a compreensão do TM

jeremiano. O termo pode ser traduzido como “junto, igualmente”719, e em Jr 31,13a refere-se
à união de jovens e velhos, duas faixas etárias distanciadas pela idade. Na verdade essa frase
parece referir-se à união corporativa dos exilados, como em 31,8. Esta é a única maneira de
entendermos a menção dos produtos agrícolas e pastoris do v.12, referidos juntos. Acontece
que, na antiga Judá, tais produtos eram produzidos por diferentes classes sociais. Ao oriente
judaíta localiza-se uma região desértica, o Deserto de Judá, onde a produção estava voltada
para a ovelha. Em contrapartida, ao ocidente havia uma região mais fértil, nas montanhas,
conhecida como Sefelá, na qual a terra era usada na produção de cereais e frutas. Milton
Schwantes explica: “Ora, ovelhas, cereais e frutas se complementam. Uns precisam dos
outros. Esta é a raiz econômica da Grande Judá, o acordo, a inter-ajuda entre pastores e
agricultores.”720 Portanto, em Judá havia uma sociedade de alianças, de acordos entre as
cidades, o deserto e a Sefelá. Schwantes sustenta a tese de que foi justamente essa unidade
maior que proporcionou a durabilidade da dinastia de Davi no Sul. Davi soube articular a
união de diversos setores produtivos de Judá, atraindo-os para o sistema monárquico cuja sede
estava em Jerusalém.
Diferentemente do Sul, as monarquias de Israel/Norte foram marcadas por vários golpes
de Estado, exatamente porque não conseguiram articular diversos grupos sociais dos seus dois
principais setores produtivos: Jezreel e Siquém. Estas regiões não eram distintas, como no
Sul. No geral podia-se plantar e criar as mesmas coisas: cereais e ovelha. Assim, de acordo
com Schwantes, no Norte, uma região não necessitava da outra. Por isso havia rivalidade
entre vários grupos. Esses se combatiam em busca do poder. Daí a razão de tantos golpes de
Estado. Os israelitas instituíram reis movidos pela intriga e não pela vontade de Deus (Os 8.4;
cf. Os 7.3-7). Inúmeros assassinatos ocorreram por causa de intrigas de poder (2Rs 15.8-31).
No caso do Sul, a monarquia davídica desmantelou-se no século 6 a.C. sob o ataque dos
babilônicos. Mas os setores produtivos de Judá continuaram a existir. Jeremias criticou
veemente os reis da casa de Davi, e anunciou o juízo divino sobre eles. Por outro lado, o
profeta acatou com aplauso o método usado por Davi para organizar o seu reinado; mas, no
caso de Jeremias, não existe intenção de organizar um sistema monárquico. O que o texto
jeremiano almeja é engendrar um sistema tribal e humanitário que devolvesse ao oprimido
aquilo que o Estado extorquiu. Jr 31,12-13a menciona diversos elementos produzidos por

719
Paul R. Gilchrist, artigo yahad, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.609.
720
Milton Schwantes, Breve história de Israel, p.31.
205

diversos grupos em diversas regiões: grão, vinho e azeite, cultivados na Sefalá; ovelhas,
criadas no deserto de Judá; o “boi”, criado principalmente em Basã, região fértil situada a
nordeste do lago da Galiléia (conhecida pela qualidade dos seus rebanhos bovinos). Contudo,
apesar da diversidade de grupos e de produtos, o texto jeremiano focaliza uma comunidade
unida (wD'x.y: yahdav “juntos”), composta por pessoas que poderiam usufruir de todos os

produtos da terra.
Se Jr 31,10-14 foi dirigido aos israelitas do Norte, então, o texto também se constitui
uma prevenção contra os partidarismos sedentos pelo poder político que marcaram as
monarquias do Norte, e que provocaram muitos derramamentos de sangue. Na nova
comunidade engendrada pelo texto de Jeremias, não existe espaço para disputas de poder. O
fundamental, para Jeremias, é o compartilhar dos produtos e a dança.

Nos v.13b-14, a fala de Javé721 se intervém na narrativa. Trata-se de uma promessa de


salvação futura. Isso subtende que a situação dos contemporâneos de Jeremias ainda era
calamitosa. De acordo com o v.13b, entre eles existe lb,ae ’ebel “lamento” e !wOgy" yagon

“sofrimento”. No entanto, três ações de Javé são prometidas para os exilados. Na primeira
frase, lê-se o verbo %p;h' hapak qal vav consecutivo perfeito “virar, subverter”. O lb,ae ’ebel
“lamento” é transformado em !Aff' sason “alegria”. Na terceira frase, o !wOgy" yagon

“sofrimento” seria seguido pela alegria: “e os alegrarei”, tradução de xm;v' xamah piel vav
consecutivo perfeito “levar a regozijar-se, alegrar, tornar alegre”. É a mesma raiz verbal do
início do v.13, em que a “virgem” era o sujeito. Mas agora, no fim do versículo, Javé é agente
do verbo; ele age por uma ação verbal destacada: o verbo está no piel, enfatizando a ação do
sujeito. Ou seja, Javé é a fonte da alegria da “virgem”. Nisto consiste o “confortar” ( ~x;n

naham piel vav consecutivo perfeito) de Javé: o fim do sofrimento opressor e alegria pelo
usufruto dos produtos agrícolas e pastoris.

A perícope termina no v.14, com duas frases:


E saciarei a vida dos sacerdotes (com) gordura,
e o meu povo com meu bem se satisfará.

721
Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.196; Artur Weiser, Das Buch des Propheten Jeremia – Kapitel 1-25,13, p.286-
287.
206

Essas duas frases estão relacionadas com o v.12c. O verbo hw"r' ravah piel “saciar”, da

primeira frase do v.14, significa “ser encharcado com água”, e está em paralelo com hw<r'
raveh “encharcado” da primeira frase do v.12c. O termo vp,n< nepex “alma” também aparece

em ambas as frases.
Na primeira frase, o alvo da bênção de Javé são os ~ynIh]Ko kohanim “sacerdotes”. Eles

seriam saciados pela “gordura” (!v,D' daxen). Contudo, de acordo com Lv 7,31-34, os

sacerdotes comiam o peito e as coxas, não a gordura. Talvez por essa razão o termo hebraico
!v,D' daxen foi omitido pela LXX. Ou, é possível que !v,D' daxen do TM não se referira à

gordura dos sacrifícios, mas às provisões generosas que os sacerdotes recebiam, e, sendo
assim, o texto da LXX é preferível ao TM.722 Outra forma de compreender o texto é
interpretá-lo de forma metafórica, como Is 55,2.723 De qualquer modo, é importante destacar
que o texto de Jeremias certamente não está prometendo salvação para os sacerdotes do
templo jerusalemita; isso porque a mensagem do profeta se opôs veemente contra eles (veja
1,18; 4,9). Considerando a origem sacerdotal de Jeremias (1,1), é possível supor que o profeta
esperava o surgimento de um novo sacerdócio purificado das imoralidades cometidas
anteriormente.
É importante notar que o sacerdócio mencionado na frase inicial do v.14 está em
paralelo com yMi[; ‘ammi “o meu povo” da frase seguinte. Na verdade, a centralidade do texto

não está nos sacerdotes, mas neste yMi[; ‘ammi “meu povo”, que são as pessoas que, no v.12-
13, alegram-se por causa da fertilidade da terra. Agora, nesta última frase do v.14, essas
pessoas estão completamente satisfeitas pelo bWj tub “bem” de Javé, já descrito no v.12
como elementos agrícolas e pecuários. O verbo [;bev' xabe‘a qal imperfeito “satisfazer-se”
significa “estar farto de comida”724 (Jr 5,7; cf. Pv 13,25; 27,7; Mq 6,14). Na maioria das vezes
o verbo se aplica à satisfação do homem relacionado à comida e à bebida. 725 Ou seja, aqueles
que sofriam carestia (veja final do v.12, o verbo baeD da’eb qal infinitivo “desfalecer”)

poderão ficar satisfeitos com o grão, com o vinho, com o azeite, e com as carnes ovinas e

722
William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.795.
723
Bright: “fat things”, “coisas gordurosas”. John Bright, Jeremiah.
724
Bruce K. Waltke, artigo sabea‘,em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.1464.
725
G. Gerleman, artigo sb‘, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario teológico– Manual del
Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol. 2, 1985, col.1031.
207

bovinas, mencionados no v.12, tão necessários para a subsistência das populações da


Palestina.

3.2.10 – Jr 31,15-22: “haverá recompensa para o teu trabalho”


Possivelmente Jr 31,15-22 deve ser lido com 31,2-6 + 31,7-9.726 Todos esses textos
apresentam as populações do Israel/Norte como referência para projeto salvífico de Javé:
“Israel” (v.2.4.7.9.21); “Efraim” (v.6.9.18.20). Tanto em Jr 31,7-9 como em 31,16-22, Efraim
é referido como filho de Javé (v.9b e v.20a). Também é necessário considerar que Jr 31,10-14
apresenta “Israel/Jacó” como alvo da ação salvífica de Javé. Portanto, pode-se afirmar que
todas essas perícopes estão inter-relacionadas com a temática da salvação.

A unidade de Jr 31,15-22 pode ser dividida em quatro ‘estrofes’:727

31,15: Raquel se recusa a ser consolada.

31,16-17: Israel recebe uma promessa de esperança para o futuro.

31,18-20: Efraim será consolado, depois de se converter a Javé.

31,21-22: Israel é convocado para voltar para as cidades.

Inicialmente é importante a identificação antropológica de “Raquel” (Jr 31,15). Raquel


era a mãe de José (Manassés e Efraim) e de Benjamim (Gn 35,24; 46,19.22). Portanto, ela era
uma das matriarcas das tribos de Israel/Norte. No entanto, o “choro” de Jr 31,15 parece
proceder dos exilados de “Jerusalém e Judá” que estavam em Ramá para serem transportados
para a Babilônia (Jr 40,1). Portanto, são judaítas. Antes de irem ao cativeiro, eles estavam em
Ramá, justamente o lugar que estava localizado o túmulo de Raquel (1Sm 10,2). É notável,
contudo, que a memória por trás de Jr 31,15 evoca as tradições do Israel/Norte. O choro dos
exilados judaítas do exílio de 587 a.C. une-se ao choro dos exilados israelitas nortistas do
exílio de 722 a.C.

É notável que o v.15 narra o choro de Raquel, que se contrapõe à promessa de Jr 31,10-
14. A “alegria” (!Aff' sason) do v.13, prometida para o futuro, contrapõe-se com o

726
Veja J. Unterman, From Repentance to Redemption, p.38-53. Veja, contudo, Bob Becking, Between Fear and
Freedom, p.195.
727
Veja, por outro lado, a proposta de Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.188.
208

“lamento” (yhin> nehi) e com o “choro de amarguras” (~yrIWrm.t; ykiB. beki tamrurim) do

presente (v.15):

Raquel lamenta sobre os filhos dela,

ela se recusa ser consolada sobre os filhos dela,

porque eles não existem728.

A impressão é que a veracidade do consolo prometido no v.13 (onde se lê ~x;n naham


piel vav consecutivo perfeito “confortar”) é questionada pela realidade do choro de Raquel,
afinal, “ela se recusa a ser consolada”. A forma verbal ~xeN"hil. lehinnahem “ser consolada”

(~x;n naham nifal infinitivo “confortar”) sugere que Raquel deveria aceitar o conforto de

Javé. Contudo, “ela se recusa”. Lemos aí a tradução do verbo !aem' ma’en piel perfeito

“recusar”, que também tem o sentido de “refutar”. Raquel não aceita o consolo prometido nos
v.10-14. A razão dessa tristeza inconsolável é dita no final do v.15: “porque eles não
existem”; ou seja, os ~ynIB' banim “filhos” de Raquel não estão mais com ela. Neste caso, o

particípio adverbial negativo !yIa; ’ayin “não existe” pode ser traduzido como “estar

ausente”.729 O texto está dizendo que os israelitas não existem mais na terra da promessa. Eles
foram transportados para o exílio.

Nota-se ainda que o v.15 é palavra de Javé: hw"hy> rm;a' hKo koh ’amar YHVH “porque
assim diz Javé”. Ou seja, o inconsolável “lamento/choro” de Raquel foi ouvido por Javé. O
dito de Jr 31,16-22 também é fala de Javé. A expressão hw"hy> rm;a' hKo koh ’amar YHVH do
início do v.15 volta a ser repetida no início do v.16. Mas agora, em 31,16-22, Javé contradiz o
lamento de Raquel: “Refreie a tua voz do lamento, e os teus olhos da lágrima” (v.16a).
Contudo, Javé não está simplesmente ordenando para Raquel ‘engolir o choro’. Pois, a seguir,
lemos uma promessa, nos v.16b-17:

16b
Por que haverá recompensa para o teu trabalho, dito de Javé,

728
TM: WNn<yae “ele não existe”. É difícil de relacionar o sufixo singular no advérbio ’ayin com o plural benim
“filhos”, da sentença anterior. O TM deveria ser ~n"ya? Veja BHS. Veja uma discussão em Bob Becking, Between
Fear and Freedom, p.196.
729
Jack B. Scott, artigo ’ayin, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.61.
209

e eles voltarão da terra inimiga.

17
e haverá esperança para o teu futuro, dito de Javé,

e voltarão os filhos para o território deles.

Notam-se duas frases paralelas iniciadas pelo advérbio vyE yex “haverá”: “haverá

recompensa para o teu trabalho” / “haverá esperança para o teu futuro”. Enquanto o v.15
focaliza a ‘inexistência’ (!yIa; ’ayin ) dos filhos de Raquel, os v.16b-17 enfatizam a vyE yex

“existência” de “recompensa” e de “futuro”730 para ela. O substantivo I rk'f' sakar

“recompensa” tem a ideia de “salário”, geralmente com o sentido de “contatar os serviços de


pessoa em troca de pagamento”731, e em outros textos bíblicos é empregado junto com hL'[P
u .
pe‘ullah “trabalho”.732 O termo I rk'f' sakar também pode ser traduzido como “galardão,

recompensa”733. Aliás, hL'[Pu . pe‘ullah “trabalho” também apresenta esse sentido de

“recompensa”.734 Este parece ser o significado em Jr 31,16. É importante frisar que o rk'f'
sakar não é o pagamento de um salário em troca de serviços. À luz do final do v.17, pode-se
constatar que a “recompensa para o teu trabalho” é o usufruto da terra como meio de
produção: “voltarão os filhos para o território deles”. O termo lWbG> gebul “território”, neste
caso, é muito mais do que sinônimo de #r,a, ’eres “terra” (no sentido de “território geral”)735.

Outrossim, trata-se de um limite de terra que pertence a uma Ohx'P'vm. i mixpahah

“tribo/clã/família” (31,1). Para a presente tese, a expressão ~l'Wbg> gebulam “território deles”
precisa ser entendida à luz de %teL'[up.li rk'f' xakar lip‘ullatek “recompensa do teu

trabalho”, empregada no v.16. Isso porque os trabalhadores só poderiam gozar do fruto do seu

730
%teyrIx]a; ’aharitek “o teu futuro”. Segundo alguns intérpretes, pode ter o sentido de
“posteridade/progenitor”. Veja Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p.149; William Mckane, A Critical
and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.796.98. Entretanto, a tradução “futuro” pode ser assegurada.
Becking mantém essa tradução, e afirma que ela adequa-se a outras indicações de tempo de Jr 30-31, relativas à
futura libertação do povo de Deus. Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.197.
731
Cleon Rogers, artigo sakar, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.1480.
732
Veja Lv 19,13; 2Cr 17,5; Is 40,10; 62,11. Veja ainda Pv 11,18.
733
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.152.
734
J. Vollmer, artigo p‘l “hacer, obrar”, Diccionario teológico– Manual del Antiguo Testamento, Madrid,
Ediciones Cristiandad, vol.2, 1985, col.586. Confira 2Cr 17,5; Is 40,10; 62,11; Pv 11,18.
735
Em outros textos, gebul é sinônimo de ’eres “terra”. Veja Victor P. Hamilton, artigo gebul, em R. Laird
Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo
Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.240.
210

trabalho se tivessem de posse de um pedaço de terra, sobre o qual o trabalho era executado.
Nesse mesmo sentido, a palavra lWbG> gebul é empregada no livro de Josué com uma alusão
ao tribalismo: após a conquista da terra prometida, o lWbG> gebul “território” foi dividido
entre os twOxP'v.mi mixpahot “clãs/tribos” (Js 16,5; cf. 18,11). Cada família tinha um pedaço

de chão; cada qual poderia gozar daquilo que a terra produz. Por isso, segundo a mentalidade
dos textos veterotestamentários, violar o direito à propriedade é rebelar-se contra Deus. “Não
é estranho, portanto, que a Bíblia proíba mudar de uma antiga propriedade do próximo (gebul)
(Dt 19,14). Quem assim fizer deverá ser ‘amaldiçoado’ (Dt 32,8).”736

Assim, o sentido da hw"q.Ti tiqvah “esperança” está relacionado com a posse do lWbG>
gebul “território”. O hL'[uP. pe‘ullah “trabalho” não se apresenta como uma prestação de
serviços para um ‘senhor’ feudal, mas como cultivo sobre um pedaço de terra que pertence ao
próprio trabalhador. Desde modo, a promessa de salvação de Jr 31,16-17 fundamenta-se no
tribalismo.

Jr 31,18-20 e 31,21-22 são duas ‘estrofes’ que seguem Jr 31,16-17. Essas ‘subunidades’
estão inter-relacionadas. O tema geral é a volta dos exilados. De fundamental importância
nessas estrofes é a raiz verbal bWv xub “voltar”: v.16.17.18.19.21. Essa raiz verbal se

apresenta com duas nuanças. Nos v.16-17 e nos v.21-22, ela refere-se ao “voltar” para a terra
da promessa. Por outro lado, nos v.18-20, o seu significado é “converter-se” a Javé. A
conversão ao javismo é apresentada como condição necessária para o usufruto da terra
prometida. Até porque as religiões inimigas do javismo estavam aliadas às lideranças políticas
e religiosas opressoras, e constituíam-se um dos meios de retirar dos camponeses o excedente
da produção.737 Essa afirmativa pode ser evidenciada no texto jeremiano pelas seguintes
constatações:

1) Adorar os falsos deuses significa vaguear longe da terra prometida:


“Escutei atentamente Efraim, aquele que cambaleia” (v.18). Há uma construção
paronomástica com o verbo [m;v' xama’ “ouvir”, enfatizando a ideia de que Deus

736
Victor P. Hamilton, artigo gebul, p.240.
737
Veja a relação entre religião e modo de produção em François Houtart, Religião e modos de produção pré-
capitalistas, São Paulo, Paulus, 1982, 250p. (Pesquisa & Projeto; 1).
211

verdadeiramente ouve Efraim. Talvez o verbo [m;v' xama’ faça referência indireta ao

v.15: Javé ouviu o choro de Raquel. Na sequência há uma descrição de Efraim, pela
forma verbal dWn nud hitpolel participativo masculino singular absoluto, “cambalear”,
“lamentar”. O verbo procede da raiz dwn nvd “oscilar, balançar-se, vaguear, errar (sem

pátria e sem destino)738, “ser lançado para cá e para lá”739. O significado básico é
vaguear sem destino e sem morada fixa.740 Andar atrás de outros deuses é como
vaguear sem rumo (Jr 4,1), sem teto e sem terra.
2) A ida para o exílio apresenta-se como uma disciplina/punição de Javé:
“Tu me disciplinaste, e fui disciplinado”. A raiz verbal rsy ysr apresenta uma

disciplina com vistas à instrução. Ou seja, Efraim reconhece que foi punido em virtude
do seu pecado;741 mas não se trata de mera punição. É um “instruir” (esse o sentido de
rsy ysr ) que tem por objetivo ensinar os exilados a adorarem Javé, para que assim
eles pudessem gozar da terra prometida. O alvo final é a terra. A questão não está
direcionada para a falsidade dos deuses, mas para a calamidade que advém sobre
aqueles que se decidem pela idolatria.
3) De acordo com v.19, depois da ‘conversão’, Israel finalmente poderia
“ser consolado” (~x;n naham nifal perfeito). A mesma forma verbal é empregada nos

versos anteriores para expressar o conforto de Javé aos exilados (31,9.13). O


arrependimento de Efraim é uma condição para a salvação de Javé.742
4) No início do v.20, Efraim é apresentado como filho de Javé: “um filho
precioso para mim é Efraim”.743 Essa mesma ideia encontra-se em Jr 31,9b, onde se

738
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.152.
739
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.209. Veja também William Holladay, Jeremiah 2, p.189; Nelson
Kilpp, Niederreissen und aufbauen, p.157.
740
Gn 4,12.14. Veja Jr 4,1.
741
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.210; William Holladay, Jeremiah 2, p.189–191; Nelson Kilpp,
Niederreissen und aufbauen, p.158; Ralph W. Klein, Israel in Exile, p.47.
742
Como conciliar a afirmativa desta perícope com as afirmações de Jr 30-31 que descrevem a salvação
incondicional de Javé? Carrol defende que o arrependimento de Efraim é uma condição para a salvação, e este
conceito apresenta-se como infiltração de uma teologia distinta do Livro da Consolação, e precisa ser
considerada como um tipo de adendo posterior. (Carroll, Jeremiah, p.599–600). Por outro lado, Becking assevera
que a confissão de Efraim é somente uma descrição de sua conversão, e não se apresenta como condição para o
consolo de Javé. (p.211). Kilpp, por sua vez, assevera que a misericórdia divina em Jr 31,18-20 é precedida pelo
arrependimento humano. Nelson Killp, Niederreißen und aufbauen, p.161. Veja também Carroll, From Chaos to
Covenant, p.211.
743
A expressão ryQiy: !Be ben yaqqir “um filho preciso” não aparece em nenhum outro lugar da Bíblia Hebraica.
O adjetivo ryQiy: popularizou-se no período pós-exílico, e foi usado nos textos de Qunram. Bob Becking,
Between Fear and Freedom, p.212. Em Ed 4,10, há um adjetivo cognato, aramaico: ‫ירא‬ ָ ‫“ י ִַׂק‬famoso”, referindo-
212

diz que Javé é “pai” de Israel, o que significa que os israelitas receberiam um cuidado
especial de Deus no caminho de volta para a terra prometida. Porém, há uma pequena
diferença: em Jr 31,9b Javé é apresentado como pai, enquanto que em Jr 31,20 é
apresentado como mãe.744 Ou seja, Israel deve adorar Javé porque Javé é o
Deus/Pai/Mãe que cuida de Israel.
5) Em Jr 31,21-22 Israel é hb'beAVh; tB;h; habbat haxxobebah “a filha

rebelde” (v.22) que deve converter-se a Javé. No caso, bWv xub qal imperativo

“voltar” significa retornar para “estas tuas cidades”, para a terra (v.21). Curiosamente
a apóstata Israel é considerada por Javé como tl;WtB. betulat “virgem”. Por um lado,

Israel é “rebelde/apóstata”, que adora falsos deuses; por outro lado, ela é como
“virgem”, como nunca tivesse se maculado com falsos deuses. Esse é o ideal de Javé:
Israel deve colocar o “coração” (ble leb) na “vereda” (hL'sim. mesillah), no

“caminho” (%r,D, derek), ou seja, ele precisa adorar somente a Javé. Contudo, apesar

da linguagem do v.21 sugerir adoração verdadeira, na verdade está sugerindo um %r,D,

derek “caminho” que conduza de volta à terra.745


Além das observações acima, que constatam a relação entre adoração a Javé e o
usufruto da terra prometida, também é preciso considerar o final do v.22. Ao que parece, aí
reside uma surpresa:

Porque cria Javé uma nova na terra:

se a Osnapar. O termo hebraico ryQiy: costumeiramente refere-se a pessoas ou objetos preciosos (1Sm 26,21; Sl
72,14; Zc 11,13; 1Sm 12,30). “Denoting Ephraim as a ‘precious son’ implies that Ephraim is an almost unique
character for God who values it as a parent who cares for its child.” Bob Becking, Between Fear and Freedom,
p.212. Veja também Robert Carroll, Jeremiah, p.600; William Holladay, Jeremiah 2, p.191. A expressão seguinte
também denota a singularidade a intimidade da relação entre Javé e Efraim: ~y[ivu[]v; dl,y< “uma criança de
prazeres”. Veja Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.213; Robert Carroll, Jeremiah, p.600; William
Holladay, Jeremiah 2, p.191.
744
O termo ~y[m alude às “partes internas”, especialmente o intestino, e metaforicamente denota o ‘lugar’ das
emoções. O verbo ~x;r" piel também sugere uma compaixão envolta por fortes emoções. As duas frases
expressam a forte emoção de Javé em prol de Efraim. A forma verbal ~x;r" relaciona-se com substantivo ~x,r<
rehem “ventre”. O amor de Javé por Efraim é comparado ao amor de uma mãe por seu nenê. Bob Becking,
Between Fear and Freedom, p.214-215. Veja Os 11,1-4.
745
É difícil saber se a clausula está se referindo à rota que os prisioneiros tomaram em direção ao exílio, ou ao
caminho por onde eles deveriam retornar do exílio. Becking segue a variante copta, que apresenta a 1ª pessoa do
verbo halak (tendo Javé como sujeito), e defende a tese de que a clausula esteja fazendo menção ao retorno de
Javé para Sião juntamente com os exilados, assemelhando-se à escalotologia deutero-isaiana (Is 40,3; 42,16;
43,19; 49,9.11; Is 52,8; 57,14). Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.218. Sobre a escatologia do
Deutero-Isaías, confira R. Melugin, “Isaiah 52:7–10”, em Interpretation, vol.36, 1982, p.176-181; Joseph
Blenkinsopp, Isaiah 40-55 – A New Translation with Introduction and Commentary, New York, Doubleday,
2002, p.342 (The Anchor Bible;19A). Contudo, parece-nos infundada essa correlação entre Jr 31,21 e Is 40-55,
já que se baseia totalmente em um única variante textual.
213

uma fêmea circula um homem forte.

O verbo ar"B' bara’ qal perfeito “criar, moldar, formar” sempre tem Deus com sujeito.
Neste caso, o texto quer destacar a criação de algo novo: #r,a'B' hv'd'x] hadaxah ba’ares

“nova na terra”. A novidade da criação é descrita na clausula seguinte: “uma fêmea circula746
um homem forte”. Esta expressão é enigmática, e muitos estudiosos admitem não ter
explicação para ela.747 A tradução da LXX talvez forneça uma pista para interpretação:

o[ti e;ktisen ku,rioj swthri,an eivj katafu,teusin kainh,n evn swthri,a| perieleu,sontai
a;nqrwpoi.

e;ktisen = indicativo aoristo “criar”.


swthri,an = substantivo acusativo “salvação”
katafu,teusin = substantivo acusativo “plantação”.
kainh,n = adjetivo acusativo “nova”.
perieleu,sontai = verbo indicativo futuro médio “vir sobre”.
a;nqrwpoi = substantivo nominativo masculino plural “homens”.

De acordo com a versão grega, a volta do exílio e a nova aliança constituem-se como
“salvação” (swthri,an) do “Senhor” (ku,rioj) sobre os “homens” (a;nqrwpoi).748 A presente
tese reconhece que a cláusula precisa ser interpretada no contexto das afirmativas salvíficas de
Jr 30-31. Lundbom sugere que rb,g< geber “homem jovem” está em paralelo com hb'qen>
neqebah “fêmea”, e interpreta a cláusula como uma “declaração irônica que expressa choque
e supresa diante da fraqueza dos soldados de Israel na derrota”. 749 Pode-se aventar ainda que
o texto descreve a fragilidade e a queda do rb,g< geber “homem forte” (exército) como

746
O verbo sabab poel imperfeito tem o sentido de “circundar”. Veja William L. Holladay, “Jer. xxxi 22b
reconsidered”, p.236-239; William L. Holladay, Jeremiah 2, p.195; Bob Becking, Between Fear and Freedom,
p.224.
747
Robert P. Carroll, From Chaos to Covenant, p.211-213; Robert P. Carroll, Jeremiah, p.602.605; Nelson Kilpp,
Niederreissen und aufbauen, p.154-155; Georg Fischer, Trostbüchlein, p.112; B. P. Robinson, “Jeremiah’sNew
Covenant: Jer. 31,31–34”, p.189-191. Veja as várias interpretações da expressão em Bob Becking, Between Fear
and Freedom, p.221-225.
748
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.221.
749
“ironic statement expressing shock and surprise at the weakness of Israel’s soldiers in defeat”. J.R. Lundbom,
Jeremiah – A Study in Ancient Hebrew Rhetoric, Winona Lake, 1997, p.47-49.
214

salvação de Javé. É a queda do exército e o fim das armas bélicas opressoras. Quando isto
acontece, Javé manifesta libertação.
Portanto, no texto de Jeremias, o verbo ar"B' bara’ “criar”, juntamente com o advérbio
vd'x' hadax “nova”, sugere a criação de novas circunstâncias e condições para as populações

de Israel e Judá (já referidas em Jr 31,2-17, de acordo com a interpretação da presente tese),
que foram submergidas pelo poder das armas bélicas de assírios e babilônicos nos séculos 8 e
6 a.C.

3.2.11 – Jr 31,31-34: “uma nova aliança”

A palavra tyrIB. berit “aliança” é um dos termos mais significativos da teologia do

Antigo Testamento.750 Através desta palavra, os escritores vetero-testamentários expressaram


a iniciativa de Deus em estabelecer uma relação com o ser humano. Uma das alianças mais
conhecidas do Antigo Testamento foi aquela estabelecida por Javé no monte Sinai, após a
libertação dos israelitas da escravidão do Egito, através da qual Javé firmou um
relacionamento com os hebreus, e requereu deles obediência aos preceitos da lei (Êx 20-24).
Mas as páginas subsequentes do Antigo Testamento demonstram que essa aliança foi
rompida. Os preceitos requeridos nas cláusulas na aliança do Sinai, a maioria deles apontando
ao compromisso social com os necessitados e à necessidade de um relacionamento íntegro
com o próximo, foram rompidos pela rebeldia daqueles que se esqueceram do Deus libertador
e passaram a adorar falsos deuses. Deste modo, a tyrIB. berit “aliança” foi desprezada por

Israel, e consequentemente as cláusulas do pacto sinaítico foram anulados. Por isso, surge a
necessidade de uma nova aliança. Então chegamos a Jr 31,31-34, que aponta ao
estabelecimento de um novo pacto entre Javé e o seu povo.

A presente tese perguntará pelo sentido de Jr 31,31-34 no contexto do Livro da


Consolação (Jr 31-31), considerando principalmente as articulações sociais de Jeremias em
prol do tribalismo.

O v.31 anuncia o surgimento hv'd'x] tyrIB. berit hadaxah “nova aliança”. O v.31a

aponta ao futuro como o tempo do surgimento da aliança: ~yaiB' ~ymiy" hNEhi hineh yamim

750
Walther Eichrodt, Teologia do Antigo Testamento, tradução Cláudio J. A. Rodrigues, São Paulo, Hagnos,
2004, 966p.
215

ba’im “eis que dias virão”. Esta expressão também aparece em Jr 31,27 e Jr 31,38751. Não se
trata, pois, de um futuro meramente distante, já que as perícopes de Jr 31,27-28 e 31,38-40
preconizam palavras de esperança direcionadas aos exilados do antigo Israel, que certamente
entenderam que o ato salvifíco iniciava-se naquela situação de desesperança. O v. 33
explicitará melhor esse tempo do estabelecimento da “nova aliança”.

O v.31b inicia-se com a forma verbal tr;K' karat qal vav consectivo perfeito “cortar”.

Este verbo, junto com o substantivo tyrIB. berit “aliança”, significa “fazer aliança”.752 A

relação entre tr;K' karat e tyrIB. berit é evidenciada no abate de animais, que fazia parte do

ritual de estabelecimento da aliança (Gn 15,9-10.18753; Jr 34,18754).O ritual da aliança “ilustra


por analogia a autodestruição daquele que faz o contrato: que a sorte que caiu sobre aquele
animal caía sobre ele caso ele não guarde o berît755”756.

Existem pelo menos três explicações para a etimologia da palavra tyrIB. berit:

Uma primeira hipótese aponta a relação entre o substantivo tyrIB. berit e o verbo hrB'

barah “comer”, “jantar” (2Sm 3,35; 12,17; 13,5.6.10; Sl 69,22[v.21]; Lm 4,10). Os


defensores dessa hipótese associam a origem da palavra tyrIB. berit com a refeição sagrada

que geralmente era partilhada entre os concordantes. O problema é que hrB' barah não é o

verbo usual para “comer”, mas está associado principalmente com a recuperação das forças
físicas.757

Uma segunda hipótese, contraposta à primeira, foi elaborada por Martin Noth, e sugere
que o estabelecimento da aliança realmente evoca uma refeição, contudo, a palavra tyrIB.
berit refere-se principalmente ao ritual para o estabelecimento do acordo: o termo origina-se

751
Em Jr 31,38 a expressão está incompleta, pois falta o verbo bo’ qal particípio, que, entretanto, aparece
em alguns manuscritos hebraicos. Veja BHS.
752
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.105.
753
Gn 15,18: “Javé cortou (fez) com Abraão uma aliança”. Veja também Dt 5,2.3.
754
Jr 34,18: “Farei aos homens que transgrediram a minha aliança e não cumpriram as palavras da aliança que
fizeram perante mim como eles fizeram com o bezerro que cortaram (dividiram) em duas partes, passando eles
pelo meio das duas porções.”
755
Respeitamos aqui a transliteração do autor citado.
756
Earl S. Kalland, karat, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.752.
757
M. Weinfeld, berit, em G. Johannes Botterweck; Helmer Ringgren e Heinz-Josef Fabry (editores),
Theological Dictionary of the Old Testament, Grand Rapids, William B. Eerdmans Publisching Company, vol.2,
1975, p.253-254.
216

do acadiano birit, e relaciona-se com a preposição !yBe ben “entre”, sugerindo a auto

maldição evocada por ocasião do estabelecimento de um pacto, quando os concordantes


passavam entre as partes de um animal dividido.758 Essa hipótese aparentemente pode ser
sustentada, se considerarmos que a expressão mais usual para denotar estabelecimento de
aliança é tyrIB. tr:K' karat berit, “firmar uma aliança”, ou, literalmente, “cortar uma

aliança” (encontrada justamente aqui em Jr 31,31), e possivelmente lembra o antigo


cerimonial no Antigo Oriente Médio que acompanhava o voto da aliança, a saber, o corte de
um animal. Os concordantes passavam entre os animais partidos, e a punição era evocada
sobre aquele que descumprisse o acordo (Jr 34,18-20; veja Gn 15,7-21).

Finalmente, uma terceira hipótese defende a relação etimológica entre tyrIB. berit e o

substantivo acadiano biritu, “faixa”, “laço”, “vínculo”. Alega-se que as línguas latina e grega
respaldam essa afirmação: no latim, o contractus é expresso como vinculum fidei, e a palavra
grega syntheke/synthesia expressa o sentido de “vincular, colocar juntos”.759 O alemão Bund
também reflete essa ideia. Em Ez 20.37, o texto hebraico refere-se ao tyrIBh. ; tr<som'B.
bemasoret habberit “vínculo da aliança”; o termo tr<som' masoret significa “vínculo,

compromisso”, “disciplina”. Assim, tyrIB. berit pode ser metaforizado como “laço”, sendo

que essa metáfora sugere um ‘fortalecer’ ou um ‘fixar’ que aponta à credibilidade do


tratado.760

Também não existe unanimidade entre os estudiosos ao que diz respeito o significado
da palavra tyrIB. berit. Para alguns, essa palavra poderia ser traduzida como “obrigação” ou

“compromisso”.761 De fato, o termo sugere uma “imposição” ou “obrigação”762. No Sl 111,9

758
Martin Noth, “Old Testament Convenant-Making in the Light of Text from Mari”, em The Laws in the
Pentateuch and Other Essays, Edimburgo, 1966, p.122. Citado por O. Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos,
São Paulo, Cultura Cristã, 2ª edição, 2011, p.14, nota 3. “Ele elabora um processo de múltiplos passos, pelo qual
o termo alcançou independência adverbial por meio da frase ‘matar um asno no meio’, adquirindo o sentido
substantivo de ‘uma mediação’, o que requereu consequentemente a introdução de uma segunda proposição
‘entre’, e finalmente evoluiu para a palavra normal ‘aliança’, que pode ser usada com outros verbos além de
‘cortar’ (entre).” O. Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos, p.14, nota 3.
759
M. Weinfeld, berit, p.255.
760
M. Weinfeld, berit, p.255.
761
Essa é a opinião de E. Kutsch, “Gottes Zuspruch und Anspruch. berit in der alttestamentlichen Theologie”,
em Questions disputées d’Ancien Testament, Gembloux, 1974, p.71ss. Citado por O. Palmer Robertson, O Cristo
dos Pactos, p.14, nota 4. George A. Mendenhall reconhece o juramento como um dos elementos da aliança, mas
reconhece que não é possível saber nada sobre sua forma e conteúdo. George A. Mendenhall, “Convenant Forms
in Israelite Tradition”, em The Biblical Archeologist, vol.17, 1954, p.60s.
762
M. Weinfeld, berit, p.255.
217

e em Jz 2,20, por exemplo, o substantivo é acompanhado pelo verbo hwc' savah “ordenar”.
Em vários outros textos veterotestamentários, tyrIB. berit é sinônimo de rb'D dabar

“palavra/mandamento” (Dt 4,13; veja Dt 33,9) e de hrwTO torah “lei” e qxo hoq “estatuto”

(Is 24,5; veja Sl 50,16; 103,18). A palavra acádica riksu e a palavra hitita ishḥiya, cognatas de
tyrIB. berit, referiam-se à imposição das ordens do rei sobre os soldados e vassalos763 (veja

2Rs 11,4). Em muitos casos a palavra diz respeito à relação de suserania e vassalagem (Js
9,15; 1Sm 11,1-2).

Mas é importante destacar, para análise de Jr 31,31-34, que o termo tyrIB. berit

também evoca a ideia de promessa, já que o suserano prometia amparo e proteção aos
vassalos leais. Em Dt 7,1-2, a proibição de aliança por parte dos israelitas aos povos da
Palestina é acompanhada pela proibição de Israel “ser misericordioso” (hebraico !n:x' hanan)

para com esses povos, o que significa dizer que Israel não deveria entrar em aliança com eles.
Neste caso, tyrIB. berit é sinônimo de!n:x' hanan “misericórdia, piedade”.764 Em outros

textos, o tyrIB. berit é sinônimo de rb'D' dabar “palavra/promessa”, como em Dt 9,5, onde o

termo rb'D' dabar substitui tyrIB. berit765, e apresenta-se como uma referência à

promessa/aliança divina feita para os patriarcas, concernente à posse da terra prometida.


Portanto, a aliança essencialmente é promessa. Isso se evidencia em Jr 31,32, texto em que a
antiga aliança está associada à libertação do Egito.

Do ponto de vista teológico, a palavra hebraica tyrIB. berit afirma a relação pessoal de

Deus com o seu povo.766 Portanto, a nova aliança afirma a promessa de uma nova relação
entre Javé e Judá/Israel. O termo hebraico tyrIB. berit indica o conceito de “pacto” ou

“relacionamento” resultante do estabelecimento da aliança, o que pode ser percebido


principalmente no uso das preposições “com” (~[i ‘im) ou “entre” (!yBe ben), normalmente

utilizadas com a palavra berit e caracteristicamente empregadas para descrever uma

763
James B. Pritchard, Ancient Near Eastern texts relating to the Old Testament, Princenton, Princenton
University Press, 2ª edição, 1955, p.353.
764
M. Weinfeld, berit, p.256.
765
Dt 8,18; Sl 105,8. Confira também Ag 2,5, onde os termos berit e dabar estão relacionados ao êxodo.
766
D. J. McCarthy, “Berit and Convenant in the Deuteronomistic History”, em Studies in the Religion of Ancient
Israel, Suplement to Vetus Testamentum, vol.23, 1972, p.81ss. Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.257-
259.
218

relação.767 Mas o sentido de obrigatoriedade permanece. “A aliança estabelece o compromisso


de uma pessoa com outra.”768 De fato, o estabelecimento da aliança englobava um
juramento.769 Na verdade, a aliança é um juramento, no sentido de um compromisso que
estabelece uma solidariedade entre os concordantes da aliança.770

Normalmente a expressão tyrIB. tr:K' karat berit (“firmar uma aliança”) é usada por

um poder superior, particularmente um conquistador, que prevê estipulações para os


conquistados e vassalos.771 Por um lado, a palavra tyrIB. berit não se refere a um acordo

estabelecido entre duas partes concordantes. Trata-se, antes, de um pacto unilateral. Por isso,
no texto de Jeremias, o sujeito do verbo tr:K' karat qal perfeito “estabelecer” é Deus, e

somente Deus (confira Gn 6,18; 15,18; 17,7; Dt 5,2; Is 55,3; Os 2,18[20], entre outros). O
texto de Jeremias realça a decisão unilateral de Javé para resgatar os cativos.772 Por outro
lado, a aliança é estabelecida com Israel/Judá (Jr 31.31.33)773, o que indica certa bilateridade
do pacto.774

É importante destacar que nos textos veterotestamentários a relação entre Javé e seu
povo não é retratada somente na dimensão da relação suserano-vassalo, mas principalmente
na dimensão da relação marido-mulher. Isso é claramente observado em Jr 31,31-34. A antiga
aliança constitui-se um casamento entre Deus e Israel (v.32: l[;B' ba‘al qal perfeito, “casar”,

“possuir”). A nova aliança é selada pela expressão “eu serei o seu Deus, e eles serão o meu
povo” (v.33); “esta é uma fórmula legal tomada da esfera do casamento, e atestada em vários
documentos do Antigo Oriente Médio”775. Nesse aspecto, não é difícil perceber a influência
oseiânica sobre a teologia da nova aliança proposta por Jeremias (veja Os 2,2[4]). Para
Oseias, a transgressão da berit “aliança” significa quebra da hrwT
O torah “lei” (Os 8,1). Todo
767
O. Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos, p.15.
768
O. Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos, p.15.
769
G. M. Turcker, “Convenant Forms and Contrast Forms”, em Vetus Testamentum, Leiden, E. J. Brill, vol.15,
1965, p.487-503.
770
O. Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos, p.15, nota 7.
771
Êx 23,32; 34,12.15; Dt 7,2; Js 9,6.7.11.15.16; Jz 2,2; 1Sm 11,1. A expressão também é empregada para
acordos entre homens (Gn 26,28; 1Sm 18,3; 22.8; 2Sm 5,3; 2Rs 11,4).
772
Walter Brüeggmann, Theology of the Book of Jeremiah, Cambridge, Cambridge University Press, 2007,
p.121.
773
Em Gn 17,7, a aliança é estabelecida “entre” (!yBe) Javé e a descendência de Abraão. Pelas relações entre
berit e’alah “juramento” (Dt 29,12[11]; veja Dt 29,14[13]; Ez 19.59; 17.18) pode-se perceber que a aliança
sugere comprometimento entre duas partes (confira Gn 26,28).
774
Walther Eichrodt, Teologia do Antigo Testamento, p.24.
775
“is a legal formula taken from the sphere of marriage, as attested in various legal documents from the ancient
Near East”. M. Weinfeld, berit, p.278.
219

o arcabouço teológico de Oseias constrói-se pela afirmativa do rompimento do


relacionamento entre Javé e Israel ilustrado na relação conjugal entre Oseias e Gomer. Por
isso, as palavras tyrIB. berit e hrwT
O torah, juntas, constituem uma lei matrimonial.776 Não é
difícil concluir que Oseias identifica o tyrIB. berit com o relacionamento matrimonial entre

Javé e Israel.777

Portanto, a nova aliança não se apresenta como uma imposição imperial do tipo
suserania-vassalos, antes, propõe uma relação entre Deus e povo na qualidade da relação
marido e mulher, na qual a obediência não é uma resposta involuntária a uma normatividade
superior e imponente, mas uma resposta voluntária de amor procedente do coração daqueles
que verdadeiramente conhecem a Deus. No contexto de Jeremias uma aliança do tipo
suserania-vassalagem não seria nada confortadora para pessoas vitimadas por suseranos
assírios e babilônicos.

Para compreensão da nova aliança no texto jeremiano, é preciso notar outro fator
importantíssimo: a nova aliança seria estabelecida “com a casa de Israel e com a casa de
Judá”. Ignorar a menção de laer'f.yI yisra’el “Israel” no texto de Jeremias é qualificar as

populações do Israel/Norte como indignas de restauração. A promessa não é dirigida somente


aos exilados da Babilônia, mas também à população nortista exilada pelos assírios no século 8
a.C.

O v.32 refere-se à antiga aliança firmada por Javé com Israel no Sinai. O v.32a é
composto por uma frase, seguida por duas frases subordinadas a ela:

Não como a aliança que estabeleci com os pais deles,

no dia em que eu peguei pela mão deles,

para fazê-los sair da terra do Egito.

776
Geerhardus Vos, Teologia Bíblica, traduzido por Alberto Almeida de Paula, São Paulo, Cultura Cristã, 2010,
p.318.
777
A ‘fórmula da aliança’ (“eu serei para eles Deus, e eles serão para mim povo”) em Jr 31,33c está relacionada
com a fraseologia de Os 1,9, “porque vós não sois meu povo, nem eu serei vosso Deus”, que, de acordo com
Wolff, constitui-se uma fórmula de divórcio. Hans Walter Wolff, Dodekapropheten 1 – Hosea, Neukirchen-
Vluyn, Neukirchener Verlag, 196, p.21 (Biblischer Kommentar, Altes Testament; 14/1). Ou seja, o divórcio entre
Javé e Israel aponta o rompimento da aliança.
220

Como no v.31, a frase inicial do v.32a emprega o verbo tr:K' karat qal

“estabelecer/cortar”. A referência agora é a aliança estabelecida no monte Sinai. 778 Esta


aliança foi estabelecida “no dia em que eu peguei pela mão deles”. É preciso observar a
relação temporal entre o v.31 e o v.32a: no v.32a, o ~Ay yom “dia” refere-se ao tempo da
libertação do Egito, enquanto que no v.31, ~Ay yom refere-se ao tempo da nova aliança.

No v.32a, dois verbos são usados para descrever a ação de Javé: qz;x' hazaq hifil

infinitivo “agarrar, segurar, tomar a si”779, e ac'y yasa’ hifil infinito “fazer sair”. A forma

verbal ac'y yasa’ hifil comumente é empregada para descrever a ação libertadora de Javé em

prol dos hebreus escravizados no Egito (Jr 7,11; 11,4; Êx 20,2). Considerando que o hifil
possui uma função causativa, os dois verbos, qz;x' hazaq e ac'y yasa’, juntos, reiteram que a

causa da libertação do Egito é a ação de Javé. A dy qz,xo yad hozeq “forte mão” de Javé (Êx
13,3) agarrou poderosamente as mãos enfraquecidas dos hebreus escravizados no Egito, tirou-
os da terra da escravidão, e, ao estabelecer com eles com uma aliança, tomou-os para si. Os
hebreus não mais seriam dominados por senhores opressores, mas por Javé, o Deus libertador.
“É interessante notar que o profeta [Jeremias] não se refere de maneira específica à
inauguração formal da aliança que ocorreu no Sinai. Em vez disso, refere-se à aliança
estabelecida no dia em que o Senhor tirou Israel do Egito.”780

Se o v.32a focaliza a ação de Javé em prol de Israel, o v.32b, por sua vez, descreve a
ação de Israel contra Javé. Afirma-se que a antiga aliança foi anulada por causa da rebeldia.
Isso é explicitado nas duas últimas frases do v.32:

porque eles quebraram a aliança,

embora eu governasse por eles/neles.

A primeira frase inicia-se com a partícula rv,a] ’axer “porque781; provavelmente trata-

se de uma conjunção que inicia a oração subordinada adverbial: o TM inseriu a pontuação

778
Bernard P. Robinson, “Jeremiah’s New Covenant – Jer 31,31-34”, em Scandinavian Journal of the Old
Testament, vol.15, nº2, 2001, p.182.184.
779
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.66.
780
O. Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos, p.224.
781
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.20. Veja a tradução da KJA/King
221

‘athnach sobre o substantivo precedente ~yIr'c.mi misrayim “Egito”, sugerindo a separação

entre a conjunção e o substantivo; portanto, uma relação é estabelecida, mas não com a saída
do povo do Egito, mas com a quebra da aliança por parte do povo liberto do Egito. Ou seja, a
partícula rv,a] ’axer pode ser traduzida como “porque”, explicando a rebeldia como causa da

caducidade da aliança estabelecida no Sinai.782 A forma verbal rr:P' parar hifil perfeito

“quebrar” significa “tornar nulo ou sem efeito”.783 Portanto, enfatiza-se a anulação das
cláusulas contratuais do pacto em virtude do pecado de Israel e Judá.784 M. Weinfeld observa
um padrão judicial encontrado em textos hititas e babilônicos que elucidam a renovação da
aliança proposta por Jeremias.785 Em textos hititas, as cláusulas de uma aliança eram
devidamente redigidas e depositadas aos pés de divindades hititas, em santuários. Quando a
aliança era rompida, o documento deveria ser destruído. Na Babilônia, o cancelamento de um
contrato era designado pela expressão ṭuppam ḥepû “quebrar a tábua”. Isso explica porque
Moisés quebrou as tábuas da lei, quando Israel se enveredou pela idolatria ao bezerro de ouro
(Êx 32,19). Quando as cláusulas da aliança eram rompidas, era necessário que elas fossem
reescritas para que o pacto fosse renovado. Daí o porquê da repetição dos mandamentos, no
caso supracitado (Êx 34,19-25). Nos textos hititas, quando o pacto era violado e as relações
entre suserano e vassalo eram rompidas, um novo tablete era escrito.786

“A antiga aliança é quebrada, e, do ponto de vista de Jeremias, Israel está


completamente sem uma.”787 Para se referir à violação da aliança, Jeremias também utiliza a
expressão bz:[' tyrIB.‘azab berit “esquecer/deixar a aliança” (Jr 22,9), que aparece no

contexto da crítica jeremiana à monarquia que desprezou o direito do estrangeiro, do órfão e


da viúva (Jr 22,3). Portanto, o rompimento da aliança desemboca na agressão aos direitos
sociais.788

James Atualizada: “pois eles não horaram o meu pacto”.


782
Bernard P. Robinson, “Jeremiah’s New Covenant – Jer 31,31-34”, p.192.
783
O. Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos, p.227, nota 15. Em Jr 14,21, por exemplo, o verbo parar tem
Deus como sujeito. Deus não quebra a aliança, mas anula a aliança quando seu povo infringe as cláusulas
pactuais.
784
Veja como o verbo é utilizado na literatura jeremiana: Jr 11,10; 14,21; 31,32; 33,20.21.
785
M. Weinfeld, berit, p.276.
786
M. Weinfeld, artigo berit, p.276.
787
Gerhard von Rad, Old Testament Theology, vol.2, Nova York, 1965, p.212.
788
Veja a relação entre aliança e a libertação social, em Jr 34,8-22: o termo berit relaciona-se com debor
“liberdade” (34,8.15.17), com o êxodo (34,12), e com a libertação dos escravos (34,13).
222

Observemos a última frase do v.32: “embora eu governasse por eles/neles”. O verbo


l[;B' ba‘al qal perfeito “governar” também pode ser traduzido como “eu sou

senhor/mestre”789 ou “eu sou esposo”790. A expressão “embora eu governasse por eles/neles”


foi traduzida pela BKJ como “mesmo sendo Eu o Marido divino deles”. Ao invés de l[;B'
ba‘al, a LXX e a Peshita leram l[;g ga‘al “detestar, “abominar”.791 Mas TM pode ser

mantido, já que a rejeição da aliança necessariamente significa rejeição de autoridade. 792 No


caso, a rebeldia é metaforizada no adultério de Israel contra o esposo Javé.793

O v.32 não se refere somente à época entre o êxodo e à entrada na terra prometida, mas
engloba também o período tribal e o período da monarquia.794 A ‘quebra’ da aliança foi a
rejeição do domínio divino, como se verifica pelo uso do verbo l[;B' ba’al. Essa rejeição se

efetivou pelo advento da monarquia (1Sm 12), que, apesar de ser dirigida por alguns reis
tementes a Deus, constitui-se um domínio perverso e corrupto. Provavelmente o texto
jeremiano evita o uso do verbo lv;m' maxal “dominar, reinar” porque este termo estava

intimamente associado com a ideologia monárquica corrupta e opressora. 795 Com o advento

789
Vulgate: et ego dominatus sum eorum dicit Dominus. Veja John Arthur Thompson, The Book of Jeremiah,
p.579; William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.819; J. Coppens traduz
“mestre”, e relaciona a passagem com Jr 3,14. J. Coppens, “La Nouvelle Alliance em Jer 31:31-34”, em Catholic
Biblical Quarterly, vol.25, 1963, p.15.
790
J. Kraovec, “Reward, Punishment, and Forgiveness – The Thinking and Beliefs of Ancient Israel in the Light
of Greek and Modern Views”, em Vetus Testamentum Supplements, Leiden, E. J. Brill, vol.78, 1999, p.453; S.
Seock-Tae, “‘I Will be Your God and You Will be MyPeople’ – The Origin and Background of the Covenant
Formula”, em R. Chazzan et al., Ki Baruch Hu – Ancient Near Eastern, Biblical and Judaic Studies in Honor of
Baruch A. Levine, Winona Lake, Eisenbrauns, 1999, p.358; Bernard P. Robinson, “Jeremiah’s New Covenant –
Jer 31,31-34”, em Scandinavian Journal of the Old Testament, vol. 15, nº 2, 2001, p.192; Johanna Stiebert,
The Construction of Shame in the Old Testament – The Prophetic Contribution, New York/London, Sheffield
Acad. Press, 2002, p.140 (Journal for the study of the Old Testament – Supplement series; 346).
791
Assim também Robert P. Carrol, Jeremiah, p.610.
792
Veja ainda Bernard P. Robinson, “Jeremiah’s New Covenant – Jer 31,31-34”, p.192.
793
Curiosamente o termo keritut “divórcio” (Dt 24,1.3; Is 50,1; Jr 3,8) relaciona-se etimologicamente com a raiz
karat empregada pelo Antigo Testamento para o estabelecimento da aliança. Earl S. Kalland, karat, em R. Laird
Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo
Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.752.
794
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.256.
795
Nesse sentido, o texto jeremiano dialoga com a teologia deutoronomista (Jz 8,22-23; 9,2), segundo a qual “el
Israel premonárquico está regido teocraticamente, y no podia existir um rey designado com el término mlk”. J. A.
Soggin, msl “dominar”, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario teológico– Manual del
Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.1, 1978, col.1268. Sobre a relação entre maxal e
opressão, veja Jz 14,4; 15,11; Is 4,12; 14,5; 16,1; 19,4 ; Jr 22,30; 51,46. Em Jr 22,30, o verbo maxal está
asociado ao “sentar-se no trono de Davi”. Em contraposição ao maxal corrupto dos reis, o Antigo Testamento
apresenta o maxal de Javé como justo e pacífico (Sl 22,28[22,29]; 103,19; Is 40,10, entre outros).
223

da nova aliança, Deus volta a exercer seu domínio sobre Israel e Judá796, mas não como o
lv;m' maxal exercido pelos reis.797

Portanto, o advento da nova aliança implica a rejeição de qualquer poder que exerça
domínio destruidor sobre as pessoas.

O v.33 apresenta uma contraposição ao v.32. Se o v.32 descreve a anulação da aliança


do Sinai, o v.33, por sua vez, ressalta a nova aliança que seria firmada por Javé. Por essa
razão, o termo hebraico yKi ki “porque/pois” no início da frase talvez tenha o sentido de

“apesar de”.798 Ou seja, a despeito de Israel rejeitar Javé e quebrar a aliança, Javé está
disposto a reestabelecer o relacionamento com seu povo rebelde.

Mas, quem é esse povo rebelde? O texto jeremiano designa-o como “casa de Israel”
(laer'f.yI tyBe bet isra’el). O texto não se refere à “casa de Judá” (hd'Why> tyBe bet yehudah),

como no v.31. A respeito disto, podem-se elaborar duas interpretações: 1) O anúncio da nova
aliança originalmente referia-se ao retorno de Efraim/Israel Norte.799 A referência à “casa de
Judá” no v.31 seria fruto de um trabalho redacional.800 Por isso, o v.33 “is more Jeremianic
than v.31”801. 2) O v.31 não seria resultado de um trabalho redatorial pós-jeremiano, mas
simplesmente aponta que o profeta Jeremias aplicou uma antiga mensagem pregada ao
Israel/Norte para Judá, quando o reino davídido sucumbiu mediante o ataque das tropas
babilônicas. Esta segunda interpretação é defendida na presente tese, que já evidenciou que
Jeremias desempenhou um ministério junto às populações do Norte em algum momento
anterior ao seu ministério em Judá.

É importante também notar que o hebraico tyBe bet “casa” não se refere à monarquia

de Israel, como comumente encontramos nos textos proféticos. No texto de Jeremias, a

796
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.257.
797
Veja nossa análise do verbo maxal em Jr 30,21.
798
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.100. A KJA traduziu “eis, no
entanto”.
799
Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.202-203.
800
Muitos intérpretes acreditam que a expressão “e com a casa de Judá” (v.31) é uma inserção posterior. Bob
Becking, Between Fear and Freedom, p. 247; Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.170. Contudo, pode-se manter o
TM. Veja John Arthur Thompson, The Book of Jeremiah, p.579; Robert P. Carrol, Jeremiah, p.610; William L.
Holladay, Jeremiah 2, p.154; William Mckane, A Critical and Exegetical Commentary on Jeremiah, vol.2, p.817;
E. Otto, Die Tora des Mose: Die Geschichte der litera-rischen Vermittlung von Recht, Religion und Politik durch
die Mosegestalt, Hamburg, 2001, p.56; (Berichte aus den Sitzungen der Joachim Jungius-Gesellschaft der
Wissenschaften; 19/2); Ralph W. Klein, Israel in Exile, p.64.
801
Bernard P. Robinson, “Jeremiah’s New Covenant – Jer 31,31-34”, p.194.
224

palavra apresenta o sentido de “descendência”. Isso é reforçado pelo fato de alguns


manuscritos apresentarem o hebraico ynEB. bene “filhos de”, em lugar de tyBe bet.802

O final da primeira frase do v.33 estipula o tempo do estabelecimento da nova aliança:


“depois daqueles dias”. Ainda que a palavra ~wOy yom “dia” possa expressar, em alguns textos

bíblicos, a ideia de um período indeterminado de tempo, aqui no texto jeremino, contudo,


aponta um tempo específico, através do pronome pessoal masculino plural ~heh' hahem

“daqueles” (“depois daqueles dias”). Neste caso, a palavra ~ymiY"h; hayyamim “os dias”

refere-se especificamente ao período de rebeldia, apontado no v.32. A nova aliança se


iniciaria yrex]a; ’ahare “depois” da rebeldia de Israel. Isso permite afirmar que Jeremias

alimentava a esperança de que a nova aliança se iniciaria imediatamente após rebeldia dos
exílios de Israel e de Judá.

O estabelecimento da nova aliança implica no estabelecimento de uma nova lei:

Darei a minha lei no interior deles,

e sobre o coração deles a escreverei.

A primeira frase, “darei a minha lei no interior deles” (~B'r>qiB. ytir'AT-ta, yTit;n"), foi
traduzida pela LXX da seguinte forma: didou.j dw,sw no,mouj mou eivj th.n dia,noian auvtw/n,
“Eu certamente darei minhas leis na mente deles”. O texto grego traduziu a palavra hebraica
~B'r>qiB. beqirbam “no interior deles” como eivj th.n dia,noian auvtw/n “em sua mente”. O

termo br,q,qereb “interior” foi interpretado como uma metáfora para “mente” -

intencionalidade interior das pessoas.803 A segunda frase aprofunda o sentido da primeira. O


termo bleleb “coração” apresenta vários sentidos: “coração (carne), sentimento, desejo, razão

802
Veja BHS.
803
Bob Becking, Between Fear and Freedom. p.249. Confira H. Weippert, “Das Wort vom neuen Bund in
Jeremia xxxi 31–34”, em Vetus Testamentum, Leiden, E. J. Brill, vol.29, 1979, p.336–51; William L. Holladay,
Jeremiah 2, p.198.
225

e decisão de vontade”804. No caso do texto jeremiano, pode-se notar que bleleb é sinônimo
de br,q,qereb “interior”. É o que se percebe pela repetição das frases.

A primeira frase emprega a forma verbal !t;n" natan qal perfeito “dar”. Nota-se que o

texto refere-se ao futuro que se iniciaria “depois daqueles dias”. Provavelmente trata-se um
“perfeito profético”, ou seja, refere-se ao futuro a partir de uma ação já concluída no passado.
Realça-se a certeza do cumprimento da promessa. Assim, a forma verbal !t;n" natan qal

perfeito realça a nova lei escrita no coração humano como uma doação divina que certamente
ocorreria. A segunda frase emprega o verbo bt;K' katab qal imperfeito “escrever”. Portanto, a

nova aliança seria uma nova relação entre Javé e seu povo, iniciada por Javé a partir da
inserção da lei na personalidade interior das pessoas.805

A rigor, a palavra hr'ATtorah “lei” refere-se à “instrução”806. Trata-se do ensino que


revela a vontade de Deus e estipula as condições básicas para o relacionamento harmonioso
entre os homens. “Através da lei Deus mostra seu interesse por todos os aspectos da vida
humana...”.807 Em Os 8,1, transgredir a tyrIB. berit “aliança” significa se rebelar contra a

hr'ATtorah “lei” (cf. Sl 78,10). A “lei são, especificamente, as estipulações da aliança”808.


No livro de Oseias, a hr'ATtorah está intimamente associada aos princípios que regem

o relacionamento entre as pessoas, que foram violentamente usurpados por pessoas que
controlavam o sistema opressor político e econômico.809 Se considerarmos Jeremias como
herdeiro da profecia oseianica, não é difícil imaginar que a nova aliança prevê o
estabelecimento daqueles princípios que defendem veemente o bem estar das pessoas,
especialmente o das empobrecidas.

É importante destacar também que a hr'ATtorah estabelecida no Sinai não seria

cancelada pela nova aliança, embora o v.34 aponte certa descontinuidade entre a nova aliança

804
Hans Walter Wolff, Antropologia do Antigo Testamento, São Paulo, Editora Hagnos, 2007, p.67.
805
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.259; Thompson, Book of Jeremiah, p.581; Georg Fischer,
Trostbüchlein, p.256-265; Albertz, Exilszeit, p.259; Ralph W. Klein, Israel in Exile, p.64.
806
Nelson Kirst et. al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.265.
807
John E. Hartley, artigo yarah, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.662.
808
John E. Hartley, artigo yarah, p.662.
809
Veja Os 4,6, e, especialmente, Os 8,1.12, onde a transgressão da torah está associada com o surgimento de
uma monarquia corrupta.
226

e a aliança do Sinai, conforme veremos. Na verdade, a aliança sinaítica receberia uma nova
dimensão com a nova aliança. Seria a mesma hr'ATtorah “instrução/lei”. Mas, se na aliança
sinaítica ela foi inscrita e tábuas de pedra, na nova aliança ela seria escrita nas tábuas do
coração humano. Na antiga aliança, as ordenanças divinas foram apresentadas externamente;
na nova aliança essas ordenanças tornam-se um princípio interno de vida.810 Os mandamentos
divinos, inclusive aqueles referentes à proteção dos pobres e dos fragilizados, continuariam
em vigor! Essas ordenanças estariam no coração do novo povo de Javé. Assim, povo de Javé
e mandamentos de vida estão fortemente entrelaçados, na nova aliança. Por essa razão, é
possível afirmar que o anúncio da nova aliança não se choca com a mensagem de
arrependimento apregoada costumeiramente por Jeremias e por outros profetas pré-exílicos.811
Arrependimento sem hr'ATtorah “instrução” é sentimentalismo barato. Toda religião

elaborada sem hr'ATtorah conduz a distorções perigosas. Quando não existem princípios
norteadores, o individualismo tende a imperar, ameaçando assim o princípio da solidariedade.
A posse da terra prometida sem a hr'ATtorah pode conduzir a novas opressões. Por isso,
Jeremias anuncia o retorno à terra da promessa, mas no senso do arrependimento devidamente
fundamentado.812

O estabelecimento da nova aliança implica numa nova relação entre Deus e o seu povo,
expressada através da “fórmula da aliança”:

E serei para eles Deus,

e serão para mim povo.

De acordo com Weinfeld, a ‘fórmula da aliança’ procede da literatura sacerdotal,


e vale-se de uma terminologia legal estritamente relacionada com o casamento e com a
adoção.813 Hans Walter Wolff acredita que a terminologia de Os 1,9, “porque vós não
sois meu povo, nem eu serei vosso Deus”, constitui-se uma fórmula de divórcio.814 É
possível concluir que por detrás da “fórmula da aliança” exista uma fraseologia
empregada por ocasião dos casamentos do antigo Israel 815, quando o noivo era
declarado como pertencente à noiva e a noiva como pertencente ao noivo. Então, se Os

810
C. F. Keil, Prophecies of Jeremiah, Grande Rapids, Eerdmans, vol.21, 1960, p.38.
811
Contra Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant, p.217.220.
812
John Arthur Thompson, The Book of Jeremiah, p.574.
813
Weinfeld, Deuteronomy, p.80-81, citado por William L. Holladay, Jeremiah 1, p.262.
814
Hans Walter Wolff, Hosea, p.21.
815
William L. Holladay, Jeremiah 1, p.262.
227

1,9 expressa o rompimento da aliança metaforizado pelo divórcio entre Javé e Israel, a
“fórmula da aliança” de Jr 31,33c expressa o surgimento da nova aliança metaforizada
no novo casamento entre Javé e Israel. Convém ressaltar que, no primeiro casamento
(antiga aliança), Javé libertou Israel da escravidão do Egito816 e conduziu-o à terra da
promessa (Jr 11,4-5). No novo casamento (nova aliança), Javé novamente libertaria os
fragilizados dos sistemas imperialistas e monárquicos opressores, e lhes concederia a
posse da terra como meio de sobrevivência.817

O v.34 desenvolve dois aspectos fundamentais da nova aliança. Primeiramente, nota-se


a inexistência da mediação sacerdotal entre Deus e o povo.818 É o que se nota na primeira
frase do v.34. A partícula negativa al{ lo’ “não” e o advérbio dA[‘od “novamente”

enfatizam o rompimento da nova aliança com a velha ordem religiosa instituída no Sinai. 819 É
importante notar a forma verbal dm;l'lamad piel imperfeito “ensinar”. Em muitos outros
textos bíblicos, o objeto do verbo dm;l'lamad piel são os “estatutos e direitos” que revelam a

vontade de Deus (Dt 4,15; 5,31)820. Pode afirmar, assim, que o conteúdo do ensino é a hr'AT

torah “lei”. Os sacerdotes eram responsáveis pelo t[;D; da‘at “conhecimento” de Javé e pelo
ensino da hr'AT torah (Os 4,6; cf. Lv 10,11; Dt 33,10; Jr 18,18). Contudo, de acordo com o

texto jeremiano, não haveria mais ensino, e a inexistência do ensino necessariamente anula a
função sacerdotal. A nova aliança cancela o sacerdócio detentor de uma supremacia espiritual
privilegiada. Na antiga aliança, os sacerdotes e levitas desempenhavam a função de “mestre”,
na qualidade de mediadores entre Deus e o povo (2Cr 17,7-9; Ed 7,10; Jr 32,33).821 “Porém,
sob a nova aliança, não será necessário qualquer mediador para a comunicação da vontade de
Deus ao seu povo. Desde o menor até o maior, todos conhecerão ao Senhor
imediatamente.”822

As duas frases seguintes do v.34 continuam a afirmativa da primeira frase, negando a


reciprocidade do rm;a' ’amar qal infinitivo “dizer”: o xa'’ah “irmão” não mais diria ao
816
Em Jr 7,22-23 e 11,4 a “fórmula da aliança” está relaciona com a libertação do Egito.
817
Para a relação entra a “a fórmula da aliança” e a posse da terra prometida, veja também Jr 24,6-7; 32,38-41.
818
R. D. Potter, “New Covenant in Jeremiah xxxi 31–34”, em Vetus Testamentum, Leiden, E. J. Brill, vol.33, nº3,
1983, p.347-357; O. Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos, p.234.
819
“The construction dw[ al ‘no longer’, is attested several times in the Book of Jeremiah and especially in the
Book of Consolation as adevice for discontinuity.” Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.254.
820
Veja Dt 11,19; Sl 25,4.5.9; 119,12.26.64.66.68.108.124.135.171; 132,12; 143,10.
821
O. Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos, p.234.
822
O. Palmer Robertson, O Cristo dos Pactos, p.234.
228

outro: “conhecei a Javé” (hw"hy>-ta, W[D>). O ensino da hr'AT torah conduzia ao

‘conhecimento de Javé’. A raiz verbal [d;y yada‘ (qal imperativo) “conhecer” não expressa

informação intelectual, mas um conhecimento resultante de um relacionamento íntimo, como


de marido e mulher (Gn 4,1). É possível afirmar que “conhecer” Javé significa reconhecê-lo
como único ‘marido’ de Israel (veja o verbo l[;B' ba’al no final do v.32), o que implica,

necessariamente, obedecer a sua vontade estritamente relacionada com a prática da justiça


(veja Jr 22,15-17).823 No texto jeremiano, o verbo [d;y yada‘ está no imperativo. “Conhecer”

Javé é uma ordem. O ensino da hr'AT torah deveria conduzir ao relacionamento com Javé, o
que implicaria a prática dos preceitos prescritos nessa “lei”. Como no v.33, nesse v.34 o texto
de Jeremias refere-se implicitamente à aliança estabelecida no Sinal no tempo do Êxodo, e
novamente pode-se notar a influência da teologia de Oseias sobre ele824, especialmente pelo
uso do verbo [d;y yada‘, que em Oseias (como em Jr 31,34) está relacionado com a aliança e

com a libertação do Egito (Os 2.20 e 13.4; cf. 11.1). Contudo, na nova aliança, a ordem
sacerdotal, existente desde a época do êxodo, não mais existiria. O novo relacionamento entre
Javé e seu povo exclui o relacionamento entre o sacerdócio e o povo. De acordo com
Jeremias, o “irmão” não mais ensinaria ao outro os preceitos da lei e o conhecimento de Javé,
pois o texto diz:

Porque todos eles me conhecerão, dos menores até os maiores.

Os termos !joq' qaton “menor” e lwOdG qadol “maior” referem-se à faixa etária ou

possuem um sentido social? Em Jr 6,13, nitidamente essas palavras referem-se às crianças e


aos idosos (cf. Jr 6,11). Mas em Jr 5,5, o termo ~ylidoG> gedolim “grandes” contrasta-se com
~yLiD; dallim “pobres/fracos” (5,4), e possui um sentido social. Pode afirmar então que Jr

31,34 utiliza os termos !joq' qaton “menor” e lwOdG qadol no sentido social. A nova aliança

resulta numa nova relação comunitária.825

Conclui-se que, se não haveria mais necessidade do ensino informal entre ‘irmãos’,
muito menos necessidade haveria do ensino formal promovido pela ordem sacerdotal. A

823
Walter Brueggemann, A commentary on Jeremiah, p.293.
824
William L. Holladay, Jeremiah 2, p.19; Bernard P. Robinson, “Jeremiah’s New Covenant – Jer 31,31-34”,
p.184-204.
825
Walter Brueggemann, A commentary on Jeremiah, p.294.
229

inexistência da mediação sacerdotal entre Deus e o povo é uma consequência óbvia da nova
lei e da nova aliança mencionadas no v.33: já que a lei estaria no bleleb “coração” do povo
de Deus, não haveria mais necessidade dela ser ensinada por sacerdotes.826

Nesse sentido, existe descontinuidade entre a antiga aliança e a nova aliança.


Observando o adjetivo hv'd'x] hadaxah “nova”, no v.31, alguns estudiosos argumentam que

a nova aliança não seria outra aliança, mas uma aliança renovada, já que o adjetivo comporta
a ideia de algo “novo” em continuidade com o “antigo”.827 Porém, o v.32 já explicitou a
novidade da aliança proposta por Jeremias, em relação à antiga aliança: “não como a aliança
que estabeleci com os pais deles”. De fato existe continuidade entre a antiga aliança
estabelecida no Sinai e a nova aliança anunciada por Jeremias, mas só no sentido de que a
nova aliança possuiria as mesmas cláusulas da hr'AT torah, que, segundo nossa

interpretação, constituem-se os princípios norteadores de moralidade, justiça e solidariedade,


muito bem expressos na “lei de Moisés”.

A expressão hw"hy>-~aun> ne’um YHVH “dito de Javé” não consta na LXX, nem aqui no

v.34 nem em Jr 31,14.16.17.37.828 No entender da presente tese, esta fórmula simplesmente


realça que a promessa proferida é de origem divina.

O v.34c afirma a realidade do perdão na nova aliança. São duas frases:

Porque perdoarei a iniquidade deles,

e o pecado deles não lembrarei novamente.

Trata-se de duas frases poéticas. A poesia das frases realça a teologia do texto. A
primeira frase emprega a forma verbal xl;s' salah qal imperfeito “perdoar”. No Antigo

Testamento xl;s' salah é o único termo próprio para expressar o perdão, e sempre tem Javé

por sujeito.829 Na segunda frase, o verbo rk;z zakar qal imperfeito “lembrar” está

826
John Skinner, Prophecy and Religion, p.31.
827
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.260.
828
“This variant can either be due to the fact that a later redactor of the Hebrew text added this formula to
strengthen the divine legitimation of the words uttered or is the outcome of an abbreviation of the text in view of
the Botenformel that is present a few clauses further on.” Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.250. Veja
também Georg Fischer, Das Trostbüchlein, p.57-58.
829
J. J. Stamm, artigo salah, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario teológico– Manual del
230

acompanhado com o advérbio dA[‘od “novamente”. Dessa forma, a segunda frase enfatiza a

completude do perdão prometido. Assim, se a primeira frase afirma o perdão, a segunda


afirma que ele é completo.

Na primeira frase, o objeto do perdão é o substantivo !wO[' ‘avon “iniquidade”, enquanto


que na segunda o objeto é taJ'x; hatta’t “pecado”. O termo !wO[' ‘avon “iniquidade” também

pode ser traduzido como “culpa, castigo pela culpa”, expressando tanto o delito como os seus
efeitos830 (Jr 36,31; Lm 4,6.13.22). Já o termo taJ'x; hatta’t é a principal palavra para

expressar “pecado” no Antigo Testamento, e o seu sentido essencialmente “é o errar um alvo


ou um caminho”.831 A compreensão dessa palavra é importante no contexto da promessa
jeremiana aos israelitas do Israel/Norte. Isso porque, de acordo com a tese deuteronomista,
com a qual certamente Jeremias compartilhava832, o israelitas foram abandonados por Deus e
perderam a posse da terra por causa dos “pecados de Jeroboão” (1Rs 14,16; 15,30; 17,22-23;
veja também 2Rs 17,7). Por isso, pode-se deduzir que a promessa do perdão necessariamente
aponta à volta da terra da promessa.833

Para Oseias, o pecado é a falta de lealdade matrimonial, o que significa falta de


conformidade com um padrão ideal exigido por Deus.834 É bom destacar que, na teologia de
Oseias, considerada por esta tese como precursora da teologia de Jeremias, o padrão exigido
por Deus identifica-se com a implantação da “verdade” (tm,a,’emet), do “amor”

(ds,x, hesed) e do “conhecimento” (t[;D;da‘at) de Deus (Os 4,1). Para o profeta Oseias, a

ruptura da aliança com Deus está associada com a ruptura dos compromissos sociais. “Onde a
união religiosa com Yahweh não é mantida sagrada, nenhum casamento humano pode estar
protegido.”835

Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol. 2, 1985, col. 202.


830
Carl Schultz, ’avon, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores), Dicionário
internacional de teologia do Antigo Testamento, p.1086.
831
Elmer B. Smick, artigo hata’,em em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke
(organizadores), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, p.450.
832
A respeito da relação entre o livro de Jeremias e a literatuda deuteronomista, veja o capítulo 1 da presente
tese.
833
Para a relação entre perdão e restauração de Israel e Judá, veja Jr 33,1-13 (v.8) e 50,18-20.
834
Geerhardus Vos, Teologia Bíblica, p.335.
835
Geerhardus Vos, Teologia Bíblica, p.336. Apesar de reconhecer a relação entre a ruptura com aliança divina
na esfera religiosa e a ruptura dos compromissos humanitários na esfera social, Geerhardus afirma que a
condenação profética do pecado social “não tem sua raiz mais profunda em motivos humanitários”, mas sim,
relaciona-se principalmente com a “esfera religiosa” (p.333).
231

A “iniquidade”/“pecado” trouxe desgraça (exílios) sobre as terras palestinas. Mas a


palavra de perdão indica a reversão da desgraça para um estado de restauração. 836 O perdão
abre as portas para a esperança.

É importante também observar que a primeira frase do v.34c inicia-se com o termo yKi
ki “porque/pois”, que, neste caso, fundamenta o que foi dito no v.34a.b.837O ensino da lei
deixará de existir por causa do perdão divino. Muitos textos bíblicos apontam a ligação entre
o perdão divino e a intercessão sacerdotal (Lv 4-5; 19,22; Nm 15,25-28). Contudo, de acordo
com Jeremias, o perdão é prometido sem mediadores e sem sacrifícios. A razão do perdão não
são os sacrifícios, mas a graça divina. Isso é muito importante no contexto das promessas
salvíficas do texto jeremiano, já que o profeta de Anatote criticou veementemente o sistema
sacrificial praticado no templo de Jerusalém (veja Jr 7,21-23). O povo de Javé tem acesso a
Javé sem o sistema sacerdotal jerusalemita. Diferente da aliança sinaítica, a nova aliança
prescinde do sacerdócio como elemento intermediário entre Deus e o povo. Essa é a inovação
de Jeremias, em relação à antiga teologia do êxodo. Portanto, o v.34c afirma não somente o
perdão divino, mas o perdão divino que prescinde da mediação sacerdotal.

O Novo Testamento aplica Jr 31,31-34 à morte e à ressurreição de Cristo.838 Para o


cristianismo, a nova aliança aponta para acontecimentos que se cumpriram aproximadamente
seis séculos depois de Jeremias. Por isso, Jr 31,31-34 constitui-se um prenúncio do evangelho.
Essa aplicação da nova aliança jeremiana a Jesus não deve ser menosprezada (Lc 22,14).
Contudo, do ponto de vista hermenêutico, a profecia da nova aliança precisa ser interpretada,
primeiramente, em seu contexto veterotestamentário, para somente depois ser interpretado a
partir do horizonte neotestamentário. A presente tese focaliza Jr 31,31-34 no contexto do

836
“The author of Jer. 31:31–34 takes over or is influenced by the deuteronomistic view that the fall of both
Samaria and Jerusalem is due to the cumulation of sin and misconduct of the people of Israel. He, however, does
not take the events in 723 and 587 bce as the end of the relationship between Yhwh and his people. The renewal
and deepening of this relationship after the exile will only be possible when sins are forgiven.” Bob Becking,
Between Fear and Freedom, p.263.
837
A partícula ki “porque” não indica a motivação divina para entrar em uma nova relação com o ser humano,
mas sugere que o perdão divino inclui-se na nova relação. Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.250.
838
Para o uso de Jr 31,31-34 no NT, veja Robert P. Carroll, From Chaos to Covenant, p.215-223; E.E. Ellis,
“Biblical Interpretation in the New Testament Church”, em M.J. Mulder (editor), Mikra: Text, Translation,
Reading and Interpretation of the Hebrew Bible in Ancient Judaism and Early Christianity, Assen, van Gorcum,
1988, p.691-725; Donald E. Gowan, Eschatology in the Old Testament, Edinburgh, T. & T. Clark, 2000, p.78-
81. Veja também R. C. Steiner, “The two Sons of Neriahand the two Editions of Jeremiah in the Light of two
Atbash Code-Words forBabylon”, em Vetus Testamentum, Leiden, E. J. Brill, vol.46, 1996, 74-84.
232

Livro da Consolação (Jr 30-31). Mas não ignora a importância da leitura cristã que engloba Jr
31,31-34 no horizonte do canôn do Novo Testamento.

Convém concluir a análise das palavras salvíficas de Jr 31,31-34 a partir de algumas


constatações importantes da presente tese:

A antiga aliança acabou. Os preceitos requeridos nas cláusulas na aliança do Sinai, a


maioria deles apontando o compromisso social com os necessitados e a necessidade de um
relacionamento íntegro com o próximo, foram rompidos pela rebeldia daqueles que se
esqueceram do Deus libertador e adoraram falsos deuses. Deste modo, a aliança foi
desprezada por Israel, e consequentemente as cláusulas da aliança sinaítica foram anuladas.
Por isso, surge a necessidade de uma nova aliança. Isso implica a anulação de todo o sistema
sacerdotal e sacrifical, que, aliás, foi severamente combatido em outros trechos do livro de
Jeremias.

Existe uma relação indissolúvel entre a nova aliança e a posse da terra. Do ponto de
vista teológico, a antiga aliança está relacionada com a libertação do Egito e com a conquista
da terra prometida. Mesmo que os estudos histórico-críticos desassociaram a tradição êxodal
da tradição da terra prometida, contudo, do ponto de vista canônico geral da Bíblia, as duas
tradições estão unidas e são inseparáveis. A aliança estabelecida no monte Sinai foi
fundamentada na aliança outrora estabelecida por Deus aos patriarcas (Êx 2,24; 6,4; cf. Ag
2,5). Se considerarmos que o conteúdo principal da aliança abraâmica diz respeito à conquista
da terra prometida, pode-se inferir que a libertação do Egito necessariamente conduz à terra
da promessa. Sendo assim, não é difícil concluir que Jr 31,31-34, proponente de uma nova
aliança e de uma nova libertação, anuncia o reestabelecimento de Israel e Judá na terra
prometida. Isso pode ser evidenciado a partir da interpretação de Jr 31,31-34 à luz de todo o
conjunto do Livro da Consolação (Jr 30-31). Jr 30,3: “e eu os farei retornar à terra que dei
para os pais deles” (24,6-7; 32,38-41). O exílio do Norte reclamou uma nova compreensão da
aliança abraâmica, já que a descendência abraâmica desapareceu com as deportações assírias
no século 8 a.C. A nova aliança requer uma nova terra, sem assírios, sem babilônicos, sem
reis opressores. Estamos no tribalismo!

Jr 31,31-34 não apregoa uma renovação da aliança. A nova aliança estabelecida por
Deus não significa mera renovação da aliança. É uma nova aliança, no sentido de uma nova
dimensão da obra salvífica de Deus.
233

A nova aliança provém unicamente da graça de Javé. Movimentos religiosos


reformistas, como aquele promovido por Josias em 622 a.C., não são capazes de assegurar a
libertação.

“Nenhuma solução superficial – nem mesmo a reformas radicais de


Josias – remediará a idolatria flagrante e a corrupção descarada. Somente
uma Nova Aliança – um relacionamento estreito entre um Deus soberano
e Israel, seu povo – funcionará: ‘Eu serei o seu Deus, e eles serão o meu
povo’ (31.33). Como a Velha Aliança, a Nova é iniciada pelo Senhor
(v.31), uma expressão de sua soberania.”839

Pela nova aliança, Javé firma um compromisso permanente com seu povo. As
populações fragilizadas por tantos exílios recebem a promessa de que jamais seriam
abandonadas por Javé.840

É importante ainda destacar que numerosos estudos têm demonstrado a relação entre a
cerimônia de aliança mencionada na Bíblia e os tratados do Antigo Oriente Médio.841 Para a
compreensão do conceito de tyrIB. berit na teologia jeremiana no contexto do movimento

deuteronômico do século 7 a.C., faz-se necessário compreender a relação entre a aliança


descrita no Deuteronômio e a os tratados assírios datados do 1º milênio a.C. A título de
exemplo, pode-se mencionar o tratado de Esarhaddon aos seus vassalos, que ordena o ensino
do juramento aos filhos e netos dos vassalos, para que a lealdade ao império assírio fosse
perpetuada para as gerações seguintes, assemelhando-se assim com a aliança deuteronômica
que determina o ensino do juramento aos filhos dos israelitas (Dt 29,10-15[9-14]; veja Dt
5,2-4).842 Considerando que a promessa da nova aliança foi dirigida originalmente à “casa de
Israel” (Norte), e considerando ainda que os israelitas foram massacrados pelo imperialismo
assírio, é possível supor que a nova aliança se constituía um desprendimento da ideologia
assíria e de todo tipo de monarquia opressora.

3.3 – Considerações Finais

839
William S. Lasor, David A. Hubbard e Frederic W. Bush, Introdução ao Antigo Testamento, São Paulo,
Edições Vida Nova, 1999, p.381.
840
Bob Becking, Between Fear and Freedom, p.263.
841
M. Weinfeld, berit, p.266-270.
842
M. Weinfeld, berit, p.269.
234

Pela análise dos conteúdos de Jr 30-31, este capítulo constatou que as promessas de
salvação nesse trecho literário apresentam um projeto de esperança para aqueles grupos
sociais oprimidos e espoliados pelo imperialismo assíro-babilônico e pelo sistema monárquico
vigente em Judá no final do século 7 e início do século 6 a.C.

Jr 30-31 é um texto que confirma a desmilitarização e a desurbanização de Jerusalém


ocorridas em 597 e 587 a.C., já que esse novo cenário político e econômico favoreceu os
desprestigiados da Palestina. Desse modo, a salvação de Jr 30-31 apresenta-se como um
projeto social que almeja estruturar, naquele contexto específico, uma nova sociedade,
tribalizada, livre do jugo monárquico e dos imperialismos, e assim defende a posse da terra
aos camponeses que sofreram espoliações do império assírio e dos reis judaítas. O juízo
divino significava o destronamento dos reis de Judá e dos grandes monarcas da Assíria e
Babilônia, e necessariamente desembocava no tribalismo que defendia a terra como meio de
produção e subsistência. Era um novo tempo, não somente para os camponeses oprimidos de
Judá, mas também para os empobrecidos do Israel/Norte.
235

Capítulo 4. A relação entre a salvação e o tribalismo no livro de


Jeremias

Introdução

A questão a ser respondida nesse último capítulo é a seguinte: será que há outros textos no
livro de Jeremias que revelam o vínculo entre as palavras salvíficas e os anseios de
reconstrução tribal? Caso a resposta a essa questão seja positiva, confirma-se uma vez mais os
apontamentos da presente tese, qual sejam, as expectativas salvíficas geridas e desenvolvidas
pela profecia jeremiana relacionam-se diretamente com o soerguimento de uma sociedade
justa e fraterna basilarmente estruturada nos valores do sistema tribal vigente nas camadas
sociais não-periféricas da antiga Palestina.
Inicialmente o objeto de análise deste capítulo será Jr 1,4-19 e a estruturação verbal
proponente de ‘destruição’ e ‘reconstrução’ em Jr 1,10; 18,7.9; 24,6; 31,28; 42,10 e 45,4.
Depois, analisar-se-á o significado da conversão conforme apresentada em Jr 3,1 – e 4,1 e sua
relação com a crítica social.
Finalmente, será apresentada uma análise em Jr 23,5-6, na tentativa de perceber o modo como
a expectativa do tribalismo foi realçada pela expectativa da queda da monarquia de Judá.

4.1 – A profecia de Jeremias e sua relação com o tribalismo – Palavras de ameaça e


salvação em Jr 1,4-19
Jr 1,4-19, precedido pelo cabeçalho do livro (1,1-3), é constituído por quatro unidades
literárias843: v.4-10; v.11-12, v.13-14, v.15-19. As primeiras três unidades são encabeçadas
844
pela “fórmula do evento da palavra” (“e aconteceu a palavra de Javé para mim”): v.4-10
(v.4); v.11-12 (v.11) e v.13-14 (v.13). A quarta unidade inicia-se no v.15 pela expressão ynIn>hi

yKi ki hinni “porque eis que”. Essa expressão hebraica é um ‘grito’ profético, chamando a
atenção para os conteúdos apresentados a seguir, nos v.15-19. Essa identificação das unidades
literárias pode ser confirmada quando percebemos o gênero e a constituição literária de cada
uma delas:

843
A BHS estrutura Jr 1,4-19 em três unidades literárias: v.4-10; v.11-12, v.13-19.
844
Essa é a designação que foi proposta por Milton Schwantes, nas aulas do Programa de Pós-graduação Stricto
Sensu em Ciências da Religião na Universidade Metodista de São Paulo, no 2º semestre de 2011.
236

1) Jr 1,4-10 é o relato de vocação845 de Jeremias.


2) Jr 1,11-12 e 1,13-14 são dois relatos visionários que complementam o
relato da vocação.
3) Jr 1,15-19 é uma expansão das duas visões de Jeremias, mais
especificamente da segunda visão (v.13-14), já que alude à vinda dos inimigos das
“tribos dos reinos do Norte” (v.15), mencionados nos v.13-14.

Portanto, Jr 1,4-19 é um texto compósito, constituído por várias unidades literárias.


Inicialmente, analisaremos Jr 1,4-10, para depois estabelecermos uma relação com 1,11-12;
1,13-14 e 1,15-19, observando as ameaças e as promessas de salvação nessas perícopes, na
tentativa de percebermos se a vocação de Jeremias desenvolve a relação entre o profeta e o
tribalismo.
Jr 1,4-10 inicia-se com uma referência ao hw"hy>-rb;d> debar YHVH “palavra de Javé” (v.4).

Esta expressão é uma marca literária que estrutura o 1,4-19, conforme já observamos acima
(1,4.11.13). Do mesmo modo como em Jr 30,1, o rb'D dabar não é só ‘fala’. É muito mais

do que isto. Trata-se de um acontecimento, um “caso” ou uma “coisa”846. Na antiga


mentalidade hebraica, não se pode separar palavra e coisa, o representado e o real847. Em 1,1,
Why"m.r>yI yreb.DI dibrey yirmeyahu “palavras de Jeremias” certamente refere-se não somente à
fala de Jeremias, mas também aos seus “atos”. Semelhantemente, 1Rs 14,19 alude aos yreb.DI
dibrey “atos de” Jeroboão. Portanto, rb'D dabar é um ato. Isso pode ser confirmado pelo

verbo que precede o rb'D dabar , no início do v.4: hyh' hayah qal vav consecutivo perfeito

“ser/acontecer”. Este verbo não expressa um “ser” estático, mas um acontecimento histórico e
dinâmico.848 Portanto, no v.4, a “palavra” de Javé acontece. Trata-se de um evento que, no
v.5, constitui-se a consagração de Jeremias.
O v.5 é constituído por três frases. As duas primeiras iniciam-se pelo advérbio ~r,j, terem

“antes”:
Antes que te formasse no ventre, te conheci ,

845
Veja Robert P Carrol, From Chaos to Covenant, p.31-58; Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento,
tradução Francisco Catão, São Paulo, ASTE/Targumim, 2ª edição, 2009, p.489-507.
846
Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.46.
847
Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, p. 517-533.
848
Milton Schwantes, História de Israel – Local e origens, São Leopoldo, Faculdade de Teologia, 1984, p.154
(Série exegese; vol.7, nº1).
237

e antes que saísse do útero, te consagrei,


profeta para os povos dei-te.

A repetição das frases tende à poesia. A primeira frase diz que Javé conhece o profeta antes
de sua formação no ventre materno. No caso, Javé formou (rc;y yasar qal imperfeito

“formar/dar molde”) o profeta no útero de sua mãe. Mas, bem antes disso, Javé diz
“conhecer” ([d;y yada‘ qal perfeito) Jeremias. A raiz verbal [d;y yada‘ (qal perfeito) alude a

um conhecimento íntimo, como o de marido e mulher (Gn 4,1). Entretanto, no mundo antigo,
o verbo também expressava reconhecimento da legitimidade de um suserano sobre um
servo.849 De fato, esse parece ser o sentido em 2Sm 7,20. Deus afirma “conhecer” Davi, ou
seja, reconhece-o como um servo legítimo. Mas não se trata de mera servidão, obviamente.
No caso da relação Javé-profeta, portanto, o verbo refere-se à intimidade entre o portador da
palavra e o autor da palavra, bem como à declaração de autoridade, procedente do autor da
palavra, sobre o portador da palavra. Deus reconhece que Jeremias é seu servo, e que a
relação com seu profeta é caracterizada pela intimidade; e essa intimidade acontece muito
antes da concepção do profeta no útero de sua mãe. Mas também é preciso notar que [d;y
yada‘ também tem o sentido de “escolher” alguém para determinada tarefa (veja Gn 18,19!).
Então, quando Deus diz que Jeremias é conhecido por Deus, está afirmando que tem um
relacionamento íntimo com o profeta, reconhece-o como servo e escolheu-o para uma missão,
desde os tempos imemoráveis.
A consagração do profeta é realçada de forma mais específica na segunda frase. Aí o foco é o
vd;q' qadax hifil perfeito “consagrar” (“separar/santificar”) de Jeremias. Neste caso, refere-se

ao “separar” do profeta para uma função específica. É bom que se lembre de que no Antigo
Testamento a raiz verbal vd;q' qadax não tem o sentido moral de apartar-se do pecado, mas de

separar algo ou alguém para uma função especial, para o uso divino. Portanto, “separar” não
sugere um isolacionismo, mas sim, uma separação com fins de participar de uma construção.
Nesse sentido, Deus separa/santifica objetos (2Cr 29,19), oferendas (Lv 22,2), cidades (Js
20,7) e pessoas (1Cr 23,13). A consagração do profeta tende para o cotidiano. A vocação
profética “não é para dentro, intimista, é um chamado para fora, para ir à luta em campo
aberto”850.

849
William L. Holladay, Jeremiah 1,p.33.
850
Airton José da Silva, Nascido Profeta, p.49.
238

Pelas duas primeiras frases do v.5, percebe-se que Jeremias foi consagrado ao exercício
profético muito antes de sua formação no ventre de sua mãe. Jamais existiu uma época em
que Jeremias não fosse profeta. A profecia jeremiana surgiu muito antes de Jeremias existir no
ventre de sua mãe! Contudo, apesar de afirmar a consagração de Jeremias à profecia, o texto
ainda não caracterizou a função profética. Jeremias é consagrado para o quê? Ora, a última
frase do verso 5 responde: “profeta para as nações dei-te”. Essa terceira frase é muito
importante. Constitui-se o ponto culminante das duas frases anteriores. Javé afirma que deu
(!t;n natan qal perfeito “dar”) Jeremias como “profeta para as nações”. A palavra aybin" nabi’

“profeta” provavelmente relacionava-se com o acádico nabû “chamar”, “anunciar”, “nomear”.


O profeta era chamado à ação de profetizar. Mas a ação é muito mais passiva do que ativa, já
que o aybin" nabi’ sofria uma ação divina.851 Ao profeta, a recusa para o chamado era proibida

pelo próprio Deus. A ação do profeta não dependia da iniciativa humana, mas somente da
ação divina. No caso de Jr 1, a ação profetizadora de Jeremias não dependia de sua
incapacidade de falar (veja o v.6); o chamado de Jeremias dependia unicamente da ação de
Javé sobre ele. Por isso, a rigor, pode-se afirmar que o aybin" nabi’ era alguém

“chamado/convocado” para uma missão concreta. Mas a questão persiste: qual era a missão
de Jeremias?
Nota-se que Jeremias foi constituído profeta ~yIAGl; laggoyim “para os povos”. Reforça-se que

constatamos na segunda frase: Jeremias é consagrado profeta para uma ação na história. O
profeta não é ‘santificado’ para restringir-se ao âmbito sagrado. O profetismo jeremiano tende
à história cotidiana.
A afirmativa desenvolvida no v.5 é muito importante no contexto do livro de Jeremias. Pois
os ‘falsos profetas’ opositores de Jeremias normalmente estavam comprometidos com os
ideais da monarquia de Judá (Jr 28,1-4), e com isso eram cúmplices das opressões
indiscriminadamente cometidas em Jerusalém. No dizer de Jr 23,14, eles “fortalecem as mãos
dos perversos”. Jeremias, no entanto, não está comprometido com o sistema monárquico
opressor. O seu compromisso é com Javé, e foi consagrado por ele antes do seu nascimento.
É necessário avançar na interpretação dos versos 6-10, para a correta compreensão do termo
aybin" nabi’ “profeta”, nos moldes de Jeremias.

851
Samuel Amster at. al., Os profetas e os livros proféticos, São Paulo, Paulinas, 1992, p.15-16; José Luis Sicre
Diaz, Profetismo em Israel – O profeta, os profetas, a mensagem, Petrópolis, Vozes, 1996, p.81-90.
239

O v.6 é a objeção de Jeremias ao chamado divino. O relutar contra a vocação divina, aliás, é
uma das tipicidades dos relatos de vocação (veja Êx 4-5). Como Moisés (Êx 4,10) e Gideão
(Jz 6,15), Jeremias não aceita imediatamente sua vocação. No fim do v.6, lê-se a justificativa
da objeção: “Eis que eu não sei falar, pois um menino eu sou”. Ora, o verbo rb;D' dabar

“falar” está conjugado no grau piel (rBeD; dabber), que expressa intensificação, podendo ser

traduzido por “mandar”, “ameaçar”, e, curiosamente, também apresenta o sentido de


“prometer”852. No cerne do verbo, está a disparidade entre o ameaçar e o prometer! Contudo,
a análise dos versos 7-10 demonstrará que o falar profético jeremiano é, em primeira
instância, ameaçador. Jeremias, que no décimo terceiro ano do reinado de Josias (1,2) teria
aproximadamente 20 anos de idade853, sente-se incapaz de promulgar uma palavra de juízo
contra as pessoas mais velhas. É verdade que na antiga cultura judaica a maioridade era
reconhecida depois dos trinta anos de idade. Entretanto, o temor de Jeremias não se deve à sua
jovialidade.854 Na verdade, o que Jeremias teme é o caráter da mensagem de Javé. Em sua
autocompreensão, Jeremias é um r[;n: na‘ar “menino”. Neste caso, o r[;n: na’ar não é um

incapaz na fala, mas um inapto para transmitir uma palavra de juízo. Ao menos, essa é a
percepção que o profeta tem de si mesmo.
A fala de Javé nos v.7-10 contrapõe a objeção de Jeremias. No v.7, lê-se:
Não digas ‘um jovem eu sou’.
Pois para todo o que enviar, irás,
e tudo que mandar, falarás.

O v.7 caracteriza a função profética. Depois da contraposição de Javé (“Não digas ‘um jovem
eu sou’”), leem-se duas frases repetidas, nos moldes da poesia hebraica. Na primeira frase, o
foco está no envio do profeta: xl;v' xalah qal imperfeito “enviar”. No caso, o enviado é

aquele que caminha/anda: %l;h' halak qal imperfeito “ir”. A raiz verbal xl;v' xalah “enviar”

é um termo técnico para se referir à vocação dos profetas.855 Isaías, por exemplo, dispõe-se a

852
Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p. 46.
853
Se considerarmos o 13º ano de Josias (627 a.C.) referido em Jr 1,2 como uma referência não ao nascimento de
Jeremias, mas à sua vocação.
854
Essa é a interpretação comumente aceita de Jr 1,6. Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.6-7; William L. Holladay,
Jeremiah 1, p. 35.
855
Milton Schwantes, Da provocação à provação, p.309. Milton observa que o verbo xalah “enviar” refere-se
ao envio de uma pessoa (por ex., Gn 32.3-4.; 37.13-14.), e de igual modo, Deus envia seus mensageiros (Êx
3.14-15.; 4.13.28; 5.22; 7.16; Nm 16.28s.; Dt 34.11; Js 24.5; 1Sm 12.8; Mq 6.4; Sl 105.26). Regularmente esse
verbo é aplicado quando se trata de profetas: Natã (2Sm 12.1, Gade (2Sm 24.13, Elias (2Rs 2.2, 4, 6; Ml 3.23),
240

ser enviado (ynIxl


e 'v. xelaheni qal imperfeito de xl;v' xalah “enviar”: “envia-me”, Is 6,8). O

texto de Is 6 não emprega o verbo aB'nI nibba’ “profetizar”, nem o substantivo aybin" nabi’

“profeta”. Milton Schwantes diz: “Parece que os profetas, em geral, não gostavam de ser
chamados de profetas (Am 7,14-15!). No caso de Isaías só sua esposa é designada de profetiza
(Is 8.3); ele é enviado.”856 Portanto, Jeremias é um enviado, um representante de Javé.
A segunda frase descreve a ordem de Javé: lê-se a forma verbal hwc' savah piel imperfeito

“mandar”, explicada pelo verbo seguinte, rBeD; dabber piel imperfeito “falarás”. E reaparece

o piel “falar/ameaçar” (v.6). A ordem de Javé impulsiona Jeremias a “falar” (rb;D' dabar).

Assim, o falar profético é confrontador; acontece “diante das faces” (v.8) dos seus
interlocutores.
Então, surge a promessa de Javé no v.8:
Não temas diante deles,
pois estou contigo para te salvar857,
dito de Javé.

Ora, “deles” é uma referência aos ~yIAG goyim “nações” do v.5. A expressão “não temas

diante deles” (~h,ynEP.mi ar'yTi-la; ’al-tira’ mippenehem) é similar a “não te assustes diante

deles” (~h,ynEP.mi tx;Te-la; ’al-tehat mippenehem), do 17. No contexto dos v.15-19, “deles” é

uma referência às “cidades de Judá” (v.15b). No v.18, a identificação é mais específica: são os
~ykil'm. melakim “reis”, os ~yrIf' sarim “oficiais, os ~ynIh]Ko kohanim “sacerdotes”, e o #r,a'h'

~[; ‘am ha’ares “povo da terra”. Os inimigos de Jeremias são setores específicos da

sociedade judaíta. No contexto da antiga Judá, os ~yrIf' sarim eram os “oficiais” que

comandavam as forças armadas do rei; os ~ynIh]Ko kohanim “sacerdotes” eram os ‘funcionários

do templo que impunham seus interesses através da arrecadação tributária. O #r,a'h' ~[; ‘am
ha’ares “povo da terra”, por sua vez, eram os agricultores mais abastados de Judá, e exerciam
uma grande influência política sobre a monarquia de Jerusalém (confira 2Rs 21,24; 23,30).

Isaías (Is 6.8), Jeremias (Jr 1.7; 19.14; 25.15, 17; 26.12, 15; 42.5, 21; 43.1s.), Ezequiel (Ez 2.3s.; 3.6), Ageu (Ag
1.12), Zacarias (Zc 2.12s, 15; 4.9; 6.15), profetas em geral (Jz 6.8; Is 42.19; 48.16; 61.1; Jr 7.25; 25.4; 26.5; Ml
3.1; 2Rs 17.13; 2Cr 24.19; 25.15; 36.15, cf. Sl 107.20; 147.15, 18).
856
Milton Schwantes, Da provocação à provação p.309.
857
lc;n nasal hifil infinitivo.
241

A mensagem jeremiana questionou severamente as práticas corruptas da monarquia davidita


(Jr 22,13-19). Por essa mensagem, o profeta foi terrivelmente perseguido (veja Jr 20,1-6!).
Mas a palavra de Javé em Jr 1,8 conforta Jeremias.
A segunda frase de 1,8 diz: “pois estou contigo para te salvar”. Neste caso, a forma verbal
lc;n nasal hifil infinitivo “salvar” refere-se ao livramento do profeta das mãos dos setores

opressivos da sociedade judaíta (veja o v.19 e 15,20). Sim, aqueles que ousadamente
confrontam as entidades políticas opressoras sobreviverão as mais terríveis catástrofes e terão
sua vida como despojo (veja Jr 39,15-18; 45,5). As elites de Jerusalém não destruir a vida do
nosso profeta.
No v.9, antes de Javé “enviar” Jeremias para a missão profética (xl;v' xalah “enviar”, no

v.7), ele envia sua mão para colocar suas palavras sobre a boca do profeta: “E enviou858 Javé a
sua mão e tocou-me sobre a minha boca”. Emprega-se o verbo xl;v' xalah qal vav

consecutivo perfeito “enviar”, no sentido de “estender”. Ser enviado por Javé significa ser
tocado por Javé. Essa ideia é desenvolvida na última frase do v.9: “Eis! Dou as minhas
palavras em tua boca”. Para o sentido de “colocar” as palavras (de Javé) na boca do profeta,
esperar-se-ia o verbo hebraico ~yvi xin “pôr”, como usualmente é encontrado em textos que

descrevem a missão profética (Nm 23,5; Is 51,16).859 No entanto, o verbo !t;n natan qal

perfeito “dar” é empregado aqui para apresentar Jeremias nas categorias de Dt 18,18: profeta
é aquele em cuja boca foram dadas as palavras de Javé. Além disso, o mesmo verbo é usado
na última frase do v.5, onde se diz que Javé deu o profeta para os povos. Mas, que “palavras”
são essas? O v.10 defini-las-á.

O v.10 é o ápice da subunidade iniciada no v.4. Esse verso é uma continuidade dos versos
anteriores. A forma verbal haer> re’eh qal imperativo “veja”, no início, corresponde ao hNEhi
hinneh “eis” que inicia a última frase do v.9. Indica-se algo, a saber:
Estabeleço-te neste dia contra os povos,
e contra os reinos,

O verso refere-se ao “estabelecer” (dq;P' pagad hifil perfeito) do profeta. Este é um termo que

descreve o comissionamento de oficiais do governo: as autoridades políticas determinavam

858
xl;v' xalah qal vav consecutivo perfeito “enviar”, “estender”.
859
William L. Holladay, Jeremiah 1, p.36.
242

seus representantes em determinado território (Jr 40,11). Mas, no caso de Jr 1,10, não são os
“povos/reinos” que estabelecem seus oficiais, mas sim, Javé.
É preciso compreender o significado de ~yIAGh; haggoyim “os povos” e de tAkl'm.M;h;
hammamlakot “os reinos”. A palavra yAG goy “povo”, como já foi observado na análise de Jr

30,10-11, aponta “para uma entidade política e estatal consolidada”860. Assim, a vocação
profética confronta as instâncias governamentais: nota-se novamente a preposição l[; ‘al

“contra/sobre” (como no v.7). No cerne da comissão profética está o juízo de Javé contra os
“povos/reinos”. No caso, “povos/reinos” não são termos abstratos, como se estivessem
referindo-se a qualquer instância governamental, antes, são os diversos setores da sociedade
judaíta que corroboravam as práticas opressoras em Judá. Eles são os inimigos de Jeremias
(1,8.15-19).
Em vista destas considerações, é razoável supor que os quatro primeiros verbos infinitivos do
v.10b devem ser situados em relação a esses grupos sociais opressores, enquanto que os dois
últimos verbos provavelmente referenciam outros grupos:
para arrancar861,

e para derrubar862,

e para fazer destruir863,

e para demolir864,

para construir865,

e para plantar866.

Se os verbos db;a' ’abad hifil infinitivo “destruir” e sr;h' haras qal infinitivo “demolir”

forem considerados adendos posteriores, como em 18,7; 24,6 e 31,28 867, teríamos a seguinte
composição verbal no v.10:

860
Milton Schwantes, Da provocação à provação, p. 105.
861
vt;n natax qal infinitivo “arrancar”.
862
#t;n natas qal infinitivo “derrubar”, “demolir”, “quebrar”.
863
db;a' ’abad hifil infinitivo “destruir”.
864
sr:h' haras qal infinitivo “demolir”.
865
hnB' banah qal infinitivo “construir”.
866
[j;n nata‘ qal infinitivo “plantar”.
867
BHS; Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.4; Robert P. Carrol, From Chaos to Covenant, p.55-58; William L.
243

para arrancar (vAtn>li lintox)

e para derrubar (#Atn>liw> velintos)

para construir (tAnb.li libnot)

e para plantar ([;Ajn>liw> velintoa‘)

De qualquer modo, mesmo se a disposição verbal do v.10 incluir os verbos db;a' ’abad

“destruir” e sr;h' haras “demolir”, é necessário considerar os verbos hnB' banah qal

infinitivo “construir” e [j;n nata‘ qal infinitivo “plantar” separadamente. Isso porque o foco
é o juízo divino. Contudo, no final, a última palavra é de esperança. Portanto, a disparidade
entre a ameaça e a promessa, já expressa no verbo “falar” (rBeD; dabber piel, nos v.6.7), é

novamente encontrada na composição verbal do v.10. Por isso, recomenda-se manter a


disposição dos verbos do TM.
É notável que os últimos dois verbos estão alocados de forma bastante isolada. Flagrante é
ausência do vav conectivo “e” antes da forma verbal tAnb.li libnot qal infinitivo “para

construir”, o que denota uma descontinuidade em relação aos verbos anteriores. O vav aparece
na sequência dos verbos que se referem ao juízo divino. Ou seja, os verbos #t;n natas

“derrubar”, db;a' ’abad “destruir” e sr;h' e haras “demolir” estão intimamente conectados
com o verbo inicial, vt;n natax “arrancar”. O vav aparece novamente antes do verbo [j;n
nata’ “plantar” ([;Ajn>liw> velintoa’ “e plantar”), conectando esse verbo com o anterior (hnB'

banah “construir”). Infere-se daí que a mensagem jeremiana compõe-se por dois elementos
bastante distintos: ameaça e promessa. Pelo que já constatamos anteriormente, a mensagem de
ameaça é endereçada especificamente às “nações” e aos “reinos”, as elites de Judá
comprometidas com as opressões sociais. Por uma simples leitura no livro de Jeremias pode-
se constatar que a mensagem do profeta constitui-se em denúncias e ameaças contra tais
setores governamentais de Judá. Há poucos textos jeremianos proponentes de salvação divina.
Um deles é o Livro da Consolação (Jr 30-31), objeto de pesquisa da presente tese.
O juízo divino era o conteúdo do primeiro e do segundo rolos ditados por Jeremias para
Baruque (veja Jr 36). É importante notar que, nos “oráculos contra as nações” (Jr 25,13b-38),

Holladay, “Prototype and Copies – A New Approach to the Poetry-Prose Problem of the Book of Jeremiah”, em
Journal of Biblical Literature, Philadelphia, The Society of Biblical Literature and Exegesis, vol.79, 1960, p.363.
244

as palavras de juízo não são dirigidas contra as pessoas de modo geral, mas contra as “nações”
(25,13), contra “Jerusalém”, contra as “cidades de Judá” e “seus reis” (25,18).
Estes seriam os setores ameaçados em 1,11-12; 1,13-14 e 1,15-19?
As duas visões de Jr 1,11-12 e 1,13-14 anunciam o juízo divino. O ponto que nos interessa é a
identificação daqueles que são ameaçados nos ditos de Jeremias. Há uma pista na segunda
visão. A “panela fervendo” derrama-se “a partir do Norte” (1,13), e seu líquido fervescente
mortal atinge a terra de Judá. O v.14 desenvolve essa afirmativa. De início, citemo-lo na
versão ARA:
“Disse-me o Senhor: Do Norte se derramará o mal sobre todos os habitantes da terra.”
O termo h['r'h' ha-ra‘ah “o mal” certamente é uma referência à vinda dos exércitos da

Babilônia contra Jerusalém, que tanto perturbou Judá entre os anos 605 e 587 a.C. (Jr 21,10;
39,16; confira 42,10.17; 44,11.27.29). Também parece haver uma memória do ataque da
Assíria contra Judá, de 701 a.C., quando 46 cidades de Judá foram arruinadas 868,
permanecendo somente Jerusalém. Isso explicaria as afirmações do v.15b: a h['r'h' ha-ra‘ah

não adentra Jerusalém, mas só chega na “entrada dos portões de Jerusalém” (~l;iv'Wry> yre[]v;
xt;P, petah xa‘are yeruxalam); em contrapartida, “todas as cidades de Judá” (hd'Why> yre['-
lK' kol ‘are yehudah) parecem ser arruinadas pela ameaça. Portanto, em 1,15-16 lê-se a

ruína de Judá pelo ataque dos exércitos babilônicos a partir da memória do ataque assírio do
século 8º.
Para as articulações da presente tese, é de fundamental importância a compreensão da
expressão #r,a'h' ybevy. O yoxbe ha-’ares, traduzida pela ARA como “habitantes da terra”. No

caso, o texto descreve a destruição da totalidade desses “habitantes”: “todos” (lK' kol) seriam

arruinados. À primeira vista, parece que o juízo divino atinge a todos os moradores da terra,
indistintamente.
No entanto, é preciso indagar sobre o real sentido do termo ~ybiivy. O yoxbim nesse texto

jeremiano. Seriam “habitantes”, como referência geral aos “moradores da terra”?


Para responder a essa questão, a presente tese recorre às pesquisas de Norman Gottwald.
Valendo-se dos estudos de Cross e Freedman, Gottwald sugere que a raiz bvy yxb “assentar”

868
VV.A.A., Israel e Judá – Textos do Antigo Oriente Médio, São Paulo, Edições Paulinas, 1985, p.75-76
(Documentos do mundo da Bíblia; 2); D. Winton Thomas (editor), Documents from Old Testament Times,
London, Thomas Nelson and Sons Ltd, 1958, p.64-69.
245

(esse é o sentido literal do verbo bv;y yaxab) evoluiu para o idiomatismo “que se senta no

trono”, referindo-se assim ao rei, e ganhando a significação de “governar”. 869 A análise de


Gottwald privilegia a forma participial. Em Is 10,13, por exemplo, ~ybivA. y yoxebim qal

particípio “aqueles que se assentam” identificam-se com a liderança política dos “povos”
(~yMi[; ‘ammim) que se levantam em oposição ao domínio da Assíria sobre a Síria-Palestina

(veja Is 10,13-14); portanto, ~ybiv.Ay yoxebim pode ser traduzido como “governantes”.870 Por

essa razão, a ARA acertadamente traduz o particípio ~ybiv.Ay yoxebim como “os que se

assentavam em tronos”.
A pesquisa de Gottwald também constatou que bv.Ay yoxeb (particípio singular) ou ~ybiv.Ay
yoxebim (particípio plural) não aplica-se somente aos reis, mas a todas aquelas classes
compromissadas com o aparado político das monarquias, como os príncipes, militares, juízes
e funcionários de graduação não específica.871 Segundo a pesquisa de Gottwald, bv.Ay yoxeb /

~ybiv.Ay yoxebim, nas fontes do período pré-monárquico de Israel, designava os reis e os

funcionários do sistema estatista das cidades-estados de Canaã, e quando Israel desenvolveu o


seu próprio sistema monárquico, “o termo foi cada vez mais aplicado a funcionários israelitas
no aparato do estado e, ocasionalmente, referido a pessoas do poder nas camadas
socioecononômicas superiores, independentemente de elas ocuparem cargo político”872.
Dentre as passagens estudadas por Gottwald873, interessa-nos duas de Jeremias, Jr 12,4 e Jr
25. Esses textos foram analisados por ele, e podem influenciar decididamente na interpretação
dos ~ybiivy. O yoxbim mencionados em Jr 1,14.

Jr 12,4:
“Até quando estará de luto a terra,
e se secará a erva de todo o campo?
Por causa da maldade dos que governam nela (Hb'-ybevy. O yoxebe-bah),

perecem os animais e as aves;


porquanto dizem: Ele não verá o nosso fim.”

869
Norman Gottwald, As tribos de Iahweh, p.518-520.
870
Norman Gottwald, As tribos de Iahweh, p.520-521.
871
Norman Gottwald, As tribos de Iahweh, p.536.
872
Norman Gottwald, As tribos de Iahweh, p.537.
873
Veja a análise realizada por Gottwald do uso do termo yoxebim em várias passagens dos Profetas e dos textos
históricos: Norman Gottwald, As tribos de Iahweh, p.520-535.
246

A expressão Hb'-ybevy. O yoxebe-bah, usualmente traduzida como “os que habitam nela”, na

verdade deve ser traduzida como “os que governam nela”, já que a oração de Jeremias
focaliza os “ímpios” e “traidores” (Jr 12,1), e esses certamente são “o rei, provavelmente
Joaquim, como também o seus funcionários, os quais constantemente desdenhavam o profeta
e sua mensagem”874.

Jr 25
O juízo divino é dirigido especificamente aos reis e governantes (25,17-26), o que reforça o
argumento de Gottwald para se ler em 25,9 “Eu vou trazê-los [isto é, Nabucodonosor e seus
exércitos] contra este país [Judá] e seus governantes (yoxebeha)”, como também em 25,29:
“Vós [isto é as nações estrangeiras] não ficareis impunes, pois estou convocando a espada
contra todos os governantes da terra (yoxebe ha-’ares).”[itálico nosso]875 Do mesmo modo,
em Jr 50,35; 51,1.12.24.35 os ~ybiivy. O yoxbim devem ser identificados com “aqueles que

governam”, já que a destruição recaí particularmente sobre o rei da Babilônia e seu séquito
palaciano (50,18.26.35-38; 51,3.20-23.30-32.46.56-58).876
Parece haver outros textos de Jeremias, não analisados por Gottwald, nos quais o termo bv.Ay
yoxeb / ~ybiv.Ay yoxebim apresenta-se como referência aos governadores e às autoridades

políticas. É preciso observar alguns destes textos.

Jr 4,4:
“Circuncidai-vos para o Senhor, circuncidai o vosso coração,
ó homem de Judá
e governadores de Jerusalém (~Il'ivW' ry> ybev.yO yoxbe yeruxalaim),
para que o meu furor não saia como fogo e arda,
e não haja quem o apague,
por causa da malícia das vossas obras.”

874
Norman Gottwald, As tribos de Iahweh, p.532. Nesta citação, o nome do rei de Judá é transliterado como
“Joaquim”, seguindo as versões católicas. A Almeida traduz como “Jeoaquim”.
875
Norman Gottwald, As tribos de Iahweh, p.523.
876
Norman Gottwald, As tribos de Iahweh, p.523.
247

Observa-se o paralelismo entre “homem de Judá” (hd'Why> vyai ’ix yehudah) e

“governadores de Jerusalém” (~Il'ivW' ry> ybevy. O yoxbe yeruxalaim). Na primeira expresão, o


vyai ’ix “homem” pode ser identificado com as autoridades políticas, como em Jr 11,21, em

que os “homens de Anatote” (tAtn"[] yven>a; ’anxe ‘anatot) são a liderança política de

Anatote (entendendo aqui vwOna,> ’enox como sinônimo de vyai ’ix), opositora da mensagem

de Jeremias. Portanto, ybevy. O yoxbe na segunda linha está em paralelo com vyai ’ix da

primeira linha, devendo ambos os termos ser entendidos como referência às autoridades
governamentais. Isso é reforçado pela leitura de 4,3 no TM, em que, na expressão ~Il;ivW' ryliw>
hd'Why> vyai ’ix yehudah veliruxalaim “homem de Judá e Jerusalém”, a palavra ybevy. O yoxbe
foi suprimida e fundiu-se com vyai ’ix.

O mesmo paralelismo entre “homem de Judá” (hd'Why> vyai ’ix yehudah) e “governadores de

Jerusalém” (~Il'ivW' ry> ybevy. O yoxbe yeruxalaim) também é encontrado em Jr 11,2.9; 17,25;
18,11; 32,32; 35,13; 36,31, devendo o termo ybevy. O yoxbe nestes casos ser traduzido como
“governadores”. Nota-se que em Jr 17,25, em uma promessa de salvação, o “homem de Judá”
(hd'Why> vyai ’ix yehudah) e os “governadores de Jerusalém” (~Il'iv'Wry> ybevy. O yoxbe

yeruxalaim) receberiam as mesmas honrarias que os “reis” e “seus príncipes”, transmitindo a


noção de que eles pertenciam às classes políticas superiores (veja também 35,13, e compare
com 35,17).

Jr 4,7:
“Já um leão subiu da sua ramada,
um destruidor das nações;
ele já partiu, já deixou o seu lugar para fazer da tua terra uma desolação,
a fim de que as tuas cidades sejam destruídas,
até ficar sem governante (bv.yO yoxeb).”

O “leão” é o “mal” que vem do “norte” (4,6), para devorar Jerusalém e as “cidades
fortificadas” de Judá (4,5). É possível identificar aqui uma memória da invasão da Assíria em
Judá de 701 (Jr 2,15), quando as cidades fortificadas judaítas foram arrasadas. Na atual
248

redação do texto, essa memória é aplicada ao ataque babilônico a Jerusalém em 587 a.C. No
caso, os ameaçados são “o rei”, “os príncipes”, “os sacerdotes” e “os profetas” (Jr 4,9). Estes
devem ser idenficados com o “governante” (bv.yO yoxeb) referido no final do v.7, e designado

nos v.10 e 11 como “este povo” e “Jerusalém”.


Portanto, constata-se que, no livro de Jeremias, ~ybiivy. O yoxbim usualmente denota o sentido

de autoridade política. É claro que, em muitos textos de Jeremias, este termo é utilizado no
sentido de moradores de determinada localidade (Jr 6,12; 8,1; 17,20; 25,9.29.30; 44,13; 46,19;
48,9 etc.), devendo, nesses casos, ser traduzido como “habitantes”. Entretanto, é significativo
que, em muitos textos jeremianos, mesmo quando a palavra ~ybiivy. O yoxbim refere-se a

“habitantes”, a ênfase está naqueles que residem nas cidades, especialmente em Jerusalém (Jr
2,15; 8,1; 9,11[10]; 17,20; 19,3.12; 25,2; 26,9.15; 33,10; 34,22; 42,18). Essas cidades são
reconhecidamente tratadas como ímpias e opressoras (Jr 2,14-19; 4,14; 20,6).
No caso de Jr 1,14, certamente os ~ybiivy. O yoxbim identificam-se com aquela classe social

apontada por Gottwald, a saber, as “autoridades” do mundo citadino. Essa afirmativa é


reforçada pela análise que a presente tese efetuou de Jr 1,4-10. Constatou-se que, no relato da
vocação de Jeremias, a “palavra” de Javé dirige-se especificamente contra ~yIAGh; haggoyim
“os povos” e contra tAkl'm.M;h; hammamlakot “os reinos” (v.10), os quais, no contexto de
Jeremias, são identificados com os reis, os oficiais dos reis, os sacerdotes e os agricultores
bem situados em Judá (v.18). De fato, o frágil “menino” deveria tornar-se como “muralhas de
bronze” contra as autoridades políticas e religiosas. Entende-se, assim, porque a ameaça de Jr
1,15 privilegia “Jerusalém” e “suas muralhas”, bem como as “cidades de Judá”. A força
política e militar de Jerusalém seria destruída. A ameaça da profecia de Jeremias é dirigida
especificamente contra os setores políticos opressores, ~ykil'm. melakim “reis”, ~yrIf' sarim
“oficiais, ~ynIh]Ko kohanim “sacerdotes”, e #r,a'h' ~[; ‘am ha’ares “povo da terra” (1,18).
E a mensagem de reconstrução? Para quem foi endereçada? Qual o sentido dos verbos hnB'
banah “construir” e [j;n nata‘ “plantar” em Jr 1,10? Obviamente que os ameaçados não são
os mesmos que recebem a promessa de salvação. A mensagem jeremiana visa a grupos sociais
distintos. Assim, o “construir” e “plantar” apontariam para o compromisso de Jeremias com
reconstrução de um determinado grupo social, que no livro de Jeremias é identificado os
seguintes subgrupos:
249

1) O “explorado” (lz;G" gazal, 21,12; 22,3);

2) O “estrangeiro” (rGe ger) que em terras estrangeiras tinham os seus

direitos diminuídos (22,3).


3) O “órfão” (~Aty" yatom) e a “viúva” (hn"ml
' .a; ’almanah) (22,3).
4) O “oprimido” (ynI[' ani) e o “pobre” (!Ayb.a, ’ebyom) (22,16).

5) Os camponeses (Jr 31,5.12.24; 32,15) e os pastores de ovelhas (Jr


31,12.24 ; 33,12-13).

Portanto, o hw"hy>-rb;d> debar-YHVH “palavra de Javé” (1,4.11.13) é um acontecimento

histórico que, por um lado, visa derrubar as instâncias governamentais opressoras existentes
na antiga Judá, e, por outro lado, visa reestruturar aquelas classes sociais oprimidas pelas
instâncias opressoras. O “falar” (rBeD; dabber piel, v.6.7) do profeta constitui-se uma ameaça

ao sistema monárquico. Isso significa que Jeremias tornou-se efetivamente profeta quando foi
estabelecido por Javé para anunciar a ruína do Estado de Judá. Também é importante lembrar
que o relato de Jeremias apresenta palavras de salvação, dirigidas por Javé ao profeta. No
caso, o verbo “salvar” (lc;n nasal hifil infinitivo, v.8,19) constitui-se uma promessa de

livramento das instâncias políticas opressoras, localizadas em Jerusalém, que perseguiram


severamente o profeta Jeremias ao longo de sua carreira.
Assim, o relato da vocação do profeta Jeremias (Jr 1,4-19), no contexto do livro de Jeremias,
tem a função de situar o profeta em meio às lutas contra as elites de Judá. O compromisso do
profeta estava com sua vocação e com o Deus da sua vocação. Isso não significa que o profeta
meramente desenvolveria sua mensagem a partir de uma relação intimista com Deus. Pois o
anúncio profético tende ao confronto no cotidiano, nas relações sociais.

4.2 – Ruína e salvação em Jr 1,10; 18,7.9; 24,6; 31,28; 42,10 e 45,4

A articulação entre palavras de ruína e palavras de salvação apresenta-se como um elemento


estruturador da mensagem contida no livro de Jeremias. Isso pode ser percebido por uma
comparação entre Jr 1,10; 18,7.9; 24,6; Jr 31,28; 42,10 e 45,4.
250

Inicialmente poderemos constatar uma maior semelhança entre Jr 1,10; 18,7.9 e 31,28.
Depois, notaremos que Jr 24,6; 42,10 e 45,4 apresentam uma linguagem similar. No entanto, a
semelhança maior ocorre entre 24,6 e 42,10.

4.2.1 – Jr 1,10; 18,7.9 e 31,28

No quadro abaixo, é possível visualizar as semelhanças entre Jr 1,10; 18,7.9 e 31,28,


particularmente ao que diz respeito à estruturação dos verbos.

Jr 1,10 Jr 18,7.9 Jr 31,28


7
Veja, Em um momento, E acontecerá890:
Estabeleço-te877 neste dia como velei891 sobre eles
contra as nações, falo sobre uma nação,
e contra os reinos, e sobre um reino,

para arrancar878, para arrancar884, para arrancar892,


e para derrubar879, e para derrubar885, e para derrubar893,
e para fazer destruir880, e para fazer destruir886, e para demolir894,
e para demolir881, e para fazer destruir895,
9 e para fazer o mal896,
Em um momento887 falo
sobre uma nação,
e sobre um reino,
882
para construir , Assim velarei897
para construir888,
e para plantar883. sobre eles para construir898,

877
dq;P' paqad hifil perfeito, instituir, estabelecer, comissionar. Veja Jr 40,11.
878
vt;n natax qal infinitivo “arrancar”.
879
#t;n natas qal infinitivo “derrubar”, “demolir”, “quebrar”.
880
db;a' ’abad hifil infinitivo “destruir”.
881
sr:h' haras qal infinitivo “demolir”.
882
hnB' banah qal infinitivo “construir”.
883
[j;n nata‘ qal infinitivo “plantar”.
884
vt;n natax qal infinitivo “arrancar”.
885
#t;n natas qal infinitivo “derrubar”, “demolir”, “quebrar”.
886
db;a' ’abad hifil infinitivo “destruir”.
887
[g:r< rega‘ “sossego, tranquilidade”; lapso de tempo, instante; advérbio “ repentinamente”.
888
hnB' banah qal infinitivo “construir”.
251

e para plantar889. e para plantar899,


dito de Javé.

haer> 7
[g:r, hy"h'w>
hZ<h; ~AYh; ^yTid>q;p.hi ~h,yle[] yTid>q;v' rv,a]K;
~yIAGh;-l[; yAG-l[; rBed;a]
tAkl'm.M;h;-l[;w> hk'l'm.m;-l[;w>

vAtn>li vAtn>li vAtn>li


#Atn>liw> #Atn>liw> #Atn>liw>
dybia]h;l.W `dybiah] ;l.W srohl] ;w>
sArh]l;w> dybia]h;lW.
9
[g:r,w> [;reh'l.W
yAG-l[; rBed;a]
hk'l'm.m;-l[;w> ~h,yle[] dqov.a, !Ke
tAnb.li tnOb.li tAnb.li
`[;Ajn>liw> `[;jon>lwi > [;Ajn>liw>
`hw"hy>-~aun>

Observa-se que a linguagem de 18,7.9 é parecida com Jr 1,10. É flagrante não somente a
mesma estruturação verbal, como também os mesmos ‘sujeitos sociológicos’ que sofreriam

890
hyh' hayah qal vav consecutivo perfeito “acontecer”.
891
I dq;v' xaqad qal perfeito “velar”, “vigiar”.
892
vt;n natax qal infinitivo “arrancar”.
893
#t;n natas qal infinitivo “derrubar”, “demolir”, “quebrar”.
894
sr:h' haras qal infinitivo “demolir”.
895
db;a' ’abad hifil infinitivo “destruir”.
896
h['r ra‘a hifil infinitivo “fazer o mal”.
897
I dq;v' xaqad qal imperfeito “velar”, “vigiar”.
898
hnB' banah qal infinitivo “construir”.
889
[j;n nata‘ qal infinitivo “plantar”.
899
[j;n nata‘ qal infinitivo “plantar”.
252

essas ações verbais: yAG goy “nação” e o hk'l'm.m; mamlakah “reino” (Jr 1,10: “contra as
nações, e contra os reinos”; Jr 18,7.9: “sobre uma nação e sobre um reino”). A imagem do
vaso do oleiro (18,1-4) é aplicada à “casa de Israel” (v.6). Esta “casa de Israel” é identificada,
no v.11, com o hd'Why> vyai ’ix yehudah “homem de Judá” e com os ~Il'iv'Wry> ybevy. O yoxbe
yeruxalaim “governadores de Jerusalém”. Se, conforme averiguamos nas páginas anteriores
da nossa pesquisa, o termo ybevy. O yoxbe é uma referência aos “governadores”, então o

paralelismo hd'Why> vyai ’ix yehudah e ~Il'iv'Wry> ybevy. O yoxbe yeruxalaim apresentado em Jr
18,11 alude à liderança política de Jerusalém, como em Jr 4,4. Ou seja, a alternativa de
conversão apresentada em Jr 18,7-10, com o cancelamenteo do “mal” em caso de conversão
(v.7-8) ou com o cancelamento do “bem” em caso de rebeldia (v.9-10), é especificamente
direcionada àqueles que detinham as rédeas da liderança política sobre Judá a partir de
Jerusalém. O termo h['r'h' hara‘ah “o mal” (v.8), como em Jr 1,14 (“do Norte se derramará

o mal sobre todos os habitantes da terra”), refere-se à invasão babilônica contra Jerusalém (Jr
21,10; 39,16). E o termo hb'AJh; hattobah “o bem” (v.10), então, seria uma alusão ao

livramento do exílio babilônico, em caso de conversão.

No entanto, de acordo com o v.12, o “homem de Judá” e os “governadores de Jerusalém”


rejeitaram a mensagem de Jeremias:

“E eles dirão: ‘não há esperança’900.

Pois atrás dos nossos planos nós andaremos,

e cada um de nós de acordo com a insubordinação do coração mau faremos.”

Ou seja, a liderança política de Jerusalém rejeitou a mensagem de Jeremias, o que torna


inevitável a vinda do h['r' ra‘ah “mal” contra ela. Não haverá esperança para a cidade

Jerusalém.
Portanto, a desesperança é a marca principal de Jr 18,1-12. Os próprios arruinados dizem que
“não há esperança” (v.12).

Em Jr 31,27-28, por sua vez, a tônica é esperança:

900
va;y ya’ax nifal particípio “desesperar, desistir de”.
253

27
Eis que dias virão, oráculo de Javé,
e semearei a casa de Israel,
e a casa de Judá,
uma semente de humanidade,
e uma semente de animal.
28
E acontecerá: como velei sobre eles
para arrancar,
e para derrubar,
e para demolir,
e para fazer destruir,
e para fazer o mal,
assim velarei sobre eles para construir,
e para plantar,
dito de Javé.

Jr 31,27-28 é uma promessa de salvação. A fórmula inicial “eis que dias virão” indica que a
ação de Javé está direcionada para o futuro. Isso também pode ser constatado pelos verbos,
que evocam ações futuras: “semearei” ([r;z" zara‘ qal vav consecutivo perfeito “semear”,

v.27); “e acontecerá” (hyh' hayah qal vav consecutivo perfeito “acontecer”, v.28); “velarei”

(dq;v' xaqad qal imperfeito “velar”, “vigiar”, v.28).

Num primeiro momento, poderia parecer que a promessa de Jr 31,27-28 contém uma
reformulação da mensagem jeremiana de Jr 1,10 e 18,7. Conforme já observado na presente
tese, esses textos (Jr 1,10 e 18,7) anunciam a ruína do sistema monárquico de Judá, na
tentativa de prenunciar a retribalização da antiga Palestina. Os textos jeremianos estruturam
essa mensagem de ruína através dos verbos “arrancar” (vt;n natax), “derrubar” (#t;n natas);

“destruir” (db;a' ’abad ) e “demolir” (sr;h' haras), e a mensagem de salvação pelos verbos

“construir” (hnB' banah) e “plantar” ([j;n nata‘). Em Jr 1,10, no contexto de Jr 1,4-19, a

mensagem de ruína é dirigida para os governantes de Judá, enquanto que a mensagem de


esperança é direcionada para aqueles que foram oprimidos pelas elites de Jerusalém. Jr 18,7
só apresenta o juízo contra o “homem de Judá” e os “governadores de Jerusalém” (18,11).
Entretanto, os verbos que evocam salvação, que em Jr 1,10 não poderiam ser aplicados aos
254

líderes políticos, agora, em Jr 31,28, são aplicados para a “casa de Israel” e para “a casa de
Judá”, termos que podem se referir às monarquias de Israel/Norte e Judá/Sul (por exemplo, Jr
11,10). Assim, tyIB; bayit “casa” seria uma designação para a “dinastia”, e, portanto, a hd'Why>

tyBe-ta,w> laer'f.yI tyBe-ta, ‘et-bet isra’el ve‘et-bet yehudah “a casa de Israel e a casa de

Judá" seriam respectivamente o reinado de Israel e o de Judá.901 Pode-se indagar, então, se,
diferentemente de Jr 1,10 e 18,7, a perícope de Jr 31,27-28 não está propondo a restauração
das monarquias de Israel/norte e Judá/sul.

Entretanto, é preciso considerar que o termo tyIB; bayit, além dos sentidos usuais de “casa”,

“dinastia” ou “templo” (Jr 7,2), também significa “descendência”. Veja, por exemplo, Êx 2,1,
em que a ywIl tyBe bet levi “casa de Levi” é a descendência de Levi (veja também: “casa de

Jacó”, Gn 35,2; “casa de Abraão”, Gn 18,19). Em Êx 16,31 a expressão laer'f.yI tyBe bet
isra’el “casa de Israel” poderia ser parafraseada como “filhos de Israel”. Certamente tyIB;
bayit apresenta esse sentido, em Jr 31,28, principalmente porque o termo é acompanhado pela
forma verbal [r;z" zara‘ qal vav consecutivo perfeito “semear” e pelo substantivo [r;z< zera‘

“semente”. Tanto a forma verbal como a substantivada da raiz [rz zr‘ são frequentemente

utilizadas no Antigo Testamento como referência à descendência.902

Quer dizer, o que se pretende reconstruir, em Jr 31,27-28, não é um sistema monárquico, mas
sim, uma descendência de homens e animais: “uma semente de humanidade e uma semente de
animal” (v.27). A imagem transmitida no v.27 é de Javé como um agricultor lançando
sementes nos campos. No entanto, a “semente” ([r;z< zera‘) lançada por Javé não são

sementes de plantas, mas sim de ~d'a' ’adam “humanidade” e de hm'heB. behemah “animal”.

O primeiro termo, denota a espécie humana. O segundo termo, refere-se a animais de quatro
patas, distintos de ~d'a' ’adam. Certamente, no caso de Jr 31,27, o hm'heB. behemah inclui o

gado de porte maior (rq'b' baqar) e os ovinos (!aco so’n) (veja 31,12.24; 33,12-13).

901
Assim como em Is 7.2.13: dwID tyBe bet david “casa de Davi”, ou seja, a “dinastia de Davi”. Ernst Jenni,
artigo bayit, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario teológico– Manual del Antiguo
Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.1, 1978, col.454.
902
Walter C. Kaiser, artigo zara‘, em R. Laird Harris; Gleason L. Archer Jr., Bruce K. Waltke (organizadores),
Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1998, p.409-411.
255

Portanto, o que se almeja “construir” e “plantar” não são reis ou oficiais palacianos, mas sim,
homens e animais. Na perspectiva das promessas de salvação contidas em Jr 30-31, eles
deverão repovoar a terra prometida retribalizada e reorganizada pelos princípios da
fraternidade e de igualdade. E, certamente, essa igualdade e fraternidade também dizem
respeito à relação entre homens e animais.

4.2.2 – Jr 24,6; 42,10 e 45,4.

A estruturação verbal de Jr 1,10; 18,7.9 e 31,28 também pode ser encontrada em Jr 24,6;
42,10 e 45,4.

Uma semelhança maior pode ser observada entre Jr 24,6 e 42,10. Em ambos, hnB' banah qal

vav consecutivo perfeito “construir” é seguido por sr;h' haras qal imperfeito “demolir”, e

[j;n nata‘ qal vav consecutivo perfeito “plantar” é seguido por vt;n natax qal imperfeito

“arrancar”.

Jr 24,6 Jr 42,10
E colocarei os meus olhos sobre eles para o bem Se verdadeiramente permanecerdes nesta terra,
e os farei retornar para esta terra.

E vou reconstruí-los903 então vos construirei907,


e não demolirei904, e não demolirei908,
vou plantá-los905, e vos plantarei909,
e não arrancarei906. e não arrancarei910.
Pois estou arrependido do mal que fiz contra
vós.

903
hnB' banah qal vav consecutivo perfeito “construir”.
904
sr:h' haras qal imperfeito “demolir”.
905
[j;n nata‘ qal vav consecutivo perfeito “plantar”.
906
vt;n natax qal imperfeito “arrancar”.
907
hnB' banah qal vav consecutivo perfeito “construir”.
908
sr:h' haras qal imperfeito “demolir”.
909
[j;n nata‘ qal vav consecutivo perfeito “plantar”.
910
vt;n natax qal imperfeito “arrancar”.
256

hb'Ajl. ~h,yle[] ynIy[e yTim.f;w> taZOh; #r,aB' ' Wbv.Te bAv-~ai


taZOh; #r,ah' '-l[; ~ytibovih]w:
~ytiynIb.W ~k,t.a, ytiynIb'W
sroha/ , al{w> sroh/a, al{w>
~yTi[.j;n>W ~k,t.a, yTi[.j;n"w>
`vATa, al{w> vATa, al{w>

`~k,l' ytiyfi[' rv,a] h['r'h'-la, yTim.x;nI yKi

As palavras de Jr 24,6 elaboram uma promessa de salvação para os “exilados de Judá” (v.5),
mais especificamente “Jeconias, filho de Jeoaquim, rei de Judá”, “os oficiais de Judá”, bem
como “os ferreiros e os serralheiros” (Jr 24,1; veja 2Rs 24,10-12), levados para Babilônia por
Nabucodonozor em 597 a.C.,. A visão dos “dois cestos de figos” (v.1) ocorreu na época do
reinado de Zedequias (v.8), provavelmente por volta do ano 593 a.C. Os “figos bons” são os
exilados (v.5), que receberam a promessa de salvação contida no v.6. Os “figos estragados”
(v.8) são os refugiados no Egito e aqueles que restaram em Jerusalém, mais especificamente
“Zedequias, rei de Judá, os seus oficiais e o resto de Jerusalém”. À semelhança de Jr 1,10;
18,7.9, a estruturação verbal de Jr 24,6 foi elaborada com o fim de apresentar a inevitável
catástrofe que viria sobre o sistema monárquico de Jerusalém.

Por outro lado, haveria esperança para os exilados. É preciso lembrar que Jeremias escreveu
para eles uma carta, exortando-os a estabelecerem suas vidas na Babilônia, já que o sistema
monárquico vigente em Jerusalém seria arruinado (Jr 29,1-23, veja especialmente os v.4-7). É
importante notar que, conforme demonstrou Kilpp, a vivência das famílias na Babilônia
contrasta com o sistema político de Judá, que estava sob o reinado de Ezequias; os desterrados
viviam nos vilarejos, sob a liderança dos “anciãos” (Jr 29,1), como no período tribal.911 Esse
modo de vida é construído sem a intervenção político-administrativo do Estado sobre a vida
das famílias. Assim, o modo de vida dos exilados representa uma nova esperança na medida
em que engendra uma nova constituição social, tribal, diferente do sistema monárquico de
Judá.

911
Nelson Kilpp, “Jeremias escreve aos exilados a dimensão crítica do anúncio profético de salvação”, em
Estudos Teológicos, vol.88A, 1988, p.9-20.
257

Então, é preciso entender que a promessa de salvação de Jr 24,6 é soerguida na medida em


que o Estado judaíta começa a ruir.

A salvação apresentada em Jr 42,10 está condicionada à permanência na terra de Judá. As


palavras de Jr 42,10 foram direcionadas para aqueles que, depois da queda do estado de Judá,
apoiaram o governo de Gedalias estabelecido pelos caldeus (42,1; veja 40,13-16). Esses,
liderados por “Joanã, filho de Careá” e por “Jezanias, filho de Hosaías”, almejavam fugir para
o Egito, já que se envolveram em um tipo de guerra civil contra “Ismael, filho de Natanias”, e
temiam algum tipo de represália dos caldeus (Jr 41,11-18). No entanto, a realização da palavra
de salvação só seria possível se eles continuassem em Judá. Nota-se, então, que Jeremias
apostava na continuidade da vida na terra de Judá, depois da queda da monarquia. Quer dizer,
haveria salvação para os exilados que viviam sob o sistema tribal na Babilônia (Jr 24,6). Mas
também havia esperança para aqueles que permanecessem na terra da Palestina, já que aí o
sistema tribal também poderia ser implantado. Aí, na terra da promessa, voltar-se-á a plantar e
a colher (32,15 e 40,6).

Atentemo-nos também para Jr 45,4:

“Assim dirás para ele: Assim diz Javé:

Eis! O que construí912, demolirei913,

o que plantei914, arrancarei915,

e isto para toda a terra.”

Essas palavras foram pronunciadas em 605 a.C., “no ano quarto de Jeoaquim, filho de Josias,
rei de Judá” (45,1), e endereçadas a Baruque, cuja vida foi ameaçada pelo rei Jeoaquim.916 A
ruína viria “para toda a terra” (v.4c). A destruição seria total: “Porque eis que trarei o mal
sobre toda a carne” (v.5c). No entanto, a vida de Baruque seria preservada (v.5d).

912
hnB' banah qal perfeito “construir”.
913
sr:h' haras qal particípio “demolir”.
914
[j;n nata‘ qal perfeito “plantar”.
915
vt;n natax qal particípio “arrancar”.
916
Veja Milton Schwantes, “E te darei a tua vida para lucro” – Observações em Jeremias 45”, em Estudos
Bíblicos, Petrópolis, Editora Vozes, nº91, 2006/3, p.101.
258

É preciso asseverar que as expressões “para toda a terra” (v.4c) e “porque eis que trarei o mal
sobre toda a carne” (v.5c) precisam ser interpretadas à luz de Jr 1,14. Conforme já
demonstrado por essa tese, a expressão #r,a'h' ybevy. O-lK' kol-yoxbe ha’ares, em Jr 1,14,

normalmente traduzida como “todos os habitantes da terra”, na verdade, deve ser traduzida
como “todos os governadores da terra”, preconizando o juízo divino contra líderes políticos
da “terra” de Judá. De acordo com Jr 1,10, eles seriam ‘demolidos’ e ‘arrancados’. Da mesma
forma, o alvo da destruição preconizada em Jr 45,4.5 é a monarquia.

Em síntese, pode-se afirmar que as palavras de ruína e palavras de salvação constituem-se


uma linha mestre que perpassa toda a mensagem de Jr 1-45. As promessas de salvação
contidas em Jr 1,10, 31,27-28 e 42,10 anunciam continuidade da vida na terra de Judá depois
da catástrofe de 587 a.C. Isso coaduna-se com Jr 30-31, que, conforme já demonstrado pela
presente tese, predominantemente anuncia esperança para aquelas populações do Israel/Norte
e de Judá/Sul que permaneceram na terra da Palestina. Jr 24,6, por sua vez, anuncia uma
promessa para os exilados de Judá, que viviam sob o sistema tribal na Babilônia. Portanto,
também haveria esperança para aqueles que estavam no exílio.

4.3 – A conversão como condição para a salvação: Jr 3,6-13.19-25; 4,1-2

A presente tese já constatou que as palavras salvíficas em Jr 30-31 e em algumas outras partes
do livro de Jeremias (1,10; 18,7.9; 24,6; 31,28; 42,10 e 45,4) preconizam o fim do sistema
monárquico e a retribalização da terra como meio de produção. As ameaças da profecia
jeremiano miram as “nações” e os “reinos” (Jr 1,10), e, simultaneamente, anuncia a
possibilidade de esperança para aqueles que sofreram nas mãos dos reis e de seus oficiais
(1,8.19; Jr 45,4), acreditando piamente na possibilidade de a terra da Palestina ser repovoada
após o desmantelamento do sistema monárquico de Judá (Jr 31,27-28).
Dessa forma, a salvação e a ameaça proferidas no livro de Jeremias inevitavelmente
impactavam as relações sociais na antiga Palestina. Assim, infere-se a impossibilidade de
desassociar religião e crítica social. A crítica religiosa é uma crítica social. Por essa razão,
Jeremias podia relacionar criticamente a adoração aos falsos deuses com a prática da violência
contra os “pobres” e “inocentes” (Jr 2,34; veja 2,33-34 e Jr 19,4).
Essa afirmativa poderá ser clarificada pela análise de Jr 3,6-13.19-25; 4,1-2. Esses textos
também anunciam salvação, e concomitantemente apresentam uma crítica religiosa contra os
259

falsos deuses que desviaram Israel do caminho da salvação. Será possível perceber que essa
crítica religiosa constitui-se a partir de uma análise da realidade social.

Inicialmente, é preciso notar que Jeremias 2-6 forma o primeiro grande conjunto literário no
livro de Jeremias, dentro do qual localiza-se o bloco de 3,1 – 4,2. Este bloco (3,1 – 4,2)917 tem
por temática a conversão de Israel dos falsos deuses para Javé (veja o uso da raiz verbal bWv
xub “voltar” em Jr 3,1.7.10.12.14.19.22; 4,1).

A importância da análise de algumas partes de Jr 3,1-4,2, para a presente pesquisa, justifica-se


pela relação desse bloco com Jr 31,18-20. As seguintes semelhanças podem ser constatadas
entre Jr 3,1-4,2 e Jr 31,18-22: 1) A raiz verbal bWv xub “voltar” denotando a conversão do

povo para Javé aparece em Jr 3,1-4,2 e Jr 31,18-20; 2) Tal qual Jr 31,18-20, em 3,1-4,2
encontramos diversas referências ao Israel/Norte (especialmente 3,12-13).

É possível afirmar que em Jr 3,1-4,2 encontra-se um antigo extrato jeremiano918 alusivo ao


Israel/Norte. Boa parte da pesquisa bíblica reconhece a autoria jeremiana de tais unidades
literárias.919 As palavras sobre as terras nortistas favorece a hipótese de que o texto jeremiano
de certa forma patrocinou a reforma josiânica em 622 a.C., já que esse movimento político
ambicionava a integração das terras setentrionais à Judá. 920 Mas, conforme a presente tese já
demonstrou nas páginas anteriores, as palavras salvíficas de Jeremias representam as
expectativas da população interiorana da Palestina.

917
Jr 3,1 – 4,2 é composto por pequenas unidades literárias, dentro das quais estão inseridas as palavras
jeremianas alusivas à salvação. Uma primeira unidade literária pode ser identificada em 3,1-5. Em 3,6 inicia-se
outra perícope, estendida até o v.10. Em 3,6-10: Israel e Judá não querem voltar a Javé: “desleal Israel” (v.6.) e
“sua irmã infiel Judá” (v.7.8.9). Nem o reino do Norte, “Israel”, nem o Sul, “Judá”, se dispuseram a “voltar” para
Javé. Alias, consta-se que em 3,6 há uma introdução reencontrada no v.11: vayomer jhvh 'elaay, “e disse Javé
para mim”. Os v.11-13 compõem certa unidade, se bem que possui duas demarcações introdutórias (v.11 e
v.12a). Portanto, 3,12b-13 é um dito dirigido ao Norte. Identificam-se assim duas pequenas unidades: 3,6-
10+v.11 e 3,12-13. Quanto a Jr 3,14-18, observa-se que esses versos formam um único parágrafo (veja BHS). O
v.18, entretanto, está separado dos versos precedentes (v.14-17). O ponto referencial dos v.14-17 é Sião. Jr 3,19-
25 e 4,1-2 formam outras duas pequenas unidades. A primeira unidade, 3,19-25, tem um caráter compósito: 3,19-
20 é fala de Javé; o v.21 é uma constatação; o v.22a é um convite à conversão, enquanto que os v.22b-25
respondem ao convite elaborado no v.22a. 4,1-2 caracteriza-se pela condicionalidade do convite (“se”).
918
Naturalmente o texto jeremiano é resultante de um longo processo de reescrita e inserções, sendo
caracteristicamente uma literatura compósita. Veja William L. Holladay, Jeremiah 1, p.62-68.
919
William L. Holladay, Jeremiah 1, p. 77-81; Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund – Studien zu
Jeremia 30-31, Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1976, p.21-28 (Göttinger Theologische Arbeiten; 5). Para a
análise da origem jeremiana de Jr 3 e suas atualizações no exílio e pós-exílio, veja Nelson Kilpp, Niederreissen
und Aufbauen – Das Verhältnis von Heilsverheissung und Unheilsverkündigung bei Jeremia und im
Jeremiabuch, Neukirchen, Neukirchener Verlag, 1990, p.165-166 (Biblisch-theologische Studien; 13).
920
Veja Norbert Lohfink, Studien zum Deuteronomium und zur deuteronomistischen Literatur II, Stuttgart,
Katholisches Bibelwerk, 1991, p.87-106 (Stuttgarter Biblische Aufsatzbände, 12).
260

“Israel” é hb'vum. mexubah “desleal” (3,11). O substantivo hb'vum. mexubah provém da raiz

verbal bWv xub “voltar”. O substantivo denota a ideia contrária do verbo, quer dizer, se bWv
xub é um “converter”921, hb'vmu . mexubah é um “desconvertido”, “desgarrado”. O caráter da

deslealdade de Israel é mais bem compreendido em Jr 3,12-13, onde, apesar da constatação de


sua infidelidade, encontra-se uma palavra salvífica dirigida a ele:

12
“Vai,

e proclama estas palavras ao Norte.

Tu dirás:

Volta922, desleal923 Israel,

dito de Javé,

e não farei cair minha face924 sobre vós,

porque eu sou bondoso,

dito de Javé,

não guardarei (mágoa) para sempre.

13
Apenas reconheça925 tua iniquidade,

pois contra Javé teu Deus te rebelaste926,

e distribuíste927 os teus caminhos928 para os estrangeiros, debaixo de toda árvore


verdejante,

921
William L. Holladay, “The Root xub in the Old Testament”, Leiden, 1958.
922
xub qal imperativo masculino singular.
923
mexubah, de shub, (ato de) infidelidade, deslealdade, traição, deserção, apostasia. KIRST, Nelson et al.
Dicionário hebraico-português e aramaico-português. 16a edição. São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes,
2003. p. 144.
924
paneh substantivo masculino plural construto.
925
yada’ qal feminino singular.
926
paxa’ qal perfeito segunda pessoa feminino singular.
927
pazar piel imperfeito 2ª pessoa feminino singular, “espalhar, dispersar, distribuir, escancarar”. Nelson Kirst et
al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p. 192-193.
928
derakayike “teus caminhos”. A BHS propõe dodayike “teus amores”. Vários comentaristas seguem mudança:
Artur Weiser, Das Buch des Propheten Jeremia – Kapitel 1 – 25,13, Göttingen, Vandenhoeck & Ruprecht, 1952,
p.30 ; Wilhelm Rudolph, Jeremia, Tübingen, J. C. B. Mohr, 3a edição, 1968, p.26 (Handbuch zum Alten
261

e a minha voz não escutastes929”.

Diferente de 3,6-10 + v.11, em 3,12a + v.12b-13930 931


encontra-se uma expectativa salvífica,
apesar de ela ainda reconhecer a deslealdade de “Israel”. Aos descaminhos pelos quais as
populações nortistas se enveredaram, é apresentado um novo caminho, no v.12: “volta” (bWv

xub qal imperativo “voltar”). Na sequência, há três frases importantes, sendo duas negativas
(“e não farei”, “não guardarei”) e uma positiva (“porque sou bondoso”). A afirmação sobre a
bondade divina está bem no meio das duas frases negativas. A ira de Javé abundou, mas sua
“bondade” (dysix' hasid) prevaleceu.

O v.13 é uma continuação do v.12b.932 A primeira frase desse v.13 é um convite à confissão.
As três frases seguintes constituem-se uma acusação. Por elas entendemos porque Israel foi
chamado de hb'vum. mexubah “desleal”. Essas três frases explicam-se mutuamente.933 Nelas

entendemos quais são os descaminhos pelos quais Israel se enveredou. “Distribuir” (rz;P'

Testament; 12). Holladay traduz “tua força”. William L. Holladay, Jeremiah 1, p.59.
929
xama’ qal perfeito 2ª pessoa masculino plural. A Septuaginta e a Vulgata propõem a 2ª pessoa singular. Veja
BHS.
930
Há significativas diferenças entre 3,6-10+v.11 e 3,12-13. Em 3,6-10 o texto jeremiano depara-se com a
impossibilidade de arrependimento do Norte (v.7). 3,12b-13, em contrapartida, admite o convite ao
arrependimento. É possível que 3,6-11 seja um midrash tardio sobre os v.12-13. William L. Holladay, Jeremiah
1, p.77. Em contrapartida, Siegfried Herrmann considera 3,6-12 (ele inclui o v.12 na unidade) um midrash do
próprio Jeremias, pois, para Herrmann, Jeremias não anunciou nenhuma palavra salvífica para Judá, mas
somente para o Norte. Siegfried Herrmann, “Die Heilserwartungen im Jeremiabuch”, em Die prophetischen
Heilserwartungen im Alten Testament – Ursprung und Gestaltwandel, Stuttgart, Kohlhammer, 1965, p.162-222
(BWANT 5 F., H.5). De igual modo, Böhmer afirma que Jr 3,6-13 (ele inclui o v.13 na unidade) é de origem
jeremiana, e pertence a uma mesma tradição já esboçada por Oseias (Os 1,3) e desenvolvida por Ezequiel (Ez
23): o pecado de Israel e Judá é considerado uma “prostituição”. Segundo Böhmer, essa tradição é distinta do
deuteronomista. O contexto de Ez 23 deve ser encontrado entre a queda de Zedequias e a ruína de Jerusalém em
587 a.C. Não há nenhuma razão convincente para acreditar que nessa época a escola deuteronomista tivesse
grande influência. Ez 23 seria um desenvolvimento de Jr 3,6-13. Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund,
p.26-27.
931
O v.12a é uma introdução, e mantém o estilo prosaico dos v.6-11. Os v.12b-13 é notadamente poético, e pode
ser considerado um antigo dito jeremiano. Veja Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund, p.22-23. A poesia
dos v.12b-13 evidencia-se pela repetição das frases.
932
Nota-se uma mudança do plural masculino (“sobre vós”, v.12) para o feminino singular (três primeiras frases
do v.13). William L. Holladay, Jeremiah 1, p.64. Contudo, na última frase do v.13 (“e a minha voz não
escutastes”) o verbo está no plural masculino, arremessando-nos assim ao v.12. Portanto, a última frase do v.13
‘amarra’ o dito dos v.12b-13.
933
Normalmente as duas últimas frases são consideradas deuteronomistas. Veja uma discussão em: William L.
Holladay, “On every high hill and under every green tree”, em Vetus Testamentum, Leiden, E. J. Brill, vol.11,
1961, p.170-176; Wilhelm Rudolph, Jeremia, p.26. Killp afirma que as duas últimas frases do v.13 são
deuteronomistas: “A reversão na palavra de Javé e a mudança para a 2ª pessoa do plural (pelo v.12a) confirmam
a característica secundária de ambos últimos estiquios do v.13.” “Der Umschwung in Jahwerede und der erneute
Wechsel in die 2. Pers. pl. (vgl. V. 12a) bestätigen den sekundären Charakter der beiden letzten Stichen von
V.13.” Nelson Kilpp, Niederreissen und Aufbauen, p. 166. Entretanto, o verbo pazar “distribuíste” está no
singular, tal qual o anterior, paxa’ “te rebelaste”. Além disso, o plural da última frase do v.13 (“e a minha voz
não escutastes”) relaciona-se com o plural do v.12 (“sobre vós”), constituindo-se assim um ‘amarre’ da antiga
poesia de 3,12b-13.
262

pazar piel vav consecutivo imperfeito) significa “espalhar, dispersar”, “escancarar”934. O


substantivo %r,D, derek, normalmente traduzido como “caminho”, também pode significar

“empreendimento”, “negócio”935, ou “força”936. Quer dizer, os “teus caminhos” pode ser uma
referência à força produtora de bens e produtos de “Israel”. Esse parece ser o sentido aqui em
Jr 3,13, pois quem recebe esses “caminhos” são os ~yrIz zarim “estrangeiros”. Seria uma
referência a um engendramento religioso que extorquia do povo sua produção, a fim de
repassá-la para impérios estrangeiros. “Debaixo da árvore verdejante” é uma descrição da
religião cananita, que no antigo Israel era veículo de opressão social.937 Provavelmente haja aí
uma memória da religião corrupta promovida pelo reinado de Manassés (687-642 a.C.),
severamente combatida por Josias e pela pregação de Jeremias. A respeito de Manassés, se
diz que “levantou altares a Baal, e fez um poste-ídolo como o que fizera Acabe, rei de Israel, e
se prostrou diante de todo o exército dos céus, e o serviu” (2Rs 21,3), e, junto com a falsa
religião (cananita e assíria), promoveu a violência: “derramou muitíssimo sangue inocente, até
encher Jerusalém de um ao outro extremo” (2Rs 21,16). É importante notar que Manassés
serviu aos interesses do imperialismo assírio, que até aproximadamente 640 mantinha a
Palestina sob controle.938 Os anais dos reis assírios Assurbanípal e Assaradão mencionam
Manassés como um rei tributário.939 Sobre Manassés, Milton Schwantes observa: “Executou
contra o povo a política de opressão em favor dos donos do mundo”. Portanto, pode-se
entender a rebeldia de Israel em Jr 3,13 como um alinhamento entre a religião estrangeira e a
opressão social, já que a religião era o veículo ideológico que impunha sobre as pessoas a
necessidade de submeter-se ao império e às suas cobranças tributárias.

Schwantes observa que houve resistência contra essa política opressora de Manassés, e afirma
que o “movimento deuteronômico é fruto dessa resistência”940. Já observamos em nossa
pesquisa que Jeremias mantinha vínculos com esse movimento deuteronômico, já que em seu
livro existem os mesmos traços literários do Deuteronômio. Jr 3,13 pode ser situado nesse
contexto.

934
Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.192-193.
935
Nelson Kirst et al. Dicionário hebraico-português e aramaico-português. p.51. Veja uma discussão em
William L. Holladay, Jeremiah 1, p.59.119-120.
936
William L. Holladay, Jeremiah 1, p.59.
937
Essa é a proposta de Normam K. Gottwald, em As tribos de Iahweh – Uma sociologia da religião de Israel
liberto.
938
Milton Schwanes, Breve história de Israel, p.41.
939
Hebert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos , vol.2, p.375.
940
Milton Schwanes, Breve história de Israel, p.41.
263

Portanto, a denúncia “e distribuíste os teus caminhos para os estrangeiros, debaixo de toda


árvore verdejante” estaria afirmando que Israel doou prodigamente sua produção aos
estrangeiros. Desse modo, ‘não escutar a voz de Deus’ significa distribuir prodigamente os
mantimentos a quem não os produziu. Nisto consiste os descaminhos de Israel.

Em 3,19-25 o convite à conversão continua:

19
E disse:
Como te colocarei entre os filhos?
E darei para ti uma terra deliciosa941,
uma herança de glória dos exércitos942 das nações
E disse:
vós me chamareis ‘meu pai’,
e de mim943 não vos afastareis944.
20
Como trai945 uma mulher o seu companheiro,
assim vós traístes a mim,
Casa de Israel,
dito de Javé.
21
Um grito sobre os lugares altos foi ouvido,
choro946, e súplicas dos filhos de Israel,
pois fizeram perverter o caminho deles,
esqueceram Javé, o Deus deles.
22
Voltai, filhos desgarrados,
e eu vos curarei das vossas deslealdades.

Eis que nós fomos para ti,


Pois tu és Javé, nosso Deus
23
Realmente para mentira das (as) colinas,
e o tumulto (nos) montes.

941
hD'm.x,
hemdah “coisa desejável, coisa deliciosa”. Nelson Kirst et al. Dicionário hebraico-português e
aramaico-português, p.70.
942
ab'c'
saba’ “serviço militar”, “exército”.
943
yrex]a; ’aharey, advérbio “atrás”, “detrás”, “depois”.
944
bWv xub qal imperfeito “voltar”.
945
dg:B' bagad “tratar deslealmente”.
946
ykiB. behi “choro”. Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.27.
264

Realmente em Javé nosso Deus está a salvação.


24
A vergonha devorou o lucro947 dos nossos pais desde a nossa juventude:
as suas ovelhas,
as suas vacas,
os seus filhos,
e as suas filhas.
25
Deitamos em nossa vergonha,
e cobriu-nos a nossa confusão.
Pois contra Javé nosso Deus nós pecamos,
nós e nossos pais, desde nossa juventude até este dia,
e não ouvimos a voz de Javé nosso Deus.

Jr 3,19-20 + 4,1-2 constituem-se uma continuação de 3,1-5.948 O tribalismo é evidenciado no


v.19a: promete-se “uma terra deliciosa” (hD'm.x, #r,a, ’eres hemdah) e “uma herança” (hl'x]n:
nahalah). Israel estaria de posse das terras por onde os “exércitos” (tAab'c. seba’ot)

passaram. No v.19b constatam-se duas frases: chamar Deus de pai significa não “afastar-se”
(bWv xub qal imperfeito) dele.

Segundo o v.20, a “casa de Israel” traiu Javé. No v.21, há quatro frases, alusivas aos cultos
dos falsos deuses. Nas duas primeiras frases descreve o “grito”, o “choro” e as “súplicas dos
filhos de Israel”.949 Trata-se de lamento de tristeza (Veja Jr 31,15). Na terceira frase, explica-
se a razão do lamento: “pois fizeram perverter o caminho deles”. Alguém perverteu os filhos
de Israel, fazendo-os esquecer Javé: “fizeram perverter” (hw[' ‘avah hiphil perfeito). Alguém

é responsabilizado pela ruína!

O v.22a, por sua vez, contrapõe-se aos v.20-21. À semelhança do v.12b, o v.22 propõe a
conversão como caminho para a reorganização social:

947
[;ygIy>
yegia‘ “trabalho, labor, lucro, produto, propriedade”. Nelson Kirst et al. Dicionário hebraico-
português e aramaico-português, p. 85.
948
O v.19 registra a continuidade da fala divina (“E eu disse”). A imagem de Israel como prostituta é retratada
em 3,1-5 e 3,19-20. A relação entre Javé e Israel em termos paternais, verificada em 3,4, reencontra-se em 3,19
(‘abi “meu pai”). Para Böhmer, em Jr 3,1-5.19-4,2 encontra-se uma palavra entre Javé e o povo, caracterizado
como versos típicos da liturgia, enquanto que em 3,6-13; 3,14-17.18 encontra-se uma palavra de Javé; considera-
se também a significativa diferença formal nos v.12b-13. Siegmund Böhmer, Heimkehr und neuer Bund, p.23.
Veja, contudo, a proposta de William L. Holladay, Jeremiah 1, p.64.
949
William L. Holladay, Jeremiah 1, p.65-66.
265

Voltai, filhos desgarrados,

e eu vos curarei das vossas deslealdades.

Temos nessas duas frases um projeto de cura. O verbo bWv xub qal imperativo “voltar é um
convite aos ~ybib'Av xobabim “desgarrados”. Os desconvertidos, que se enveredaram pelos

descaminhos já descritos em 3,6-10 e 3,13, agora recebem a proposta de cura. Israel é


convidado a deixar sua “deslealdade” (v.11).

Os v.22b-25 são uma confissão. Apresenta-se a laer'f.yI t[;WvT. texu‘at yisra’el “salvação de

Israel” (última frase do v. 23). O convite oferecido no v.22a é atendido. Na confissão,


percebem-se os efeitos devastadores da falsa religião. A “vergonha devorou o lucro dos
nossos pais” (v.24). Provavelmente o termo “vergonha” (tv,Bo boxet) seja uma referência a

Baal. O “lucro” seria a produção clânico-tribal: as “ovelhas”, as “vacas”, os “seus filhos” e as


“suas filhas”. Observa-se que a última frase do v.25, à semelhança do v.13, afirma que não
“ouvir” a voz de Javé significa abrir mão da produção clânico-tribal. A falsa religião devora o
fruto do trabalhador: suas ovelhas, suas vacas, seus filhos e suas filhas são consumidos.
Jr 4,1-2 continua o projeto de conversão a Javé:

1
Se voltares, Israel, dito de Javé,
(se) para mim voltares,
se afastares tuas abominações da minha face,
e não (se) não vagares,
2
E (se) jurares pela vida de Javé,
em verdade, em direito,
e em justiça,
Então serão abençoadas nele as nações,
e nele serão exaltadas.

Nota-se o modo como se concretizaria a conversão: “em verdade, em direito, e em justiça”


(hq'd'cb
. iW jP'v.mBi . tm,aB/ be’emet bemixpat ubisdaqah). Falta um vav entre tm,a/ ’emet
“verdade” e jP'v.mi mixpat “direito” (aquilo que é justo). Então, aqui, a “verdade” é o

“direito”. O estabelecimento da tm,a/ ’emet é o estabelecimento do jP'v.mi mixpat, e este, no


266

Antigo Testamento, é definido como “direito” que todos tem de usufruir igualmente daquilo
que a sociedade produz.950 A terceira palavra, hq'd'c. sedaqah “justiça”, evoca menos o

aspecto jurídico do que o das relações sociais.

Deste modo, a conversão proposta pela profecia de Jeremias se efetiva pela verdade/direito e
justiça. A conversão para Javé, em Jr 3,1-4,1, não pode ser compreendida em termos
espiritualistas, como se referindo à adesão de uma religião verdadeira. Antes, voltar para
Deus, e ser curado por ele, no texto jeremiano, significa vencer a deslealdade efetivada pela
entrega de produtos ao estrangeiro (3,13.21). Quando a conversão se efetiva, e a deslealdade é
vencida, a verdade/direito e a justiça prevalecem (4,2). Certamente esse também é o sentido
da conversão em Jr 31,18-22.

Conclui-se que as expectativas salvíficas de Jeremias propõem a conversão para Javé como
caminho para a reorganização social. Solidifica-se ainda mais o argumento da nossa tese de
que as palavras de salvação em Jr 30-31 e em vários trechos do livro de Jeremias têm o seu
nascedouro nas articulações sociais de Jeremias em prol do tribalismo.

4.4 – O novo Davi: Jr 23,5-6

A relação entre Jeremias e o tribalismo também pode ser evidenciada em Jr 23,5-6. Ao


prometer a vinda de um rei davídico justo que executaria o direito e a justiça, a promessa
messiânica contida nesse texto apresenta-se como um contraponto à monarquia judaíta,.

Jr 23,5-6 pode ser datado no final da monarquia de Judá, nos inícios do 6º século. O v.6
apresenta um jogo de palavras entre Wnqed>ci hw"hy> YHVH sidke-nu “Javé nossa justiça” e o

nome do último rei em Jerusalém, WhYqid>ci sidqiyahu “Zedequias” (597-587 a.C.). Portanto,

o cenário de Jr 23,5-6 é o mesmo descrito nos caps. 37-45 do livro de Jeremias. Trata-se dos
tempos finais da monarquia judaíta. De acordo com Jr 37-45, a ruína seria completa em Judá.
Contudo, em meio ao caos, surgiria a esperança. Para Jeremias, haveria continuidade na terra
de Judá, mesmo em meio à efetivação da ruína em 587 a.C. Essa expectativa pode ser
encontrada em Jr 23,5-6:

950
Veja Milton Schwantes, Das Recht der Armen, Frankfurt/Bern/Las Vegas, Peter Lang, 1977, 312p. (Beiträge
zur Biblischen Exegese und Theologie) [tese publicada em português: O direito dos pobres, São Leopoldo/São
Bernardo do Campo, Oikos/Editeo, 2013, 284p. (Série Teses)].
267

5
“Eis,
dias chegando, dito de Javé,
e erguerei para Davi um rebento justo,
e reinará um rei,
e agirá sabiamente951 e executará direito e justiça na terra.
6
Em seus dias,
será salvo952 Judá,
e Israel habitará953 para segurança,
e este [é] seu nome pelo qual o chamarão:
‘Javé nossa justiça’.”

O v.5 inicia-se com a interjeição demonstrativa hNEhi hinneh “eis”, um apelo que chama a
atenção dos ouvintes para o que segue: “dias chegando”. Os “dias” são episódios que, já no
contexto do profeta, estão “chegando” (awOB bo’ qal particípio “chegar”). Este verbo, awOB bo’,

apresenta o duplo sentido de “chegar” e “entrar”954. Quer dizer, os “dias” estão “chegando” e
“entrando”, o que significa dizer que eles estão à porta da vida do povo. Os contemporâneos
de Jeremias já podiam perceber a salvação de Javé, na época de deles. Trata-se de uma
escatologia já realizada, presente na realidade do povo do século 6º.

Depois da expressão “dito de Javé”, a perícope jeremiana desenvolve três afirmações


messiânicas:

e erguerei para Davi um rebento justo,

e reinará um rei,

e agirá sabiamente e executará direito e justiça na terra.

As duas primeiras frases realçam a messianeidade davídica. A segunda destaca o aspecto


monárquico do Messias: “e reinará um rei”. Apesar do caráter monárquico da promessa, é

951
I lk;v'
xakal hifil imperfeito “agir sabiamente/adequadamente”, veja Wilhelm Gesenius, Hebräisches und
aramäisches Handwörterbuch über das Alte Testament, Heidelberg, Springer, 17ª edição, 1962, p.786a.
952
[v;y
yaxa‘ nifal imperfeito “ser salvo”, “receber ajuda”.
953
!k;v'
xakan qal “morar”, “habitar”, “acampar”, “permanecer”.
954
Ernst Jenni, artigo bv’, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario teológico– Manual del
Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.1, 1978, col. 394-396.
268

preciso perceber aqui uma ameaça contra o reinado de Judá. Na primeira frase, o novo rei
seria constituído pelo próprio Javé: “e erguerei” (~Wq qun hifil vav consecutivo perfeito

“erguer”). Trata-se de uma ação histórica de Deus. O reinado messiânico se constituirá a


partir de Javé. Esse ‘erguimento’ do novo Davi por Javé acontece nos últimos anos da
monarquia davídica em Jerusalém e Judá. Quer dizer, Zedequias ainda governava em Judá, no
entanto, Javé levantaria outro rei. Não seria difícil, no contexto do início do século 6 a.C., os
ouvintes de Jeremias entenderem as palavras do profeta como crime político e ideológico
contra o rei de Judá, já que advento do novo Davi implicava a derrocada no sistema
monárquico vigente na época.

O xm;c, semah “rebento” há de ser descendente de Davi. O termo xm;c, semah “rebento”, em

outros textos veterotestamentários, está relacionado com a esperança messiânica davídica (Jr
33,15; veja Is 4,2 e Zc 3,8). Aqui em Jr 23,5, xm;c, semah é adjetivado como qyDIc; sadiq

“justo”. É importante notar que o termo qyDIc; sadiq “justo” (e hq'dc. sedaqah “justiça”,

veja Jr 33,15) expressa muito mais o sentido relacional do que jurídico ou real, e descreve o
modo justo e adequado das relações humanas.955 Portanto, o %l,m, melek “rei” apontado em Jr

23,5 distingue-se dos reis injustos e violentos de Judá, que estabeleceram seus reinados pela
arrecadação de tributos e pela contenção da violência militar (confira 1Rs 12). O reinado
descrito por Jeremias aponta para um modo de governar em que as relações entre o “rei” e
seus súditos se estabeleceriam pela dignidade e justiça.

A última frase do v.5 também destaca o caráter justo do reinado do messias davídico: “e agirá
sabiamente e executará direito e justiça na terra”. Os termos hq'd'c.W jP'v.mi mixpat

usedaqah “direito e justiça” estabelecem as diretrizes para as relações sociais, conforme já


observamos na análise de Jr 4,2. Quer dizer, as relações humanas só se mantêm pela
promoção daquilo que é justo.956 Desse modo, jP'v.mi mixpat e hq'd'c. sedaqah são palavras

similares, e apresentam o reinado messiânico-davídico estritamente voltado para a prática da


justiça. Nota-se que a realização da justiça ocorrerá “na terra”. Trata-se do chão territorial de
Judá e de Israel (v.6). É neste espaço geográfico que o direito será estabelecido. Verifica-se
que a esperança de Jeremias está circunscrita ao território da Palestina.
955
Veja Kraus Koch, artigo sdq, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario teológico– Manual
del Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.1, 1978, col. 394-396.
956
Gerhard Liedke, artigo xpt, em Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario teológico– Manual del
Antiguo Testamento, Madrid, Ediciones Cristiandad, vol.1, 1978, col.1253-1257.
269

O v.6 desenvolve a proposta da “justiça” do v.5. As duas primeiras frases deste v.6 realçam as
promessas a “Judá” e “Israel”. Na sequência, há duas frases construídas por uma poesia
esmerada, na forma de quiasmo957. Essas frases estão ‘amarradas’, e, juntas, indicam o
pensamento de Jeremias concernente à restauração de Judá e Israel.

A promessa de Jr 23,6 foi escrita no final do reinado de Zedequias, e destaca que, a despeito
da ruína marcante nos anos derradeiros da monarquia de Judá, haverá futuro. A expressão
“em seus dias” (wym'y"B. beyamayv) realça que a salvação para “Judá” e “Israel” não sucederá

em tempos distantes, mas sim nas imediações do profeta Jeremias. Essa mesma proximidade
temporal da realização salvífica já pôde ser percebida no v.5. A expectativa de salvação não
está elencada num futuro distante, mas relaciona-se com a experiência monárquica já vivida
por Jeremias e seus contemporâneos. Segundo o texto jeremiano, essa mesma vivência terá
continuidade, ainda que em matizes diferentes da monarquia judaíta, já que este sistema de
governo, tendo Zedequias como representante, estava marcado pelas injustiças, enquanto que
o messias davídico prometido por Jeremias constituir-se-ia pela justiça.

No v.6a, leem-se duas frases que definem o âmbito de atuação do messias davídico:

será salvo Judá,

e Israel habitará para segurança.

A promessa diz respeito à constituição de um sistema parecido com aquele dos tempos de
Davi (11º para 10º século), quando Judá e Israel estavam sob o mesmo governo. É importante
notar, contudo, que a constituição política de Judá e Israel na época de Jeremias era muito
diferente dos tempos de Davi. O Estado de Israel já tinha sido reduzido às ruínas, em 722
a.C., e, no final do século 6º, Judá nada mais era do que uma anexação assíria. Judá também
foi arrasada pelos exércitos assírios, em 701, e pôde respirar aliviada a partir de 627 a.C., sob
Josias. Mas, depois de 605, quando a Babilônia assenhorou-se do corredor siro-palestinense,
Judá apequenou-se novamente, sendo reduzida à vassalagem. As deportações de 605 e 597
para a Babilônia confirmaram a fragilidade de Judá, mesmo antes da queda de Jerusalém no
ano 587. Nesse v.6, a ruína judaíta pode ser percebida. O texto jeremiano diz que ela “será
salva”. A forma verbal [v;y yaxa‘ nifal imperfeito também pode ser traduzido como “receber

957
A B
será salvo Judá,
B A
e Israel habitará em segurança
270

ajuda”958. O uso da forma nifal/passiva confirma a fragilidade de “Judá”.959 Esta “Judá” está
destruída e diminuída pelas grandes potências, especialmente pela babilônica. Porém, a
messianidade descrita no texto não apresenta vitórias militares de “Judá” contra os
estrangeiros; o governo do líder davídico está voltado, antes, para a efetuação do “direito” e
da “justiça” (v.5). Neste texto de Jeremias, o estabelecimento das relações humanas justas é
mais importante do que vitórias militares (veja Gn 49,8-12; 2Sm 7).

A frase seguinte alude a “Israel”, que, conforme já anotado acima, não seria o “Israel” ideal
dos reinados de Davi e Salomão, mas sim, o ‘resto’ do Israel sobrevivente das tribos do Norte
da Palestina, as quais, de acordo com as constatações da presente tese, são focalizadas
juntamente com Judá nas promessas de Jr 30-31. Estas populações do Norte hão de “habitar”
(!k;v' xakan qal imperfeito “habitar”) “em segurança”. A forma verbal !k;v' xakan apresenta

não somente o sentido de “habitar /morar”, mas também o de “permanecer”. Este último
sentido parece ser realçado no texto, já que o verbo aparece junto com xj;b,l' labetah “ para

segurança”. Ou seja, a promessa é de uma vivência tranquila sobre a terra, propiciada pela
“segurança”. É notável um anseio por libertação, por parte daquele remanescente de “Israel”
que, mesmo estabelecida na terra da Palestina, ainda vivia sob o domínio assiro-babilônico.
Certamente isso poderia ser uma realidade em “Judá”, que nos fins do século 7º estava em
destroços por causa das invasões assírias e da administração opressora de Manassés (veja 2Rs
21,16). Diante de circunstâncias tão difíceis, a palavra jeremiana, prometendo “segurança”,
poderia ser como um bálsamo confortador para aquelas populações oprimidas.

Também é importante notar que toda a perícope de Jr 23,5-6 está direcionada para a última
afirmação do v.6. Os conteúdos do v.5 referentes ao “direito” e à “justiça” são retomados
nesse final do v.6. São duas frases:

e este [é] seu nome pelo qual o chamarão:

“Javé nossa justiça”.

A primeira frase do v.6b introduz à segunda. Apresenta-se o “nome” (~ve xem) do messias

davídico: Wnqedc> i hwhy> YHWH sidkenu “Javé nossa justiça”. É notável que este nome

958
Nelson Kirst et al., Dicionário hebraico-português e aramaico-português, p.96.
959
Se a forma verbal estivesse no hifil, o sentido seria “ajuda” ou “socorro”. Veja Fritz Stolz, artigo yaxa’, em
Ernst Jenni, Claus Westermann (editores), Diccionario teológico– Manual del Antiguo Testamento, Madrid,
Ediciones Cristiandad, vol.1, 1978, col. 1080-1084.
271

messiânico é um contraponto a WhY"qidc> i sidqiyahu “Zedequias” (hY"qd


i >ci sidqiyah, somente
em Jr 27,12; 28,1 e 29,3960), o último monarca de Judá, nos anos 597-587 a.C. Apesar de
consultar regularmente o profeta Jeremias, por ocasião do assédio babilônico a Jerusalém (Jr
31,1-7; 37,17-21; 38,14-28), e apesar de contribuir para a preservação da vida do profeta (Jr
38,1-13), Zedequias não apresentou firmeza para se posicionar favoravelmente à mensagem
de Jeremias nos momentos mais cruciais dos últimos anos de Judá. De forma insana, atendeu
aos conselhos daqueles que pregavam a aliança com o Egito e revoltou-se contra a Babilônia,
o que causou a rápida represália dos babilônicos contra Judá. Jerusalém não resistiu. Foi
reduzida às ruínas, em 587 a.C. A administração de Ezequias levou Judá à destruição.
Contudo, o ponto mais crítico está relacionado com o caráter deste monarca. Ele não agiu com
fidelidade quanto ao cumprimento das leis sociais protetoras dos escravos e escravas (Jr 34,8-
22). Assim, Zedequias foi conivente com as injustiças, a ponto de ser chamado por Ezequiel
de “profano e perverso” (Ez 21,25). Ao levantar-se contra a Babilônia, o rei de Judá
demonstrou mais preocupação com a manutenção da monarquia do que com os pobres
fralizados, já que, caso ouvisse o conselho de Jeremias e se rendesse aos caldeus (Jr 38,17-
18), abrindo mão do poder político, certamente as populações judaítas seriam grandemente
beneficiadas, como realmente foram, quando os exércidos de Nabucodonozor destruíram
Jerusalém (Jr 40,12).

A hq'd'c. sedakah “justiça” faltante no governo de Zedequias seria reestabelecida com o

advento do novo Davi. O reino messiânico seria estabelecido pela constituição da


solidariedade.

Uma das principais funções da monarquia de Davi era a administração da justiça. Todavia,
infelizmente isso não ocorria na administração dos reis. Então não havia mais esperança para
o sistema monárquico de Judá. Só haveria esperança para Judá se outro sistema surgisse. É
muito óbvio que, para o advento desse governo justo, era necessário o desmantelamento da
monarquia de Judá, a qual, no contexto de Jr 23,5-6, tinha Zedequias como representante.

É notável também a manifestação do próprio Javé através deste governo justo: “Javé nossa
justiça”. A face deste líder davídico revelaria a face de Javé. A monarquia de Judá não
apresentava nenhuma esperança para aqueles que necessitavam ser defendidos das

960
E em 1Rs 22,11, como referência a outro personagem: “Zedequias, filho de Quenaana”.
272

explorações dos poderosos. Verdadeiramente, Javé era o único ‘recurso’ para aqueles que,
como Jeremias, almejavam a vivência segura sobre a terra.

É claro que essa vivência tribal na terra da Palestina no período que sucedeu à queda da
monarquia de Judá não haveria de ser efetivada por um sistema de governo nos mesmos
moldes da monarquia de Judá, pois isso implicaria o reestabelecimento das injustiças
patrocinadas pelos reis. Assim, o messias apresentado em Jr 23,5-6 é um “rei”, mas não
governaria através de um sistema monárquico, atrelado aos interesses citadinos, antes,
estabeleceria a justiça para as populações do interior de Judá/Sul e de Israel/Norte,
especialmente àquelas populações camponesas. Portanto, o “rei” apresentado nas expectativas
salvíficas de Jr 23,5-6 é muito mais um líder tribal do que um rei no sentido técnico-político.

Também é importante notar que essas expectativas davídico-messiânicas são apresentadas em


outros trechos do livro de Jeremias, inclusive no “Livro da Consolação”, em Jr 30,8-9. Mas
uma aproximação maior se dá entre Jr 23,4-5 e Jr 33,14-18. As similaridades são maiores
entre 23,5 e 33,15, e entre 23,6 e 33,16:

23,5
Eis,
dias chegando, dito de Javé,
e erguerei para Davi um rebento justo,
e reinará um rei,
e agirá sabiamente e executará direito e justiça na terra.

33,15
farei brotar para Davi um rebento de justiça,
e fará direito e justiça na terra.

Se, em 23,5 a introdução e a segunda frase (“e reinará um rei”) foram retiradas, praticamente
o dito deste trecho (23,5) é quase idêntico a 33,15.

Também existe grande semelhança entre 23,6 e 33,16:

23,6
Em seus dias,
será salva Judá,
e Israel habitará em segurança,
e este [é] seu nome pelo qual o chamarão:
“Javé nossa justiça”.
273

33,16
será salva Judá
e Jerusalém habitará para segurança
e esta será chamada em relação a si:
“Javé nossa justiça”.

A diferença é que em 23,6 a palavra de salvação é estendida para “Israel”/norte, enquanto


33,16 a mesma mensagem é direcionada somente para “Jerusalém”:

xj;b,l' !Kov.yI laer'f.yIw> “e Israel habitará para segurança” (23,6)

xj;b,l' !AKv.Ti ~l;iv'WrywI “e Jerusalém habitará para segurança” (33,16).

Portanto, as palavra de Jr 23,5-6 estão repetidas em 33,15-16 com pequenas variações. Existe
dependência literária entre esses trechos. Desse modo, é possível afirmar que elas provêm de
uma matriz comum, proponente de esperanças messiânico-davídicas.

Possivelmente Jr 30,8-9 também pertence à mesma matriz messiânica de Jr 23,4-5 e Jr 33,14-


18. As semelhanças entre Jr 23,5-6 e 30,8-9 podem ser facilmente percebidas:

1) Ambos elaboram uma promessa messiânica davídica.

2) Ambos pronunciam o surgimento de um líder político designado como %L,M, melek “rei”

(Jr 23,5; 30,9).

3) Ambos apresentam Javé como sujeito do soerguimento do novo Davi: Jr 23,5: “e erguerei
(~Wq qun hifil consecutivo perfeito) para Davi”; Jr 30,9: “erguerei (~Wq qun hifil

imperfeito) para eles”.

4) Ambos delimitam o governo do novo Davi a “Judá”/Sul e “Israel”/Norte.

Contudo, também existem diferenças. Jr 23,5-6 é um fragmento de Jeremias que promove


esperança para “Judá” e “Israel”, e ao mesmo tempo estabelece uma crítica ao último monarca
judaíta, Zedequias. O messianismo, aqui, é uma reação contra a monarquia de Judá. Em Jr
30,8-9, por sua vez, a figura messiânica é uma reação ao domínio dos “estrangeiros” sobre a
terra prometida.
274

O mais importante para a nossa tese é que as semelhanças entre Jr 23,5-6, 33,15-16 e 30,8-9
permitem levantar a suspeita de que as palavras salvíficas no livro de Jeremias não são
meramente adendos posteriores redigidos pela comunidade pós-exílica, depois de Jeremias,
como aventa grande parte dos pesquisadores bíblicos. Antes, elas são subjacentes ao livro de
Jeremias, e tem seu nascedouro nas articulações sociais de Jeremias no final do século 7º e
início do século 6º.

4.5 – Considerações finais


A análise da profecia de Jeremias em Jr 1,4-19 e da estruturação verbal proponente de
destruição e de reconstrução em Jr 1,10; 18,7.9; 24,6; 31,28; 42,10 e 45,4, bem como a
observação do significado da conversão conforme apresentada em Jr 3,1-4,1, confirmaram as
suspeitas da nossa tese, qual sejam, as palavras de salvação em Jr 30-31 e em vários trechos
do livro de Jeremias estão alinhadas a um projeto de retribalização. De início, sobrepuja-se a
ameaça, dirigida ao sistema monárquico. Mas, no final, haverá esperança, quando o Estado
ruir. Assim, o tribalismo é o nascedouro das articulações de ameaça e de salvação.

As palavras de salvação apresentam uma vivência tribal que se efetivaria na terra da Palestina.
Essa mesma perspectiva pode ser encontrada em Jr 23,5-6, texto que promove as articulações
de Jeremias concernentes à salvação de Javé, em meio às desesperanças reinantes no final da
monarquia judaíta. Na perspectiva de Jeremias, haveria continuidade da vida em Judá, mesmo
depois da ruína de 587 a.C. Essa esperança jeremiana também pode ser encontrada em Jr
32,15: “ainda se comprarão casas, campos e vinhas nesta terra” (veja Jr 32,1-15). A exceção
seria Jr 24,6, que apesar de promover o tribalismo, dirige a promessa não aos moradores da
Palestiana, mas aos exilados de Judá.
275

Conclusão

Ao final desta pesquisa, espero instigar outros biblistas a aprofundar o conceito de


salvação no Antigo Testamento. Concentrei-me em Jr 30-31, mas ainda há inúmeros outros
trechos da Bíblia Hebraica que precisam ser elucidados. Isso é muito importante, pois,
atualmente, há muitos discursos cristãos que interpretam as promessas de salvação dos textos
veterotestamentários como se fossem meramente realidades futuras relacionadas a um céu
etéreo e a-histórico. Quer dizer, os textos proféticos que anunciam a restauração futura de
Israel são considerados “escatológicos”, e apresentariam somente uma dimensão temporal
futura que ainda não teria sido cumprida.
No entanto, a salvação de Javé, conforme apresentada em Jr 30-31, deveria ser realizada
em um tempo específico, na época de Jeremias. Ou seja, ainda que a palavra de Jeremias
aponte para aquele dia como futuro (“dias virão”, 30,3a; veja 30,8a;
31,1a.6a.27a.29a.31a.38a), por outro lado, o futuro estava inserido no âmbito temporal do
profeta: o “último dia” não é o tempo escatológico, mas sim o tempo relacionado com “neste
dia” (Jr 30,8), o “tempo de angústia para Jacó” (30,7), o qual certamente deve ser identificado
com as experiências de opressão, acometidas contra Jeremias e contra as populações do
interior de Judá/Sul e Israel/Norte. A promessa de salvação emerge no contexto das ameaças
babilônicas sobre a terra de Judá, e apresenta também a memória dos massacres promovidos
pelos assírios sobre as populações do Israel/Norte.(ou norte) Jeremias, que tanto sofrera nas
mãos dos reis de Judá, articulou uma mensagem de esperança aos pobres da terra, quando o
Estado judaíta sucumbiu ao ataque da Babilônia em 587 a.C. As promessas de salvação de
Jeremias apresentavam as intervenções de Javé em favor daquelas pessoas oprimidas.

Na presente tese, as palavras de salvação de Jr 30-31 foram analisadas pela metodologia


exegética proponente da análise de três aspectos importantes do texto: a forma, o lugar e os
conteúdos.

Quanto à forma, foi possível evidenciar que a estrutura fundamental da poesia jeremiana
é a repetição, através da qual as afirmativas vão sendo construídas e progressivamente
aprofundadas. Constatou-se também a fruição entre prosa e poesia, notando-se assim as
dificuldades para uma diferenciação rigorosa entre esses dois estilos literários, que, no texto
de Jr 30-31, estão misturados e inter-relacionados.

Quanto ao lugar, observaram-se os dois períodos da atuação de Jeremias: época de


276

Josias e época de Zedequias (Jr 1,1-3). Jr 31,2-6 é uma convocação às populações do


Israel/Norte para a adoração em Jerusalém, pertencente à época em que Jeremias apoiava a
reforma de Josias (2Rs 23,15-23). Jr 30,18-21 foi escrito um pouco após 622 a.C., quando a
reforma josiânica radicalizou-se. Manifesta o interesse da supressão do imperialismo assírio
sobre o interior de Judá/Sul e do Israel/Norte. As demais perícopes de Jr 30-31, analisadas na
presente tese, podem ser datadas por volta de 587 a.C., nos anos finais da monarquia de Judá,
um pouco antes da ruína de 587 a.C. (Jr 30,8-9), e no período imediatamente posterior a essa
data (Jr 30,1-3; 30,4-7; Jr 30,12-17; 31,7-9, 31,10-14; 31,15-22; 31,31-34). Nessa época, essas
perícopes foram reunidas sob a introdução de Jr 30,1-3, e também foram unidas às palavras
anteriores de Jeremias (Jr 31,2-6; 30,18-21; 30,8-9), formando assim um rp,se seper “livro”
(30,2). Surgia o Livro da Consolação (Jr 30-31).

Para a presente tese, de fundamental importância foi a identificação dos agentes sociais,
para os quais as palavras de salvação de Jr 30-31 foram dirigidas. Muitas promessas de
Jeremias focalizavam aquelas populações do Israel/Norte que estavam longe da terra da
Palestina. Essas pessoas são identificadas como “Israel” (Jr 30,3.4.10; 31,1.2), “Jacó”
(30,7.10.18; 31,7) e “Efraim” (30,6). Os oprimidos que recebem a promessa de salvação são
pessoas que estão em “prisão”, afastadas da terra da Palestina (30,3); sofreram a angústia de
uma invasão de um poderoso inimigo opressor (30,7.16.17). Em algum momento de sua
pregação, Jeremias também incluiu as populações de “Judá” que sofreram injustiças da
monarquia de Jerusalém (30,3.4; 30,17b).

As promessas de salvação não somente foram direcionadas para pessoas que estavam
fora da Palestina, mas também àquelas populações de judaítas e israelitas que permaneceram
na terra após os exílios de 722 e 587 a.C. (Jr 30,8-9; 23,5-6).

Foi possível identificar pelo menos dois grupos sociais, para os quais as palavras de
salvação foram direcionadas: 1) “agricultores” (31,24; veja 30,18 e 31,5a); muitos deles
plantavam “vinhas nas montanhas de Samaria” (30,6); e 2) pastores de ovelhas, “aqueles que
puxam o rebanho” (31,24).
Quanto aos conteúdos de Jr 30-31, é preciso realçar algumas afirmativas importantes da
presente tese. Inicialmente, notou-se que promessa de Jr 30,3 pressupõe a retomada da
#r<a, ’eres “terra” como meio de produção. A salvação é apresentada como uma “volta” para a
terra prometida, mas o foco de Jr 30-31 não está na volta em si, mas sim na vivência sobre
terra sem um poder político opressor estatal centralizador, como se verificou especialmente na
277

análise de Jr 30,10-11.
Em Jr 30,5-7 há uma descrição da ruína de Jerusalém, enquanto o final do v.7 anuncia
salvação para Jacó, o que pressupõe que a promessa de salvação necessariamente visa a um
grupo social distinto da cidade de Jerusalém.
Em Jr 30,8-9 o surgimento de um novo Davi implica, necessariamente, a destruição da
monarquia de Judá. Essa afirmativa pôde ser comprovada pela análise de Jr 23,5-6, que indica
o surgimento de um novo Davi capaz de trazer “direito e justiça sobre a terra” (23,5), e que
não estaria voltado para os interesses políticos e ideológicos de um grupo social seleto
citadino (Jerusalém), mas sim, para “Israel” e “Judá” (Jr 23,6).
Em Jr 30,12-17, e à luz de outros textos jeremianos (Jr 4,6; 6,7; 6,23; 10,19; 14,17), a
interação entre ruína e salvação pressupõe que a palavra salvífica não poderia ser direcionada
ao mesmo grupo de pessoas para o qual foi direcionada a palavra de desgraça, a não ser que
este grupo não tivesse mais vínculos com o sistema monárquico criticado por Jeremias.
As pessoas que recebem a promessa de restauração em Jr 30,18-21 podem ser
identificadas como nômades e camponeses. Em Jr 31,2-6, a promessa jeremiana é direcionada
para agricultores que plantavam “vinhas nas montanhas de Samaria” (Jr 31,6).
Por estas constatações, é possível concluir que a conversão proposta em Jr 31,18-20 tem
como implicação a reorganização social tribal, principalmente se o texto é interpretado
paralelamente a Jr 3,12-13.19-25.

Nesse contexto, a afirmação da nova aliança, em Jr 31,31-34, elabora uma promessa


divina aos israelitas e judaítas, exilados por assírios e babilônicos. Deus estabelecerá com eles
uma nova relação, o que implica um estabelecimento de compromisso por parte de Deus para
protegê-los de novos exílios e espoliações. A aliança é um pacto unilateral, procedente
unicamente de Javé. O povo sofrido e espoliado depende da ação divina para que sua história
seja reescrita a partir da libertação. Portanto, a aliança essencialmente é promessa.

Os vínculos entre o profeta Jeremias e o tribalismo também pôde ser notado em outros
trechos do livro de Jeremias. Foi possível visualizar as semelhanças entre Jr 1,10; 18,7.9; Jr
24,6; Jr 31,28, Jr 42,10 e Jr 45,4, particularmente ao que diz respeito à estruturação dos
verbos que dizem respeito ao ‘destruir’ e ao ‘reconstruir’. Aqueles verbos que anunciam o
‘destruir’ declaram a ruína da monarquia davídica de Jerusalém. Já aqueles verbos que se
referem ao ‘reconstruir’ declaram esperança para os setores sociais que foram oprimidos e
perseguidos por Jerusalém (Jr 1,10; 31,28; Jr 45,4), e também anunciam a volta dos exilados
da Babilônia para Judá (Jr 24,6). Esta estruturação verbal também anuncia a continuidade na
278

terra de Judá depois da catástrofe de 587 a.C. (veja especialmente Jr 42,10).

Deste modo, as palavras salvíficas engendram um projeto de reestruturação social. O


sistema social defendido no texto é o tribalismo, que propõe acesso igualitário à terra como
meio de produção. Esse projeto de retribalização da terra pode ser resumido em Jr 31,1:
Naquele tempo, dito de Javé,
Serei como Deus para todos os clãs de Israel,
e eles serão para mim como povo.

É possível concluir que, a partir das observações da presente pesquisa, os “clãs”/tribos


podem ser definidos como aldeias comunitárias organizadas em torno da produção da
terra/roça. Esses “clãs”/tribos podem ser identificados com o “povo” que pertence a Javé e
reconhece-o como o verdadeiro Deus. Nota-se assim que organização do culto a Javé passa
pela organização social. A “esperança para o teu futuro” (Jr 31,17) é concreta, e está
enraizada em uma história a ser escrita por Javé a favor daquelas camadas sociais que ao
longo da história antiga foram desmanteladas por práticas corruptas promovidas pelas
monarquias de Israel e de Judá. A realização da esperança é a instituição da justiça social e o
surgimento de relações sociais fundamentadas na igualdade e na fraternidade entre os seres
humanos. A salvação é a concretização da socialização da humanidade.

Portanto, a salvação em Jr 30-31 é material e concreta. Deste modo, a promessa


apresentada em Jr 30-31 implica usufruir o “bem de Javé”, identificado como o “grão”, o
“vinho”, o “azeite”, os “filhos dos rebanhos” e o “boi” (Jr 31,12). A promessa seria cumprida
quando houvesse colheita abundante: “Os plantadores plantarão e colherão” (31,5). Só assim
haveria alegria e festa (31,4.13).

Obviamente que o conceito de salvação, quando analisado no âmbito do “cânon” bíblico


geral, não pode ser reduzido à libertação social. Isso porque há tantos outros textos bíblicos
que evocam uma redenção cosmológica (“novos céus e nova terra”, Is 65,17; cf. Ap 21,1); há
também outros textos que descrevem a salvação como realidades futuras desconectadas da
história humana atual (Jo 11,25; Hb 11,10; etc.), ainda que já iniciadas na realidade atual para
aqueles que possuem, agora, as “primícias do Espírito” (Rm 8,23).

Enfim, a presente tese percebeu a impossibilidade de abordar o tema da salvação sem


mencionar as interversões de Javé na história (passada, presente e futura) daqueles que sofrem
279

injustiças sociais. Por essa razão, a Igreja, como agente do Reino de Deus (entendendo aqui o
“Reino” como uma realidade de justiça e paz nas relações humanas na história presente), deve
ser o meio através do qual as ações salvíficas de Javé são realizadas. Portanto, o entendimento
de salvação, conforme apresentado pela presente pesquisa, provoca uma atitude concreta da
Igreja, não a permitindo fechar-se num gueto religioso que ignore as injustiças do mundo
atual. Em outras palavras: “Se quisermos honrar a Deus, temos de defender os pobres e
necessitados (Jr 22,16).”961

961
Timoth Keller, Justiça generosa – A graça de Deus e a justiça social, tradução Eulália Pacheco Kregness, São
Paulo, Vida Nova, 2013, p.29.
280

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