Vous êtes sur la page 1sur 8

Interbio v.2 n.

1 2008 - ISSN 1981-3775 35

A HISTÉRICA E A OUTRA: HOMOSSEXUALISMO?

THE HYSTERICS AND THE OTHER WOMAN: HOMOSEXUALISM?

MARIANO, Luciana Regina Prado Garcia 1

Resumo

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa bibliográfica acerca da possibilidade de ocorrência do


homossexualismo feminino na estrutura histérica baseado em princípios psicanalíticos à luz da teoria de Jacques
Lacan.

Palavras-chaves: Histeria. Homossexualismo. Lacan. Psicanálise.

Abstract

This paper is a result of a bibliographic research about the possibility of the occurrence of feminine
homosexualism in the hysterics system based in psychoanalysis´ principles pointed in lacan´s theory.

Key-words: Hysteria. Homosexualism. Lacn. Psychoanalysis.

1
Graduada em Administração de Empresas pela SOCIGRAN – Dourados/MS; graduada em Psicologia pela
UNIGRAN – Dourados/MS; atualmente em programa de Pós-graduação em Metodologia do Ensino Superior
pela UNIGRAN-MS. Telefone para contato: 67 3422-3436 / 67 9971-8113; Endereço eletrônico:
luciana@skoldourados.com.br; lucianamariano_psic@hotmail.com.

Introdução sucesso profissional, entre outras coisas,


parecem ser tentativas de responder à
O presente trabalho é uma proposta de mesma questão: O que é uma mulher?.
pesquisa bibliográfica acerca da Segundo Lacan, essa pergunta é
possibilidade de ocorrência do decorrente da falta de um significante que
homossexualismo feminino na estrutura represente o ser feminino. Sabendo que a
histérica. Optou-se por esse tema em virtude fantasia da Outra mulher acompanha a
de se considerar a histeria como ponto de estrutura histérica, a proposta contida neste
partida para a construção da teoria artigo será uma tentativa de responder o que
psicanalítica e também pelo fato do conceito significa essa Outra mulher nessa estrutura.
de histeria estar equivocadamente ligado ao Para atingir os objetivos propostos,
conceito de feminilidade. usamos o método da pesquisa bibliográfica,
Do ponto de vista da psicanálise a descrevendo as teorias clássicas sobre o
histeria traz, basicamente, a representação tema, informando descobertas através das
de um corpo-escritura. Isso significa que o pesquisas de estudos mais recentes sobre o
corpo é o local de manifestação dos assunto. O material adotado para a execução
fenômenos histéricos. A histeria moderna, da pesquisa faz parte do acervo da autora da
muitas vezes, não cria sintomas corporais pesquisa e também da biblioteca da
visíveis, como na época de Freud UNIGRAN, além de artigos da Internet. Foi
(1896/1976). No entanto, a atenção estética utilizada a interpretação qualitativa que se
excessiva que as mulheres dedicam ao dá por interpretações e reflexões acerca dos
próprio corpo e a busca desenfreada pelo estudos.

MARIANO, Luciana Regina Prado Garcia


Interbio v.2 n.1 2008 - ISSN 1981-3775 36

A Histérica e a Outra experiência de castração4 da criança, pois


ela irá perceber de alguma forma que aquela
A histeria constitui o ponto de partida mulher deseja algo para além de dela, ou
da teoria psicanalítica. Foi também a partir seja, eu não a completo, há algo que ela
da histeria que se constituíram deseja e que eu não posso dar.
posteriormente as grandes linhas que servem O segundo momento em que a criança
de modelo geral do funcionamento psíquico. se depara com a falta é através da visão da
Porém, é sabido que a histeria era pensada castração do Outro materno. Seu desejo de
antes de Freud, pode-se remontar a possuir um pênis a encaminha para ligar-se
observação dos seus fenômenos a de maneira desmedida ao pai. A partir daí, o
Hipócrates que já se ocupava da questão no desejo que leva a menina a voltar-se para
século IV antes de Cristo. seu pai é, sem dúvida, originalmente o
Qual seria o motivo de um interesse desejo de possuir o pênis que a mãe lhe
que persiste por séculos? Pode-se supor que recusou e que agora espera obter de seu pai.
esse interesse se dá pelo fato da histeria “A feminilidade é, definitivamente, um
resistir a qualquer saber constituído, não se constante devir, tecido por uma
deixando capturar por aqueles que a multiplicidade de trocas, todas destinadas a
estudam. encontrar para o pênis o melhor
A singularidade da teoria freudiana equivalente” (NÁSIO, 1991, p. 21-22).
emergiu em um contexto histórico que Em seu texto “A dissolução do
propiciou uma nova leitura dessa patologia complexo de Édipo” Freud irá postular o
no final do século XIX. Em 1870, Jean Complexo de Édipo como fenômeno central
Martin Charcot, então médico da do período sexual da primeira infância. Em
Salpêtrière, passou a se dedicar um primeiro momento de vida da criança
exclusivamente ao estudo da histeria. Foi o todas as pessoas são vistas como
primeiro investigador que separou a histeria possuidoras de um pênis, esse período não
do feminino e a abordou cientificamente. corresponde a uma idade cronológica, mas
O progresso alcançado por Freud em antes a um período lógico. “[...] o
relação à Charcot se deve, em especial, a desenvolvimento sexual de uma criança
três importantes acontecimentos da história avança até determinada fase, na qual o órgão
da psicanálise. O primeiro foi uma mudança genital já assumiu o papel principal. Esse
de postura no tratamento da histeria da órgão genital é apenas o masculino, ou, mais
primazia do olhar para a primazia da escuta; corretamente, o pênis” (FREUD, 1924
a descoberta da natureza sexual da outra [1976], p. 217).
cena; e, o Complexo de Édipo (RIBEIRO, Quando o menino se depara pela
2005)1. primeira vez com a visão do órgão genital
Ao longo da história é possível diferente do seu ele demonstra falta de
perceber a complexidade da sexualidade interesse, rejeita o que viu ou procura
humana. De acordo com Freud e Lacan a recursos para adequá-lo às suas
fantasia da Outra2 mulher acompanha a expectativas. Somente mais tarde, quando
histérica, por conta disso o trabalho pretende persuadido por alguma ameaça de castração,
perseguir as dúvidas teóricas existentes é que a observação se torna importante para
quanto à possibilidade de ocorrência de ele. A partir de então, surge nessa criança
homossexualidade feminina3 na estrutura uma terrível agitação que o obriga a
histérica. acreditar na realidade que até então
Sucintamente pode-se relatar da provocava nele apenas risos ou indiferença.
seguinte forma o percurso que leva uma No texto “Algumas conseqüências
menina a se tornar mulher: a menina, ainda psíquicas da distinção anatômica entre os
bebê, deseja inicialmente a mãe. É neste sexos” (1923 [1976], p. 273-288 passim),
período que irá ocorres a primeira Freud observa que a menina tem um

MARIANO, Luciana Regina Prado Garcia


Interbio v.2 n.1 2008 - ISSN 1981-3775 37

problema a mais que o menino na passagem (opção), e por outro, com o termo
pelo Édipo, pois em ambos os casos a mãe é identificação, a intervenção do significante.
o objeto original. Isso quer dizer que a De forma bastante resumida a sexuação
primeira relação de prazer de uma menina é depende de uma lógica em três tempos: da
homossexual. diferença anatômica que é assinalada no
Inicialmente o clitóris na menina é momento do nascimento, mas que será
capaz de exercer a função de pênis, porém, definida realmente a posteriori; do discurso
quando ela efetua uma comparação com sexual onde o que vale é o discurso do
outra criança de sexo oposto, percebe que Outro, ou seja, é o médico, o pai, ou a
foi injustiçada e sente-se inferior. Por algum enfermeira que irão definir através da sua
tempo a criança acredita que quando for palavra “se” será menino ou menina; da
mais velha poderá ter um pênis. Porém, é escolha do sexo ou da sexuação
importante salientar que a criança não propriamente dita. (LACAN, 1972-73
entende a falta do pênis como sendo uma [1995]).
diferença de caráter sexual, explica-a Com certeza, essas últimas
presumindo que, em alguma época anterior, formulações são aproximadas, mas elas dão
já tivera um órgão como aquele e o perdera. a idéia da maneira, que não é única, ou do
O mais interessante é que ela parece modo de gozar com relação a essa função.
não estender essa inferência de si própria Sabe-se que Freud resolvia a aporia pela
para outras mulheres adultas e sim encará- inversão temporal, no desenvolvimento dos
las como possuindo grandes e completos dois complexos de castração e de Édipo. Por
órgãos genitais, isto é, todas as Outras que Lacan recorre a uma escritura lógica?
devem ter um pênis. Porque sua definição do real do sexo é o
Porém, já sabemos que a realidade do impossível de escrever a relação sexual. Ele
sexo está para além do real anatômico do supõe, então, que as lógicas existentes
sexo. Segundo Morel em seu artigo testemunham uma formalização do
“Anatomia Analítica” (2004), o percurso impossível, que inventa uma escritura da
que vai do complexo de Édipo ao complexo não-relação sexual, haja vista a
de castração, para o menino, e o inverso impossibilidade de dois seres diferentes
para a menina, a anatomia permanece fazerem “um”. (LACAN, 1972-73 [1995], p.
essencial, embora ela não seja fator de 17)
definição. De início, para aquele que tem Lacan (LACAN, 1975-76 [1995], p.
um pênis, a percepção de sua ausência na 20) afirma que um homem, para uma
menina dará seu peso de real à ameaça de mulher, é uma devastação8 – mesmo termo
castração do adulto; para aquela que não que utiliza para caracterizar a relação da
tem pênis, é diante de sua visão que ela mãe com sua filha. Em relatos de casos de
sucumbirá ao Penisneid5. Sem contar a homossexualidade feminina, se reconhecem
importância decisiva da anatomia materna, mães que, por estrutura de personalidade,
de uma parte, para a estrutura – neurótica, acentuam sua posição devastadora, que é
perversa ou psicótica6 – de outra parte, para aquela de ser o primeiro objeto de demanda
o processo de diferenciação sexual. É de uma criança. Como essa demanda, é
necessário frisar que Lacan aborda o sexo impossível de ser plenamente satisfeita, essa
pelo viés do gozo e da linguagem, e não em mãe devastadora ao extremo, inconformada
termos de desenvolvimento. (MOREL, em ver seu filho falo se desprender apelará
2004). para o seguinte discurso: “é assim que eu
Jacques Lacan radicalizou a tensão quero que você seja para que eu te ame”.
entre a diferença dita natural dos sexos e Isso quer dizer que na maioria dos
suas conseqüências no sujeito. A isso, anos casos de homossexualidade feminina
70, ele chamou de sexuação7, para marcar, expostos, se observa figuras maternas
por um lado, uma escolha do sujeito marcadas pela tirania9. Como conseqüência

MARIANO, Luciana Regina Prado Garcia


Interbio v.2 n.1 2008 - ISSN 1981-3775 38

é possível o sujeito ficar identificado a esse enquanto impotente, ferido, diminuído... “O


Outro tirânico, que é claro, é também seu histérico ama o pai pelo que ele não dá... e
objeto de gozo, e ir ao longo do seu destino encontra assim seu lugar junto dele
fazendo escolhas amorosas pautadas nesse assumindo a vocação de ampará-lo em sua
modelo, no qual o tema predominante será incapacidade assinalada, marcada, e por isso
viver um gozo masoquista ou a frigidez. Em supostamente sabida” (KAUFMANN, 1996,
outros casos vemos tentativas de conquista p. 249).
de mulheres mais velhas como estratégia de Acaso não foi isso que fez Dora10? A
reviver a relação tida com a figura materna. fantasia sexual que sustentava a tosse de
Em seu texto “A Psicogênese de um Dora era que a Senhora K ficava com seu
caso de homossexualismo numa mulher”, pai porque ele era impotente. O sintoma se
também conhecido como o “Caso da Jovem relaciona com o fato de que na infância
homossexual” (1920 [1976] passim), Freud Dora chupava o dedo, a partir disso, esta
diz que a amada era uma substituta de sua supunha que a Senhora K realizava sexo
mãe. As primeiras mulheres pela qual se oral no seu pai. Dora se comportava como
interessou eram mães, posteriormente essa uma esposa ciumenta quanto a sua exigência
condição foi se tornando inviável por ser ao pai (deixar a Senhora K); quanto ao
incompatível com outra que se tornou mais sintoma – tosse – se colocava no lugar da
importante. Isso porque Freud percebeu Senhora K. As duas mulheres da vida de seu
algumas características em sua dama que o pai. “A lenda de Édipo e uma elaboração
faziam lembrar do irmão mais velho da poética do que há de típico nessas relações”
jovem. Assim, sua última escolha (FREUD, 1905 [1976], p. 52-61).
correspondia não só ao ideal feminino, Observando o “Caso Dora”, percebe-
como também ao masculino; combinava a se que o seu desejo é um desejo que se
satisfação da tendência homossexual com a encontra na vacilação, entre o ser e o ter. O
da tendência heterossexual, segundo Freud. ser ou não objeto de desejo e o ter ou não o
Obviamente, quando a figura materna pênis, ou melhor, o falo. Ela mantinha a
é devastadora, observamos figuras paternas situação em um equilíbrio delicado: O
fracas, decepcionantes, incapazes de se Senhor K deseja Dora e ama a Senhora K; o
colocarem como objeto de desejo dessas pai deseja a Senhora K e ama Dora; dessa
filhas. Através de Dora, Freud pode forma, se a Senhora K não significa nada
perceber que ao contrário do que ele julgava para o Senhor K, então Dora não significa
na histeria o pivô não é o pai, mas o pai nada para o pai.
referido à outra mulher. Utilizando o Esquema L11 de Lacan do
Lacan conseguiu, de maneira notável, Seminário Livro 4 (1956-57 [1995] p. 146),
extrair da teoria freudiana que a “invalidez” podemos explicar esse quadrilátero da
do pai da histérica é a fonte de seu amor por seguinte forma:
ele. Isso quer dizer que a histérica ama o pai
Sra. K Sr. K
A questão Com quem Dora
se identifica

Dora
Pai
Permanece o Outro
por excelência

Ilustração 1: Esquema L

MARIANO, Luciana Regina Prado Garcia


Interbio v.2 n.1 2008 - ISSN 1981-3775 39

Na histeria o sujeito interroga o Uma mulher está não-toda inscrita no


mistério da feminilidade. Na falta de um gozo fálico, parte do seu gozo vai mais
significante que a represente a dúvida da além. Na mulher o gozo a ultrapassa, é um
mulher histérica é: “Sou homem ou sou mais-de-gozar que foge a qualquer
mulher?” (RIBEIRO, 2006)12. significação, que transgride. Isso quer dizer
O equívoco de Freud foi achar que que falta-lhes o impossível, o que não pode
Dora amava o Senhor K quando, na ser simbolizado, que é da ordem do real. Sua
verdade, ela só queria estar ao seu lado para vertente fálica pode encontrar um pênis, ou
descobrir os segredos da Senhora K. Isto é, mais de um que possa suprir o impossível da
qual o mistério da sua feminilidade. Ao satisfação do desejo, mas a parte dela que
denunciar o Senhor K, Dora foi acusada pela excede a esse gozo permanecerá desde
Sra. K de não ser inocente, pois já andara sempre insatisfeita, deixando na histérica a
lendo a enciclopédia de sexo (livro de marca pessoal da insatisfação eterna.
anatomia que Dora e a Sra. K liam juntas e O gozo da homossexual feminina se
às escondidas). Por conta desse concentra no gozo da outra, é buscar ser a
acontecimento Dora rompeu o equilíbrio causa do gozo da outra – isso seria correlato
que sustentava a situação entre ela, o pai e à posição masculina – além do fato de pode
os K. A Senhora K a traiu! Ela contou ao desafiar um homem, mesmo invisível,
Senhor K o segredo das duas. fantasmagórico, mostrando-lhe como se faz
A escolha entre ser homem ou mulher uma mulher gozar.
está a cargo do próprio sujeito, é de sua A dimensão do desafio que há na
responsabilidade qual posição de gozo13 irá mulher homossexual, está encarnada na
assumir e, conseqüentemente, qual será a figura edípica, isto é, o pai, objeto
sua escolha de parceria sexual. incestuoso, é também a figura a ser
Segundo a linguagem só existe uma desafiada. Esse é o homem invisível,
modalidade de gozo: o fálico. Lacan fala da fantasmagórico, que testemunha e atesta os
existência de um Outro14 gozo, mas esse cuidados que ela tem com sua parceira. É
está fora da linguagem. Os homens estão como se ela pudesse lhe dar a ver como é
todos inscritos na ordem fálica, outros seres amar, o que é saber fazer gozar uma mulher.
humanos poderão inscrever-se na ordem do Foi isso o que a Jovem Homossexual do
não todo fálico, do lado da castração, e caso de Freud fez: pôs-se a passear ao lado
poderemos falar da posição feminina. Então de sua dama em frente aos locais que saberia
existe uma duplicidade feminina, pois ela que seria vista por seu pai. Ao desafiar o
apresenta uma divisão interna: parte insere- pai, ela tentou lhe mostrar que era possível
se do lado fálico – condição necessária para numa relação de amor, dar o que não se tem.
que pertença à cultura – e parte pertence ao Neste caso Freud afirma que a
gozo Outro – onde reina a ausência do homossexualidade da jovem não é o grande
simbólico. (LACAN, 1975-76 [1995], p. problema, mas sim a constante afronta ao
56). Segundo Morel (2004), a diferença pai. Freud assegura que para a jovem
sexual é dada pela existência de um homossexual do caso, mãe não é objeto de
significante fálico e duas maneiras de identificação, mas objeto de amor. Ele fala
inscrição: ter o falo ou não ter o falo; ser do amor cortês, pois é um amor em que não
castrado ou não ser castrado. A escolha de se dá nada e também não se cobra nada. Seu
uma dessas posições determinará se a objetivo é endeusar o objeto, o sexo está em
modalidade de gozo do sujeito está do lado segundo plano. Ainda nesse texto Freud fala
homem ou do lado mulher, independente da que complexo de masculinidade e
marca do corpo real. Isto é, independente da masculinidade são duas coisas diferentes. A
existência, ou não, do órgão que faz homossexualidade feminina estaria
suplência ao falo: o pênis. relacionada a uma decepção com o pai, já o
complexo de masculinidade seria uma

MARIANO, Luciana Regina Prado Garcia


Interbio v.2 n.1 2008 - ISSN 1981-3775 40

identificação com o pai (BRUNETTO, desejar”, mesmo que eventualmente, para


2006)15. isso, ela precise percorrer caminhos
No Seminário 4, Lacan (1956-57 homossexuais em busca de responder sua
[1995], p. 133-152 passim) comenta esse questão. (1956-57 [1995] p. 132-168
caso falando que através do amor à passim)
prostituta a jovem mostrava um amor a O aforismo de Lacan “a mulher não
nada, pois não existia apego a objetos existe” (1972/73 [1985], p. 17) não indica
fálicos – seja a um pênis ou a um filho. Ela uma depreciação quanto ao sexo, mas
queria ser amada, para além da aponta para a dificuldade de precisar o que
homossexualidade. A mulher homossexual é, em último termo, a feminilidade. A
ama sua parceira através do gozo fálico, afirmação lacaniana faz supor que, se a
porém não só fálico, pois o gozo obtido mulher não existe, é preciso inventá-la
ultrapassa a representação do significante partindo da posição masculina – que é em
fálico do homem – o pênis. É o gozo de última instância a única que existe – para a
fazer a Outra gozar sem, para isso, possuir feminina.
um pênis. Percebe-se que, aparentemente, A “mulher não existe”, anuncia Lacan,
ela excede a histeria e apresenta uma as mulheres são “não-todas”, não totalmente
intersecção com a perversão no sentido de inteiras, ao contrário dos homens, do lado
ter um saber sobre como fazer o outro gozar. do falicismo, mas igualmente não sem ter
No entanto, em seu texto “Diretrizes relação com o falo. Essa imprecisão dos
para um Congresso sobre sexos leva Lacan afirmar que “a relação
Homossexualidade Feminina” (1998, p. sexual não existe” evidenciando a não
734-733 passim) publicado no livro complementaridade perfeita entre os sexos
Escritos, Lacan assinala que a (LACAN, (1972/73 [1985], p. 17). Com
homossexualidade feminina aponta para a esses aforismos Lacan não fez mais que uma
feminilidade. Isso quer dizer que a síntese de tudo que Freud já havia dito,
homossexualidade na mulher não poder ser elucidando alguns pontos obscuros e com
perversa porque é um amor que gaba de dar isso acrescentando uma saber a mais sobre a
o que não se tem – ou seja, o pênis. feminilidade, mas um saber ainda “não-
No caso Dora, o erro primordial de todo”, pois sabê-la toda ainda é para nós,
Freud foi não ter percebido a importância da impossível. Ou, seguindo o conselho do
Senhora K na vida da jovem. Lacan a partir próprio mestre: “Se desejarem saber mais a
da própria autocrítica de Freud em seu texto respeito da feminilidade, indaguem da
“A organização genital infantil” (1923 própria experiência de vida dos senhores, ou
[1976], p. 155-164 passim), em que assumiu consultem os poetas, ou aguardem até que a
ser desejo homossexual esse interesse de ciência possa dar-lhes informações mais
Dora pela Senhora K, esclareceu muitos profundas e mais coerentes.” (FREUD, 1933
pontos em relação ao papel da Outra mulher [1976], p. 314).
na vida da histérica.
Hoje sabemos da importância desse Conclusão
papel para a histérica, pois na
impossibilidade de responder à questão “o Pode-se observar que o sofrimento na
que é uma mulher?”, a histérica acaba histeria se fundamenta no seu não saber
fazendo desvios de identificação, na sobre o sexo que é resultante da falta de
tentativa de obter uma resposta. No caso de inscrição da qual a mulher é objeto.
Dora, podemos perceber uma identificação A feminilidade, portanto, não é um
com o Senhor K para dessa posição, conceito referido à mulher ou ao feminino,
interrogar a feminilidade representada pela mas se trata de uma posição outra em
Senhora K. Na histeria o ponto principal da relação à ordem regida pelo complexo de
relação com o Outro é um “fazer-se castração. Isto é, para além da anatomia

MARIANO, Luciana Regina Prado Garcia


Interbio v.2 n.1 2008 - ISSN 1981-3775 41

prevalece a escolha de um papel a ser ______. Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de
exercido. Segundo Freud, sob o império do Janeiro: Imago, 1976. 18 v.
falo somos todos iguais, ou seja, menina ou ______. Algumas conseqüências psíquicas da
menino, homem ou mulher, macho ou distinção anatômica entre os sexos. (1923). In:
fêmea; tais categorias não existem até a ______. Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de
superação da fase fálica. Existem os que têm Janeiro: Imago, 1976. 19 v.
o falo e os que não o têm.
______. A organização genital infantil. (1923). In:
No entanto, a percepção, no seu amplo ______. Obras Completas de Sigmund Freud.
sentido, da diferença entre os sexos, é uma Volume XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 19 v.
aquisição tardia que não obedece a um
período cronológico, mas antes um período ______. A dissolução do complexo de Édipo.
lógico, acontecendo de maneira muito (1924). In: ______. Obras Completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. 19 v.
imperfeita em alguns casos, e nunca de
forma completa na mulher. Em especial na ______. Feminilidade. (1933). In: ______. Obras
mulher histérica que, por estar muito presa a Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago,
uma lógica fálica totalizadora – ou se tem o 1976. 22 v.
falo ou se é castrada, – permanece em uma
KAUFMANN, Pierre. Dicionário enciclopédico de
vacilação que é inerente à sua estrutura. Na psicanálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de
falta de um significante que a represente a Janeiro: Zahar, 1996.
questão da mulher histérica é: “Sou homem
ou sou mulher?”. LACAN, J. O seminário livro 4: A relação de
Quanto à questão inicial que resultou objeto (1956/57). Rio de Janeiro: Zahar, 1995.
neste estudo – “A histérica e a Outra: ______. O seminário 20: Mais, ainda. (1972-73).
homossexualismo?” – a conclusão a que se Rio de Janeiro: Zahar, 1995.
chegou é de que essa não é uma relação
homossexual, haja vista que, segundo a ______. O seminário livro 23: O sinthoma.
bibliografia pesquisada, diante da (1975/76). Rio de Janeiro: Zahar, 1995.
impossibilidade de responder à questão “o ______. Diretrizes para um congresso sobre a
que é uma mulher?”, a histérica acaba sexualidade feminina. (1951). In: ______. Escritos.
fazendo desvios de identificação, na Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
tentativa de chegar a uma resposta. Na
histeria o ponto principal da relação com o MOREL, G. Anatomia Analítica (2004). Disponível
em: <http://www.
Outro, é um “fazer-se desejar”, mesmo que bccclub.com.br/artigosteses/anatomiaanalitica.htm>.
eventualmente, para isso, ela percorra
caminhos homossexuais em busca de NASIO, J. D. A Histeria: teoria e clínica
responder sua questão. psicanalítica. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.

RIBEIRO, M.A.C. Seminário de Psicanálise:


Referências Bibliográficas “Rascunho K”. Campo Grande, 2005.
BRUNETTO, A.C.D. Seminário de Psicanálise: ______. Seminário de Psicanálise: “No início... a
“Homossexualismo”. Dourados, 2006. Histeria”. Campo Grande, 2005.
FREUD, S. Rascunho K. (1896). In: ______. Obras ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de
Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, Psicanálise. Rio e Janeiro: Zahar, 1998.
1976. 2 v.

______. Fragmento da análise de um caso de 1


Informações e conceitos obtidos através de
histeria. (1905 [1901]). In: ______. Obras
seminários de Psicanálise, promovidos pelo Agora
Completas de Sigmund Freud. Volume VII. Rio de
Instituto Lacaniano, com sede em Campo Grande-
Janeiro: Imago, 1976. 7 v.
MS, nos anos de 2005 e 2006. Os seminários são
ministrados por Maria Anita Carneiro Ribeiro,
______. A psicogênese de um caso de
Mestra em Psicologia pela PUC-RJ, doutora em
homossexualismo numa mulher. (1920). In:

MARIANO, Luciana Regina Prado Garcia


Interbio v.2 n.1 2008 - ISSN 1981-3775 42

Psicologia pela PUC-SP, pós-doutora na PUC-RJ. exemplo disso é Medeia, a mulher que mata os filhos
Psicanalista, membro da Escola de Psicanálise do em função do amor de um homem.
9
Campo Lacaniano (AME), membro do colegiado de Tirania no sentido de domínio.
10
Formações Clínica do Campo Lacaniano (RJ), Primeiro grande tratamento psicanalítico realizado
coordenadora da Rede de Pesquisa sobre psicanálise por Freud, anterior ao do Homem dos Ratos e do
com crianças, editora chefe da Revista Marraio e Homem dos Lobos. A história de Dora foi redigida
orientadora desse trabalho de pesquisa. Seminário: em dezembro de 1900 e janeiro de 1901 e publicada
“Rascunho K”, 16/04/2005. quatro anos depois. (ROUDINESCO, 1998, p. 50).
2 11
O Outro, grafado em maiúscula, foi adotado para Esse esquema mostra que nas neuroses o sujeito só
mostrar que a relação entre o sujeito e o grande Outro tem acesso ao Outro através do seu pequeno outro, ao
é diferente da relação com o outro recíproco e contrário da psicose em que o Outro fala diretamente
simétrico ao eu imaginário. O outro é o grande Outro ao sujeito através das vozes, por exemplo.
12
da linguagem, é o outro do discurso universal, de Informações e conceitos obtidos através de
tudo o que foi dito, na medida em que é pensável. É seminários de Psicanálise, promovidos pelo Agora
também o Outro da verdade, esse Outro que é um Instituto Lacaniano, com sede em Campo Grande-
terceiro em relação a todo diálogo, porque no diálogo MS, nos anos de 2005 e 2006. Os seminários são
de um com outro sempre está o que funciona como ministrados por Maria Anita Carneiro Ribeiro.
referência tanto do acordo quanto do desacordo, o Seminário: “No início... a Histeria”, 03/06/2006.
13
Outro do pacto quanto o Outro da controvérsia. Na psicanálise encontramos uma diferenciação
3
Quando se diz feminino está-se referindo à questão entre prazer e gozo. De uma forma bastante simplista
de gênero, pois neste trabalho de pesquisa não será pode-se dizer que o prazer está ligado às repetições
abordado a questão do homossexualismo masculino. de experiências primeiras de satisfação que ocorrem
Além do que, é imprescindível distinguir na infância. Segundo Lacan no Seminário Livro 20:
feminilidade de histeria. Na histeria há a necessidade Mais, Ainda (1972-73[1975]) o gozo está para além
de tamponar a falta com objetos fálicos. Já a mulher é do princípio do prazer e sempre indica processos de
aquela que trai todos os objetos que visam encobrir a transgressão de limites, que tocam o sofrimento e a
falta em prol do abismo, do absoluto, pois seu morte: “O caminho em direção à morte não é outra
objetivo é aniquilar a falta e não tamponá-la. coisa que aquilo que chamamos de gozo”.
4 14
Freud denominou complexo de castração o Outro gozo ou gozo do Outro corresponderia a um
sentimento inconsciente de ameaça experimentado estado hipotético em que a tensão seria totalmente
pela criança quando ela constata a diferença descarregada, ou seja, não haveria qualquer limite. O
anatômica entre os sexos. O complexo de castração gozo feminino é caracteristicamente sem limite, uma
deve também “ser referido à ordem cultural”, com o vez que a ‘mulher’ está algo fora do simbólico, não
que isso implica em termos da proibição e da lei toda submetida à castração.
15
constitutiva da ordem humana. (ROUDINESCO, Informações e conceitos obtidos através de
1998, p. 105-106). seminário de Psicanálise, promovidos pelo Agora
5
Inveja do pênis Instituto Lacaniano, com sede em Campo Grande-
6
De maneira bastante resumida a Neurose tem como MS, no 1º semestre do ano de 2006, tendo como tema
mecanismo o sintoma e tem como base a angústia da “Homossexualismo”. O seminário foi ministrado na
castração, sendo que esta permanece recalcada; Na cidade de Dourados por Andréa Carla D. Brunetto.
Psicose o mecanismo é a recusa à castração, ou Seminário: “Homossexualismo”, 03/06/2006.
foraclusão para Lacan; Na Perversão o mecanismo é
o fetiche e tem como base o horror da castração que é
desmentida pelo perverso.
7
“Sexuação” é o termo criado por Lacan para
assinalar essa complexa trama a partir da qual o
sujeito opta por uma identificação sexuada. Nessa
escolha entram em jogo, tanto as vertentes imaginária
e simbólica das identificações, como o real do gozo.
Precisamente, a partir de sua teoria dos gozos, Lacan
fará a distinção do gozo fálico e do Outro gozo para
assinalar dois lados da sexuação.
8
O uso do termo “devastação”, em Lacan, deve ser
entendido no sentido forte do termo, como sendo a
destruição de um lugar, destruição do lugar onde um
sujeito pode fazer seu desejo como único, sua marca
pessoal. Isso ocorre quando a mulher está totalmente
presa ao gozo Outro, desprendida do gozo fálico. Um

MARIANO, Luciana Regina Prado Garcia

Vous aimerez peut-être aussi