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Recomendamos a reprodução, total ou parcial,

Benedito Medrado e Jorge Lyra desta obra, desde que não haja fins de lucro e que
seja citada a fonte. Licença:
http://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/deed.pt

PRODUZINDO MEMÓRIAS
PARA ALIMENTAR UTOPIAS: Edição virtual, disponível a partir
de janeiro de 2015 em:
Narrativas sobre uma organização www.genero.org.br
feminista brasileira que, desde 1997,
ousa trabalhar com homens
e sobre masculinidades. P962 Produzindo memórias para alimentar
utopias: Narrativas sobre uma organização
feminista brasileira que, desde 1997, ousa
trabalhar com homens e sobre masculinidades /
Benedito Medrado; Jorge Lyra – 1.ed. – Recife:
Instituto PAPAI, 2014.

196 p.
Recife | Janeiro de 2015
Inclui referências

1. Feminismo. 2. Homens. 3. Masculinidades. 4.


Movimentos sociais. 5. Pesquisa. 6. Sexualidade.
7. Direitos reprodutivos I. MEDRADO, Benedito.
II. LYRA, Jorge.

305 CDU (http://www.udcc.org)


8. Eventos e articulações importantes
para consolidação de um campo de
estudos e intervenções políticas....... 89
9. Violência de gênero: uma questão para
os homens. ..................................... 101

SUMÁRIO 10. Pesquisa e militância no campo da


saúde pública e hiv/aids ................. 113
11. Direitos sexuais como direitos
humanos......................................... 119
Prefácio ........................................... 7
12. Entre a missão e a gestão .......... 127
Introdução: quando recordar é “voltar a
passar pelo coração”........................ 13 12. À guisa de não concluir ............. 137
1. Uma história e uma leitura mais Posfácio .......................................... 151
ampla.............................................. 21
Referências ..................................... 159
2. Os primeiros passos .................... 31
Memórias em imagens..................... 171
3. Sobre paternidade na adolescência
....................................................... 41
4. Juventude a partir de leituras críticas
sobre gênero e geração .................... 57
5. Uma organização feminista.......... 65
6. Direitos humanos: uma entrada no
“caminho das drogas”...................... 75
7. Programa H: produtos potentes,
articulação em rede e grandes encontros
....................................................... 83
a definir, na época, nossos objetos de
pesquisa na Pós-graduação.1

Também foi Fúlvia quem nos apresentou


a organização Não Governamental ECOS
– Comunicação em Sexualidade, na
época coordenada por uma de suas ex-
PREFÁCIO orientandas (Silvia Cavasin). Na ECOS,
conhecemos pesquisadores/as que
Este espaço havia sido reservado para tinham o prazer do encontro e o desejo de
uma pessoa muito especial, em nossa produzir uma ciência comprometida com
formação como pessoas, como cidadãos e a transformação social, entre eles/as
como profissionais. Também importante alguns/mas que têm por Fúlvia muito
nos primeiros e fundamentais passos carinho e gratidão, tais como: Margareth
para a construção de algumas das Arilha, Leandro Andrade, Elizabete
narrativas apresentadas neste texto: a Franco Cruz (que foram seus
educadora, pesquisadora e militante da orientandos) e Sandra Unbehaum.
causa feminista Fúlvia Rosemberg.
Foi Fúlvia também quem nos incentivou
Diante da imponderabilidade da vida, a fundar o Instituto PAPAI e o
resolvemos transcrever abaixo partes de Gema/UFPE e a seguir no
um texto que publicamos recentemente a desenvolvimento de pesquisa e outras
convite da Revista Estudos Feministas, intervenções políticas sobre homens e
na sessão “In memoriam”. masculinidades, a partir da perspectiva
feminista de gênero.
Foi Fúlvia quem nos apresentou a
Fundação Carlos Chagas, onde
encontramos os textos que nos ajudaram
1 Jorge foi seu orientando; Benedito, seu
aluno.

7 8
Na verdade, foi ela quem idealizou o Foi ela quem nos ajudou a definir o
PAPAI, incentivando-nos a apresentar “cuidado” como princípio ético norteador
nosso primeiro projeto ao edital da das ações com/sobre homens a partir da
MacArthur, quando finalizávamos nossas perspectiva feminista de gênero, dando
dissertações (em 1997). Apresentamos visibilidade à ideia de que, em nossa
um esboço muito capenga e ela, depois cultura, o cuidado é tanto desvalorizado
de um café e um cigarro, voltou com como radicalmente atribuído às
“gosto de gás” (como se diz por essas mulheres, menos como direito e mais
bandas) e embarcou conosco na viagem. como obrigação, ao passo que os homens
são alijados e muitas vezes se alienam da
Ela elaborou conosco o projeto e possibilidade dessa experiência.
desenhou as principais linhas de ação,
que envolviam, já em seu primeiro Quem teve o prazer de ler as produções
esboço, a tríade ensino, pesquisa e de Fúlvia e conviver com ela, há de
extensão. Essa tríade tinha como concordar conosco que Fúlvia era, na
inspiração os Núcleos Universitários de mesma medida, exigente e cuidadosa.
Estudos sobre a Mulher da década de Apaixonada e apaixonante. Gostava de
1980. Fúlvia nos indicou pessoas de quem tinha paixão pela vida, como ela.
contato. Nos ajudou a escolher o nome
da instituição (segundo ela o ideal seria Para quem quiser acessar uma lista das
uma sigla que fosse também um produções acadêmicas de Fúlvia
substantivo) e a pensar a ideia do boneco Rosemberg, recomendamos uma visita ao
gigante de Olinda como dispositivo seu currículo (disponível jna Plataforma
cultural que poderia promover a Lattes) Fúlvia Maria de Barros Mott
visibilidade de cenas de cuidado Rosemberg, atualizado pela última vez,
promovidas por homens. Até a viagem em 14/08/2014, menos de um mês antes
feita de São Paulo a Recife para articular do seu falecimento (12/09/2014).
parcerias foi paga com suas milhas.

9 10
Neste currículo, ela se apresenta da Como Fúlvia não era, de forma algum,
seguinte forma: “Possui graduação em uma pessoa óbvia ou previsível, não
Psicologia pela Universidade de São temos ideia do ela que escreveria neste
Paulo (1965) e doutorado em prefácio. Contudo, jamais poderíamos
Psychobiologie de l'Enfant - Ecole pedir a alguém para fazê-lo em seu lugar,
Pratique des Hautes Etudes /Université ainda que sejamos profundamente gratos
de Paris (1969). Atualmente é aos amigos e amigas, citados no curso
pesquisadora consultora da Fundação deste texto,2 que, ao longo dessa
Carlos Chagas, professora titular da trajetória, tornaram possível a
Pontifícia Universidade Católica de São construção dessas boas memórias.
Paulo, onde coordena o Negri (Núcleo de
Estudos de gênero, raça e idade). Tem Assim, registramos, aqui mais uma vez,
experiência na área de Psicologia, com nossa gratidão à Fúlvia, eterna
ênfase em Psicologia Social e Estudos educadora, pelos incentivos, trocas,
Sociais da Infância, atuando, confiança, compartilhamento de saberes,
principalmente, nos seguintes temas: boas risadas... e taças de vinho.
relações raciais, relações de gênero,
relações de idade, ação afirmativa,
educação e educação infantil”.

Compilamos alguns textos e vídeos em


que Fúlvia defende argumentos e
apresenta reflexões éticas, políticas e
conceituais sobre feminismo, sobre
defesa dos direitos das crianças e sobre
igualdade racial. Esse material está
disponível no site www.genero.org.br

2 Desculpem-nos aqueles e aquelas que, por


algum lapso, não tenham sido referidos.

11 12
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

E, de fato, as primeiras linhas deste


texto foram produzidas quando
estávamos distantes, fisicamente, um
do outro e quando talvez nos sentimos
distantes o suficiente de um passado
de intensas memórias que
transformaram utopias em práticas, as
quais alimentaram novas utopias.

INTRODUÇÃO: Quando recordar é Apresenta-se, assim, como “fragmentos


de memória”, sem compromisso com a
“voltar a passar pelo coração” linearidade ou a formalidade
acadêmica, a partir dos quais
Escrever é tantas vezes pretendemos dar visibilidade à
lembrar-se do que nunca relevante trajetória do Instituto PAPAI,
existiu. Como conseguirei na construção do campo de estudos,
saber do que nem ao pesquisas e incidência política que se
menos sei? assim: como se configurou nos últimos anos, no Brasil,
me lembrasse. Com um com/sobre homens e masculinidades, a
esforço de "memória", como partir da perspectiva feminista e/ou de
se eu nunca tivesse gênero.3
nascido. Nunca nasci,
nunca vivi: mas eu me
lembro, e a lembrança é em
carne viva. Clarice
Lispector 3 Embora as narrativas aqui apresentadas
tomarem o Instituto PAPAI como objeto
Dizem que a distância aproxima. E central, vale salientar que esta organização,
talvez tenho sido mesmo a distância obviamente, não foi a única responsável pelo
que nos permitiu a produção dessas desenvolvimento deste campo. Organizações e
lembranças em “carne viva”, nas grupos como a ECOS, o Promundo, o Núcleo
Margens/UFSC, o Coletivo Feminista
palavras de Clarice. Sexualidade e Saúde, a Fundação Carlos
Chagas, o grupo PIPA/MG, o Núcleo
Pagu/Unicamp, a Faculdade de Medicina da

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

Como nos alerta Eduardo Galeano, em Tendo essa ideia de memória como
uma série de programas de televisão referência, alertamos, de antemão, que
exibidos pelo Canal Encuentro do não consideramos esta como a única,
Ministerio de Educación de la Nación nem a melhor forma de narrar essa
(Uruguay, 2008), a palavra recordar trajetória. Como bem argumenta nosso
tem origem do latin Recordis, verbo que amigo, o historiador Durval
significa tão somente “voltar a passar Albuquerque Júnior, a história não nos
pelo coração”. revela, não apazigua, mas sim produz
dúvidas, coloca e recoloca problemas
Assim, nos adverte Galeano, a memória sem a intenção de resolvê-los ou
não ocupa só o lugarzinho que a eliminá-los:
ciência lhe atribui, em algum lugar do
cérebro. Ela está no cérebro, no A história não é um ritual de
coração (ou naquilo que assim se apaziguamento, mas de
convencionou chamar a inscrição física devoração, de despedaçamento.
dos afetos) e em todas as partes. Ela não é bálsamo, é fogueira
que reduz a cinzas nossas
Ela é nossa melhor amiga e verdades estabelecidas, que solta
nossa pior inimiga. É nossa fagulhas de dúvidas, que não
melhor amiga quando nos ensina torna as coisas claras, que não
a não voltar a tropeçar na dissipa a fumaça do passado,
mesma pedra. E é nossa pior mas busca entender como esta
inimiga quando nos convida a fumaça se produziu (2007, p.
preferir a nostalgia ao invés da 354).
esperança.4
Nesta perspectiva, situamos a fundação
do Instituto Papai em 10 de janeiro de
1997, quando assinamos um
documento junto à Universidade
USP, o Instituto Fernandes Figueira, entre
outros, são relevantes atores na construção
deste campo.
4 Tradução nossa a partir do vídeo-aula https://www.youtube.com/watch?v=YuImGZL
disponível em: O-hI, acessado em 27 de julho de 2014.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

Federal de Pernambuco. Nesta época, Os conceitos e argumentos que deram


tínhamos 28 anos (Jorge) e 24 anos base à elaboração deste primeiro
(Benedito). Por meio daquele projeto estão apresentados em nossas
documento formal, uma espécie de dissertações de mestrado,
“registro de nascimento”, assumimos o desenvolvidas na PUC/SP. 6
compromisso de desenvolver o
Programa de Apoio ao Pai, tendo como Este projeto que deu origem ao
foco de interesse a paternidade na Instituto PAPAI veio, assim, antes
adolescência e como missão trazer para mesmo de sua existência formal, como
primeiro plano de discussão a pessoa jurídica. Tal proposta já
importância da participação jovem e continha em seu cerne o desejo de se
masculina no campo da saúde, constituir como algo mais amplo,
sexualidade e reprodução, a partir do porém, inicialmente, compreendia uma
desenvolvimento de atividades de bolsa individual que a Fundação
pesquisa e ação política interventiva. MacArtur havia concedido a Jorge Lyra,
após intenso processo de seleção
Iniciativa pioneira na América Latina, nacional.
este projeto contou com o apoio de um
programa de bolsas da Fundação Registramos aqui nosso
MacArthur e teve por base os princípios reconhecimento e agradecimento às
das organizações de defesa de direitos coordenadoras da MacArthur, à época,
humanos, no campo feminista, e como Carmem Barroso e Sheywa Spindel,
modelo os núcleos acadêmicos de bem como ao comitê avaliador
estudos sobre a mulher e relações de constituído por Jurandir Freire Costa,
gênero no Brasil, que se estruturam a Caio Rosenthal, Leila Linhares Barsted,
partir do tripé ensino, pesquisa e Laura Greenhalgh, Edson Cardoso e
intervenção política comunitária.5 Albertina Costa e também das

5 Essa relação indissociável entre ensino- 6 Fúlvia Rosemberg e Mary Jane Spink foram
pesquisa-intervenção política compreende os importantes interlocutoras no desenho deste
pilares da produção acadêmica. projeto.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

mentoras/avaliadoras Jaqueline
Portanto, por favor, leiam esse texto
Pitanguy e Estela Aquino.
duvidando do que escrevemos, da
mesma maneira que nós, seja por
No processo de institucionalização
lapsos de memória ou por efeitos
formal, foram também de grande inevitáveis de uma leitura pro tempore.
importância as sugestões e
recomendações de Carmem Barroso,
Stuart Burden e Jaqueline Camargo.

Vale ressaltar que na elaboração deste


texto buscamos registrar os
acontecimentos e pessoas que
tornaram essa história uma produção
coletiva e um empreendimento
compartilhado com vários/as em
diferentes ocasiões e desafios.

Não estamos aqui preocupados com o


conteúdo, mas com os processos. Não
estamos preocupados em sermos “fiéis
aos fatos” porque não partimos de uma
leitura realista sobre memória.

O que nos comprometemos aqui foi,


sobretudo, em fazer um exercício de
(re)cordar e refletir criticamente sobre
nossas escolhas, decisões e possíveis
erros, colocando em suspensão e
suspeição as ideias que acreditamos e
defendemos.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

de doenças sexualmente
transmissíveis, incluindo o
HIV/Aids. (…). No contexto
destes esforços, a prevenção de
violência contra mulheres e
crianças requer atenção especial
(UNITED NATIONS, 1994).
Em linhas gerais, tanto o movimento
1. UMA HISTÓRIA E UMA LEITURA feminista como o movimento em defesa
MAIS AMPLA dos direitos sexuais questionaram
valores tradicionais, impondo uma
O projeto que deu origem ao PAPAI foi reavaliação da noção de masculinidade
desenvolvido em consonância com as hegemônica: branca, heterossexual,
plataformas de duas conferencias dominante.
internacionais de grande relevância
para o movimento feminista brasileiro: Nessas reflexões se evidenciaram
a IV Conferência Internacional sobre alguns homens e algumas
População e Desenvolvimento, realizada masculinidades, particularmente a
em 1994, no Cairo, e a IV Conferência machista, a homofóbica e a
Mundial sobre a Mulher, realizada em homoerótica. Porém, dessa reflexão,
1995, em Beijim. foram excluídos muitos homens e
diversas expressões de masculinidade e
Nesses dois fóruns de discussão, modos de subjetivação masculina, pois
afirmou-se como diretriz a busca de como bem descreve Robert (hoje,
uma maior participação masculina na Raewyn) Connell (1995),7 a
promoção dos direitos sexuais e masculinidade hegemônica é um
reprodutivos. Como destaca o texto
final do relatório da Conferência do
Cairo:
7 Há cerca de 10 anos, Connell alterou seu
O envolvimento masculino deve nome, de Robert para Raewyn, e passou a
ser estimulado principalmente publicar suas novas obras com essa
em situações associadas à saúde assinatura, além de reeditar os livros antigos.
materno-infantil e à prevenção Submeteu-se também ao tratamento hormonal
e à cirurgia de transgenitalização.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

modelo cultural ideal – não é, portanto, experienciar a masculinidade?


atingível por praticamente nenhum (FIALHO, 2006, p. 01)
homem.
Apesar da crítica ao uso que Connel faz
Como discutimos em publicação do conceito de hegemonia, Fialho
recente organizada pela Profa. Eva Bly (2006) concorda com a proposição
(BLY, 2014), este conceito de daquele autor sobre as
masculinidade hegemônica foi “masculinidades plurais” e sobre a
submetido a duras críticas, muito bem multiplicação de formas de se vivenciar
condensadas num artigo de Fabricio a masculinidade.
Fialho (2006), publicadas pelo Instituto
de Ciências Sociais da Universidade de Naquela época, o que se apresentava
como novidade nesse campo de
Lisboa. Neste artigo, o autor questiona
discussões era exatamente a percepção
o uso do conceito de hegemonia, por
dos contextos e condições particulares
Connel, tendo por base a leitura de
que põem por terra a noção de homem
Antonio Gramsci:
genérico (universal), passando-se a ver
O adjetivo “hegemônico”, os homens como também orientados
derivado de Gramsci, surge como por um modelo cultural ideal e
um sério problema teórico, uma inseridos numa cultura caracterizada
vez que o termo implica por relações sociais hierárquicas, por
constante luta pela posição de relações desiguais de poder, por
preponderância. Se é fato que relações de gênero. Destaca-se, assim,
ainda existe uma forma o interesse por entender como os
hegemônica de masculinidade, homens se posicionam no contexto das
trata-se de refletirmos a respeito relações de gênero e que alternativas
da questão: formas distintas de discursivas sua cultura lhes oferece.
masculinidade, ao se
Em outras palavras, a idéia de que os
contraporem à predominante,
homens em geral não se interessam por
buscam ocupar tal posição
questões relativas à sexualidade e
hegemônica ou, será que o que
reprodução e de que o planejamento
pretendem é, sobretudo,
reprodutivo e o cuidado dos/as
reconhecimento como uma forma
filhos/as são atribuições e
também legítima e possível de
responsabilidades das mulheres está

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

embasada numa visão machista e visão de que a não-participação


sexista, que impede o pleno exercício de masculina na vida doméstica decorreria
direitos sexuais e dos direitos exclusivamente do machismo de cada
reprodutivos dos homens e das homem, para uma outra em que
mulheres. São limitações impostas por procura-se compreender quais as
padrões culturais, que se inscrevem em condições materiais, simbólicas,
práticas preconceituosas e em uma históricas e institucionais criadas pela
estruturação familiar patriarcal, na sociedade e por seus dispositivos de
qual os homens ocupam quase sempre controle e regulação para oprimir as
o lugar da honra, da moral, do respeito mulheres reservando-lhes o doméstico
e do controle patrimonial e provisão com único destino, mas também
material. Poucas vezes o lugar do criando barreiras para o envolvimento
cuidado. Parafraseando Simone de de homens na vida doméstica e no
Beauvoir, sempre dissemos que os cuidado de si e dos outros: barreiras
homens não nascem homens. Tornam- culturais e ideológicas, institucionais e
se homens, a partir de uma série de relacionais.
dispositivos que regulam e orientam os
modos de subjetivação masculina. Assim, no campo da sexualidade e da
saúde reprodutiva, teve início,
Porém (e felizmente!) como diz Michel especialmente na América Latina e
Foucault, onde há poder, há Caribe, um conjunto de estratégias
resistência; há agência criativa. Por para envolvimento dos homens em
isso, nem todo homem é ausente ou questões relativas à sexualidade e à
irresponsável e, muitas vezes, os vida reprodutiva, por um lado, e de
próprios serviços de saúde, educação e uma revisão dos sistemas e
equipamentos sociais de direito não equipamentos sociais destinados à
compreendem, não estão dispostos e garantia de direitos sexuais e
nem preparados para identificar e reprodutivos, por outro.
responder a demandas de homens que
buscam exercer seus direitos no campo Essas iniciativas têm enfrentado vários
da sexualidade ou da reprodução. obstáculos, entre os quais: 1) uma
legislação deficitária e ainda
Essa leitura resultou numa progressiva profundamente arraigada a um modelo
mudança de ótica, passando de uma patriarcal de família e a uma leitura

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

heteronormativa da saúde e da estruturais e simbólicas são sempre


sexualidade; 2) a falta de preparo dos necessárias às grandes mudanças.8
profissionais de saúde, educação e
direitos para escutar e atender a Assim, são necessárias também
população masculina; 3) a ausência de problematizações, a partir da
materiais educativos específicos que perspectiva feminista de gênero,
abordem os princípios e potenciais também sobre os espaços, temas e
estratégias de ação para o trabalho com contextos que forjam e valorizam uma
homens e sobre masculinidades; 4) a “subjetividade masculina”, marcados
falta de interesse de alguns homens em por exemplo, pela militarização da
cuidar de sua saúde e de se envolver no segurança, pelos conflitos urbanos,
movimento pelos direitos sexuais e pelas guerras em geral, pelas
reprodutivos; 5) a leitura equivocada de competições e explorações no campo da
alguns homens e de algumas mulheres (grande e pequena) economia e do
de que seria necessária uma reedição mercado.
do movimento feminista, agora feito à
luz dos direitos dos homens. Além A partir de aproximações com a leitura
disso, é notória a ausência de interesse psicossocial proposta por Mary Jane
e recursos governamentais para Spink (1999) e com as reflexões críticas
formular e executar programas desta sobre a intervenção de base feminista
natureza que tenham por base uma na América Latina (ÁVILA, 2005),
agenda política referenciada nas definimos uma abordagem que
propostas e demandas do movimento considerava tanto o tempo da
feminista (ARILHA, 1999). interação (onde se configuram as
relações interpessoais, as práticas, os
Para dar conta da complexidade deste agenciamentos dos homens em suas
problema, sempre defendemos que, relações cotidianas), como também o
apesar de necessária e importante, não tempo vivido (ou tempo da
era suficiente apenas a sensibilização e
o envolvimento dos homens. Mudanças
8Essas ideias foram fortemente defendidas por
Sônia Correa no I Seminário “Homens e
masculinidades”, organizado em 1998 pela
ECOS e UERJ.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

socialização e da instituicionalização de
dispositivos de controle e regulação dos
modos de subjetivação masculina) e o
tempo longo (onde se conformam as
normas sociais, os conceitos, os
valores, ou seja os símbolos e as
formações culturais que definem um
padrão cultural ideal).

A partir dessa abordagem, idealizamos


o projeto que deu origem ao Instituto
PAPAI, originalmente, denominado de
Programa de Apoio ao Pai (de onde vem
No plano da ação, passamos a defender
a sigla PAPai).9
a necessidade de projetos que
pudessem aliar essa abordagem tríade
de tempo e que alinhasse a intervenção
política à produção de conhecimento.

9 O PAPAI, antes uma sigla, foi pouco ao pouco


se configurando como um substantivo e
passando a se referir mais diretamente à ideia
de cuidado (de si e dos outros), princípio
fundamental que ainda hoje orienta a pauta
política da instituição.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

e dos sonhos por vezes não terem


limites...

Inicialmente, a sede do PAPAI situava-


se numa das salas da Clínica
Psicológica, do Departamento de
Psicologia, da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE),10 compondo-se de
homens e mulheres, profissionais e
estudantes.

Mesmo não sendo ainda docentes da


2. OS PRIMEIROS PASSOS universidade, tivemos apoio do
Departamento de Psicologia e
Como dito antes, o primeiro projeto que financiamento do Programa de
deu origem ao Instituto PAPAI tinha Incentivo à Capacitação Docente e
como foco a paternidade na Técnica (PICDT/CAPES) da UFPE, por
adolescência e como meta produzir um via de uma modalidade de bolsa
espaço de experimentações, produção voltada à estudantes recém graduados.
de conhecimento e incidência política Este apoio possibilitou a realização do
no campo da sexualidade e direitos mestrado e, consequentemente, a
reprodutivos, no Brasil. elaboração do projeto de retorno à
universidade.
Karla (Karlinha) Galvão, Pedro
(Pedrinho) Nascimento, Nadjanara A inserção numa instituição mais
(Narinha) Vieira, Luciana (Luck) Melo, ampla (que promove atividades de
Adriano (Xiló) Silva, Julia Costa Lima, ensino, pesquisa e extensão de forma
João Bosco Júnior, Cláudio Pedrosa, articulada) nos permitiu a interação
Maristela (Maris) Moraes e Dolores
(Tina) Galindo foram importantes
“cúmplices” deste desafio inicial. Boas
memórias desses tempos em que 10As professoras Aida Novelino, Fátima Santos
sabíamos tão pouco ao ponto do desejo e Rubenilda (Rosinha) Barbosa deram
fundamental apoio neste processo inicial.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

com diversas instâncias, maximizando Desde aquela época, defendíamos que


esforços e viabilizando a construção de era necessário acionar diferentes
nossa autonomia institucional. estratégias para promover a
desconstrução simbólica e material de
As ações desenvolvidas naquela época práticas que alijam o homem do
já trazia em seu bojo uma preocupação cuidado de si e dos outros. O carnaval,
em articular pesquisa, ensino e entre outros momentos importantes da
intervenção política, em consonância cultura popular brasileira, tem sido
com a abordagem descrita no tópico ainda hoje um dispositivo potente para
anterior. também dar visibilidade às nossas
mensagens, seja sobre cuidado seja
Do ponto de vista da intervenção sofre enfrentamento à violência de
direta junto à comunidade, nossa gênero (como no caso do Bloco do laço
principal ação eram os grupos de apoio branco).
aos companheiros das adolescentes
grávidas a partir de um modelo de Do ponto de vista da pesquisa, muitas
oficinas sócio-pedagógicas e das experiências aqui relatadas foram
aconselhamento psicológico. fruto de (ou resultaram em) pesquisas
desenvolvidas por nossa equipe ou
Associado a este serviço, buscávamos junto a parceiros (Tais como o
produzir diferentes estratégias para dar International Reproductive Right
visibilidade ao tema, entre elas Research Action Group - IRRRAG - ou o
organização de eventos, apresentação Promundo/ Images, entre outros).
de trabalhos em congressos, Resultados de algumas dessas
participação em atos públicos pesquisa foram publicados em
organizados pelo movimento feminista dissertações e teses, ou em artigos e
local e nacional e a organização de capítulos de livro, produzidos por
atividades de comunicação criativa e integrantes de nossa equipe.11
estratégicas, como o bloco de carnaval
que tinha como protagonista um
boneco gigante de Olinda, que figurava
a imagem de um pai, segurando seu
bebê e desfilando pelas ladeiras do 11 Para acessar alguns desses textos,
Centro Histórico da cidade. recomendamos visitar o site genero.org.br ou

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

Além disso, no plano da formação apresentação de projetos, troca de


acadêmica e da pesquisa, instituímos experiências, bibliografias e intercâmbio
um Programa de estágio e fundamos o de informações sobre encontros,
Núcleo de Pesquisas em Gênero e seminários e acontecimentos de interesse
Masculinidades (Gema/UFPE). comum, além da construção e do
desenvolvimento de projetos em parceria.
O Gema foi inspirado no Grupo de
Estudos sobre Masculinidade e No plano da formação acadêmica, este
Paternidade (Gesmap) promovido pela grupo integrava estudantes em nível de
ECOS/SP, do qual participamos desde o graduação e pós-graduação, envolvidos
seu início, em agosto de 1995. em projetos que buscavam articular
ensino-pesquisa e extensão, através de
projetos de Iniciação Científica, Mestrado
e Doutorado. Junto à população em
2.1. Os primeiros passos do Gema geral, buscávamos contribuir para a
promoção da equidade de gênero no
contexto da saúde, em especial da saúde
Cadastrado no CNPq, em 1998, o Gema
e direitos sexuais e reprodutivos, através
foi idealizado como um espaço de
de intervenção social direta,
diálogos sistemáticos dos profissionais
possibilitando a construção de outros
que integravam o Papai com outros
sentidos e práticas sociais no campo das
pesquisadores/as vinculados à UFPE (e
relações de gênero, maximizando, assim,
outras universidades) e ativistas no
os esforços das instituições parceiras.
campo do feminismo e direitos humanos.
Definimos quatro linhas de pesquisa: 1)
Promovíamos workshops mensais, nos
Saúde, sexualidade e reprodução; 2)
quais realizava discussões ético-políticas
Homens, masculinidades e contextos
e conceituais orientadas pela leitura de
sociais; 3) Teoria feminista: conceitos e
textos, realização de palestras com
implicações políticas e 4) Experiências
pesquisadores/as convidados/as,
geracionais e a construção social das
categorias etárias

acessar nossos currículos na plataforma


Lattes.

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Tendo como coordenadores Benedito


Medrado, Jorge Lyra, Karla Galvão e 2.2. Construindo uma autonomia
Pedro Nascimento, este grupo integrava, institucional e uma identidade
em sua primeira formação: Aída Novelino; política
Ana Paula Portella; Dolores Galindo;
Edilaine Lins Gouveia; Fernando da Cruz Em respeito à longa trajetória de várias
Viegas; Lady Selma Albernaz; Luiz Felipe organizações de Pernambuco na
Rios; Marcelo Miranda; Márcia Longhi; consolidação de um campo político
Maria Betânia Ávila; Marion Quadros; voltado para a defesa dos direitos
Otávio Valença; Russell Parry Scott; humanos, especialmente, dos direitos
Sandra Unbehaum; Valdonilson dos sexuais e reprodutivos, o primeiro biênio
Santos e Véronique Durand.12 de existência do PAPAI (1997-1999) foi
dedicado ao estabelecimento de
Hoje o Gema continua funcionando na importantes parcerias com outros setores
UFPE, agora vinculado ao Programa de da UFPE e com organizações não-
Pós-graduação em Psicologia (fundado governamentais em Recife, de modo a
em 2005), e sob nossa coordenação. Sua estabelecer sua identidade política e o
equipe envolve pesquisadores e progressivo reconhecimento como aliado
estudantes vinculado à UFPE e outras em algumas lutas importantes.
universidades.13
Neste processo inicial, duas ONG
parceiras foram fundamentais para que
este desafio fosse menos solitário. No
campo do debate sobre juventude, com a
GESTOS (Soropositividade, Comunicação
e Gênero) organizamos o “Seminário
Multidisciplinar sobre Sexualidade e
Reprodução na Adolescência”, em 1998,
a partir de intensas trocas especialmente
com Silvia Dantas, então coordenadora
12 Tivemos a honra de contar com algumas da Gestos. Na época, conhecemos
dessas pessoas como integrantes do
também Ana Luíza Funghetti, que anos
conselheiro do PAPAI.
13 Mais informações sobre o Gema, consultar o depois veio a integrar a equipe do
site: www.genero.org.br. Instituto PAPAI.

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Outra organização fundamental nesses consolidação do conjunto de estratégias


primeiros anos foi o SOS Corpo - políticas e acadêmicas, ao instituirmos
Instituto Feminista para a Democracia, um espaço de pesquisa, reflexão crítica,
com quem aprendemos muito sobre ação comunitária e transformação
princípios de uma ação política feminista, simbólica e política no campo dos direitos
mas também sobre a difícil tarefa de sexuais e reprodutivos voltada aos
converter um projeto político em uma homens e às masculinidades. O apoio da
iniciativa organizacional sólida, Fundação MacArthur, ao aprovar um
transparente e respeitável. projeto de porte institucional foi
fundamental para darmos este
Maria Betânia Ávila, Eleny Xavier, importante passo para consolidação de
Solange Rocha, Márcia Laranjeira e Ana nossa autonomia institucional.
Paula Portela foram importantes
interlocutoras neste momento. Estes momentos foram fundamentais
para (re)pensar e (com)partilhar o que
Na época, além das respeitáveis e estávamos fazendo, o que nos
afetuosas conversas e orientações possibilita, hoje em dia, reconhecer a
particulares, organizamos atividades em importância de um trabalho contínuo e
parceria, tais como o Workshop sobre sistemático para a consolidação de um
“Homens e Políticas Públicas: reflexões e tema/objeto de pesquisa e de
práticas sociais”, com apoio da fundação mobilização política.
MacArthur14.

Como resultado do amadurecimento que


essas experiências e aprendizagens nos
proporcionaram, em 1999, formalizamos
o registro do Instituto PAPAI, como
pessoa jurídica, favorecendo a

14 A organização deste evento teve início a


partir de negociações em 1999 e realização em
2000.

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vezes, que nós trabalhávamos com “pais


de adolescentes”.

Assim, propusemos um conjunto de


ações que incluíam estratégias de
produção de conhecimento (pesquisa,
eventos e publicações acadêmicas),
formação (especialmente voltada a
3. SOBRE PATERNIDADE NA estudantes de graduação que, no caso de
ADOLESCÊNCIA 15 psicologia da UFPE, não tinham
praticamente nenhuma iniciação aos
estudos de gênero), além de estratégias
A paternidade na adolescência foi nosso
de comunicação (que incluíam desde a
primeiro tema de trabalho. A necessidade
edição do vídeo “Com a voz o jovem
de trazer este tema para debate surgiu a
pai!”16 como também, durante o carnaval,
partir dos resultados da pesquisa de
o desfile de um boneco gigante pelas
Jorge Lyra que havia identificado um
ladeiras de Olinda, de cerca de 3 metros
verdadeiro “muro de silêncio”,
de altura, que figurava a imagem de um
invisibilizando este sujeito, suas práticas jovem pai, de tranças rastafári, que
e consequentemente suas demandas e
segurava seu filho num baby bag,
necessidades.
visibilizando a ideia do exercício do
cuidado pelos homens)17 e também a
No começo dessa trajetória, as pessoas
não entendiam nem sequer a expressão
“pais adolescentes”. Achavam, muitas
16Este vídeo foi posteriormente solicitado pela
Fiocruz para inclusão e disponibilização em
sua base de dados)
17 Houve dois bonecos, produzidos pela
15Agradecemos a Luciana Melo de Souza Leão bonequeira Iara Lago. O primeiro levava o bebê
por compartilhar suas memórias, quando num babyu bag. O segundo, produzido alguns
estávamos escrevendo sobre este tópico. anos depois, figurava um pai com o bebê sobre
Luciana fez Mestrado em Saúde Pública e hoje os ombros, indicando que o filho havia
atua profissionalmente neste campo. crescido.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

oferta de um espaço de escuta para esses Naquela época, era recorrente ouvir
pais. frases do tipo: “Essa é a primeira vez que
alguém conversa comigo sobre isso?”.
Do ponto de vista de uma intervenção Assim, também parecia ser para a nossa
face a face, começamos a realizar equipe: uma primeira vez em que nos
atendimentos na Clínica Psicológica da propúnhamos não apenas a estudar e
UFPE, no formato de aconselhamento pesquisar, ou seja, a produzir boas
psicológico, com enfoque psicossocial, perguntas, mas também tentar ajudar na
oferecidos aos jovens pais que produção de caminhos e de respostas.
demandassem por este tipo de serviço.18
Foram momentos de profunda A população atendida era
aprendizagem, pois não tínhamos nem prioritariamente de população de baixa
literatura, nem experiências brasileiras a renda, embora nos chegassem também
partir das quais poderíamos construir casos de família de classe média, como o
nossas intervenções. de um garoto que foi expulso da escola
porque “havia engravidado” sua
namorada, que estudava em outra
escola. A diretora, ao ser informada sobre
o assunto, disse que não queria “esse
tipo de gente” em sua instituição.19
18 Aida Novelino, nesta época, foi uma especial
parceira, oferecendo-se para dialogar sobre
limites e possibilidades de ação psicossocial de
abordagem clínica, neste contexto e inclusive
orientando trabalhos de iniciação científica de
alunas que se interessassem pelo tema, como 19 Este caso foi noticiado em 1998 pelos
Luciana Melo de Souza Leão. Posteriormente, jornais locais em Recife, com grande
Dolores (Tina) Galindo também veio a repercussão. Na época, além de oferecer apoio
desenvolver seu estágio curricular neste ao Caio (jovem pai) e sua família, produzimos
serviço, atendendo jovens pais e casais um posicionamento público, manifestando
grávidos, sob orientação de Jorge Lyra. Breno, nossa indignação e a necessidade de uma
Augusto, Moisés e Rebeca foram também revisão profunda das práticas pedagógicas que
estudantes de graduação que participaram, de não reconheciam a legitimidade dos direitos
algum modo, desses atendimentos já no reprodutivos dos adolescentes e jovens,
Hospital das Clínicas. preferindo a coersão à educação.

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Além do serviço oferecido na Clínica Assim, iniciamos uma parceria com o


Psicológica, iniciamos uma parceria com Programa de Saúde do Adolescente
o Hospital das Clínicas na UFPE e (PROSAD) e a Maternidade do
começamos a desenvolver um trabalho CISAM/UPE, vinculado à Universidade
atrelado ao PROAMA, um grupo de de Pernambuco, uma instituição de
educação em saúde voltado para grávidas referência no estado de Pernambuco, no
adolescentes. Nossa tarefa era promover campo da saúde reprodutiva, e com
atividades para os pais, de modo grande demanda de mães, especialmente
articulado ao que estava sendo oferecido adolescentes e também parcerias com o
às mulheres, desde esclarecimentos Programa de Saúde do Adolescentes.
básicos sobre o serviço, visitas guiadas à
maternidade e, em casos especiais, Nos hospitais da rede pública de saúde, a
atendimento clínico específico, quando estratégia que empregávamos para
demandado. 20 abordar os jovens pais era o convite
(corpo-a-corpo), passando pelos
Por vezes, havia uma grande demanda diferentes setores do hospital: Programa
dos pais. Em outros momentos, a de Saúde do Adolescente, Pré-natal para
demanda era esvaziada. Além disso, as grávidas adolescentes, maternidade e
tivemos dificuldades operacionais em setor de saúde da mulher, egressos,
função de longas greves da instituição puericultura e pediatria.
que impossibilitaram dar continuidade,
por exemplo, a um projeto humanização Também promovíamos nesses hospitais,
do parto, que desenvolvíamos em reflexões acerca da importância da
parceria com o HC. Aos poucos, fomos participação do pai no acompanhamento
sentindo a necessidade de buscar outros de pré-natal, no parto e pós-parto, dentro
espaços de atuação, tais como escolas, da proposta de humanização em saúde.
outros equipamentos de saúde ou mesmo
nas ruas (por meio de campanhas). Os encontros eram realizados na forma
de oficinas, ao estilo sala de espera, a
partir de uma abordagem psicossocial,
focalizando os seguintes temas: vivências
20Nesta época, tivemos aprovado um projeto da paternidade; relações parentais e
de apoio pelo Pommar-Partnner of the relações conjugais; corpo e processos
America. corporais; reprodução humana,

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anticoncepção e aborto; momentos sob a alegação de que eles não saberiam


gestacionais e futuro parto; paternidade, informar nada sobre os filhos.
parentalidade e cuidado infantil;
sexualidade masculina (entre desejos e No caso das unidades de saúde,
necessidades); paternidade (entre realizamos parceria com o Programa de
desejos, direitos e compromissos); o lugar Saúde da Família e o Programa de
do trabalho na vida dos homens; Agentes Comunitários de Saúde
vulnerabilidade e prevenção de (principalmente este último) para
DST/Aids. fazermos uma “busca ativa” dos jovens
pais, por meio do acompanhamento em
Essas experiências nos proporcionaram visitas domiciliares, que agentes de
um acúmulo de conhecimento e saúde realizam nos bairros próximos a
promoveram uma maior aproximação cada unidade de saúde.
com a rede de serviços em saúde sexual e
reprodutiva oferecidos pelo poder O desafio de sempre nessas atividades
público.21 era o acesso aos jovens pais e a
dificuldade da sua adesão ao nosso
Neste processo, passamos inclusive a grupo, por fatores que inclusive não
realizar ações junto a unidades básicas estavam sob nossa ingerência e que
de saúde, colaborando com as ações de pareciam sempre remeter a ideia de que
promoção em saúde oferecidas aos culturalmente os espaços de promoção à
adolescente e jovens e também saúde, especialmente, sexual e
acompanhando visitas domiciliares e, em reprodutiva, não eram preocupações
alguns casos, alertando os próprios masculinas.
profissionais de saúde para o fato de que
os homens presentes nas casas, no Apesar da constante cobrança da mídia e
momento das visitas, não poderiam ser das financiadoras por números
ignorados, como muitas vezes acontecia, expressivos de atendimentos, nossa
preocupação sempre foi, como
organização não-governamental, em não
se confundir ou substituir o Estado em
21Alexandre Barreto teve grande importância seus deveres e obrigações. Portanto, os
na condução de ações no CISAM e nas atendimentos eram grandes espaços de
unidades de saúde.

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experimentação e de aprendizagem para paternidade na Área Técnica de Saúde do


os jovens pais, mas também para a Adolescente, Área Técnica de Saúde da
própria equipe. E ao mesmo tempo um Mulher e na Secretaria Especial de
espaço para alimentar uma agenda Políticas para as Mulheres. Foram
política de modo a favorecer o debate desenvolvidas ações de articulação
sobre homens e direitos reprodutivos em política para a construção da Política
nosso país. nacional de atenção integral à saúde de
adolescentes e jovens e da Oficina de
Nosso desejo era também de que aos construção de macro estratégias em
poucos as instituições fossem saúde sexual e saúde reprodutiva de
incorporando este serviço e, aos poucos adolescentes e jovens. Esta foi uma ação
fossemos nos tornando desnecessários. conjunta do Ministério da Saúde e do
Por isso, investíamos tanto nos diálogos e Fundo de População das Nações Unidas
estratégias de sensibilização dos (UNFPA), com a presença de adolescentes
profissionais. Isso gerou bons frutos em e jovens (estagiários do Papai) na reunião
alguns espaços como o HC, embora as de trabalho.
iniciativas não costumassem ter longa
duração. Em intercâmbio com as ações da Câmara
Temática sobre Direitos Sexuais e
Acionamos também outras instituições Direitos Reprodutivos com Ênfase na
que lidam direta ou indiretamente com Paternidade Ativa e Consciente, uma
homens adolescentes e jovens na iniciativa do governo federal, envolvendo
tentativa de ampliar o raio de ação do 11 ministérios, realizamos uma ampla
trabalho, entre as quais: escolas, campanha de sensibilização, mobilização
creches, igrejas, grupos comunitários e envolvimento da opinião pública e de
organizados, serviços jurídicos, representantes do poder executivo
organizações não-governamentais, Forças municipal, estadual e federal na inclusão
Armadas, entre outros. de homens em ações voltadas à garantia
dos direitos sexuais e dos direitos
Do ponto de vista de uma intervenção reprodutivos, gerando a possibilidade de
no plano das instituições, junto ao continuidade e ampliação da proposta.
governo federal, elaboramos normas
técnicas, inserindo o tema da

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Essa ação teve, em 2003, a parceria monitoramento contínuo e que estamos


direta da Secretaria Especial de Políticas longe das políticas que idealizamos,
para as Mulheres, instituída no primeiro vemos muitos frutos dessas articulações
ano da primeira gestão do governo Lula. e estratégias intensas de advocacy na
formulação de algumas das atuais
Sobre essa aspecto, vale assinalar duas políticas de saúde reprodutiva em nosso
lições aprendidas no Seminário país. Vemos também reverberações
Influência em Políticas Públicas, desses esforços em algumas produções
organizado em novembro de 2004 pelas de colegas de outros países da América
Fundações Ashoka e Avina. Uma delas Latina, com os quais dialogamos nos
nos foi provocada por Elie Ghanem, da eventos e com os quais compartilhamos
ONG Ação Educativa, que defendeu que nossas inquietações e aprendizagens por
não devemos ter a ilusão de que estamos meio de textos publicados em língua
conseguindo formular políticas públicas, espanhola.
quando visamos a mera replicação das
ações das organizações da sociedade civil Do ponto de vista de uma intervenção
nos serviços públicos, sem levar em nos planos simbólicos e culturais
consideração o contexto particular (e, mais amplos, também investimos em
algumas vezes, ideal) no qual formulamos estratégias de produção midiática.
nossas propostas.
Conceituamos mídia, em consonância
Além disso, influenciar políticas públicas com as reflexões de John Thompson
não é “ser amigo do rei”, não é usar de (THOMPSON,1995a, 1995b), como um
prestígio pessoal para que sua iniciativa sistema cultural que associa símbolos a
(ou mesmo a de um grupo) se torne contextos. Longe de propor um receptor
modelo de política. É sobretudo fazer com passivo, a abordagem de Thompson
que gestores possam rever suas práticas tem o grande mérito de ressignificar a
e, considerando os limites e noção de interação e de ideologia.
possibilidades de sua ação, poder corrigir
estratégias ou deslocar focos. Diversos autores como Thompson
(1995b); Giddens (1993) e Spink (1999)
destacam que, na sociedade atual, a
Apesar de considerarmos que este é um
mídia tem assumido um papel
processo que necessita de investimento e
fundamental para compreensão das

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dinâmicas sociais, dando novos implica: 1) a ordem do desejo, 2) a


contornos às relações entre público e dinâmica do direito e 3) a assunção de
privado e promovendo uma progressiva compromissos.
emergência da ética como nova
instância regulatória. Esses princípios (desejo, direito e
compromisso) inclusive norteiam a
Assim, em nosso trabalho, a mídia campanha que desenvolvemos desde
configurou-se como um dos 1997, em Recife, sempre na semana do
instrumentos centrais na busca de dia dos pais.
construção de novos sentidos sobre o
masculino, nos campos da saúde e Em nosso primeiro vídeo institucional
relações de gênero, sexualidade e “Com a voz, o jovem pai”, apresentamos
reprodução (MEDRADO, 1997). um pouco essa leitura complexa a
partir do depoimento de jovens pais
Em relação ao exercício da paternidade, (residentes em bairros populares de
chegamos à conclusão de que era Recife, São Paulo e Rio de Janeiro) que
necessário construir mensagens mais contam como sentiam,
afirmativas. experimentavam, ou projetam a sua
experiência de paternidade.22
O uso recorrente da expressão
“paternidade responsável” passou a nos Assim, com o objetivo de ampliar os
incomodar profundamente, tanto do limites de nossa intervenção no
ponto de vista do caráter moral e trabalho do PAPAI, e promover
regulatório que está inscrita na intervenções no plano simbólico e
expressão “responsabilidade” (conforme cultural, investimos sempre em
muito bem explorado por Arilha, 1999), estratégias midiáticas diversas:
parece que ao adotarmos essa
expressão estávamos, de algum modo, a. realização de entrevistas para
pressupondo que a paternidade em si é mídia impressa, televisiva e
irresponsável e que a dimensão da radiofônica;
responsabilidade é seu único ou
principal eixo. Paternidade não é
somente responsabilidade. Ela pertence 22 Este vídeo está disponível no canal do
à uma complexa tríade que envolve e Instituto PAPAI no youtube.

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b. produção de artigos (formato maior envolvimento dos homens e a


opinião) e releases para ampliação do debate sobre direitos
imprensa; sexuais e direitos reprodutivos,
especialmente no contexto das políticas
c. participação em programas de públicas.
rádio e TV;
d. uso da Internet para envio de
boletins informativos e troca de
informações com profissionais
de diferentes regiões, países e
continentes;
e. criação de um site com
informações sobre a estrutura
funcional do programa, com
constantes atualizações e a
possibilidade de estabelecer
fóruns de discussão.
Consideramos que através dessas
estratégias, buscamos criar um amplo
canal de reflexão, que busca romper
inclusive com a idéia da regionalidade
de um projeto. Através da mídia, o
Papai tem ultrapassado barreiras
geográficas, dialogando com outras
realidades e atingindo públicos
distintos.

Estas e outras estratégias são


necessárias para construir novas
práticas, superando diferentes
barreiras individuais, de homens e de
mulheres, institucionais, culturais e
ideológicas, para conseguirmos um

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demandas dos jovens, a partir da


promoção de ações em que eles
pudessem colaborar mais diretamente.
Assim no PAPAI, buscamos desenvolver
ações que pudessem garantir uma
maior participação dos adolescentes e
4. JUVENTUDE A PARTIR DE jovens campo dos direitos sexuais e
reprodutivos, especialmente na região
LEITURAS CRÍTICAS SOBRE GÊNERO Nordeste.
E GERAÇÃO23
Além dos grupos de jovens pais
Desde o início, ao focalizarmos o tema ofertados, também iniciamos um
da paternidade na adolescência, processo de trabalho nas escolas, de
propusemos uma articulação entre os modo a potencializar discussões sobre
marcadores sociais de gênero e sexualidade e vida reprodutiva com
geração, posicionando-nos contra homens jovens, não na perspectiva de
posições androcêntricas e redução da gravidez na adolescência ou
adultocêntricas que, em geral, orientam da promoção da “paternidade
práticas públicas no campo da saúde, responsável”,24 mas sobretudo na
especialmente no campo da perspectiva da promoção da saúde e
sexualidade e vida reprodutiva. equidade de gênero, entedendo que a
escola é um espaço privilegiado de
Assim, desde sempre buscamos
alimentar o debate sobre aquilo que na
década de 1990 se chamava de
“protagonismo juvenil”, que poderia ser 24 Margareth Arilha em sua dissertação de
traduzido como a necessidade de dar Mestrado faz uma ótima síntese crítica sobre o
maior visibilidade às questões e uso do termo responsabilidade, que se
configurou como central na redação de
documentos da década de 1990 para se referir
aos homens no campo da vida reprodutiva.
Preferimos trabalhar com a tríade desejo,
23 Agradecimentos a Ricardo Castro por direito e compromisso ao falar sobre
compartilhar de algumas de suas memórias, paternidade, como expressamos em diferentes
quando escrevíamos este texto publicações.

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formação política e de que a educação mobilização para o I Encontro Regional


em saúde é um dos pilares para de Adolescentes do Nordeste – ERAN e
transformações no campo da V Encontro Potiguar de Adolescentes -
sexualidade e saúde reprodutiva. EPA (julho de 2003) e o XII Encontro
Nacional de Adolescentes – ENA (julho
Assim, iniciamos no Colégio de de 2004), ambos ocorridos em
Aplicação da UFPE e depois fomos Natal/RN e do XIII Encontro Nacional
estabelecendo parcerias com escolas da de Adolescentes ocorrido em Recife/PE
rede pública de ensino do Recife, (entre 10 e 14 de julho de 2006), todos
especialmente, o Escola Estadual como uma promoção do Movimento de
Novaes Filho. A partir da “educação de Adolescentes do Brasil - MAB.27
pares”, construímos um lindo processo
de formação política e sensibilização Em 2003, Cláudio Pedrosa, então
em gênero com homens jovens, os integrante da equipe do PAPAI, foi
quais foram aos poucos se selecionado para compor uma das
configurando em parceiros e co-autores últimas turmas do Programa “Gênero,
de muitos produtos e processos.25 Reprodução, Ação e Liderança” (GRAL)
promovido pela Fundação Carlos
Este processo foi retratado em Chagas, com apoio da Fundação
publicação do ArtPad - Teatro e MacArthur. Seu projeto, intitulado
Desenvolvimento,26 e catalizou “Homens Jovens desconstruindo a
inúmeras experiências tais como a violência de gênero” foi uma das
importantes oportunidades de

25 Registramos aqui alguns dos jovens com os


quais trabalhamos e a quem agradecemos pela
27 Ricardo Castro que iniciou no Papai como
confiança e dedicação: Adrian, Glauber estagiário, depois passou a profissional e
(Sassá), Ágata, Clécio, Cleilton, Cristiano assumiu uma gestão da coordenação geral da
(Nino), Xande, Pequeno, Robson, Valter, instituição foi um importante articulador
Arthur, Jakson, Rodrigo, Cleiton, Cleilton, dessas ações que envolviam os jovens, por
João Batista, entre tantos outros. vezes, assumindo um lugar especial na
instituição, como seu representante jovem
26O Artpad foi coordenado por Karla Galvão feminista em eventos nacionais e latino-
Adrião e Julie McCarthy. americanos.

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sistematização e visibilização nacional articulação temporariamente chamada


em uma rede nacional das atividades de “Articulação Cone Sul de Jovens”.
que desenvolvíamos com os jovens.
Esta Rede fez, em diferentes momentos,
Neste período, houve também pressão interna dentro do movimento
aproximações com redes internacionais feminista e teve participação ativa na
de trabalhos com jovens, especialmente construção do 10º Encontro Feminista
latino-americanas, quando Ricardo Latino Americano e do Caribe, realizado
Castro participou em maio 2004, do em São Paulo, entre 9 a 12 de outubro
“Encuentro de jóvenes del Cono Sur de 2005, com participação de cerca de
por el derecho a la Anticoncepción de 1.500 feministas debatendo o tema
Emergencia”. O encontro foi organizado central do evento: “Radicalização do
pela Mujer y Salud en Uruguay (MYSU), Feminismo, Radicalização da
com apoio do IPPF e da International Democracia”.
Women's Health Coalition. O evento foi
coordenado por nossa amiga Lilian O que alimentava os encontros e os
Abrascinskas. Como produtos das debates da Rede Jovem Brasil eram
articulações produzidas durante este especialmente as discussões sobre
evento e das coalizões desenvolvidas como aproximar os diferentes grupos
posteriormente, foi fundada em 2004 a de jovens que atuavam na campo das
“Rede Jovens Brasil – Direitos Sexuais relações de gênero, saúde, sexualidade
e Direitos Reprodutivos”. e direitos reprodutivos e também
ampliar o conhecimento desses jovens
Houve ainda um outro encontro sobre em temas relativos à história,
Anticoncepção de emergência em princípios e conceitos do feminismo,
Puebla (México) e foi nesse encontro aos marcos regulatórios locais,
quando começaram as articulações nacionais e internacionais no campo
para uma ação conjunta no Fórum dos direitos sexuais e reprodutivos,
Social Mundial, de janeiro de 2005. bem como as discussões sobre gênero,
Essa articulação contou com a geração e juventude. Havia uma forte
participação da Rede Jovens Brasil, da crítica às experiências de redes de
Rede Latino-Americana e Caribenha de jovens, reconhecidas muitas vezes
Jovens pelos Direitos Sexuais e como aglutinadoras e muito potentes,
Reprodutivos (REDLAC) e de uma porém coordenadas por adultos (os

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

educadores) em diálogo com alguns


jovens, mas com poucos adolescentes,
de fato.

O trabalho do PAPAI com população


jovem e masculina se consolidou ao
longo desses anos, especialmente a
partir das várias iniciativas
coordenadas por Sirley Vieira,
sobretudo na condição de processos
educativos em sua interface com a arte
e a educação de pares.

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Assumimos esse compromisso com


muita honra, respeito e admiração pela
história construída pelo Fórum de
Mulheres de Pernambuco.29
Do ponto de vista dos estudos
feministas e de gênero, passamos a
5. UMA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA integrar a Rede Feminista Norte-
Nordeste de Estudos e Pesquisas sobre
Nossa aproximação com o movimento Mulher e Relações de Gênero (REDOR),
feminista se deu desde o início da em 1999, quando participamos do 9º
institucionalização do PAPAI, Encontro da Rede, realizado em
especialmente, a partir da parceria com Fortaleza.
grupos organizados de mulheres,
sobretudo aqueles vinculados ao A REDOR é uma rede feminista, sem
Fórum de Mulheres de Pernambuco, fins lucrativos, criada em setembro de
com o qual desenvolvemos uma série 1992, com o objetivo de congregar,
articular e desenvolver estudos e
de eventos e projetos.
pesquisas sobre mulher, gênero e
Este investimento resultou inclusive na feminismo no Norte e Nordeste
eleição de Karla Galvão Adrião (então brasileiro, conjugando esforços no
integrante da coordenação do Instituto sentido de minimizar as discrepâncias
PAPAI) para compor a coordenação regionais ainda hoje existentes em
tríplice (gestão 2003-2005) do Fórum
de Mulheres de Pernambuco, junto com
Ana Bosh (Grupo Loucas de Pedra
Lilás) e Mônica Larangeira (Trupe 29 Um episódio curioso do qual tomamos
Graúna).28 conhecimento muito anos depois aconteceu
durante o período em que assumimos a
coordenação do Fórum de Mulheres de
Pernambuco. Uma das integrantes do Fórum
questionou o nome da Instituição (PAPAI) que,
do seu ponto de vista poderia reforçar o
patriarcado. Chegou a sugerir que o nome
28 Karla hoje é também docente do fosse mudado, pois “não pegava bem” uma
Departamento de Psicologia da UFPE. instituição com este nome coordenar o Fórum.

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relação ao centro-sul, inclusive no que Mas, isso não aconteceu somente na


se refere aos avanços científicos em REDOR. Muitas foram as situações em
torno da problemática de gênero e que fomos questionados sobre nosso
condição feminina em nossa sociedade. trabalho. Havia as que não entendiam
ou não queriam entender nossa
Nossa participação nesta rede se
proposta. Porém, na grande maioria
tornou mais ativa a partir de 2000,
das situações houve acolhimento e a
quando Jorge Lyra assumiu a co-
compreensão compartilhada sobre a
coordenação do GT “Gênero e saúde”
importância e necessidade de maior
da REDOR e em 2005, quando
envolvimento de homens em questões
Benedito Medrado integrou a relativas à saúde e à vida reprodutiva.
coordenação nacional da rede (gestão
2006-2008), junto com nossa querida e As situações em que havia resistência
saudosa amiga Ana Alice Costa eram exatamente aquelas em que
(UFBA),30 Gema Galgane, Celecina alguém, por algum motivo, achava que
Veras (UFC) e Laura Arrazola (UFRPE). naquele espaço ou evento específico
não deveriam estar homens, dado que
Obviamente, nossa aproximação com o
era um espaço de fortalecimento do
movimento feminista nem sempre foi sujeito político “mulher”.
tranquila. Apesar do respeito e cuidado
de algumas colegas, especialmente Ana Por exemplo, em um dos encontros
Alice Costa e Luzia Miranda Álvares, preparatórios (abertos à população)
entre outras, em diferentes momentos, para a Conferência Municipal das
na REDOR, fomos, direta ou Mulheres, de Recife, em 2004, fomos
indiretamente, motivo de desconforto convidados a nos retirar, sob a
quando nossos nomes eram sugeridos alegação de que algumas mulheres
para ocupar algum lugar de estavam incomodadas com a nossa
representação da Rede. presença. Esse “convite” foi feito por
uma das organizadoras do encontro,
embora não tivesse sido pauta de
discussão coletiva. Apesar disso,
achamos por bem nos retirar.
30 Ana Alice nos deixou, em 26/12/2014, Posteriormente, na própria Conferência
quando a edição deste texto estava em Municipal, quando pretendíamos
conclusão.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

apresentar algumas importantes ocupar espaços de representação,


discussões sobre a luta pela legalização quando não nos competia, como
do aborto no Brasil, que tinham sido homens. Apesar disso, em certa ocasião
produzidas em encontro das Jornadas fomos interpelados com a absurda
Brasileiras pela Legalização do Aborto alegação de que o Instituto PAPAI
(para o qual havíamos sido estava entrando com uma liminar para
convidados), fomos novamente exigir a participação de homens no
interpelados. Nos recusaram o crachá Encontro Feminista.
do encontro, ainda que tentássemos
Num primeiro momento, rimos diante
explicar que nossa intenção não era
participar do encontro com um todo, de tamanho absurdo. Porém, em outros
momentos, fomos obrigados a
mas apenas compartilhar alguns
pontos discutidos pelas Jornadas, em esclarecer de se tratava tão somente de
boato infundado. Esta é uma ótima
Porto Alegre. Considerávamos que
oportunidade para deixar isso bem
essas informações poderiam subsidiar
claro: nunca pleiteamos estar em
alguns debates da Conferência. Feitos
espaços exclusivamente destinados às
os esclarecimentos, permitiram-nos
mulheres e sempre consideramos que
dialogar com algumas lideranças.
estes espaços exclusivos, embora não
Algumas vezes, essa inquietação era fossem desejáveis, eram plenamente
desconcertante, como por exemplo, estratégicos e necessários.
num evento para o qual havíamos sido
Ao mesmo tempo, sempre fizemos
convidados, como palestrantes, e uma
questão de estimular a participação das
das participantes, feminista “histórica”
mulheres que compunham a equipe do
de São Paulo, disse que se sentia
Instituto PAPAI nas ações promovidas
indignada por ver uma fala sobre
pelo movimento feminista, embora nem
homens num evento sobre gênero. Para
sempre houvesse interesse ou
ela, estudos de gênero era sinônimo de
disponibilidade de algumas dessas
estudos sobre a mulher. A platéia
mulheres. Algumas aos poucos foram
reagiu e a participante se retirou da
tomando gosto e outras jamais se
sessão.
aproximaram, sempre sob a alegação
Sempre respeitamos a decisão das de que não se sentiam bem nesses
mulheres, em relação aos seus espaços espaços. Este era um tema recorrente
de luta política e nunca pretendemos em nossas reuniões, especialmente

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

aquelas de planejamento e de formação presidência do conselho do Instituto


política. PAPAI por alguns anos.
Ao mesmo tempo, sempre estivemos em Aos poucos, fomos começando a nos
grande número nas ações públicas sentir parte desta “família”, entendida
promovidas pelo movimento feminista aqui não como o espaço da harmonia
local, em Recife e outras cidades da ou de eterna concordância mas como
região metropolitana, especialmente um sistema que inclui atores e atrizes
aquelas voltadas ao enfrentamento da em constante processo de negociação e
violência de gênero (a partir da parceria de conflitos (jogos de poder muitas
com a Campanha do Laço Branco), pela vezes atravessados por intentos de
legalização do aborto (inclusive dominação), mas também processos de
produzindo camisetas em que agência, onde se inclui a resistência,
figuravam a emblemática frase: mas também por vezes acomodações e
Nenhuma mulher deve ser presa, ficar tantas outras maneiras de jogar que
doente ou morrer por abortar: mudam ao sabor dos limites e das
mulheres e homens pela legalização do possibilidades.
aborto) e aquelas mais gerais alusivas
Ou seja, pensar o feminismo como
ao dia internacional da mulher.
“família” não é pensá-la
Participamos também de diferentes romanticamente como um
eventos promovidos pelo movimento agrupamento monolítico, sem tensões.
feminista no Brasil e em outros países, Ao contrário, pensar o feminismo como
onde conhecemos inspiradoras família é justamente uma estratégia
mulheres brasileira, tais como Sônia para explicitar que, sob o mesmo
Correia, Ana Alice Costa, Margarth “sobrenome”, há muitas diferenças na
Arilha, Sônia Malheiros Miguel, Lilián forma de pensar e na forma de atuar.
Abrascinskas, Roxana Vazquez, Verena
Stolke, Nilza Iraci, Suely Carneiro,
Edna Roland, Estela Aquino, Jaqueline
Pitanguy, Simone Diniz, Débora Diniz,
Suely Oliveira, Gigi, Ana Bosh, Vera
Baroni, Vanete Almeida e Maria
Betânia Ávila que inclusive ocupou a

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

O bom disso tudo é que, ainda que


reconheçamos que há muitas
diferenças, há sempre o desejo de
construção do comum, da ação
coletiva. Isso é o que tanto nos atrai a
esta família, além do óbvio
reconhecimento de que o debate atual
sobre os homens e as masculinidades
têm suas raízes na luta feminista por
uma sociedade mais justa.31

31 A propósito, ficamos muito felizes quando


Mariana Azevedo, hoje coordenadora geral do
PAPAI, resolveu assumir o desafio de tomar os
“homens feministas” como objeto de sua
instigante e competente dissertação de
Mestrado em Sociologia, pela UFPE.
Recomendamos enfaticamente a leitura deste
trabalho.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

Posteriormente, colaboramos também na


organização, em 2002, na I Conferência
Internacional sobre Consumo de Álcool e
Redução de Danos, também em Recife e
novamente sob coordenação do CPD.

6. DIREITOS HUMANOS: UMA Vale ressaltar que a Associação


Internacional de Redução de Danos
ENTRADA NO “CAMINHO DAS (IHRA) define redução de danos como
DROGAS”
Atuando no campo dos direitos humanos desenvolvimento de políticas de drogas locais.
e junto a jovens, nos aproximamos Uma vez que muitas das cidades da América
invariavelmente do debate sobre drogas, Latina estão sofrendo problemas relacionados
mais particularmente em relação ao às drogas e – ao mesmo tempo - espera-se que
conceito de redução de danos, como estas desenvolvam suas próprias políticas de
alternativa conceitual e política. drogas, devido ao processo de
descentralização, o LATS pode auxiliar os
Já no final do segundo ano de existência responsáveis locais no desenvolvimento de
políticas de drogas abrangentes, humanas e
do Instituto PAPAI (1998), Jorge foi
eficazes, na tentativa de restringir os
convidado pelo Centro de Prevenção às problemas relacionados às drogas. Na época,
Dependências (CPD), coordenado por Ana sete cidades estavam envolvidas neste projeto:
Glória Melcop, para colaborar na Rosário (Argentina), Santiago de Chile, La Paz
organização do Seminário Itinerante (Bolívia), Montevidéu (Uruguai), Curitiba,
Latino Americano (SILA) 32, realizado em Recife e São Luis (Brasil).
Recife, em 2002.33 33 É importante ressaltar que as duas
principais redes nacionais de redução de
danos foram criadas em 1997 (ABORDA) e em
1998 (REDUC) e que as aproximações com o
campo da saúde mental se apenas em 2003 e
2004 quando a política de Atenção Integral aos
32 O SILA (ou LATS, na versão internacional) Usuários de Álcool e outras Drogas foi
foi idealizado em 1999 por um grupo de instituída, migrando a política mais
especialistas de diferentes países que atuam propriamente para o campo da Saúde Mental,
no campo das drogas. Seu objetivo é o como é até hoje.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

“políticas e programas que tentam embriaguez, mas era estratégia


principalmente reduzir, para os usuários bem sucedida para proteger a
de drogas, suas famílias e comunidades, população. Aceitando que a
as consequências negativas relacionadas embriaguez sempre estará
à saúde, a aspectos sociais e econômicos presente, há algum tempo os
decorrentes de substâncias que alteram o pesquisadores levantaram o
temperamento” (Policy Papers em assunto de ‘deixar o mundo seguro
www.ihra.net). para quem bebe’. Foi nessa época
que os cintos de segurança foram
Porém, como destaca, em publicação do desenvolvidos para garantir que,
Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), o mesmo implementados os esforços
então Presidente da Associação para diminuir a incidência da
Internacional de Redução de Danos, Alex mistura bebida-direção, eventuais
Wodak, redução de danos não se refere motoristas embriagados e seus
exclusivamente ao campo das drogas. Ou passageiros sobrevivessem ilesos a
seja, embora o conceito de redução de um acidente de carro ilesos. Na
danos seja mais frequentemente época, muitos criticaram a idéia,
associado às políticas de atenção a alegando que os motoristas iriam
usuários de drogas ilícitas, seus beber mais sabendo que sua
familiares e comunidade, desde o segurança seria maior ao usar o
surgimento do HIV/aids, as estratégias cinto de segurança. A ‘hipótese da
de redução de danos vêm sendo compensação de risco’ ainda
aplicadas em relação a outras temáticas persiste tantos anos depois e deve
e essa leitura ampliada tem, raízes sempre ser considerada quando
profundas em nossa história. medidas de redução de danos são
implementadas. No entanto, deve-
Na China antiga, as autoridades se sempre considerar que novas
levantavam barreiras em volta de medidas introduzidas com a melhor
canais para evitar que as pessoas das intenções podem ter efeitos
embriagadas escorregassem dentro imprevisíveis e negativos (p. 9).
das águas geladas do inverno e
morressem de hipotermia. Por outro lado, como afirma, Mónica
Obviamente, isso não eliminava os Franch, nesta mesma publicação, o
esforços para diminuir a recado mais importante da comunidade

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

nacional e internacional reunida em Novaes Filho, no bairro da Várzea, nosso


Recife em 2002, durante a I Conferência lócus privilegiado de intervenções.
Internacional sobre Consumo de Álcool e
Redução de Danos, foi sobre a Em 2002, pós Conferência Internacional,
necessidade de integrar redução de o Programa Nacional de Aids convidou
danos e lutas por cidadania. Maristela Moraes (como representante do
PAPAI e Rede Pernambucana de RD) e
Assim, em nosso trabalho, buscamos Alda Roberta Campos (pelo CPD) para
produzir uma aproximação entre uma uma reunião em Brasília, para pensar
leitura ampliada sobre este conceito e estratégias de fortalecimento das “bases”
suas possíveis aproximações ao campo da RD e do protagonismo de usuários de
de intervenção em saúde, gênero, direitos drogas nos estados.
reprodutivos e juventude.34
Em Pernambuco, foi definida como meta
Além disso, como consequência desta o apoio à criação da rede “Se Liga”,
aproximação, criamos no PAPAI, em coordenada por Marcílio Cavalcanti. Esta
2001, um núcleo para cuidar mais rede na época, constituía-se como
diretamente de projetos e ações políticas importante articulação e foi uma das
voltadas à juventude e drogas.35 Foi primeiras associações formadas por
nesse Núcleo que começamos a delinear usuários de drogas, na América Latina.
o trabalho sobre drogas e RD junto aos Atuamos fortemente nesta rede,
homens jovens da Escola Estadual especialmente via projeto “Sedimentando
e ampliando as ações de redução de
danos em Pernambuco”.36

Entre as várias ações desta articulação,


34 Uma das iniciativas foi o trabalho de destacamos as campanhas em grandes
iniciação em pesquisa, de Maristela Moraes,
eventos, como o carnaval, o “Abril pro
sob orientação de Jorge Lyra, que versava
sobre a experiência da paternidade para
Rock” etc. e o documentário “Redução de
jovens usuários de drogas.
35 Integravam este núcleo: Karla Galvão Adrião
(como coordenadora), Maristela Moraes (como
profissional), Maria Adrião e Daniel Costa 36Maristela Moraes coordenou este projeto por
Lima (como estagiários). dois anos.

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Danos um Olhar de Dentro” (Rede Participação, 2006-2008).38 Vale ressaltar


Pernambucana de Redução de Danos), que foi nesta gestão da Aborda que ela
lançado em 2004, com apoio do passou a se chamar Associação
Escritório das Nações Unidas contra Brasileira de Redutoras e Redutores de
Drogas e o Crime (Undoc), do Programa Danos (antes apenas redutores), como
Nacional de DST/AIDS do Ministério da consequência das aproximações que
Saúde e do Governo Federal. O roteiro, a estimulamos com o campo de estudos e
edição e a captação das filmagens do ações políticas orientadas pelo olhar de
documentário foram realizados pelos (as) gênero.39
próprios (as) redutores (as) de danos
pernambucanos (as). Este vídeo tinha por
objetivo dar visibilidade às iniciativas de
controle social sobre as políticas de
Redução de Danos, desenvolvidas em
Pernambuco. Foi também produzido
outro vídeo no qual são apresentadas
estratégias de advocacy das pessoas que
usam drogas, exibido no Fórum Social
Nordestino que aconteceu em Recife, na
UFPE.37

Como reconhecimento desses


investimentos, em 2006, Maristela
Moraes assumiu a vice-presidência da
ABORDA (Gestão Diversidade e 38 Maristela Moraes fez mestrado em Saúde
Pública e Doutorado em Psicologia Social e
hoje é docente
39 Outros documentos apresentam nossas
37Hemerson Moura foi um dos integrantes do leituras sobre as aproximações entre gênero e
Papai com bastante atuação nestas ações. redução de danos, tais como a dissertação e
Camila Santiago também participou como tese de Maristela Mores, o livro “Gênero e
estagiária, ligada principalmente ao Projeto drogas: contribuições para atenção integral em
“Roda Brasil de articulação das ações de saúde” publicado pelo PAPAI e a campanha
redução de danos”, apoiado pelo PN-Aids e recentemente realizada junto aos
UNODC. trabalhadores de Suape sobre uso de álcool.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

época, não havia no mundo


praticamente nenhum material desta
natureza para trabalhar com a
população jovem masculina.

O material produzido incluiu atividades


7. PROGRAMA H: produtos educacionais em grupo e campanhas
comunitárias voltadas especialmente a
potentes, articulação em rede e cinco temas:
grandes encontros
1) Paternidade e cuidado
Logo no início do PAPAI, quando 2) Sexualidade e saúde
formalizamos a instituição (em 1999), 3) DST/Aids
iniciamos uma rica parceria, o 4) Violência de gênero
Programa H, que envolvia o Instituto 5) Razões e emoções
Promundo (Rio de Janeiro), a ECOS
Esta iniciativa foi submetida a uma
Comunicação em Sexualidade (São
avaliação de impacto no Brasil, na
Paulo), e Salud y Género (México), com
Índia, nos Bálcãs e em várias
apoio da Organização Pan-Americana
localidades da África subsariana,
da Saúde (OPAS), a Organização
concluindo-se que a realização de tais
Mundial da Saúde (OMS), a
atividades podem levar a mudanças
International Planned Parenthood
significativas nas práticas e
Federation/Western Hemisphere
comportamentos entre jovens homens,
Region (IPPF/WHR), a JohnSnowBrasil
que incluem relatos de aumento no uso
e a Durex – SSL International.
de preservativos, melhora na
comunicação do casal e redução nos
O Programa H, liderado pelo visionário
relatos de uso de violência de homens
e provocador Gary Baker, grande
amigo, teve por objetivo produzir contra suas parceiras. Posteriormente,
o Programa H incluiu também em seu
materiais e estratégias de intervenção
social com vistas a engajar homens escopo a questão do empoderamento
das mulheres (incorporando como
jovens e suas comunidades em
parceira a ONG World Education,
reflexões críticas sobre normas rígidas
relacionadas com a masculinidade. Na

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

Estados Unidos) e da diversidade violência doméstica,


sexual. primeira experiência
sexual, gravidez de sua
O Programa H foi reconhecido como namorada, primeiro
“boa prática para a promoção de emprego, entre outros,
equidade de gênero” pela OPAS, e pelo como estratégia para
Fundo das Nações Unidas para a reflexão sobre processos de
Infância (UNICEF), Fundo de População socialização e sociabilidade
das Nações Unidas, Programa das masculina.
Nações Unidas para o Desenvolvimento  Era uma vez outra Maria!
(PNUD), Banco Mundial e Ministério (2004) que focaliza a saúde
das Relações Exteriores do Brasil. e autonomia das mulheres
jovens, a partir da historia
Os principais produtos deste projeto de Maria, uma garota que
que ainda hoje orientam práticas na busca construir uma outra
instituição foram: historia em sua vida (Apoio
da Oak Foundation, da
 Manuais H e M - “Trabalhando MacArthur Foundation e
com homens jovens” e da Secretaria Nacional de
“Trabalhando com Mulheres Política para as Mulheres -
jovens” SPM Brasil).
 Vídeos em formato de desenho  “Medo de quê?“ (2005) que
animado sem palavras, apenas narra história de Marcelo,
sons e músicas, com 20 um garoto que descobre
minutos de duração que pode desejo e afetividade por
ser usado com mulheres e outro rapaz jovem. O vídeo
homens jovens ou com acompanha parte de sua
profissionais de saúde e trajetória e busca, por meio
educação: de histórias e críticas a
 Minha vida de João! (2002), esquemas simbólicos
filme que acompanha a provocar reflexões críticas
vida de um garoto e ilustra que contribuam para o
aspectos de uma educação respeito à diversidade
sexista, situações de sexual e redução da

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

homofobia (apoio do início naquela época com pessoas que


Departamento de DST, ainda hoje mantemos algum contato,
Aids e Hepatites Virais). apesar da distância física, tais como:
Gary Barker, Marcos Nascimento,
Esta experiência resultou também em Margareth Arilha, Silvani Arruda, Silvia
uma série de processos de capacitações
Cavasin, Reginaldo Bianco, Benno de
oferecidas para jovens, educadores,
Keijzer, Emma María Reyes, Gisela
ativistas e especialmente organizações
Sánchez e Gerardo Ayala, entre muitos
não-governamentais e entidades
outros.
públicas (secretarias de saúde,
prefeituras, secretarias da mulher, Além disso, os grupos que idealizaram
operadores do direito etc.), acumulando esta produção original hoje fazem parte
uma rica experiência na execução deste de uma iniciativa global, que inclui
tipo de experiência e um consolidado cerca de 600 instituições sediadas em
programa de formação. diferentes partes do mundo (em todos
os continentes), intitulada Rede
Os materiais produzidos pelo Programa
MenEngage (menengage.org), que têm
H foram traduzidos para muitas desenvolvido importantes estratégias de
línguas e atingiram mais de 80 países
intervenção pedagógica, política e de
ao redor do mundo. São até hoje
advocacy. A Rede MenEngage e que já
referidos como documentos
organizou dois eventos internacionais:
importantes para aqueles/as que
um na cidade do Rio de Janeiro (em
buscam desenvolver ações estratégicas 2009) e outra em Nova Delhi, na Índia
com homens ou que visam desenvolver
(em 2014).
novas produções e vêem naquele
material conteúdo e formato potentes.

Mas, no desenvolvimento do Programa


H, o maior saldo não foram os
excelentes materiais produzidos nem a
potente articulação em rede com
organizações da América Latina, mas
especialmente os agradáveis encontros
e as grandes amizades que tiveram

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

 Em 2002, quando o Instituto


PAPAI, Promundo e ECOS
realizaram uma Conferência e
Oficina Internacional intitulada
“Homens Jovens como Aliados
8. EVENTOS E ARTICULAÇÕES na Promoção de Saúde e
IMPORTANTES PARA Equidade de Gênero”. Este
CONSOLIDAÇÃO DE UM CAMPO DE evento contou com a
participação de cerca de 250
ESTUDOS E INTERVENÇÕES pessoas, representando mais
POLÍTICAS de 38 países de todos os
continentes, e também
Dando continuidade ao intenso representando organismos
processo de reflexão sobre o papel e o internacionais como
lugar dos homens no contexto das WHO/PAHO, UNFPA,
políticas de gênero e /ou feministas, Engenderhealth, UNICEF,
em âmbito nacional e internacional, UNESCO entre outros.
participamos de importantes Fóruns e  Em 2003, a convite da
organizamos eventos que reuniram Secretaria Especial de Políticas
profissionais de Organizações para as Mulheres, participamos
governamentais e não-governamentais da reunião técnica preparatória
em debates reflexivos e propositivos, da 48ª Sessão da Comissão
particularmente no campo da sobre a Situação da Mulher
sexualidade, reprodução e redução da (CSW),40 uma das comissões
violência. Entre esses eventos,
destacamos os primeiros de maior
visibilidade:

 Em 2000, participamos, a 40 A Comissão sobre a Situação da Mulher,


convite da UNAIDS sobre uma das comissões funcionais do Conselho
Econômico e Social (ECOSOC) das Nações
homens, HIV e promoção da
Unidas, foi criada em 1946, com as seguintes
saúde. atribuições: elaboração de relatórios e
recomendações sobre a promoção dos direitos
das mulheres nas áreas política, econômica,

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

funcionais do Conselho  Entre 1 e 5 de março de 2004,


Econômico e Social das Nações Jorge Lyra participou da 48ª
Unidas (ECOSOC). Esta Sessão da Comissão sobre a
reunião foi realizada em Situação da Mulher (CSW),
Brasília/DF, entre 21 e 24 de como representante brasileiro,
outubro de 2003 e teve como na qualidade de conferencista,
tema “O papel dos homens e que aconteceu em Nova York.
homens jovens na promoção da
 Em 2005, participamos do I
equidade de gênero”. Este
Encontro sobre educação e
evento contou com a presença
das então ministras Emília sexualidade na China, quando
apresentamos algumas de
Fernandes e a Matilde Ribeiro,
responsáveis respectivamente nossas experiências no
trabalho com homens e
pela Secretaria Especial de
pudemos dialogar com
Políticas parta as Mulheres e
pesquisadores de vários países.
Secretaria Especial de
Promoção da Igualdade Racial.  Em 2005 (em Sussex), 2007
Neste mesmo ano, (Dakar) e 2009 (Cape Town),
participamos de um encontro participamos, a convite de
sobre paternidade, organizado Andrea Cornwall, de encontros
pela Universidade de Oxford, organizados pelo Institute of
na Inglaterra. Development Studies,
vinculado à Universidade de
Sussex, Inglaterra. Esses
civil, social e educativa, e formulação de temas abordaram a cada ano
medidas a serem adotadas no combate a um tema em particular, a
problemas urgentes no âmbito dos direitos das partir do viés de gênero e
mulheres. Posteriormente, a Comissão foi desenvolvimento: direitos
também encarregada de rever e avaliar a sexuais (2005), patriarcado
aplicação da Plataforma de Ação de Pequim, (2007) e heteronormatividade
adotada pela IV Conferência Mundial sobre
Mulheres, em 1995. Pode ainda receber
(2009).
comunicações de indivíduos e grupos sobre  Em 2009, o Instituto PAPAI
questões de discriminação contra as mulheres, participou com o Promundo e
mas não se pronuncia sobre casos individuais.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

outros parceiros da (GESMAP) na época vinculado à ONG


organização do Simpósio global ECOS - Comunicação em Sexualidade; e
“Engajando homens e meninos pelo Programa de Estudos e Pesquisa em
na igualdade de gênero” no Rio Gênero, Sexualidade e Saúde (IMS) da
de Janeiro, reunindo cerca de Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
500 ativistas, pesquisadores e contando com o apoio da Fundação
profissionais de 77 países. O MacArthur e Fundação Ford. As outras
evento foi organizado em edições (2003, 2005, 2006, 2008 e 2010)
colaboração com a MenEngage aconteceram em Recife.
Alliance.
O segundo, em 2003, teve como tema
Em âmbito nacional, a parceria com o “Homens, gênero e políticas públicas:
Promundo e a Ecos resultaram em uma Tempos, práticas e vozes”. Foi organizado
trajetória importante na organização dos pelo Instituto PAPAI e pelo Núcleo
Seminários Brasileiros "Homens e Família, Gênero e Sexualidade (FAGES)
masculinidades", realizados desde 1998, da UFPE (ambos filiados a Rede
a partir de iniciativa da Ecos e do Feminista Norte-Nordeste de Estudos e
IMS/UERJ, cujo objetivo é promover Pesquisas sobre Mulher e Relações de
encontros entre profissionais e Gênero (REDOR), em parceria com o
estudantes que atuam em Organizações Núcleo de Estudos de População (NEPO)
não-governamentais, Núcleos acadêmicos da UNICAMP e projeto Pegapacapá, com
de gênero, ativistas e gestores/as apoio da Fundação Ford, CNPq e Núcleo
públicos com vistas ao compartilhamento de Estudos Americanos da UFPE
de experiências e reflexões sobre (MEDRADO; FRANCH; LYRA; BRITO,
trabalhos com homens, em diferentes 2004). A inscrição de trabalhos superou
contextos e a partir de diversos focos de as expectativas da comissão organizadora
interesse, bem como estudos e pesquisas do evento, que nomeou um comitê de 18
sobre masculinidades, a partir do especialistas para avaliar os trabalhos.
enfoque de gênero e/ou feminista. Foram inscritos 117 trabalhos, dos quais
112 foram selecionados, divididos em 88
O primeiro encontro (em 1998) teve como
apresentações orais e 19 pôsteres.
tema “Homens, sexualidade e
Participaram cerca de 300 pessoas.
reprodução” e foi realizado em São Paulo,
Paralelo ao 2º seminário aconteceram
promovido pelo Grupo de Estudos sobre
também reuniões de articulação co
Sexualidade Masculina e Paternidade

93 94
MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

profissionais que trabalham encontro, privilegiou-se a discussão com


problemáticas de gênero, tais como: a grupos sociais com os quais estas
reunião da Campanha Brasileira do Laço instituições têm atuado, entre eles os
Branco: Homens pelo fim da violência grupos de homens jovens urbanos,
contra a mulher, reunião entre indígenas e reassentados do sertão de
organizações da sociedade civil e Pernambuco.
representante da Área Técnica de Saúde
O 4º Seminário aconteceu em 2006 e teve
do Adolescente e do Jovem do Ministério
como tema “homens e feminismos: entre
da Saúde sobre Políticas Públicas para
a produção acadêmica e a pauta política,
juventude em gênero e cidadania;
reunião sobre Série Trabalhando com a partir de parceria entre Instituto PAPAI,
Gema/UFPE, Núcleo FAGES/UFPE e a
Homens Jovens, reunião do Grupo
Masculinidades da CN-DST/Aids para REDOR. Este encontro teve o objetivo de
promover um encontro entre
discutir as estratégias e os temas para
especialistas (acadêmicos e ativistas)
materiais educativos junto a população
brasileiros que atuam no campo da
masculina; reunião do Movimento de
saúde, com vistas a rever a política ou
Adolescentes do Brasil (MAB) etc.
linha de intervenção em saúde pública e
Vale ressaltar que o apoio da Fundação as atuais propostas dos movimentos
Ford para realização deste evento, como sociais, abrindo canais para pensar os
parte de um projeto institucional mais homens, a partir do enfoque feminista.
amplo, foi fundamental para seu êxito. Pretendeu-se contribuir assim,
Além deste e de outros eventos especialmente, para o fortalecimento de
subsequentes, a Ford apoiou ações iniciativas governamentais e não-
importantes e estratégicas do Instituto governamentais voltadas a sexualidade e
PAPAI, especialmente no que se refere ao direitos reprodutivos, tendo em
trabalho com jovens e as ações pelo fim perspectiva as atuais reivindicações e
da violência de gênero. impasses do movimento feminista
nacional (AMB, 2002), bem como o atual
Em 2005, aconteceu o 3º encontro, tendo
Plano de Ação intitulado "Direitos
como foco a participação popular. A
Sexuais e Direitos Reprodutivos: uma
organização ficou sob a responsabilidade
prioridade de governo" da Área Técnica
do PAPAI e do Núcleo FAGES, além do
da Saúde da Mulher/Ministério da Saúde
Núcleo de Estudos sobre Gênero e
(BRASIL, 2005); as propostas oriundas
Masculinidades (Gema) da UFPE. Neste

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do Plano de ação das Conferências humanos, a partir da exposição em


Nacionais de políticas para as mulheres mesas e apresentação de trabalhos que
da Secretaria Especial de Políticas para contemplavam reflexões político-
as Mulheres (BRASIL, 2004), além de conceituais, pesquisas empíricas e
iniciativas de Órgãos internacionais que, experiências de intervenção social,
desde o final da década de 90, têm ressaltando a interação complexa entre
proposto e implementado políticas gênero e outras dimensões sociais, como
públicas em saúde que incluem os raça/etnia, classe e geração.
homens, como uma forma de promover a
Os trabalhos selecionados apresentaram
equidade de gênero (UNITED NATIONS,
1994). reflexões a partir de experiências de
pesquisa e intervenção política realizadas
Em 2008, realizamos o 5º Seminário cujo em diferentes estados do Brasil: Alagoas,
tema foi políticas públicas em saúde, a Amazonas, Bahia, Ceará, Minas Gerais,
partir de parceria entre Instituto PAPAI, Espírito Santos, Pará, Paraíba,
Gema/UFPE, Núcleo Margens/UFSC e Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande
Promundo, com o apoio de ChildHope, do Norte, Rio Grande do Sul, Santa
CIDA/Canadá, CNPq, Fundação FORD, Catarina e São Paulo. Como produto final
Fundo de População das Nações Unidas do Encontro produzimos um DVD
(UNFPA), Ministério da Saúde, WCF- intitulado “Homens, gênero e políticas
Brasil. públicas”, com as sínteses dos diálogos
realizados.
Com este encontro, buscou-se promover
a visibilidade e troca de conhecimentos e Nesse ano (2008), publicamos um artigo
práticas no campo das políticas públicas no qual traçamos uma possível matriz
voltadas aos homens e/ou sobre feminista de gênero para os estudos
masculinidades, a partir do enfoque de sobre homens e masculinidades,
gênero e/ou feminista, em sua interface publicado pela Revista Estudos
com a produção acadêmica, os Feministas.41
movimentos sociais e a gestão pública.
Buscou-se, mais especificamente,
focalizar políticas de saúde, paternidade
e direitos reprodutivos, diversidade e
41 MEDRADO, Benedito ; LYRA, Jorge. Por
diretos sexuais e violência e direitos uma matriz feminista de gênero para os
estudos sobre homens e masculinidades.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

O Seminário Homens e Masculinidades audiência cerca de 310 pessoas, entre


mais recente, aconteceu em 2010, tendo estudantes de graduação e pós-
como tema “Homens e masculinidades: graduação, pesquisadores, profissionais
práticas de intimidade e políticas da rede pública, gestores públicos e
públicas”, promovido pelo Instituto ativistas. Em relação à origem dos
PAPAI, o Núcleo de Pesquisas em Gênero trabalhos, recebemos resumos de
e Masculinidades, vinculado ao Programa diferentes estados do Brasil.
de Pós-Graduação em Psicologia da
Vale ressaltar que um dos temas
UFPE, a Associação Brasileira de
principais deste encontro foi a Política
Psicologia Social (ABRAPSO), a Rede
Brasileira de Homens pela Equidade de Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Homem (PNAISH), instituída pelo
Gênero (Rheg), o Núcleo
Margens/Universidade Federal de Santa Governo Federal, em 2008. Instituto
PAPAI foi parceiro ativo na construção
Catarina (UFSC), o Promundo/RJ e o
desta política, a partir do qual foram
Fórum LGBT de Pernambuco.
definidas iniciativas que visam à
Do total de 108 propostas submetidas, formulação e implementação de ações
foram selecionados 103 trabalhos. Em aos homens, particularmente no campo
relação à edição anterior (2008), da saúde.
observou-se um aumento no número de
Ao longo desta década, os Seminários
trabalhos (de 88 para 103) e ao mesmo
Brasileiros “Homens e masculinidades”,
tempo uma maior concentração em
vem se consolidando como espaço
trabalhos sobre o tema “Homens e
privilegiado de encontros entre
políticas públicas em saúde”, certamente
pesquisadores/as, ativistas e
motivada pelo recente processo de
profissionais inseridos/as em governos
implantação da Política Nacional de
federais, estaduais e municipais, para
Atenção Integral à Saúde do Homem.
compartilharem discussões conceituais,
Como palestrantes, participaram do éticas e políticas e para apontarem
encontro 41 convidados/as e uma outros/novos caminhos a serem trilhados
nesse campo de produção de
conhecimentos e intervenções.

Revista Estudos Feministas (UFSC. Impresso),


v. 16, p. 809-840, 2008.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

Esta campanha surgiu a partir de um


triste episódio. No dia 6 de dezembro de
1989, um rapaz de 25 anos (Marc
Lepine) invadiu uma sala de aula da
Escola Politécnica, na cidade de
Montreal, Canadá, gritando: “Onde
estão as feministas!?” Ele ordenou que
os homens (aproximadamente 48) se
retirassem da sala, permanecendo
9. VIOLÊNCIA DE GÊNERO: UMA somente as mulheres. Em seguida, ele
QUESTÃO PARA OS HOMENS. começou a atirar enfurecidamente e
assassinou 14 mulheres, à queima
A parceria com o Promundo e a Ecos roupa. Em seguida, suicidou-se. O
também se configurou em um conjunto rapaz deixou uma carta na qual
de iniciativas voltadas ao tema da afirmava que havia feito aquilo porque
violência de gênero, organizando, não suportava a idéia de ver mulheres
desde 2000, no Brasil, a Campanha estudando engenharia, um curso
Brasileira do Laço Branco, cujo lema é tradicionalmente dirigido ao público
“Homens pelo fim da violência contra a masculino.
mulher”.
O crime, que ficou conhecido como o
A Campanha Brasileira do Laço “Massacre de Montreal”, mobilizou a
Branco tem como objetivo sensibilizar, opinião pública daquele país, gerando
envolver e mobilizar os homens no amplo debate sobre as desigualdades
engajamento pelo fim da violência entre homens e mulheres e a violência
contra a mulher. Suas atividades são gerada por esse desequilíbrio social.
desenvolvidas em consonância com as Assim, um grupo de homens
ações dos movimentos organizados de canadenses decidiu organizar-se para
mulheres e de outros atores e atrizes dizer que existem homens que cometem
sociais que buscam promover a a violência contra a mulher, mas
equidade de gênero, através de ações existem também aqueles que repudiam
em saúde, educação, trabalho, ação essa violência. Eles elegeram o laço
social, justiça, segurança pública e branco como símbolo e adotaram como
direitos humanos. lema: jamais cometer um ato violento

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contra as mulheres e não fechar os envolvimento dos homens com a


olhos frente a essa violência. temática da violência contra a mulher.

Lançaram, assim, a primeira Nas duas últimas décadas, a


Campanha do Laço Branco (White Campanha já foi implementada em
Ribbon Campaign): homens pelo fim da diferentes países: na Ásia (Índia, Japão
violência contra a mulher. Durante o e Vietnã), Europa (Noruega, Suécia,
primeiro ano da Campanha, foram Finlândia, Dinamarca, Espanha,
distribuídos cerca de 100 mil laços Bélgica, Alemanha, Inglaterra e
entre os homens canadenses, Portugal), África (Namíbia, Quênia,
principalmente entre os dias 25 de África do Sul e Marrocos), Oriente
novembro e 6 de dezembro, semana Médio (Israel), Austrália e Estados
que concentra um conjunto de ações e Unidos.
manifestações públicas em favor dos
direitos das mulheres e pelo fim da No Brasil, algumas iniciativas pontuais
violência. começaram a ser delineadas em 1999,
por meio de atividades dirigidas a essa
O dia 25 de novembro foi proclamado temática, realizadas em Recife, pelo
pela Organização das Nações Unidas, Instituto PAPAI e, em Brasília, pelo
como o Dia Internacional de Promundo, com o objetivo de ampliar
Erradicação da Violência contra a cada vez mais nossa rede,
mulher. O dia 6 de dezembro foi sensibilizando profissionais e/ou
escolhido para que a morte daquelas comunidades em geral.
mulheres (e o machismo que a gerou)
não fosse esquecida. Trabalhando junto Em 2001, o Instituto PAPAI assumiu a
a diversos órgãos das Nações Unidas, coordenação do Comitê Gestor Nacional
particularmente o UNIFEM e em da Campanha Brasileira do Laço
parceria com organizações de Branco. Neste ano, foi realizado o
mulheres, a Campanha do Laço Branco lançamento oficial da Campanha no
hoje está presente em todos os Brasil, promovendo-se diferentes
continentes e em mais de 55 países, atividades, entre elas: distribuição de
sendo apontada pela ONU como a laços brancos, camisetas e folhetos
maior iniciativa mundial voltada para o informativos, realização de eventos
públicos, caminhadas, debates, oficinas

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temáticas, entrevistas para jornais e As ações envolveram:


revistas, coleta de assinaturas e termos
de adesão à campanha etc. Essas a. visitas ao Batalhão da Polícia
atividades foram desenvolvidas em Militar de Serra Talhada;
parceria com diferentes instituições,
particularmente organizações do b. diálogos com a Polícia Civil -
Movimento de Mulheres. Delegacia Regional e à Delegacia
Municipal,
Em 2002, iniciamos parceria com a
Secretaria Nacional de Políticas para as c. entrevistas em programas de
Mulheres (SPM), a partir da qual foi rádio local,
possível um conjunto de ações em rede,
especialmente a partir de reuniões do d. reunião das Agentes
grupo mobilizador da campanha em Comunitárias de Saúde (ACS) de
nosso país. Neste mesmo ano, Serra Talhada,
iniciamos uma bela e importante
parceria com o Movimento de Mulheres e. uma Oficina com lideranças
Trabalhadoras Rurais, coordenadas na rurais sobre planejamento,
época pela querida amiga Vanete Monitoramento e Avaliação das
Almeida. Ações Municipais em temas
relativos à violência de gênero,
No Sertão Central de Pernambuco,
realizamos em 2003, uma série de f. Audiência Pública na Câmara de
atividades em parceria com o Fórum de Vereadores de Serra Talhada
Mulheres de Pernambuco, Movimento 500 trabalhadores e
de Mulheres Trabalhadoras Rurais do trabalhadoras rurais
Sertão Central de Pernambuco, provenientes dos municípios de
Federação dos Trabalhadores na 11 municípios do Sertão Central:
Agricultura de Pernambuco (FETAPE) e Calumbi, Flores, Mirandiba,
Centro de Educação Comunitária Rural Salgueiro, São José do
(CECOR). Belmonte, Serrita, Serra
Talhada, Santa Cruz da Baixa
Verde, Triunfo e Cedro, além de
outros convidados

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representantes do poder público Neste período, em 2004, fundamos a


municipal, justiça e Rede de Homens pela Equidade de
organizações da sociedade civil; Gênero (RHEG), sob coordenação do
Instituto PAPAI, reunindo os grupos
g. passeata pelas ruas da cidade. que integravam o comitê gestor
As ações nesta região se nacional da Campanha do Laço
estenderam entre 2003 e 2005.42 Branco, ampliando suas parcerias e
incluindo outras ações e temas de
Durante esse triênio (2003 e 2005), as interesse.
ações da Campanha do Laço Branco
tiveram apoio direto da Secretaria Em 2005, iniciamos parceria com a
Especial de Políticas para as Mulheres White Ribbon Campaign (WRC), ONG
(SPM) e da Organização Panamericana canadense pioneira na realização da
de Saúde (OPAS). Neste período, Campanha do Laço Branco e
produzimos nossa primeira vinheta coordenadora de ações internacionais
nacional, com a colaboração dos atores: da campanha. Entre 2006 e 2008,
Wagner Moura, Lázaro Ramos, Bruno nossas ações contaram com a parceria
Garcia e Lúcio Mauro Filho que, na da WRC e apoio da Agência Canadense
época faziam um programa de humor e de Cooperação (CIDA). Entre os
que, em nossa campanha assumiram o principais produtos deste apoio, está a
slogan “Violência contra a mulher... atualização da página web e a
não tem graça nenhum!”. produção de um Manual para
implementação de ações da Campanha,
intitulado “Educação para ação”, que
reúne aprendizagem resultantes das
experiências brasileiras e canadenses.
Neste período, em 2007, como
42 Daniel Lima tem uma grande importância reconhecimento da importância do
no desenvolvimento destas atividades. Gigi tema e da campanha, o governo
Bandler e Ana Bosh do grupo feminista brasileiro instituiu o dia 6 de dezembro
“Loucas de Pedra Lilás” foram parcerias como o “Dia Nacional de Mobilização
fundamentais para o desenvolvimento das
dos Homens pelo Fim da Violência
ações no Sertão Central e em outras ações
voltadas ao tema da violência de gênero e em
contra as Mulheres” (Lei 11.489/07). A
prol da legalização do aborto. elaboração do texto e justificativa para

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esta lei contou com a participação ativa nenhuma mulher deve ser presa, ficar
do Instituto PAPAI. doente ou morrer por abortar.

Em 2008, as ações da Campanha do Para o biênio 2013 e 2014, definimos


Laço Branco contaram com apoio do como slogan “Homens pelo fim da
UNFPA e foi convidada, pela estão violência contra as mulheres: nesse
Ministra Nilcéa Freire, da Secretaria jogo, todos ganham!”. Esta mensagem
Especial de Políticas para as Mulheres, faz alusão às copas das confederações e
e pela Organização das Nações Unidas, copa do mundo, que aconteceram neste
a atuar em parceria com a Campanha período, no Brasil. A escolha deste
“Homens unidos pelo fim da Violência”, tema se deu pelo fato do futebol ser um
voltada a formadores de opinião, com esporte fortemente associado ao
apoio do UNIFEM. masculino e à violência. Acreditamos
que é possível reverter esse jogo,
Em 2009, a RHEG realizou no Rio de ressignificando tal noção equivocada de
Janeiro o Simpósio Mundial masculinidade e nos abrindo para uma
“Engajando Homens e Meninos pela cultura sem violência de gênero. Essa
Igualdade de Gênero”, sob coordenação mudança profunda só será possível se
do Instituto Promundo, reunindo envolvermos também os homens.
diferentes grupos que realizam
campanha em seus países. As ações da campanha já atingiam
mais de 200 cidades brasileiras, a
Entre 2010 e 2012, estabelecemos rica partir de diferentes ações da Rede de
parceria com a ABRAPSO (Associação Homens pela Equidade de Gênero -
Brasileira de Psicologia Social), RHEG, que atualmente inclui o
ampliando nossas ações para outras Instituto PAPAI, Promundo, Ecos,
cidades, tais como Belém, Fortaleza, Instituto NOOS, Margens/UFSC,
Petrolina e interior de Minas Gerais. Themis/RS, Coletivo Feminista de São
Neste período, produzimos também um
vídeo em que nos posicionamos
criticamente frente à questão da
criminalização das mulheres no debate
sobre aborto, a partir do slogan:

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Paulo, a ABRAPSO-PA e a ABRAPSO- dos homens no fim da violência


CE.43 contra a mulher;

Vale ressaltar que as ações não se  coleta de assinaturas e termos


limitam a campanha midiática, pois de adesão à campanha;
têm por base uma intensa ação
comunitária e incidência política em  Bloco do Laço Branco - Troça
espaços de formulação e carnavalesca para divulgar as
implementação de políticas públicas. ações pelo fim da violência no
período festivo;
Além disso, são ações que se estendem
ao longo de todo ano, mas que tem sua  São João do Laço Branco - Em
visibilidade maior especialmente entre ritmo de forró, a ação incentiva
os dias 25 de novembro (Dia a mobilização pelo fim da
Internacional de Erradicação da violência;
Violência contra a Mulher) e 6 de
dezembro (Dia Nacional de Mobilização  ato público de 06 de Dezembro
dos Homens pelo fim da Violência - Dia Nacional de Mobilização
contra as Mulheres), período em que dos Homens pelo fim da
realizamos: Violência contra as Mulheres.

 distribuição de laços brancos,


camisetas e folhetos
informativos;

 realização de eventos públicos,


caminhadas, debates, oficinas
temáticas sobre o envolvimento

43 As articulações com Belém do Pará e


Fortaleza foram possibilitada graças ao
empenho e dedicação especial do amigo
Ricardo Méllo e equipe.

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no tocante à sexualidade, saúde e


direitos reprodutivos. Esta pesquisa foi
realizada em 5 países (Brasil, Malásia,
Filipinas, Nigéria e México). No Brasil, o
Instituto PAPAI coordenou a pesquisa
em São Paulo e integrou a equipe de
10. PESQUISA E MILITÂNCIA NO Recife. A equipe nacional incluía o
Coletivo Feminista, de São Paulo; a
CAMPO DA SAÚDE PÚBLICA E EICOS/UFRJ, no Rio de Janeiro; e o
HIV/AIDS SOS Corpo, de Pernambuco.

No que tange particularmente as Nesta pesquisa, evidenciou-se uma


questões relativas as DST/HIV/Aids, tendência em homens, tanto adultos
os primeiros investimentos do Instituto como jovens, a um estilo de vida auto-
PAPAI se deram originalmente no destrutivo, cujas preocupações com a
contexto da pesquisa científica, quando saúde e o cuidado com o corpo são
alguns coordenadores da instituição vistos como “coisas de mulher”. Assim,
estiveram envolvidos em diferentes esses homens tendem a se excluir dos
projetos. Entre elas, destaca-se uma programas voltados à promoção de
em especial realizada entre 1999 e saúde. Essas dimensões reafirmam
2003, no contexto do International uma vulnerabilidade masculina
Reproductive Rights Research específica frente à infecção por
Action Group (IRRRAG), sobre DST/HIV/Aids e evidenciam a
“Homens, sexualidade, direitos e importância e necessidade de
construção de pessoa” que tinha por investimentos voltados à sensibilização
objetivo analisar como os homens de populações masculinas e jovens,
definem sexualidade e reprodução e capacitação de profissionais de saúde e
qual o lugar dessas duas dimensões em educação e atividades de articulação
suas vidas, identificando - em suas política.
práticas sociais e histórias de vida -
processos, momentos, contextos e Observamos assim, a necessidade de
condições sociais em que expressam ações voltadas à formulação de
senso de “entitlement” (ou auto- diretrizes de políticas de saúde no
determinação) em decisões cotidianas, campo da AIDS, monitoramento nos

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âmbitos municipais, estaduais e multiplicadores para realização de


federal, bem como fortalecimento da atividades em escolas, comunidades,
sociedade civil para o controle social, o grupos de jovens, na perspectiva da
que motivou o desenvolvimento de um educação de pares, buscando construir
projeto de intervenção junto a recrutas metodologias criativas para trabalhar
do Comando da 7ª Divisão do Exército com as questões relacionadas à
de Pernambuco (em 2002)44 e no sexualidade e prevenção.
engajamento do Instituto PAPAI junto a
Articulação AIDS em Pernambuco. Como reconhecimento de investimentos
neste campo, o Instituto Papai
Realizamos também atividades (representado por Pedro Nascimento)
diversas, especialmente em escolas de integrou, entre 2002 e 2004, a
Recife e Camaragibe, com homens coordenação executiva da Articulação
jovens, voltadas à sensibilização de Aids em Pernambuco, desenvolvendo
homens de diferentes idades em especialmente ações de formação,
comunidades de baixa renda sobre a advocacy e projetos de representação
importância do cuidado à saúde, política juvenil no movimento Aids em
adoção de práticas preventivas e Pernambuco.45
prática do sexo seguro. Também
realizamos atividades de Como desdobramento deste projeto,
formação/capacitação de profissionais constituiu-se um grupo de jovens
de saúde/educação e de jovens denominado “Articulação Jovem pela
Vida” composto por representantes das
instituições filiadas à Articulação
Aids/PE que teve como princípio: que a
44 Claudio Pedrosa e Maristela Moraes participação de jovens em atividades
sofreram bastante nas mãos da hierarquia sócio-políticas vão progressivamente
militar, apesar das tranquilas oficinas que se desenvolvendo habilidades e criando
desenvolviam, quando o “superior” largava seu
posto de vigilância e deixava os recrutas
apenas com os facilitadores. Além disso, o
grande desafio sempre foi: como dizer para
aqueles rapazes que o que aprendiam alí 45Pedro Nascimento integrou a coordenação
servia talvez para uma inevitável guerra, mas do PAPAI e hoje é docente da Universidade
não para a vida cotidiana. Federal da Paraíba.

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possibilidades de ação, tornando-os


agentes que reivindicam o exercício da
cidadania em interlocução com outros
atores e agentes, entre eles:
comunidade, poder público e redes e
fóruns de articulação política.46

A atuação nesta rede e também a


participação e organização de eventos
sobre o prevenção em HIV/IST/Aids,
consolidou o PAPAI como uma
organização de expressão nacional
neste campo.

46 Nara Vieira foi uma das principais


responsáveis pela condução deste projeto no
Instituto PAPAI. Ela, posteriormente, fez
Mestrado em Saúde Pública e hoje atua
profissionalmente neste campo.

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bairros populares da cidade,


especialmente na região próxima à sede
do Instituto Papai (Bairro da Várzea).

O nome da parada já intrigava de


partida: “Parada da diversidade”. E
diversidade era realmente uma palavra
11. DIREITOS SEXUAIS COMO muito cara a este grupo de jovens. Uma
DIREITOS HUMANOS palavra que mal sabiam pronunciar.
Bem, de fato classe (baixa), sexo
No campo dos direitos sexuais e da (masculino) e cor/raça (negra) talvez
defesa da livre expressão da fossem alguns dos poucos elementos
sexualidade, além das pesquisas performáticos que eles poderiam dizer
acadêmicas e do trabalho direto com que tinham em comum: eram homens
jovens, nas escolas, o Instituto PAPAI jovens pobres e negros que, em seus
passou a integrar, em 2002, coletivos corpos, em seus desejos, gostos (uns
em Pernambuco, voltados para a gostavam de rock e outros de axé!) e em
promoção da diversidade sexual. sua linguagem expressam uma genuína
diversidade.
Assim, participamos da primeira edição
da Parada da diversidade de Pois bem, naquele ano, em discussão
Pernambuco, em 2002, colaborando de colegiado, resolvemos que o Instituto
com os processos de comunicação e PAPAI apoiaria a Organização da
logística da Parada, envolvendo a Parada, oferecendo-nos para montar
equipe de profissionais, estagiários e uma barraca e distribuir material
jovens vinculados aos seus projetos. socioeducativo. Lembro-me de que
convidamos outras instituições (ONG)
Naquele ano, a equipe do Instituto de Recife para participarem junto
PAPAI resolveu participar daquele conosco. O convite foi recusado com
evento, que pela primeira vez se base no argumento (in off!) de que “Ah,
realizava em Recife. A participação a organização da Parada é feita por
nesta atividade era parte de um umas bichas ‘uó’. Eles nunca vêm a
programa de formação que oferecíamos nós pedir colaboração e só fazem
para homens jovens, residentes em confusão”.

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Enfim, felizmente algumas (duas Mas, o que é interessante de


organizações) aceitaram participar do compartilhar com vocês não é bem a
ato e conseguimos montar um stand parada, que foi um sucesso reunindo,
bem legal, deste tipo de barraca de em sua primeira edição, mais de quatro
praia que se usa muito em festas de mil pessoas. Gostaríamos de focar no
fim de ano, coincidentemente na que antecedeu e sucedeu a parada.
calçada de uma Igreja Evangélica (sabe Como dissemos no início, tínhamos um
“Deus” de qual designação!), pois não grupo de homens jovens que
nos foi autorizado ficar na calçada da participam de atividades
Mesbla, loja de roupas e socioeducativas no Instituto PAPAI.
eletrodomésticos que existia antes na Nem todos eram pais, ou seja, não é
Av. Conde da Boa Vista. De todo modo, um grupo de jovens pais com o qual
foi possível distribuir material e trabalhamos. Era apenas um grupo de
conversar com as pessoas que homens jovens com os quais
passavam por aquela avenida, uma das dialogamos sobre gênero, saúde,
principais do centro comercial de sexualidade, direitos sexuais e direitos
Recife. reprodutivos, focalizando temas como
sexo seguro, amor, traição, desejo,
A presença em frente à igreja foi aborto, paternidade, violência etc.
questionada, tivemos que conversar
com o pastor, e o nosso argumento Para participarmos dessa Parada, como
(embora não ouvido) era único: nós e a de costume fizemos algumas atividades
igreja pregamos a mesma coisa, ou em oficinas, uma delas orientada pela
seja, a felicidade das pessoas. O exibição da primeira parte do filme
argumento do pastor foi um pouco Desejos proibidos, que conta a história
mais contundente: “Vou telefonar para de três gerações de casais de mulheres.
nosso deputado!”. Ainda pensamos em No caso, selecionamos a história em
argumentar sobre a laicidade do que duas senhoras idosas vivem juntas
Estado, mas resolvemos voltar para a e uma delas sofre um acidente e é
barraca/stand e, felizmente, antes de o levada ao hospital. Essa senhora acaba
deputado chegar, o cortejo já havia morrendo. Sua companheira só é
começado e tivemos que segui-lo. informada no dia seguinte, ao ser
Felizmente... para o tal deputado, acordada num banco do hospital, pois
obviamente! não podia acompanhar sua amante,

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“porque não era da família”. todo mundo é anormal. Mas, o que é


Posteriormente, um primo muito normal mesmo?”. Outro tentou ainda
distante aparece para recolher os produzir uma frase de efeito: “Porque
pertences daquela que havia falecido e, na hora de pagar impostos todo mundo
de modo pouco cuidadoso, invade o lar é igual e na hora de ter direito não?”.
que há muito habitava aquele amor. A Mas, no meio de tantas falas, ao
prova do tempo é romanticamente mesmo tempo uma pergunta volta e
inscrita ao ser retirada uma das fotos meia ressoava... uma enorme
da parede, onde ficou estampada a curiosidade para saber: “como são e o
marca da moldura que ali estava fixada que pensam os homossexuais?”
possivelmente por algumas décadas.
É interessante o constante exercício
O filme foi escolhido por dois motivos. que faziam esses jovens e que fazemos
Primeiro, porque fala de sexualidade muitos de nós, de forma quase
sem falar de práticas sexuais; depois, zoológica de tentar entender esses
porque, a partir dele, poderíamos ‘animais’ estranhos chamados
explorar, sem reservas, a homofobia homossexuais ou, como se diz
das relações, das instituições, de cada atualmente, LGBTTI. Uma certa busca
um e de todos nós. Por fim, nos de identidade, remetendo a definições
pareceu um caminho para também etimológicas do latim. Decididamente,
poder falar em direitos. O exercício de não conseguimos enquadrar a
assistirmos juntos e dialogarmos sobre diversidade dos modos de viver a
este vídeo foi realmente uma sexualidade em ‘carteiras de
experiência fantástica que adiantou um identidade’. Assim, nasceram os
pouco o clima do que seria a Parada. primeiros questionamentos que
resultaram numa proposta política do
Poucos dias depois da Parada, em uma Instituto PAPAI de atuar menos na
oficina, ouvimos alguns depoimentos promoção de identidades sexuais e
desses jovens: “Bem, eu achava que mais na promoção da diversidade e dos
seria bem mais estranho!”, disse um direitos sexuais.
deles. Outro disse: “Para mim, mudou
um pouco aquele lance que diz que ‘de Nossas ações no contexto dos direitos
longe, todo mundo é normal’. Parece sexuais tiveram como foco a divulgação
que de longe é que a gente acha que da Campanha “A diversidade é legal”,

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cuja imagem foi produzida por J. Entre 2008 e 2009, desenvolvemos um


Borges, artista internacionalmente importante projeto com o apoio do
conhecido por sua produção de Fundo Nacional de Saúde, com o
xilogravuras. Esta campanha envolve objetivo de promover processos de
diferentes ações de comunicação e ação formulação e monitoramento de
comunitária. políticas públicas em Saúde em nosso
Estado, a partir de processos de
Em 2006, o PAPAI passou a integrar o capacitação e formação de lideranças
Fórum LGBT de Pernambuco, como (para controle social da ação do Estado)
resultado do carismático e e a partir da construção de ferramentas
comprometido investimento de Thiago de comunicação para o exercício do
Rocha (amigo querido) na controle social e a prevenção de
representação do PAPAI junto a esta DST/HIV/AIDS. Este curso foi
rede. realizado também outros anos e
geraram publicações em formato de
Neste espaço, o PAPAI tem colaborado cartilha.
com o desenvolvimento de atividades de
advocacy e fortalecimento político. Nossas ações neste campo têm por
Entre as ações realizadas, destacam-se, base princípios de direitos humanos
em 2006, a realização da pesquisa defendidos pelos movimentos sociais
sobre violência e discriminação junto que se fortaleceram no Brasil,
aos/às participantes da parada da especialmente a partir da década de
diversidade de Pernambuco, em 1960, particularmente sob o formato de
parceria com o CLAM/UERJ e com o movimentos LGBT.
Gema/UFPE, aos moldes da que foi
desenvolvida em outras capitais
brasileiras e em outros países.47

47Thiago Rocha, que entrou na instituição grandes responsáveis pelo desenvolvimento


como bibliotecário e se tornou liderança no destas ações de promoção da diversidade
movimento LGBT em Pernambuco é um dos sexual promovidas pelo PAPAI.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

em 2003 e 2005 (com nosso especial


professor e amigo Aécio Matos) e em
2008 (com Domenico Corcione).48

Entre essas quatro experiências, os


processos facilitados por Aécio foram
talvez os de maior densidade afetiva e
política pelas quais nossa equipe
passou, reconfigurando sobremaneira
nosso modo de pensar não apenas os
processos de avaliação e planejamento
12. ENTRE A MISSÃO E A GESTÃO institucionais, mas o próprio cotidiano
dos nossos afazeres e os princípios de
O cotidiano do Instituto PAPAI, como nossas relações interpessoais e de
toda organização não-governamental nossa ação política mais ampla.
também se dividia entre as atividades
de estudos, pesquisas e militância e os Seria necessário muito tempo e espaço
afazeres administrativos e de gestão para desenvolvermos aqui toda a gama
institucional. Desde o início, de discussões e estratégias
aprendemos que os projetos de missão experimentadas e adaptadas a cada
tinham que conviver com investimentos novo planejamento de modo a garantir
importantes nas políticas de gestão que uma efetividade aos processo de gestão
em nosso caso, se dividiam entre: institucional.
gestão administrativa, gestão da
educação e gestão da informação. No caso da gestão administrativa,
Realizamos, pelo menos, cinco buscávamos sempre alimentar, por um
processos mais sistemáticos de lado, o importante debate sobre
avaliação, desenvolvimento e análise conjuntura política em que se inserem
institucional, em 2001 (com assessoria
da John Snow do Brasil); em
2002/2003 (com a Aliança Interage);
48 Recentemente (em 2014), a atual equipe
realizou novo processo de Planejamento, sem a
nossa participação, com o acompanhamento
de Alexandre Botelho (Merrem).

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

as organizações não-governamentais (responsáveis pelo desenvolvimento,


em nosso país e, por outro, reflexões monitoramento e avaliação direta das
sobre relações de poder dentro da ações), de modo a garantir uma boa e
instituição.49 justa distribuição de tarefas e poderes.

Desse modo, além da nossa Desenhamos e revisitamos várias vezes


participação em importantes Fóruns de nosso Plano de cargos, funções e
debate como o Fórum Social Mundial e salários. Discutimos sobre acordos de
o Associação Brasileira de convivência, que ia desde o uso de
Organizações Não-governamentais equipamentos, manutenção da casa e
(ABONG), também promovemos uso da informação até os princípios de
debates internos sobre estratégias para relações interpessoais.
definição de lugares e
responsabilidades, operacionalizando Nesses processos administrativos
estratégias diversas. também se incluíam a gestão dos
processos financeiros e contábeis,
Em nossas discussões, pensamos os desde aqueles mais relacionados à
lugares e funções do conselho diretor operacionalização do dia a dia até
(responsável pela legitimidade política aqueles mais complexos que envolve
institucional), das coordenações questões tributárias.
(responsável pela gestão e
representação institucional) e dos Regina Souza foi uma especial
demais cargos na instituição descoberta nessa difícil tarefa de
realizar a gestão administrativa do
PAPAI, especialmente por seu modo
acolhedor, cuidadoso e competente com
49 Regina Souza, David Andrade, Ana Carla o qual sempre nos mostrou a
Lemos, Maristela Moraes aportaram importância desses processos.
contribuições fundamentais a esses processos.
Auseni Lima de Barros e Cassandra Braga e No que se refere à gestão de formação
Rafael Ozana sempre contribuíram muito e educação, desenhamos e
também para este processo, disponibilizando- alimentamos também um Programa de
se a discutir e operar as diferentes estratégias Estágio na instituição e buscamos, na
de ação cotidiana que buscavam por em
medida do possível, dialogar também
prática os ideias e fundamentos desta política.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

sobre as ferramentas e processos de de modo a facilitar processos político-


formação pedagógica (instrumental pedagógicos, integrando os processos
e/ou conceitual) proporcionados para de produção, armazenamento e fluxo
os integrantes das instituições, além de informações, conforme ilustra a
obviamente daqueles ofertados pela figura abaixo:51
instituição a outros profissionais e
estudantes.

Vale ressaltar que o Programa de


formação de estagiários resultou na
contratação de muitos profissionais
que compuseram o quadro de
funcionários da instituição (alguns dos Considerando a informação como
quais vieram a se tornar elemento fundamental na
coordenadores, tais como Nara Vieira, democratização da sociedade e das
Maristela Moraes, Ricardo Castro, relações interpessoais, advogamos que
Thiago Rocha e Mariana Azevedo) 50 e os movimentos sociais em período
outros que se configuraram como recente da história do Brasil,
eternos parceiros (tais como Daniel especialmente durante regime militar,
Lima, Cláudio Pedrosa, Romero foram cerceados em sua liberdade de
Nogueira, Roberto Éfrem Filho, entre expressão. No processo político,
outros). definido como “(re)democratização da
sociedade brasileira”, a censura cede
No que se refere à gestão da lugar à uma disputa por construção de
informação, buscamos formular e
implementar, de modo participativo,
uma política de gestão da informação,

51 Os bibliotecários Edinaldo Brito, Thiago


Rocha, a cooperante espanhola Alba
50 Nara Vieira hoje atua como gestora no Bustamante e o arte-educador Fabio
Ministério da Saúde, Maristela Moraes é Nascimento, numa atuação conjunta sob a
professora da UFCG e Ricardo Castro trabalha coordenação de Benedito Medrado foram
no IFPE. Mariana e Thiago integram a responsáveis pelas linhas que orientaram essa
coordenação colegiada da instituição. política de informação no Instituto PAPAI.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

mensagens com vistas à libertação dos Sobre as Campanhas


sujeitos.
Desde a fundação do PAPAI, realizamos
Ao adotarmos a gestão da informação, atos públicos, ou “ações de grande
através do eixo dos direitos humanos, impacto”, nomeação dada por nós aos
numa perspectiva feminista, momentos de ação coletiva
orientamos nossa produção a partir da institucional (que contava com a
tríade conteúdo-ética-estética, presença tanto da equipe pedagógica
pensando tanto o fluxo de informações como equipe administrativa) a partir
dentro da instituição, como também de das quais buscamos sensibilizar um
dentro para fora dela. O conteúdo em maior número de pessoas, em relação
linguagem crítica e acessível, a ética do às questões sociais sobre as quais
cuidado na produção de sentidos e a atuamos.
estética como parte imprescindível do
conteúdo são diretrizes para a gestão Sempre dissemos que, sozinhas, essas
da informação. ações não têm efeito algum. Porém,
como ação articulada, os atos públicos
Do ponto de vista operacional, se mostraram potentes, promovendo
buscamos trabalhar de forma uma aproximação da mídia e da
articulada os processos de gestão da população em geral e maior
informação que compreendiam a sustentatibildade política às ações
organização do acervo (biblioteca e diretas com a comunidade.
setor de distribuição de materiais), a
produção e veiculação de produtos Desse modo, ao longo desses anos, as
audio-visuais, como também assessoria campanhas acabaram se constituindo
de comunicação.52 como momentos de diálogo interno, de
articulação/ fortalecimento de

vista da comunicação, especialmente a partir


52 Nataly Queiroz e Maíra Brito foram da associação entre o conhecimento técnico do
assessoras de comunicação que deram jornalismo associado e o profundo
grandes contribuições para o desenho desta compromisso com a democratização da
política de gestão da informação, do ponto de informação.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

parcerias e redes, bem como de revisão


das nossas estratégias para trabalho.

Entre essas campanhas, destacamos53:

 Machismo não combina com saúde.


Por uma atenção integral à saúde dos
homens
 Campanha do Laço branco: Homens
pelo fim da Violência contra a Mulher
 Paternidade: Desejo, Direito e
Compromisso
 Pai não é visita! Pelo direito de ser
acompanhante no pré-natal, parto e
pós-parto.
 Dá licença, eu sou pai! Pela ampliação
da licença paternidade. Machismo
não combina com Saúde!
 A Diversidade é Legal! Pelo promoção
da livre da sexualidade e de
expressões de gênero
 Amor livre! Pelo fim da homofobia

53
Recomendamos a visita ao site
www.genero.org.br, para conhecer mais
informações sobre princípios e estratégias de
ação dessas campanhas.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

versões poderiam ser traçadas e


enredadas. E, inclusive este é um
exercício que fizemos bastante, ao
longo da história do PAPAI, quando nos
reuníamos todos/as (coordenação,
equipe técnica, educadores, estagiários,
equipe de apoio administrativo, novos,
antigos, médios...) para avaliar e
planejar nossas ações e vivenciamos
12. À GUISA DE NÃO CONCLUIR (dada a recorrente presença de “new
generation”) a técnica tradicional no
A utopia está lá no movimento feminista, comumente
horizonte. Me aproximo chamada de “linha do tempo”. Era
dois passos, ela se afasta sempre muito instigante poder assistir
dois passos. Caminho dez às diferentes formas como as histórias
passos e o horizonte corre eram contadas e como as linhas se
dez passos. Por mais que cruzavam, costurando uma colorida
eu caminhe, jamais teia ou rede.
alcançarei. Para que serve
a utopia? Serve para isso: Além disso, muitas pessoas e eventos
para que eu não deixe de poderiam ter sido referidos e muitos
caminhar. Eduardo dos detalhes poderiam ter sido
Galeano suprimidos em razão da necessidade
de, como se costuma dizer, “irmos
A epígrafe acima foi usada, certa vez, direto ao ponto”. Contudo, de fato, não
para produção de cartões de fim de ano havia um ponto de chegada. Realmente
do Instituto PAPAI. A potente síntese nos presenteamos o desejo e o desafio
produzida por Galeano nos ajuda, de tão somente compartilhar
sobremaneira, a expressar o que nos informações que dispomos e que
moveu a produzir esta narrativa. estavam registradas em diferentes
textos e documentos, de forma menos
Como dito anteriormente, a narrativa estruturada e sem uma leitura mais
aqui produzida é, em linhas gerais, compreensiva.
uma produção situada e muitas outras

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

Ao sintetizá-las neste texto, de algum Entre os processos mais extensos e de


modo, nosso intento é contribuir para maior profundidade, destacamos dois.
que outras experiências possam ser Um, entre 2003 e 2004, quando
também compartilhadas/construídas convidamos o amigo e professor Aécio
tanto pelos/as que hoje integram o Gomes Matos, para conduzir um
PAPAI como por outros grupos que processo de desenvolvimento
existem ou que podem vir a existir, institucional, com foco especial sobre
como os textos sobre a relações interpessoais, poder e
institucionalização dos núcleos de participação nos processos de gestão.
estudos e pesquisa sobre mulher e Este foi o processo mais intenso e de
relações de gênero no Brasil ou os maior impacto na vida das pessoas e da
textos sobre os primeiros grupos e instituição, gerando mudanças do
instituições feministas que nos deram o ponto de vista da gestão de processos,
alento quando iniciamos esta viagem. mas especialmente na afirmação de
princípios, fortalecimento da missão e
Nesta viagem a uma memória de valorização de uma gestão plenamente
futuro, vale ressaltar que além das participativa.
ações “para fora”, o Instituto PAPAI
também se constituiu num espaço de A síntese posteriormente redigida, com
troca de afetos e de construção coletiva. a ajuda de Abel Menezes Filho vale a
Nem sempre fácil. Nem sempre pena ser compartilhada:
harmônica. Mas, respeitando sua raízes
feministas, este grupo investiu muito (e As pessoas que compõem o
continua investindo) no genuíno Instituto Papai entendem que uma
cuidado para garantir espaços de Carta de Princípios é um
gestão coletiva, seja na configuração de instrumento de navegação, de
coordenações colegiadas, seja nas referência, de integração, de
reuniões operacionais semanais, seja relação. Simultaneamente, é uma
nos vários processos de formação e marca de persistência e de
especialmente aqueles voltados à momento. Fala da estabilidade e de
análise e desenvolvimento institucional movimento... O Papai é uma
semestral, anual e trienal. instituição que se abre para a mais
ampla sociedade, para parceiros
interessados em criar, participar e

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

compartilhar projetos de ensino, sinceridade quem enseja a


pesquisa, intervenção, cristalinidade, a nitidez, a
colaboração, cooperação... E, translucidez. Nas múltiplas
juntos, propor outros olhares sobre relações interpessoais, ser
os homens e as masculinidades, a transparente e sincero, é um
partir da perspectiva feminista e de exercício diário, aproximativo, de
gênero. uma verdade que surge do diálogo,
da liberdade da discordância, sem
Atuando na promoção e na ofensa, com serenidade. No
garantia dos direitos humanos, o entanto, a clareza não basta. É
Papai quer contribuir para um preciso cuidado, sutileza no trato,
novo padrão ético, um acordo de contato (“com tato”), com o outro.
convívio, uma mudança de hábitos No trabalho do Papai, este
e sistemas; um outro olhar sobre o conceito, é um dos núcleos.
mundo, um convite, uma ternura, Vivenciar a transparência é falar
uma releitura, tessitura da vida, claro, franco, sincero e com muito
uma móvel e permanente carta de cuidado e carinho.
princípios.
Confiança. A confiança é
Nossos princípios – transparência, convicção, firmeza, certeza. É
confiança, compromisso, respeito e ousar crer que o outro é íntegro,
humor – apontam, todos, para o autêntico, merece crédito. Por a
diálogo, o gozo, a solidariedade, a sua firme esperança em alguém
cidadania, a dignidade, o cuidado, requer tempo, contato íntimo,
com as semelhanças, as afeto, coragem, amizade. Confiança
diferenças, os gêneros, as espécies é mútua segurança, lembrança do
e as diversidades. que foi esquecido sobre
interdependência, unidade e
Transparência. O exercício da vínculo. É crença compartilhada
transparência nos permite na dádiva da vida. Precisa de
enxergar além da aparência. Esta honestidade nas relações
limpidez, é porosidade, abertura, interpessoais, e é, um exercício
mútuo fluxo: um deixar-se essencial para nossa convivência
atravessar pela luz do outro. É a institucional. A sinceridade,

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desvendando o medo e informação, à cooperação, à


desobstruindo a retenção de cidadania. Compromisso é
informação, para o nosso companheirismo, incentivo à força
crescimento é vital. A sugestão e a do coletivo. Na nossa instituição, o
crítica, que se exercita no coletivo compromisso é impulso, mola, elo.
da instituição, abre-se para toda
sociedade, aos semelhantes e aos Respeito. Respeito é dar atenção,
diferentes. Se a semelhança inteira, à outra pessoa, sendo
alimenta, a diferença acrescenta. sempre a primeira, sem
Juntos, tecendo, ousar errar e julgamento, nem quaisquer
acertar confiando, do que ilhando- hierarquias. É um saber ouvir. O
se. Confiança é entrega, sem respeito é recíproco. É o
receios, nem reservas. É da reconhecimento da dignidade
esperança fonte, confiança é ponte. própria e alheia e os
comportamentos nele inspirados. É
Compromisso. Compromisso é uma profunda reverência pela
empenho voluntário, espontâneo, grandeza daquela outra existência
de bom grado. É um entusiasmo. É e, também, uma consideração
promessa compartilhada, dar as sobre as nossas diferenças e
mãos e as palavras, prazer de diversidades, de sentires, seres e
conviver, encontro, aliança, saberes. Respeito pressupõe
escolha. Este querer ir junto, apreço por si mesmo, afeto fluente,
mesmo que por algum tempo, gostar de gente; polimento,
envolve uma comunhão de desejos, gentileza, dedicação, acolhimento.
valores, deveres, Criação, nutrição, troca amorosa,
responsabilidades, expectativas, cuidado, são as raízes da educação
iniciativas. O Papai busca a e é uma das bases das ações do
mudança de atitudes, hábitos e Papai. Respeito é diálogo,
comportamentos, nas relações dignidade, todos somos mestres e
entre as pessoas, no sentido de discípulos da humanidade.
rever valores morais, éticos e
preconceitos, que restringem os Humor. Saber rir de si mesmo é o
bens e os direitos à liberdade, ao começo de algo sábio. Além de
desejo, à saúde, à comunicação, à princípio do prazer, o humor ainda

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nos livra da auto-importância, da das maiores crises na história de nossa


vaidade, do levar-se a sério em instituição, que resultou na demissão
excesso, dos delírios de grandeza. de 5 pessoas, devido ao uso indevido, e
O humor facilita a comunicação, de modo escuso e não-transparente, de
ao relaxar tensões, agressividades, recursos institucionais para proveito
inflexibilidades. O humor brinca próprio, gerando prejuízos financeiros
com certezas cristalizadas, com para a instituições e a dura quebra da
verdades estabelecidas; duvida do confiança.
significado único e instaura
outros, criativos, caleidoscópicos, A saída de pessoas da organização, por
no lúdico improviso. O humor é sinal, sempre foi de difícil digestão,
reflexivo, diante do absurdo, do dado investimento afetivo de todos/as
paradoxo, dos impasses, busca naquele projeto institucional que tanto
saídas, intermediações, movia nossas vidas e nossos afetos.
passagens... Humor é umidade nas Muitas vezes, inclusive, quando a
relações, fluidez, aquosidade, boa decisão de sair era voluntária, havia
disposição do espírito; molha, a sempre o receio de informar e, em
secura e a aridez, refresca... Se a alguns casos, a notícia era dada de
ironia é avara, se isola, despreza, forma atravessada, gerando tensões
acusa, condena, fere, é arma. O que talvez pudessem ter sido melhor
humor é entrega, inclui, aproxima, negociadas. Mas, tudo era motivo de
cuida, cura, liberta, respira... O aprendizagem e a escuta foi se
Papai busca, também, a tornando cada vez mais objeto de valor.
generosidade, a imaginação, a
leveza, lembrança de brincar feito Neste sentido, a experiência de análise
criança. “Mangar”, rir de si, ou do institucional evidenciou a necessidade
outro, como de si mesmo e rir de mantermos, desde aquela época,
juntos... e ir juntos... espaços (com periodicidade e formato
diferentes) para trocas pessoais e
A definição desses princípios e todo o afetivas. Passamos a chamar esses
intenso processo de “análise espaços carinhosamente de DI, ou
institucional” foram fundamentais para desenvolvimento institucional, em
termos podido vivenciar e negociar, referencia jocosa à ideia de DR, ou
coletivamente e não sem dores, uma discutir a relação.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

Para além dessas importantes trocas, melhor dizendo, nosso melhor fruto ou
este processo com Aécio gerou também filho.
nosso primeiro Plano Trienal formal.
Posteriormente, em 2007, atualizamos E não tem melhor prazer para um (ou
este Plano, quando contratamos o dois) pai(s) do que ver seu filho existir
consultor Domenico Corcione que nos por si, com autonomia, sem negar suas
permitiu uma maior clareza sobre o origens, mas sem se fixar no passado.
processo cíclico que orienta um Assim, muito nos alegra poder dizer
planejamento institucional trienal e que, ao longo desses anos, o Instituto
sobre a distinção necessária entre PAPAI ampliou suas ações,
metas vinculadas à nossa missão e constituindo uma equipe que vem
vocação política e as metas que se produzindo conhecimentos,
associam à gestão institucional, ao estabelecendo parcerias, integrando
nosso cotidiano e as nossas relações redes, articulações; concretizando
interpessoais. Passamos também a produtos, mas sem lançar mão de sua
pensar a Sistematização como processo utopia por um mundo melhor, dentro e
relevante em nosso Planejamento, fora de casa, com justiça social e
Monitoramento e Avaliação. equidade de gênero. Vida longa!

Hoje, somos professores da UFPE, onde Por fim, queríamos dizer que usamos
seguimos coordenando o Núcleo de propositalmente a palavra “ousar” no
Pesquisas em Gênero e Masculinidades título deste texto, cientes dos riscos
(Gema), vinculado aos cursos de que a interpretação deste termo poderia
graduação e pós-graduação em causar, apesar da polissemia de
Psicologia dessa universidade. sentidos que o inscreve. Em geral,
Afastados do cotidiano e da gestão ousadia quer dizer valentia, coragem,
institucional, seguimos parceiros de arrojo, afoiteza, desembaraço, mas
luta e nos orgulhamos do trabalho que também imprudência, ato realizado
a equipe atual, coordenada por duas sem reflexão ou temeridade,
mulheres (Mariana Azevedo e Regina atrevimento, desobediência e ainda
Souza) e dois homens (Sirley Vieira e excesso de petulância ou audácia,
Thiago Rocha), têm desenvolvido. impavidez.
Talvez seja nosso maior “bem” ou,

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Neste caldeirão em que se pode muitas vezes oscila entre a extrema


adicionar outros temperos, há a ousadia e a extrema timidez. De todo
acepção coloquial particularmente forte modo, nos agrada muito o jogo da
da Bahia que associa ousadia a certa magia que a ousadia, especialmente a
informalidade ou intimidade, “que não libidinal, possibilita.
faz cerimônia”, mas ainda a um certo
quê de sexual, mais próximo da ideia
de saliência, depravação, ato de ser
libidinoso. “Os meninos estavam
fazendo ousadia, debaixo (ou em cima)
da cama...” assim se diz muitas vezes
sobre dois garotos que resolvem brincar
do que, aos olhos dos outros, não
devem; mas que lhes dá prazer. O
contrario de ousadia seria
acovardamento, covardia e desânimo.
Conceitos que não casam bem com o
feminismo.

Vale também lembrar as palavra de


Johann Goethe quando diz que ““se
você pensa que pode ou sonha que
pode, comece. Ousadia tem
genialidade, poder e magia”.54 Sem a
pretensão da genialidade ou do poder
(como posse, substância, mas sim
como jogo), acreditamos, como Paul
Valéry, que a ignorância também

54Citado por FREIRE, José Carlos Serrano. Eu


sou professor. Rio de janeiro: Editora Lucena,
2002, p 77.

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

O momento da chegada, as pessoas que


ali estavam, os aprendizados, conquistas
e frustrações que fazem parte de nosso
cotidiano e que têm um significado
incomparável para cada um/a que vive e
continua vivendo cada um destes
momentos.
POSFÁCIO
Mas, resistimos a esta tentação, afinal,
Por Mariana Azevedo, Sirley Vieira,
os dois já nos advertem nas primeiras
Regina Souza e Thiago Rocha páginas deste livro que a memória não é
A utopia está lá no horizonte. Me
apaziguamento e que, portanto, esta não
aproximo dois passos, ela se afasta é uma tentativa de contar a única ou
dois passos. Caminho dez passos e verdadeira história do Instituto Papai.
o horizonte corre dez passos. Por
Ao mesmo tempo em que esta tentação
mais que eu caminhe, jamais
alcançarei. Para que serve a utopia? nos inquietava durante a leitura, foi
Serve para isso: para que eu não também reafirmando o sentimento de
deixe de caminhar. pertencimento a este projeto coletivo que
Eduardo Galeano é o Instituto Papai. Se a cada momento
queríamos entrelaçar nossas memórias a
estas, que agora vêm a público neste
Lendo este livro de memórias já tendo em
livro, é porque de alguma maneira nossas
mente o convite feito por Jorge e Benedito
memórias pessoais e institucionais
para escrever uma contribuição para este
parecem não mais poderem ser sentidas
Posfácio, em diversos momentos nos
de maneira separada.
vinha a tentação de querer “alongar” tais
memórias na tentativa de deixá-las “mais
Não foram poucas as vezes em que nos
completas”, colocando mais detalhes
reunimos para (re)contar e ouvir a
sobre diversos momentos que marcaram história do Papai por meio dos relatos
minha vida no Instituto PAPAI. das diversas pessoas que fizeram e ainda

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MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias MEDRADO; LYRA (2014). Produzindo memórias para alimentar utopias

fazem parte do cotidiano da organização. gente nesse sonho que é construir um


Achamos que o mais bonito de todos mundo mais justo e solidário.
esses momentos era perceber como a
história do Papai se entrelaçava e Eu Thiago, no começo de 2004,
construía a história de cada um/a que cursando Biblioteconomia, recebi o
por aqui esteve ou está. Ao mesmo tempo convite de um amigo para conhecer e
em que reconhecíamos a marca de cada estagiar numa ONG, e eu que, sem saber
um/a na construção da organização. o que era uma ONG, logo rejeitei. O
mesmo amigo do curso (na época
Assim, gostaríamos de registrar nosso estagiário do PAPAI) continuou insistindo
profundo e alegre agradecimento a para eu ir me candidatar à vaga de
todos/as aqueles/as que tendo estagio, e então fui! Na verdade vim, pois
construído esse projeto, sonho, já estava escrito em meu destino estar no
organização, instituição, utopia (...) que Instituto PAPAI. Passado 11 anos no
ganha o nome de Instituto Papai e que Instituto PAPAI, vivi muitas emoções,
constroem também a nossa história e de aprendi o que é ser e fazer militância, em
tantas outras pessoas. meio de muitas conquistas, desencantos,
alegrias, vitórias, derrotas, decepções,
Eu, Mariana, agradeço a alguém que frustrações, e juntando tudo isso, mais
nem sabemos exatamente quem é, que vontade de promover transformação
colou um cartaz com uma vaga de estágio social e acreditar que um dia teremos um
do segundo andar do Centro de Filosofia mundo sem machismo, sem racismo e
e Ciências Humanas da UFPE e que sem homofobia. Como disse uma amiga:
permitiu que este entrelace profundo se você é a cara do PAPAI e o PAPAI é a tua
iniciasse. O sentimento de gratidão vem cara!
junto com o de uma grande
responsabilidade com que esses Eu Regina, cheguei aqui em 2006. As
entrelaços continuem a acontecer. Pois, organizações da sociedade civil
no fim das contas é para isso que o Papai “pelejavam” cada vez mais, para manter-
existe, para entrelaçar cada vez mais se funcionando, em virtude de várias

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organizações internacionais terem perspectiva utópica de promover uma


deixado de financiar projetos aqui no visão de cidadania e igualdade. Ou seja,
Brasil, e a onda existente no país para queria trabalhar por utopias!... Um
criminalizar os movimentos sociais. O sonho louco!? Alguns diriam que sim.
mês era agosto; fiquei sabendo por uma Mas, foi por isso que me aproximei do
amiga, que o Instituto Papai havia PAPAI. Na metade da minha graduação,
lançado um edital para contratação de tinha começado a estudar gênero e uma
um/a Gerente administrativo financeiro. coisa começou a me inquietar, que era
Cheguei e fiquei. Quanto mais conhecia, porque só falavam sobre gênero
mais me encantava com a proposta, com direcionado as mulheres?... Mesmo que
as pessoas e com os princípios muitos estudiosos abordassem o caráter
norteadores da organização. Depois de 8 relacional do gênero, não encontrava
anos de muitos aprendizados, continuo pessoas que abordassem essa questão
apaixonada por esta proposta que busca, direcionada ao masculino... Até que um
não apenas construir uma sociedade dia, Jorge Lyra participou de um
mais justa, mas contribuir para um seminário na Universidade Rural e lá
estado onde a garantia de direitos seja escutei ele falar de gênero por outro víeis.
plena. Foi também ai que fiquei sabendo sobre o
Papai. Fiquei encantado e disse: “Vou
Eu, Sirley, cheguei em 2005... Um ano trabalhar nessa instituição!”.
de muitas emoções, como diria Roberto
Carlos. Brincadeiras parte, foi nesse ano Tentei entrar como estagiário no PAPAI,
que me formei em Ciências Sociais pela mas, não consegui. Até que, em 2005,
UFRPE e estava desempregado. Na mais ou menos no meio do ano, surgiu
verdade, havia largado um bom emprego outra oportunidade de entrar para o
na área administrativa, há uns dois anos, PAPAI. Dessa vez como profissional.
para perseguir o sonho de trabalhar só Haviam aberto uma vaga para
com aquilo que gosto... Trabalhar com educador/a na instituição e me escrevi.
juventude; com arte; com educação; com Participei da seleção e... Não fiquei!
pessoas e para pessoas, numa

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Fiquei triste e os dias passaram (cerca de tocou e quando atendi, escutei do outro
um mês). lado a meiga voz de Narinha, que dizia:
“Olha, você foi selecionado para vaga de
Nem pensava mais no PAPAI, pois, já educador!”... Fiquei por alguns segundo
achava que nossos destinos não mais se mudo. Não sabia o que dizer, a surpresa
cruzariam, quando recebi uma ligação da foi grande e inesperada... “Você está
secretária da instituição informando que feliz!?”... Perguntava a doce voz do outro
haviam aberto outra vaga para lado da ligação (acho que por causa do
profissional (educador/a) e queriam meu silêncio)... As únicas palavras que
saber se eu gostaria novamente de me consegui dizer foi: “Sim!... Obrigado por
submeter a vaga. Disse que “sim”!... Mas, me escolherem”.
confesso, estava sem muitas esperanças
de que daria certo dessa vez. Mesmo Realmente agradeço muito pela escolha.
assim, fui a seleção – Uma Não só a escolha que a instituição fez por
particularidade desse momento em que mim, mas, pelas escolhas que fiz como
recebi a ligação, foi que minha primeira “PAPAI”. Pois, no PAPAI, aprendemos
filha havia nascido, ou seja, mesmo que todos os dias, aprendemos que as
não viesse a ser “PAPAI”, eu era um escolhas não são fáceis, mas necessárias.
“papai”. Fiz todo processo de seleção Aprendi que os erros também ensinam.
(novamente) e, depois da entrevista final, Aprendi que uma das coisas mais
ao escutar de Nara (Narinha) e Maristela importantes dessa instituição é o cuidado
(Maris) que eu aguardasse uma reposta com o outro. Aprendi que os
em breve, agradeci educadamente e fui pensamentos loucos são, as vezes, bem
embora. produtivos. Aprendi que é possível um
mundo melhor e aprendi, acima de tudo,
Realmente achando que receberia mais que utopias são possíveis!
uma resposta negativa, ou que nem teria
uma resposta. No dia seguinte – lembro
muito bem que estava acabando de dar
banho em minha filha, o telefone celular

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Memórias em imagens
Aqui estão alguns (dos muitos) registros
fotográficos que fizemos ao longo desses
18 anos de existência do Instituto PAPAI.
São atos públicos, congressos, reuniões de
planejamento, monitoramento e avaliação
da equipe, oficinas, eventos em geral,
encontros e muitos momentos de
descontração, que caracterizaram essa
grande jornada.

Advertimos que a seleção das imagens


adotou o mesmo critério da produção do
texto: o não-compromisso com a
completude ou exaustão. São, antes de
tudo, uma forma de compartilhar a
emoção que nos assalta todas as vezes
que nos colocamos a folhear os velhos
álbuns ou quando nos pomos a visitar
nossas galerias virtuais.
Dedicamos este trabalho a Marly, Teresinha,
Germano, Lyra, Bruna, Betania, Patrícia, Caca,
Carlinhos, Bruno, Kelfly, Gabriel e Pedrinho e a
todos aqueles e aquelas que nos ensinam
e nos desafiam cotidianamente.

Dedicamos também àqueles/as que fizeram e


continuam fazendo do PAPAI um espaço de
muita aprendizagem e de muitas afetações.

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