Vous êtes sur la page 1sur 20
APPLE, Michael W. Educagéo e poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989 (capitulol. Reproducao, contestagao e curriculo, p. 19-54) 1 |. REPRODUCAO, CONTESTAGAO E CURRICULO 1 — A SOMBRA DA CRISE Na medida em que comego a escrever, insistem em me vir a mente as palavras do notdvel sociélogo Manuel Castells: “A sombra da crise esten- de-se pelo mundo”, As imagens que ele me traz A mente fornecem algumas das Yinhas condutoras deste livro. Pois, por detras dos altos ¢ baixos do “ciclo econémico” e por detrés dos problemas na educacdo, a respeito dos quais a imprensa tanto fala, nossas vidas cotidianas ¢ as vidas de milhdes de pessoas ao redor do mundo sio envolvidas numa crise econémica, uma crise que provavelmente teré duradouros efeitos culturais, politicos e econémicos. Ela esté afetando nossas proprias idéias a respeito da escola, do trabalho € do lazer, dos papéis sexuais, da repressio “legitima”, de participagao e direitos politicos, ¢ assim por diante, Ela esta abalando as prdprias bases econémicas e culturais das vidas cotidianas de muitos de nds. Vale a pena citar as prOprias imagens de Castells: Fabricas fechadas, escritérios vazios, milhdes de desempregados, dias de fome, cidades decadentes, hospitais superlotados, administragdes en- fermas, explosées de violéncia, ideologia de austeridade, discursos fituos, revoltas populares, novas estratégias politicas, esperancas, medos, pro- ‘messas, ameagas, manipulagdo, mobilizacéo, repressao, bolsas de valores temerosas, sindicatos militantes, computadores perturbados, policiais ner- vosos, economistas estupefatos, politicos astutos, povo sofredor — tantas imagens que pensdvamos terem se ido para sempre, levadas pelo vento do capitalismo pés-industrial, E agora clas esto outra vez de volta, trazi- das pelo vento da crise capitalista!, Educagio e Poder | 19 Os meios de comunicagdo de massa ndo nos deixam fugir dessas imagens. Sua repetigao ¢ 0 fato de que ndo podemos deixar de vé-las e experiencié-las apontam para sua realidade, A crise nfo é uma ficgdo. Ela pode ser vista todos os dias no trabalho, nas escolas, nas familias, nas agéncias de satide ede previdéncia do governo, em tudo a nossa volta. Em sintonia com isso, nossas instituigdes politicas ¢ educacionais vém perdendo grande parte de sua legitimidade 4 medida que 0 préprio aparato do sé, incapaz de responder adequadamente A presente situagio ‘econémica © ideoldgica. Aquilo que se tem chamado de a crise fiscal do tado tem surgido 4 medida que o estado vé-se impossibilitado de manter ‘os empregos, OS programas € Os servicos que foram conquistados pelo povo apés anos de luta. Ao mesmo tempo, os recursos culturais de nossa sociedade esto se tormando mais completamente comercializados 4 medida que a cultura popular é invadida pelo processo de mercantilizacdo. Eles so processados ecompradose vendidos. Também eles tornaram-se mais um aspecto da acumu- lagio. A crise, embora claramente relacionada a processos de acumulacio de capital, ndo é somente econdmica, Ela é também politica ¢ cultural/ideoldgica. Na verdade, € na interseccio dessas trés esferas da vida social, na forma como elas interagem, na forma como cada uma delas sustenta ¢ contradiz as outras, que podemos vé-la em sua plena forma. A crise estrutural que estamos atualmente presenciando, ou melhor, vivendo, nao pode, pois, real- ‘mente ser “explicada” pela economia (isso seria demasiado mecanicista), mas por um todo social, por cada uma dessas esferas. Como diz Castells, essa a abordagem correta, porque: a economia ni é um “mecanismo”, mas um processo social continua- mente conformado ¢ remodelado pelas cambiantes relagdes da humani- dade com as forcas produtivas e pelas lutas de classe que definem a humanidade de uma forma historicamente especifica’, Isso implica no seguinte: Nao é apenas numa abstragio como a economia que podemos encontrar as rafzes dos tempos dificeis que enfrentamos, Ao invés disso, as palavras-chaves séo luta ¢ conformacio. Blas apontam para questées estraturais. Nossos problemas sdo sistémicos, cada um deles sendo produzido pelos outros. Cada aspecto do processo social no estado e na politica, na vida cultural, em nossos modos de produzir, distribuir ¢ consumir serve para afetar as relagdes dentro dos outros (e entre eles), A medida que um modo de produgio esforca-se por reproduzir as condicées de sua propria existéncia, “ele” cria antagonismos e contradigdes em outras esferas. A medida } que grupos de pessoas futam em tomo de questées de género, raga e classe j_ em cada uma dessas esferas, o processo social inteiro, incluindo a “economia” \é também afetado. As lutas e o terreno sobre o qual elas sio conduzidas sio remodelados. Portanto, as imagens das lutas que Castells evoca nio séo estiticas, pois elas so vividas por pessoas como nés mesmos em nossas vidas 20 | Michael W. Apple - de aga e de genera, Cada ums dessasforas afeta as butrast.~—~—- disrias (talvez, com freqiiéncia, “inconscientemente”). E grupos dessas pes- sas constantemente modelam e s4o remodelados por esses processos i medida que surgem os conflitos. , Embora a crise que Castells descreve nao seja totalmente econémnica, aprofundidade com que ela é sentida no nfvel econémico precisa ser enfatizada, pelo menos para indicar quéo ampla ela é. Algumas das cifras sio de fato chocantes, Embora as,taxas oficiais, de desemprego de 7-8 por cento jd sejam suficientemente ruins, a taxa real de desemprego nos Estados Unidos pode estar préxima dos 14 por cento. Embora os mimeros atuais apenas agora estejam ficando disponiveis, a taxa de desemprego urbano chegava a 60-70 por cento, entre jovens negros hispanicos, j4 em 1975°, Considerando a deterioragio da economia americana (e daquelas economias que esto fortemente ligadas a ela), temos poucas Tazio para crer que isso tenha sofrido uma alteragio significativa para melhor. Outros fatos a respeito da raga ¢ do sexo mostram uma outra parte do quadro. Embora as mulheres tenhiam lutado ao longo dos anos para obter uma condigéo mais igualitéria, dados recentes mostram quanto isso continua a ser dificil, Como Featherman e Hauser demonstraram, por exemplo, “em- bora os resultados ocupacionais e educacionais das mulheres tenham sido equivalentes aos dos homens... a taxa de salfrio das mulheres em relacéo a0 dos homens diminuiu de 0,39 para 0,38, para maridos ¢ mulheres”. Na verdade, apenas uma pequena parte da mudanga nessa diferenga salarial pode ser explicada pela velha discriminagdo pura e simples. A discriminacdo expli- cava 85 por cento da diferenca em 1962 c 84 por cento em 1973, uma mudanga nao muito significativa no cémputo global’. Embora a evidéncia recente sugira que essa diferenca possa estar gradualmente mudando no setor profissional’ —e esta é certamente uma mudanga positiva — o fato € que apenas uma percentagem relativamente pequena das mulheresestio realmente empregadas nesse setor. E 0 que ocorre com outros grupos? As populagdes negeas e hispanicas dos Estados Unidos tém taxas muito mais altas de desemprego que as outras, taxas que aumentardo significativamente no futuro préximo. Uma grande proporcdo desses trabalhadores esta empregada no que se poderia chamar de “economia irregular”, uma economia em que seu trabalho (¢ seu salério) é freqiientemente sazonal, sujeito a demissGes repetidas, sakirios ¢ benefi mais baixos e pouca autonomia. Tal como as mulheres, cles sofrem uma dupla opressio. Pois a formagdo social nfo é iniqua apenas com relacdo iquidade demonstrada,, por exemplo; peas diferencas signif: ‘Jasses Hos Fetornos salariais devidos ao n{vel educacional — mas acrescentam-se a isso também as poderosas forgas da reprodugio wtamente segmentos especificos desses grupos obtiveram certos ganhos. Entretanto, a pura estatistica desses ganhos encobre algo bastante importante. A prépria economia tem-se transformado menos marcadamente, seja em Educagio e Poder | 21 termos de seus beneficios ou em termos de poder relacionados 4 composigao de raga, sexo ow classe, do que poderfamos supor. A maior parte do avango tem ocorrido através do emprego no estado. Um fato demonstra isso bastante claramente. O governo — nos niveis local, estadual e nacional — emprega mais de 50 por cento de todos os negros ¢ mutheres profissionais nos Estados Unidos’. Apenas através de protestos € lutas dentro do estado € que isso foi obtido. Esses empregos nao foram ‘dados”, mas so 0 resultado de grupos de pessoas pressionando ano apés ano. Sem esse emprego estatal, os ganhos desses grupos teriam sido drastica- mente menores, De fato, como veremos mais adiante, 0 papel que 0 estado exerce em nossa economia ¢ nossa cultura merece uma boa dose de atencao se quisermos entender como uma sociedade iniqua reproduz a si mesma ¢ como as crises sdo tratadas. Isso seré especialmente importante em minhas discusses do papel contradit6rio das éscolas nessa reprodugio. ~~ ‘As condigdes parecem estar piorindo por causa -do-que se tem chamado de dindmica do desenvolvimento desigual. Isto é, hé uma crescente dicotomi- zagio entre os que tém ¢ os que nao tem. Podemos ver uma evidéncia parcial disso no fato de que 0s saldrios que os trabalhadores das industrias de baixa remuneragio vém recebendo caiu, ao longo de um periodo de vinte anos, de 75 por centa do salitio das indistrias de alta remuneragéo para 60 por cento. Criou-se uma economia dual, com um fosso que cresce cada vex mais eave, de seordo com uma série de economistas politicos, serd quase impossivel ___Mas 0 que ocorre com as condigées de préprio trabalho em si? Na citarei mais do que algumas estatisticas pertnentes, embora tutes pes sem encher as paginas de uma infinidade de livros. Em satide ¢ seguranca, os Estados Unidos ficam consistentemente atrds de outras nagées industria- lizadas, com muitas ocupag6es tendo uma taxa de mortalidade e de invalidez trés a quatro vezes maior do que as da Inglaterra e da Europa". Parece que © lucro € mais importante que as pessoas. Entretanto, muitas pessoas nem mesmo se dio conta disso, Tanto o trabalho fabril quanto o trabalho de escrit6rio sio extremamente enfadonhos e repetitivos. Os trabathadores * ‘tém pouco'controle formal sobre seu trabalho e essa centralizacdo do controle estd créseéndo'nos escrit6rios, nas lojas, nas escolas ¢ universidades, nas ‘fabricas ¢ Gm iltros locais"". Beneticios de aposentadoria esto sendo eli nados ¢ outros beneficios duramente conquistados esto sendo ciminuides Embora os empregos no setor de servigos estejam crescendo (para serem preenchidos, eit geral, por iiulhéres mal pagas), outros empregos esto desa- parecendo 4 medida que empresas em fuga transferem suas fabricas para dreas com uma forga de trabalho menos organizada, mais barata ¢ mais décil. E mesmo esses empregos adicionais na rea de servigos caracterizam-se cada vez mais por jornadas de trabalho mais pesadas, inseguranca crescente ¢ pela caréncia de servigos sociais s¢rios. Além disso, estima-se que as condigdes podem piorar, uma vez que a economia esta presentemente produzindo apenas ‘22 | Michael W. Apple cerca da metade do total dos novos empregos que seriam necessities no futuro”, Para muitas mulheres a situagio é ainda pior. Uma vez que muitas delas esto empregadas no setor de servigos e no competitivo setor de baixos salrios (isto 6, ojas, restaurantes, pequenos escritdrios ¢ em indstrias intensamente paseadas no emprego de mio-de-obra tais como as de confeccio ¢ manufatura de acessérios), elas esto freqientemente condenadas a uma relativa pobreza material®. O mesmo pode-se dizer dos trabalhadores das minorigs, uma grande parte dos quais trabatha no setor competitivo. As condigdes de trabalho neste Piso s40 muito piores e, outra vez, emprego ¢ subemprego, benelicios de satide de pensiio inadequados ¢ sindicatos fracos ou inexistentes parecem ser a regra" ‘Quando se junta. isso com a deterioracio do poder aquistivo do salério da maioria dos trabalhadores, com a diferenciagdo em termos de classe ¢ sexo existente naqueles salirios, a perda de controle no local de trabalho, (© declinio das cidades e dos suportes ¢ lagos humanos € com OS astronémicos ‘custos em termos de sattde fisica e mental que isso acarreta, temos mais motivos para parar para refletir. Pois as imagens que Castells evoca descrevem aseondigées que uma parte crescente da populagio dentro ¢ fora das fronteiras dos Estados Unidos enfrentard. O que essas condigdes significam, as suas ragdes estruturais, nio se tornam imediatamente evidentes, por causa do controle hegeménico da midia e das ind strias de informacao'’. Incriminamos tins poucos industriais e empresas, um pequene nimero de figuras no governo, tima vaga abstragdo chamada tecnologia, ao invés de ver o aparato pradutive ¢ politico da sociedade como uma interconexio. Em parte, entretanto, nio podemos nos culpar por ndo enxergarmos a situagdo. A versdo desconectada 6a que nos é apresentada pelo aparato cultural sob suas formas dominantes. E preciso uma atengio constante & minuciosa por parte até mesmo dos homens e mulheres trabalhadores mais conscientes pata comegar a reunir tudo isso, 4 ver essas imagens como realidades que sio geradas pelas emergentes contra- digGes e pressGes de nossa formagdo social e seu modo de produgio. Atraves- samos uma crise nos processos de legitimacio e"acumulagfo, na qual os apara- tos produtivo e reprodutive da sociedade (incluindo as escolas) estdo cindidos por tensées, na qual a prépria esséncia da reprodugfiocontinuada das condigoes necessdrias para a manutengao do controle hegeménico é ameacada; entre- tanto, torna-se dificil de ver o impacto relacional que isso tudo tem sobre nosis vidas cotidianas. Isto é especialmente dificil na educagdo, onde uma ideologia reformista e os imensos problemas que os educadores ja enfrentam deixam pouco tempo para pensar seriamente a respeito das relagdes entre o discurso e priticas educacionais e a reprodugéo da desigualdade. ‘Como veremos, entretanto, os homens ¢ as mulheres que tr ‘em nossos escritdtios, lojas, fabricas e escole 5 teri ficado tot passivos frente 2 tudo isso, um fato que se tornard bastante mais minhas posteriores discussdes das formas culturais da resisténcia. Entretanto, Educagioe Poder | 23 08 fatos de que as condigdes objetivas que eles enfrentam nao sao ffceis ede quie as perspectivas existentes para entendé-las nio sio muito potentes “devém Ser reconhecidas désde-0 comeco. . ‘Isso Propicia uma visio do lado em que estéo muitos dos trabalhadores ¢ empregados. Mas 0 que ocorre no outro lado, o lado que tem muito mais controle sobre nossa cultura, nossa politica ¢ nossa economia? O quadro neste caso é um quadro de crescente centralizagao ¢ concentracao dos recursos ~£ poder econdmicose cultiirais. Alguns poucos exemplos serdo suficientes para mostrar a amplitude do controle capitalista. As cem maiores empresas aumentaram seu controle dos capitais industriais de 40 por cento em 1950 @ quase 50 por cento em 1969, uma cifra que & hoje ainda mais alta. Dos mais de dois milhGes de empresas nos Estados Unidos hoje, as duzentas maiores abocanham acima de dois tergos do lucro total no pafs inteiro. Os lucros empresariais apés a dedugio dos impostos em 1970 eram trés vezes mais do que tinham sido apenas dez anos antes. Esse mesmo exato fendmeno pode ser observado no setor bancdrio ¢ nas industrias de comunicagio, assim como também no crescente poder nacional ¢ internacional concentrado nos grandes conglomerados financeiros ¢ industriais. Os padrées de investimentos desses interesses industriais ¢ financeiros revelam 0 que se poderia esperar, 4 maximizago da acumulacdo de capital ¢ do lucro — ficando o bem-estar humano, os objetivos piblicos, 0 emprego pleno, e assim por diante, bem para trds, isso quando eles sfo de alguma forma considerados, Considerando tudo isso, deveria estar claro que o controle que os interesses do capital exercem sobre nossa vida econdmica ¢ nosso bem-estar pessoal ndo é nada pequeno'®, Esses dados apresentam uma visio bem pouco atrativa ig eats ogo a ete tem pn aati ds condi desigual existente em nossa sociedade. Entretanto, pode-se ainda alegar que elas nao passam de distorgdes. No cémputo global, estamos nos tomando a eeade mais ignaliacay basta olhar ao seu redor. Infelizmente, isso ituir mais um desejo do i Democracy obseneme ji que um fato. Como os autores de Economic Como inimeros estudos académicos ¢ governamentais demonstraram, a distribuigdo da riqueza e da renda nos Estados Unidos tam mudade pouco na diregiéo de uma maior igualdade desde o virar do século e Praticamente nada desde a Segunda Grande Guerra". Mesmo com essa m4 distribuigio e a concentragdo € a centralizacac = cont ds ne gu alg oie cena ce acumulagao de capital ¢ a legitimagio estio ameacadas. O nivel de divida dessas mesmas empresas tém aumentado consideravelmente, em parte por causa do financiamento das inovag6es tecnol6gicas devidas a crescente compe- {igdo internacional". Novos mercados “precisam” ser desenvolvidos; os traba, lhadotes precisam ser postos sob maiores controle e dsciptina; a produtividade 241 Michaet W. Apple precisa ser aumentada; novas tecnologias precisam ser desenvolvidas a uma taxa ainda mais r4pida; e as técnicas ¢ o conhecimento especializado necessirios para empreender tudo isso precisam ser gerados. O papel do trabathador E erftico neste caso, uma vez que se sabe que a taxa de exploracao dos trabalha- dores € um preditor excepcional dos niveis de lucro de uma empresa®. Isto 6, um dos meios mais importantes pelos quais as empresas podem lidar com 08 “problemas econémicos” que elas enfrentam é voltando-se para sua forga de trabalho, aumentando sua taxa de exploragio. - O estado e a escola néo estardo imunes a essas press6es. A austeridade social “precisa” ser reconquistada, As politicas governamentais precisam cor- responder as exigéncias do capital. As priticas educacionais precisam ser melhor alinhadas com o trabalho e os custos dos pré-requisitos de pesquisa desenvolvimento das-empresas precisam ser socializados através de seu repasse para o estado e as universidades. Entretanto, essas condigdes no local de trabatho e na esfera politica também criam seus proprios problemas. A acitrada competicio torna necesséria a substituico de tecnologias bem antes que elas scjam pagas pelos lucros. Os trabalhadores reagem contra uma boa parte disso. Grupos progressistas, educadores e pais podem contestar esses estreitos vinculos entre o estado, as {ébricas € as escolas. Negros, hisp’- nicos € muitos outros trabalhadores rejeitam a posigéo de que eles deve pagar pelas contradigées econémicas que afligem a sociedade, E a inflagdo € a tensio social crescem outra vez. No meio de tudo isso, pois, germinam as sementes do conflito ¢ da crise continuadas. Isto fornece uma imagem minima das reais circunstancias em que muitos de nossos cidaddos vivem. Se Castells ¢ tantos outros estdo corretos, nado podemos esperar que melhorem muito cedo sob qualquer aspecto importante. O que podemos fazer, entretanto, é enfrentar a crise estrutural honestamente e ver como ela se desenvolve em uma de nossas principais instituigdes de reprodugio, a escola. Precisamos fazer isso, mesmo que signifique criticar algumas das formas bdsicas pelas quais nossas instituigdes educacionais operam atualmente. Para fazer isso, entretanto, precisamosentender muito mais com- | pletamente a conexdo entre a educagdo é as esferas ideolégicas, politica ¢ econémica da sociedade ¢ qual a parte da escola em cada uma delas, ~~ "* ‘Ao mesmo tempo, devemos tomar as criticas existentes a respeito das escolas e as sugest6es para sua reforma e colocé-las também no contexto da crise nessas trés esferas. Entretanto, ndo séo apenas essas conexdes € criticas que devem nos preocupar. Precisamos também estar conscientes das possibilidades de ago. Pois precisamente como esta crise gera contradigées ¢ tensdes em todos os niveis de nossa formagio social, assim também elas surgiréo nas escolas. Encontré-las seré sem diivida dificil, mas igualmente importante. Pode acontecer que essas contradigdes e tensdes efetivamente propiciem possibilidades para a nossa agio na educagio, da mesma forma que, por exemplo, a crise cm nossos escritérios ¢ fébricas est4 produzindo pressdes em favor de um maior controle e autonomia do trabalhador™*, Educagio e Poder | 25 ‘As questdes esbocadas acima orientam o meu trabalho em todo 0 livro. Sob que formas complexas ¢ contradit6rias as escolas esto relacionadas 3s ‘outras instituigdes? Quais as respostas que as pessoas dentro € fora da escola dio a essas contradigdes ¢ tens6es? As andlises mais recentes das relages ¢ respostas — incluindo algumas das pesquisas marxistas mais interessantes —revelam isso de forma adequada? Como os processos de reprodugéo cultural ¢ econdmica e o-de contestacdo estdo relacionados na escola? As reformas atualmente propostas sio adequadas para lidar com essas complexidade? O que os educadores ¢ outras pessoas progressistas podem fazer a respcito dessa. situagio? Talvez a melhor forma de comecar a responder essas questées seja ade descrever no resto deste capitulo como as pesquisas a respeito das escolas ¢ da reprodugéo econémica e cultural tém avancado em termos de comple- xidade. Na proxima segdo resumirei a minha prépria compreensdo gradual, ea de outros autores, a respeito do que as escolas fazem nesse sentido & como elas respondem as contradigdes estruturais e as ctises reprodutivas. Ao fazer isto, estarei também fornecendo um esbogo ¢ uma indicagio de uma série de argumentos que aparecerdo nos capitulos seguintes. 2 — CRITICA EDUCACIONAL Na segio anterior deste capitulo descrevi alguns dos elementos da crise, estrutural que estamos comegando a presenciar. Assinalei como isto esté come- ‘gando’a ter seus efeitos sobre 0 processo de trabalho, sobre partes de nossa. \Gultura e sobre alégitimidade: de nossas instituig6es. Como instituigdes culturais iS, a EscOlas “réfletirao” essas mudangas no processo de trabalho, na legitimidade.” Em parte por causa disto, elas tém estado ¢ os" mesmios tipos de sérias eriticas que estio sendo feitas istitiigdes nas esferas politica, cultura ¢ econémica. que 6 alvo principal das criticas progressistas em relagdo As nossas instituigdes na tiltima década tenha sido a escola. Tem-se tornado ¢ bvio ao longo desse mesmo perfodo que nossas instituigdes educacionais néo sio os instrumientos de democracia e igualdade que muitos ide nds gostariain que fossem: Sob varios aspectos esta critica tem sido salutar, ‘ima''Vez”qué tem ‘aumentddo nossa sensibilidade para o importante papel que as escolas — e 0 curriculo explicito e 0 curriculo oculto no seu interior —cxercem na reprodugdo de uma ordem social estratificada que continua sendo notavelmente infqua em termos de classe, género € raca, Como pessoas tio diversas quanto Bourdieu, Althusser e Baudelot e Establet na Franca, ‘Bervistéit, Vourig, Whitty ¢ Willisna Inglaterra, Kallose Lundgreun na Suécia, ‘Gritinci na Itia € Bowles ¢ Gintis, eu préprio e outros, nos Estados Unidos, teint Tépetidatieiite demonstrado, o sistema cultural ¢ educacional é um ele- mento excepcionalmente importante na manutengio das relagdes existentes edo % exploragdo nessas sociedades. 26 1 Michael W. Apple Embora possa haver sérias discord&ncias, de como isto acorre, nenhuma delas negaria a a relagdo entre 0 processo escolar € a manutengio dessas relagée: E embora possamos discordar quanto a partes da ldgica dessas andlisés, podemos simplesmente analisar as escolas ¢ seu curviculo da mesma forma que faofamos antes que esse conjunto de trabalhios aparecesse. Embora essa critica tenha sido salutar, ela teve talvez dois efeit que sio, paradoxalmente, 0 oposto um do outro. Por untlado, cla dar demasiada importincia a escola, Podemos si fos a ver a escola, como o problema, em vez de vé-la como’ parte de’ tim_quadro mais-amplo de relagdes sociais qué sio estrutufalmenté de exploragao, O Tato de que o probletia é muito mais aniplo pode ser visto num estudo recente de Jencks et al., Who Gets Ahead? Este estudo revela nio apenas que as recompensas econémicas devidas ao nivel educacional sio duas vezes maiores para as pessoas que j4 sio economicamente privilegiadas, mas pior ainda, que estudantes negros, mesmo tendo concluido o segundo gruu, nfo obterio nenhuma vanta- ‘gem significativa. Assim, mesmo que pudéssemos modificar a escola para igualar o rendimento académico, a evidéncia sugere que isto poderia ndo fazer diferenga alguma no quadro mais amplo no qual as escolas existem*. O segundo efeito colateral é quase a imagem especular daquela énfase excessiva no poder da escola. E 2 into pessimista que diz ¢ uma vez que as escolas esta “qi vez que elas pareéem Basicam: especialmente’ numa’ €poca de crise, ‘éntdc 1 Ser i pode ganhar hada ativindo néla’ porque elas sdo fundamentalmente institui- ‘g6es determinadas. Acredito que tanto um quanto outro desses efeitos colate- rais pode ter consequéncias negativas. Precisamos ter cuidado quanto a esses efeitos. A minha prdpria andlise me leva, portanto, a estas duas cautela nelas nio é sufici também saber isto ¢ ignoré-las é simp trar, na verdade, o sistetiia educacion -exatgmente por causa zagéio no interior de uma trama mais ampli di tuir um importanté terreno no qual, agées signi fice volvidas. Nesta segio do capitulo introdutério serei obrigado a falar de forma bastante genérica as vezes, tratando muito sumariamente questes ¢ contro- vérsias que constituem temas importantes no contexto dos estudos de orien- tagdo estrutural sobre as escolas. Como se pode resumir os trabalhos de outras pessoas assim como nossos préprios esforgos ao longo de uma década, quando esse trabalho tem crescido consideravelmente em rigor ¢ refinamento a0 longo desses anos? Como se pade descrever o répido desenvolvimento das idéias eriticas sobre 0 que as escolas fazem, sem ao mesmo tempo mostrar como essas idéias a respeito do que acontece dentro das escolas tém sido a0 mesmo tempo fundamentalmente influenciadas por nossa prépria pritica Educagio e Poder 1 27 politica ¢ pelo intenso debate que esté ocorrendo no interior da comunidade esquerdista a respeito da relagdo entre cultura e modo de produciio? Obvia- mente néo € posstvel fazer tudo isto. Assim, decidi lidar com este problema de trés maneitas. Primeitamente, tentarei descrever 0 que significa um trabalho de investigagao de orientagdo marxista, através de algumas observagdes gerais Sobre"coims se deve interpretar a questéo central, a da reprodugdo. Descre- verei depoiso desenvolvimento de meu proprio pensamento a respeito dessas questdes, usando para isto a discussdo das preocupagées que eu tinha durante os anos em que escrevi Ideologia e Curriculo. Ao fazer isto, quero mostrar como minha andlise tem avangado no meu trabalho mais recente, um avango que, repito, tem sido fortemente influenciado pelo excepeional trabalho que vem sendo feito atualmente dentro da literatura marxista ¢ pelo meu proprio envolvimento na atividade politica. O terceiro aspecto, o da agio possivel, € igualmente central e serd desenvolvido ao longo dos préximos capitulos. Um vez que cu ndo posso dar uma idéia completa de todos os debates que estdo continuando a influenciar o trabalho de pessoas como eu, deixarei para fornecer nas Notas finais um resuma das principais discussées que ainda estio se dando. Como isto muita coisa deixard de ser dita, pois a fim de mostrar como, por exemplo, meu proprio trabalho politico — com grupos de negros, brancos ¢ hispnicos pobres em sua luta para assegurar os seus direitos econémicos e culturais ¢ os de seus filhos, com trabalhadores politica- mente progressistas para desenvolver materiais de educagéo politica e sobre justica econdmica, etc. — tem sido t4o importante nas minhas andlises mais Tecentes, eu teria que transformar este livro numa autobiografia. Por enquanto Geixarei para outros este tipo de literatura. Quero enfatizar, entretanto, que nada do que aqui esté escrito pode ser completamente compreendido sem referéncia 4 pratica concreta dos homens ¢ mulheres com quem eu trabalho. Curriculo ¢ reprodugio Durante a maior parte deste sécuio, a educagdo em geral, ¢ a drea do curriculo em particular, tém dedicado uma boa dose de sua energia A busca de uma coisa especifica: um conjunto geral de principios que oriente o planeja- mento e a avaliagdo educacionais. Em grande parte, isto tem se reduzido a tentativas para criar 0 método mais eficiente de elaboracéo de curriculos. Nao precisamos mais do que descrever a histéria interna das tradi¢6es domi- nantes na drea — desde Thorndike, Bobbitt ¢ Charters nos primeiros anos do século vinte até Tyler, incluindo mesmo os mais vulgares behavioristas € gerenciadores de sistemas instrucionais dos dias de hoje — para comecar a nos dar conta de quanto esta énfase na busca de um método eficiente de elaboragio de curriculo tem sido sua caracterfstica principal”. 28 I Michael W. Apple Esta colocagio da énfase no método néo tem ocorrido sem canseqiéncias., ‘Ao mesmo tempo que a racionalidade processo/produto crescia, 0 fato de que a educagio é, do come¢o ao fim, um emprecndimento politico, perdia importincia. As questées que fazfamos tendiam a nos divorciar da forma como 6 aparato econémico e cultural da sociedade funcionava. Um método “neutro” significava nossa propria neutralidade, ou assim nos parecia. O fato de que os métodos que empregévamos tinham suas raizes nas tentativas,da inddstria para controlar os trabalhadores ¢ aumentar a produtividade, nos movimentos de eugenia popular e em grupos com intérésses particulares de classe, era obscurecido pela caréncia extrema de uma visdo historica na drea™, ‘Ao mesmo tempo, pareciamos supor que 0 desenvolvimento deste método supostamente neutto eliminaria a necessidade de lidar com a seguinte questéo: ‘© conhecimento de quais grupos deveria ser ou j4 estava sendo preservado, e transmitido nas escolas? Embora um certo numero de tradigdes alternativas continuasse tentando manter viva esse tipo de questdo politica, de modo geral a fé na inerente neutralidade de nossas instituigdes, no conhecimento ‘ensinado € em nossos métodos € agdes, servia de forma ideal para ajudar a legitimar as bases estruturais da desigualdade. "A chave dessa ultima sentenga est4 no conceito de legitimacao., (Como Wittgenstein, afirmo que o significado de nossa liiguagem ¢ nossas priticas est em seu uso). E 0 uso neste caso tem sido diplice. Como procurei demons- trar em Ideologia e Curriculo, as tradigdes,que dominam a drea ajudam na, reprodugio da desigualdade e 20 mesmo tempo servem para legitimar tanto as instituigdes que a recriam quanto nossas proprias agdes dentro delas. Isto do significa afirmar que algumas eriancas, individualmente, nao estio, muitas vezes, sendo ajudadas por nossas praticas ¢ nosso discurso: nem significa afirmar que todas as agGes de nosso dia-a-dia estiio na diregéo errada. Isto significa dizer que macroeconomicamente 0 nosso trabalho serve a funeses que pouco tem a ver com nossas niclhores inteng ~ ‘Como vamos entender isto? Um dos problemas fundamentais que temos que encarar é 0 da forma através da qual os sistertis de dominacdo ¢ exploragio, persistem ¢ se reproduzem sem que isto seja cofiscientemente reconhecido pelas pessoas envolvidas™. Isto tem particular importincia na educagéo, uma rea na qual nossas priticas comumente aceitas procuram t4o claramente ajudar os estudantes a solucionar muitos dos “problemas sociais ¢ educad nais” que enfrentam. Face a isso, uma tal énfase nesses “problemas” deveria parecer til, Contudo, ela ignora algo que tem ficado bastante claro na litera- tura sociolégica recente, © essencial dessa literatura & exprimido de forma bastante aguda por DiMaggio quando ele argumenta que a classificagio de individuos, grupos sociais ou “problemas sociais”, baseada no senso comum tende a confirmar €2 reforcar essas relagGes estruturalmente geradas de dominacao. Pois “atores conscientes, racionais, bem intencionados” muitas vezes contribuem — sim- plesmente pelo fato de perseguir seus préprios fins subjetivos — para a manu- Educagio ¢ Poder ! 29 tengdo dessas relagGes estruturais’®, Esses atores conscientes, racionais e bem intencionados, portanto, podem estar, de forma latente, servindo a fungdes ideolégicas no momento mesmo em que estéio buscando aliviar alguns dos problemas enfrentados pelos estudantes ou por outras pessoas, individual- ‘mente. Isto se deve tanto aos vinculos entre as instituigdes econdmicas & as instituig6es culturais — aquilo que muitos marxistas chamam de relagio entre a base ¢ a super-estrutura (uma nomenclatura que nao deixa de ter seus problemas) — quanto as caracteristicas individuais dessas pessoas. As- sim, podemos analisar as escolas e nossas agdes em relagdo a elas de duas, formas: primeiramente, como uma forma de melhoria ¢ de resolugdo-de- “problemas através das quais ajudamos estudantes particulares a progredir; e, ém segundo lugar, numa escala muito mais ampla, detectando quais sio 08 padrdes que se formam em relagdo aos tipos de pessoas que conseguem’ ptogrédir €°quais sAo os resultados latentes da instituigio, Esses padroes resultados sociais mais amplos podem nos dizer muito sobre como a escola funciona no processo de, reprodugéo, uma fungéo que tem tudo para ficar ‘cillté $6 dermos prioridade demasiada a nossos atos individuais de ajuda, Tenho usado até aqui palavras tais como fungio e reprodugdo. Esses conceitos_assinalam_o papel das instituigdes educacionais na preservagdo do que existe. Mas, eles também encerram algo mais que merece nossa atengio, Ss¢'o quisermos ser demasiado mecanicistas, , que queremos dizer quando analisamos como as escolas “funciona” para reproduzir uma sociedade iniqua? Diferentemente do funcionalismo so- Cioldgico, no qual a ordem ¢ suposta e o desvio em relagéo aquela ordem € que € visto como problematico, as andlises marxistas e neo-marxistas sinali- zam algo mais com aquele termo (ou a0 menos, deveriam fazé-lo). Ao invés de uma coeréncia funcional em que todas as coisas operam relativamente sem atrito para manter uma ordem social basicamente imutdvel, essas andlises apontam para a “teprodugdo contestada das rclagdes fundamentais da socie- dade, sa gue The permite reproduzir-se asi mesma outra vez, mas tao somente a de uma ordem social domin: finada (i i na forms de ui ante ¢ subordinada (isto é, antagénica, Pois as escolas nao sio “meramente” instituigdes de reprodugio, institui- .90€8 €m que 0 conhecimento explicito e implicito ensinado Imolda os ecuudantes eS passivos que estardo entéo aptos e ansiosos para adaptar-se a lade injusta. Esta interpretagio € falha sob dois aspectos centrais, te, ela vé os estudantes como internalizadores passivos de mensa- "Sociais pré-fabricadas. Qualquer coisa que a instituigdo transmita, seja nO"curticuld fornial ov no curriculo oculto, é absorvida, no intervindo af modificagées introduzidas por culturas de classe ou pela rejeigao feita pela classe (ou raga ou género) dominada das mensagens sociais dominantes. Qual- quer um que tenha ensinado em escalas de classe trabalhadora, ou escolas las nas periferias, sabe que ndo é assim que as coisas se passam. O que é mais provavel que ocorra € a reinterpretagao por parte do estudante, 30 / Michaet W. Apple ‘ou na melhor das hipéteses, somente uma aceitago, parcial, ¢ muitas, yezes, a rejeigio pura e simples dos significados intencionais ¢,ndo, intencionais.das. escolas. Obviamente, as escolas precisam ser vistas de uma forma muito mais complexa do que apenas através da simples reprodugio. . 'A interpretagio da reproducdo 6 demasiadamente simples também, sob, outro aspecto. Ela subteoriza ¢ portanté négligericia 0 fato de qué as relagdes sociais capitalistas sio inerentemente contraditérias sob algumas formas muito, importantes. Isto é, como afirmei”antes, assim como na’arena econdmica, tem que'’processo de acumulacdo de capital e a “necessidade” de expandir mercados € luctos gera contradigdes na sociedade (em que, por exemplo, inflagdo e lucros crescentes criam uma crise de legitimidade tanto no estado quanto na economia), assim também contradigdes similares apareceréo em outras instituigdes deminantes. A escola ndo ficard imune a isto. Por exemplo, como um aparelho do estado,as escolas exercem_papéis, importantes na criagao das condigdes niécessirias pata a neumulacio de-capital (clas ordenaim, selecionam e certificaity um ‘corpo discénte hierarquicamente organizado)’e para a legitimagio (elas mantém iia ideotogia meritocrética imprecisa e; portanto, legitimam as formas ideol6gicas nectssérias, para a reeriagdo da desigialdadey®. Entretdnto, estas duas “fungbes” das escolas estio muitas'vezes em conilito uma com a outta, As iiécessidades agio de capital podem contradizer as necessidades de Tégitimiagao, vinta Stua- gio que é presentemente bastante vi vel. Pdemos observar isto, por exemplo, na relativa superprodugio de individuos eredenciados numa época em que economia nao mais “requet” tantas pessoas com altos saldrios. Esta mesma, superprodugéo coloca em xeque a legitimidade das formas pelas quais as, escolas funcionam™. Num nivel mais concreto, podenios ver as contradigbes da instituicdo no fato de que a escola tem diferentes obrigagdes ideoldgicas que podem estar em contradigao. Capacidades criticas so necessdrias para manter a sociedade dinamica; portanto as escolas devem ensinar os estudantes, ‘a serem criticos. Entretanto, as capacidades, criticas podem servir também para desafiar 6 capital”. Essa ndo € uma idéiacabstrata. Esses confitos ideol6. icos permeiam as nossas instituigdes educacionais ¢ nelas desefivolve todos os dias. ~ ~ A énfase no desenvolvimento de contradigdes nos tiltimos pardgrafos é importante nao apenas para pensarmos sobre como as escolas podem estar envolvidas em conflitos de acumulagao ¢ legitimacdo, pelos quais elas podem nao ser ditetamente responsdveis. Bln também fornece um prinefpio funda- mental para pensarmos sobre como a propria ideologia opera, um tema que tem constituido uma parte importante dos meus préprios estudos € dos de ‘outras pessoas sobre reproducao. ‘Assim como a escola est envolvida em contradigdes que podem ser dificeis de ela resolver, assim também as ideologias esto cheias de contra- digdes, Elas no so conjuntos coerentes de creng E inclusive possivelmente cerrado concebé-las como sendo apenas crengas, Blas sao, a0 invés, conjuntos Educagéo ¢ Poder | 31 de significados vividos, préticas e relagées sociais que so muitas vezes interna- ‘mente inconsistentes. Elas tm componentes no seu interior que conseguem ‘penetrar iio Amago das causas dos beneficios desiguais da sociedade ¢ no mesmo exato momesito tendem a reproduzir os significados ¢ as relagdes ideoldgicas que mantém a hegemonia das classes dominantes™. Por causa disso, as ideologias so contestadas; elas s4o continuamente causas de luta. Uma vez que a8 ideologias contém tanto “bom senso” quanto “mau senso” no seu interior, as pessoas necessitam ser ganhas para um lado ou outro, se podemos dizer assim. Certas instituigdes tornam-se os locais onde esta luta tem Iugar e onde essas ideologias dominantes so produzidas. A escola € um desses importantes locais, . Aqui ndo é somente a instituigao que € importante. As ideologias domi- nantes devem ser elaboradas por atores (pessoas reais). Como Gramsci — um dos autores mais importantes na andlise da relagao entre cultura e economia — observa, esta tem sido uma das tarefas primordiais dos “‘intelectuais”, difundindo ¢ tornando legitimos os significados ¢ pratica idealégicos domi- nantes, tentando ganhar 0 consentimento das pessoas ¢ obter a unidade. no conflitante tetreno da ideologia®’. Quer aceitemos ou nao, os educadores _estdio na’‘posicdoestrutural de serem esses “‘intelectuais” e, portanto, néo estdo isolados dessas tarefas ideolégicas (embora, naturalmente, muitos deles ; Possam lutar contra isso). Novamente, as idéias de Gramsci so de utilidade. ‘O controle do aparato cultural da sociedade, tanto das instituigdes que produ- ; 2em ¢ preservam o onhecimento, quanto dos atores que trabalham nelas, i+ € essencialna luta pela hegemonia ideolégica. ~ “Esses comentarios gerais sobre como os estudos recentes tém analisado a ideologia ¢ a reprodugao obviamente levantam algamas questées excepcio- nalmente complexas. Reprodugio, o estado, legitimagio, acumulagao, contra- digo, hegemonia ideologica, base/superestrutura, todos estes siio conceitos estranhos para uma drea envolvida em elaborar métodos neutros ¢ eficientes. Contudo, se queremos levar a sério a natureza politica da educago e do curriculo e as vantagens ¢ resultados desiguais da escolarizagio™, cles so ‘essenciais: Em geral, portanto, se pensamos as caracteristicas internas das . escolas € 0 conhecimento encontrado. dentro delas como estando intrinca- -damente conectados a relagdes de dominagdo, qual € a implicagio do uso “desses conceitos para a andlise das escolas e do curriculo? Em sua discussdo das varias formas através das quais os marxistas tém analisado a educagio (¢ essas formas ndo so todas iguais; elas diferem radical- mente)", Stuart Hall capta a esséncia de parte da abordagem adotada por aqueles dentre nés que foram influenciados por esses estudos, em particular pela obra original de Gramsci. Uma citagio de uma de suas passagens mais Tongas resume alguns dos fundamentos desta posicdo de forma bastante clara: Esta posigdo atribui a determinacdo fundamental no processo de assegurar a “complexa unidade” da sociedade as relag6es da estrutura econdmica, ‘mas considera as assim chamadas “‘superestruturas” como tendo um “tra- 32. I Michael W. Apple balho” vital, central para executar, na sustentagio, nos niveis soci cultural, politico e ideolégico, das condicdes que permitam que a produgio, capitalista continue. Além disso, ela vé a superestrutura como tendo © papel, acima de tudo, de colocar a sociedade em “conformidade” com as exigéncias ¢ condigdes de longo prazo do sistema econdmico capitalista (por exemplo, no trabalho de Gramsci). Isto sugere que, embora as superestruturas sejam mais determinadas que determinantes, a topografia bbase/superestruturas nao € téo importante quanto o “trabalho” relativa- mente auténomo que as superestruturas executam para a estrutura econd- mica. Isto é visto como um “trabalho” dificil, contestado, que opera através de oposi¢io ¢ antagonismo — em resumo, por meio de uma luta de classes que estd presente em todos os varios niveis da sociedade — onde as simple correspondéncias sio diffeeis de ocorrer. Longe de supor uma simples recapitulagdo entre as vArias estruturas da sociedade, esta abordagem vé o “trabalho” que as superestruturas (como as escolas) executam como necessirio precisamente porque, em si préprio, o sistema econémico néo pode assegurar todas as condigbes necessdrias para sua propria reproduc ampliada, O sistema econémico nao pode assegurar que a sociedade seja elevada aquele nivel geral de civilizagao ¢ cultura que seu sistema avancado de produgio necesita. Criar uma ordem social em torno das relagdes econdmicas fundamentais ¢ tao necessirio quanto a propria produgao; as relagGes de produgdo sozinhas nfo podem “produ- zir” uma tal ordem social. Aqui, entio, a relagio nao ¢ de correspondéncia mas de acoplamento — 0 acoplamento de duas esferas distintas, mas interrelacionadas ¢ interdependentes. Gramsci € um dos tedricos mais importantes dessa posiggo. A natureza do “acoplamento” em vista é descrita na frase de Gramsci, “o complexo estrutura-superestrutura”. Novamente, simplificando, podemos chamé-lo de paradigma da hege- monia®, . Embora alguns desses pontos devam ser amplamente discutidos ¢ 0 esto senda atualmente, observe 0 que est sendo argimentado aqui. Instituigées “superestruturais” como as escolas tém um grau relativo de autonomia. A estrutura econdmica néo pode assegurar qualquer correspondéncia simples entre ela mesma e essas instituigdes. Entretanto, essas instituig6es, a escola entre elas, exercem fungdes vitais na recriagdo das condigdes necessérias para que a ideologia hegeménica seja mantida. Essas condigdes néo so impostas, entretanto. Elas sdo necessitam ser continuamente reelaboradas no campo de instituigées tais como a escola. As condigdes de existéncia de uma formagio social particular so reelaboradas através de relagSes antagénicas (e as vezes mesmo através de formas de oposictio, como veremos mais tarde neste livro ¢ Amedida que eu discuto minha prdpria evoluedo em relagio a esses conceitos € posigées neste capitulo). Acima de tudo, a hegemonia néo surge simples- mente; cla deve ser elaborada para locais particulares como a familia, 0 local Educagio ¢ Poder | 33 de trabalho, a esfera politica ¢ a escola’, E & justamente este processo de compreender como a hegemonia surge, como eia € parcialmente produzida, através das interagdes pedagégicas, curriculares ¢ avaliativas que ocorrem no cotidiano das escolas, que tem sido minha preocupagio principal. “{deologia e-Curriculo” como uma primeira aproximagio O que emerge desta discussio geral da forma de interpretar a escola? Nio nos serve um modelo simplista, unidirecional, isento de conflitos, do tipo “base/superestrutura”. A contestacéo é parte central da reprodugio. Mesmo conceitos como reprodugio podem ser inadequados. & para mim mais facil dizer isso ¢ comegar a entender plenamente a importancia das implicagdes da perspectiva articulada por Halll agora do que 0 era até trés anos atrés quando estava terminundo de escrever Ideologia e Curriculo. Para ser honesto, todos esses argumentos sobre reprodugdo, contradigao e contestagdo nao me ocorreram de repente; nem fui imediatamente capaz de avaliar como eles poderiam ser empregados ou 0 que poderiam significar. Dado meu préprio interesse ¢ o interesse de pessoas como Bowles e Gintis, Bourdieu, Bernstein e outros na questo da reprodugéo — um interesse que era crucialmente importante, creio, naquele momento histérico particular, mas um interesse que no comego tendia a exeluir outras coisas que poderiam estar acontecendo nas escolas — esses argumentos tiveram que ser discutidos, elaborados, tendo sido afinal Jentamente incorporados. As vezes isto envolveu ( ainda envolve) uma séria autocritica do meu proprio trabalho anterior, assim como do de outras pessoas, corrigindo e trabalhando em cima de erros e refinando 0 que parece agora demasiado simples ou mecanicista. Tendo em vista esse esforgo para tentar fugir duma abordagem simplista da reprodugao, por parte de algumas pessoas como eu, no que se segue gostaria de utilizar meu préprio trabalho como um caso paradigmético, tanto para entender a influéncia do excepcional crescimento da literatura a respeito dos processos de reprodugao, contradigéo e contestagdo sobre os estudos que buscam situar a escola numa trama mais ampla de relagdes sociais quanto para desenvolver a iégica dos argumentos que apresentarei nos capitulos poste- tiores deste livro. ‘No meu trabalho anterior enfatizei o papel dos curriculos escolares na criagio e na recriagdo da hegemonia ideolégica das classes ¢ das fragdes de classes dominantes de nossa sociedade. Em esséncia, a problemAtica funda- mental que orientava o meu trabalho era a da relacdo entre poder e cultura. Embora eu no tenha sido totalmente claro a este repeito, eu intuitivamente apreendia o fato de que a cultura tinha uma forma dual, Ela é experiéncia vivida, desenvolvida a partir das (e corporificada nas) interagéese vidas cotidia- nas de grupos especificos. Contudo, ela tem também uma outra caracteristica. Refiro-me a capacidade que tém certos grupos para transformar a cultura 34 I Michael! W. Apple numa mercadoria, para acumulé-la, para fazer dela 0 que Bordieu chamow de “capital cultural”. Sob muitos aspectos, eu achava que o capital cultural € 0 capital econémico poderiam ser pensados de forma similar, Contudo, tanto um quanto outro desses significados de cultura —~ mercantilizada € vivida —estavam pouco desenvolvidos em minhas investigagdes iniciais, talvez por causa dos debates ¢ questdes nos quais cu desejava intervir. Grande parte de minha andlise da escola em Ideologia e Gurticulo concen- trava-se em dois pontos: (1) um debate com as teorias fiberais do curriculo e da educagio em geral, ao tentar mostrar o que € realmente ensinado nas escolas ¢ quais poderiam ser seus efeitos ideolégicos; e (2) um debate dentro da comunidade intelectual de esquerda a respeito do que as escolas fazem. O primeiro desses pontos vinha de minha concordancia bisica com pessoas como Bowles e Gintis, Althusser ¢ outros a respeito da afirmagéo de que as escolas sio agéncias importantes de reprodugio social. Nossas tentativas para reformar essas agéncias tendiam a ser equivocadas, em grande parte porque deixévamos de reconhecer o funcionamento sécio-econdmico da insti- tuigéo. Da mesma forma que essas outras pessoas, procurei deserever como esse funcionamento realmente ocorria. Os tipos de porguntas que cu fazia eram diferentes daquelas que dominavam uma direa que pensava em termos de eficiéncia. Em vez de perguntar como poderfamos fazer com que um aluno adquirisse mais conhecimento curricular, cu fazia um conjunto mais politico de perguntas, “Por que e como aspectos particulares de uma cultura coletiva sio representados nas escolas como conhecimento fatual objetivo? Como, concretamente, 0 conhecimento oficial representa as configuragies ideol6gicas dos interesses dominantes na sociedade? Como as escolas legiti- mam esses padres limitados e parciais de conhecimento como verdades in- questionsveis?”™ - Egsas quest6es forneciam 0 conjunto fundamental de interesses que orien- tavam meu trabalho. Como mencionei antes, eu estava preocupado com o fato de que, em nossa longa histéria, desde Bobbitt ¢ Thorndike até Tyler e, digamos, Popham e Mager, de tentativas de trftnsformar o curriculo numa mera preocupacao com métodos eficientes, n6s tinhamos despolitizado quase totalmente a educagdo. Nossa busca de uma metodologia neutra e a continua transformagao da 4rea em uma “instrumentagio neutra” a servico de interesses estruturalmente ndo-neutros servia para nos ocultar 0 contexto politico ¢ eco- némico de nosso trabalho. O tipo de anélise econ6émica/politica no qual eu estava envolvido era muito semelhante sob varios aspectos a andlise que estava sendo feita por Katz, Karier ¢ Feinberg na historia ¢ na filosofia da educagao, por Bowles e Gintis e por Carioy e Levin na economia da educagio e por Young, Bernstein e Bourdieu na sociologia da educagio, Embora houvesse muitas semelhangas, entretanto, havia ¢ ha sérias discordancias entre muitos de nés na esquerda que analisamos as (e atuamos nas) instituigdes educacionais, Essas discordancias forneceram 0 contexto para o segundo ponto que ev mencionei acima. Fulucagio e Poder | 35 Boa parte desse tipo de andlise neomarxista tratava a escola como sendo uma caixa preta ¢ eu estava tio insatisfeito com isso quanto estava com a tradigdo dominante em educagdo. Ela nao entrava na escola para descobrit como a reprodugio ocorria. Estranhamente, sob muitos aspectos, isto era 0 equivalente do modelo de Tyler sobre curriculo, na medida em que o foco tendiaa ser cientificista ¢ a colocar a énfase no input e no output, no consenso ¢ na produgio eficiente. As interpretag6es feitas sobre a escola eram clara- mente diferentes das de Taylor e dos “experts” em curriculo preocupados com eficiéncia, Contudo as escolas eram ainda vistas desta forma: elas tomavam um input (os alunos) e 0s processavam eficientemente (através de um curriculo oculto) ¢ os transformavam em agentes de uma forga de trabalho desigual e altamente estratificada (output). Assim, o papel principal da escola estava, no ensino de uma consciéncia ideol6gica que ajudava a reproduzir a divisio do trabalho na sociedade. Esta interpretacdo estava correta em certa medida, mas deixava sem solugda dois problemas. Como isso era obtido? Isso era tudo que as escolas faziam? Gastei uma boa parte de Ideologia ¢ Curriculo tentando responder essas questées. Analisei o processo de escolarizagio usando uma variedade de técni- cas — hist6ricas, econémicas, culturais ¢ etnogrificas. Nesse proceso, tornou- se claro que pelo menos trés elementos basicos do proceso de escolarizagio tinham que ser examinados: as interagdes cotidianas ¢ as regularidades do « curriculo oculto que tacitamente ensinavam normas e valores importantes; o corpus formal de conhecimento escolar — isto é, o préprio curriculo oculto — encontrado nos varios materiais e textos ¢ filtrado por intermédio dos professores; ¢, finalmente, as perspectivas fundamentais que os educadores (leiamos aqui os argumentos de Gramsci sobre o papel dos intelectuais) utili- zam para planejar, organizar e avaliar 0 que acontece nas escolas. Cada um desses elementos era examinado para mostrar como os significados & as priticas cotidianas tao comuns nas salas de aula — embora estejam af expressamente para ajudar criangas individuais — tendiam a ser menos instru- mentos de ajuda e mais partes de um complexo processo de reprodugdo cultural € econédmica das relagdes de classe de nossa sociedade, ‘Uma palavra na iiltima sentenga pée em relevo a questio “E isto tudo que as escolas fazem?": a palavra “cultural”. Como para Bernstein, Bourdiew ¢ especialmente Gramsci, era evidente para mim que as escolas eram institui- Ges tanto culturais quanto econdmicas ¢ analisar a reprodugio da divisio social do trabalho néo esgotaria 2 questio de como as escolas contribuem para a criagéo da hegemonia ideolégica. Assim, uma vez mais a forma ¢ © contesido do curriculo adquirem grande importancia se se trata de ver como a dominagéo cultural opera e como a “‘unidade é criada”. O que 0s pesquisadores que estavam lidando quase exclusivamente com o problema da reprodugio econémica estavam deixando de lado era a cultura preservada, transmitida ¢ rejeitada no interior da instituigGo. A forma através da qual © curriculo era organizado, os prinefpios em torno dos quais ele era elaborado 36 1 Michael W. Apple eavaliado ¢, finalmente, o proprio conhecimento, tudo isto tornava-se crucial- mente importante se a questdo era entender como o poder era reproduzido. Com isto estou me referindo néo somente ao poder econémico, mas 20 poder cultural também, embora os dois estejam estreitamente entrelacados". Entretanto, a énfase sobre o curriculo e a cultura ainda deixava de lado uum aspecto importante da escola, e & aqui que também tentei ir além dos tedricos da reprodugio econdmica tais como Bowles ¢ Gintis. Eles viam a escola como um local em que valores, normas e disposigdes de Taiz econdmi¢a sdo transmitidas, algo que eu também havia descrito tanto na etnografia do que é ensinado no jardim de infancia quanto na andlise dos curriculos de estudos sociais e de ciéncias feitas em Idevlogia ¢ Currfculo. Essa abordagem tendia a ver as escolas e seu curriculo explcito € oculto to somente como partes de um mecanisme de distribuigao. Afinal, as escolas realmente distri- buem valores e conhecimento ideol6gicos. Entretanto, isto deixava de lado um componente essencial daquilo que 0 aparato educacional faz, O sistema educacional constitui um conjunto de instituigées que so igualmente funda- mentais para a produgdo de conhecimento. Como 0 leitor vers no Capitulo 2, este era e € 0 clemento-chave na minha discussio a respeito de como devemos interpretar a educacdo. As escolas estdo organizndas ndo apenas para ensinar 0 “conhecimento referente a qué, como e para qué”, exigido pela nossa sociedade, mas estdo organizadas também de, uma forma tal que elas, ao final das contas, auxiliam na produgao do conhecimento técnico/admi- nistrativo necessdrio, entre outras coisas, para expandir mercados, controlar a produgio, 0 trabalho e as pessoas, produzir a pesquisa basica e aplicada exigida pela industria e criar necessidades “artificiais” generalizadas entre a populagdo®. Este conhecimento técnico/administrativo € possivel de ser acumulado, Ele age como uma forma de capital e, como 0 capital econdmico, este capital cultural tende a ser controlado e a servir aos interesses das classes mais poderosas da sociedade®. Os capitais cultural ¢ econémico esto inextrica- velmente vinculados, O tipo de conhecimento considerado como mais legitimo na escola, 0 qual atua como um complexo filtro para estratificar grupos de alunos, est conectado As necessidades especificas de nosso tipo de formagao social. As escolas produzem conhecimento de um tipo particular, portanto, a0 mesmo tempo que recriam categorias de desajustamento que estratificam os alunos. A criagéo de desajustamentos ¢ a produgio de capital cultural estiio indissoluvelmente conectados. Assim, comecei a perceber a necessidade de interpretar 0 processo de escolarizagéo tanto como um sistema de reprodugdo quanto um sistema de producio. Nossa andlise do que entra nas escolas e por qué, do que conta como conhecimento ¢ valores legitimos, estaria incompleta se ndo vissemos os papéis complexos ¢ contraditérios que as escolas exercem. Como alguns dos “novos” socidlogos da educagio argumentaram, as escolas processam tanto pessoas quanto conhecimento. Mas 0 “processamento” de conhecimento inclui mais que sua distribui¢do diferenciada entre diferentes tipos de pessoas; Edducagio.e Poder | 37 ele inclui também sua producdo e, no final das contas, sua acumulagao por parte daqueles que estéo no poder. Embora tudo isto parega demasiado abstrato, as suas raizes estavam ¢ estio em algo muito mais concreto. Como alguém que havia ensinado durante vérios anos tanto no primeiro quanto no segundo grau e que havia continua- mente trabalhado como educador de professores e administradores, eu estava buscando formas de entender a minha € a sua agdo. Os professores, por exemplo, culpavam a si mesmos como individuos (ou a scus alunos) pelos fracassos dos alunos, exatamente como eu fazia. Cada vez mais, entretanto, Pparecia-me que nao era uma questo da quantidade de esforgo dispendido por professores ¢ outras pessoas envolvidas no currfculo. De fato, poucos grupos de pessoas trabalham téo duramente e em circunstincias tio incertas, diffceis e complexas, quanto professores e administradores. Ao invés disso, tomava-se cada vez mais claro que a prdpria instituigdo e as conexdes que ela mantinha com outras agéncias sociais poderosas geravam as praticas € as regras dominantes das vidas dos educadores. Culpar os professores, incri- minar os individuos, no ajudava nada. Analisar como, e especialmente por qué, a instituigdo faz o que faz, de modo que se pudesse ir além dessas ages individuais, parecia muito mais adequado, Dessa forma poderiamos tomar decisdes muito melhores a respeito de agdes curriculares e pedagégicas. Embora obter uma compreensao do controle nao constituisse mais que um pequeno passo para desafiar aquele controle, era um passo que cu sentia ser essencial se quiséssemos ver 0 controle tal como era e comegar a perceber 05 beneficios diferenciados — tanto econdmicos quanto culturais — que resul- tavam daf. ‘Ao mesmo tempo, a medida que eu mesmo me tornava mais consciente dessas vantagens diferenciadas ¢ das estruturas nas quais a educacéo se encon- trava envolvida, a minha propria prética modificava-se politicamente. A anéli- se, embora ainda deficiente sob certos aspectos que eu comecava a aprender, era estimulante sob outros. Ela exigia um envolvimento ainda mais profundo na agio e na politica socialistas em varios niveis, tendo assim, ao fin contas, efeitos retroativos sobre minha andlise original. O meu trabalho inicial parecia nio “teorizar” adequadamente os tipos de coisas que eu mesmo ou os grupos de trabalhadores, pais e professores progressistas com quem eu trabalhava, estavam fazendo. {sso se tornou cada vez mais premente. Conflito ¢ contradigao no trabalho e na cultura Apés ler a seco anterior deste capitulo, a respeito das teorias da simples reprodugio ¢ seus problemas, tornou-se provavelmente claro para vocé que parte do problema estava no préprio fato de que a metéfora dominante na maioria das andlises feitas em Ideologia e Curriculo era a da idéia de reprodu- cdo. Eu a havia ampliado para incluir consideragdes tanto culturais quanto 38 / Michael W. Apple econémicas ¢ argumentado em favor de uma nogio da escola como um aparato tanto produtivo quanto reprodutivo. Entretanto, a orientagdo aqui ainda conti- nuava num nivel demasiado funcional. Ela concebia as escolas, e especialmente © curriculo oculto, como estando correspondendo de forma bem sucedida as necessidades do capital: tudo o de que necessitévamas era ver como isso era efetivamente realizado. O que estava agora mais visivelmente faltando em minhas formulagdes nesse momento era uma ani que focalizasse as contradigdes, 0s conflitos ¢ as mediagdes ¢ especialmente aiesisténcias, fanto quanto a reprodugdo. Pois embora eu tivesse apresentado argumentos contra ‘0s modelos tipo base/superestrutura nos quais a forma econdmica determina totalmente o contetido ¢ a forma culturais, e embora quisesse mostrar que a esfera cultural tinha algum grau de autonomia relativa, eu tinha uma nogio teoricamente pouco desenvolvida de determinagio. Era um nogio que me Jevava de volta a uma l6gica da correspondéncia entre o que as escolas ensina- vam e as “necessidades” de uma sociedade desigual, uma Idgica que podia nao explicar totalmente as outras coisas que poderiam estar ocorrendo. Ao me debater com este problema, o trabalho de meu colega Erik Olin Wright sobre a natureza das determinagées tornou-se de grande ajuda. Ele identificou uma série de modos basicos de determinagdo, alguns dos quais indicavam uma situagao em que uma instituicdo ou pratica simplesmente repro- duzia uma ordem social ou ideologia dada. Mas ele mostrava também que algo mais podia estar ocorrendo. Poderiam existir significados ¢ préticas que se contradiziam umas as outras ¢ os interesses expressos de uma classe domi- nante, Havia “institui¢Ges” importantes —tais como oestado —que mediavam 08 interesses do capital. E, de forma mais importante, poderia haver lutas e agdes concretas, embora as vezes nao conscientes, por parte de grupos e atores humanos que podiam tanto mediar qiuanto transformar os significados ¢ estruturas existentes, sob muitos aspectos significativos*. Eu comecei a perceber que as explicagdes funcionalistas do curriculo oculto, explicagdes que buscavam demonstrar tanto que os estudantes, como 0s trabalhadores, eram eficazmente socializados, quanto que o poder das formas técnicas/administrativas usadas pelo capital no era desafiado, eram elas mesmas parte desse mesmo processo de reprodugio contra o qual eu me debatia, Isto significava que eu tinha que examinar duas areas — resistén- cias na escola € no local de trabalho. Se Wright (assim como minha experiéncia pessoal) estivesse correto, entdo cu deveria ser capaz de encontrar processos contraditérios em funcionamento nessas instituigGes, néo apenas uma corres- pondéncia entre 0 que o capital quer ¢ aquilo que ocorre. E esses processos contraditérios deveriam exacerbar-se 4 medida que a crise estrutural se desen- volvesse. Essa consciéncia crescente da forma através da qual a contestacdo e as resisténcias operam e o meu préprio trabalho politico com as pessoas nas fabricas, escolas ¢ escritdrios, levou-me a examinar os crescentes estudos sobre controle cotidiano do trabalho. Uma coisa tornou-se logo evidente. Educagio ¢ Poder | 39 Quando examinamos 0 proceso de trabalho, a vida real dos homens omulheres ‘em nossos escritérios e fabricas, 0 que encontramos é um quadro muito mais complexe do que aquele que fomos levados a esperar lendo a literatura sobre ‘ocurricuto oculto em que simples correspondéncias entre a escola e a economia surgem de alguma forma demasiado direta. Essa complexidade ¢ muito impor- tante uma vez que 2 validade das teorias da correspondéncia depende da exatiddo de sua visio do processo de trabalho, Entretanto, ao invés de encon- trar trabalhadores sendo 0. tempo todo dirigidos pelo vinculo salarial, pela autoridade, pelo planejamento dos especialistas ¢ pelas normas de pontua- lidade e produtividade, o controle e a organizagdo reais do processo de trabalho mostram o quanto os trabalhadores em todos os niveis muitas vezes apresentam resisténcias e envolvem-se em ag6es que so bastante contradi- torias. Uma citagdo do Capftulo 3 dard uma idéia do meu dltimo argumento: Em vez de um processo de trabalho totalmente controlado pelo capital, em vez de estruturas rigidas ¢ fechadas de autoridade e de normas de pontualidade e de obediéncia, o que vemos ¢ uma complexa cultura do trabalho. Essa mesma cultura do trabalho fornece importantes elemen- tos para a resisténcia do trabalhador, para a ago coletiva, para o controle informal da cadéncia ¢ da qualificagio e para a reafirmagdo de sua propria humanidade... Os homens e as mulheres trabalhadores parecem envol- vidos em atividades piiblicas e informais que deixamos de ver quando falamos apenas em termos reprodutivos. Evidentemente, entio, os trabalhadores resistem sob formas sutis e impor- tantes, Eles freqdentemente contradizem e, em parte, transformam modos de controle em oportunidades de resistencia ¢ de manutengao de suas préprias normas informais de diregao do processo de trabalho. A reprodugic € obtida nao apenas através da aceitagio das ideologias hegemdnicas, mas também através de oposigio ¢ resisténcias, Devemos lembrar aqui, entretanto, que essas resistencias ocorrem no terreno estabelecido pelo capital, no necessa- riamente pelas pessoas que trabalham nos escritérios, lojas e industrias. Precisamos também nos lembrar'de um elemento que mencionei antes, € que desenvolverei com mais detalhe nos Capitulos 3 4. Essas resisténcias culturais informais, esse processo de contestagéo, podem agir sob formas contradit6rias, as quais podem acabar sendo reprodutivas. Ao resistir e estabe- lecer uma cultura de trabalho informal que tanto recria alguma espécie de controle do trabalhador sobre o processo de trabalho quanto rejeita uma boa parte das normas nas quais os trabalhadores podem também estar de forma latente reforcando as relagées sociais da produgo capitalista. Sim, podem controlar parcialmente o nivel de destreza e a cadéncia de seu trabalho, mas no modificam realmente as exigéncias minimas da produgao nem desa- fiam efetivamente os “direitos” do capital. Resisténcias em um nivel podem Teproduzir em parte a falta de controle em um outro. 40 J Michael W. Apple Todas essas andlises da vida em nossos locais de trabatho foram muito importantes para mim. Meu estudo sobre o “outro lado do curriculo oculto”, sobre como é realmente 0 processo de trabalho, aumentou consideravelmente minha compreenséo do modo de desenvolvimento das formas culturais de oposigdo na vida cotidiana. Meu interesse na ideologia ¢ na autonomia relativa da cultura continuou forte, pois se a resisténcia e a contestagio eram reais, entio elas podiam ser utilizadas também para efetuar mudangas estruturais importantes. Elas poderiam ser usadas para “ganhar” pes8oas para o outro lado, se quisermos expressar assim. Os modelos tipo “base/superestrutura” eram, de forma visivel, demasiado limitantes, tanto teérica quanto politica- mente, e eu estava agora tentando ir além deles, sob alguns aspectos impor- tantes. Entretanto, minhas tentativas para avangar — para lidar com a cultura assim como com a etonomia mais seriamente, para articular os princfpios de produgao do conhecimento assim como os da reprodugdo — foram estimu- ladas também por algo mais. Um avanco importante estava sendo feito em relacdo a0 proprio tema da reprodugio ¢ produgdo culteral, especialmente por parte de etnégrafos marxistas. Investigagdes etnogrificas recentes, em particular aquelas efetuadas por pessoas tais como Paul Willis no Centre for Contemporary Cultural Studies da Universidade de Birmingham, propiciaram-me importantes elementos, os quais me permitiram aplicar a escola alguma coisa do que eu havia aprendido sobre © processo de trabalho. Willis ¢ outros demonstraram que ao invés de serem locais em que a cultura ¢ as ideologias so impostas aos estudantes, as escolas sdo Jocais em que essas coisas so produzidas. E como nos locais de trabatho, clas sio produzidas sob formas que estio plenas de contradigéio ¢ por um que & ele mesmo calcado em contestagdo ¢ luta*. Uma vez mais a incia ¢ a importincis da cultura vivida ganhavam a finha de frente. Os argumentos gerais que eu dclineara em minha discussio anterior sobre reproducao nao eram agora mais meras abstragdes. A heranga das perspectivas mecanicistas estava sendo agora deixada um pouco mais de lado, ‘As pesquisas etnogréficas ajudaram a deixar bastante claro que nfo havia nenhum processo mecanicista em que as presses externas da economia ou do estado moldavam inexoravelmente as escolas ¢ os estudantes de acordo ‘com os processos envolvidos na legitimacio ¢ na acumulagao do capital econd- mico e cultural. Os préprios estudantes possuem um poder — calcado em suas proprias formas culturais. Elas agem sob formas contraditérias, formas que tanto sustentam esse processo reprodutivo quanto o “penetram” parcial- mente“. Como a minha discussio da literatura sobre resisténcias culturais ede classe no Capitulo 4 mostrar, grupos de estudantes da classe trabalhadora expressamente rejeitam, muitas vezes, o mundo da escola. Essa resisténcia sera plena de contradig6es e gerard tentativas de intervengdo por parte do estado, em épocas de intensa agitaclo social e ideol6gica. Educagioe Poder | 41 Aim do trabalho de Willis, outros estudos nos Estados Unidos mostravam coisas similares. Por exemplo, a etnografia que Robert Everhart fez de estu- dantes do final do primeiro grau mostra como esses jovens predominantemente de classe trabalhadora consumiam boa parte de seu tempo “matando tempo” ¢ recriando formas culturais que Ihes dessem algum grau de poder no ambiente da escola‘’, Embora esses estudantes nao rejeitassem totalmente 0 curriculo formal, eles dedicavam a escola tao-somente o m{nimo exigido e tentavam mesmo minimizar essas exigéncias, Esses estudantes, tais como os “rapazes” do trabalho de Willis, resistiam. Eles davam somente aquilo que era necessétio para nao colocar em perigo a possivel mobilidade que alguns deles poderiam ter. Entretanto, cles jé “'sabiam” que esta era somente uma possibilidade que ndo estava absolutamente garantida. A maioria deles, de fato, perma- neceria na mesma trajet6ria econémica de seus pais. Os elementos de auto-se- lego ¢ de formas culturais de resisténcias, os quais tanto reproduzem quanto ‘contradizem as “necessidades” do aparato econdmico, demonstram 1 autono- mia relativa da cultura. Também propiciam um elemento importante’ para qualquer anilise séria a respeito do que as escolas fazem. Pois sem entrar nas escolas, sem ver como ¢ por que os estudantes rejeitam o curriculo expresso € 0 curriculo oculto ¢ sem vincular issa a concepgées ndo mecanicistas de teprodugio e contradicao, seremos incapazes de compreender a complexidade do trabalho que as escolas realizam como locais de produgio ideolégica®. A nogéo de uma etnografia especificamente marxista é muito importante neste contexto. Pois diferentemente das representacdes vulgares que buscam a marca da ideologia econémica em tudo, uma abordagem mais refinada procura analisar a ideologia de forma diferente. Ela ndo é uma forma e consciéncia falsa “‘imposta” pela economia. Ao invés, cla é parte de uma cultura vivida que € © resultado das condigGes materiais de nossas praticas cotidianas. E um conjunto de significados e praticas que na verdade contém tanto elementos de bom senso quanto elementos reprodutivos, E pelo fato de conter esses elementos de bom senso, exatamente como no caso dos traba- Ihadores que eu havia analisado, torna-se objetivamente possivel engajar-se numa atividade de educaco politica que desafie as suposicées ideolégicas das relagdes de patriarcado, dominagio ¢ exploragao na sociedade mais ampla. A possibilidade objetiva da educagio politica é algo a0 qual devo retornar nos capitulos posteriores. Enquanto tude isto ocorria, enquanto eu comegava a ter uma melhor idéia de como um quadro tedrico mais refinado poderia me ajudar a entender as priticas polfticas e eulturais que eu estava observando (e nas quais estava me enyolvendo), comecei a perceber que agora poderia também tentar respon- der mais coerentemente até mesmo a algumas das questdes mais tradicionais em torno da educagio. Se eu queria entender por que as tentativas de reforma freqientemente fracassavam, porque mesmo nossos curriculos mais criativa- mente elaborados pareciam incapazes de chegar até muitos dos estudantes 42.1 Michael W. Apple mais “desprivilegiados”, os instramentos de pesquisa e os quadros conceitusis, que emergiam das etnografias de orientagao marxista davam importantes indi- cagées. Estdvamos muito mais préximos de entender isso plenamente, por causa desses estudos sobre a resistéxcia, a contestagio ¢ a cultura vivida. A educagio e 0 Estado L. : Oestimulo inicial que ev havia recebido de Wright a respeito dos processos contraditérios € das instituigdes que mediavam as pressées econdmicas, os quais tinham suas proprias necessidades, indicavam-me uma érea que fomecia a contrapartida ideal para minha énfase na criagdo da hegemonia ideolégica € na autonomia relativd da cultura. Essa era constituida pela esfera politica, © estado e suas proprias interagdes com a ideologia e a economia. O estado tornou-se um ingredicnte essencial da minha anilise 4 medida que comecei aperceber que 0 poder, a quantidade ¢ o alcance da regulacio ¢ da intervengao do estado na economia e no processo social global, tendem a crescer, em parte, como uma fungao do “desenvolvimento gradual do processo de acumu- lado de capital”, da necessidade de consenso ¢ de apoio popular em relagao a esse processo e da correspondente ¢ continuada “desclassificagao” das pes- soas, através da reorganizagdo do discurso politico, reelaborado agora em torno dos individuos enquanto agentes econémicos®, entre outras estratégias. Portanto, havia uma interagao dindmica entre as esferas politica ¢ econémica, a qual ocorria também na educagao, Embora aquela ndo pudesse ser reduzida aesta — e, como a cultura, tivesse um grau significative de autonomia — © papel que a escola exerce como um aparelho de estado esté fortemente telacionado aos problemas centrais de acumulacdo ¢ legitimagio enfrentados pelo estado e pelo modo de produgdo em geral”, Parecia-me estranho que tivéssemos ignorado tao completamente o estado naeducacdo, exceto por algumas pesquisas de orientagio liberal sobre “politica educacional”", Afinal, o simples reconhecimente de que aproximadamente um sexto da forga de trabalho nos Estados Unidos esta empregada pelo esta- do”, ede que o préprio ensino é uma forma de trabalho que reagiré a mudangas nas condig6es globais da interagio estatal no processo de trabalho, deveria obrigar-nos a refletir ¢ a registrar sua importancia em nossas discussdes sobre educagio. Isso € especialmente importante se estamos interessados, como eu estava, na elaboragio e reelaboracdo cle ideologias hegemdnicas através de aparelhas estatais como a escola ‘Tornava-se bastante mais claro para mim que a ideologia niio é algo que flutue livremente. Ela esta, na realidade, vinculada ao estado, antes de tudo. Isto é, a hegemonia nao é um fato social jf acabado, mas um proceso no qual os grupos ¢ classes dominantes “buscam obter o consenso ativo daque- es sobre os quais exercem 0 dominio”. Como parte do estado, a educagao, portanto, deve ser vista como um elemento importante na tentativa de criar Educagio e Poder | 43 um consenso ativo. As ligagdes com minhas preocupagées iniciais tornavam-se imediatamente visfveis. Em primeiro lugar, a literatura a respeito do estado permitiu-me avancar em relacdo aos meus argumentos contra as teorias domi- nantes de educagio, para as quais a educagdo seria um empreendimento essencialmente neutro. De forma igualmente importante, entretanto, os estudos sobre o estado permitiram-me aprofundar meus argumentos contra alguns dos autores da esquerda que pareciam ainda relativamente economicistas. Diferentemente deles, eu acreditava que 0 fato de que a educagdo € um aspecto do estado e um agente ativo no proceso de controle hegeménico nio deveria nos evar a supor que todos os aspectos do curricula ¢ do ensino fossem redutiveis aos interesses da classe dominante™, Tal como a maioria dos aspectos das teorias liberais, essa suposigéo também era simplesmente incorreta. O préprio estado € um local de conflito entre classes e fragdes de classes, e também entre grupos raciais ¢ de géneros. Por ser 0 local de tal conflito, ele de ‘ou forgar todo mundo a pensar de forma igual (uma tarefa bastante dificil, que vai além de seu poder e que destruiria sua legitimidade), ow criar consenso entre uma boa parte desses grupos competidores. Assim, para manter sua prépria legitimidade, o estado necesita integrar de forma gradual, mas conti- nua, muitos dos interesses dos grupos aliados e até mesmo dos grupos que se Ihe opdem, sob sua bandeira®. Isso envalve um processo continuo de acordos, conflitos ¢ de luta ativa para manter a hegemonia. Os resultados, portant, niio siio um simples reflexo dos interesses da economia ou das classes dominantes. Mesmo as reformas propostas para modificar tanto a forma sob a qual as escolas so organizadas € controladas, quanto o que ¢ realmente ensinado, sao parte desse processo. Elas também siio parte de um discurso ideolégico que reflete os conflitos no interior do estado e as tentativas por’ parte do aparato do estado tanto para manter sua prdpria legitimidade quanto a do circundante processo de acumulagio. Isso acarretava importantes implicages para a minha andlise das escolas das suas atividades pedagdgicas e curriculares cotidianas. Significava que eu tinha uma forma melhor de entender porque essas praticas curriculares e pedagépicas ndo sio nunca o resultado da “mera” imposi¢aéo, nem s40 geradas a partir de uma conspiragao para reproduzit as condigdes de desigual- dade na sociedade. Podemos entender que ocorre exatamente 0 oposto, de que elas so orientadas por uma preméncia por ajudar ¢ por tornar as coisas melhores, se percebermos que apenas através dessa forma os varios interesses, sociais podem ser integrados no interior do estado. Ao integrar os varios elementos ideoldgicos dos diferentes grupos — os quais sio, com freqiiéncia, grupos em competigio —em tomo de seus principios unificadores, 0 consenso pode ser obtido® e a idéia de que aquelas priticas bascadas nesses principios hegemdnicos realmente ajudam esses grupos competidores pode ser mantida. 44 I Michael W. Apple Como o estado é capaz de aparecer como sendo um conjunto de “institui- ‘¢6es neutras”, agindo em favor do interesse geral?” A estratégia hegemOnica mais efetiva parece ser a de “integrar as demandas democréticas populares as empresariais num programa que favoreca a intervengao do estado no interesse da acumulago™*, Que essa é exatamente a estratégia que esté sendo atualmente empregada tornar-se-6 claro nas minhas discusses do papel contradit6rio do estado na acumulagio ¢ na manutengao das relagbes sociais hegeménicas, nos Capftulos 2, 4 ¢ 5. Ali veremos como a eséola é um local em que 0 estado, a economia e a cultura estio jnter-relacionados ¢ como muitas das reformas que esto sendo agora propostas ¢ muitas das inovagbes cutriculares agora em pauta “refletem” essas inter-relagdes. Ideologia e forma curricular Até aqui falei sobre o estado, 0 processo de trabalho e os curriculos expresso e oculto. Descrevi minha propria compreensio de como as ideologins funcionam sob formas contraditdrias tanto no local de trabalho quanto na escola. Ao mesmo tempo, argumentei que as formas usuais sob as quais a esquerda tem examinado esses locais tendem a ser algo limitadas. Conside- rando inclusive o movimento de meu préprio pensamento ao longo dos iltimos anos, entretanto, no devemos exagerar nossos argumentos contra a metdfora da reprodugio. Pois ndo quero dar a entender que a légica ¢ a ideotogia do capital ndo entram na escola ¢ em seu cursiculo, através de formas bastante poderosas. Na verdade, como se tornard mais claro no Capitulo 5, essa I6gica estd tendo um impacto profundo sobre a prética escolar cotidiana. Para enten- der isso, precisamos retornar a idéia de cultura niio como experiéncia vivida, mas como forma mercantilizada, Isto nos fornece um outro elemento para a. compreensio de como as escolas atuam como locais de reprodugao ¢ produ- gio ideolgicas. Em todas as minhas andlises ao longo da tiltima década, venho dizendo que para entender plenamente como as ideologias operam nas escolas, precisa mos olhar para o conereto da vida escolar cotidiana, Em relacfo a isso, adquire atualmente grande importdncia a maneira como a l6gicae os modos de controle do capital esto entrando na escola através da forma assumida pelo eurriculo, nao apenas através de seu contetido, E essa relagdo entre forma ¢ contetido seré crucial na minha anilise da reprodugao ¢ da contradigio. Para entendermos porque algumas dessas coisas notaveis esto aconte- cendo nas escolas e nas nossas vidas fora ¢ dentro delas, precisamos compreen- der a progressio histérica de nossa formacio social. Sem sermos reducionistas, precisamos compreender as mudangas e as crises em nossa economia € no contetido ¢ forma ideoldgicas que sio em parte geradas por ela ¢ agit sobre essa realidade. © conhecimento curricular, mais uma vez, tornava-se muito importante para mim neste contexto. Educagfo e Poder | 4S E importante questionar dois aspectos do currfculo. O primeiro diz respei- to ao proprio contetido. Qual é esse contetido? E de forma igualmente impor- tante: 0 que ndo faz parte desse contetido? Nas palavras de Macherey, questio- namos, assim, 08 siléncios de um texto para descobrir quais os interesses ideolégicas em funcionamento”. Seguindo Raymond Williams, chamei essa andlise do material real do curriculo de “tradicio seletiva"™. O segundo aspecto a ser examinado é a forma. De que modo o conteiido, acultura formal, é reunida? O que est4 ocorrendo ao nivel da prépria organi- zagio do conhecimento? Deixe-me fornecer um exemplo disso, o qual sera bastante aprofundado mais adiante. Por uma série de razdes econdmicas, politicas ¢ ideoldgicas, uma boa parte dos curriculos nos Estados Unidos esté organizada em torno da individualizagdo. Isto é, ndo importa qual seja 0 contetido especifico de matematica, estudos sociais, ciéncias, leitura e assim por diante, ele & organizado de uma forma tal que os estudantes trabalham, de acordo com niveis individuais de destreza, em “folhas de trabalho” indivi- duais pré-especificadas, em tarefas individuais. Considere um dos conjuntos mais usados de leitura, por exemplo, o elaborado pela Science Research Associates (uma subsididria da IBM), o Kit de Leitura SRA. Nele os estudantes fazem testes para estabelecer os niveis apropriados de destreza; séo, entdo, individualmente colocados num nivel especifico (codificado de acordo com uma cor); e avangam através da seqiéncia padronizada de material, traba- Thando em histérias individuais e em exercicios de destreza. Examinemos aqui a forma mesma do material. A maior parte das ativida- des pedagégicas, curriculares ¢ avaliativas mais importantes € planejada de tal modo que os alunos interagem com o professor apenas individualmente, do uns com os outros (exceto durante os “'recreios”). O professor “gerencia” © sistema, Isto tanto aumenta a eficiéncia quanto facilita a disciplina. Poderfa- ‘mos perguntar: 0 que hd de errado nisso? Nao é essa a pergunta a ser feita, se estamos interessados na reprodugio ideolégica e em como a escola reage 4 crise. Uma pergunta mais adequada é: qual é a codificagao ideol6gica pre- ‘sente no material? Como esse material organiza nossas experiéncias sob formas similares ao processo de consumo individual e passivo de bens e servicos pré-especificados, os quais foram submetidos A légica da mercantilizagao, tio necesséria para a continua acumulacio de capital? Talvez um exemplo tirado de um outro elemento do aparato cultural da sociedade, um exemplo que contribuiu bastante para minha prépria com- preensdo inicial dessas questdes, possa ser util neste ponto. Ele é extraido da provocativa andlise feita por Todd Gitlin do modo como o dispositivo format dos programas de televisdio do horiirio nobre encoraja os espectadores a verem a si mesmos como individuos apolfticos, como acumuladores privados. Ele aponta para as seguintes caracteristicas como sendo importantes na eafir- magio da hegemonia. A “curva padrio da agio narrativa’”, em que personae gens padronizados lidam com uma nova versio de uma situagdo-padrao; 0 adensamento da trama, na qual “personagens basicos” exibem um contetido 46.1 Michaet W. Apple padronizado; a resolugio da trama em vinte ¢ dois minutos ou em cingiienta, todas essas regularidades de uma formula repetida sio “performances que simulam a rigidez social”. Elas “expressam ¢ cimentam o imobilismo de um mundo social impermedvel 4 mudanga substancial”*, Essas f6rmulas no séo isoladas, entretanto. Elas precisam ser vistas em relagdo com a comercializagao ¢ com extrituras temporais. Pois, 20 orga nizar o “tempo livre” dos individuos em unidades fechadas ¢ intercambidyeis, a televisio “amplia (e articula-se com) a industrializagio do tempo. O tempo da midia e o tempo da escola, com suas unidades equivalentes e suas curvas de agio, espelham o tempo do trabalho regido pelo reldgio...” Dessa forma, © tempo livre é industrializado, a duracao é homogencizada ¢, dada a férmula empregada, até mesmo 0 g020 pessoal é transformado em rotina pela estrutura da trama padronizada. A forma desse aspecto do aparato cultural é que © componente importante nesse caso™. ‘Até mesmo a forma da experiencia do processo de ver televisio contribui para a recriagdo da experiéncia ideoldgica. Sentimo-nos isolados como especta- dores, muitas vezes envolvendo-nos em interacdo social apenas durante os comerciais®, Os comerciais determinam a ocasidio em que as coisas acontecem na trama. O préprio fato de que os comerciais sio tao dominantes € um indicador dos seus efeitos sobre as nossas consciéncias. Eles sdo responsaveis, em gande parte, por nos tornar “acostumados a pensar sobre nés préprios anos comportar como um mercado e no como um pifblico, como consumi- dores endo como cidadaos”*. Observe que esse longo exemplo do efeito ideolégico de um elemento do aparato cultural mais amplo, a televisdo, no analisou 0 contetido —o que aconteceu, quais perspectivas eram apresentadas e qual o papel ideolégico da tradigao seletiva em funcionamento nesse caso. Embora essas questdes sejam de importincia crucial, deixamos de ver algo que € igualmente importante se descuidamos de analisar a forma que o contet- do assume — como ele organiza nossos significados e agdes, suas seqiiéncias temporais ¢ implicagdes interpessoais, sua integragio com os processos da acumulacdo de capital ¢ com a legitimagio de-idcologias. Exatamente essas mesmas quest6es precisa também ser feitas em relagio a forma do curriculo e A interagdo social nas escolas. Pois € com base nas formas curriculares dominantes que o controle, a resisténcia e o conflito se desenvolvem. E, € exatamente nesse mesmo campo que a crise estrutural torna-se visivel ¢ as questées sobre o curriculo oculto, a intervengao do estado ¢ o controle do processo de trabalho sio integradas ao nivel da pratica escolar. Para que vejamos inteiramente as implicagdes desses argumentos, precisa- mos relembrar um ponto que estava implicito na minha ripida discussio sobre 0 estado. As escolas sio locais de trabalho dos professores, algo que, com bastante freqiiéncia, esquecemos. Entretanto, modificagdes na forma curricular, como as que discuti, tém um profundo impacto também sobre esse trabalho. Elas carregam uma relagio fundamentalmente transformada entre 0 trabalho, as habilidades, a consciéncia e os produtos de uma pessoa Fducagio e Poder | 47 €05 de outras pessoas, Ao mesmo tempo, ao enfatizar essas modificagées, como eu farei no Capitulo 5 — ¢ elas serdo tio contraditérias quanto as mudangas que vemos hoje em qualquer aspecto do pracesso de trabalho em geral — teremos uma referéncia com a qual fundamentar as agdes que grupos progressistas podem levar a efeito dentro das escolas ¢ entre os professores. Essa dupla concepgio — de que as novas formas curriculares engendram tanto novos modos de controle quanto possibilidades de ago politica — abre uma porta para nossa compreensiio do que acontece nas escolas ¢ propicia um elemento fundamental para nossa anélise. Como? Certos principios basea- dos em grande parte no conhecimento técnico/administrative produzido pelo aparato educacional tém orientado a organizagio ¢ o controle dos locais de trabalho da economia capitalista. Esses prineipios tém penetrado nao apenas nos locais de trabalho das fabricas, mas permeiam cada vez mais todos os aspectos do aparato produtivo da sociedade, Trabalhadores de fabrica ¢ de escritério, trabalhadores intelectuais e manuais, os que trabalham no comércio na montagem, e mesmo os trabathadores da educacao, tém sido, lenta, mas seguramente, incorporados 4 légica dessas formas de organizacdo e contro- le, Sob aspectos importantes, o ensino é um processo de trabalho, um processo que certamente tem suas pr6prias caracteristicas, as quais ndo sio redutiveis ao do trabalho na fébrica, no escritério de uma companhia de seguros ou de um vendedor, mas que € de qualquer forma um processo de trabalho. E éno terreno da escola considerado como um local de trabalho que 0 conheci- mento técnico/administrativo, que foi uma vez produzido por ela, € reintro- duzido com a finalidade de controlar e racionalizar o trabalho tanto de profes- sores quanto de alunos. Na verdade, como argumentarei mais adiante, por causa da crise atual nas esferas econdmica, politica ¢ cultural, os clementos bdsicos usados para organizar e controlar © processo de trabalho em nossa sociedade — entre eles a separagéo entre o trabalho mental ¢ o trabalho manual, 0 divércio entre concepgdo € execugio, a légica da desqualificagéo ¢ do controle da forga de trabalho — esto todos sendo reconstituidos sob formas complexas ¢ paradoxais nas escolas, no presente momento. E como em outros locais de trabalho e contextos culturais, esses elementos estéo simultaneamente sujei- tos 4 aceitagdo ¢ 4 rejeigdo. Ao retornar a vida cotidiana das escolas para examinar isso, no Capitulo 5, poderemos complementar 0 cfrculo de nossa andlise de como as escolas tanto reproduzem quanto contradizem as “necessi- dades” de uma sociedade iniqua. 3 — ACIRCULACAO DO CONHECIMENTO TECNICO/ADMINISTRATIVO Naturalmente este capitulo apresentou de forma apenas resumida as com- plexas questdes referentes ao estado, classe, A cultura, 4 reprodugdo, a 48 | Michael W. Apple resisténcia, 4 contradigiio, a0 conhecimento e a escolarizagéo. Entretanto, meus argumentos anteriores a respeito da forma curricular ¢ de sua relagio com 0 processo de trabalho no ensino nos trazem de volta A questéo conceitual ‘com a qual iniciei a segunda segao deste capitulo, a escola como um aparato tanto produtivo quanto reprodutivo. Uma vertente principal percorre todos esses argumentos — a importancia do conhecimento técnico/administrativo e da ideologia que o acompanha. Aescola ajuda a produzi-lo como uma forma de “capital”; cle ¢ encontrado e contestado no local de trabalho como uma forma de controle: ele chega a0 estado e A escola. Cada um desses locais transforma-o, até que ele é reintro- duzido na escola, ¢ & reproduzido outra vez, Assim, um processo continuo, embora contraditério, pode ser percebido. Quero esclarecer um pouco mais esse ponto, uma vez que ele pode servir como sumério de muitos dos meus argumentos. O conhecimento técnico/admi- nistrativo pode set pensado como tendo uma circulagio na medida em que estd presente na economia, no estado ¢ na escola. Sob muitos aspectos, isso pode ser pensado como algo parecido com um processo circular. O conhecimento técnico/administrativo é, em ultima instincia, produzido na (e através da) educagio. Como veremos no Capitulo 2, sua acumulacdo com a finalidade de ser utilizado por aqucles que estado no poder (através de leis sobre patentes, de pritica de recrutamento, de processos de distribuigéo de titulos educacionais e assim por diante) é uma forte tendéncia em nossa formagia social. Essas formas de conhecimento ou de “capital cultural” —e a ideologia de racionalizagdo que tanto as funda- menta quanto é, em parte, engendrada por elas —sio utilizadas na economia ¢, de forma crescente, no estado, & medida que o proprio estado é envolvido na crise mais ampla de acumulagdo de capital e de legitimagio. Tanto no focal de trabatho quanto na escola, entretanto, os trabalhadores ¢ os estudantes medeiam, transformam e até mesmo tejeitam parte desse conhecimento. Nesse processo, ele é alterado de alguma forma, mas sua cireulago prossegue mesmo assim, a medida que a crise continua. Portantoxatravés de um conjunto com- plexo de interconexao, a l6gica do capital, embutida no conhecimento técnico/ administrativo, retorna 4 sua fonte — o aparato educacional — como uma forma de controle. Isso é um tanto complicado, mas também 0 séo as conexdes entre as trés esferas que eu mencionei. Se fosse simples, as condigées econdmicas que descrevi antes, ¢ que estdo sendo agora enfrentadas por tanta gente, poderiam ser tratadas simplesmente. Obviamente, elas nao 0 séo. Pois nossos problemas devem-se tanto a uma falta de compreensio das conexdes entre a economia, a cultura e a politica, quanto a falta de decisio politica e as condigées objetivas que tornam tio dificil construir e manter um movimento de massa de homens e mulheres trabathadores para resolvé-los. Eadueagio ¢ Poder | 49 Tendo descrito o desenvolvimento do referencial conceitual ¢ politico aqui utilizado ¢ antecipado de forma geral meus argumentos bésicos, serei um pouco mais especifico sobre o contetido de cada um dos préximos capitulos. O Capitulo 2 comega com uma andlise da cultura enquanto mercadoria, na qual aponto uma série de limitagdes das teorias economicistas existentes arespeito do que as escolas fazem, incluindo algumas das abordagens marxistas mais respeitadas: Discuto af 0 jogo dialético entre a escola como um aparato produtivo ¢ um aparato reprodutivo. Ao focalizar a cultura como uma merca- doria, descrevo as conexGes entre a funcdo da escola como auxiliar no processo de produgao do conhecimento técnico/administrativo necessdrio para a acumu- Jago de capital e para o controle do trabalhador, por um lado, € 0 papel da escola na estratificagdo da populacéo estudantil e na criagéo de desajusta- mentos, por outro. | Os Capitulos 3 e 4 voltam-se para a cultura como experiéncia vivida e para o papel contraditério que essa cultura vivida desempenha. Aqui, vere- mos a cultura como fundamento para o possivel desenvolvimento de resistén- cias € alternativas as priticas ideolégicas do capital e do estado, ao mesmo tempo que reproduzindo, em parte, as condigdes de existéncia dessas mesmas praticas ideolégicas. . . Mais especificamente, 0 Capitulo 3 refutaré uma vez mais as teorias economicistas dominantes sobre a reprodugdo, especialmente aquelas que dizem respeito a0 curriculo oculto. Ele examinard 0 processo de trabalho no proprio local de trabalho, seguindo as indicag6es de Erik Olin Wright sobre a possibilidade de atividades ndo-reprodutivas ocorrerem em locais parti- culares. O foco estaré nas vidas cotidianas dos trabalhadores em lojas, fabricas, escritérios e outros locais. Rejeigéo ¢ contradicao, assim como reprodugdo, serdo os temas orientadores. © Capitulo 4 avanga ainda mais minha andlise dos processos de rejeigdo, mediaco e transformacdo. Analiso af a maneira sob a qual as formas culturais relacionadas a género e classe so vividas nos padrées de‘interacao cotidiana de muitos estudantes. Ele continuaré minha demonstragdo da necessidade de se ir além das teorias simplistas do tipo “‘base/superestrutura”, mostrando a autonomia relativa da cultura. As conexGes e contradiges entre 0 econdmico © 9 cultural/ideolégico tornar-se-do visiveis. Ao mesmo tempo, relacionarei esas conex6es contradigdes A crise que causam no estado, a0 examinar as reformas que esto sendo atualmente propostas para tornar a escola capaz de responder mais adequadamente a crise estrutural — tais como os créditos fiscais e os vales educacionais. Finalmente, como nos capitulos anteriores, sio feitas sugest6es para a aco. Capitulo 5 retarna ao processo de mercantilizagao pelo qual o conheci- mento técnico/administrativo € reintroduzido na escola. Aqui a forma e 0 contetido culturais aparecem em sua existéncia reificada como a tentativa do capital e do estado para controlar tanto 0 contetido do que & ensinado a forma de sua transmisséo, quanto 0 processo de trabalho do ensino. 50 / Michaet W. Apple Este capitulo analisard a forma curricular agora freqiientemente encontrada nas escolas ¢ relacionaré isto com os argumentos anteriormente apresentados sobre 0 processo de trabalho. Em esséncia, o Capitulo 5 nos permitiré ver as principais formas pelas quais 0 estado pode integrar as demandas democré- ticas populares com as do capital de modo que tanto a legitimagio quanto a acumulacdo sejam reforgadas. O Capitulo 6 resumird os argumentos desenvolvidos ¢ examinaré as possi bilidades de éxito de uma acdo progressista tanto na escola quanto nas institui Ges circundantes. Essas acdes progressistas sio ainda mais necessirias hoje, pois a sombra da crise esta se estendendo, NOTAS 1, Manuel Castells, The Economic Crisis and American Society (Princeton: Princeton University Press, 1980), p. 3. 2. Mbid, p. ¥2. Ver aqui, também, os argumentos de Althusser sobre a autonomia relativa dis esforas cultural, politica © ceonémica. Louis Althusser, Lenin and Philosophy and Other Essays (Londres: New Left Books, 1971) 3. Castells, The Economic Crisis and American Society, pp. 179-81. 4. David Featherman e Robert Hauser, ‘Sexual Inequalities and Socio-Economic Achievement in the U.S., 1962-1973", American Sociological Review XLI (lunko, 1976), 462. Ver também Eat On Wright, Class Structure and Income Determination (Nova York: Academic Press, 5. Michael Otneck, comunieagdo pessoal. Ver também Castells, The Economic Crisis and Ame- rican Society, p. 192. 6. Castells, The Economie Crisis and American Society, p. 187, € Weight, Class Structure and Income Determination, especialmente Capitulos 69. 7. Martin Carnoy e Derek Shearer, Economic Democracy (White Plains, Nova York: M. B. Sharpe, 1980), p. 24. 5 er Francis Fox Piven ¢ Richard Cloward, Poor People’s Movements (Nova York, Vintage, 9. Castells, The Economic Crisis and American Society, pp..178-85. Ver também James O'Co- mnor, The Fiscal Crisis of the State (Nova York: St. Martin'SPress, 1973). 10. Curnoy ¢ Shearer, Economic Democracy. p. S1 11, Tem havido uma tendéncia contréria no sentido de conceder aos trabathadores alguma aparéncia de controle, ao menos para aumenter a produgso e diminuir a esisténcia do trabalha- dor. Ver, por exemplo, Richard Edwards, Contested Terrain (Nova York, Basic Books, 1979), 12. Castells, The Economic Crisis and American Society, pp. 161-85. 13. O'Connor, The Fiscal Crisis of the State, pp. 13-15. Tém havido tentativas para organizar 4s mulheres trabathadoras, naturalmente, tentativas que continuam até hoje. Ver Roslyn L. Feldberg, ‘Union Fever: Organizing Among Clerical Workers, 1900-1930", Radical America XIV (Maio-junho, 1980}, 53-67, ¢ Jean Tepperman, ‘Organizing Office Workers’, Radical Ame- rica X (Janeito-Fevereiro, 1976), 3.20. 14, Lillian Rubin, Worlds of Pain (Nova York: Basic Books, 1976) 15, Todd Gitlin, ‘Hegemony in Transition: Television's Screens’. Em Cultural and Economie Reproduction in Education; Michael W. Apple, ed. (Londres: Routledge & Kegan Paul, 1982). 16, Castells, The Economic Crisis and American Society, pp. 44-5, e Michael Uscem, ‘Corpo. ‘ations and the Corporate Elite’, Annual Review of Sociology V1 (1980), 41-77. 17. Camoy e Shearer, Economie Democracy, p. 17 Educagio ¢ Poder 1 51 18, Castells, The Bconomic Crisis and American Society, p. 66. 19, Useem, ‘Corporations and the Corporate Elite’, 53. | 20, Edwards, Contested Terrain. Isso ndo significa que todos os planos tendo em vista uma maior participagdo do. trabalhador sejam necessariamente progressistas, Para uma interessante argumentagao no sentido de que a maioria dos planos atuais pars enriquecimento do trabalho ce crescente participagéo do trabalhador realmente aumentam a eficiéncia da produgao capitalista e 1 éapacidade da administragio de dominar 0 processo de trabalho, vet James W. Rinehart, “Job Enrichment and the Labor Process’, ensaia apresentado na conferéncia sobre Novas Diregdes no Pracesso de Trabalho, patrocinada pelo Departamento de Sociologia, Univer- sidade Estadual de Nova York cm Binghamton, Binghamton, Nova York, Maio 5-7, 1978. 24. Christopher Jencks et al,, Who Gets Ahead? (Nova York: Basic Books, 1973), Ver também ‘Wright, Class Structure and Income Determination. 22, Herbert Kliebard, ‘Bureaueracy and Curriculum Theory’, em Freedom, Bureaveracy and Schoofing, Vernon Haubrich, ed. (Washington, D.C.; Associagao para Supervisio ¢ Desenvol- vimento do Currieulo, 1971), pp. 7493, 23, Michael W. Apple, Ideology and Curriculum (London; Routledge & Kegan Paul, 1979). ‘Ver também, Steven Selden, ‘Conservative Ieotogies and Curriculum’, Educational Theory XXVII (Verio, 1977), 205-22, Harty Braverman, Labor and Monopoly Capital (Nova York: Monthly Review Press, 1974) ¢ Randall Collins, The Credential Society (Nova York: Academic Press, 1979). 24, Paul DiMaggio, ‘Review Essay: On Pierre Bourdieu’, American Journal of Sociology LXX- XIV (Maio, 1979), 1461. 25, Mid, 1461-2 26. O debate sobre a relagio entre base superestratura é excepcionatmente intenso no moinen- to, Ver, p. exemplo Raymond Willians, Marxism and Literature (Nova York: Oxford University Press, 1977), Michele Barrett ef al, eds., Ideology and Cultural Production (New York: St. Martin's Press, 1979), Paul Hitst, On Law and Ideology (Londres: Macmillan, 1979), Collin Sumner, Reading Ideologies (New York: Acadvinic Press, 1979), ¢ John Clarke, Chas Criteher ¢ Richard Johason, eds., Working Class Culture (Londres: Hutchinson, 1979). ‘27. Swart Hill, "The Schooling Society Relationship: Parallels, Fits, Correspondences, Homo: logies’, mimeogsafado, p. 6. 2. O'Connor, The Fiscal Crisis of the State. 29. Tenho argumentado que hi trés fungdes do estado - legitimacio, acumulagio e producéo. ‘Ver Michael W. Apple ¢ Joel Taxel, ‘Ideology nd the Curriculum’ em Educational Studies and Socia! Science, Anthony Hartnett, ed. (Londres, Heinemann, 1981). 30. Ver Pierre Bourdieu Jean Claude Passeron, The Jaheritors (Chieago: University of Chicago Press, 1979), p. 81, e Collins, The Credential Society. 31, Rin Aminzade, comunicacéo pessoal, A literatura sobre 0 papel da escola como aparato estatal estd crescendo rapidamente. Entretanto, cla tende a um funcionalismo que pode néo fozer justiga as contradigbes e aos intesesses conflitantes de classe, tanto dentro do estado como entre 0 estado c as esferes econdmica c cultural da sociedade. Ver Roger Dale, ‘Education and the Capitalist State: Contributions e Contradictions’, em Cultural and Economic Repro- duction in Education, Apple, ed. 32. Richard Johnson, ‘Histories of Culture/Theoties of Ideology: Notes on an Impasse’ em Ideology and Cultural Production, Michelle Barret etal, eds, p. 73. 33, Chantal Mouffe, ‘Hegemony and Ideotogy in Gramsci’, em Gramsci and Marxist Theory, ‘Chantal Moule, ed. (Londres: Routledge & Kegan Paul, 1979), p. 187. 3. Ver Jerome Karabel e A. H. Halsey, eds, Power and Ideology in Education (New York: Oxlord University Press, 1977} e Caroline Hodges Persell, Education and Inequality (New York: Free Press, 1977). 35. Sobre o debate gerado por essas diferencas, ver, p. ex., Apple, Ideology and Curriculum, © Apple, ed., Culfural and Economic Reproduction in Education 52 J Michael W. Apple 36, Hall, ‘The Schooling - Society Relationship’, p. 7. 31, © argumento aqui é semelhante a0 de Finn, Grant e Johnson, quando eles afirmam que nossa andlise deve ‘apreender as relagdes entre as escolas ¢ outros locais de relagdes sociais... dentro de uma formagio social particular’, Dan Finn, Neil Grant, Richard Johnson ¢ o Grupo para Educagio C.C.CS, ‘Social Democracy, Education and the Crisis’, (Birmingha of Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies, mimeo, 1978), p. 4. 38. importante ter em mente, portanto, que capital no € uma coisa, mas um conjunto de relagoes. 39. Apple, Ideology 2nd Curriculum. . : 40. Ibid, p. 14, - 41. Collins, The Credential Society. 42, David Noble, America By Design (Nova York: Alfred A. Knopf, 1977) © Castells, The Economic Crisis and American Society. 43, Aqui discordo, em parte, de Bourdieu, uma vez que ele nto desenvolve suficientemente 4 questio da forma como o capital cultura € produzido, 44, Erik Olin Wright, Class, Crisis and the State (Londres: New Left Books, 1978). 45. Paul Wilis, Learning to Labour (Westmead: Saxon House, 1977) e Robert Everhart, The In-Between Years: Student Life ina Junior High Schoo! (Santa Barbara, California: Graduate School of Education, University of California, 1979). 46, Hé um risco em empregar-se conceitos como penetragéo, entretanto, especialmente dada ‘2 maneira como palavras ¢ imagens erdticas daminam nosso uso linguistico. Ver Noelle Bisseret, Education, Class Language and Ideology (Londres: Routledge & Kegan Paul, 1979), 41, Everhart, The In-Between Years. 48. Apple, ‘Analycing Determinations: Understanding and Evaluating the Production of Social ‘Outcomes in Schools’, Curriculum Inquiry X (Primavera, 1980), 55-76. Koutras formas impor- {antes de conceber a produgie cultural como um processo de produto, per se. Ver, por exempto, os ensaios em Barrett et al. eds, Ideology and Cultural Production, Rosalind Coward e John Ellis, Language and Materialism (Londres; Routledge & Kegan Paul, 1977), ¢ Philip Wexler, ‘Structure, Text and Subject: A Critical Sociology of Schoo! Knowledge’, em Apple ed, Cultural sand Economic Reproduction in Education. 49, Bob Jessop, ‘Recent Theories of the Capitalist State’, Cambridge Journal of Economics 1 (Dezembro, 1977), 353-73, ¢ Herbert Gintis, ‘Communication and Politics: Marsism and the “Problem” of Liberal Democracy’, Socialist Review X (Margo-Junio, 1980), 189-232. 30. Ver Roger Dale, ‘Education and the Capitalist State: Contributions and Contradictions’, em Apple ed., Cultural and Economic Reproduction in Education. 51. Néo desejo denegrit tal trabatho totalmente. Uma parte dete é bastante iil e interessante. Ver p. exemplo, Michael Kirst ¢ Decker Walker, ‘An Analysis of Curriculum Policy-Making", Review of Educational Research XLI (Dezembro, 1971), 479-509, William Lowe Boyd, “The Changing Politics of Curriculum Policy-Making for American Schools’, Review of Educational Research XLVII (Outono, 1978), 577-92, e, especialmente, Arthur E, Wise, Legislated Lear- ning: The Bureaucratization of the American Ciassroom (Berkeley: University of California Press, 1979). Para criticas das tecrias liberais do estado, ver Ralph Miliband, Marxism and Politics (Nova York: Oxford University Press, 1977). 52, Castells, The Economic Crisis and American Society, p. 125. Castells observa que se levarmos ‘em consideragio a quantidade de emprego que depende da produgio de bens e servigos militares, descobriremos que quase um tergo de nossa forga de trabalho depende em grande escala dt atividade econdmica do estado. Ver pp. 125-30. 53. Moufle, ed., Gramsci and Marxist Theory, p. 10. Ver, também, 0 argumento de Gintlin dde que hd, naturalmente, um sétiorisco - qué deveriarmos claramente reconhecer - em se abusar de conceitos tais como 0 de hegemonia, 20 explicar a reprodugo cultural c econdmica. Gitlin expressa esta preocupagio muito bem quando di Precisamos discutir a hegemonia cultural com os pés na terra. Pois grande parte da diseussfo Educagéo e Poder / $3 até agora permanece absirata, quase como se a hegemonia cultural fosse uma substéncia com vida propria, um tipo de névoa imutével que se tivesse estabelecido sobre a inteira vida publica das sociedades capitalists, para confundir a verdade do telos proletrio. Portanto, as perguntas, ‘Por que idéias radicais sio suprimidas nas escolas?, "Porque os trabathadotes opGem-se a0 socialismo?, ¢ etc., surge uma nica resposta Délfica: Hegemonia. A ‘hegemonia’ torna-se a explicagio mégica, o dltimo recurso. E como tal, ndo é stil nem como explicacéo, nem ‘como um guia paras agio. Se a ‘hegemonia’ explica tudo na esfera da cultura, entio nio explica nada. * ‘Sua propria andlise baseia-se bastante no conceito, entretanto, ¢ demonstra o poder continuado de seu uso, Ver Todd Gitlin, ‘Prime Time Ideology: The Hlegemonic Process in Television Entertainment’, Social Problems XXVI (Fevereiro, 1979), 252. 54. Moule, ed., Gramsci and Marxist Theory, p. 10. Ver também, Dale, ‘Education and The Capitalist State’, ¢ Martin Carnoy, ‘Education, Economy and the State’, in Apple, ed., Cultural and Economic Reproduction in Education’. 55. Moulfe, ed., Gramsci and Marxist Theory, p. 182. 536, Ibid, p. 193 ¢ James Donald, Green Paper: Ne (Primavera, 1979) 57. John Holloway ¢ Sot Picciotto, “Introduction: Towards a Materialist ‘Theory of the State’, in State and Capital, John Holloway and Sol Picciotto, eds (Londres: Edward Aroold, 1978), 1.24. A questio a respeito de se 0 estado pode ser concebido como um conjunto de instituigées € parte de uma grande controvérsia. Ver, por exemplo, Jessop, ‘Recent Theories of the Capitalist State’, os artigos coletados nos volumes acima mencionados, editados por Holloway ¢ Picciotto, Moutfe Apple, ¢ Alan Wolfe, ‘New Directions in the Marxist Theory of Politics’, Politics and Society FY (lnvero, 1574), i318. 58. Bob Jessop, ‘Capitalism and Democracy’, em Power and the State, Gary Littlejohn et al, eds (Nova York: St Martin's Press, 1978), p. 45. 59. Pierre Machrey, A Theory of Literary Production (Londres: Routledge & Kegan Paul, 1978). 6. Ver Williams, Marxism and Literature, © Apple, Ideology and Curriculum, 61. Gitlin, ‘Prime Time Ideology’, 254 of ar , Sereen Education XXX. 63. Ver, p.ex., Raymond Williams, Television and Cultural Form (Nova York: Schocken Books, 1974), 64. Gitin, Prime Time Ideology’, 255. 54 1 Michael W. Apple

Vous aimerez peut-être aussi