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A relação de ajuda no contexto

médico-hospitalar: Relato de uma


experiência de
atendimento psicológico.
Vera Lygia Menezes Figueiredo
* Trabalho apresentado no IV FÓRUM NACIONAL DA ABORDAGEM
CENTRADA NA PESSOA (Brasília, DF –Brasil -28/10/2001 a
03/11/2001).
INTRODUÇÃO
“Quando ouço, verdadeiramente, uma pessoa e apreendo o que mais
lhe importa, em dado momento, ouvindo não apenas as suas
palavras, mas a ela mesma, e quando lhe faço saber que ouvi seus
significados pessoais privados, muitas coisas acontecem.”
(Carl R. Rogers – 1973:210)
Conheci a sra. V. em um momento de desespero frente a alta
hospitalar do seu marido. Fisionomia envelhecida e cansada, uma
imensa tristeza na voz ao dizer que não aguentava mais a vida que
levava. Um casamento de muitos anos, atualmente ambos na 3ª
Idade.
A visitação ao homem idoso hospitalizado atendia à demanda do
médico-assistente para um apoio psicológico ao doente: pautas
comportamentais discrepantes, reativas de complicações do seu
quadro orgânico, tornavam-no uma pessoa de difícil trato. Mas,
quem pediu ajuda foi a sua esposa, que o acompanhava na
internação. Conversei com o casal, expliquei meu trabalho. O
doente disse não perceber necessidade de uma psicóloga para si, e
tentou estender sua opinião para a esposa. Esta refuta e afirma a sua
própria necessidade. Neste primeiro encontro, caracteriza-se uma
situação que a sra. V. percebe-se com um problema pessoal grave e
importante, que tenta resolver e não consegue.
No dia seguinte, pela manhã, houve uma alta hospitalar – a do
marido, e uma baixa hospitalar – a dela , a quem prestei
atendimento psicológico por quase dois anos até a sua morte.
Com esta senhora, vivenciei seu adoecer, seguido de um ano de um
viver liberto das amarras existenciais construídas, e o seu processo
de morrer. Pressuponho que a morte, antes de concretizar-se no
corpo, já vinha existindo em sua alma. E somente após a visão
explícita do seu feio semblante é que a coragem para ser e viver pôde
desabrochar. Na hora do tudo ou nada, a tão decantada liberdade
pôde ser experimentada.
Através do relato de uma assistência psicológica efetivada ao longo
de uma internação hospitalar, estarei entretecendo os postulados
teóricos preconizados por Carl Rogers para uma Relação de Ajuda,
além de afirmar a Abordagem Centrada na Pessoa como uma potente
perspectiva de trabalho para o psicólogo em contexto médico-
hospitalar.
FIXIDEZ E A POTÊNCIA DE SER
“Pode-se também formular a pergunta nos seguintes termos:
será melhor gritar e precipitar seu próprio fim,
ou calar-se e barganhar uma agonia mais lenta?.”.
(Milan Kundera)
A sra. V. é hospitalizada por conta de uma forte dor abdominal, que a
nauseia e a deixa enfraquecida fisicamente. Exames são prescritos,
hipóteses diagnósticas levantadas. Ela recebe sedativos para a dor,
além de hidratação venosa, e é mantida hospitalizada para
observação e fechamento de um diagnóstico médico.
Apresento-me para o segundo atendimento. No dia anterior, após
desfilar suas mazelas e chorar muito, havia pedido que eu a ajudasse.
Encontro-a no mesmo estado: prostrada e lamuriante. Quer muito
falar de suas agruras familiares, reclama das necessidades pessoais
insatisfeitas por não saber como se desvencilhar de problemas que a
mantém sempre no mesmo lugar. Não se queixa da hospitalização,
pelo contrário, aprecia a atenção e a solidariedade dos profissionais;
sente-se acolhida e protegida, distante dos seus conflitos.
Dispomo-nos a trabalhar juntas. Vamos, então, a cada encontro,
possibilitando descobertas sobre si mesma, desvelando sentimentos,
compreendendo dificuldades… buscas frustrantes ao longo de uns
vinte anos para mais, de um amor idealizado pelo esposo e pouco
correspondido, no seu entender. Frustração, raiva, revolta…
sentimentos ainda não claramente percebidos por não se
encaixarem na imagem que tem de si mesma: é aquela que sempre
cede, e que por isso pouco pode se cuidar e se poupar. Não se
enxerga capaz de libertar-se, está à mercê do outro, através dele
existe – esta é sua questão crucial !. Sente saudades de uma filha
(que optou por viver sua própria vida, distanciando-se da família),
expressa irritação e tristeza por um filho que se assemelha ao pai em
temperamento, e que lhe traz aborrecimentos por conta de uma vida
pessoal acidentada.
Nos dois últimos dias de sua hospitalização, observo mudanças
atitudinais na jovem idosa que, paulatinamente, vão ganhando
expressão, e nas trocas com o meio interpessoal hospitalar vão
revelando que um processo de crescimento desponta: o
reconhecimento e a aceitação de alguns sentimentos, que favorece a
reflexão sobre os seus conflitos familiares e as possibilidades de ação
a partir disso; o “ensaio” de algumas atitudes com relação ao esposo,
nas suas visitações diárias à doente; a iniciativa de re-estreitar laços
com a filha distanciada através de telefonemas convidativos à
visitação no hospital; as possibilidades do viver, já esboçadas pela
aparição da vaidade feminina no seu dia-a-dia no hospital, pelos
telefonemas para os amigos, pelas visitas dos parentes que faz
questão de solicitar, e também pelas reivindicações para manter-se
bem assistida pela equipe de saúde.
A sra. V. recebe alta hospitalar, sendo recomendada uma
continuidade no atendimento médico em ambulatório. Disponibilizo
assistência psicológica pós-hospitalização por conta da preocupação
demonstrada, de sua parte, de não perder um espaço que percebia
vinha lhe fazendo bem. Ela fica de entrar em contato.
O campo relacional estava preenchido por ela e eu e a situação, que
são o ambiente. Havia um texto (o mundo interno e subjetivo dessa
pessoa) e um contexto (tudo aquilo que acompanhava o seu texto).
Quando a sra. V. criticou o contexto, pôde rever o seu texto,
possibilitando escolher para além das alternativas já prontas,
reorganizando as percepções sobre si própria e sobre o mundo, pois
“o comportamento se mantém coerente com o conceito de self e
altera-se conforme este último também se altera”. (Rogers, 1992:224)
Havia uma incongruência do self, onde se configuravam
discrepâncias entre suas necessidades pessoais, a percepção destas,
e as ações que permitiriam a sua satisfação. Havia uma auto-imagem
construída alhures no passado, que obstaculizava atualizações,
gerando uma existência autolimitada que vinha sendo
incomodamente arrastada. “O eu que se afirmava vazio está cheio de
conteúdo, que o escraviza justamente porque ele não o conhece ou
aceita como conteúdo.” (Tilich, 1976:118)
A tomada de consciência de sua experiência pessoal, segundo
ROGERS (Rogers & Kinget, 1971), tende a ser uma diretriz no
processo de reorganização das suas condutas atuais e das condutas
futuras de sua vida.
Com a liberação do self para novas construções no presente, há uma
tendência a um aumento da auto-estima por reconhecimento de
potencialidades, que podem ser transformadas em atitudes
construtivas e prazerosas, e a redução da angústia por afastamento
dos grilhões da não-consciência que tendem a paralisar as
expressões criativas. Em outras palavras, dá-se ênfase à
experienciação da pessoa, onde a preocupação do terapeuta, nos
orienta ROGERS (in Wood, 1994:264), deve estar “não com a verdade
já conhecida ou formulada, mas com o processo pelo qual a verdade é
vagamente percebida, testada e aproximada”.
TILICH (1976:82,139), discutindo a ontologia do ser, aponta o sujeito
da auto-afirmação como um eu centralizado, onde ele é um eu
individualizado, apesar deste eu somente poder ser este eu porque
tem um mundo estruturado, ao qual ele pertence, e do qual ao
mesmo tempo está separado. “Empenhar-se pela auto-afirmação faz
uma coisa ser o que ela é” (id:15). Há uma opção a ser tomada,
certamente espinhosa e muitas das vezes dolorosa, porém
libertadora, que é a de possibilitar a potência que se tem de realizar-
se contra a resistência de outros seres.
Eis o ponto de partida para uma Relação de Ajuda: “(…) uma das
condições quase sempre presente é um desejo indefinido e
ambivalente de aprender ou de se modificar, desejo que provém de
uma dificuldade percebida no encontro com a vida”. (Rogers,
1991:260) Contudo, esta relação torna-se possível somente quando
acontece debaixo de um clima de aceitação e de crença na
capacidade daquela pessoa de empreender, na sua maneira singular,
o resgate da sua responsabilidade sobre si mesma até onde ela quiser
e puder ir.
FLUIDEZ E AS FORÇAS CONSTRUTIVAS DO SELF
“Temos a tendência a ver na força um algoz e na fraqueza uma
vítima inocente.” (Milan Kundera)
“Mas era justamente o fraco que deveria saber ser forte e partir,
quando o forte é fraco demais para poder ofender o fraco.”. (Milan
Kundera)
Mais ou menos uma semana após a alta, a sra. V. é internada em
estado de emergência, indo direto para a UTI (Unidade de
Tratamento Intensivo). Acontece uma cirurgia de longa duração,
com momentos críticos pelo seu delicado estado orgânico. Suspeição
de câncer intestinal.
A sra. V. pede a minha presença. Momentos difíceis no confronto
com a sua realidade de adoecimento, atitudes oscilantes e hesitantes
pelo temor da morte. Sentimentos conflituosos relativos aos
tratamentos médicos, estados de ânimo flutuantes.
Interconsulta e orientação familiar passam a ser minhas atividades
constantes, facilitando as comunicações e amplificando os
movimentos de ajuda à doente. A família e a equipe de saúde são
estimuladas a participar intensamente desses seus momentos de
hospitalização, compreendendo e acolhendo suas necessidades de
atenção, de carinho, de apoio enfim.
Com o vínculo terapêutico estreitado em um “setting” flexível e
adaptado por nós duas, as variáveis típicas de um espaço hospitalar
puderam ser mais bem controladas e minimizadas (telefonemas,
entrada e saída no quarto de profissionais ou atendentes, presença
da família, etc), possibilitando nesta intimidade momentos de
vívidas emoções e ‘insights’. Espontânea e corajosamente a sra. V. vai
procurando formular planos de ação concretos, já que a experiência
da responsabilidade sobre si torna-se mais aceitável. Emerge
decidida a modificar sua vida, a permitir-se viver e a ser feliz.
Dispensando os familiares da tarefa de “porta-vozes”
(comportamento até então habitual seu), procura maiores
explicações do médico acerca de sua doença (já consegue, agora,
verbalizar a palavra ‘câncer’); enfrenta o medo pelo tratamento
radioterápico prescrito, e lida de uma melhor forma com a difícil
questão de uma colostomia permanente (intervenção cirúrgica de
desvio do trânsito intestinal). Complementando este ciclo de
tratamento intensivo de saúde, uma nova cirurgia é efetivada. A
evidência orgânica da sua doença é afastada, até onde os resultados
dos exames clínicos podem revelar.
Recebe alta hospitalar, já demonstrando atitudes de engajamento na
responsabilidade dos procedimentos de manutenção do seu
tratamento, sendo muito estimulada pela filha, que agora a
acompanha permanentemente. Após haver experimentado a
possibilidade concreta da morte, a sra. V. optou por ressignificar sua
vida e libertar-se para viver. Ela havia deixado a morte para o
momento real de sua aparição.
Ao longo de um período de mais ou menos um ano, vem visitar-me
de quando em quando para contar as novidades. Sente-se ótima,
vívida; diz ter-se dado férias da família, está passeando muito. Sua
mudança física é surpreendente, parece ter rejuvenescido uns dez
anos. Fala-me das coisas que vem descobrindo, de suas conquistas
no âmbito pessoal-familiar-social. Às vezes uma sombra insinua-se
no seu semblante, é o medo da recidiva da doença. Mas, logo em
seguida, abre um sorriso maroto para falar da estupefação da família
pelos seus novos comportamentos.
A família, às vezes, vem aconselhar-se comigo: reclamam das
mudanças ocorridas na sra. V. e, relutantemente eu percebo, dizem-
se contentes por vê-la tão feliz, “tão bem”. A filha, que com ela
caminha incansavelmente ao longo do tratamento clínico, pede-me
de quando em quando um apoio psicológico: quer partilhar sua
tristeza por temer a recidiva da doença, quer entender a
possibilidade de ligação da sofrida vida de sua mãe com o
aparecimento do câncer, quer confirmar a importância dos estímulos
que vem oferecendo para que sua querida mãe possa viver uma vida
de forma mais prazerosa.
Através da relação terapêutica per se, configurada como um
instrumento necessário e suficiente para focalizar o universo
daquele ser que sofre, o enfoque centrado na pessoa facilita as
experiências bloqueadas a virem à consciência e poderem ser
simbolizadas, gerando assim uma abertura à experienciação,
fundamental ao processo de mudança efetiva.
ROGERS (Rogers & Kinget, 1971) havia preconizado que, na liberdade
da experiência, a pessoa sente-se livre para reconhecer e elaborar
suas experiências e seus sentimentos pessoais, como ela crê que deve
fazê-lo. “(…) uma característica desta mudança é que o indivíduo
move-se de um estado em que seus pensamentos, sentimentos e
comportamentos são governados pelos julgamentos e expectativas
em direção a um estado no qual baseia seus valores e padrões em sua
própria experiência”. (Rogers, 1992:183)
A liberdade do self possibilita que os recursos da pessoa (potenciais
internos) sejam utilizados de uma forma mais construtiva,
resgatando forças revitalizantes (fluidez de energia potencial);
criam-se condições de vislumbrar metas vitais mais abrangentes e
completas (ressignificação do seu momento existencial), abrindo
espaço para um desenvolvimento mais positivo (no sentido de não-
danoso) e coerente com sua realidade atual. Adquire-se uma maior
autonomia nas atitudes e comportamentos para se alcançar os
objetivos pessoais. Não se está obrigado a negar ou a deformar o que
sente para conservar o afeto ou a estima dos que desempenham um
papel importante na sua vida. Confirmando com ROGERS (1992:225):
“O resultado essencial é uma estrutura de self com uma base mais
sólida, a inclusão de uma proporção maior de experiência como
parte do self e um ajustamento mais confortável e realista à vida”.
A MORTE ENFRENTADA COM DIGNIDADE
“A fraqueza de Tereza era uma fraqueza agressiva que o derrotava
sempre e que o transformou numa lebre aninhada em seus braços.”
“O que significa ser lebre? Significa que a força foi esquecida.
Significa que dali para diante um não é mais forte do que o outro.”
(Milan Kundera)
Enfim, um dia, a sra. V. precisa ser novamente hospitalizada por
fortíssimas dores. Há indício de metástase (infiltração de células
cancerígenas em outra parte do organismo). Uma bateria de exames
é solicitada, e os resultados não trazem muita esperança. Por um
curto período de tempo, ela ainda consegue voltar para casa,
alternando os momentos de internação. Mas a doença perversa
ganha a batalha, e no hospital finda por permanecer, fazendo uso de
coquetéis de sedativos cada vez mais potentes. Seu enorme
sofrimento perdura por uns quatro meses.
Queria ver-me todos os dias. Eu também a queria ver. Combinamos
sobre o melhor momento para conversarmos, quando a sós podia
‘abrir sua alma’, conforme costumava dizer. Havia uma questão que
a Sra. V. sempre trazia à baila: como teria sido sua vida, se houvesse
desistido do casamento? Foi certo o que fez – prosseguir com ele, ou
na verdade abriu mão do seu viver? Ia tentando explorar seus
sentimentos no antes e no agora, como um balanço de vida. Pôde
comprender que o marido foi o que pôde ser, que muitas prisões
foram construídas por ela mesma. Foi-lhe também importante falar
sobre os momentos felizes vividos; com que prazer saboreava essas
lembranças!
Paralelamente a estes ‘mergulhos para o interior de si’, havia a
realidade dos desconfortos da dor que enfrentava, do avanço da
doença, e dos procedimentos médicos necessários porém muito
invasivos. A isto tudo reagia com vigor, dando-se o direito de
exprimir no tempo e na ocasião propícios os seus sentimentos, os
seus desconfortos, os seus desejos, o que favorecia a uma menor
ansiedade pela hospitalização e pela sombra da morte. Uma “nova”
sra. V. descortinava-se aos olhos dos familiares e da equipe de saúde,
pois fazia questão de colocar-se como co-partícipe das decisões sobre
o seu corpo e o seu bem-estar. As vezes suas atitudes geravam
polêmicas, mas ela tinha um jeitinho todo especial de amortecer os
choques, conseguindo conduzir seus momentos de vida de uma
forma mais autônoma e melhor ajustada às suas necessidades. O
terço final de sua vida, no hospital, foi ocupado com as preocupações
sobre a morte, seu desejo quanto ao funeral e os seus pertences
pessoais, e como a família ficaria sem ela. Momentos pungentes de
despedida , de desespero para os familiares, e de tristeza para a
equipe profissional.
Uma tarde quis confidenciar um segredo que, disse-me, carregava
desde menina, e que nunca teve coragem de contar para ninguém;
ela mesma já não tinha certeza se o fato havia acontecido, mas não
queria levar esta lembrança consigo. Tudo veio entrecortado por um
mar de lágrimas, soluço, tremores corporais. Mal sabíamos que este
seria seu último dia de consciência, pois no dia seguinte entraria em
estado comatoso e, após três dias, viria a falecer.
Deste baque, o esposo da sra. V. veio a sucumbir pouco tempo após.
Ainda nos encontramos algumas vezes nesse meio tempo; a doença
crônica, da qual era portador, evoluiu negativamente com muita
velocidade. Sua profunda tristeza o impedia de sair do vazio deixado
pela morte da esposa. Ele sentia-se como uma lebre, frágil e
indefeso; não conseguiu deixar de ser lebre.
Tendo o processo de experienciação desencadeado, eu percebia que
nos intervalos entre os nossos encontros a sra V. ‘trabalhava’ muito
consigo mesma. Pois quando eu me apresentava no dia combinado,
ela já ansiosamente queria compartilhar seus sentimentos, contar as
últimas novidades ocorridas. “(…) insights significativos ocorrem no
intervalo entre as entrevistas,e embora o insight pareça bastante
simples, é o fato de adquirir significado emocional (grifo do autor) e
operacional que dá a ele o ar de novidade e nitidez.” (Rogers,
1992:139)
Entendo que a sra. V. pôde singularizar o seu processo de adoecer e
até mesmo o seu morrer. Na segurança da relação terapêutica, a
sra. V. foi capaz de permitir-se experienciar sua verdade, conhecer-
se um pouco mais, construir seu presente e vivê-lo, onde “(…) a raiva
é mais claramente sentida, mas o amor também; o medo é uma
experiência feita mais profundamente, mas também a coragem.”
(Rogers, 1991:175)
Termino este relato clínico valendo-me de uma definição sobre o
crescimento pessoal, de C. MOUSTAKAS (in Miranda, 1983:10),
bastante pertinente à ocasião:
“O sentido de ligação a outra pessoa é um requisito básico para o
crescimento individual. O relacionamento deve ser tal que cada
pessoa seja considerada um indivíduo com recursos para o seu
próprio desenvolvimento. O crescimento, às vezes, envolve uma
luta interna entre necessidades de dependência e de autonomia; mas
o indivíduo se sente livre para se encarar se tiver um relacionamento
em que sua capacidade seja reconhecida e valorizada e em que ele
seja aceito e amado. Então ele estará apto a desenvolver seu próprio
potencial de vida, a tornar-se mais e mais singular, autodeterminado
e espontâneo”.
CONCLUSÕES
“Aqueles que passam por nós,
não vão sós,
não nos deixam sós.
Deixam um pouco de si,
levam um pouco de nós”.
(Antoine de Saint-Exupéry – “O Pequeno Príncipe”)
O processo orgânico do adoecer leva a uma ruptura da realidade
cotidiana da pessoa. Quando a hospitalização faz-se necessária, um
nova realidade será descortinada. Neste contexto, há um pulsar
humano dinâmico pelos inter-relacionamentos que se constroem,
dos quais passiva ou ativamente o doente participa. Em meio ao
sofrimento, o doente tende a procurar quem o conforte, quem
sintonize com seus sofrimentos; a hierarquia vertical das categorias
profissionais não lhe é tão significativa quanto a hierarquia dos
valores humanos.
A pessoa, ao ser hospitalizada, mostra-se geralmente confusa e
aturdida com o impacto da doença e com as consequências refletidas
na sua vida pessoal-familiar. Quer sair disso, quer voltar a ser o que
era e como era, assusta-lhe ser e/ou estar diferente. Seu pedido de
ajuda é para partilhar sua confusão, aliviar seus medos, livrar-se do
desconhecido que a assusta porque é justamente a perda do controle
sobre si que teme.
“Do ponto de vista da Abordagem Centrada na Pessoa”, nos alerta
ROSENBERG (1987:20), o ‘foco’ é dado pelo cliente (…). Isto implica
que o cliente não só levante os temas e conflitos emergentes, como
tenha a liberdade para explorá-los ou abandoná-los no decorrer do
processo. Mesmo que se disponha de pouco tempo, este
procedimento se mantém.” Assistir psicologicamente ao doente
hospitalizado intenta facilitar a liberação do self para vivificar as
suas forças construtivas. Assim, esta pessoa transforma-se no seu
próprio agente de mudanças. “Uma relação de ajuda significa
favorecer ao outro as condições mínimas para seu desenvolvimento”
(Morato, in Rosenberg, 1987:25). Para tal, o psicólogo centrado
precisa estar imediatamente presente e acessível ao seu cliente,
apoiando-se na sua experiência, momento a momento, para facilitar
o movimento terapêutico. “Acredita-se que um número pequeno de
encontros, ou mesmo um único, tem uma função terapêutica e pode
ser suficiente para que o cliente se organize internamente e prossiga
sem ajuda”. (Rosenberg, 1987:19).
O método de trabalho de uma ‘Relação de Ajuda’ pode ser entendido
como propiciar um clima contínuo tal de aceitação e liberdade que a
pessoa possa re-pensar e avaliar seus desejos e necessidades.
Autovalorização e autocorreção são as duas operações fundamentais
advindas do conhecimento reflexivo. Este tipo de conhecimento é
uma capacidade potencial existente em todo ser humano de
compreender-se a si mesmo e resolver seus problemas, de modo
suficiente para atingir a satisfação e a eficácia necessárias a um
funcionamento adequado para si.
A Intervenção Psicológica Centrada na Pessoa, caracterizada pela
Relação de Ajuda, deve ter como fundamentos:
· As atitudes do psicólogo (necessárias e suficientes) que ensejam a
função facilitadora do processo de auto-exploração e mudança na
pessoa
· A pessoa é capaz de viver e elaborar suas experiências de forma
integradora, utilizando os seus próprios recursos potenciais.
Quando necessário, o psicólogo centrado também pode vir a ser um
facilitador das comunicações, colaborando para uma maior
integração na ação terapêutica da equipe de saúde, através do
estímulo à reflexão sobre as atitudes profissionais e a capacidade de
escuta refinada, de forma a que possam oferecer um ambiente
acolhedor e facilitador para a expressividade da pessoa
hospitalizada.
O profissional de saúde, via de regra, escolheu sua profissão
motivado pela ajuda ao próximo e comunga um sentimento de
humanidade. Muitas das vezes as emoções do doente são
identificadas corretamente; contudo, precisa haver uma
disponibilidade interna daquele profissional para ‘abrir-se ao outro’,
caso contrário suas intervenções tenderão a ser diretivas, podendo
até mesmo inibir ou bloquear a expressividade do doente. ROGERS
(1991:290-294) comenta que a maior barreira à comunicação
interpessoal é a natural tendência da pessoa para avaliar, julgar, e
conseqüentemente aprovar ou desaprovar as afirmações e as
atitudes de outra pessoa ou de outro grupo, partindo da apreciação
do que foi dito do seu próprio ponto de vista, do seu quadro de
referência interno. “Assim, quanto mais fortes forem os nossos
sentimentos, com muito mais facilidade deixará de haver elementos
comuns na comunicação”. A relação, deste modo, não conduz ao
crescimento/desenvolvimento do outro. “E nessa medida creio que
agora mais facilmente se evidencie que nem todas as relações
interpessoais mantidas pelo indivíduo são consideradas relações de
ajuda. Nem todas ajudam a crescer”. (Rosenberg, 1987:26)
Olhar o contexto hospitalar sob o prisma da Abordagem Centrada na
Pessoa é considerar as forças dos relacionamentos emocionais nas
mudanças, nas restaurações e nas melhoras do indivíduo. É acreditar
nas expectativas e valores individuais como as partes mais
importantes no sucesso para um bem-estar pessoal, a partir do seu
compromisso de trabalhar no sentido da mudança. E isto tanto pode
ser verdadeiro para o doente como para o profissional de saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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_______ & ROSENBERG, Rachel L. A pessoa como centro. São Paulo:
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