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LUÍS Y A Z DE CAM ÒES

OS LUSÍADAS
AD APTA C Ä O DE RUBEM BR AG A
F.&porüvbniïdte etePteJ
M auro Afi&titJes

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Cristina Cariarti

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Sonia Rod^irius

Revisic
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Esleía Hcvier CavaAnteQ

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Didier D . C . D i® dp M or¿ei

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Chico Co clho

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¿Ji'rc£¿¡ú adjunta ranwrÁJÍ


Derivai Poli,Ite no Solini il w

GertntìaBdfí&ríap
Simia Ri«

ídi'iJri t e arie
Didipr D. C. Dias Je Moíae^

- Cf ie ls t e rtv ííío
Miriam Cíe C*rvalho

CoartenaiÄögeraJte¿ríe DwkwiTtiTrjriwalsri’ Cid.ifcrjiçjriKíPub'kj^jn(CB1}


SirgiO Ymaka SUnraEi ICfcïUT to Ihm*, SR Bíüft

2005
Cim&a, Lut dE 15M M H »
ISBN ÔS -2 62* 4 103- 1- A L
ífcUiLíAesiijmc,deCard«;adagiatitia?
ISBNB5-262-47940(~fH íuMimPifjí í LtwnRodilBrjÿi.-isoPiLío;
icfiruv, 139:.- (6tnrRwKOnrrvlilM
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14 s E D I Ç Â O
[& impressaci) VütsratJBinfíHito-jtre^l I. Er^g». iubenx
I91Ï-19SO.I. BràÇn, Édr-Li'i P«t:í »f TiulIc. IV
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(jorrposiçànpürre-fat&f
Üi^rtt Editora o Cti-nertiai de Livrpí
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E se* em ve; da pergunta ¿cima, tomevàssemus copi outra: quem


Luis v ai de Camòes nAo foi?
Muji&s resposlas poderiam ser dadas; cada iim de nos nao é* certa­
mente, orna porgilo de coisas. No caso de Camfces* porém, acertaría
quem diSsesse: nao foi um poeta que fez da poesia, aventura, mas atguèm
quo fez da aventura, poesia, pu seja, eie nào se coiucntou tm viajarà ro­
da de seu quarto.
O ano prdrvévcl de seu nascimento é 1524, e o local parece ter sido
Lisboa. Filho de pequeños robres empobrecidos, freqflenUHi, segundo
algún* rcglslrost a Uuiversídade de Coimbra. AJi, entrón cm cornalo
com os autores clássicos gregei e Taisnos — tnodeios do humanismo rc-
oascemisia* o movimento artistico, filosòfico e literario que, a partir da
Italia, inadiara-se pela Europa, de terni inando novos valores estéticos e
moráis, atra vìi dui q l i ais o homem havia adquirido am pape! funda mes­
tai na tran sforni acao do mundo.
Esse mundo cambìin ganliava novos limites geográficos, com os
desco bri fuentes e conquistas de Esponila e Pori ugal- Grabas ao¡> dok rei­
nos ibéricos, fora descoberta a América, cm M92s e aberto, età 1497* o
caminhn marítimo para a Ìndia, terra da* especiari¡isT mercadonas de
grande valor na època. A cada dia, mais e mais hetnens eram chamados a
panicipar de tào emocionantes acomeeimentos.
Entre elcs estiva Cannes. Em 1547, alisi oli-sc como soldados :oì
mandado paia Ceuta, no Marrocos, onde perdei! o otho tikeito num
combate. De volta a I.isboa, foi preso em 1552, por J'erir cfrni um golpe /
de espada uni servidor do rei. Perdoado pda monarea. partiu para a in
dia no ano seguirne. A partir de entüo, a ^ida do poeta toruou-se urta su¿
cessào de peripecias..
Parlici pou de várias expedifOes militares uà India. Deperii viaiou
paca a China, a firn de exercer um cargo adirtinislralivo em Macao. No
retorno à Ìndia* naufragoii na foz do Rio MeVong, e conseguiu se stivar
a nado, com os manuscritos de Or Lusiade, que já andava cotti Fondo.
Apto anos na obscuridade* foi encontrado em Mozambique* cm 1567,
peto historiador Dingo do Couto* que assim d « c reven o estado ífc penù­
ria do poeta: pobre que comía de amigos".

■ /
Repressoti a Portugal dais anos mais tarde, com Os Lucindas pron^
to para publicac&o, que se dará em 1572 por c o n ce ssi co Rei O. Sebas­
tian, a quem Carnees dedicara sua obra-prima.
Os Lusiadas, aquí adaptado em prosa, é um poema ¿pico dividido
em dei cantos, que tem por lemas a víagem de Vasco da Gama em busca
do caminño maríiimo para a Ìndia e a historia portuguesa, desde a luta
contra os mauros invasores até a con solid alo do Estado luso e as gran­
des navegadoes. Sua estrutura narrativa traz influencias da Odlsséfat do
poeta grtgo Homero„e da Eneida, do poeta latino Virgilio: em ambas as
obras o assunto é a vìagem de uni heròi, simbolo de um povo glorioso, a
mercé do$ deuses do Olimpo, que estío divididos sobre apoiá-lo ou n£o
em sua destemída jomada, Em OsLusíaéas, no entanto, os deuses greco*
romanos fundón am como "causa; segundas**, que cumprem, por meio
de fenómenos naturais, as determinarías de um destino superior, regido
pelo L>eus cristào. Essa u tiliz a lo de elementos mitológicos confere ao
poema urna atmosfera de sonbO* que alivia a ejtaltac&o retòrica dos leitos
portugueses,
Etnbora Os Lusiadas tenha alcanzado a fama de poema nacional
portugués, CamScs inorrtu na misèria, em 1580, deixando também urna
extraordinaria obra lirica, que foi publicada postumamente,
Deste homcm que confundiu sua aventura com a aventura de seu
país, vale a pena rranscrever as últimas palavras: "E nfin j, acabarei fi vi­
da e verAo lodos que fui tao a fe ita d o A minha pàtria, que nflo me con­
tentai em morrer nela, mas com elaT', O Rei D. Sebasiiao morrera em
1^76 e, deis anos dcpoLs, Portugal passou ao dominio da E&panha. O
poeta nào suportou tañía tristeza.
■■7-. ■
-.“•i

Por mares nunca dan tes navegados

Á frota portuguesa singrava o Oceano índico, entre a


costa oriental da África e a Uha de Madagascar, O vento
brando ¡nchava as vela$ e urna espuma bianca cobría a su­
perficie das águas cortadas pelas proas<
Eram quatro naus, A Süo Gabriel, comandada por Vas­
co da Gama, que chcfiava a squadra; a Sao Rafael, sob o co­
mando de Paulo da Gama, irinao de Vasco; a Bérrio, que ti-
nha por eapitao Nicolati Coelho; c a ñau que transportiva os
mam intentos, Sao Miguel, comandada por Confalo Nones,
Levavam cento c setenta homens, entre maní jos, escri-
v&es, religiosos c dez depredados. Partiram da Praia do des­
telo, em Lisboa, erti 8 de julho de 1497, á procura do carni-
nho marítimo para a india, o reino dai especiadas, como
oravo, canela e pimenta, entao ootdfados em toda a Europa.
Em 22 de novembre, dobraram o Cabo da Boa Esperan­
za, no extremo sul da África, faz anha so realizada por Har-
tnlomeu Días, dez anos antes. Mas agora, já haviam ultra­
pasado o último ponto atingido por aquelc navegante na
costa oriental da África c contjruavam a trajetória para o
norte, por aguas jamais síngradas poi naves eut opéias.

O concilio dos deuses

Enquanto os argonautas portugueses prosseguiam na


sua aventura, os deuses iam pelo formoso e cristalino céu da
5
/
Vía Láctea a caminho do Olimpo* de onde a geme humana è
governarla. Etes haviam Lido convocados, através de Mercu­
rio, para uni concilio sobre o futuro do Oriente.
No Olimpo* cram aguardados por Júpiter* o pai sublime
e seníjur dos terri veis raios fabricados por Vulcano. Ele csta-
va em seu trono resplandecen te feito de estreías, com a coroa
e o cetro rutilantes, de pedras mais límpidas que o diamante.
Do seu rosto emanava umar tilo divino que tornaría também
divino quaiquer ser humano que o respirasse.
Os outros deuses acomodaram-se em luzentcs assentos
esmaltados de ouro e pérolas, Na frente, os mais antigos e
glorificados. Atrás, os menores. E Júpiter, majestoso, come-
çou a talar em um t.om de voz que infundía respeito e temor:
— Eternos moradores do céu estrelado, o Destino deter-
minou que a forte gente de Luso — o bravo companheíro de
Baco — realizará proezas que faráo cair no esqueeímento os
assirios, persas, gregos e romanos. Já lhes foi permitido que,
embora coni um exérerto pequeño e mal armado, tomassem
aos fortes mouros toda a terra banhada pelo Rio Tejo. Tam­
bém contra os temidos castelhanos cíes tiveram o favor do
céu sereno. Assim, os lusitanos tem sempre aicançado, com
fama e glòria, os troféus da Vitoria. E nesle momento, inves*
tindo pelo mar perigoso em iiaus tSo frágds, por caminhjo ja­
mais seguido, ousam aínda mais, sem temer a força do Vento
Áfrico ou do Vento Noto, Depois de conheeerem terras e
mares dos hemisferios Norte c Sul, des se lançam em direçâo
ao berço onde nasce o dia. Pois lhes está prometido pelo
Destino o governo do mar que presencia a chegada do sol, É
bem justo, portanto, que Ihes fieja logo mostrada a ierra de-
sejada. E já que durante a viagem tèm passade por tantos pe-
rigos, por tantas intempéries e por tan!o furor de ventos íni-
migos, ordeno qtte os povos da costa africana os agasalhem
como amigos c os reabasteçam, para que alcaneem sem de­
mora o Oriente.

ú
Apóft es^as paJavras de Júpiter, os delires, respondendo
por ordem de híerarquia, divergíam entre si. Baco nSo con­
cordava com o que Júpiter dissero subendo que seus feitos
no Oriente seriam «queridos caso a gente lusitana chetasse
até iá. Ao deus do vinho muito doia perder todas as glorias
amigas, aínda entào celebradas em Nisat cid ade fundada por
de na India.
A opinilo de Baco era contestada pela bela Venus, mul­
to afeigoada à gente lusitana por ver nela quididades táo se­
m ejantes ás da geme romana, que tanto amava. Fram po~
vos parecidos nos fortes torafòes e ho idioma, Et como já es­
lava escrito pelo Destino, Venus sabia que seria glorificada
era todas as partes onde chegassem os bravos guerre iros por­
tugueses.
Àssim, Baco e Vénus insistiam em suas opinioes antagó­
nicas — ele por temor do descrédito e eia pelas honras que
pretendía aleangar. Com os demais deuses lomando o partid
do de um e de outro* o tumulto que se levanten no consagra­
do Olimpo foí semelhanvc ao causado pelos vemos Austro
ou Bóreas, quando rompan os ramos das florestas espejas
com impeto e furia desmedida. Foi cntáo que Marte se ]evan-
tou para defender a causa de Vénus — falvez obrigado pelo
seu amigo amor pela deusa, Zangado, ergueu a visara do ca­
pacele de diamantes e coloeou-se* resoluto, diante de Júpi­
ter. Com o basteo, deu urna pancada táo forte no trono cris­
talino que fez todo o céu tremer e o sol empalidecer de ruedo,
para depois dizer:
— O senhor, meu Pai, já ordenou que esta gente que
agora busca o Oriente náo sofra mais privapóes. Se quer que
a determinatilo do Destino soja cumprida, nao ouga mais as
razoes de quem parece suspdio. Pois se Baco nào deìxasse o
receio vencer a razáo, estaría agora defendendo essa gente
que descende de Luso, seu amigo, Esquejamos sua intransi­
gencia, movida pelo òdio, pois a inveja nunca sobrepujará o
bem merecido. O senhor* Pal, nao eleve voltar atrás na dcci-
sao tomada, pois é fraqueza desistir de coisa com bada.
O pai poderoso, sarisfeit.o, concordou com as palavras
do valornso Mane e espaígiu néctar sobre todos os deuses,
aben<?oando-os. ím seguida* cada um Ihe fez urna reverencia
e partiuoelo luminoso caminho lácteo em direqáo á sua mo­
rada,

Os m ottros de

Enquanto isso sepassava no formoso Olimpo, os portu­


gueses navegavam entre a costa africana e a IIha de Mada-
gasear, O ar estava calmo, sem ameapa de perigos, Ukrapas-
savam Mozambique, quando o mar J/ies descobriu novas
ilhas.
Vasco da Gama, o valeroso capitáo, nSo ve razóes para
se deterern ali, poís a térra Ihe parece desabitada. E já resol­
verá prosseguir, quando surge um grupo de pequeños batéis,
víndos da ilha mais próxima á costa. Os portugueses se alvo-
ro^am e trocam cutre si mui tas perguntas:
— Que gente será esta?
— Que eostumes, que lei, que rei teráo?
As embarcaqoes cram muito vclozcs, estreitas e compri-
das, com velas f citas de folhas de palma. Os tripulantes eram
negros e trajavam vestes de algodáo, brancas ou listadas do
varias cores. Vinham todos ñus da cintura para cima, com
turbantes na cabeza* armados de adagas e punhais* e tocan­
do estridentes trombetas. Acenavam aos lusitanos pedindo
que esperassem. As proas das naus se moveram ligcíras para
ancorar junto ás ilhas. Todos a bordo trabalhavam nisso

&
com tanto ardor como se a viagem esdvesse acabando. Por
fim, as velas foram arriadas e o mar, fendo pelas ancoras.
Nao demorou muilo e a gente estranila já subía pelas
cordas. JEsravam alegres e o capitáo os receben com cortesia,
mandando que lhes fossero servidas comida e bebida. Curio­
sos, des perguntavam erti árabe;
— De onde vém voces? Que buscam?
Vasco da Gama respondcu:
— Viemos de muíto longe, Somos súditos de um rei po­
tente, táo amado que por ele navegaríamos alé o inferno. E a
seu mando estamos buscando, através do mar remolo, a ier­
ra oriental, regada pelo Río Indo. Mas já está na hora de in­
dagadnos lambém: quem sao voces? Que ierra é esta? Sa-
bem alguma coisa sobre o cammho para a indía?
Um deles falou;
— Somos estrangeiros nesta terra, pela religiáo e pela
ra^a. Os nativos sao selvagens, sem religiáo. Nos temos a re­
ligiáo verdadeira, ensinada por Maomé, descendente de
Abraao. Essas ilhas onde vivemos funcionam como escala
paraos quenavegam por esta costa. Por isso estamos aquí. E
voces, que vSm de láo longe á procura da ìndia, encontrarlo
entre nos um piloto que os guiará sabiamente pelas ondas.
Também teráo mantimentos, e o governante desta terra, que
amanhá lhes visitará, providenciará tudo o mais que for ne­
cessàrio.
Após tais palavras, o mouro despediu-se dos portugue­
ses e retornen com sua gente aos batáis, Nesse momento, o
sol merguihava ñas aguas, encerrando o dia e dando vez a
sua írma, a lúa, para que iluminaste o grande mundo en-
quanto ele dormia.
A noite passou-sc com rara alegria na frota cansada,
por surgirem enfim noticias da ierra distante e hátamo tem­
po desejada. Cada um dos portugueses pensava consigo nos

?
momos, sem entender como aqueles adeptos da fé errada pu-
deram espalhar-se tanto pelo mundo.
Os claros raios da lúa brílhavam pelas ondas pratcadas
de Netuno. O ccu esti ciado parecía um campo de flores. Os
furiosos ventos repousavam em su as covas escuras c distan'
tes. Mas os marujos, como de cosLumet nao relaxaram a vigi­
lancia das naus.

A visita r egedar
o
d

Logo que amanheccu, a frota cnfcitou-sc de barí de iras c


vistosos toldos para rcccber com festas o regedor das ilhas,
que dentro em pouco chegaria* O govemante eslava conten­
te, pois achava que os navegantes eram aquda gente que ha­
bita va em torno do Mar Caspio e que tomara Rizando a
Constantino,
O capitüo acolheu com todas as honras o mouro e sua
comitiva. Presenteou-o com ricas pecas que trouxera espe­
cialmente para tal ñm e com doces de frutas em conserva. O
mouro receben ludo com mui La satisfago, e mais satis frito
aínda provou as delicias que Ihe foram oferecidas.
Pcndurados nos cabos e mastros, os marujos portugue­
ses a tudo assistíam intrigados, reparando nos modos e na
língua dos visitantes. Também o mouro estava confuso, ven­
do a cor da pele e os trajes dos estrangeiros. Perguntou entáo
a Vasco da Gama se porventuni vinham da Turquía, e disse
que desejava ver os livros de sua lei^ preceito ou fé (para ver
se eram conformes as su as eren f as, ou se eram dos seguido­
res de Cristo, como já desconfiava), assim como as am as
que seus homens usavam quando lutavam contra os inimigos.

10
O Gama respon de udhe:
— Ilustre senhor, náo sou da terra ncm da gei açào dos
povos da Turquía, e sim da valante e guerreira Europa. Voti
em buscadas famosas térras da india. Sigo a rcíigiao Daque-
le a eujo imperio obedecem o visivcl to invisível. Aquefeque
eriou o Universo, tildo o que sente e tudo o que è insensíveh
Aquele que padeccu afrontas e viíupérios, ¿ofrendo morte
injusta e horriveU que deseen do Céu á Terra para que todos
os moríais pudessem subir da Terra ao Céu. Nao trago os li-
vros que o senhor pede, pois nâo preciso trazer escrito em
pape) o que deve estar sempre na alma. Mas se quer ver as ar­
mas, seu desejo será atendido. Veja-as como amigo, e desejo
que jamais as queira ver como inmugo.
Dizendo ísso, o capillo mandou que sens subordinados
mostrassem as armas e armaduras: couraças de aço rduzen-
te* malhas finas de ferro, espadas afiadas, escudos com pin­
turas diversas, balas, espingardas, ateos e aljavas cheías de
setas, partasanas afiadas e lanças de punías agudas. Trouxe-
ram tamben1, as balas dos canhdes e panelas usadas para der­
rama i enxofre derretido sobre os ínimigos, O capillo, po-
rém, nao pertnitiu que os aniJheiros atirassem com as bom­
bardas, porque o animo generoso e valenle nunca deve mos­
trar todo o seu poder à gente fraca — e com muita razio,
pois é covardia ser lelo entre ovelbas,
O mouro observava tudo atentamente, enquanto o Odio
crescía em su a alma, por saber que os estrangeiros eram cris-
tíos. Entretanto, nao deixou tTansparecer na fisionomía ou
nos gestos o que senti a, continuando a tratar os portugueses
com sorrisos e falsa am&büidade até que pudesse mostrar o
que realmente pensava.
Vasco da Gama pediu-lhe, cntáo, um piloto que pudesse
levá-los á India, dizendo que esse trabalho seria muito bem
pago. O momo prometen atcndé-lo, mas com internos táo

12
dañosos que, se pudesse, naqueie m «m o dia lhe daría a rnor
le em vez do piloto.

A armadilha de Baco

Do seu trono bnthame, Baco, vendo que os lusitanos


despertaram o òdio do regedor, foria um p]ano traif0eiro
para que eles fossetti destruidos. Ele nao se conformava:
Por que cu, filho de Júpiter, tenho de deixar que ou­
tros usurpem minia fama? Que mu povinho arrogante tome
o lugar conquistado por mim, por Alexandre da Macedònia
c pelos romanos? Nao, n&o permítirei que isso acontecí. Es­
sa frota jamais chegará ao Oriente, Atifarei ainda mais a
gente moura; quera aproveita a 0 casi So sempre chega pelo
caminho mais curto.
Irado e quase insano, Baco desee à Terra, sob a forma
de um velho sabio mutui mano, mimo respeitado pelo rege-
dor, e vai ao encontró do governante mouro, para lhe dizer
que os reccm-chcgados eram ladròes e piratas.
— E mais — aerescentou Baco — , sci quc esses cristáos
sanguinolentos lem desti nido tinaie todas as cídades da costa
curri incendios violentos, e escravjzado mulheres e crianzas,
Náo podemos deixar que fa^am iSSo con0 sco. Sei que varios
deles virao multo cedo buscar ágqa em terra. E se vera em
bando, ¿ porque da má intendo nasce o meda. O senhor de­
ve preparar-Ih es urna cilada, Eles Serao fadlmeme ^ r e c u ­
didos >c isso forcará u c a p iti a tentar resgatá-Ios, desguai -
nccendo a frota, que, desse modo, poderá ser tomada. Se
eonseguirem escapar, tenho aínda em mente outro plano:
finja arrepen dime uto e mande-lhcs um piloto que os leve
aonde sejam morlos.

13
O reí niouro abra^ou lüaco, agradecen d o-Ihe o consc-
Ihú. b logo providencien! para que a agua que os portugueses
busca vatn fosse transformada em sangue. Para completar o
ardil, procurou um mouro astuto, a ser mandado aos portu­
gueses como piloto, recomen dan do-Jhe que, caso os lusita­
nos escapassem da rilada armada em térra, ele os deveria
conduzir até outra armadilha, da quaí nao sairiam.

A vinganga das bombardas

O sol n&scia quando Vasco da Gama deddiu que urna


expedido armada íria buscar agua em tena* Pressenlia peri-
go, pois enviara alguns emisarios, para solicitar o piloto de
quenecessitavam, c foi-lhes respondido, em tom hostil, coisa
muito contraria ao que es per ava.
Na praía, os mouros já estavam a postos, Uns poneos
esiavam á vista, com escudos, adagas e arcos com setas enve­
nenadas, para fazer parecer aos portugueses que suas forcas
eram reducidas, ao passo que muitos outros aguardavam es­
condidos, Os que estavam vis iveis brandjam suas armas,
provocando os visitantes. Estes nao puderam suportar por
muito tempo a afronta t muitos logo saltaram em ierra, táo
rápido que nao se pode dizer quem foi o primeiro.
Tal como o tomo feroz se lauca contra o foureiro que se
exibe para a formosa dama desojada, os portugueses ataca­
ran^ os Inimigos. Dos baléis, urna furiosa e pesada artilharia
Ihes dava cobertura. Os estampidos assustavam e o ar asso­
biava e rctumbava, Surpreendidos, os mouros tcntaram es­
capar, mas muitos tropecavam nos corpos dos companheiros
escondidos na arcia.

14
Nào contenías, os portugueses seguiram bombardean­
do, incendiando c dcstmíndo a povoaçào sem muros e sem
defesa. Enguanto fugiam, os mouros atiravafii suas setas,
mas sem força. Desorientados, arremessavam paus e pedias
gue encontravam pelo caminho e procuravam refugiar-se no
continente, abandonando na üha tudo o que tinham. Uns
íam em barcos lotados, outi os a nado, porém os sucessivos
tiros de bombarda arrombavam us fràgeis embarcaçôes* e as-
sim os portugueses casrigavam a vilania e perfidia dos ini-
mígos.

Pel os rumos da traigáo

Com o òdio mais aceso do que nunca, o rcgedor decide


por em a segunda armadífha e manda transmitir o seu
arrependimento aos lusitanos, enviando-ibes, como sinal de
paz, o piloto prometido. Vasco da Gama, que já eslava
pronto a continuar viagem, com o tempo bom e ventos favo-
ráveis, recebeu o homem e ordenou que a frota deixasse a
ilha.
Sem suspeitar do embuste, o capítao fazia pcrgumas so­
bre a India e a costa pela qual passavam. E o mouro, instrui­
do pelo malévolo Baco* a tudo respondía, enguanto lhes pre­
parava o caminho da morte e do cativeiro.
Com o mesuro pensamento com que os gregos engana
ram os troíanos, fazendo-os aceitar como presente o gigan­
tesco cavalo de madeim onde se escondiam guerreros inimi-
gos, o piloto disse a Vasco da Gama que navegavam próximo
a urna ilha, chamada Quiloa* onde habitava um antigo povo
crisi ao. O capítao alegrou-se com a noticia e pediu-lhe que os
levasse até lá, prometendo-Ihe grande recompensa,
0 tialçodro mouro aiendeu-o, sabcndo que a ilha era
dominada pela perigosa gente seguidora de Msomé, Era ali
que ele planejava destruir as naus portuguesas, pois Quiloa
em muito excedía a Mozambique em poder e força.
Venus, porém, percebendo quedes deixavam a rota cér­
ia para ir ao encontró da morte, nào consentiu que a gente
que tanto anava fosse perder-se em terras tao remotas, F,
com ventos contrarios, des vi olí as cara velas do caminbo por
onde o falso pilono as conduzia.
Persistindo no $eu propósito* o mouro disse a Vasco da
Gama que, como haviam sido desviados de Quilos, podiam
ir para outra ilha próxima, onde residían; cristàos e mouros,
Também tiestas palav ras eíe mentía, pois ai i nao havia gente
de Cristo, nías so a que adora va Maomé- O capitao concor­
den e ordenou que os navios manobrassem em directo à
ilha. Por precauçao, entretanto, nao entraran; pela barra e
ancoraran! ao largo, onde estariam protegidos de um even­
tual ataque,
Á ilha era separada do continente por um pequeño es­
treno. Havia nela urna cidade, que do mar parecía formada
pOF casas altas, A ilha c a cidade se chamavam Mombaça e
eram governadas por um soberano de idade avançada.
Muito contente, porque esperava encontrar um povo
cristáü* Vasco da Gama viu chegarem da Lerra datéis com um
recado do reí, que, avisado por Baco, já sabia quem eram os
visitantes. Era um recado de amigo* mas que encabria vene­
no* como se verifican mais tarde.
XJm altar em Momba^a

Quando a infida gente chegou junto as naus, um dos


mouros disse:
— Valeroso capitac, o rei desia i!h& está láo feliz com
sua Vinda que deseja ve lo, abrigá-loc abastece-lo do Que for
necessário. ble está ansioso por isso e pede que entre na bar­
ra com toda sua froia, sem nada rucear. E se busca mei cade­
nas que o Oriente produí — canda, cravo, pimenta, drogas
medicináis — , ou se desejapedrarias luzentcs — o fino rubí,
o rígido diamante — , daqui levara o que procura.
O eapitáo agradecen as palavras do rei, e disse que só
nao entraría com a frota na barra, obedecendo ao convite
real, porque o sol já se escondía no mar. Mas que logo que a
lu/ do dia mostrarse por onde as naus pudlessem seguir sem
perigo, a vomade de táo grande soberano sería atendida.
Depois, Vasco da Gama perguntou se havia crisláos na
¿Iha, como ]he dissera o piloto. O astuto mensageiro confir-
mou, dizendo que a maioria da gente daquda térra era de se­
guidores da fé de Cristo.
A bordo havia alguna honiens condenados por culpas c
feitos vergonhosos, a cujos servidos o capítSo recorría em ca­
sos mais arriscados. Desconfiado, escolheu dois dos degre-
dados mais sagaces e instruiu-os para que observassem a ci-
dade e proeurassem os desojados cristáos. Mandou por eles
varios presentes ao rei, para assegurar a boa vontade que este
apare til ava ter.
Cm ierra, os dois portugueses forarn rebebidos com ale­
gría fingida. E depois de ofertarem os presentes ao rei, per-
correram a cídade e notaram milito menos do que quería ni,
pois os cautelosos muuros evitaram mostrar-ibes tudo o que
pediam para ver .
17
Forana, entilo, levados á presenta de Baco, que, sob a
forma humana e com um hábito de sacerdote cristSo, fingía
adorar um aliar suntuoso, ladeado por urna pintura que re-
tratava o Espirito Santo e a Virgem, e outra que mostrava o
grupo dos sanios apostólos-
Os dois portugueses ajodlmram-se respeitusos, enquan-
to Baco queimava incensó: assim, o falso deus adorava o
verdadeircu A noíte, os dois crist&os forana alojados em
quartos confortáveis e muito bem tratados, stm perceber que
estavam sendo enganados.
Logo que os raios do sol se espalharam pelo mundo, os
bateis mouros aproximaran-se das naus com o recado do
rei> para que os portugueses entrassem na barra. Com eles
iam os dois degredados, que confirmaran! ao capitáo a ami-
zarie do soberano e a existencia de cristaos na cidade. Vasco
da Gama, certo de que náo havia perigo, resol ve entrar na
barra e receber a bordo os mouros, que alegres deixaram
seus barcos, adiando que logo se apossariam da frota portu­
guesa.
Em térra, os soldados do rei pTeparavam armas e muni-
ZÓes para tomarem de assalto oís navios, logo que ancoras-
sem na barra: estavam determinados a vingar-se do mal que
a esquadra lusa tinha feito em Mozambique*
Com a gritaría eos tilín eirá, os portugueses ja iam er-
guendo as áncoras, mas Venus, percebendo a eilada, voou
como urna flecha do Céu até o mar* para pedir a ajuda das
ondas, que lhe obedecían!, pois de sua espuma a deusa havia
misado.
Deslocando-se velozes, suas cristas enormes erguiam du
mar urna espuma branca. Rápido formaram uma parede de
água á frente da costa de Mombaza, fechando o caminho pa­
ra a barra de tal forma que de nada adi anta va o vento inflar
as velas dos navios. Além disso, algumas empurravam as
18
naus para irás e outras, de lado, faziam os navios gírarem e
desviarem-se da barra immiga-
Assim forjadass as caravdas recua;aro, apesar do esfor-
90 dos marujos que manobravam as velas, gritando e giran­
do o leme de um lado para outro. Em vao o mestre da ñau
capitanía grita va da popa, vendo o navio aproximar-se de
um grande penedo.
Levantarse urna grande celeuma entre os rudes rnari-
nhdros, que assustou os momos. Eles náo sabiam a razáo de
tanta furia c acharam sua tra ig o havia sido descoberta.
Temen do serem punidos ali mesino, lan£aram-se as pressas
non seus baléis. üutros, entre des o piloto traicoriro, pula-
ram na agua e fugiram a nado, preferindo aventurarse ao
mar agitado do que cair em maos ínimigas,
Para n£o bater no pcnedo, a capitaníalangou áncora; as
outras naus amainaram junto déla. Vendo a aütude cstranha
dos niouros e a fuga do piloto, Vasco da üama corripreendeu
o que aquela gente cruel Ibes preparava, E tomou como mila­
gro o fato de a ñau nao poder seguir cm frente* mesmo sem
ventos contrarios.
— Ó inesperado acómecimentó! — exclamou. — Ó mi-
lagre daríssímo e evidente! Ó inopinada tra ig o ! Ó falsa gen­
te! Quem poderla livrar-se sem pcrigo do mal tramado, se a
Guarda Soberana 3á de cima n&o acudísse á fraca forca hu­
mana? A Divina Providencia bem nos mostrou a pernea segu­
ranza desíes portos. Ó Guarda Divina, que acaba de nos sal^
var da gente pérfida e maligna! Se tero tanta piedade de nos,
condú/,a-nos agora a algum porto realmente seguro ou nos
mostré logo a térra que buscamos, pois navegamos soniente
a seu servio.
As profecías de Júpiter

Venus ouviti-Jhe essas palavras pledosas e, comovida,


separou-se das ondas, que fic&ram salidos as com sua súbita
partidas para penetrar ñas estrilas luminosas, a caminhü do
Olimpo.
Mostrava-se láo hela que apaixonava o Céu* o ar c tudo
quanto a via Os crespos cábelos de ouro se esparziam pelo
colo t^o alvo que faha a nevé parecer escura. Au andar, ba-
lan^ava ondulante seu buslo lateo, de onde saiam flamas,
ñas quais Cupido accndia as almas. Um delgado véu cobría
as partes protegidas pelo pudor, mas sem conseguir tudo es­
conder ou ludo mostrar,
Ao chegar, a deusa, mais mimosa que triste, dísse a Jú­
piter:
— Sempre pensei, Paí poderoso, que seria brando, afá-
vel e amoroso para com as coisas que eu amasse, mesmo que
isso desagradarse a alguém. Mas agora vejo-o iroso contra
mtm, sem que eu merepa* Pois bem: que seja como Baco de­
termina, eu me resignaren Essc povo, que é meu, por quem
derramo as lágrimas que vejo cair em váo, set agora que ihe
quero muito mal, pois o amo e por isso o senhor o persegue.
Pois se o que amo é maltratado, quero üesejar mal a esse po­
vo, para que ele seja defendido,..
E nisio scu rosto eobriu-se de lágrimas ardentcs, como a
Fresca rosa com o orvalho. Ficou um pouco calada, a voz su­
focada, e ia prósseguir quando Júpiter a interrompeu, Co­
movido com sua do^ura, que sensibilizaría até o cora<?áo du­
ro de uní tigre, ele limpou-lhe as lágrimas e, inflamado, bei-
jou-a na face e abraí ou-a.
Apenando o rosto amado contra o seu, fazendo assim
com que os solutos e as lágrimas déla aumentassem — como
20
o menino que, castigado pela ama, chora aínda mais ao ser
depois aíagado — , Júpiter revelo u-lhe muiros casos futuros
reservados pelo Destino.
— I ormosa filba — disse — , nao tema pelos seus lusita­
nos* c nem que haja para mim poder maior que u desses seus
chorosos oihos soberanos. Prometo-Ihe* filha* que hade ver
esquecidos os greges e os romanos pelos ilustres feitos que
esta gente ha de fazer ñas partes do Oriente* onde mostraráo
rovos mundos ao mundo. Verá fortalezas, cidades e altos
muros serem por des edificados* filha. Verá os heJicosissi-
moa c duros turcos serení por eles desbaratados- Verá os reís
da India subjugados pelo poderoso reí de Portugal. E como,
senhores de ludo, eles daráo Jcis melhores as térras conquis­
tadas .
Júpiter prosseguiu:
— Verá Neturto tremer e encrespar suas aguas* mesmo
sem vento* com ruedo dcste que agora vai em busca da india,
entre tamos perigos. Verá que a térra de Mozambique, que
Ihe recusou agua, aínda há de ser um porto mudo decente,
onde as naus que navegaren! do Ocidente descansarlo da
longa viagem. Toda esta costa que agora trama armadilhas
mortíferas pagará tributos á gente lusa, reconhecendo nao
Ihe poder resistir. E o famoso Mar Vermeího ficará branco
de medo.
O deus poderoso falou também sobre a tomada de Or­
muz* a conquista de Diu* onde os portugueses enfrentarían!
dois fortes cercos, e de Goa, que se tornaría capital do Orien­
te. Falou da resistencia dos portugueses* em pequeño núme­
ro, na fortaleza de Cananor, da quedada poderosa Caliente,
e da conquista dos mares até a longinqua China,
— Deste modo, minha filha — concluiu — * eles mostra­
rlo coragem sobre-humana, e nunca se verá valor tao forte
do Oriente ao Ocidente e do Norte até o Sul.
2)
Apòs dizer isso, Júpiter mandou à Terra o valoroso
Mercùrio, para preparar um pacifico e sossegado porlo onde
a frota pudesse ancorar scm receio.

Uni encontró co in Mercurio

Mercurio, voando corri as asas que tem nos pcs, logo


chegou a Melinde, na costa orientai africana, Levou consigo
a deusa Fama, para que falasse a todos sobre o raro e grande
valor lusitano. Assim, Mercurio fez coni qucMeünde passas­
se a arder em desejos de conheeer os portugueses.
Em seguida, Mercùrio partivi para Mombaga, onde aín­
da estavam as naus dos portugueses, paia ordenar que el es se
afastassem o mais rápido possíve! da barra ìnimiga e daque-
las ierras suspeitas.
Já era noite alta, quando o capit&o, cansado, resolveu
dormir um poucoTenguanto os marujos se revezavam na vi­
gilia, Mercurio apareceu-lhe entáo em sonho, dizendo;
— Puja, lusitano, pois o vento e o Céu Ihe favorecem, e
outro rei o aguarda noutra parte, onde poderá abrigar se
com seguranza. Siga ao longo da costa c achara um porto se
guro, já peno do Equador, onde o dia e a noite tem a mesma
durado <Ali* um rei, recebendo sua Frota com alegría e ami-
zade, Ihe dará abrigo e um piloto para levado até a india.
Depois de pronunciar tais palavras, Mercurio acordou o
capirlo, que* muño espantado, viu a treva que o envolvía ser
ferida por um relámpago. E percependo o quanto era impor­
tante nao se deler tanto na terra iniqua, ordenou que par­
tissero
— Dèem velas ao largo vento — gritou - >pois o Céu
nos favorece e o Pai Eterno ordena «
22
As áncoras foram erguidas e, nao demorou rauíto, as
agudas proas aparta vam as tímidas vías prale adas, aproveb
tando o vento favorávd e brando, Enquanto seguiam* os lu­
sitanos iam Talando sobre os perigos que haviam sofrido.
Passou-se o resto da nohe, e o dia seguinle* e a noite se­
guirle >O sol inidava urna nova volta quando os portugueses
viram ao longe dois navios. Como deviam ser de mouros, os
portugueses tomaram posi^ao de ataque.
C oir medo, urna das naus conseguíu fugir, em dire^So a
costa, O ourro navio n5o leve a mesma sovte e foi cair ñas
maos dos lusos, mas seni necessidade de combate, pois scus
poucos tripulantes* fracos e medrosos, nao ofereceram resis­
tencia,
Vasco da Cama procurou entre des um piloto que o
► guiasse alé a india, mas nenhuin deles sabia em que directo
se localizava aquele país, Disseram-lhe, porém, que bem per-
to estava M din de, onde acharia o piloto ceno. E louvaram
com grande respeito as quabdades do rei de Melinde: $ua
bondade, sinceridade, genero&idade e humanidad?, O capí-
táo toniou esses elogios como urna conf irmadlo do que Mer­
curio Jhc dissera, epartiu para onde tanto o sonho qu&nto os
mouros indica vam.

I Jma festa em Melinde

No domingo de Páscoa de 1498 , a frota ebegou ao reino


de Melinde toda enfeitada de toldos* em homenagem ao san­
to dia, As bandeíras e os estandartes iremulavam, e era pos-
sível avistar de longe suas cores purpureas* Soavam os tam­
bores c pandeiros, e assim os portugueses entraram na barra.
23
Toda a praia melindana encheu-se de gente, que vinha
ver a armada- O fcí mandón rìizer a Vasco da Gama que os
portugueses devcriam desembarcar logo, para desfrmarem
de sua hospital]dade. Além do sincero convite, os navegantes
receberani carne iros, galinhas gordas e frutas,
O. capitán acolhcu o mcnsageiro real e cnviou ao sobera­
no mu presente — um tecido de escaríate e um ramo de coral
— , atravès de um de seus homens mais bcm-educados, para
que este agradecerse ao rei pelos presentes e o saudasse*
Ao ser recebido na corte melindana, o mensagciro disse
ao rei:
— Sublime majestade, viemos buscar seu forte e seguro
porto, conhecido cm todo o Oriente, para aquí encontrar o
auxilio que precisamos. Nao somos piratas, que, ao passa-
rem pelas cidades, vao matando as gentes a ferro e fogo, pa­
ra roubar-Ihes as cobijadas riquezas, Somos navegadores da
soberba Europa, em busca das térras distantes da grande e ri­
ca India, por mando do nosso aito e sublimado rei.
O emissàrio de Vasco da Gama falou em seguida sobre
05 povos da costa africana que traiqueira mente haviam impe­
dido os portugueses de desembarcar. Disse que eonfiavam
nele, rei de Melinde, e que nao desembarcariam n lo por des­
eo nfianga, e sim por obediencia ao rei de Portugal, que Ibes
ordenara jamáis abandonar a frota etn qualquer porto ou
praia, ames de ehegarern cm seu destino,
Enquanto o emissàrio fatava, os presentes clogiavam
muito a coragcm dos argonautas que passaram por tantos
céus t mares, E o rei de Melindc, admirando o espirito obe­
diente dos portugueses e o grande valor daquele reí que de
Tào longe se fazia obedecer, respondeu:
— Tirem do peno toda má suspeita* É urna grande hon­
ra rccebe-los cm nossa terra. So a gente vil poderia atacar re­
presentantes de um povo tao glorioso.
24
Disse sentir musilo o fato cíe os portugueses nào tereiu
desembarcado, nías que admirava sua lealdade e nao quería
que desobedecessem às ordens do seu rei vomente para alen-
der à sua vontade. Promcteu que Ioga ao amanhecer visitaría
a esq uadra, que ha tantos dtas desejava ver, e ofereceu nido
o que fosse necessàrio: mumgOes, mamimentos e um piloto
cm quem pudessem confiar.
No iinaJ da tarde» o emissàrio paniu para a frota, levan­
do a mensagem do rei de Mdittde. A o trans miti-la aos portu­
gueses, lodos os peños se encheram de alegría, por lerem fi­
nalmente encontrado o que buscavam, B assim, contentes,
passar am a noite conmemoran do,
NSo faltaram os fogos de artificio, que imitavam os tre­
mólos cometas. Os bombardeaos cumpriram $cu oficio»
atroando o cèti, a terra e as ondas* Uns queimaram bombas
de fogo, enquanto outrüs tocavam vibrantes instrumentos.
Rcspondiamdhes os melindanos com fogos que gjravam
no ar, zunindo* para em seguida explodir. Os gritos de con­
tentamento de portugueses e mearos confundiam-se, Tanto
o mar quanto a terra surgiam iluminados pelos fogos. E as-
sim se fes tejar am uns a os outros durante toda a noite, até
que o céu inquieto» sempre a girar, trouxe a luz da aurora,
A 5 sombras da noite desfaziaimse sobre as ñores da terra,
em fino orvalbo, quando o rei de Melinde embarcou para ver
a frota.

A visita do rei de M elinde

Um grande e largo batel, com toldos de seda de diversas


cores, levava o governante mouro, acompanhado de nobres
25
senhores do seu reino, O soberano trajava ricas vestes* se­
gundo seus costumes: um turbante enfeitado de ouro e seda,
urna eabaia vermelha, uin colar de ouro finamente trabalha-
do. Na cintura, a adaga bem iavrada hizia corno diamante, E
calcava sandalias de veludo cobertas de curo e pòrolas mia­
das. Um servo o protegía do sol corri um guarda-sol aito c re­
dondo. À proa, trombetas recurvas soavam serti harmonía,
criando urna música estranila aos ouvidos europeus.
Nao menos bem vestido, Vasco da Gama partiu nos ba
téis da sua frota com bi ¡Ihante e honrada comitiva, para re-
ceber o rei melindano no mar. Estava vestido à raaneira es-
pandóla, sua roupa era de cetirn de Veneza, carmesim — cor
preferida pelas altas figuras de cntao.
As sonoras trombdas lusas ressoavam, incitando a ale­
gría. Os batéis dos mouros coalhavam o mar* com os toldos
robando as ondas. As bombardas troavam, escurecendü o
sol cotti a fumaba, As salvas se repeliam e os mouros tapa-
vam os o uvi dos,
O reí de Melinde entrón no batel do capitSo e foi por es­
te abracado* O rei falava-lhe com espanto e admirado, de­
monstrando grande estima por aquda gente que vinha de tHo
longe para a Ìndia. E com generosas palavras voltou a oferc-
cer-Ihe tudo o que quisesse de seus reinos. Disse que conhecia
a fama da geme lusitana, pois já ouvira dizer que estiverà em
guerra com povos de sua religiào, em outras térras, e por to­
da a África corriam os grandes fehos de armas dos portugue­
ses na conquista de Ceula* no Marrocos. Responden-Ibe
Vasco da Gama:
— Majestades o senhor foi o único que teve píedade da
gente lusitana, que com tanta adversidade experimenta a fu­
ria insana do oceano* Que a alta e divina cternidade que ino­
ve o Céu e governa a gente humana Ihe pague o que nao po­
demos, pois tanto nos concede. Enqnanto houver esl reías no
2(i
céu e o sol iluminar o mundo* o rei de Vleììnde vivera na me­
mòria dos homens, com fama e ¿Sorias onde quer que cu v i.
Os baléis dirigiram-se para a frota, que o soberano
mouio desejava ver de perto. Rodearam todas as naus, urna
por tima* para que cíe as examinasse. A esquadra feste] ou-o
disparando novamente as bombardas para o cèu, eiiquanto
os moriros respondían! tocando suas trombetas.
Depois de mdo olhar, o rei saUdrou que ancorasse^ o
bare]* para conversar mais a vontade com Vasco da Gama.
— Fale-nos, valoroso capitilo — pediu — , sobre sua ter­
ra, seus antepagados e o principio desse reino iào poterne. £
também sobre a viagcm no mar irado, e do que vìram pela
Àfrica. Aproveitemos que nào ha verno e o mar està calmo,
sem ondas.

Urna historia cheia cíe glorias

Atendendo ao pedido* Vasco da Gama com pon sua


narrativa fazendo uimi describo da Europa, sua geografía e
localizado des seus diversos países e povos.
Em seguida, fez uní relato da historia de Portugal* des­
de os feitos do leudarlo pastor Viriato, que alcan^ou varias
Vitorias contra os invasores romanos» a fundado do reino
luso pelo Conde D. Hcnriquc* no seculo XI* atd D. Manuel 1,
o Venturoso, que enviara aquela esquadra em busca do ca-
minho marítimo para a india,
O africano interessou se especialmente peía historia de
D + Afonso Henriques* filho do Conde D* Henriquc* que
prendeu a mae, urna princesa castclhana, quando ela se ca-
sou com cutre homem» após ficar vid va, e quis lomar para si
27
todas as térras do reino, A atilude do rei portugués desagra­
dóte o monarca espanhol* que iníerveio cm favor da usurpa­
dora e cercou D, Alonso na viia de Guimaráes, Um valsalo
de D. Afonso, o fidalgo ligas Moníz, procurou o rei espa-
nhol e promeieu que* caso o cerco fosse levantado* seu reí se
ron deri a. O cerco foi levantado, mas D. Afonso nao se ren­
dei), Hgas Moníz apresentou^se, entSo* ao monarca espa-
nho), juntamente cora a mulhcr e os filhos, E disse que ofere-
da a pròpria vida e a dos seu$ para resgatar sua palavra, que
náo foracumprida. O rei, impressionado com o gesto do no­
ti re 1usi tan oj nào aceitou o sacrificio e liberto u-os.
Mais tarde, D. Afonso Henriques conquistou grandes
vitórias para Portugal* derrotando cinco rds tnouros na ba-
talha de Ourique e vencendo aínda outras batalhas cm Lei­
ria, Arronches, Santarém, Mafra, Sinlra* Lisboa, Beja, Pai-
mela e Sesimbra. Mas a justiga divina acabou facendo com
que ele pagasse pela prisào de sua miie: em urna batalha pela
cidade de Badajoz* quebrou as pernas enquanto combatía e,
poi isso, acabou sendo preso pelo pròprio genro.
Libertado* D, Afonso realizou sua última grande faga-
nha ao resistir ao cerco de um poderoso mouro que ameaga-
va a cidade de Santarém.
Ápós sua morte* D+ Afonso foí sucedido por seu filho
D. Sancho I, cuja maior faqa nh a foi tomar aos momos a ci-
dacte de Silves, no Sul de Portugal, coni a ajuda de soldados
alcmaes que íniciavam urna cruzada rumo à Palestina. Segui-
ram-se: D t Afonso II, que toniuu Alcacer do Sal; D, Sancho
II* que acabou deposto do trono por ser considerado pouco
aguerrido; D, Afonso III, que conquisten o Algarve; c D*
Ditti*, que criou a Universidad^ de Coimbra.
Ao morrei, D, Dinis foi sucedido por D . Afonso IV,
Por essa época, os mouros estavam organizando um formi­
ciável exército para invadir a Península Ibérica, Vindo do
Marrocos, esse ejército concentrou-sc perto da foz do Hio
28
Guadalquivir, no Sul da E&panha, onde recebcu reforcos dos
tnouma do Granada. Para repelli a invasào, o rei de Castda
mandpu a Portugal sua mulher, D. Maria, filha de D. Àfon-
so JV, para quc pcdissc a ajuda do pai. Este a arenden, e os
mouros acabaram derrotados fragorosamente na batalha do
Salado.
D. Àfouso rcgressou a Portugal, e por essa epoca ocor-
rcu o cèlebre episòdio de Info de Castro, amante de D. Pe­
di o* fìlho de D. Afonso, e que acabou sendo coroada lainha
depois de morta, Poi esteri iste e sublime episòdio que Vasco
da Gama passou a rdatar ao rei de Meìindc.

O coso triste de Inés de Castro

— A linda Inés vivía cm Coimbra, onde des fruta va


tratiqüila a alegría enganosa e efemera da juvcnLude, pas-
seando nos campos às margens do Rio Mondego — que ain­
da hoje é alimentado pelas lágrimas derramadas dos seas lin­
dos oìhos. Passava o tempo a ensinar aos montes e ás flores
o nome do Príncipe D. Pedro, que tinha gravado no corad o.
Quando ostava distante, o principe também so pensava
em sua amada. Lembrava-se déla de noìte, eiii doces sonhos
que meittiam sobre sua presenta, e de dia, em pens amen tos
que voavam, E eram todas recordares alegres.
O principe recusara casamemos coni fidalgas e prince­
sas, pois o amor rejeita tudo o que nao seja o rosto amado.
E, ao fazer isso, a lingua do povo, que andava des­
contente com a atilude do herdeiro do trono portugués.
D, Afonso, Que respeitava a opiniáo de seus súditos* ao
ver D. Pedro assim apaixonado, resolveu tirar a vida de Inés,
para rcsgatar o filho e conducido a um casamento que obe-
decesse n&o aos caprichos de Cupido* mas as conveniencias
políticas de Portugal, Ele acreditava que somente com san­
gue poderla apagar o fogo do amor*
Os tcrriveis verdugos trouxeram Inés e seus filhos peran-
te o reí.
Depois de ouvir a sentenga, Inés* coni palavras tristes e
picdosas, naseidas da saudade do seu principe e dos filhos —
o que a magoava rnais qiA a prúpria ¡norte — ergueu para os
céus os olhos cheios de lágrimas e disse;
“ — Até mesmo as feras, cruéis de nascenga, e as aves de
rapiña já demonstraran! piedade com crianzas pequeñas* O
senhor, que tem o rosto e o coragáo humanos, devena ao
menos compadecer-so destas criancínhas* seus netos* já que
nao se comove com a morte de urna mulher fraca e sem tor­
ga* condenada somente por ter entregue o corado a queni
soube conquistado. E se o senhor sabe espalhar a morte com
fogo e ferro, vcncendo a resistencia dos mouros, deve saber
também dar a vida* com clemencia, a quem nenhum crime
cometeu para pcrde-Uu Mas se devo ser punida, mesmo ino­
cente, mande-me para o exilio perpetuo e misero na gelada
Citía ou na arderte Libia, onde cu viva eternamente em lá­
grimas. Ponha-mc entre lebes e tigres, onde so exista cruel-
dade. E verci se neles posso achar a piedade que náo achei
entre coragbes humanos. E lá, com o amor c o pensamento
naquek por quem fui condenada a morrer, enarei os seus fí-
Ihos* que o senhor acaba de ver, e que seráo o consolo de sua
triste máe.”
Comovido com essas palavras, o reí já pensava cm per-
doar Inés* mas o Destino* aliado á intolerancia dó povo* nao
o permiliu. Os verdugos, que defendiam a execufao, saca-
ram de suas espadas, carniceiros, e as enterraran! no colo de
31
alabastro que sustenta va o rosto que encantara o príncipe*
banhando com sangue as feigóes ja regadas de lágrimas.
Tal como a càndida e hela ilor que, cortada antes do
tempo, perde o aroma e a cor, assim ficou a pálida dotizela,
depois de ser colhida pela morte.
As ninfas do Rio Mondego, chorando, lembraram por
longo tempo aquel a morte escura. E por memòria eterna,
íransformaram as lágrimas choradas por ela.s em urna fonte
pura, bar i/and o-a com o nome que aínda lem; ''Fonte dos
amores de Inés",
Mas nao deeorreu mu ito tempo até que D, Fedro pudes­
se se vingar daquelas f eri das manáis. A o subir ao trono,
conseguía que outro Pedro, o Cruel, rei de Castola, Ihe en-
Iregasse os homicidas, que para iá haviam fúgido, pois os
dois monarcas tinham um pacto de devolvercm um ao outro
os respectivos mimigos.
D. Pedro mandou arrancar o corad o dos as sassi nos de
sua amada, E para imortalizar seu amor por Ines, jurou citi
presenta de sua corte que se havia casado clandestinamente
com eia, transformando-a, dessa maneíra, em rain ha após a
morte.

A batal ha de Aljubarrota

Prossegumdo sua narrativa, Vasco da Cama falou ao


rei de Mdinde sobre o brando D. Fernando, de indole bem
contraria á do pai, D, Pedro, que reinara aplicando a justiqa
com desmedido rigor, ordenando um número incontável de
excciicòes, indolente e descuidado, D* Fernando deixou sem
defesas o reino, que quase fot perdido para o reí de Castola.
i- ,
32
— Após a morte de D. Hernando, o trono passa para o
fil ho bastardo de D. Pedro, D. Joâo I, contra a vomade da
rainha, D. Leonor Teles, Que reivindica a coroa para sua fi-
lha Beatriz, casada com D. Joto de Castela. Em apoio a D.
Leonor* e na defesa de seu$ intéresses, o rei de CasteU orga­
niza um poderoso exército para invadir Portugal, o que obri­
ga D, Jo&o a se preparar para a guerra.
Com este propósito, o monarca luso decide convocar os
principáis senhores do reino, a fim de saber-lhes a opiniao
sobre a mdhor forma de*enfrentar o poderoso inímigo. Para
sua sur presa, porém, milito s dos al i presentes dcmonstram
medo e, alegando as mais diversas razôes, procuram fugir à
lula iminente. A deccpçao já tomava conu de D. Joño,
quando, irado, falou o valent e D, Nuno Alvares;
í4— Como pode huver portugueses que se negam a de­
fender a própria terra? Nossos antepagados humilharam os
soberbos casrelbanos, e rieles devemos nos mirar. Se o fraco
Fernando os degeneren, senhores, agora, com o forte Joto,
está na hora de recobrar a coragem. Mas se, porventura, isso
nao acontecer, sozinho enfrentare! os invasores, pois a leal-
dade ao reí e à Patria me darto forças para vencé-los!TV
Eysas palavras foram suficientes para transformar o me­
do em con fian ça.
*£— Viva o reiF1 — gritaram todos.
Um desafio de sons e cores prenundava aquele que seria
um dos maiores embates da Europa; a batalha de Aljubarro-
ta, em territorio portugués. Trombetas, pifaros e tambores
soavam, misturándose ao vozerio, enquanto bandeíras mul­
tico res obedecíam a gestos nervosos, que d eterna inav a rn as
posiçôes dos soldados. Milharcs de homens aprontavam-se
para en cenar um espetáculo em que a principal pcrsoriagcm
seria a morte.
35
Iniciare o combate. O pequeño exército portugués pa­
rece creseer díante do formídável exército castclhano. Me­
chas, lanças e espadas ferem o ar antes de ferir os corpos, E
os cadáveres dos invasores váo semeando o solo que tanto
desejavam conquistar. No entanto, para cada castellano
derrubado, surgem outros dois. Á luta se toma aínda niais
feroz, Pouco a pouco o valor vai se impon do ao numero; os
castelhanos esmorecerá e começam a debandav, maldizendo
a ambiçao desmedida que os levara à guerra. Portugal mais
urna vez vencerá!
Dcpoís do triunfo em Aljuharrota e de assegurar as
fronteiras do reino, D, Joáo 1 atravessou o estreiîo de Gi­
braltar, para tomar aos mouros a cidade de Ceuta, no Mar-
roeos, Ao expulsar os árabes dali, o rci luso impedíu que a
Península Ibérica sofresse novas ínvasbes müçulmanas. De
outras façanhas teria sido autor se a morte houves&e consen­
tido.
Mas os reís que se seguiram náo desonrariam seu nome,
e ampliarían! aínda mais os dominios portugueses. D. A fon-
so V, por cxemplo, celebrizou-sc por suas Vitorias no Norte
da África, onde conquisten Alcacer, Tánger e Arzila. Movi­
do, porcm, pela ambiçào, cometeu um grande erro, ao inves­
tir contra D, Fernando, reí de Aragáo, em disputa do reino
de Castela. D. Fernando rcuniu sob seu comando utn nume­
roso exército formado por gente recrutada em toda a Espa­
rtan e cóuseguiu derrotar os bravos portugueses.
Quando a escura noite eterna deu descanso a D. Afonso
V , passou a govemar Portugal D. Joáo II, o décimo terceiro
rei portugués. Para alcançar fama, ele tentou algo que nin-
guém jamais tentara: mandou emissários á procura dos con­
fins do Oriente.
Esses emissários airavessaram a Espanha, a França c a
Italia. Do porto de Ñapóles, seguiram navegando através do
Mediterráneo, passaram pelas praias da Il ha de Rodes e che-
34
garam até o delta do Rio Nilo, no Egito. Após visitaran a
antíga capital egipcia, Ménfi&+rumaram para o Mar Verme-
lho, que o povo de Israel atravessou sem naus, guiado por
Moisés.
Em diregao ao nascente, deixaram para trás os Montes
Nabateus, circundaran! as costas do reino de Sabá, passaram
pela Arabia e entra ram no Golfo Pérsico, onde perdura a
mernóna da confusa Torre de Babel. Dali foram á procura
das aguas límpidas do Rio Indo. Os viajantes lusos cena-
mente vi ram mu itas cois as entre as de seo ofrecidas gentes da
India e da Pcrsia, mas*suas descobertas c impressees nao
chcgaram a Portugal, poís nao era pos síve l voltar fácilmente
por caminhos tño inospttos, c des morreram em distantes pa­
ragens.
Parece que o Destino guardava o sucesso de empresa tao
ardua para D. Manuel, o Venturoso, que de D. Joáo II her-
dou nao só o reino, mas lambém o projeto de chegar ao
Oriente*

O inicio de tudo

Certa noile, D. Manuel teve ntn sontio revelador. Ele es­


lava em um lugar de onde descortinava varias térras e na-
çoes. A leste, duas fontes claras brotavam de altos montes
amigos. Aves de rapiña, feras e outros animais habítavam
aquela regiáo sdvagem, e urna espessa floresta tornava im-
possívd o acesso a el a.
D. Manuel víu, com espanto, dois horneas sairem das
fontes e caminbarem em sua direçâo. Erammuiio velhos, de
aspecto venerando, aínda que rudes. A agua escarria pelos
35
seus corpos; a cor de sua pele era baga e escura e tinham bar­
bas Cümpridas.
Ambos tinham a fronte coroada por ramos de plantas
desconhecidas. Um deles, queaparentava maiorcansago, co­
mo se de mais longc tivesse viudo, dísse ao reí:
. — Ó senhor, a quem está destinada grande parte do
mundo, nos, cuja fama tanto voa e que jamaU fomos domi­
nados, avisamos que já é tempo de nos cobrar grandes tribu­
tos, Sou o ilustre Ganges, e tenho no Céu o mcubergo, E este
curro é o Indo, que tem sua nascente nesta serra que vislum­
bra. Nos Ihe gustaremos urna dura guerra mas, se insistir, tiá
de dominar todos os povos que em nossas margeris habitam,
alcanzando Vitorias jamais vistas,
Mais náo disse o rio ilustre c sanio, e ambos logo desa­
parecerán!. D. Manuel acordou confuso e maravjlhado.
De manbá, o reí chamou os f idalgos para um conselho e
contoudhes o sonho, que eausou grande admíragao a todos,
Rcsolveram, entáo, organizar urna esquadra para cortar os
mares em busca dos ricos mundos anunciados,
O venturoso soberano escolheu Vasco da Gama para o
comando da dííidl empresa, e comuntcou-lhe a decisSo com
pala vr as afetuosas:
— As coisas arduas e gloriosas só sao alcanzadas com
trabadlo e fadiga. A vida que se arrisca'faz as pessoas ilustres
e famosas. Eu o cscolhi para es La empresa, entre todos bs
portugueses, porque sei que pelo rei Ihe parecerá leve esta
missáo tíio dura.
Vasco da Gama agradeceu a D. Manuel a honra da esco-
lha. Logo, scu irmáo, Paulo da Gama, olereceu-se para a-
companbá-lo, movido pelo amor fraternal e também pelo
desejo de fama, juntou-se a eles Nicolau Coelho, homem de
enorme resistencia ao írabalho, e puseram-se a recruíar gente
jovem, val ente e ambiciosa,

36
J a n o porto de Lisboa, onde o Rio Tejo mistura suas
are] as e aguas com as do océano, estavam a pq^ps as naus,
esperando pelos homens- cheios de entusiasmó 'Juvenil, dis-:
postos a seguir Vasco da Gama a qualquer parte do mundo.
Os soldados vinham pelas praías, vestidos com uniformes de
varias cores, Os ventos calmos ondulavam os estandartes das
cara velas, E, estando prontos para a viagerrp os marinheiros
preparaxani a alma para a morte* implorando "ao Sumo Po­
der que os protegesse e guiasse.
— E assím — ccntijuiou Vasco da Gama ^ partim os do
sagrado templo de Belém, na Praia do ResteloLQuando me
letnbro, ó reí, daquele dia, lenho vontade de chorar.

O velho do Restelo -

Toda a gente de Lisboa comparecen á Praia do Réstelo


— uns por causa de amigos c pai entes, outros-spmente para
assistir á partida da esquádra. A saudade e-a tristeza estavam
estampadas ílo olhai de cadaTi'' um. . ' íí- .-
Os marinheiros camiñfiáram para o e m b a iré acompa-
nhados por urna procissáo solene de religiosos, Q*povo já os
julgava para sempre perdidos na viagem táo lófiga e du vicio­
sa. Os íiomens arrancavam suspiras do peito^ds mulheres
choravam. Orna délas dizia:
— Ó filho querido, que era so a quem eu tiriha por refri­
gerio edoce amparo desta minha vrelhíce já cansada, por que
se afasta de mím, para ser alimento dos príxtó?; '
E outra: : ^ * ' * .
— Ó doce e amado esposo, sem o qual Amor nao per­
mite que cu viva. Por que arrisca no mar raivoso essa vida
i**-*.«---.. ^ - ■*
*■ 1 . . - 57
que c minha, c n3o sua? Como pode esquecer, por um cami-
nho duvidoso, a nossa a f e i t o tilo doce? Quer que com as ve­
las o vento Leve a nossa alegría?

fumo com as mulheres que assim falavam seguiam os


vdhos e as crianzas. Os montes maU próximos ecoavam os
lamentos e pareciam também conmovidos. As lágrimas ba-
nhavam a arda branca e eram tantas quanto seus graos. Para
que nao sofressem ainda muís ou desistiesen) da viagem, Vas­
co da Gama oidcnou que todos embarcassem logo, abrevian­
do as despedidas.
Movido pela ira, um velho de aspecto venerando, que
esta va r.a praia entre a multidSo, com os olhos posios nos
que embarcavam, me neón tres vezes a cabera, e comegou a
falar, levantando a voz de tal forma a ser ouvido pelos que
estavam ñas naus.
— Ó glória de mandar! — disse d e .— O vá cobija desta
vaidade chamada fam a! O engaño estimulado pelo que se co­
rmece como honra! Que enorme castigo e que justiga tmpdes
ao peito que te adora! Que mortes, que perigas* que tormén-
tas, que crueldades experimentas nesses cor agües! Fama e
gloría sao nomes com os quais o povo ignorante c enganado,
A que no vos desastres, ó ambiguo, levarás este reino c esta
gente? Que perigos, que morí es Ibes destinas sob algum no­
me glorioso? Que promessas de reinos e minas de ouro Ihes
farás íác fácilmente? Que historias, que triunfos* que pal­
mas, que vitórias?
E o velho continuo u:
— Mas voces, descendentes de Adáo, aquele insano cu-
jo pecado levou ao desterro do Paraiso, que cha mam a cruel-
dade e a fcrocidade de esforgo e valentía, que pregain lanío o
desprezo pela vida, que devia ser cm todo momento es lima­
da, voces já nao tem bem perto os mouros, com quem teráo
sempre bastante guerras? Se desejam mais térras e riquezas,

30
nao iém esses mouros ddades mil e térra infínda? Pois voces
defxam o inimigo crcscer as portas de seu reino para irern em
busca de ouíro inimigo, táo distante. Procuram o perigo des-
conhecido para serem exaltados pela fama, para serení cha­
mados scnhores da India, da Pérsia, da Arabia e da Etiopia,
Maldito seja o primeiro homcm do mundo que p5s velas cm
lenho seco, e construí u o primeiro barco. Ele é digno do eter­
no castigo do Inferno,
E enquanto o velho vociferava cssas sentengas, os argo
nautas abriram as vela^ao vento trampillo e partiram do
porto amado

Pela costa da África

Os navegantes viran i desaparecer no horizonte a fresca


Serra de Sintra, em Portugal, avanzando rumo ao mar aber~
to, onde nâo mais se viam sinais de terra. Navegavam ao lar­
go da costa da Africa, à sua esquerda, À direita, ha via ape­
nas a suspeka da existencia de outras terras, mas nao a cer­
teza.
Dcixaram para irás as libas Canarias, a costa da Mauri­
tania,, e chegaram à regiâo habitada pelos povos negros, AU
eançaram, em seguida, o cabo que seehamava Arsinário, até
ser balizado pdos portugueses de Cabo Verde, Depois, nave­
gando pelo Arquipélago de Cabo Verde, aportaram na liba
de Santiago. Apôs se abastecereni, vollaram a singrar o
imenso occano.
Semprc cm direç&o ao sulTpassaram por Serra Leoa, o
Cabo das Palmas, a foz do Rio Niger e a Mha de Sao Tome.
39
Ultrapasar am a linha cío Fquador, que dividí? o mundo ao
meio, e avisturam a constelado do Cruzeiro do Sul, mvisívd
aos povos do hemisferio Norte.
— Enfrentamos mui tos perigos, tempestades, calmarías
— contou Vasco da Gama - * , e vi os casos misteriosos rela­
tador pelos rudes e expelientes marinheirosT que costumam
ser explicados ou desmentidos pelos hornería de ciencia. Num
día de tormentae de vento esquivo, pude observar o fogo-de-
-santeimo, e tt3.o meaos espantoso foi ver as nuvens serven do
a agua do mar por um largo cano. En o vi com certeza, e nao
crcio que a vísta me enganas&e, Vi um vapor d'água levantar­
se, Iransformar-se em redemoinho, e para o céu ser atraído,
através de um cano de paredes iSo finas que parecía feíto da
mesma materia das nuvens. Aquele cano ia avolumandc-se
pouco a pouco. Aquí se estreitava, ali se alargava, enquanto
sorvia as grandes ondas. Acima dele, urna nuvem se tornava
inais espeja, crescendo e carregaudo-se com o grande peso
da agua absorvida, como urna sanguisuga a se fartar de
sanguc. Depois de chela, a nuvem desfez-se em chuva, resti­
tuí ndo ao mar as ondas que dele tomara, após retirar-ibes o
sabor de sal,
Vlajavam já há quase quatro meses, quando um marujo
bradou do alto da gávea:
— Terra! Terral

A pressa de Ferndo Veloso

üesem bare ara m pouco depois mima vasta baia, por on­
de os portugueses se espalharam, desejosos de coniiecer
aquela terra que até entào nenbum outro povo cristao pisara,

4Q
I- .
Na praia, Vasco da Gama e seus pilotos se reuniram em tor­
no do astrotábio, para medir a altura do sol e marca la em
seu mapa, determinando a posiçào em que se encoutravam.
Veríficaram que ja h&viam ultrapassado o Trópico de Capri­
cornio.
Nisso, o capkao viu aproximar se um homem de pe]e
negra, capturado à força pelos portugueses quando colhia
favos de mel. Fíe eslava apavorado, núo entendía os portu­
gueses e nem estes a ele.
Para comunicar se jom o nativo* tentando fazedo en­
tender o que os portugueses procuravam* Vasco da Gama
mostroudhe unía pequeña quantidade de ouro, prata e espe­
ciarlas, [Vías o liomcm nao esboçou nenhuma reaçao. Trou-
xeram à sua presença peças de escasso valor: contas de vidro,
pequeños e sonoros guizos c um barrete vermelho. Àtravés
de gestos, de demonstran que tudo aquilo o agradava muilo.
Vasco da Gama o presemeou com esses objetos e mandón
que o soLtassem.
No outro dia, scus com pan he iros, todos nus e escuros,
dcsceram pelos morros escarpados, para buscar peças íguais
as que o outro levara. Eram táo pacíficos que o forte c arro­
gante Fernào Vcloso tomou a decisao precipitada de acom-
panhá-los mato adentro a Fim de cordiecer a sua aldeia.
Passado um bom tempo, o$ portugueses começuram a
fícar inquietos, pois o marinheiro náo da va siria J de vicia. Já
discutiam o que fazer, quando ele aparecen correntio morro
abaixo, ern direçâo à praia, perseguido por um grupo de ho­
rneas ferozes*
O batel de Nicolau Codho seguiu depressa para buseá-
lo. Mas antes que chegasse, varios nativos atiraram-se sobre
Vcloso. O marujo viu-se em apuros, sem ninguem por ali que
o pudesse socorrer. Os portugueses que foram salvar o com-
panheiro, ao ebegarem a terra, logo se viram asacados por
setas e pedradas, Mesmo feridos, porém* deraro o troco, e
com tal intensidade de fogo que o sangue dos nativos mos-
trou-se mais vermdho que os bárreles que haviam ganho,
Tendo resbalado Veloso, voltaram para a armada, co­
mentando a malicia e a ferocidade daquela gente bruta c
malvada, da qual nao puderam obier netihuma noticia sobre
a desejada India.
Um dos marujos perguntou a Vcloso* zombando de sua
valentía:
— Ola, Velóse amigo* aquele outeiro £ mdhor de descer
que de subir, hein?
— Vocc brinca — responder! o ousado aventuraría —
Mas quando vi tantos daqudes selvagens vindo para cá, a-
pressei-me um pouco por lembrar que voces estavam aqui
sem a ni inha ajuda.
As risadas eeoarain pelo tombadilbo.

O gigante Adamastor
O rei de Melinde, vivamente impresionado, seguía com
grande atengáo o relato de Vasco da Gama.
— Cinco dias depois de deixannos aquela térra, seguía­
mos com ventos favoráveis por mares descooheddos quan­
do, numa noite, suFgíu urna nuvem que tomou coma do ccu.
Era urna nuvem táo carregada e amcaladora qucenchcu nos­
sos coraqdes de medo. Entáo, de repente, surgiu no ar urna
figura robusta, com o rosto zangado, cor de ierra, Tinha
urna barba enorme* olhos encovados, cábelos desgrenhados
e eheios de térra, a boca negra, os dentes amarelos, Era tao
grande que* ao védo, comparei-o ao Colosso de Rodes —
urna das sete maraviíhas do mundo amigo, Num tom de voz
que parecía sair do mar profundo* arrepiando a todos nos,
ele nos falou:
42
Ó geme ousada, mais que todas as que no mundo
realizaran grandes facanhas, gente que nunca repousa de
tantos trabalhos e tantas guerras, e que ousa navegar mcus
longos mares, jamais saleados por navios desta ou de outras
partes. VocSs* que vém desvendar os segredos co oceano,
otlíam agora de mirn os casLigos que os aguardam. Saibam
que quanta* naus se atreverem a fazer esta viagem que agora
real iza m terso esta paragem como ini miga, enfrentando
grandes ventos e tormentas,”
E o gigante passou te fazer previs Oes sobre as terríveis
desgranas que os portugueses solreriam naq líela regiáo. Dis­
se* entre outras coisas* que aplicarla um grande castigo eni
seu descubridor, Bartolomeu Días, quando de por ali pas­
sasse outra vez, e que a morte seria o menor mal para quem
ousasse se aproximar dele.
— Mas quem é voceTafina!? ” - perguntd,

Sou aquele grande cabo” — respondeu — “ a quem


voces chamam das Tormentas, Marco o final da costa africa­
na, ncste promontòrio que aponta para o pòlo Antàrtico,
Meu nome é Adamastor, lutei na guerra dos titas contra Jú­
piter e os dentáis deuses. Fui incumbido de derrotar a arma­
da de Netuno, e tamanha empresa aceitei por amor da ninfa
Tètis, pois, sendo eu muito feio e grande, $ò me restava o ca-
mìnho das armas para tirala da corte do deus do mar. Vindo
a saber do meu intento, eia disse que se entregaría a mim, pa­
ra ììvrar o oceano da guerra. Ah, corno é grande a cegueira
dos amantest Desistindo da luta, urna noite fui cncontra-la.
V ia aparecer ao longe, compiei ámenle nua. Como um louco*
corri em sua diremo; abraceba e beijei-lhe os olhos, o rosto e
os cábelos. Porém — a lembranpa aínda dòi — logo descubrí
o engano: uà o era Tétis que eslava en i meus bracos* mas um
monte seivagem. Tremendo de raiva, fui á procura de um lu­
gar para esconder meu pranto e me esconder do escarnio.
43
Nesse meio tempo^ incus irmaos gigantes forarci derrotados
pelos deuses e muiios deles aprisionados debaixo de moma-
nhas. Quanlo a mírn, des transformaran! metí corpo em [„er­
ra e meus ossos em rochas* para depois me esienderem aqui,
debrufado sobre as ondas que tamo me lembram Tetis.”
— Ào terminar sua historia — pros segui u Vasco da Ga­
ma — , o gigante desapareceu diante de riossos oIho&, em
meio a um choro medonho. A nuvem negra se desfez e c mar
bramíu. Levantando as mács ao céu, que nos guiara de íáo
longe, pedi a Dcus que a Tastasse de nós os desastres previstos
por Adamastor.
Suas preces foram ouvidas, De manha, o sol revelen aos
portugueses o promontòrio em que o gigante fora transfor­
mado. Logo depois, a esquadra singrava as aguas que ba-
nham a costa oriental da África.

Na Terra dosBons Sinais

Um pouco adiante, a esquadra ancorou. Os nativos da


regiao aproximaram-se pela praia danzando e gritando de
alegría. As muJheres vinham sentadas em cima de bois vaga­
rosos, e cantavam acompanhadas de ilautas rústicas.
Eles traíaram os portugueses com muita amizade, e tj o-
caram galinhas e carneiros pelos mais diversos objetos, mas
ninguém conseguiu extrair deles nenhuma informado sobre
a India.
já ti nham dado urna grande volta á cosía africana. A es-
quadra voltou a seguir rumo ao Equador, ultrapasando o
ilhéuda CruzTponto extremo daviagem de Bartolomeu Dias,
que dali regressara após descobrir o Cabo das Tormentas.
45
Viajara™ días e dias em máo a tormentas e bonanzas, e
acabaram por encontrar urna forte corrente marítima, que
comegou a empurrar a esquadra para trás, até que o Vento
Su! veio em seu auxilio, permitindo-Ibes vencer o obstáculo.
No dia 6 de janeiro de 1498, Dia de Reís, ancoraran* na
enseada de um largo rio, que balizaran* de Rio dos Reis* Re-
ceberam da gente de ierra provUoes e agua doce, mas nova­
mente nenhuma noticia tiveram da india, O desanimo come-
cou, entao, a dominar os portugueses, exaustos pela longa
viagem e alquebrados pela fome e pelas tormentas,
Deixando o Rio dos Reís, dirigiram-se para o mar alto,
pois correntes perigosas ameagavam os navios na costa. Na-
vegaíam por um bom tempo, até que o capitao decidiu apro­
ximarse outra vez do litoral, onde urna novidade os alvoro-
gou: a existencia de urn porto do qual entravain e saíam bar­
cos á vela, A alegría foi grande^ porque entre aquela gente
que sabia navegar eles esperavam ter noticias da India, corno
de falo ocorrcu.
Fram todos negros, e percebia-sceni sua língua algunas
palavras do árabe, Usavam um paño dealgodSo enrolado na
cabera e antro, azul, cobríndo-lhes as partes vergonhosas.
Através da itngua árabe, que fatavam mal* disseram que
o mar ali costumava ser cortado por naus tao grandes quamo
as dos portugueses. Mas que essas naus vinham lá de onde
nasce o sol, onde lambém havia gente branca.
Os portugueses fícaram rao contentes por receberem da-
qnda gente noticias da india que batízaram o local de Terra
dos Hons Sinais.
Como cm todas as viagens marítimas importantes, a
frota kvava a bordo atguns padrftes com inscrigoes conmemo­
rativas, para assinalar sua passagem por algum local. E na-
quela térra crgueram um deles, que levava o nome de Sao
Rafael.
46
Sua alegría, porém, logo se transformen cm dor. O es­
corbuto, uma doenga terrível s alastrou-se entre os tripulan­
tes, fazendo inchar as gengivas e apodrecei a boca, o que
causava um mau chcíro que empestava o ar. Mui tos morre-
ram e ioram sepultados naquela Terra estranha.
— E assím — prosseguiu Vasco da Gama — * foi com
grande esperanza mas também com igual tristeza que segui­
mos viagcin ao longo da costa, chegando afina) a Mozambi­
que, de cuja falsidade o senhor já tem noticia, ó reí, bem co­
mo da traigo do povo de^Mombaza. Até que em Melinde re­
cebemos sua protegáo e conforto.

No reino de Netuna

O rei de Meltnde, preocupado em conquistar a amizade


lusitana, nao cessava de homenagcar os bravos navegantes.
Todos os dias, comemorava a presenta dos visitantes com
banquetes, jogos e danzas, Sua gentileza era tanta que, ao
organizar pescarías, mandava mergulhadores prender peixes
nos anzois dos portugueses.
Mas o dever se sobrepoe ao prazer. Vasco da Gama,
vendo que se detivera ali ruáis do que devia, resol veu p ro se ­
guir viagem. Ao se despedir do rei, este Ihe disse que estaría
sempre pronto a colocar sen reino a servido de um rei táo
bom quanto D. Manuel I e do scu povo tao sublime,
O capillo respondeu-lhe com palavras igualmente ama-
veis e logo mandou abrir as velas ao vento, partindo para as
térras que há meses busca va. O piloto que lev ava de Melinde
ia Ihe mostrando a rota certa, E, assim, Vasco da Gama se­
guía multo mais seguro do que alé entáo,
47
Ern pouco tempo, alcan^aram oí mares da india; a ale­
gría tomara coma da tripulatao, cnquanlo Baco, com a alma
eheia de inveja pelo sucesso da gente lusitana, ardía de raiva
e blasfema va. Ele vía a dcíerminatao do Olimpo em fazer de
Lisboa urna nova Roma e era-lhe imposslvel contrariado.
Desesperado, dcsceu á Terra e dirigiu-se aos dominios de
Ndtuno.
Ñas profundizas do océano* exi&tem grandes cavernas
de onde saem as ondas violentas q Liando o mar se agita com
a ídría do vento. A!i, a areia é de piata e sobre d a crgue-se o
transparente palacio de Netuno* láo claro e radiante que é
impossível saber se feito de cristal ou diamante. As portas de
ouro incrustadas de pérolas trazan bclos cntall.es* retratan­
do, entre mitras coicas, o Caos multicor que preceden á cria-
fáo do mundo, a sua organizado nos qnatío elementos e a
guerra entre os deuses e os titas.
Baco nao se deteve muito a contemplar tais maravilhas e
logo adentrou a morada de Netuno. Este, avisado de sua vin-
da, já o aguardava, acompanhado das alegres Nereidas que
mostravam espanto ao ver o rei do vinho entrando no reino
da água.
— Ó Netuno — disse Baco — , cstou aquí porque a sortc
injusta tambera atinge os grandes c poderosos. Chame os
deuses seus súdiíos, para que ougam sobreo mal que amcaca
a todos.
Preocupado, Netuno mandou seu filho Tritio convocar
os deuses que babitam os mares. Tritio era grande e feio,
possuía cábelos e barbas de algas, com mexíihóes pendura-
do$ ñas pontas. Como gorro, linha na cabera urna enorme
casca de [agosta. Para nadar sem embarazo, nao usava rou-
pas, e seu eorpo era cobeito por centenas e centenas de mo­
luscos e ostras sujas. Trazia na rudo urna grande concha re­
torcida, que come^ou a tocar com torga. Seu som ecoou por
todo o mar, e os deuses atenderam incontinenti ao chamado.
48
V do o velho Océano, acompanhado dos filbos e fiJhas.
Velo Nereu, casado corr. Dorts, pais das ninfas masinhas, E
Proteu* pastor dos peixes e profeta. De máos dadas* vinham
as duas esposas de Neíuno: Tethys, vestida coni um tecido
transparente* tño bela que ao ve-la o mar se amansavsq ma-
ravilhado; e AnfítritC, formosa como as ñores, trazendo o
delfím que a aconselhara a ceder aos amores do rci do océa­
no. E vínha o deus Glauco* o pescador transformada em pei-
xe, ainda chorando a perda de sua amada Scila* convertida
em cao.
Depois de acomodados em magnificas caddras de cris­
tal, no salao que recendía a perfume de ámbar, ñaco reveiou
a causa do seu tormento:
— Ó principe, senhor legitimo do mar irado* que refreía
a gentada ierra para que náo passem dos seus limites. E vo-
cés* deuses marinóos, que em seu grande reino nao sofrem
neohuma ofensa que náo seja castigada: que descuido é este
em que agora vivem? Quem Ihes terá abrandado tanto o pei-
to justamente endurecido contra os humanos fracos e atrevi­
dos? Eles já dominam o iogo e agora querem dominar a
agua. A continuar assim, temo que, em poneos anos* eles se
lornem deuses c nós, humanos. Se acham que exagero* aten-
tem para a gente insignificante que leva o nome de meu vas-
salo, Luso: eles váo cortando seu mar, muís do que consegui-
ram os romanos. Estilo devassando seu reino e violando suas
leis, Mas nao só voces esiáo sendo ofendidos; eu também es-
tou, pois esses vis portugueses querem roubar-me a honra de
seT o conquistador do Oriente. Os deuses do Olimpo estáo
cegos para opeiigo* e por isso desci aos dominios de Netuno;
voces sáo os únicos capazes de por fim a tal ínsoJéncia.
E Baco contínuou seu discurso inflamado, Ao terminar*
os deuses estavam lomados pela cólera. 1 ogo deddiram en­
viar um recado da parte de Netuno ao poderoso Éolo* deus
dos ventos, para que os fizesse soprar com violencia sobre o
mar, até que aesquadra portuguesa fosse totalmente destrui­
da. Protea airida tentou alertar os outros deuses com unía
profecía, mas i'oi abafado pela deusa Tethys, que Jhe gritón,
indignada:
— Netutio sabe bem o que mandou!
j Momentos depois, ÉoJo soltava do cárcere, no fundo
das cavernas, os furiosos ventos, que, sern demora, foram
cm direcáo á frota portuguesa, derrubando o que encontra-
vam no caminho.

Os Doze da Inglaterra

Era noitc. Os marínheiros que acordaram para o segun­


do turno de vigilia aínda cstavain son olemos, boccjandu e
apoiando-se nos mastros. Para afugerUar o sono, resolveram
contar historias e lembrar casos, Um deles sugeriu que se
contassem casos alegres. Mas Leonardo, que eslava muíto
enamorado, náo concordou:
— Para passar o tempo, que melhores cornos que os ce
amor?
— Nao cünvem tratar dessas brandaras em rneio a tanta
dureza — responden Veloso* — Acho que urna historia de
Jutas está mais de acordo com o que temos pela frente.
Todos concordaran! c pediram ao próprio Veloso que
contasse urna historia do tipo que sugería, Eíe aceitou e
aimnciou que iría contar as proezas dos portugueses que ti-
carsun con herid os como os Dozc da Inglaterra.
— No tempo do reinado tranquilo de D, Joño 1, quando
Portugal já se livrara das amea^as da vizinha CastelaT la na
grande e fría Inglaterra a densa da discordia plantava scu
pomo, Lm dia, criou-sc urna discusaáo entre as damas e os
fidalgos da corte inglesa. Por co n v ic io ou por pura teima,
os fidalgos prometían! provar que aquejas senhoras — doze
das eram — nao possuíam honra, E promeliam vencer em
combate qualquer um que se propusessc a defendé-las+ Fra­
cas c indefesas, as damas pediram a ajuda de amigos e paren­
tes. Mas nenlium destes se atreveu a enfrentar os poderosos
inimigos.
Em lágrimasp elas decidí ram pedir auxilio ao Duque de
Lencastre, que lutara ao l^do dos portugueses contra Cas tela.
Teniendo provocar uma guerra civil, o duque nao quis
sair pessoalmente em defesa das damas, mas Ihes sugeriu:
“ — Quando estive em térras ibéricas constate! nos lusi­
tanos tanto valor e cavalheirismo que, na minha opiniáo,
somente ele$ aceitariam defendé-las. Se desejarem, posso en­
viar um emissário áquela parte do continente, para que os lu-,
sítanos fiquem a par do seu agravo.
O duque apresemou as doze damas os nomes de doze
bravos cavaleiros que conhecera em Portugal. E sugeriu que,
após uma escolha por sorteio, cada urna escrevesse urna car­
ta pessoal ao cavalciro que Ihecoubera, para o estimular aín­
da mais, e outra ao reí portugués.
Quando o mensageiro chegou a Portugal com as cartas*
toda a corte se alvorogou com a novidade* Em pouco tempo,
os doze cavaleiros estavam preparados para partir, em urna
ñau veloz que D, Joáo mandara armar.
Mas um deles, conhecido como M agreo, tinha outra
ideia: disse aos companheiros que há muito desejava andar
por territorios estrangeiros, para conhecer su as gentes e cos­
tumes, e pediudbcs que o deíxassem seguir por térra, prome­
ten do cncontrá-los na Inglaterra.
Todos concordaran! e Magrigo seguiu viagem. Fassou
pelos reinos de Lcáo c Castela, passou por Navarra, onde se
elevam os Montes Pirineus, que separam a Espanha da Fran-
ça, e, apôs conheœr as grandezas da terra francesa, ebegou a
Flandres, que era na época o grande entreposto comercial da
Europa. A\i, ero ve/ de prossegulr viagem, ele permaneccu
por muitos dias.
Enquanto issoT os outros onze eavaleiros chegavam à
costa da Inglaterra, após cortarem as ondas frias do Mar do
Norte. Segiñndo para Londres, foram recibidos com grande
fes ta pelo Duque de Len castre e acolhidos a fot liosamente pe­
las dozc damas.
No día marcado para a peleja, as damas usavam colori­
dos trajes de seda e multas jólas valiosas. Mas aquda a quem
coubera o Magriço vestí u-se de luto, por nao ter um cavaleb
ro como defensor.
O rei inglés já eslava sentado na tribuna, com toda a
corte. Os combaientcs se colocaram nos dois lados do campo
de Juta. Do Oriente ao Ocidente nunca se viram homens tao
possantes e valenrcs como os doze ingleses que enfrentarían!
os onze portugueses, Os cávalos mastigavam os freíos doma­
dos, espumando, mdóccís. As armas brilhavam ao sol. a
platêtu comentava a desigual dade entre os dois bandos,
guando um grito de surpresa se elevou da multïdâo: entrava
na arena mais um cavaleiro. Dirigiii alguenas pafavras de
saudaçâo ao ici c as damas e juntou-se aos onze portugueses.
Era o grande Magriço, que abraçou calorosamente os ami­
gos. A dama de luto, ao saber que aquele era quem vinha de­
fender sua honra e seu nome, alegrou-se e vestíu urna roupa
tecida com fios de ouro.
Soou a trombeta e iniciou-se o combate. Os eavaleiros
picaram as esporas e baixaram as lanças. O chfto parecía Ire­
me r com o estiépito dos cávalos. Os coraçôes dos a asistentes
estremecíam demedo. Um dos eavaleiros voa da cela, outro
geme ao cair junto com o cavaio, outro tinge de vermelho a
armadura prateada. Um cavaio corre sem dono, e lá um d o

52
no corre sem o cávalo. Os ingleses perdcm sua soberba, por­
que dois deles já c&táo fura do campo. E os que caíram da
montaría, ao íernarcm lutat com as espadas, encontram mul­
to mais do que a simples armadura dos adversários. Kesu-
mindo: ao final, a palma da vitória fícou com os portugueses
e as damas foram assim gloriosamente desagravadas,
O duque recebeu os doze vencedores em seu palacio,
com festas e alegría. E as formosas damas nao se cansaram
de oferecer banquetes sos bravos lusitanos ate seu regresso a
Portugal.
*
Pizem, porcm, que o Magrigo, semprc desejoso de co-
nhecer outras térras, nao voltou, permanecendo ern Flan­
dres, once prestou um grande servigo a unía condensa e ma­
tón um cavaleiro francés em duelo, Outro dos áoze cavaleí-
ros foi para a Alemanha, onde teve um duro duelo com um
alemáo que tentara matado a traigao.
Nessa altura da narrativa, os marojos pediram a Veloso
que voltasse á historia do Magrigo, para depois contar a do
cavaleiro na Aíemanha. Veloso coneordou, mas nao teve
tempo de aren dé-los: foi interrompido pelo apiro do contra-
mestre, que ja estava há algum tempo a examinar o céu*

Afúria dos rentos

O alarme desperíou iodos os marinheiros. Como o ven­


to aumentava, o contramesíre mandou recolher as pequeñas
velas das gaveas, Nem bem das toram recolhiclas, urna gran­
de e súbita tempestade come£üu a cair.
53
— Amainar a grande vela! — gritón o contramcstre.
Nào houve tempo, Os ventos impetuosos fizeram a
grande vela em pedaços, com um barulho que parecía anun­
ciar o rim do mundo. O í marujos gritavam, tomados de pa­
vor, porque a nau capitanía se indinara de tal forma que
uma grande quantidade de âgua a invadiu.
— Alijar! — gritou o contramestre. — Lancem toda a
carga ao mari Bombeiem a agua, pois estamos afundando J
Um grupo correu para as bombash mas foi derrubado
por uma onda. Très fortes marinheiros nâo eram suficientes
para manobrar o leme.
Os ventos eram tao violentos que poderiam clerrubar a
grande Torre de Babel. Sobre aquetas ondas imensas, causa­
va espanto que as caravelas se mamivessem à tona.
O navio em que ia Paulo da Gama estava quase todo
alagado e com o mas tro partido. Os homens gritavam pelo
Salvador. Outros gritos vinham da nau de Nicolau Coclho,
que no encanto tivera tempo de amainar a grande vela antes
da chsgada do vento. As ondas do rai voso Netuno por vezes
erguiam as naus até as nuvens, por vezes parecia deseé-las até
as profundezas do océano. Os ventos de todos os quadrantes
SOpravam com violencia. A noite felá era iluminada pelos
raios que surgiam de toda parte. Os elementos lutavam entre
si.
Vendo que tudo parecia perdido quando estava tào per-
to de atingir seu objetivo, Vasco da Gama começou a rezar:
— Senhor, por que nos abandona depois de tantos peri­
cos e sofrimentó? Suplico que nos salve, pois aquí estamos a
seu serviço.
A tormenta, porém, só íazía plorar. Os medonhos re­
lámpagos nâo paravam e os rrovoes sacudiam os ccus.
Assim foi até que a eslrcla Vénus surgiu no céu, ilumi*
tumdo o ánimo dos navegantes. Ao ver o perigo que sua

U
amada gente corría, a deusa foi tomada ao mesmo tempo pe­
lo medo e pela ira,
— Por corto estas sao obras de Baco — disse ela. —
Másele náo conseguirá atingir seu objetivo, porque sempreo
impedírd. — b deseen ao mar com as ninfas pelas quais os
ventos rvutriam grande paíxáo. Ola pretendía, desie modo,
acalmâ-los. Assim foi: à visào das formosas ninfas os ventos
perderam a força e passaram a obedeeÉ-las, vencidos. Nao
demorou milito, todos se entregaram à linda Vénus, que pro­
meten favorécelos em sens amores, recebando em troca a
promessa de que cíes Ihe serian* leáis durante a viagem dos
portugueses.

Nas terras de Malabar

Amanhecía, quando os marinlidros, aliviados, final*


mente avistaram térra. O piloto de Mrfinde disse;
— Se náo me engaño s c a india , que tanto andam bus­
cando!
Sém conseguir suportar tama alegría, Vasco da Gama
ajoelhou-se e agradecen a Heus peto grande favor.
Houco depois, surgiram pequeños barcos de pescadores,
que indicaram o caminho de C&licme, capital do reino de
Malabar.
A frota seguiu ao longo da costa. Do mar, descortinava­
se o macizo de Gate, urna gigantesca mural ha natural que se­
parava o reino de Malabar do de Cañará.
Finalmente chcgaram perto da barra de Caliente. Vasco
da Gama enviou um de seus homens, Jodo Martins, para co­
municar ao rei a chegada dos portugueses, A o chegar ao por­

56
io s o mcnsageiro airaiu a aten eo de todos pela cor de sua
pele, as fd?5es estranhas e as roupas diferentes, c logo foi
cercado por urna multidSo*
No entanto, entre aquela geme havia alguém que já co-
nheciaos lusitanos: era um mufulmano, nascido no Norte da
Africa. Para surpresa de Joüo Manins, ele lhe perguntou em
castellano:
— O que os trouxe a este lugar, tao longe da sua patria?
— Viemos pelo fijar profundo, por onde nunca nin-
guém passara, para aqui espaJhannos a fé de Cristo — res­
ponder] o mcnsageiro.
Espantado com a proeza, o mouro* que se chamava
Moneaide, inldrmou que o reí, intitulada samorim, eslava
fora da ddade, mas nao muito distante. E sugeriu que, em
quanlo a noLícia da chegada dos portugueses nao chegasse ao
rciT Joáo iMartins ñcasse em sua casa, onde pedería provar
as comidas da regido. Depois, disse, quería ir com ele até a
frota, pois eslava muito contente em encontrar gente vizinba
em tao longincua térra.
Martins accitou de boa vontade a oferta de Mongaide.
Após comer c beber* como se fossem velhos amigos, os dois
seguiram para os navios.
Subiram á ñau capitanía, na qual Moncaide foi muito
hem recebido, Vasco da Gama abra? ou-o, satisfeito, a o ou-
vi-to falar a lingua castefhana. Sentou-se ao seu lado e pediu
lhe que falasse daquele lugar.
Monqaíde corne^ou por demonstrar sua adm irado pe,
longa viagem dos portugueses e dísse que certameme Deufi oe
guiara até ali e os protegerá de tantos perigos por algum mo­
tivo misterioso. Entáo, passou a falar sobre a India, onde v¡
víam diversos povos* ricos e prósperos.
— Nesía regiao exislem hoje — disse — varios reís, mas
antes havia um só govemante. O último que manteve este
5;
reino unido foi Sarama Perimal, ate que aqui chegaram ou­
tros pov os, seguidores do culto maometano, no qual lam ­
ben eu fui educado por meus país. Pregaran con tal do-
qiiénda $ua fe, que Perimal se coiivcrteu e resolveu morrer
como santo, em Meca, aterra do profeta Maomé. Antes de
ir etríbora, repartiu entre os scus o poderoso reino, premian­
do aqueles que mais o haviam servido e contentado < A um
rapaz de quem gostava multo deu a ciclado de Calieute, ja
en nao rica pelo comercio. Feito isto, partiu. Apesar da divi-
sáo, o samorim é o governantc maís poderoso da India,
Após urna breve pausa, o nouro continuou:
— Aquí h¿ duas castas de gente: a dos nobres, os naires,
e a dos menos dignos, os poleas, A religiao nao permite que
cíes se misturen. Entre os poleas, só sao permitidos casa-
memos de pessoas que tenham o mesmo oficio, e os fllhos so
podem ejercer a mesma profissao dos pais. Para os naíres, b
uin grande pecado serem tocados pelos poleas: quando isto
por acaso acontece, eles se Jimpam c purifican em grandes
cerimónias. S6 os naires podem exercer o oficio das armas.
Seus sacerdotes tem o nomc de brámanes; eles observam os
preceptos do sabio que inventou a palavra Filosofía. Nílo ma-
lain nem mesmo um inseto e abstem-se de carne. Somente
ñas rela^oes sexuais sao maís livres e menos comidos. As mu-
lhercs sao corrí unsa mas somente para os da rapa do marido.
O gente feliz, que nao sol re de ciúmeí

No palacio do sarnor/m

A noticia da viuda dos portugueses chegou rápidamente


ao samorim, que retornou a Caiicute, para receber Vasco da

58
Gama. Scm demora, o comandante luso emharcou com ai-
guns bomens para o porto,
Em ierra, um catuai, como eram chamados os ministros
do reino, rodeado de naires, aguardava o capítáo portugués.
Ao velo, o catuai abragou-o e oftsreceu-lhe urna liteiia, para
que seguisse carregado nos ombrns de homens, de acordo
com o costume local. Coni o catuai também em um palare
quim, foram para onde os aguardava o samorim. Os outros
portugueses iam a pé. ü povof alvoro^ado, aglomerava-se
para observar aquel a gente tao diferente,
Atraindo cada vez mais gente á sua passagem, o cortejo
deteve-se diame de um tempio grandioso, no qual entraram
os portugueses e a comitiva do catuai.
Depararam-se, aüTcom imagens de divindadcs esculpi­
das em madeira c pedra. Urna tínha di ifres, outra, duas ca-
beyas; urna possuía mudos bracos, outra, unía cabera de
cào. Os cj istmos, acostumados a ver Deus representado ein
forma humana, ficaram boquíabertos. Os indianos fizeram,
entilo, urna cerimonia religiosa. Depois, todos seguiram para
o palacio.
Nos portáis da moradía real viam-se entalhes que retra-
tavam a historia da india, desde a mais remota antiguídade.
Entre cías, havia urna que representava o exército de Tíaco,
que tantas Vitorias alcangou no Oriente, A comitiva atraves-
sou muitas salas luxuosas, antes de entramo safSo ondeesta-
va o monarca indiano. Ao seu lado estava um velho ajoelha-
do, que de quando em quando lhe servia urna foiba de betel,
que ele mascava, segundo costume da terra. Um bramane di'
rigiu-se em passos lentos até Vasco da Gama c fez-lhe sinal
para que se sèntasse diante do samorim.
Com urna voz respeitosa e respeitávd, o capitán disse:
— Um grande reí, là das térras onde è noíte quando
aqui é dia, tendo noticia do seu poder em toda a India, quer
estabelecer vínculos de amizade com Vossa Majestadc. Ele
envíou- me para comunícar-lhe que possuí em sen reino mul­
tas riquezas, e que, se Vossa Majestade consentir no cornea
ció entre a<¿ duss na^óes, isso írará multo proveilo para um e
gloria para o entro, Caso isso acóntela, meu rei estará pron­
to a ajudá-lo ñas guerras com soldados, armas e navios,
O samorim respondeu que muito se honrava cm receber
esta proposta, mas que so darla sus resposta após urna reu­
nido com o Conselbo de Estado, Até iá Vasco da Gañía po­
derla descansar da trabalhosa viagem.
Vasco da Gama e os outros portugueses ficaram hospe­
dados no palacio do catual, que recebera do samorim a mís-
sáo de informar-se melhor sobre os estrangeiros. Assim que
o día ralou, eJe mandón chamar Moncaidc. Pediu-lhe que
eontasse tudo o que sabia sobre os portugueses*
— Sei que e gente lá da Iberia, urna península próxima á
minha térra, £les seguem a rdigiáo de um profeta, nascido
no ventre de urna virgetn e gerado por um espirito divino*
Sao bravos na guerra; expulsaran!-nos dos feriéis campos
dos ríos Tejo e Guadiana em batalhas memoráveís, Nao con­
tentes, cortando os mares tempestuosos, nao nos dcixaram
tranquilos ñas térras africanas, tomando-nos dríades e forta­
lezas, O mesmo valor eles tcm demonstrado cm nutras guer­
ras com os beligerantes povos da Espanha. Poucas vezes fo-
ram batidos por armas irdmigas, Mas se aínda ríeseja saber
rnais, é melhor que se informe através deles próprios, pois
sao gente verdadera, a quem a falsidade ofende inais que tu-
do* E deceno o senhor gestará de ver de perto suas naves e
armas poderosas.
O catual acatou a sugestáo com muito prazer, pois era
grande o desejo de examinar os navios* Mandou equipar ba­
léis e partiu com Mon^aide e inúmeros naires em directo ás
car avelas portuguesas.
Na nau capitáma, foram recebidos por Paulo da Gama
e Nicolao Coelho.
Él
Havia no navio bandeiras de seda que traziam pintadas
as façanhas guerreivas dos portugueses. As pinturas atraírám
a atençâo dos naires e do cantal >que perguntou a Paulo da
Gama o que significa vatru Diante desse intéressé* o irmSo do
comandante pa.ssou a narrar aos visitâmes um pouco da his­
toria portuguesa, chamando a atençâo para as cenas mais
importantes. Começou peta que retralava o glorioso Luso,
que deu nome à terra e à gente portuguesa, e terminou na
que trazia flagrantes das batalhas tra vacias pelos lusitanos
contra os monros, no Norte da África.
O camal examinent atentamente as bandeiras, e ali fica­
ria mais tempo se o sol j à nâo ti ves se cornea acto a esconder-se
no horizon te, obrigando os indianos a deUar a poderosa na­
ve, em busca do repuuso da noire.

O falso profeta

EnquantO isso, a mando do samorim, os adivinhos da


corte estudavam as visceras de animáis sacrificados, buscan­
do sinais que Ihcs permitís sem prever o futuro e saber mais
sobre aqueta gente vinda de láo longe.
O Demonio mostrou a um deles que os lusitanos escravi-
zariam o povo de Calicute e dcstruiriam suas riquezas. As-
sustado, o mago corren a contar ao reí o que vira.
Além disso, o ardíloso Baco apaiecíu cm sonhos a um
sacerdote mu^ulmano, na forma do profeta Maomé, dizen-
do-lhc:
— Guardai-vos do mal que está sendo preparado pcJo
inimigo que vem pelo mar!

62
Ü sacerdote acordou sobressallado. Ao perceber que se
tratara apenas de uní sonho* voltou a dormir* tranquilo. Po­
roto Baco voltou a falár-lhe, aínda disfamado em Maomé:
— Nao me rcconhece? Fui eo quem dei aos seus ante-
passados os preceitos da sua religiáo. Saiba que os navegan­
tes recém-chegados causarán muitos danos a Calicute e a seu
comercio com Meca. É preciso resistir aos piratas invasores,
enguanto c tempo, Kembre-se: quando o sol nasce, podemos
olítar para ele, mas depois que sobe no ccu fica tao brílhante
que cega quem se atreve a fitá-lo. Da mesma forma, voces se-
rao cegados se nao impbdirem que esses invasores criem raí­
ces aquí. -
Dito istoa Baco desapareceu c o sacerdote voltou a des­
pertar, atónito e trémulo, Saltou da cama e comecou a medi­
tar sobre as palavras do deus invejoso, que envenenavam seu
espirito.
Quando amanheceu» o sacerdote convocou urna reuniao
com os principáis sacerdotes musulmán os, aos quais contou
seu sonho. Houve uma grande discus&áo, em que cada um
sugeriu as mais astutas traiyóes e perfidias contra os portu­
gueses. Por fím, decidiram comprar os gobernantes de Cali-
cute, para jogá-los contra os portugueses. Assim, com jólas c
ouro ganharam a simpatía dos ministros, e os convence]am
de que os visitantes eram invasores perigosos.
Influenciado pelos seus consdheiros e assustaclo com o
que os adivinhos Ibe disseram., o samorim passou a hesitar
em dar urna res posta aos portugueses.
B ceito que o comandante lusitano sabia que, no rno
mentó cm que recefcesse urna prova segura da existencia do
mundo que acabara de descubrir, D. Manuel :iao cumpriria
o acorde com o rd de Malabar e enviaria muitos navios de
guerra para conquistado. A Vasco da Gama, porém, so inte­
ressava o succsso de sua ínissño; as implicares políticas da
descoberta do caminho marítimo para a india nao eram de
sua aleada. Por isso, ao sci avisado por Moneaide das intri­
gai dos mouros e das dùvidas do regedor, sua impaciencia
au mentou; o perigo de sua missao fracassar era grande.

A hora da verdade

Mas se o medo se instalara no peito do samorim, nde


ainda havia lugar para a cobija, pois via que poderi a tirar
grande proveí io do acci do que Ihe era proposto pelo rei de
Portugal. Indeciso, mandou chamar o capitào lusitano e dìs-
sc-lhe:
— fcstou informado de que voces nào t&m nem rei nem
pàtria e tèm passado a vida como vagabundos. Pois que rei
seria loueo a ponto de enviar frotas em viagens tño longas e
incertas? Li se o seq rei é poderoso, que valiosos presentes me
trai corno prova disso? A a miz ad e entre os grandes reís è se­
luda com presentes valiosos, e nao com as palavras do uni er­
rante navegante, Caso voces lenham sido desterrados, nào
temami serào agasalhados em meu reino, como jà ocorreu
coni outros homens ilustres, pois toda terra é pàtria para
quem tem valor; e se forem piratas, podem confessar seni re*
celo de castigo de morte, pois è normal que um homem faga
de ludo para sobre vi ver.
Quando o samorim termínou, Vasco da Gama respon-
deu-Ihe;
— Se nào existisse esse òdio tào amigo entre os niao me­
tanos e oscristàos, Vessa Majestade nào poderia ter concebi­
do tào más suspeiias de tiós- Se eri vivesse de pi rat ari a ou
desterrado de rninha pàtria, por que vida, enfrentando tan­
tos pcrigos, procurar um abrigo tào longinquo e desconheci-
do? Nào trago presentes de alto valor, porque vìm apenas
<54
para descobrir o caminho marítimo para o seu reino. Se es-
tranha a ousadia de mea reí, em mandar me de tüo longe,
saiba que ele nao recua díame de nenhuma grande empresa,
Há mijitos anos, nossos reís decidirán] vencer dificuldades e
perígos, desafiando o mar tempestuoso, para descobrir as úl­
timas praias por cíe bancadas, Um após outro, cases reis fo­
rana abrindo caminhos, até o extremo suí da África, li assim,
aquí viernes nós, agora, para alargar aínda mais as fronteiras
do nosso mundo. CS chegamos vencendo calmarías e tem­
pestades, e desejamos apenas levar um si nal de Vossa M&jes-
tade ao nosso soberano* Assim, ó rei, se acreditar em mim,
permíta me que retorne o quanto antes com sua resposta*
Mas se aínda tem dúvida, medite sobre mínhas palavras* pois
nclas a verdade será reconhecida.
Onvindo Vasco da Gama falar com tanta seguranza, o
samorím convcnceu-sc de que os magos erravam e seus con-
selheiros estavam enganados, sem saber que na realidade es­
tes últimos eram corruptos* Assim, autorizou que o capitáo
comercializassc ¡mediatamente a mercadería que trouxera*
trocando-a por especiarías, além de assegurar-lhe que firma­
ría um tratado de paz e amizade com D. Manuel*

A traifáo do

Vasco da Gama despediu-se do reí indiano e foi pedir ao


catual que Ihe providenciaste um barco para levá-lo á ñau ca­
pitanía* pois o seu batel já havia retornado*
— A única embarcado que eu lhe poderia ceder está
bem longe daquf Voces terao de esperar até amanhá de ma-
nha para partir — mentía o ministro.
¿5
O capi tao ainda ìnsistiu, Ombrando que o pròprio sa­
morim ordenara que partisse seni demora, mas o catuul aSo
dcu a menor ateneo ás suas palavras; juntamente com os
mouros, procurava urna maneira de destruir os portugueses.
Por firn, o catual proibìu aiè mesmo que os batéis por­
tugueses viessem buscar o comandante- E, diante dos protes­
tos de Vasco da Gama, argumentou:
— Deixar a frota assira tào Ionge é coisa de inimigo ou
de ladrao, pois amigo n£o desconfía de amigo, Que a frota
aporte, entáo, como prova de anrizade, para facilitar o em­
barque e desembarque das mere adorias.
Percebendo que o carnai desejava que as naus se aproxi­
m aban para tentar desti uí-las, Vasco da Gama nào concor­
d a i e, como resposta, fkou preso durante toda aqucla noiíe
e pane do dia seguinte.
Surpreso com a recusa obstinada do capitào e assustado
coEn a possibilidade de que o samorim viesse a saber de sua
arbitrarieda.de, o catual resolved fazer outra proposta: o co­
mándame deveria mandar vir para terra toda a mercaduría
que irovixera, e ele e os oulros conselheiros intermediariarn a
ti oca, Vasco da Gama acdtou* pois sabia que isso servirla
para comprar a sua líberdade* Concordaram que batéis in­
dianos fossem até as naus para trazer a mercadería* É Vasco
da Gama escreveu urna carta ao irrnílo, ordenando que a en­
tregaste.
À carga foi trazida e dois portugueses ticaram em terra
com a incumbencia de acompanhai o negocio.
Os dias passavano e nenhuma venda ou troca era Feita.
Com astucia e vdhacarias, os mouros c o camal faziam com
que os comerciantes nao aceilassem o que us portugueses
ofereciam»
— í;Se nSo foi por ganáncia* por que o catuai quis ser­
vir de intermediàrio nessa transado?tJ —*perguntava-se Vas­
co da Gama,
66
A troca de reféns

As margen® do Mar Vermelho, próximo a cidade de Me­


ca* prosperava o porto de Jedá, Iodos os anos, saía dali urna
magnífica frota moura* que ia pelo Océano índico até a cos­
ía de Malabar em busca de especiarlas.
Era por essas naus que os mouros de Calicute aguarda-
vam. Como das eram grandes e postantes, destruiriam fácil­
mente as dos portugueses* que tentavam arrebatar seu
comercio.
Os muculmanos náo contavym* porém, que justamente
um deEes se compadecería dos portugueses: Mon^aide* que já
nutria alguma amizade pelos lusitanos e inspirado por Ve­
nus, revelen o abominavd plano ao capitáo.
Vasco da Gama, sem perda de tempo, mandou que os
dois portugueses em térra voltassem para as naos, escondi­
dos. Os mouros, no curanto, pressentiram que eles se piepa-
ravam para deixar a cídade e os prenderán^ Em represalia* o
capiiáo prenden alguns comerciantes que foram vender clan­
destinamente suas pedradas ñas naus, Eram mercadores
muito ricos* e sua falta foi logo notada na ddade.
Desesperados, as mulheres c os filhos dos comerciantes
detidos pediram a intervenfáo do samorí m, Imediatamente
ele deiermínou que os dois portugueses regressassem á frota
com a sua mcrcadoria, apesar da o b je to dos maometanos.
F* com des, enviou suas desculpas a Vasco da Gama* rogan­
do-] he que sol tasse os comerciantes.
O capitáo* rnais salisfeito com a volta dos dois subordi­
nados do que com os pedidos de dcsculpa de um soberano
tSo desmoralizado, soltou os reléns e ordenou que a esqua-
dra levantasse áncora.

61
O exército de Cupido

Vasco da Gama rao partíu, porèin, de m&os vazias, setti


provas que garantissem ao rei lusitano a sua extraordinària
dcscoberta: levava alguns malabarenses, detidos à força
quando cbegaram à frota para devolver os dois portugueses.
E também especiarías, como pimenta, noz-moscada, oravo e
canda, compradas por intermedio de Monçaide, que decidi­
rá se conveller ao cristianismo e partir com a frota.
Afastando-se da cosía de Malabar, as naus rumaFam
para o Cabo da Boa Esperanza, voltando a afrontar os gran­
des pengas do mar imprevisivel. Os marinheiros seguiam fe-
lìzes, pois o prazer de chegar à pàtria e contar aos parentes o
que tinham visto naquda loriga viagem, e a expectativa pelos
premios que ganhariam por t&o difícil traballio* ludo isso
lhes dava unía enorme alegría.
Ries nào sabiam que Venus também Ihes dai ia um prè­
mio pela sofrida vitória que alcançaram.
A deusa havia preparado para os seus protegidos urna
ilha paradisiaca, onde pretendía instalar as mais lindas nin­
fas do oceano, que proporcionan am aos bravos argonautas
grandes prazeres. Para que elas se apaixonassem pelos portu­
gueses e assim lhes dessem maior contentamento, Venus vai
em busca de seu fillio Cupido.
O deus alado organiza va urna expediçao para castigar os
homens, que eslavam amando coisas que lhes havíam sido
dadas nào para amar, mas para usar, tal como o poder e a re-
ligiào, que existiam paraespalhar o bem e nao para o benefi­
cio de govemantcs e sacerdotes. Mas os trabalhos foram in*
terrompidos para receber Venus.
Depois de abraçar Cupido, a deusa lhe disse:
— Amado fìllio, há milito tenho ajudado os portugue -
6a
ses, por sercm parecidos com os romanos, meus amigos pro­
tegidos, e por saber que scmpre hào de me venerar. Na sua
viâgem à india, des foram molestados pelo odioso Baco,
mas a ludo superaran^ mostrando grande valor. Quero ago­
ra querecebam uni premio pela gJdria alcançada. Para tan­
to, as ninfas do océano devem ser profundamente feridas de
amor pelos lusitanos, e depots reunidas em urna ilha que já
prepare! com as dádivas da primavera, Ali, elas aguardarlo
os portugueses e Ibes entregarlo tuda o que $eus olhos eobi-
çarem. Queso que desta uniáo surja urna nova raça, forte e
bela, para reinar sobre o^mundo, como demonstraçào da mí-
nha força. Pois se conseguir ucender na agua, onde nasci, o
fogo imortal do amor, nao haverá na terra nenhum nial ou
hipócrita capaz de resistir-lhe.
Ao ouvir as palavras da mae, Cupido apressou-se em
obedecer. Mandou trazer sen arco de marfim, com o qual
disparava as setas com ponía cíe ouro, e convocou a deusa
Fama para ajudá-lo,
Mandaram-na à frente, para ir tecendo elogios aos na­
vegadores, mais alto do que jamais fizera para outros heróis.
E logo o rumor da Fama se espalhou ate as mais profundas
cavernas do mar. O louvor foi mudando o coraçào das divin-
dades marinhas, que antes se colocaran! contra os portugue­
ses, por instigaçâo de Baco. E os coraçôes feminmos, que fá­
cilmente niudam de opiniáo, já começavam a considerar
cruddade desejar mal a gente iao forte.
Cupido passou entào a disparar suas setas, urna após
outra. O mar gemía com os disparos. As ninfas caiam, !am
çando ardentíssimos suspiros. E caiam sem terem ainda visto
os heróis amados, pois a fama pode tanto quanta a vista.
Por fim, o deus alado puxou com força a corda do seu
arco, quase juntando as ponías. Com sua última flecha, que­
ría ferjr Tctis, que sempre conseguirá esquivar se dele. E
69
pouco depois de soltà-la, nào restava nos mares uenhuma
ninfa viva: porque se feridas eìas uinda viviam, era so mente
para sentir que mondani de amor.

A Ilha dos Amores

Ha dias os portugueses proeuravam um local onde pu-


dessem prover-se de agua doce para a longa viagem, Á luz da
alvorada, avisiaram com alegría a fresca e bela liba dos
Amores, que Venus leva va sobre as ondas em sua directo.
As proas rumaram para urna enseada tranqüila, que
chamava a atenqüo pela areia branca ornamentada de con­
chas vcrmelhas. Tres verdejames colinas erguiam-se com
graciosa imponencia. Claras e límpidas fontes brotavam dos
cumes £suas aguas corriam por entre os seixos brancos, dan­
do vida á vegetado circundante, bm um vale ao pe das coli­
nas as aguas se juntavam, formando o mais helo lago que se
pode imaginar. O arvoredo pendía sobre suas margens, mi-
rando-se no espelho de cristal res plan decente, Muitas árvo-
res mostravam ao$ olhos maravdhados dos portugueses per­
fumados e beles frutos, que cresciam ali melhor do que se ti-
vessem sido cultivados: as cerejas purpureas, as amoras cujo
nomc vern de amores, os péssegos originarios da Pérsía, as
romas, as uvas e as peras, E no solo do qual se erguiam es-
tendia^se um tapete de flores. Os narcisos inclin avam-se so­
bre o lago transparente, e ali floresriain as anémonas. Viam-
se no céu e na térra as mesmas cores* e era difícil saber se a
bela Aurora coloria as ñores ou se era por elas colorida. A
primavera rudo pintava: as violetas, o lirio, a bela e fresca
rosa da cor que reluz ñas faces da donzela. As azucenas
brancas, orvalhadas pelas lágrimas matiñáis, c a manjerona.
70
Por toda parte. Clóris, ninfa das flores, competía com Po-
moua, ninfa dos frutos.
O cisne cantava deslizando sobre a agua e era respondi­
do pelo rouxinol pousado em uin ramo. Ali surgía a medrosa
lebre, e là passeava a tímida gazela.
Os argonautas desembarcaran, As helas ninfas ímg¡-
ram nao notar a presença dos amados, para assim se fazerem
mais desojadas, como Venus Ihes ensinara, Urnas tocavam
doces citaras, outras, harpas e sonoras flautas, Um gracioso
grupo, empunhando arcos de ouro, fingía perseguir os ani­
mais, e varias banhavam-se, nuas,
Extasiado, Femâo Veloso disse:
— Scnhores, bem se vé que sáo grandes e excelentes as
coisas que o mundo esconde aos ignorantes. Vamos ver se es­
tes seres tao helos sao miiagem ou verdade.
Os homens, movidos pelo dcscjo, corrcram para as nin­
fas, mais velozes do que gamos, El as fugiam por entre os ra­
mos, massem muita pressa. E pouco a pouco, soi rindo c gri­
tando, dcixaram-sc alcançar pelos caladores que corriam co­
mo galgos, O vento erguia os cábelos de urna c as delicadas
vestes de outra. Urna caía proposi taime me na praia arenosa
e logo perdoava o perseguidor que sobre da tambero caira.
Alguns homens toparam com as que se lavavam, despidas.
Muitas, fingindo recear mais a força que a vergonha, lança-
vam-se pelo mato, ofereeendo aos olhos o que negavam as
mâos cobiçosas. Outras escondiam o corpo na agua. Outras
apressavam-sc cm pegar as i oupas.
d o uve um rapaz que se atirou no lago vestido e calçado,
com pressa de matar na agua o fogo que nele ardía. Como
um câo de caça arfante, ele lançon-se sobre a sua presa.
Leonardo, soldado de belos traeos, astuto e namorador,
mas que só ti vera desgostos com o amor, corría atrás de urna
ninfa, dizendo:
71
— Ó íormcsura, a qucm concedo a vida. Espere pelo
corpo de qucm já Ihe deu a alma. Todas as outras ja se can­
saran de correr e se renderam á vontade dos perseguidores.
Por que só vocé foge de mim?
Seniprc cor rendo* cominuou a fazer-lhe declarares de
amor, pedindo que o esperasse. E a hela ninfa nao mais fugia
para accndcr-lhe a paixao* mas para continuar a ouvir suas
doces palacras. Até que Ihe voltou o rosto alegre e deixou-se
cair aos pes do vencedor, que se desfez todo em puro amor.
Oh! Que famintos bcíjos e mimosos choros soavam pela
floresta! Que afagos suaves! Que pudores zangados logo
transformados em risos! O que ali aconteceu, é melhorexpe­
rimentar do que imaginar. Mas quern n&o pode experimen­
tar, que imagine.
As ninfas, depois do amor, adornaram os navegantes
com coreas de lauros, ouro c flores. Como esposas, prome­
ter a m-Ibes eterna companhia, na vida e na mor te. Tétis levou
Vasco da Gama até uní palacio de cristal e ouro puro* onde
passaram o resto do dia em doces folguedos e prazer cons­
tante, enquantu os outros faziam o mesmo sob as árvores e
entre as flores.
Bem cram dignos os bravos navegantes do premio que
ihes reservara Vénus; ao fugirem do ocio e da indolencia ere-
sLstirem á tentado da cobija desmedida, alcanzaran corajo-
samenie a fama, recusando as honras facéis e vas, pois é me­
lhor merecer a gloria sem te la que possubla sem merecc-la.

71
A m á q u in a do mundo

A noite caía quando as formosas ninfas. de bragos da­


dos coìti os amantes satisfeitos, seguiram cm diremo ao paià-
cio reluzente, Haviam sido convidados por TéLis* que lhes
preparara um grande banquete,
Aos pares, scntarairhse em ricas cadeira.s de cristal, À
cabeceìra, em cadeiras de ouro, sentar arrise Vasco da Gama
e Tétte, Sobre a mesa» em pratos também de ouro, ha vía sua­
ves e divinas iguarias, Vinhos peri limados espumavam nos
vasos de diamante.
Conversava-se alegremente com risos c ditos espirituo­
sos, e, coni sua voz doce, urna sereia cantava os feitos de he-
ròis futuros, que a custo de multo sangue co nqui stari a m o
Oriente,
Terminado o banquete, Tétis pediu a Vasco da Gama
que a acompanhassc, junto com scus homens. Seguiram
através do bosque, até urna planicie coberta de esmeraldas e
rubìs. Os portugueses, espantados, viram surgir no ar utn
globo no qual penetrava urna luz brillantissima, que mostra­
va tanto o seu centro quanto a superficie, Nào se conseguía
pereeber de que matèria era feito, mas via-se muilo bem que
continha vanas esferas concéntricas. Tette disse:
— Esta é a máquina do mundo, fabricada pelo ilimita­
do e profundo Saber, Esta luz clara e radiante que emana da
primeíra esfera* envolvendo as menores, cega nào só a vista
como também a mente humana, Nesía esfera* chamada Em-
ptreor estilo as almas puras, gozando o imenso privilègio de
ver Deus, o Destino ao qual também nos, deuses e seres fa­
bulosos criados pelo hornera, obedecemos. Esta primeira es­
fera è imóvd* mas a que verri em seguida gira t£o rapidamen­
te que se torna invisive!. C o Primeiro Móvel> que transmite
7}
movimento ás donáis esferas interiores, e assim faz com que
baja os dias e as noites, A tcrcrira esfera chama-se Cristali­
no, e gira multo lentamente. A d a está ligado o ciclo dos
equinócios, Vejanri agora esta guaría esfera, esmaltada de
corpos lisos e brilhantes. É o Firmamento, onde estáo f i a ­
dos os astros que formam as doze constelares do Zodiaco.
Nesta esfera cstáo tambdti as demais figuras formadas pelas
estrelas, como a Carreta, Andrómeda, Cassiopéia, Orion, o
Cisne s a Lebre e os Caes, Argos e Lira. Seguem-se as esferas
dossete astros, Saturno, Júpiter, Marte, Sol, Venus, Mercu­
rio c Lúa. Repare que tdídas essas órbitas segucm diferentes
curso** ora distanciando-se e ora aproximándo se do centro,
que é a Terra, ultima esfera, onde estao o Fogo, o Ar e a
Agua. Eía é a inorada dos atrevidos humanos, que nao se
contentam ern sofrer os perigos da térra e desafiam o mar
instáveL
E Tétis passou a descreve-la a Vasco da Gama, come­
a n d o pelos confins da Europa e passando ao continente
africano, que os portugueses aeabavam de contornar. Mos­
tró u-lhe depois as tenas do Oriente, do Mar Vermclho até o
Japáo, desere vendo minuciosa mente sua geografía e suas na-
póes, seus povos e riquezas, seus costumcs c rdigides. Falava
de sua historia passada e futura, destacando os nonics do.s
heróíü portugueses que dentro em breve por ali passariam.
Depois mostrou-lhe um grande continente que se cstendia de
um polo a outro, muito rico em curo, que seria descoberto
pela gente de Castela, no qual também os portugueses teriam
a sua parte, lá onde ele se alargava, ao su], e que sena batiza-
da de Santa Cruz. Ao final desta costa, um navegante portu­
gués, Fernño de Magalhaes, viria a alcanzar um estreilo que
levaría seu nome e pelo qual se pedería passar para o outro
océano,
Conduindo* dísse Tctis:
— Isto é tudo o que Ibes é permitido saber sobre o futu-
75
ro. E agora podem imbarcar, pois o lempo está favoràvel e o
seu rei os aguarda ansioso.
Pouco ticpois, os portugueses se despedìam da Ilha dos
Amores, levando a lembranfa daquelas ninfas que eterna­
mente cantarían: as suas glorias.
Com vento sempre manso* cor tara m o mar sereno até
avistaren! o desejado territòrio natal. Entraram peía foz
amena do Tejo e forum recebidos com multa festa pdo povo
c pelo Rei D. Manuel* a quena sua viagem proporcionaría
muitas glóriasH
Quetît Êoi Riikwt B ^ f t ?

Capixaba de Cachoeiro de ttapemirim, Rubem Braga nasceu


em J9J 3. Desde cedo dcdicoU'Se ao jornalismo, de si acan do-se na
crónica ena reportagem. Ocasionalmente traballi ou como publici­
tario* editor e diplomata.
Reuniu cm lìvro sens trabalhos como correspondente junto à
Força Expedición ària Brasileira, durante sua campanha na Italia,
na Segunda Guerra Mundial. Desde O conde e o passannhoj de
1936, até A s boas coisas da vida, de 1939, publicpu dez obras de
crónicas, Trabalhou em telejornalismo e cscreveu para a Revista
Nacional aléra de colaborar em varias outras publicaçôes.
Para a Série Reencontró, Rubem adaptou Cyrano de Berge­
rac, Tartarín de Tarascón (pelos quais recebeu Mençào Honrosa
do Prèmio Jabutt 88) e O Fantasma de Cantetyiiie.
Rubem Braga faleccu em dezembro de 1990, no Rio de Janeiro.

Quein í £dooíi ‘Rdcíwt B ^ a ?


Edson Rocha Rraga nasceu em Cachoeiro de Itapemirim, em
1933. Jornalista e publicitario, trabalhou em vários diarios cario­
cas c tambem cm telejornáis, Em propaganda, foi contato e reda-
tür de síganlas das maiores agencias do país.
Traduziu varios livros do inglés, francés e espanhol, entre des
Os Junerais da Mamúe Grande„ do escritor colombiano Gabriel
García Márquez,
Atualmente, é redator de jornal O Dia e da Enciclopedia Bri­
tánica.

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