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Essa é uma caricatura comum, embora seja extremamente enigmática. Após toda uma vida lendo
literatura libertária e liberal clássica, nunca me deparei com um único teórico ou escritor que sequer
chegue perto dessa postura.
A única possível exceção talvez seja o fanático Max Stirner, um individualista alemão de meados do
século XIX que, no entanto, teve influência mínima no libertarianismo da época e desde então.
Ademais, Stirner, com sua explícita filosofia de "o poder faz o certo" e seu repúdio a todos os
princípios morais, inclusive os direitos individuais, como sendo "fantasmas na cabeça", dificilmente o
qualificam como um libertário em qualquer sentido do termo. Com exceção de Stirner, entretanto, não
há nenhum corpo de opiniões que seja sequer remotamente semelhante a essa acusação comum.
Libertários certamente são individualistas metodológicos e políticos. Eles acreditam que somente
indivíduos - e não o coletivo - pensam, valoram, agem e escolhem. Eles acreditam que cada indivíduo
tem o direito de ser dono de seu próprio corpo, livre de quaisquer interferências coercivas. Mas
nenhum individualista nega que as pessoas influenciam constantemente umas às outras em seus
objetivos, valorações, buscas e ocupações.
Como F.A. Hayek demonstrou em seu notável artigo The Non-Sequitur of the 'Dependence Effect', o
ataque feito por John Kenneth Galbraith à economia de livre mercado em seu best seller A Sociedade
Afluente baseava-se na seguinte proposição: a ciência econômica assume que cada indivíduo define por
conta própria sua escala de valores, sem estar sujeito à influência de ninguém mais. Porém, como
Hayek retrucou, a realidade é oposta: a maioria das pessoas não cria suas próprias valorações, porém
elas são influenciadas por outras pessoas a adotá-las.[1]
Nenhum individualista ou libertário nega que as pessoas estão influenciando umas às outras a todo o
momento, e certamente não há nada de errado com esse processo inevitável. Os libertários não se
opõem à persuasão voluntária; eles se opõem sim à imposição coerciva de valores pelo uso da força e
do poder policial. Os libertários de modo algum se opõem à cooperação voluntária e à colaboração
entre indivíduos: somente à pseudo-"cooperação" compulsória imposta pelo estado.
MITO #2: LIBERTÁRIOS SÃO LIBERTINOS: ELES SÃO HEDONISTAS QUE ANSEIAM POR
"ESTILOS DE VIDA ALTERNATIVOS".
Esse mito foi apresentado por Irving Kristol (o fundador do neoconservadorismo), que identificou a
ética libertária com o "hedonismo" e afirmou que os libertários "veneram catálogos de grifes e modas,
bem como todos os 'estilos de vida alternativos' que a riqueza capitalista lhes permite escolher".[2]
O fato é que o libertarianismo não é e nem pretende ser uma teoria estética ou moral completa; ela é
apenas uma teoria política - que é o importante subconjunto da teoria moral que lida com a função
apropriada da violência na vida social.
Teoria política lida com aquilo que é adequado ou inadequado para o governo fazer, e o governo é um
ente distinto de todos os outros grupos da sociedade por ser a instituição que detém o monopólio da
violência organizada. O libertarianismo afirma que a única função adequada da violência é defender o
indivíduo e a propriedade contra a violência iniciada por terceiros, e que qualquer uso da violência que
vá além dessa legítima defesa é por si só agressiva, injusta e criminosa. O libertarianismo, portanto, é
uma teoria que afirma que todos os indivíduos devem estar imunes a qualquer usurpação violenta, e
devem ser livres para fazer o que acharem melhor, desde que não transgridam a pessoa ou a
propriedade de terceiros. O que uma pessoa faz com sua vida é algo vital e importante, mas é
simplesmente irrelevante para o libertarianismo.
Não deve ser surpresa, portanto, que haja libertários que de fato são hedonistas e devotos de estilos de
vida alternativos, e que também haja libertários que são firmes partidários da moralidade convencional
"burguesa" ou religiosa. Existem libertários libertinos e existem libertários que aderem firmemente às
disciplinas das leis naturais e religiosas. Existem também outros libertários que não têm teoria moral
alguma além do imperativo da não violação dos direitos alheios. Isso é porque o libertarianismo per se
não possui uma teoria moral que seja geral ou pessoal.
O libertarianismo não oferece um estilo de vida; ele oferece liberdade, de modo que cada pessoa é livre
para adotar - e agir de acordo com - seus próprios valores e princípios morais. Os libertários
concordam com Lord Acton quanto este diz que "a liberdade é o maior fim político" - embora não seja
necessariamente o maior fim na escala pessoal de valores de cada um.
Entretanto, não há dúvidas quanto ao fato de que o subconjunto de libertários que são economistas
livre-mercadistas tende a se deleitar quando o livre mercado leva a uma vasta e diversificada oferta de
opções para os consumidores, consequentemente aumentando seu padrão de vida.
Inquestionavelmente, a ideia de que a prosperidade é melhor do que a pobreza opressiva é uma
proposição moral, e ela adentra o âmbito da teoria geral da moralidade - mas essa ainda não é uma
proposição da qual eu esteja disposto a fazer apologia.
Esse mito obviamente está relacionado à precedente acusação de hedonismo, e parte dela pode ser
respondida da mesma maneira. De fato existem libertários, principalmente economistas da escola de
Chicago, que se recusam a acreditar que a liberdade e os direitos individuais sejam princípios morais, e
que, ao invés disso, tentam defender políticas públicas por meio de uma ponderação entre supostos
custos e benefícios sociais.
Em primeiro lugar, a maioria dos libertários é "subjetivista" em termos econômicos, isto é, eles creem
que as utilidades e os custos que cada bem gera para diferentes indivíduos não podem ser adicionados
ou mensurados - como faz a economia neoclássica. Assim, o próprio conceito de custos e benefícios
sociais é ilegítimo. Mas, ainda mais importante, a maioria dos libertários baseia seus argumentos em
princípios morais, na crença de que cada indivíduo possui direitos naturais sobre sua pessoa e sobre sua
propriedade honestamente adquirida. Eles, portanto, acreditam na absoluta imoralidade da violência
agressiva e na absoluta imoralidade do ataque a esses direitos naturais ao próprio corpo ou à
propriedade, independentemente de qual pessoa ou grupo cometa tal violência.
Longe de serem imorais, os libertários simplesmente aplicam uma ética humana universal ao governo
da mesma forma que quase todos os indivíduos aplicariam tal ética para todas as outras pessoas ou
instituições da sociedade. Em particular, como já observei anteriormente, o libertarianismo, como uma
filosofia política que lida com o papel adequado da violência, utiliza a mesma ética universal que a
maioria de nós adota em relação à violência e a aplica destemida e indistintamente para o governo.
Assim, longe de serem indiferentes ou hostis aos princípios morais, os libertários são o único grupo
disposto a estender esses princípios uniformemente para o próprio governo.[3]
É verdade que os libertários permitiriam que cada indivíduo escolhesse seus valores e agissem de
acordo com eles, e consentiriam a cada pessoa o direito de ser moral ou imoral como ela quisesse. O
libertarianismo se opõe ferrenhamente à imposição de qualquer credo moral sobre qualquer pessoa ou
grupo pelo uso da violência - exceto, é claro, a proibição moral contra a violência agressiva. Mas deve
ser entendido que nenhuma ação pode ser considerada virtuosa a menos que ela seja empreendida
livremente, de acordo com o consentimento voluntário do indivíduo.
Os homens não podem ser forçados a ser livres, e tampouco podem ser forçados a serem virtuosos.
Até um certo ponto, é verdade, eles podem ser forçados a agir como se fossem virtuosos. Mas virtude é
o fruto da liberdade bem usada. E nenhum ato que seja em parte coagido pode partilhar de virtude - ou
de vício.[4]
Se uma pessoa é forçada por meio de violência ou da ameaça de violência a realizar uma determinada
ação, então não mais está havendo uma escolha moral de sua parte. Uma ação é moral apenas quando
ela é livremente efetuada; uma ação dificilmente pode ser classificada como moral se alguém é
obrigado a realizá-la sob a mira de uma arma.
Obrigar ações morais ou proibir ações imorais, portanto, não é algo que irá fomentar a difusão de
moralidade ou virtude. Pelo contrário, a coerção atrofia a moralidade, pois ela retira do indivíduo a
liberdade de ser moral ou imoral, e, portanto, priva forçosamente as pessoas da chance de serem
morais. Assim, paradoxalmente, uma moralidade compulsória rouba de nós a própria oportunidade de
sermos morais.
Ademais, é particularmente grotesco colocarmos a guarda da moralidade nas mãos do aparato estatal -
isto é, da organização de policiais, soldados e demais agentes estatais. Colocar o estado no controle
dos princípios morais é o equivalente a colocar a proverbial raposa no controle do galinheiro.
Não importa o que mais possamos dizer deles, os controladores da violência organizada na sociedade
jamais se distinguiram pelo seu alto temperamento moral ou pela precisão com que defendem e
preservam princípios morais.
Existem muitos libertários que são teístas, judeus ou cristãos. Entre os liberais clássicos - os ancestrais
do moderno libertarianismo em uma época mais religiosa - havia uma miríade de cristãos: de John
Lilburne, Roger Williams, Anne Hutchinson e John Locke no século XVII, até Cobden e Bright,
Frédéric Bastiat e os liberais laissez-faire franceses, e o grande Lord Acton.
Os libertários acreditam que a liberdade é um direito natural dentro de um conjunto de leis naturais que
determinam o que é correto e justo para a humanidade, de acordo com a natureza do homem. De onde
vem esse conjunto de leis naturais - se puramente natural ou originado por um criador - é uma questão
ontológica importante, porém irrelevante para a filosofia social ou política.
Como o padre Thomas Davitt declarou: "Se a palavra 'natural' tem algum significado, este se refere à
natureza do homem; e quando utilizada conjuntamente com 'lei', 'natural' se refere a uma ordem que é
manifestada nas propensões naturais de um homem, e nada mais. Por conseguinte, entendida por si
própria, não há nada de religioso ou teológico na 'Lei Natural' de São Tomás de Aquino"[5]
Ou, como escreveu D'Entrèves sobre o jurista protestante holandês Hugo Grócio:
Sua [de Grócio] definição de lei natural não tem nada de revolucionária. Quando ele afirma que a
lei natural é aquele corpo de regras que o homem é capaz de descobrir pelo uso da razão, ele nada mais
faz do que reformular a noção escolástica de que a ética possui uma fundação racional. Com efeito, seu
objetivo é na verdade restaurar aquela noção que foi abalada pelo extremo augustinismo de certas
correntes protestantes. Quando ele declara que essas regras são válidas por si próprias,
independentemente do fato de Deus tê-las determinado, ele está repetindo uma declaração que já havia
sido feita por alguns dos escolásticos...[6]
O libertarianismo tem sido acusado de ignorar a natureza espiritual do homem. Mas pode-se
facilmente chegar ao libertarianismo partindo-se de uma posição religiosa ou cristã: enfatizando a
importância do indivíduo, de sua liberdade de escolha, dos direitos naturais e da propriedade privada.
Entretanto, também é possível chegar a todas essas mesmas posições utilizando uma abordagem secular
e baseada nas leis naturais, pela convicção de que o homem pode chegar a uma compreensão racional
da lei natural.
Ademais, em termos históricos, não está nem um pouco claro que a religião fornece uma base mais
firme para conclusões libertárias do que a lei natural secular. Como Karl Wittfogel nos relembrou em
seu livro Oriental Despotism, a união entre trono e altar tem sido utilizada por séculos para consolidar
um reinado de despotismo sobre a sociedade.[7]
Historicamente, a união entre estado e igreja foi em várias ocasiões uma coalizão que se reforça
mutuamente em prol da tirania. O estado utilizou a igreja para santificar e pregar obediência à sua
autoridade supostamente sancionada pelo Divino; a igreja utilizou o estado para obter renda e
privilégio.
Ademais, agora que o socialismo já fracassou de maneira fragorosa, tanto politicamente quanto
economicamente, os socialistas recuaram e passaram a utilizar argumentos "morais" e "espirituais"
como última linha de defesa para sua causa. O economista socialista Robert Heilbroner, ao argumentar
que o socialismo terá de ser coercivo e terá de impor uma "moralidade coletiva" sobre o público, opina
que: "A cultura burguesa está focada na conquista material do indivíduo. A cultura socialista, por sua
vez, deve se concentrar na sua conquista moral ou espiritual."
Deve ser notado aqui que o socialismo se torna especialmente despótico quando se propõe a substituir
os incentivos "econômicos" ou "materiais" por incentivos supostamente "morais" ou "espirituais";
quando ele simula estar promovendo uma indefinida "qualidade de vida" ao invés da prosperidade
econômica.
O despotismo mais horripilante já visto sobre a face da terra nos últimos anos foi indubitavelmente
aquele ocorrido no Camboja sob a ditadura comunista de Pol Pot, na qual o "materialismo" foi
suprimido de tal modo que até o dinheiro foi abolido pelo regime. Com o dinheiro e a propriedade
privada abolidos, cada indivíduo tornou-se totalmente dependente das doações de alimentos racionados
pelo estado; e a vida tornou-se um inferno absoluto. Devemos ter cuidado antes de desdenharmos
objetivos ou incentivos "meramente materiais".
A acusação de "materialismo" dirigida contra o livre mercado ignora o fato de que toda e qualquer ação
humana envolve a transformação de objetos materiais pelo uso da energia humana e em conformidade
com as ideias e propósitos dos agentes. É impermissível separar o "mental" ou o "espiritual" do
"material".
Todas as grandes obras de arte, todas as grandes emanações do espírito humano, tiveram de empregar
objetos materiais: fossem eles telas, pinceis e tinta, papel e instrumentos musicais, ou tijolos, lajes e
materiais de construção para igrejas. Não há nenhuma divisão entre o "espiritual" e o "material";
portanto, qualquer despotismo e interferência sobre o material irá também debilitar o espiritual.
MITO #5: OS LIBERTÁRIOS SÃO UTÓPICOS QUE ACREDITAM QUE TODAS AS PESSOAS
SÃO BOAS, E QUE, PORTANTO, O CONTROLE ESTATAL NÃO É NECESSÁRIO.
Os conservadores tendem a afirmar que, considerando-se que a natureza humana é parcialmente ou
totalmente perversa, uma forte regulação estatal torna-se necessária para a sociedade.
Essa é uma crença muito comum a respeito dos libertários, embora seja difícil saber a origem desse
mito. Rousseau, o locus classicus da ideia de que o homem é naturalmente bom mas acaba sendo
corrompido pelas instituições, dificilmente era um libertário. Exceto os escritos românticos de alguns
poucos anarco-comunistas, os quais eu não consideraria libertários de modo algum, não conheço
nenhum libertário ou liberal clássico que tenha apresentado essa visão.
Ao contrário, a maioria dos escritores libertários argumenta que o homem é uma mistura de bem e mal,
e que, portanto, é importante que instituições sociais estimulem o bem e desencorajem o mal. O estado
é a única instituição social que obtém sua renda e riqueza fazendo uso da coerção; todas as outras
precisam vender um produto ou serviço para seus clientes ou, no máximo, receber doações voluntárias.
E o estado é a única instituição que pode utilizar as receitas obtidas desse roubo organizado para se
arvorar o direito de controlar e regular a vida e a propriedade das pessoas. Consequentemente, a
instituição estado estabelece um canal socialmente sancionado e legitimado para que pessoas más
façam coisas ruins, cometam roubos regularizados e exerçam poderes ditatoriais.
Uma sociedade livre, ao não estabelecer esse canal de roubo e tirania legitimados, desencoraja as
tendências criminosas da natureza humana e estimula as pacíficas e voluntárias. A liberdade e o livre
mercado desestimulam a agressão e a coerção, e encorajam a harmonia e o benefício mútuo das trocas
interpessoais voluntárias - econômica, social e culturalmente.
Dado que um sistema de liberdade iria estimular o voluntarismo e desencorajar a malfeitoria, além de
remover o único canal que legitima o crime e a agressão, seria factível esperarmos que uma sociedade
livre fosse de fato sofrer menos com crimes violentos e agressões, embora não haja justificativas para
supormos que ambos iriam desaparecer por completo. Isso não é utopia, mas sim uma implicação
lógica de uma mudança naquele sistema que hoje é considerado socialmente legítimo, e de uma
mudança também na estrutura de premiação e punição da sociedade.
Podemos abordar essa nossa tese por outro ângulo. Se todos os homens fossem bons e nenhum
possuísse tendências criminosas, então não haveria nenhuma necessidade de termos um estado, como
os próprios conservadores admitem. Porém, se, por outro lado, todos os homens fossem maus, então o
argumento em defesa do estado seria igualmente fraco, já que não haveria motivo algum para imaginar
que aqueles homens que formariam o governo, e que estariam em posse de todas as armas e de todo o
poder para coagir a população, seriam magicamente imunes a toda a ruindade inerente às outras
pessoas que ficaram de fora do governo.
Thomas Paine, um libertário clássico frequentemente tido como ingenuamente otimista em relação à
natureza humana, retrucou esse argumento pró-estado dos conservadores da seguinte maneira: "Se toda
a natureza humana é corrupta, seria insensato reforçar a corrupção estabelecendo-se uma sucessão de
reis, os quais por mais vis que venham a ser, ainda terão de ser obedecidos..." Paine acrescenta que
"NENHUM homem, desde o pecado original, mostrou-se digno da confiança de ser dotado de poder
sobre todos ou outros."[10]
Ainda utilizando o mesmo princípio de que o controle político deveria ser empregado na mesma
proporção do grau de maldade do homem, teríamos então uma sociedade na qual se faria necessário o
completo controle político sobre todas as questões íntimas de cada indivíduo... Um homem iria mandar
em todos. Mas quem seria o ditador? Não importa como ele viesse a ser selecionado e colocado no
trono político, ele certamente seria uma pessoa maléfica, uma vez que todos os homens são maus. E
essa sociedade seria então regida por um ditador totalmente perverso, dotado de um poder político
total. E como, em nome da lógica, poderia disso resultar algo que não fosse a mais completa
perversidade? Como é possível crer que tal arranjo seria melhor do que não ter absolutamente governo
nenhum nessa sociedade?[11]
Finalmente, dado que, como já vimos, os homens são na realidade uma mistura de bem e mal, um
regime de liberdade serve para estimular o bem e desencorajar o mal - pelo menos no sentido de que o
voluntário e o mutuamente benéfico são bons e o criminoso é mau. Portanto, em absolutamente
nenhuma teoria sobre a natureza humana - seja ela uma teoria sobre a bondade, a ruindade, ou uma
mistura de ambas -, pode o estatismo ser justificado.
No decurso de seu esforço em negar que era um conservador, o liberal clássico F.A. Hayek disse que:
"O principal mérito do individualismo [o qual Adam Smith e seus contemporâneos propugnavam] é ser
um sistema sob o qual os homens maus causam danos mínimos. É um sistema social cujo
funcionamento não depende da necessidade de encontrarmos bons homens para geri-lo, ou de todos os
homens terem de ser melhores do que são hoje; é apenas um sistema que faz bom uso de todas as
variedades e complexidades encontradas nos homens..."[12]
O libertarianismo é uma filosofia política que diz que, dada qualquer natureza humana existente, a
liberdade é o único sistema político moral possível, além de ser o mais eficaz.
Obviamente, o libertarianismo - bem como qualquer outro sistema social - irá funcionar melhor quanto
mais pacíficos e menos criminosos e agressivos forem os indivíduos. E os libertários, em conjunto com
a maioria das outras pessoas, gostariam de alcançar um mundo em que há muito mais indivíduos bons
do que criminosos. Mas essa não é a doutrina do libertarianismo per se, a qual diz que, independente
de qual seja a composição da natureza do homem a qualquer época, a liberdade é a melhor solução.
MITO #6: OS LIBERTÁRIOS ACREDITAM QUE CADA PESSOA SABE MELHOR DO QUE
NINGUÉM QUAIS SÃO SEUS PRÓPRIOS INTERESSES
Assim como a crítica anterior afirma que os libertários acreditam que todos os homens são
perfeitamente benevolentes, este mito acusa-os de acreditar que todos são perfeitamente sábios.
Entretanto, como isso obviamente não verdade, a suposição automática é a de que o estado deve
intervir.
Porém, da mesma forma que o libertário não crê na perfeita benevolência, ele também não pressupõe a
perfeita sabedoria. Há um certo senso comum ao se afirmar que, em sua grande maioria, um indivíduo
está melhor informado sobre suas próprias necessidades e objetivos do que terceiros em relação a ele
próprio. Mas não há qualquer motivo para se supor que todo mundo sempre sabe o que é melhor para
si próprio. Ao contrário, o libertarianismo afirma que cada indivíduo deveria ter o direito de buscar
seus próprios interesses da maneira que julgar melhor. O que está sendo defendido é o direito de cada
um agir segundo sua própria pessoa e utilizando a sua propriedade; não se está necessariamente
defendendo a sabedoria de tal atitude.
Também é verdade, entretanto, que o livre mercado - em contraste com o governo - possui mecanismos
intrínsecos que permitem que as pessoas sejam livres para procurar especialistas que possam lhes dar
sólidos conselhos sobre como melhor buscar seus próprios interesses. Como já vimos antes, indivíduos
livres não estão hermeticamente isolados uns dos outros; e, no livre mercado, qualquer indivíduo,
quando em dúvida sobre quais podem ser seus reais interesses, é livre para contratar ou consultar
especialistas que possam lhes dar conselhos baseados em seus conhecimentos possivelmente
superiores. O indivíduo pode contratar tais especialistas e, no livre mercado, pode continuamente testar
a solidez e a eficácia de seus conselhos.
No mercado, portanto, os indivíduos tendem a favorecer aqueles especialistas cujos conselhos são
comprovadamente os mais bem sucedidos. Bons médicos, advogados ou arquitetos serão
recompensados no livre mercado, ao passo que os medíocres serão mal sucedidos. Porém, quando o
governo intervém, os especialistas estatais (burocratas) adquirem suas receitas por meio de tributos
compulsórios sobre os cidadãos indefesos. Não há um genuíno teste de mercado para mensurar o
sucesso dos conselhos dados por esses burocratas às pessoas. Eles, os burocratas, precisam apenas ter a
habilidade de adquirir o apoio político da máquina de coerção estatal.
Assim, o especialista contratado por meios privados irá prosperar proporcionalmente à sua qualidade,
ao passo que um burocrata do governo irá prosperar proporcionalmente à sua capacidade de bajular
políticos. Ademais, esse burocrata estatal não será mais virtuoso que o especialista privado; sua única
habilidade superior está em saber como ganhar favores daqueles que possuem poder político. Porém, a
diferença crucial entre ambos é que o especialista privado tem todos os incentivos pecuniários para se
preocupar com seus clientes ou pacientes, e fazer o seu melhor por eles. Já o burocrata estatal não
possui esse incentivo; ele obtém sua receita de um jeito ou de outro, independente dos resultados.
Consequentemente, o indivíduo consumidor será melhor atendido no livre mercado.
CONCLUSÃO
Espero que esse ensaio tenha ajudado a esclarecer e remover o entulho de mitos e falsos juízos sobre o
libertarianismo. Os conservadores e todo o resto deveriam educadamente ser informados de que os
libertários não creem que todas as pessoas são boas, nem que todas são extremamente iluminadas
quanto aos seus próprios interesses, nem que cada indivíduo é um átomo isolado e hermeticamente
fechado. Os libertários não são necessariamente libertinos ou hedonistas, tampouco são
necessariamente ateus; e, principalmente, os libertários acreditam enfaticamente em princípios morais.
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Notas
[1] John Kenneth Galbraith, The Affluent Society (Boston: Houghton Mifflin, 1958); F.A. Hayek, "The
Non-Sequitur of the 'Dependence Effect,'" Southern Economic Journal (April, 1961), pp. 346-48.
[2] Irving Kristol, "No Cheers for the Profit Motive," Wall Street Journal (Feb. 21, 1979).
[3] Para um clamor pela aplicação de padrões éticos universais para o governo, ver Pitirim A. Sorokin
and Walter A. Lunden, Power and Morality: Who Shall Guard the Guardians? (Boston: Porter Sargent,
1959), pp. 16-30.
[4] Frank S. Meyer, In Defense of Freedom: A Conservative Credo (Chicago: Henry Regnery, 1962), p.
66.
[5] Thomas E. Davitt, S.J., "St. Thomas Aquinas and the Natural Law," in Arthur L. Harding, ed.,
Origins of the Natural Law Tradition (Dallas, Tex.: Southern Methodist University Press, 1954), p. 39.
[6] A.P. d'Entrèves, Natural Law (London: Hutchinson University Library, 1951). pp. 51-52.
[7] Karl Wittfogel, Oriental Despotism (New Haven: Yale University Press, 1957), esp. pp. 87-100.
[8] Sobre essa e outras seitas cristãs totalitárias, ver Norman Cohn, Pursuit of the Millennium
(Fairlawn, N.J.: Essential Books, 1957).
[9] Journal of Politica1 Economy (Dezembro 1938), p. 869. Citado em in Friedrich A. Hayek, O
Caminho da Servidão: University of Chicago Press, 1944), p. 152.
[10] "The Forester's Letters, III" (orig. in Pennsylvania Journal, Apr. 24, 1776), in The Writings of
Thomas Paine (ed. M. D. Conway, New York: G. E Putnam's Sons, 1906), I, 149-150.
[11] F.A. Harper, "Try This On Your Friends," Faith and Freedom (January, 1955). p. 19.
[12] F.A. Hayek, Individualism and Economic Order (Chicago: University of Chicago Press, 1948), re-
enfatizado no curso de seu "Por que não sou conservador," (Chicago: University of Chicago Press,
1960), p. 529.