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Benjamim, 1992: 82
Assim, a abertura da obra de arte às massas fá-la perder o seu valor de
culto. O culto foi, de acordo com Benjamin, “ a expressão original da integração da
obra de arte no seu contexto tradicional” 3, primeiro assumindo um cariz mágico e
só depois religioso.
Com o aparecimento da fotografia, a arte sente a proximidade da crise e
reage com a doutrina da “l’art pour l’art”, que é uma teologia da arte “pura”
que recusa, não só a função social da arte, como toda a finalidade através de
uma determinação concreta.
A reprodutibilidade técnica vem abalar esta ideia e dar à arte uma nova
função social, que ao deixar de assentar no ritual para assentar na política,
contribui para o esclarecimento da massa, uma vez que o que está em causa,
mais do que o valor de culto, é o valor de exposição da obra, o seu valor
artístico.
Para Benjamin, a invenção da fotografia modificou o carácter global da
arte, na medida em que os efeitos da perda da aura e do valor de culto alargam-
se também a outras expressões artísticas, como a pintura ou o cinema. De facto,
no caso do cinema, ao contrário do teatro, o público não mantém qualquer
contacto com o actor, identificando-se apenas com o equipamento, da mesma
forma que o actor sabe que é o equipamento quem o liga ao público. Além
disso, também o cinema alimenta o desejo capitalista de saciar as massas. É na
pretensão de se dirigir às massas, que a fotografia e o cinema estão na origem
da crise da pintura e de teatro, que segundo Benjamim, não têm condições de
serem objecto “de uma recepção colectiva simultânea”4.
Tanto a fotografia como o cinema inclinam-se para o “inconsciente
óptico”, funcionam como uma espécie de ampliação da visão. Através do
inconsciente óptico “percebemos” coisas que estão no nosso inconsciente e que
não reparamos no nosso dia a dia.
O cinema é como o nosso inconsciente: memória profunda e
involuntária. Benjamin diz: “a câmara leva-nos ao inconsciente óptico, tal como a
psicologia ao inconsciente das pulsões” 5. As novas técnicas – a câmara, por
exemplo - , conseguem destabilizar a imagem que temos do real, que funciona
como uma crença absoluta, e afectar essa crença que de tão profunda impede o
homem de pensar, apresentando-nos novas imagens.
Com a modernidade tudo pode ser questionado, ser sujeito a um juízo
crítico. A discussão em torno da obra de arte fora um dos temas de debate nos
salões franceses e nessa reflexão o indivíduo descobre-se a si mesmo, ao reflectir
a partir da obra de arte. A obra de arte neste sentido, é um pretexto para a
descoberta individual. O retrato fotográfico, por exemplo, pode ser visto como
um espelho onde o sujeito se encontra consigo próprio. É um pretexto que
encoraja a auto-análise (antes ainda de Freud que nasceu mais tarde). A
reprodutibilidade técnica é, assim, um meio que favorece a tomada de
consciência da individualidade mas que permite exibir simultaneamente o
indivíduo para o público.
Benjamim conclui a sua reflexão relativa `a reprodutibilidade técnica da
obra de arte, concentrando-se na ideia de «esteticização da política»
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materializada pelo fascismo como arma de dominação das massas. Benjamim
defende antes uma «politização da estética». O filósofo vê na reprodução
técnica uma possibilidade de democratização da arte, capaz de moldar o
espírito crítico daquele que observa. Vê na reprodução técnica uma
possibilidade de democratização estética.
Os movimentos fascistas e totalitários, abusavam da experiência do Belo,
apelando a uma nova sensibilidade estética, para o exacerbar das paixões e das
multidões. No entender de Benjamim, tudo isto tem como consequência a
guerra. Esta por seu turno demonstra que a sociedade não tinha maturidade de
incorporar a técnica como órgão seu, e que a técnica não estava suficientemente
desenvolvida para dominar as suas forças mais elementares. Assim, só a guerra
permite a mobilização de meios técnicos e das massas, mantendo as relações de
propriedade tradicionais. Além disto, a mera contemplação estética é facilmente
extinguível pelo fascismo. Se a obra passou, derivado da técnica, dos valores
mágicos de culto para os valores estéticos, estes com o fascismo, são
manipulados para produzir novos valores de culto.
Apesar disto, para Benjamim, se a técnica no capitalismo, se transformou
em instrumento de opressão e destruição, isso não se deve à técnica em si
mesma, mas à sua apropriação pelo capitalismo. Para o autor, a técnica tem um
papel revolucionário e emancipador.
Estou de acordo com Benjamim na possibilidade da democratização
estética, derivada da tecnicização da arte, mas penso que apesar de tudo uma
democratização absoluta é impossível. É verdade que primeiro, nas sociedades
tradicionais ou pré-modernas a arte vinha associada ao ritual ou à experiência
religiosa, e que depois com o advento da sociedade moderna burguesa, pelo seu
valor de distinção social contribuiu para colocar num plano à parte aqueles que
podem aceder à obra «autêntica»; e que com a apropriação da arte pela técnica,
ela se tornou mais acessível e democrática. Benjamin, que viveu na mudança do
século XVIII para o século XIX foi um visionário, projectando a sociedade
através do cada vez maior poder dos mass media. Em vez de uma natural
antipatia pela massificação e pela influência dos grupos económicos, o alemão
foi mais longe e atribuiu ao advento das novas tecnologias uma forma de
discutir temas como a divulgação das opiniões das minorias, que passaram a ter
espaços próprios de difusão das suas mensagens. Mas parece-me que uma
absoluta “democratização” é muito difícil, eventualmente impossível de
implantar dado o avanço do capitalismo. Isto porque se a técnica estandardiza a
arte, também é verdade que a técnica é controlada por classes específicas, às
quais fica subordinada. Penso por isso mesmo que essa democratização da
cultura é unicamente uma teoria excessivamente idealizada difícil de colocar na
prática.
Hoje, à luz dos anos decorridos, vemos que o próprio comunismo
também não foi capaz de dar resposta a desigualdade de acesso aos bens
culturais e outros. Sabemos por exemplo, que ainda hoje os poderosos “meios
de comunicação de massa” são facilmente manipulados por elites. Benjamim
antecipou uma realidade, mas a ideia da democratização continua, apesar de
tudo, a ser uma teoria que dificilmente poderá alguma vez chegar à prática, em
pleno.
Referências Bibliográficas
BENJAMIM; Walter
(1992) Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, Lisboa, Relógio D’Água
ADORNO, T. e HORKEIMER, M.
(1984) Dialéctica do esclarecimento, Rio de Janeiro, Jorge Zahar