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Baudelaire! © homem nfo pode se amar até o fim se ndo se condena Sartre definiu em termos precisos a posigo moral de Baude- re.? “Fazer 0 Mal pelo Mal & exatamente fazer de propésito contririo daquilo que se continua a afirmar como o Bem. E querer © que nao se quer — j4 que se continua a ter aversio pelas poténcias mis — e nfo querer o que se quer ~ j4 que o Bem continua a se de. finir como 0 objeto ¢ 0 fim da vontade profunda. Essa é justamente a atitude de Baudelaire. H4 entre seus atos ¢ os do culpado vulgar a diferenga que separa as missas negras do ateismo. O atew nio preocupa com Deus, porque decidiu de uma ver por todas que ele ao existe. Mas 0 sacerdote das missas negras odeia Deus porque Ele € amivel, ultraja-o porque Ele é respeitivel; engaja sua vontade em hegar a ordem estabelecida, mas, ao mesmo tempo, conserva essa ‘ordem ea afirma mais do que nunca. Se deixasse pot um instante de afirmé-Ia, sua consciéncia voltaria a estar de acordo consigo mesma © Mal instantaneamente se transformaria em Bem, e, superando to- das as ordens que nio emanassem dele proprio, emergiria no Nada, sem Deus, sem desculpas, com uma responsabilidade total.” Esse julgamento nio pode ser contestado. Mais adiante, o interesse da maneira de ver de Sartre se torna mais preciso: “Para que a liberdad SARTRE, Jean-Paul. Baudelaire. Precedido de uma nota de Michel Leirs. Pais Gallimard, 1946. In-16, p. ( presente estudo sobre Baudelaire foi escrit Por ocasido da publicagio do livro de Sart seja vertiginosa, ela deve escolher [... estar infinitamente errada. Assim cla 6 sinica, neste universo que esti todo engajado no Bem; mas precisa aderir inteiramente ao Bem, manté-lo ¢ reforg4-lo, para poder se jogar no Mal. E aquele que se dana adquire uma solidio que € como a imagem enfraquecida da grande solidio do homem. verdadeiramente livre... Em certo sentido, ele cria: faz aparecer, num universo onde cada elemento se sacrifica a fim de colaborar para a grandeza do conjunto, a singularidade, ou seja, a rebeliio de um fragmento, de um detalhe. Dessa forma, alguma coisa se produziu, que nao existia antes, que nada pode apagar e que nao estava sequer minimamente preparada pela economia rigorosa do mundo: trata~ se de uma obra de luxo, gratuita, e imprevisivel. Notemos aqui a relagio entre 0 Mal ¢ a poesia: quando, ainda por cima, a poesia toma 0 Mal por objeto, as duas espécies de criagio de responsabili- dade limitada se unem e se fundem, Possuimos, entio, uma flor do ‘Mal. Mas a criagio deliberada do Mal, ou seja, a culpa, é aceitagio € reconhecimento do Bem; ela Ihe presta homenagem e, batizando a si propria como m4, admite que é relativa e derivada, que, sem 0 Bem, ela nio existiria”. Sartre indica de passagem e sem insistir a relagio entre 0 Male a poesia. Nao tira consequéncias dai. Esse elemento de Mal é muito aparente nas obras de Baudelaire. Mas seri que entra na esséncia da poesia? Sartre nada diz sobre isso. Apenas designa com 0 nome de liberdade esse estado possivel em que o homem nio tem mais 0 apoio do Bem tradicional ~ ou da ordem estabelecida, Comparada a essa posi¢io maior, ele define como menor a posi¢ao do poeta. Baudelaire “nunca superou o estigio da infincia”. “Ele definiu o génio como ‘a infincia reencontrada 3 vontade”® A infincia vive na fé. Mas se “a crianga cresce, supera a altura dos pais, e olha por cima de seus om- bros”, ela pode ver que “por tris deles, nio h4 nada”! “Os deveres, 08 ritos, as obrigagdes precisas e limitadas desapareceram de chofte. Injustificada, injustificavel, ela faz bruscamente a experiéncia de sua terrivel liberdade, Tudo esti por comegar: ela emerge de repente na solidio ¢ no Nada. E isso que Baudelaire quer evitar a qualquer prego.”* § SARTRE. Baudelaire, p. 59. * SARTRE. Baudelaire, p. 60. * SARTRE. Baudelaire, p. 61 2 udexrauie Em certo ponto de sua exposi¢io,’ Sartre censura Baudelaire por considerar “a vida moral sob o aspecto de uma coagio [..] e nunca de ‘uma busca gemente”, Mas nao podemos dizer da poesia (no apenas da poesia de Baudelaire) que ela é “busca gemente” ~ é verdade, busca e no posse ~ de uma verdade moral que Sartre parece, talvez equivoca- damente, ter atingido? Embora nio tivesse essa intengio, Sartre ligou dessa maneira o problema moral ao da poesia. Ele cita uma declaragio tardia (de uma carta a Ancelle’ de 18 de fevereiro de 1866): ““Tenho de Ihe dizer, a vocé que no mais do que os outros o adivinhou, que nese livro atrz coloquei todo mew coragdo, toda minha teraura, toda minha religido (travestiga), todo meu édio, todo meu infortiinio, E verdade que escreverei 0 contririo, que jurarei por todos os deuses que é um livro de arte pura, de macaquice, de malabarismo, e mentirei descaradamente como um tira-dentes”. Sartre inseriu essa citagio* num desenvolvi- mento onde mostrou que Baudelaire admitia a moral de seus juizes, apresentando As floes do mal ora como um divertimento (uma obra de Arte pela Arte), ora como “uma obra edificante destinada a inspirar 0 horror pelo vicio”. A carta a Ancelle decerto tem mais sentido que os disfarces. Mas Sartre simplificou um problema que coloca em questio ‘0s fundamentos da poesia e da moral. Sea liberdade~ 0 leitor aceitara que, antes mesmo de justificé-la, enuncio uma proposigio~ é a esséncia da poesia; ese s6 a conduta livre, Soberana, merece uma “busca gemente”, percebo imediatamente a miséria ida poesia e as cadeias da liberdade. A poesia pode verbalmente calcar aos és ordem estabelecida, mas ndo pode substitui-la, Quando o horror a ‘uma liberdade impotente engaja virilmente 0 poeta na a¢io politica, cle abandona a poesia. Mas, a partir de entio, ele assume a responsabilidade ela ordem por vir, reivindica a diregio da atividade, a atitude maior: e, 20 vé-lo, nio podemos deixar de observar que a existéncia poética, em que percebiamos a possibilidade de uma atitude soberana, & verdadeiramente atitude menor, que ela nao passa de uma atitude de crianga, de um jogo @ratuito. A liberdade seria, a rigor, um poder da crianga: ela nao seria ‘mais, para o adulto engajado na organizagio obrigatéria da agio, que um SARTRE. Baudelaire, p. 53, T Nascie Anclle,otabeliorxponsvel pel ruta finnecea mos or abel) de Baudelaire, (N.E.) ve ‘ i J * SARTRE. Baudelaire, p. 54-55. -ALITERATURA Eo MAL AUDELARE 33 sonho, um desejo, uma obsessio. (A liberdade nao seria o poder que falta a Deus, ou que ele s6 tem verbalmente, jé que no pode desobedecer & ‘ordem que ele é, de que € 0 fiador? A profunda liberdade de Deus desa- parece do ponto de vista do homem aos olhos de quem s6 Sati ¢ livre.) “Mas 0 que é Sati, no fuundo”, diz Sartre, “sendo o simbolo das criangas desobedientes e amuadas que pedem 20 olhar paterno para congeli-las ‘em sua esséncia singular e que fazem Mal no quadro do Bem para afir~ ‘mar sua singularidade ¢ fazé-la consagrar?” Evidentemente, a liberdade da crianga (ou do diabo) é limitada pelo adulto (ou por Deus), que faz dela uma derrisio (que a minora): a crianga alimenta nessas condiges sentimentos de édio e de revolta, que a admiragio ¢ a inveja refreiam. Na medida em que desliza para a revolta, ela assume a responsabilidade do adulto. Pode, se quiser, cegar-se de virias maneiras: pretender se apoderar das prerrogativas maiores do adulto sem contudo admitir as obrigagdes a elas ligadas (6 atitude ingénua, o blefe que exige a perfeita puerilidade); prolongar uma vida livre as custas daqueles a quem diverte (essa liberdade capenga é tradicionalmente a dos poetas); pagar aos outros © si mesmo com palavras, suspender pela énfase 0 peso de uma reali- dade prosaica. Mas o sentimento da impostura esti ligado a esses pobres possiveis como um mau cheiro. Se é verdade que o impossivel de certa forma escolhido, em consequéncia admitide, no € menos malcheiroso, sea insatisfagdo Giltima (aquela com que o espirito se satisfaz) & ela propria ‘uma impostura, 20 menos hi tuma miséria privilegiada que se confessa tal? Ela se confessa na vergonha. © problema que a falta de jeito de Sartre suscita no pode ser resolvido facilmente. Se é verdade que sob varios aspectos a atitude de Baudelaire ¢ infeliz, tripudid-lo pa- rece 0 partido menos humano. Seria preciso fazé-lo, contudo, se nao assumissemos como nossa a atitude inconféssivel de Baudelaire, que, deliberadamente, recusa-se a agit como homem consumado, ou seja, ‘como homem prosaico. Sartre tem razio: Baudelaire escolheu estar em falta, como uma crianiga. Mas antes de julgi-lo desventurado devemos Em Crtquea frase continuava assim: “{uma miséria privilegiada que se confess), € Aue, fazendo a ordem a concessio sem a qual ea propria teria de se tornar ordem, nio pode ser uma demissio, jé que é 0 nico meio de sustentar a insustentivel posicio até o final. Falarei mais adiante do sentido geral - econémico e histérico ~ dessa “maldigio" da poesia. Tentarei antes acompanhar Sartre nas ongas anilises em que ele ajuda a penetrar a0 mesmo tempo na singularidade do poeta ¢ na es- séncia do fato poco”. (NE.) 34 rubenrauce nos perguntar de que espécie de escolha se trata. Ele a fez por nao haver ‘outra? nio foi mais que um erro deplorivel? Ao contritio, ela se dew por excesso: de uma maneira miseravel, talvez, contudo decisiva? Per gunto-me até: tal escolha no é, em sua esséncia, a escolha da poesia? Acescolha do homen? E 0 sentido do meu livro. Acredito que © homem é necessariamente erguido contra si mesmo e que ele nao pode se reconhecer, amar-se até o fim, se nio for objeto de uma condenagio. O mundo prosaico da atividade e 0 mundo da poesia [As proposigdes precedentes nos engajam num mundo tio novo que nio posso censurar Sartre por ignori-lo. Esse mundo novo, este livro tenta descobri-lo. No entanto, ele s6 apareceré com 0 tempo, lentamente... “Se 0 homem nio fechasse soberanamente os olhos”, esereve René Char, “acabaria por no ver aquilo que vale a pena ser olhado.” Mas, “para nds”, afirma Sartre," “basta ver a drvore ou a casa. Plena mente absorvidos em contemplilas, esquecemo-nos de nés mesmos. Baudelaire € 0 homem que nunca se esquece de si mesmo. Ele se olha vendo, olha para se ver olhar, & sua consciéncia da érvore, da ‘casa, que ele contempla, e as coisas s6 Ihe aparecem através dela, mais Pilidas, menores, menos tocantes, como se as percebesse através de um binéculo. Elas nio se indicam umas as outras, como a seta mostra a estrada, como o marcador mostra a pigina [...] Ao contririo, sua missio imediata é remeter 4 consciéncia de si”. E, mais adiante"!: “Hi uma distancia original entre Baudelaire 0 mundo que nio é a nossa: entre 0s objetos ¢ ele se insere sempre uma translucidez um pouco viscosa, um pouco adorante demais, como um tremor de ar quente, no verio”. Nio se poderia representar melhor nem mais precisamente a distancia entre a visio poética ¢ a do dia a dia. Esquecemo-nos de nds quando a seta mostra a estrada, ou o marcador, a pigina: mas essa visio nio é soberana, ela é subordinada 3 procura da estrada (que vamos tomar), da pagina (que vamos ler). Em outros termos, 0 presente (@ W SARTRE. Baudelaire, p. 25-26. "SARTRE, Baudelaire, p. 26. [ALITERATURA Eo MAL BAUDELAIRE 35 seta, o marcador) é aqui determinado pelo futuro (a estrada, a pagina) “E", segundo Sartre," “essa determinagio do presente pelo futuro, do existente pelo que ainda nio é [...] que os filésofos chamam hoje transcendéncia.” E verdade que, na medida em que a seta e o marcador tém essa significagao transcendente, eles nos suprimem, € nos esque- cemos de nés se os olhamos dessa maneira subordinada. Ao paso que as coisas “mais pilidas, menores” e, é-nos dito, “menos tocantes” para as quais Baudelaire abre (ou, preferindo, fecha) soberanamente os olhos nio o suprimem; pelo contririo, tém como tnica “missio dara ele a oportunidade de se contemplar enquanto as vé Devo! fazer observar que a descri¢io de Sartre, embora nio se afaste de seu objeto, peca por uma confusio na interpretagio que fornece dele. Lamento ter, para demonstrar isso, de entrar num longo desen- volvimento filoséfico. Nio falarei de uma sobreposicZo confusa de pensamento que leva Sartre a representar “as coisas” da visio poética de Baudelaire como “menos tocantes” que a seta de uma placa ou 0 marcador de um livro (trata-se aqui de categorias:a primeira, dos objetos que se enderegam & sensibilidade; a segunda, dos que se enderecam ao conhecimento pratico) ‘Mas nio sio a seta ca estrada que Sartre considera como transcendentes (Give de cortar a frase citada para utilizé-la"), sio 0s objetos da contem- plagio poética. Admito que isso esteja de acordo com 0 vocabuilirio que ele escolheu, mas, nesse €280, a insuficitncia do vocabulério nao permite pperceber uma oposig¢io profunda. Baudelaire desejaria “encontrar”, diz-nos Sartee,* “em cada realidade uma insatisfacio fixada, um apelo a outra coisa, uma transcendéncia objetiva’. A transcendéncia assim ® SARTRE. Baudelaire, p. 43. SARTRE. Baudelaire, p. 26. Neste € em outros capitulos, hi trechos com fonte e espagamento menores, como se Bataille quisesse sinalizar para o leitor que esti entrando “num longo desen- vvolvimento filos6fico”. (N.E,) '5 Bisa frase inteira (SARTRE. Baudelaire, p. 43): “E essa determinagao do presente pelo futuro, do existente pelo que ainda nao €, que ele (Baudelaire) nomearé “in- satisfagio’ ~ voltaremos a iss0 ~ € que os fil6sofos chamam hoje transcendéncia”. Sartre, de fato, volta a0 assunto (p. 204). Diz ele: “A significagao, imagem da ‘ranscendéncia humana, & como um ultrapassamento do objeto por si mesmo [.] Intermediaria entre a coisa presente que a suporta e 0 objeto ausente que designa, cla retém em si um pouco daquela e anuncia j este. Para Baudelaire, ela € 0 proprio simbolo da insatisfacio" “SARTRE. Baudelaire, p. 207, 36 supoame representada no & mais a simples transcendéncia da seta, a simples “de terminagio do presente pelo futuro”, mas a transcendéncia “de objetos que consentem em se perder para indicar outros”. E, esclarece o filétofo, “o termo entrevisto, quase tocado, ¢ no entanto fora de aleance, de um, movimento”, & verdade que o sentido desse movimento “orientado” € determinado pelo futuro, mas o futuro enquanto sentido nio é como na seta a estrada acessivel e designada: na verdade, esse futuro sentido 6 esta ali para se esquivar. Ou, antes, nio € o faturo, € o espectro do facuro. E, diz o proprio Sartre, “seu cardter espectral e irremedisvel nos coloca no caminho: o sentido (o sentido desses objetos, espiritualizado pela auséncia em que se dissolvem) & 0 passado”.” (Disse no inicio que 2 filtima coisa que o julgamento apaixonado de Sartre merecia era uma discussio peguilhenta."* Eu nao teria comecado esta longa elucidagio ‘caso se tratasse de uma simples confusio sem consequéncia. Nio vejo interesse em certa forma de polémica: minha intengio nao é instruir tum processo pessoal, mas apenas assegurar a defesa da poesia. Falo de uma oposigio: é que, sem marci-la, nio se poderia enunciar aquilo que 4 poesia coloca em jogo.) E claro que em tudo, em cada coisa, tanto za seta quanto nas figuras espectrais da poesia, 0 passado, o presente € ‘© futuro concorrem para a determinagio do sentido. Mas o sentido da seta indica o primado do porvir. Ao passo que o futuro s6 intervém, nnegativamente, na determinagio do sentido dos objetos poéticos, re- velando uma impossi insatisfagio. tum objeto “transcendente” de poesia é também a igualdade consigo ‘mesmo, nio podemos evitar ficar incomodados com a imprecisio do vocabulirio. Nao poderiamos negar que esse cariter de imanéncia foi marcado desde o inicio pelo pr6y io Sartre, que, como vimos, nos diz que tinham como finica " -Parece-me dificil, nesse ponto, nao acentuar o valor de “participacio mistica’, c. "em que * fricia da pocsia de Baudelaire & TRE, Baudelaire, p. 42. Sublinhado por Sartre. verdade, Bataille disse isso no inicio (suprimido nesta versio) do artigo publi- na revista Critgue (ver apéndice deste capitulo). (NE) STRE. Bauder, p. 26, Sublinhado por mit AE OMAL BALOELARE a opera, ao prego de uma tensoansion, a iso com ose (ima Se RDS EE ES ES Sartre, tendo definido a transcendéncia como a determinagio do sentido do presente pelo porvir, fo ngo teria henbum inconventente Togo ‘Veremos que 0 equivoco € em parte o das coisas consideradas), se no perdéssemos nesses deslizes a possibilidade de colocar claramente a distingio fundamental entre © mundo prosaico da atividade ~ eae Cs, ii iclusive, para que ela a} a, pelo contririo, senio a estrada a que condu participagio poética também nio é determinado pelo passado! Tr operagao poetics, 0 sent tive asceyariassets do S;con ta oes Ele dpe de tis ndicndo Gada, de esas indiando cidade, de cidade indicando sr, sca, 0 Guarto, et, Cada um dos ermos sor quai kes ona €determinado por um Mtoro‘e mesmo ved com o erm puteipagio.Enguanto 0 dcuro (of0 posta) dur, le indica ago que nto 6 Se ele dit oisante’ present, no Fide istanteagur mas lgumn euro oo ox ovtron em geal, que serdo ais tate Falande ado poeicamens api fodne qualquer outa preseng que to aguca de determinagBes pres 8 derivaas de ~ antecipaydes do futo ‘Aponto de longe um cavalo no campo: frendo-o, dxigno um conjto de Poiblidader, como ade ver aprorimando-me,o cavalo em dette, De tl Fhandia que silencio. que se Segue em dima intncia a Gnicapomibilidade do dacuro,ebuadscupa na medida em que oiencioenfin no teri exinido ten dscano, (NE) 38 ruBearuue a dizer que a poesia nunca é o lamento do passado. © lamento que no mente nio é poético; ele cessa de ser verdadeiro A medida que se torna ‘poético, pois entio, no objeto lamentado, o passado tem menos interesse do que, em si mesma, a expressio do lamento. Assim que os entunciamos, esses principios suscitam as questdes que nos levam de volta & anilise de Sartre (da qual, decerto, s me afastei para melhor marcar sua profuundidade). Se é mesmo assim, se a operagio da poesia exige que 0 objeto se torne sujeito ~c 0 sujeito, objeto ~ seria ela mais que um jogo, que uma brilhante escamoteagio? Nio pode haver vida, em principio, no que concerne a possibilidade da poesia. Mas ‘historia da poesia nfo seria mais que uma sequéncia de vios estorgos? F dificil negar que, regra geral, os poetas trapaceiam! “Os poetas men - tem demais", diz Zaratustra, que acrescenta: “Zaratustra ele proprio € poeta”. Mas a fusio do sujeito € do objeto, do homem e do mundo, nio pode ser fingida: podemos nao tenti-la, mas a comédia nio seria Justificivel. Ora, ela €, a0 que parece, impossivel! Essa impossibilidade, Sartre a representa com toda razio, dizendo da miséria do poeta que ela €0 desejo insensato de unir objetivamente o ser ea existéncia, Eu disse ‘mais acima, esse desejo, segundo Sartre, é ora singularmente o desejo de Baudelaire, ora aquele de “cada poeta”, mas, de qualquer modo, a sintese do imutivel e do perecivel, do ser e da existéncia, do objeto e do sujeito, que a poesia busca, define-a sem escapat6ria, limita-a, faz dela o reino do impossivel, da insaciedade. O infortéinio quer que, do impossivel, condenado a sé-lo,seja dificil falar. Sartre diz de Baudelaire © G0 leitmotiv de sua anilise) que o mal era nele querer ser a coisa que ele era para outrem: abandonava assim a prerrogativa da existéncia, | que é a de permanecer suspensa. Mas o homem evita, em geral, que _ Aconsciéncia que ele é, tornando-se reflexio das coisas, torne-se ela propria uma coisa como outra qualquer? Parece-me que nio e que a | possia € 0 modo através segundo do qual Ihe é possivel, comumente "(0a ignoriincia em que permaneceu dos meios que Sartre lhe propde), © escapar do destino que 0 reduz a0 reflexo das coisas. E verdade que 4 _ Poesia, querendo a identidade entre as coisas refletidas ¢ a consciéncia que asreflete, quer o impossivel. Mas 0 nico meio de nio ser reduzido _ a0 reflexo das coisas ndo é justamente querer 0 impossivel? A poesia é sempre, em certo sentido, um contrario da poesia Creio que a miséria da poesia é representada fielmente na ima- de Baudelaire oferecida por Sartre. Inerente 4 poesia, existe uma brigacio de fazer de uma insatisfac3o uma coisa fixa. A poesia, num ATURA E0MIAL BAUDELAIRE a primeiro movimento, destroi os objetos que apreende, devolve-os, através de uma destruigio, 3 inapreensivel fluidez da existéncia do poeta, © € a esse prego que ela espera reencontrar a identidade entre o mundo ¢ o homem. Mas ao mesmo tempo que opera um desapossamento, cla tenta se apossar desse desapossamenta, Tudo o que ela conseguiu foi substituir pelo desapossamento as coisas apossadas da vida reduzida: ela nio péde evitar que o desapossamento tomasse o lugar das coisas. Experimentamos nesse plano uma dificuldade semelhante a da crianga, livre sob a condigao de negar 0 adulto, nio podendo fazé-lo sem se tornar um adulto por sua ver e sem perder assim sua liberdade. ‘Mas Baudelaire, que nunca assumiu as prerrogativas dos mestres ¢ cuja liberdade garantiu sua insaciedade até o fim, nao péde deixar de rivalizar com esses seres que cle se recusara a substituir. E verdade que ele se procurou, que nio se perdeu, que nunca se esqueceu de si mesmo e que se olhou olhar; a recuperagio do ser foi mesmo, como indica Sartre, 0 objeto de seu génio, de sua tensio e de sua impotén- cia poética. Ha, sem divida alguma, na origem do destino do poeta uma certeza de unicidade, de eleigo, sem a qual 0 empreendimento de reduzir o mundo a si mesmo, ou de se perder no mundo, nio teria © sentido que tem. Sartre faz disso a tara de Baudelaire, resultado do isolamento em que deixou o segundo casamento de sua mie. E, de fato, o “sentimento de solidao, desde minha infincia”, “de destino eternamente solitirio”, de que proprio poeta falou. Mas Baudelaire forneceu, decerto, a mesma revelacio de si na oposigio 0s outros ao dizer: “Bem crianga ainda, senti no meu coragio dois sentimentos contraditérios: © horror da vida e 0 éxtase da vida”"! ‘Nunca se insistira o bastante numa certeza de insubstituivel unicidade que esta na base no apenas do génio poético (em que Blake via 0 ponto comum — pelo qual sio semelhantes — de todos os homens), ‘mas também de toda religido (de toda Igreja) e de toda patria. £ bem verdade que a poesia sempre respondeu ao desejo de recuperar, de fixar do exterior em forma sensivel a existéncia tinica, inicialmente informe, e sensivel apenas interiormente, de um individuo ou de tum grupo. Mas é duvidoso que nossa consciéncia de existir nio BAUDELAIRE, Mon cour mis d mu, LXXXIX. [Edicio brasileira (uilizada aqui ‘Meu conaio desnudado, Tradugio de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Auténtica, 2009, p46] 40 rupernuie tenha necessariamente esse valor enganoso de unicidade: o individuo a experimenta ora no pertencimento 4 cidade, 4 familia ou mesmo a0. par (assim, segundo Sartre, Baudelaire crianga, ligado ao corpo e a0 ‘coragio de sua mie), ora por conta prépria. Decerto, este tiltimo caso em particular € hoje em dia aquele da vocacio poética ~ que leva a uma forma de cria¢o verbal em que o poema é a recuperagio do individuo. Poderiamos, assim, dizer do poeta que ele é a parte que se toma pelo todo, 0 individuo que se conduz como uma coletividade. De tal modo que estados de insatisfa¢io, objetos que frustram, que revelam uma auséncia, tornam-se em certo ponto as tinicas formas em que a tensio do individuo consegue reencontrar sua unicidade | frustrante. A cidade a coagula, a rigor, em seus movimentos, mas aquilo que ela deve, que ela pode fazer, a existéncia isolada tem a chance* de ter de fazé-lo sem o poder. Sartre pode muito bem di- zer de Baudelaire”: “seu desejo mais caro é o de ser como a pedra, _ @estatua, no repouso tranquilo da imutabilidade”, ele pode mostrar © poeta vido por extrair das brumas do passado alguma imagem Petrificdvel; as imagens que ele deixou participam da vida aberta, __infinita, segundo Sartre, no sentido baudelairiano, ou seja, insatisfeita. _ Assim, é frustrante dizer de Baudelaire que ele queria a impossivel estétua que nao podia ser, se no se acrescenta imediatamente que Baudelaire quis menos a estitua que o impossivel. E mais razoavel — e menos desdenhoso ~ perceber, “a partir dai”, os resultados do sentimento de unicidade (de consciéncia, que Baudelaire teve ainda crianga, de ser, sozinho ~ sem que nada aliviasse "esse peso -, 0 éxtase © 0 horror da vida; e todas as consequéncias: “essa vida miserdvel...”). Mas Sartre tem razio em afirmar que ele quis aquilo que nos parece inevitavelmente ir por égua abaixo. Ele ‘© quis a0 menos como é fatal querer © impossivel, ou seja, a0 mesmo _ tempo firmemente, como tal e, mentirosamente, sob forma de qui- mera, Dai sua vida gemente de dindi 4vido de trabalho, amargamente ‘Normalmente, a palavra chance em francés deixa-se traduait por “sorte”. Mas no [Pensamento de Bataille, chance € uma nogio muito forte, muito pregnante, ligada ‘mais a0 acaso, & contingéncia, do que 4 ideia de sorte propriamente dita. Por ‘sso, prefiro manter “chance” em todas as suas ocorréncias. Ver, sobretudo, a esse tespeito Sobre Niet2sche: vontade de chance, terceiro volume da Suma ateolégia. Belo | Horizonte: Auténtica, a sair em 2016, (N-T) SARTRE. Baudelaire, p. 126 rTeRATURA €oMAL |HUDELARE a atolado numa ociosidade inatil. Mas como ~é proprio Sartre quem diz — uma “tensio inigualivel” 0 armava, ele tirou de uma posi¢io equivoca todo o proveito possivel: um perfeito movimento de éxtase e de horror misturados confere 4 sua poesia uma plenitude mantida sem fraqueza no limite de uma sensibilidade livre, uma rarefacio, uma esterilidade esgotantes, que deixam Sartre desconfortivel: a atmosfera de vicio, de recusa, de 6dio responde a essa tensio da vontade que nega ~ como 0 atleta nega 0 peso do haltere ~ a coagio do Bem. £ verdade que o esforgo é vio, que os poemas em que esse movimento se petrifica (que reduzem a existéncia ao ser) fizeram do vicio, do édio e da liberdade infinitos as formas déceis, tranquilas, imutiveis que conhecemos. E verdade, a poesia, que subsiste, é sem- pre um contrario da poesia, j4 que, tendo o perecivel por fim, cla © transforma em eterno. Mas nio importa se 0 jogo do poeta, cuja esséncia é unir ao sujeito © objeto do poema, sem falhar, une-o a0 poeta frustrado, a0 poeta humilhado por um fracasso € insatisfeito. De maneira que 0 objeto, 0 mundo, irredutivel, insubordinado, encarnado nas criagdes hibridas da poesia, traido pelo poema, nio 0 é pela vida invidvel do poeta. S6 a longa agonia do poeta revela, a rigor, em diltima instincia, a autenticidade da poesia, e Sartre, 0 que quer que diga, ajuda a comprovar que seu fim, precedendo a gloria, que 86 ela poderia té-lo transformado em pedra, correspondeu a sua vontade: Baudelaire quis o impossivel até o fim. Baudelaire e a estétua do impossivel ‘Afalta de discernimento na consciéncia de sua propria realidade |justifica a hesitagio, Nao podemos saber “distintamente” aquilo que, para Baudelaire, contava soberanamente. Talvez mesmo seja preciso ver, no fato de que ele se recusa a saber isso, uma indicagio sobre ‘uma relacio fatal entre o homem € o valor. Pode set que traissemos aquilo que, para nés, conta soberanamente, se tivéssemos a fraqueza de decidir “distintamente” a seu respeito: afinal, nio é de surpreen- der que a liberdade exija um salto, um arrancamento de si brusco € 3 No sentido daquilo que nio é subordinado a nada de outro que nio seu primeiro ‘movimento, indiferente a qualquer consideragio exterior. ia ruBannuc imprevisivel que ndo sio mais dados a quem decide de antemio. verdade, Baudelaire permaneceu para si mesmo um dédalo: deixando até o fim as possibilidades abertas em todos os sentidos, ele aspirou 3 imutabilidade da pedra, ao onanismo de uma poesia fiinebre. Como no perceber nele essa fixacIo no passado? lassido que anunciava 0 amolecimento, 0 envelhecimento precoce, a impoténcia. Hé em As flores do mal com o que justificar a interpretagio de Sartre, segundo a qual Baudelaire ambicionou nio ser mais que um passado “inaltersivel ¢ imperfectivel”, ¢ escolheu “considerar sua vida do ponto de vista da morte, como se ji fixada por um fim prematuro”. Pode ser que a plenitude de sua poesia esteja ligada 4 imagem imobilizada de bicho pego na armadilha, que ele forneceu de si mesmo, que 0 obseda e cuja evoca¢io retoma incessantemente. Da mesma maneira, uma nacio se obstina em nio faltar a ideia que faz de si mesma uma vez, a ter de supera-la, prefere desaparecer. AA criagio, que recebe seus limites do passado, detém-se, e, por ter o sentido da insatisfacio, nio pode se liberar e se satisfaz com um estado de imutivel insatisfacao, Esse gozo moroso, prolongado por um fracasso, esse temor de ser __satisfeito transformam a liberdade em seu contrario. Mas Sartre se apoia no fato de que a vida de Baudelaire se decidiu em poucos anos, que cla foi lenta a partir dos arroubos da juventude ~ uma interm: "nivel decadéncia, “Desde 1846”, diz Sartre (ou seja, aos 25 anos), ‘Baudelaire gastou metade de sua fortuna, escreveu a maior parte de "seus poemas, deu uma forma definitiva a suas relagdes com seus pais, " contrait a doenga venérea que vai lentamente apodrecé-lo, encontrou _amulher que pesari como chumbo sobre todas as horas de sta vida e fez a viagem que provera toda sua obra de imagens exéticas.”> Mas ‘essa maneira de ver implica a opiniio de Sartre a respeito dos Escritos intimos: sio meras repetigdes que 0 incomodam profundamente. ‘Uma carta, datada de 28 de janeiro de 1854,2* me interessa mais. _ Baudelaire fornece nela 0 roteito de um drama: um trabalhador _ beberrio obtém 2 noite, num lugar solitério, um encontro com sua mulher, que 0 abandonou; ela se recusa, apesar dos rogos dele, a SSARTRE. Baudelaire, p. 188-189. PDAUDELAIRE, Charles, Coneipondance ginal, Recueil, clas et nnocte par). Ceépet, Paris Conard, 1917... 16h p24 “Aurenarona€ oma. sxvoevite 2 voltar para o lar. Desesperado, ele a conduz para o caminho onde sabe que, com a ajuda da noite, ela cairi num pogo sem parapeito, ‘Uma cangio que ele tinha a intencio de introduzir na pega est na origem do episédio. “Ela comeca assim”, escreve ele: Rien west aussi-z-aimable Nada é tao améver Franfiu-Cancrt-Lon-La-Lahira Franfru-Cancru-Lon-La-Lariré Rien n'est aussi-2-aimable Nada é tao améver Que le scieur de long. ‘Quanto 0 serrador de tébwas, esse amivel serrador de tibuas acaba jogando sua mulher na égua; diz entio, dirigindo-se a uma sereia... Chante Sirdne Chante Franfru-Cancrt-Lon-La-Lahira ‘Chante Siréne Chante Tras raison de chanter. Canta Sereia Canta Franfi-Caneru-Lon-La-Lariré Canta Sereia Canta Ta tem razao pra cantar. ois tu tem o mar pra beber, Franfru-Cancru-Lon-La-Larié ois tu fem o mar pra beber, E meu benzinho pra comer! Car Vas la mer & boire, Franfiu-Cancru-Lon-La-Lahira Car tas la mer & boire, Et ma mie d manger! O serrador de tibuas est carregado com os pecados do autor; gracas a uma defasagem — a uma mascara — a imagem do poeta, de repente, desestagna-se, deforma-se e se transforma: nfo € mais a imagem determinada por um ritmo compassado, tio tensionado que obriga e forma de antemio.” Em condigdes de linguagem diferentes, nao é mais 0 passado limitado que enfeitica; um possivel ilimitado abre 0 atrativo que Ihe pertence, 0 atrativo da liberdade, da recusa dos limites. Nao foi 0 acaso que ligou no espirito de Baudelaire o tema do serrador de tabuas a ideia do estupro de uma morta, Nesse onto, o assassinato, a Inbricidade, a ternura e o riso se fundem (ele Um poema, “Le Vin de assassin” [O vinho do assassino], que, em As flores do ‘mal, pe em: cena esse serrador de tibuas,é, de fato, um dos mais medfocres da coletinea. O personagem esti preso 20 ritmo baudelairiano, Aquilo que um projeto ‘exterior aos limites da formula poética deixou entrever recai af na rotina 44 subarea quis introduzit no teatro, ao menos através de um relato, o estupro do cadaver de sua mulher pelo trabalhador). Nietzsche escrevia®: “Ver socobrarem as naturezas tragicas e poder rir disso, apesar da profunda compreensio, emogio e simpatia que se sente, isso é divino”, Talvez um sentimento tio pouco humano seja inacessivel: Baudelaire, para alcangé-lo, recorreu aos pobres meios da degradacio do herdi, ¢ da baixeza de sua linguagem. Mas, mesmo ligado a essas concessdes, © cume da Sereia nio pode ser rebaixado. As flores do mal, que ele supera, o designam; elas garantem a plenitude de seu sentido, ¢ ele indica a culminagio delas. Baudelaire nio deu sequéncia ao projeto de escrever esse drama, Sua preguiga inquestionavel ou sua impotén- cia tardia sio talvez a causa disso. Ou o diretor de teatro a quem 0 propés o fez entender qual seria a reagio provavel do piblico?”” Ao menos, Baudelaire, em tal projeto, foi o mais longe que podia: de As flores do mala loucura nao foi a impossivel estitua, e sim a estitua do impossivel que ele sonhou. A significagao historica de As flores do mal O sentido ~ ou 0 nio-sentido ~ da vida de Baudelaire, a conti- nuidade do movimento que o levou da poesia da insatisfagio & auséncia dada no desabamento nio sio marcados apenas por uma cangio. Uma vida inteira obstinadamente falhada ~ que, negativamente, Sartre poe ra conta de uma mi escolha ~ significa 0 horror por estar satisfeito: a rejeicio das coagdes necessirias a0 lucro. O parti pris de Baudelaire nio podia ser mais claro. Uma passagem de uma carta a sua mie” exprime ssa nova recusa de se submeter lei de sua prépria vontade...: “para re- suumir’, diz ele, “foi-me demonstrado esta semana que eu podia realmente ganhar dinheiro, e, com aplicagao e perseveranga, muito dinheiro, Mas % Nachiass (Pragmentos péstumos), 1882-1884, © Na revista Critique, esse trecho vinha formulado diferentemente: “Mas e sabemos ue ele 0 submeteu a um diretor de teatro, que estava entio pressionado por dividas, ambém podemos pensar que o pablico, antes de Baudelaire, ésuspeito de tercausado esse aborto. Como nio pensar naqueles esbogos que pintores pintavam livremente apenas para si mesmos, certos de que jamais encontratiam compradores para eles”. (NE) _ ® BAUDELAIRE. Correspondance générale, tI, n. 134, p. 193. A carta & de 26 de argo de 1853. _AUTERATURA £0 MAL BaLDe.ARe 45 as desordens anteriores, mas uma miséria incessante, um novo déficit a saldar, a diminuigio da energia pelos pequenos aborrecimentos, enfim, para tudo dizer, minha inclinagio ao devaneio, tudo anularam”. ‘Ai esti, se quiserem, um trago de cariter individual, e, como tal, uma impoténcia. E possivel também considerar as coisas no tempo, {julgar como um acontecimento — que respondeu a uma exigéncia obje- tivamente dada ~ um horror ao trabalho tio claramente ligado 3 poesia. Sabe-se que essa recusa, essa aversio eram padecidas (a iltima coisa de {que se tratava era de uma decisio firme), e que, inclusive, Baudelaire, em diversas ocasides, miseravelmente, sem trégua, sujeitou-se ao principfo do trabalho: “Somos, a cada momento”, escreve ele em seus Diérios {ntimos,” “atropelados pela ideia e pela sensagio do tempo. E s6 ha dois meios de escapar desse pesadelo, de esquecé-lo: 0 prazer e o trabalho. (© prazer nos consome. O trabalho nos fortifica. Escolhamos”. Essa posigio esta préxima de outra, formulada anteriormente™: “Ha, em todo homem, a toda hora, duas postulagSes simultineas, uma dirigida a Deus, a outra, a Sata. A invocagio a Deus, ou espiritualidade, é um desejo por subir de nivel; a de Sat’, ou animalidade, é um prazer por cair", Mas s6 a primeira formulagio introduz dados claros. O prazer &a forma positiva da vida sensivel: no podemos experimenti-lo sem ‘uma despesa improdutiva de nossos recursos (ele consome). © traba- Iho, a0 contrario, é o modo da atividade: tem por efeito © aumento de nossos recursos (cle fortifica). Ora, hi “em todo homem, a toda hora, duas postulagdes simultineas”, uma para 0 trabalho (0 aumento dos recursos), outra para o prazer (0 dispéndio dos recursos). O trabalho corresponde 3 preocupacio com 0 amanhi, 0 prazer ao gozo do ins- tante presente. © trabalho é itil e satisfaz, 0 prazer, instil, deixa um sentimento de insatisfagio. Essas consideragSes situam a economia na base da moral, situam-na na base da poesia. A escolha incide sempre, ‘a toda hora, sobre a questio vulgar e material: “tendo em vista meus recursos atuais, devo gasté-los ou aumenti-los?”. Tomada em seu conjunto, a resposta de Baudelaire é singular. Por um lado, suas notas estio cheias de resolugio de trabalho, mas sua vida foi a longa recusa da atividade produtiva. Ele chega a escrever*: “Ser um homem itil BAUDELAIRE. Mon cxwr mis & nu, LXXXIX [Edigio brasileira, p. 82]. © BAUDELAIRE. Mon cour mis dm, XIX [Edigio brasileira, p. 49} ® BAUDELAIRE, Mon caur mis mu, IX [Edigio brasileira, p. 45]. 46 srusearnc sempre me pareceu algo bastante detestivel”. A mesma impossibilidade de resolver no sentido do Bem a oposi¢io volta a se encontrar em outros planos. Nao apenas escolhe Deus, ¢ 0 trabalho, de modo puramente nominal, para pertencer a Sati ainda mais intimamente, como, além disso, sequer pode decidir se a oposicao Ihe é propria e interna (entre © prazer ¢ 0 trabalho) ou exterior (entre Deus e 0 diabo). $6 0 que se pode dizer é que ele tende a rejeitar sua forma transcendente: na pritica, © que triunfa nele é a recusa de trabalhar, e portanto de ficar satisfeito, ele s6 mantém acima de si mesmo a transcendéncia da obrigagio para acentuar o valor de uma recusa e para sentir com mais forga a atragio angustiada de uma vida insatisfatéria, _ Masisso nio é um erro individual. © defeito das anilises de Sartre justamente o de se contentar com tal aspecto. E isso o que as reduz 4 apreciacdes negativas, cujo sentido positive s6 pode ser percebido ‘s€ as inserimos no tempo histérico. © conjunto das relagdes entre a Producio e 0 dispéndio esta na histéria, a experiéncia de Baudelaire esta _ ha histria, Ela tem positivamente o sentido preciso que a histéria Ihe di. ~ Como toda atividade, a poesia pode ser considerada sob 0 angu- lo econémico. E a moral ao mesmo tempo que a poesia. Baudelaire, de fato, através de sua vida, através de suas reflexdes infortunadas, colocou solidariamente nesses dominios o problema crucial. £ 0 pro- _blema que a um sé tempo tocam e evitam as anilises de Sartre, Estas fem 0 erro de representar a poesia e a atitude moral do poeta © resultado de uma escolha. Admitindo que o individuo tenha Ihido, 0 sentido para outrem daquilo que ele criou é dado social- nas necessidades a que respondeu. © sentido pleno de um de Baudelaire no é dado em seus erros, mas na expectativa icamente ~ geralmente ~ determinada a que esses “errs” res~ am. Aparentemente, segundo Sartre, escolhas anilogas i de fre eram possiveis em outros tempos. Mas elas nio tiveram por juéncias, em outros tempos, poemas semelhantes aos de As flores ‘mal. Negligenciando essa verdade, a critica explicativa de Sartre vvis0es profundas, mas no pode dar conta da plenitude com s €m nosso tempo, a poesia de Baudelaire invade o espirito (ou s6 dela se invertida, a detragio invertida ganhando o sentido jerado da compreensio). Sem falar de um elemento de graca, ou a “inigualivel tensio” da atitude de Baudelaire nio expri- nas a necessidade individual, ela é a consequéncia de uma EOMAL BALDELARE ye tensio material, historicamente dada de fora. © mundo, a sociedade no seio da qual 0 poeta escreveu As flores do mal tivera ela propria, na medida em que ultrapassava a instincia individual, de responder 3s das postulagdes simultineas que no cessam de exigir humanamente a decisio: como 0 individuo, a sociedade deve escolher entre a preo- cupacio com o porvir e 0 gozo do instante presente. Essencialmente, a sociedade se funda na fraqueza dos individuos, que a forca dela com- pensa: ela esti, em certo sentido, ligada em primeito lugar a0 primado do porvit ~ 0 que nio ocorre com 0 individuo., Mas ela n3o pode negar o presente e Ihe concede uma parte a respeito da qual a decisio no esté absolutamente dada. E a parte das festas, cujo momento pe- sado & 0 sactificio.™ O sacrificio concentra a atengio no dispéndio, em fungio do instante presente, de recursos que, em principio, a preocu- pagio com o amanhi prescrevia reservar. Mas a sociedade de As flores do mal nio € mais essa sociedade ambigua que, mantendo profunda- mente 0 primado do porvir, permitia, na espécie do sagrado (alias, disfargado, camuflado em valor de porvir, em objeto transcendente, eterno, em fundamento imutivel do Bem), a precedéncia nominal do presente. E a sociedade capitalista em pleno crescimento, reservando a maior parte possivel dos produtos do trabalho ao aumento dos meios de produzir. Essa sociedade tinha dado a sangio do terror 4 condena~ io do luxo dos grandes. Ela se desviava justamente de uma casta que explorara em seu proveito a ambiguidade da sociedade antiga. Ela no podia perdod-la por ter desviado para fins de esplendor pessoal uma parte dos recursos (do trabalho) que poderia ter sido empregada no aumento dos meios de produgio. Mas dos grandes lagos de Versalhes as barragens modernas, uma decisio interveio que nao se deu apenas no sentido da coletividade se opondo aos privilegiados: essencialmen- te, essa decisio opés o aumento das forgas produtivas aos gozos im- produtivos. A sociedade burguesa, no meio do século XIX, escolheu no sentido das barragens: ela introduziu no mundo uma mudanga fandamental. Do nascimento & morte de Charles Baudelaire, a Euro- pase engajou numa rede de estradas de ferro, a produgao abriu a perspectiva de um crescimento indefinido das forcas produtivas atribuiu a si mesma esse crescimento como fim. A operacio preparada havia muito tempo comegava uma metamorfose ripida do mundo 3° A Sparte maldita” de que falei no capitulo precedente, p. 27, nota 17 48 rabonaue civilizado, fundada no primado do amanha, ou seja, na acumulagao capitalista. Da parte dos proletirios, a operagio devia ser negada, por ser limitada as perspectivas do lucro pessoal dos capitalistas: ela susci- tou, portanto, a contrapartida do movimento operario. Da parte dos escritores, como pds fim aos esplendores do Antigo Regime e substi- tuiu as obras gloriosas pelas utilitirias, ela provocou o protesto roman- tico. Os dois protestos, de natureza diferente, concordavam num pon- to. O movimento operitio, cujo principio nio se opunha a acumulacio, atribuia-lhe como fim, na perspectiva do porvir, liberar ‘© homem da escravidio do trabalho. O romantismo, imediatamente, dava uma forma concreta Aquilo que nega, iquilo que suprime a re- ducio do homem a valores de utilidade. A literatura tradicional expri- mia simplesmente 05 valores nio utilitérios (militares, religiosos, er6ticos) admitidos pela sociedade ou pela clase dominante: a romin- tica, os valores que negavam o Estado moderno ea atividade burgu sa, Porém, embora se revestisse de uma forma precisa, essa expressio io deixava de ser duvidosa. Frequentemente, 0 romantismo se limi~ tou a exaltagio do passado ingenuamente oposto ao presente, Nao era ‘ais que uma solugio de compromisso: os valores do passado tinham les proprios transigido com os principios utiitarios. © tema da natu- _feza, cuja oposicio podia parecer mais radical, tampouco oferecia mais que uma possibilidade de evasio proviséria (0 amor pela natureza ds, tio suscetivel de acordo com o primado do itil, ou seja, do ama- que foi © modo de compensa¢io mais difundido ~ 0 mais anédi- — das sociedades wtilizadoras: nada evidentemente menos perigoso, 108 subversivo, no fim das contas menos selvagem, que a selvageria rochedos). A posicio romantica do individuo € uma posigio mais squente & primeira vista: o individuo se opée inicialmente 4 coa- social como existéncia sonhadora, apaixonada e rebelde a discipli~ Mas a exigéncia do individuo sensivel nao é consistente: ela ndo a dura e duradoura coeréncia de uma moral religiosa ou do cédi- ide honra de uma casta. © tinico elemento constante dos individuos no interesse por uma soma de recursos crescentes que os em= 10s capitalistas tém a possibilidade de satisfazer plenamen- De tal forma que o individuo é o fim da sociedade omen a jente quanto uma ordem hierarquica é 0 fim da sociedade ‘Acrescenta-se a isso que a busca do interesse privado é a0 mes- ‘tempo a fonte ¢ 0 fim da atividade capitalista. A forma poética, 49 titinica, do individualismo é, para o célculo utilitirio, uma resposta excessiva, mas uma resposta: sob sua forma consagrada, o romantismo foi pouco mais que uma aparéncia antiburguesa do individualismo burgués. Dilaceramento, negacio de si, nostalgia daquilo que nio se tem exprimiram 0 mal-estar da burguesia, que, tendo entrado na his- t6ria ligando-se 4 recusa da responsabilidade, exprimia 0 contrario do que era, mas dava um jeito de nio suportar suas consequéncias, ou mesmo de tirar proveito dai. A negag%o, na literatura, dos fundamen- tos da atividade capitalista s6 se liberou tardiamente dos compromissos. Foi somente na fase de pleno crescimento ¢ desenvolvimento garant\- do, passado 0 momento agudo da febre romintica, que a burguesia se sentiu i vontade. A busca literria cessou nesse ponto de ser limitada por uma possibilidade de compromisso. Baudelaire, € verdade, nada teve de radical ~ 0 desejo se obstinava nele de nio ter 0 impossivel como sina, de obter o perdio -, mas, como Sartre ajuda a ver, ele extraiu do cariter vio de seu esforgo aquilo que outros extrairam da rebeliio. O principio é esperto: ele nao tem vontade, mas uma atrago © anima involuntariamente. A recusa de Baudelaire € a recusa mais profunda, jé que nio é de modo algum a afirmagio de um principio ‘oposto, Ela exprime apenas 0 estado d’alma obstruido do poeta, exprime-o naquilo que ele tem de indefensivel, de impossivel. O Mal, que o poeta faz menos do que sofre sua fascinacio, € realmente 0 Mal, jé que a vontade, que 6 pode querer o Bem, nao tem ai a menor parte. Alids, pouco importa, afinal, que seja 0 Mal: 0 contririo da vontade sendo a fascinagio, a fascinagio sendo a ruina da vontade, condenar moralmente a conduta fascinada talvez seja, por algum tem- po, o finico meio de liberd-la plenamente da vontade. As religides, as castas e, pouco tempo antes, 0 romantismo tinham, por seu lado, concedido sta parte & seducio, masa sedugio entio Iudibriava, obtinha © acordo de uma vontade ela propria disposta ao ludibrio. Assim, a poesia, que se endereca a sensibilidade para seduzi-la, devia limitar os “objetos de sedugio que propunha aqueles que a vontade podia assumir (a vontade consciente, que necessariamente impde condigdes, que exige a duragio, a satisfago). A poesia antiga limita a liberdade impli- cada na poesia. Baudelaire abriu na massa tumultuosa dessas aguas a depressio de uma poesia maldita, que nio assumia mais nada e que padecia indefesa uma fascinago incapaz de satisfazer, uma fascinagio ‘que destruia. Dessa forma, a poesia se desviava de exigencias feitas a 50 rubexrane cla de fora, de exigéncias da vontade, para responder a uma éinica exigéncia intima, que a prendia Aquilo que fascina, que fazia dela 0 contririo da vontade. Hé outra coisa além de uma escolha de individuo fraco nessa determinagio maior da poesia. Importa-nos pouco que uma inclinagio pessoal, implicando a responsabilidade, esclarega as. circunstancias da vida do poeta. O sentido para nés de As flores do mal, Portanto o sentido de Baudelaire, é 0 resultado de nosso interesse pela Poesia. Ignorariamos tudo de um destino individual se nio fosse 0 interesse que 0s poemas suscitaram. Assim, s6 podemos falar dele na medida em que o ilumina nosso amor por As flores do mal (ndo sepa~ radamente, mas ligadas a ronda em que entravam). Desse lado, é a _ singular atitude do poeta para com a moral que da conta da ruptura que ele operou: a negagio do Bem em Baudelaire é, de uma maneira fundamental, uma negacio do primado do amanhi: a afirmacio, _ mantida simultaneamente, do Bem participa de um sentimento ma- duro (que frequentemente o guiava em sua reflexio sobre o erotismo): ‘ela Ihe revelava regularmente, e infelizmente (de uma maneira maldi- 1), © paradoxo do instante ~ que s6 aleangamos fugindo dele, que se ‘esquiva se tentamos apreendé-lo. Nio hi divida de que a posigio ‘maldita — humilhante ~ de Baudelaire pode ser superada, Mas nada ha 2a supera¢io possivel que justifique o repouso, A infelicidade humi- te se reencontra sob outras formas, menos passivas, mais reduzidas, m escapatoria, e tio duras ~ ou tio insensatas ~ que parecem uma lade selvagem. A poesia de Baudelaire, ela propria, é superada: a digo entre uma recusa do Bem (um valor ordenado pela preo- iplo com a duragiio) ¢ a criagio de uma obra duradoura engaja a numa via de decomposigao ripida, onde ela se concebeu, cada ‘mais negativamente, como um perfeito siléncio da vontade. 51 Apéndice ao capitulo sobre Baudelaire As paginas iniciais e finais do artigo na revista Critique foram suprimidas na edigdo de A literatura e o mal. Eis como o artigo comecava: BAUDELAIRE “DESNUDADO” - A anilise de Sartre ¢ a esséncia da poesia BAUDELAIRE, Ecrits intimes: Fusées - Mon coeur mis 4 nu ~ Carnet ~ Correspondance. Introduction par JEAN-PAUL SARTRE® Ed. du Point du Jour, 1946, in 8°, CLXV-279 P. (“Incidences”, Collection dirigée par RENE BERTELE,) Sartre resolutamente estranho 4 paixio pelo mundo sensivel: poucos espiritos se fecham 3 invasio da poesia com tanta necessidade ‘quanto 0 seu A introdugio que ele escreveu para Rojées ¢ Men coracio fe Fubarrnue desnudado tem a extensio de um livro, mas 0 que ele quer nio é nos abrir um pouco mais o mundo de Baudelaire: fala-nos do poeta com a intengio de suprimi-lo. © longo trabalho que publica ¢ menos de tum critico que de um juiz moral, a0 qual importa saber e afirmar que Baudelaire é condenavel “A escolha livre que 0 homem faz de si mesmo se identifica absoluta- Imente com aquilo que se chama destino.” Assim terminam as 160 paginas do julgamento, Essa verdade, a vida infeliz de Charles Baudelaire a ilustra com um fulgor inigualivel. O castigo do poeta é o pagamento Por suas faltas: ele teve o destino “maldito” que merecia. A resolugio e 0 vigor agressivo de Sartre sio mais do que louviveis, indo de encontro a0 gosto de quase todo o paiblico, optando por uma atitude no minimo dificil. Nao sei se esta af uma ago de valor moral, mas uma clareza to decidida tem em si mesma uma virtude. Como evitar ver em Baudelaire, que teve sede de ser moralmente condenivel, um movimento que as condenagdes cegas e burguesas que o atingiram nao " puderam consumar, que s6 uma lucidez brutal e sem preconceito con- sma? Parece-me que em cada coisa importante convém ir até o fundo, sem nunca se deixar deter. No entanto, uma vez esse movimento con- stmado ¢ Baudelaire violentamente “desnudado”, devemos reconsiderar __ 48 coisas: n6s mesmos nao devemos nos deter no julgamento de Sartre ; Ha poucos escritos mais irritantes. E com uma inegivel rigidez, ¢ _ Bo sem uma espécie de perversio, que ele representou essa “totalidade enrijecida, perversa e insatisfeita que nao é outra senio o proprio Bau- _delaire”. Ha em nés ~ em cada um de nés, nio apenas em Baudelaire uma obscuridade como que sagrada que quer que nao escutemos sem. uma voz tribunalesca enunciando (p. CLXIV): “Ele escolheu “exist para si mesmo como ele ent para os outros, quis que sta liberdade aparecesse como uma ‘natureza’, e que a ‘natureza’ que os outros

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