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Os protestos de 2013 na cidade de Vitória/ES: #Resistir, Resistir Até o Pedágio

Cair!

Cristiana Losekann
Professora de Ciência Política da Universidade Federal do Espírito Santo

Os protestos iniciaram-se no dia 17 de Junho na cidade de Vitória, capital do


estado do Espírito Santo. Assim como em outras cidades, as manifestações de rua
passaram a ocorrer semanalmente durante um mês, período no qual confrontos
com a polícia incidiram em vários momentos. Em menor frequência, as
manifestações de rua continuam. Mas, o ápice contestatório ocorreu no dia 19 de
Julho, ocasião em que as manifestações atingiram o centro histórico da cidade,
conferindo às ruas labirínticas luso-coloniais um clima de guerra marcada pelo
confronto violento entre manifestantes e policiais, que culminou na detenção de,
aproximadamente, 68 pessoas.
Essas manifestações de protesto ocorreram em diversas cidades brasileiras
durante o mesmo período, pressupondo um processo mais amplo de contestação
nacional. As variadas especulações que já foram produzidas sobre os protestos de
2013 no Brasil tentaram criar generalizações sem, contudo, construir análises
calcadas em observações empíricas sistematizadas. O presente texto coloca ênfase
na dimensão local e microprocessual dos protestos em Vitória ainda que sejam
realizadas conexões analíticas com estudos já desenvolvidos em outros contextos.
Ainda assim, mesmo voltando o olhar para o nível local, inúmeros aspectos
poderiam ser descritos, expostos e analisados sobre esse período de intensa
mobilização coletiva e efervescência no espaço público na cidade de Vitória.
Ressaltam-se, então, alguns dos momentos marcantes e excepcionais de
transformação da cidade, outrora lugar de vivência abafada de dominações e
desigualdades, em espaço de experimentação e realização dos embates.
As descrições e análises contidas neste texto baseiam-se em observação
participante em diversos protestos e em momentos relacionados a eles ocorridos
entre os dias 20 de Junho e 19 de Julho de 2013. Além disso, posteriormente, foram


Agradeço ao artista/pesquisador Diego Kern Lopes por ter cedido as fotografias e por ter sido um
interlocutor fundamental para debater sobre a conjuntura atual. Agradeço, ainda, aos entrevistados e
todos os manifestantes com os quais venho conversando sobre o tema.

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realizadas entrevistas com 5 pessoas que participaram ativamente das
manifestações. Contudo, tendo em vista que os episódios pegaram a todos de
surpresa, os dados foram coletados sem um projeto de pesquisa previamente
elaborado, o que, por um lado fragiliza o rigor científico, mas, por outro lado abre
possibilidades de trilhar caminhos mais livres na construção das explicações desse
cenário contestatório. Propõe-se que o texto seja lido como a narrativa de uma
pesquisadora, construída a partir de suas experiências de protesto e da
interlocução com os manifestantes. Para marcar esta especificidade metodológica
usarei a primeira pessoa do singular.

Para ler os Confrontos

Na expectativa de construção desta análise o conceito de “repertório de


ação coletiva” e o de “performances de confronto” de Tilly são profícuos (1978,
2008). Sem entrar nas discussões teóricas que delongariam o texto, o uso do
conceito de “repertório” e de “performance” ajudam a compreender um conjunto
muito diverso de atores, formas e tipos de ação coletiva que estamos observando
com certa surpresa no Brasil no período atual. Ou seja, há uma mudança, nas
formas e conteúdos de ação coletiva que o Brasil vinha experimentando nos
últimos tempos. Mas, no sentido que Tilly propôs, os repertórios são construídos a
partir de práticas já existentes/disponíveis em nosso contexto. A novidade está,
portanto, na reunião das diversas performances em novas combinações, criando
novos sentidos, agregando novos atores e provocando um novo cenário político e
social para o Brasil e para as localidades específicas onde os protestos ocorreram.
A ação direta já foi utilizada por movimentos sociais do campo, por
sindicatos e grupos urbanos diversos. As passeatas e marchas nas ruas já ocorrem
no Brasil desde longa data. A tática Black Bloc, em menor magnitude, já foi vista no
Brasil durante as manifestações mundiais por uma “outra globalização” na
primeira década dos anos 2000. No que se refere aos atores, jovens já
protagonizaram vários dos mais notáveis movimentos de rua do país desde a
oposição à ditadura. De formas variáveis, a internet já mobilizava fortemente os
jovens e já constituía grupos de mídia alternativa como o Fora do Eixo. A
diversidade de bandeiras e propósitos talvez seja o elemento de ineditismo do

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período atual, somado ao quantitativo que em diversos momentos constituiu
verdadeiras multidões, e à frequência dos episódios. Além disso, o caráter
confrontador desse recente e massivo processo de ação coletiva no Brasil emergiu
no contexto do predomínio (nas últimas 3 décadas) de práticas cooperativas de
ação coletiva nas quais o Estado vinha se estabelecendo mais como parceiro do que
enquanto antagonista.
Não obstante, muitas dessas características se assemelham aos diversos
protestos anti-capitalismo e alter-globalização experimentados nos últimos 20 ou
30 anos em diversos lugares da Europa e América do Norte. Em termos de formas
de ação, este processo não tem, portanto, características estritamente locais ou
nacionais. Muitos dos elementos observados nos protestos de 2013 no Brasil são
repertórios de confronto compartilhados internacionalmente.
Estes processos de confronto já foram largamente vistos e bastante
estudados por pesquisadores de outros países. A descrição realizada por Francis
Dupuis-Déri (2010) sobre os repertórios dos protestos, com ênfase na tática Black
Bloc, de Seattle em 1999, mas também sobre outros confrontos ocorridos na
Europa e no Canadá, poderia ser facilmente estendida aos acontecimentos atuais
no Brasil. Apesar de que, as ações coletivas nestes contextos demonstraram mais
organização, tiveram ações diretas mais extremadas, e os confrontos com a polícia
foram mais violentos culminando com o assassinato de um manifestante em
Gênova em 2001. Também os relatos e análises de Della Porta (2007) evidenciam
as semelhanças dos repertórios e performances entre os protestos aqui no Brasil e
os protestos “anti-capitalismo” e “por uma outra globalização” que ocorreram
nesses países.
Em Vitória a tomada das ruas foi nomeada pelos seus próprios atores como
“atos”, numerados na cronologia das suas realizações. Inicialmente o “Movimento
contra o aumento da passagem” organizou um ato em apoio aos ativistas de São
Paulo. Neste primeiro ato cerca de 20 mil pessoas foram às ruas. As bandeiras
extrapolaram as motivações de apoio ao Movimento Passe Livre em São Paulo e
ganharam a diversidade de temas que caracteriza os protestos de 2013 de maneira
geral em todo o Brasil. Sempre precedidos por “Assembleias Populares” os atos
foram organizados e debatidos presencialmente além da mobilização via facebook.

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Conforme um ativista entrevistado, a assembleia posterior ao 1º Ato
surpreendeu a todos com a presença de em média 400 pessoas e mais de 100
pessoas inscritas para falar. O sistema de assembleias produziu o debate sobre a
pauta de lutas das mobilizações e também sobre as formas e estratégias
empregadas nos Atos. As pautas levantadas e organizadas, muito amplas – em
alguns momentos com mais de 100 pontos –, manifestavam reivindicações
municipais, estaduais e nacionais, sendo, portanto, endereçadas aos governos em
diferentes escalas. Mas, um outro tipo de reivindicação, mais genérica, contra a
dominação e a opressão, e anti-sistêmica também apareceu. Sem ser endereçada a
um governo específico tomou como alvos símbolos do capitalismo, do Estado e da
cultura dominante. Quantitativamente, as assembleias foram, progressivamente,
diminuindo em número de pessoas, permanecendo aquelas que já participavam
dos movimentos estudantis e outras recrutadas a partir das mobilizações recentes.
Se, a pauta de reivindicações, embora ampla, não surpreendeu muito,
apontando para velhas demandas e ideologias, por outro lado, as formas de ação
durante este processo ganharam novas estratégias e novas dinâmicas. A recusa à
identificação com autoridades ou lideranças tradicionais exigiu uma alta
capacidade de coordenação nas assembleias, conferindo a legitimidade do
processo à sua capacidade de incorporar todas as opiniões existentes. Assim,
mesmo sem concordar com uma forma ou outra de ação, o coletivo respeitou a
diversidade existente. Desta forma a tática Black Bloc entrou para os repertórios
de ação coletiva sem unanimidade, mas também, sem causar uma ruptura do
coletivo.
Para compreender a diversidade de atores, de pautas e de formas de ação, é
necessário analisar separadamente diferentes momentos dos protestos e a
genealogia da ação coletiva através da qual se pode entender as relações causais
entre permanências e mudanças no repertório e as conexões entre os
acontecimentos e o próprio contexto de vida dos manifestantes nesta cidade
chamada Vitória.
Escolhi contar essa história a partir de três momentos os quais caracterizo e
nomeio como: manifestação festiva, manifestação propositiva e manifestação
confrontadora. A primeira ocorreu no dia 20 de Junho, quando aproximadamente
100 mil dos 327 mil e 801 habitantes da cidade foram para as ruas protestar. A

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manifestação propositiva ocorreu no período que foi de 02 até 12 de Julho quando
um grupo de manifestantes ocupou a Assembleia Legislativa do ES com a
reivindicação do fim da cobrança do pedágio que limita a cidade-ilha de sua
vizinha-irmã, Vila Velha. A manifestação confrontadora eclodiu em forma de
revolta e embate no dia 19 de Julho.
A caracterização/redução desses três momentos aos aspectos específicos
das nomeações aqui atribuídas não significa que não possamos encontrar outros
elementos ou mesmo os três elementos em todos os protestos ocorridos. Com
efeito, quero marcar o “tom” de cada momento e os processos de mudança de um
repertório para outro, ou quando performances e repertórios ganham maior
ênfase do que outros. Essas mudanças de “tom” acompanham as alterações nas
interpretações dos protestos de parte dos próprios manifestantes, da mídia,
intelectuais militantes e lideranças políticas.

Manifestação Festiva

O tom de festividade do protesto do dia 20 de Junho, que para muitos foi


considerado uma “micareta”, não elimina o caráter crítico e político da
manifestação. Na verdade é necessário entender o contexto que leva praticamente
1/3 da população da cidade às ruas na noite de uma quinta-feira.
A tomada das ruas começou articulada por grupos no facebook e, por
encontros presenciais que passaram a reunir semanalmente jovens de diferentes
classes sociais, muitos deles já mobilizados em torno de temas, repertórios e
performances, como a “marcha das vadias”, o “movimento passe livre”, grupos
“anarco-punks”, artistas, estudantes, entre outros diversos jovens mobilizados. Os
encontros ocorreram para debater e estabelecer as formas de agir a partir de um
tipo de assembleia livre.
No dia 17 de junho cerca de 20 mil pessoas encontraram-se na Universidade
Federal do Espírito Santo, principal local de aglutinação e saídas dos protestos. As
ruas principais da cidade foram tomadas pela multidão que rumou para a Terceira
Ponte que liga Vitória à cidade de Vila Velha. Este primeiro protesto foi nomeado
como o 1º Ato "Não é por 20 centavos, é por direitos". Nesta caminhada, logo o
pedágio adquiriu significado local substitutivo à reivindicação contra o aumento da

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passagem de ônibus em São Paulo. Em Vitória, o movimento “Passe Livre” já havia
iniciado protestos em torno do preço da passagem em anos anteriores, e em 2010,
um grave confronto entre manifestantes e a polícia, deixou feridos e criminalizou
diversos estudantes que protestavam. Em que pese as reivindicações permanentes
pelo transporte público e gratuito e por novos projetos de mobilidade urbana, as
reivindicações de anos anteriores já haviam conquistado vitórias no que se refere à
passagem de ônibus na Grande Vitória. Neste momento, o foco da reivindicação
tornou-se, então, o pedágio.
Chamado para prestar esclarecimentos, responder aos reclames, mesmo
que difusos, o governador do estado mandou a polícia para comunicar-se com os
manifestantes aglutinados em frente à residência oficial na noite de 17 de Junho.
Assim iniciou uma dinâmica em que a polícia foi estabelecida como único
interlocutor do Estado com os manifestantes, evidenciando a incapacidade das
classes políticas em lidar com o dissenso e o conflito de forma pacífica e
democrática.
Dias depois, as manifestações que levaram os 100 mil para as ruas também
foram articuladas inicialmente em torno do movimento "Não é por 20 centavos, é
por direitos". Chamada de “2º Ato” a mobilização contou com a adesão de milhares
de pessoas, muitas desconectadas das reivindicações por transporte gratuito, mas,
mobilizadas por outros temas, entre eles, a crítica à corrupção, a crítica ao
deputado federal Marco Feliciano, contra a PEC 37, crítica ao governo estadual e
outras diversas demandas. Foi um momento de catarse coletiva. A tomada das ruas
poderia ser lida aqui como um fim em si mesmo. O lema “#vem pra rua” parecia
bastar para explicar qualquer descontentamento. Ambivalentemente, o tom era
mais de comemoração pela ruptura da inércia e pela tomada do espaço público (a
rua) do que o aspecto sério e indignado geralmente identificado aos protestos. Daí
a correlação com a “micareta”. Foi visível o encantamento de si que a multidão
experimentou. Pessoas acostumadas a ouvirem sobre a impotência e fraqueza de
sua própria sociedade na criação de mobilizações coletivas, espantaram-se e
admiraram-se com o próprio feito mobilizatório. Para a multidão, em princípio,
bastou isso. Abaixo a Terceira Ponte tomada pela multidão:

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Ponte que liga as cidades de Vitória e Vila Velha na noite de
20/07/2013

Fonte: Foto publicada no site: http://g1.globo.com/espirito-


santo/fotos/2013/06/veja-imagens-do-protesto-em-vitoria.html acesso em
01/10/2013

Mas, fato é que a energia da mobilização de 100 mil pessoas,


experimentando e abastecendo-se do próprio poder de colocar-se em movimento,
não se dissiparia sem um catalisador. O desfecho da marcha foi tensionado ao
limite pela única resposta que o poder público soube dar à interpelação popular:
balas de borracha e gás lacrimogêneo. Terminava assim, o momento festivo da
manifestação e emergia a manifestação via ação direta. Então, na noite de 20 de
Junho o pedágio catalisou as energias e a manifestação teve seu desfecho com a
intervenção concreta nas instalações do pedágio, onde cabines e cancelas foram
quebradas – o trânsito foi liberado e assim ficou por alguns dias.

Manifestação propositiva

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A partir daqui inicia-se um novo tipo de manifestação. Das ruas, a ocupação
emerge como repertório de protesto – os manifestantes ocupam a Assembleia
Legislativa do ES. Ao caracterizar este momento como “propositivo” não elimino
aspectos confrontadores e tampouco os festivos. Durante a ocupação ocorreram
negociações, manifestações culturais e ações diretas de caráter confrontador.
Contudo, este é o momento em que a tônica da negociação esteve mais presente e,
assim, a necessidade de construir propostas.
A ocupação feita por cerca de 300 pessoas ocorreu no dia 02 de Julho depois
de muitas reivindicações para o fim do pedágio, e da inconsistência na resposta dos
deputados que votavam um decreto legislativo propondo o cancelamento dos
contratos com a empresa Rodosol responsável pela cobrança da taxa de circulação.
A gota d’água foi o pedido de “vistas” ao projeto feito pelo deputado Gildevan
Ferdandes (PV) que acabou por adiar a votação.
Neste processo ocorreram momentos de confronto violento com a polícia –
principal protagonista do poder público nos protestos –, mas, também, os
manifestantes conquistaram a adesão e o reconhecimento da opinião pública
materializada na doação de mantimentos recebidos. Os acampados fizeram café da
manhã para funcionários da Assembleia, eventos artísticos, buscaram estabelecer
diálogos e elaborar claramente suas reivindicações que expuseram outras
demandas para além do pedágio. Mais uma vez os manifestantes mostraram
inicialmente grande coesão e ampla capacidade organizativa, criando equipes de
limpeza, de comunicação, de alimentação, entre outras. Entre os participantes da
ocupação, diversos grupos organizados estavam presentes, o Movimento Passe
Livre, grupos ligados à igreja católica, a juventude do PT, as tendências do PSOL,
grupos anarco-punks e muitos jovens que se mobilizavam pela primeira vez. O
espectro ideológico marcante foi desde o anarquismo até os partidos de esquerda e
centro-esquerda, ficando praticamente ausente posições e grupos de direita.
A ocupação durou 10 dias e a saída dos manifestantes ocorreu em outro
protesto, o do dia 12/07 desta vez, organizado pelos sindicatos e marcado pelo
impacto não das ruas lotadas, mas do esvaziamento das ruas e do fechamento total
do comércio em plena sexta-feira. Na desocupação a seguinte carta foi entregue às
autoridades:
Somos o que fazemos para mudar o que fomos. Hoje a sociedade está em
luto. A democracia sofreu no Ocupa Ales violência psicológica, moral e

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institucional, além de inúmeras violações dos direitos humanos, impedindo
a entrada de comida e água, por exemplo. O sistema de poder no Espírito
Santo apresentou na madrugada de 12/07 um grande circo. Fomos
coagidos a fazer uma 'pseudoaudiência' de conciliação em mais uma
tentativa do poder público para manutenção do status quo.
Com o uso dos já conhecidos e violentos signos do Estado, assistimos a
defesa do governo ao patrimônio privado. Lutamos não só pelo fim do
pedágio. Não é por vinte centavos, não é por um pedaço de terra, é uma
tentativa de inventar novos modos de pensar e fazer política para além das
redundantes práticas do poder legislativo, executivo, judiciário, da grande
mídia e do poder privado.
Não consideramos os avanços barganhados. Recebemos migalhas na
audiência de conciliação, que não concebemos como ganhos para o
movimento. Pelo contrário, a ata deste fórum documenta para o
movimento a falta de diálogo e honestidade do Estado. Destacamos como
vitória para o movimento a mobilização popular, as pessoas nas ruas, o
sonho de mudança. A redução da tarifa é um avanço, mas não é o objetivo
principal da ocupação. Queremos que os deputados voltem ao trabalho,
votem o decreto 69/2013 e respeitem a voz do povo capixaba,
considerando o teatro que o governador Casagrande protagonizou,
articulando uma manobra escusa contra o povo capixaba. Nesse momento,
nos recusamos a participar de mais uma encenação.
Nossa luta continua nas ruas, em outras ocupações e não se faz por
acordos a portas fechadas. Seguiremos denunciando todos os vícios,
práticas e métodos obscuros que historicamente fazem a esfera pública
cair em descrédito. Contamos com o apoio de toda a população para
segunda-feira, dia 15 de julho, cobrar uma posição política de nossos
deputados, para que cumpram sua parte e votem o fim do pedágio. Resistir,
resistir, até o pedágio cair” (Ocupa Ales).

Além do texto, uma lista com 10 reivindicações foi apresentada ganhando


ampla divulgação na imprensa. Solicitava: 1. a participação de um membro da
ocupação na auditoria do contrato da Rodosol com governo; 2. a não eleição do
deputado Sergio Borges (PMDB) ao cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do
ES; 3. uma reunião com o governador Renato Casagrande; 4. a criação de espaço
físico para implantar Grupo de Acompanhamento Legislativo (GAL); 5. a retirada
dos vidros das galerias do Plenário; 6. a liberação do uso de bermudas, camisetas e
chinelos nas dependências da Assembleia; 7. a instalação da CPI do Pó Preto; 8. a
instalação da CPI do Transcol; 9. o corte de ponto dos 15 deputados que faltaram
as três últimas sessões; 10. a votação imediata do projeto que propõe o fim do
pedágio da Terceira Ponte.
Neste processo o valor do pedágio foi reduzido à metade, mas, em geral as
reivindicações não foram atendidas e a desocupação tensionou mais uma vez a
relação entre manifestantes e a polícia. Então, o protesto voltou às ruas.

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Manifestação Confrontadora – “No meio do caminho uma pedra pareceu ser o
caminho1”
No dia 19 de Julho os manifestantes saíram em passeata para o centro da
cidade. O processo de negociação para a desocupação da Assembleia Legislativa do
estado do ES gerou uma sensação geral de perda aos manifestantes. A lista de
reivindicações não foi levada a sério e a reação foi finalizar a negociação e canalizar
os esforços para o confronto com o uso intenso da ação direta.
Assim, o grupo que defendia a tática da negociação perdeu espaço para
aqueles que defendiam a necessidade do uso de performances de ação direta.
Metaforicamente e literalmente a pedra tornou-se o caminho. A tática Black Bloc
ganhou força neste dia quando foi necessário resistir à forte ação policial.
Barricadas foram montadas, as avenidas mais movimentadas da cidade foram
fechadas, e como gritava um vendedor de balas sem esconder certo regozijo “é
toque de recolher!”. Bancos e prédios públicos foram quebrados, manifestantes e
moradores foram encurralados nas ruas enevoadas pelo gás lacrimogêneo.

Barricada na Avenida Jerônimo Monteiro na Cidade de Vitória dia 19/07/2013

Fonte: Fotografia de Diego Kern Lopes utilizada com o consentimento do autor

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Parte deste título, “no meio do caminha uma pedra pareceu ser o caminho” é trecho da letra da
música “pedras e sonhos” do grupo El Efecto.

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Black Bloc e Polícia Militar

Black Bloc (BB) é o nome de uma tática de ação em confrontos e não de um


grupo. Longe de ser um grupo fascista como, desinformadamente, alguns acusam
os mascarados, a tática de resistência em confrontos surge na década de 1980 na
Alemanha ocidental (alguns fazem referência ao “Days of Rage” em 1969 na
América do Norte) quando manifestantes ligados ao movimento Autonomen e que
realizavam protestos anti-nucleares e anti-fascitas precisaram encontrar formas de
se defender tanto da polícia quanto de grupos neonazistas (VAN DEUSEN, 2010).
Essa tática que consiste basicamente em criar um bloco que protege os
manifestantes das balas de borracha e do gás lacrimogêneo, foi reativada no
contexto de movimentos por justiça, anti-capitalistas e anti-racistas de Seattle, em
1999, e em diversos outros países nos anos seguintes (Canadá, Itália, Suíça, etc.).
O que motiva os adeptos da tática BB é uma ideia anti-autoritarismo, que
repudia práticas baseadas na autoridade e hierarquia (DUPUIS-DÉRI, 2010: 49).
Como esse repertório de ação coletiva “viajou” da Alemanha da década de 1980
para Seattle em 1999? E como chegou ao Brasil em 2013? Compreender como
repertórios “viajam” é objeto que têm motivado pesquisadores de diversos locais
do mundo. A resposta pode estar em uma combinação de fatores que, de forma
geral, convergem para o compartilhamento de espaços virtuais para a expressão de
causas, bandeiras, elementos estéticos e ideológicos de contracultura. O
compartilhamento de certos espaços reais como a Universidade e a escola
aparecem em relatos no mundo todo. No caso de Vitória a presença da periferia
também é notável, sobretudo no dia 19/07.
Apesar de que os mascarados possam se conhecer, o Bloco se forma na hora
do confronto, em geral depois da chegada da polícia. Ninguém é obrigado a
desenvolver qualquer tipo de ação, e cada um faz aquilo que lhe parecer
pertinente. Alguns catam pedras, dão suporte logístico carregando materiais,
identificam policiais infiltrados (P2), fazem lanches e arrumam água, entre outras
coisas. Algumas convergências são notáveis, tanto na literatura sobre BB de outros
países quanto nas falas dos entrevistados e na minha própria experiência em meio
ao BB: os alvos não são aleatórios, circunscrevem-se aos símbolos do capitalismo

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(bancos e lojas caras), da opressão do Estado (bandeiras, símbolos do
nacionalismo e a própria polícia) e da cultura dominante (esculturas e obras de
arte hegemônicas).
Em Vitória foi quebrada uma estátua em frente ao Palácio Anchieta como
ato simbólico, uma espécie de “prospecção cultural” que buscou remover as
camadas de dominação presentes, mas silenciadas, na arquitetura deste prédio
construído pelos jesuítas com trabalho de africanos e indígenas escravizados.
Esses atos de destruição de construções urbanas emblemáticas de nossa cultura
são alvos não somente aqui, mas em todas as manifestações BB. Como expressa
uma participante: “é preciso destruir para construir”. Segundo os BB a função da
destruição como ato simbólico é a de evidenciar que o sistema de poder, o
capitalismo e a cultura dominante não são inatacáveis. Assim produz-se crítica
simbólica.
As narrativas daqueles que protagonizaram as batalhas do dia 19/07
revelam uma diversidade grande de propósitos, entre alguns que têm uma posição
ideológica identificada ao anarquismo e ao movimento punk como em outros
países. Mas, gostaria de marcar dois aspectos que me chamaram a atenção em
Vitória: primeiro, a presença nas narrativas dos participantes de elementos que
evidenciam um contexto social marcado pela violência e opressão cotidianas,
segundo, a demonstração de uma predisposição à formação ideológica posterior à
ação de protesto. Ou seja, a construção de um enquadramento ideológico que se dá
depois de iniciado o processo de ação coletiva.
Este último aspecto (sobre a violência tratarei logo mais) nos permite
extrair duas assertivas importantes: uma teórica e a outra conjuntural. Em relação
à assertiva teórica, esta observação coaduna-se com o argumento de que o fator
“ideológico” não é elemento fundamental para ação coletiva. Ao contrário, é a
própria ação coletiva que vai possibilitando a construção dos enquadramentos e
significados em jogo. Sendo assim, as pautas, interpretações e significados são
construídos na ação coletiva e, portanto, têm seu conteúdo aberto, talvez nesta
conjuntura mais aberto do que nunca. Como Della Porta observou nos protestos
alter-globalização, “a construção de um discurso comum ocorreu de fato ‘em ação’,
ou seja, no decorrer de campanhas comuns de protesto” (2007, p.85). Benford e
Snow (2000) também produziram argumentos nesse sentido.

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Do ponto de vista conjuntural, é possível dizer que esses protestos
predispõem ao engajamento e à mobilização de jovens outrora desmobilizados.
Este último elemento é fundamental para a construção de uma democracia ativa e
com alto nível de crítica social. Sendo assim, por mais que se esteja criticando
formas tradicionais de fazer política, através de partidos, representação e
lideranças, ao realizarem assembleias populares, buscando respeitar princípios de
igualdade e livre participação no debate, na prática, os manifestantes estão
realizando, experienciando a política. Quiçá renovando futuros votos de confiança
no sistema político.
Na relação com a polícia, mais uma vez, as análises disponíveis convergem
em perceber que os atos de violência contra a pessoa partem em geral da polícia.
Os maiores sofredores são os próprios manifestantes que apanham da polícia, são
presos e submetidos a uma série de riscos. As ações dos BB são contra o
patrimônio e não contra a pessoa. No Brasil e em Vitória as ações diretas foram
infinitamente mais brandas do que aquelas realizadas no hemisfério norte. A
“arma” utilizada foi basicamente a pedra em reação à ofensiva violenta e
desproporcional da polícia. No dia 19 de Julho as diversas prisões que ocorreram
foram marcadas pela arbitrariedade e por ilegalidades. Pelo menos três estudantes
foram presos e encaminhados à penitenciária de Vianna sem que os devidos
procedimentos e registros das prisões fossem feitas. Ou seja, houve o sequestro de
pessoas sobre o qual o Brasil poderá ter que responder perante as Cortes
Internacionais.

Novas performances e a eficácia da ação direta

Da sequência dessas manifestações, novas formas de ação direta surgiram.


Performances artísticas, iniciativas de aproximação com populações de rua ou das
periferias, como os “sarjeteiros”, que consiste em um momento no qual os
manifestantes vão ao encontro de moradores de rua para beber ou realizar
refeições em conjunto e conversar. Também foram realizados saraus,
performances musicais e “chuva” de aviõezinhos de papel, algo que Della Porta
(Ibidem), chama de “provocação simbólica” ou ação direta sem violência.

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Em todo esse texto, em nenhum momento fiz referência às ações diretas,
mesmo aquelas que envolveram desobediência civil, como “violentas”. Embora a
literatura faça referência às ações de destruição do patrimônio como ações
violentas, faz-se necessário diferenciar formas muito distintas de ilegalidade e
confronto. Não é possível classificar sob o mesmo rótulo de “violência” o
espancamento de uma pessoa e a quebra de uma vidraça. Este aspecto é muito
importante e a ausência de palavras que diferenciem essas distintas ilegalidades
revela a forma homogênea com a qual as polícias em geral lidam com a
desobediência civil, aspecto também tratado por Dupuis-Déri (2010).
A estratégia da ação direta na destruição de coisas é bastante questionada
do ponto de vista da sua eficácia para os protestos. Alguns manifestantes temem
que a opinião pública acabe contrária às manifestações. Apesar de chamar a
atenção da mídia oficial e da mídia alternativa, é difícil avaliar se esse tipo de tática,
como o BB, beneficia ou atrapalha as reivindicações.
No caso de Vitória a destruição do pedágio produziu um fato que contribuiu
para a causa. O que aconteceu foi que sem as cancelas e com as cabines de
cobrança quebradas houve a liberação do pedágio durante alguns dias. A rotina
sem o pedágio fez com que as pessoas percebessem que o caos do trânsito e o
engarrafamento eram gerados pelo pedágio. Além disso, a intensa exposição dos
valores lucrados pela concessionária criou indignação na população conquistando
o apoio da classe média. Assim os ativistas ganharam o amplo apoio da opinião
pública sobre o fim do pedágio. Neste caso é possível conjecturar que houve um
ganho com a ação direta, mas esta avaliação é bastante difícil de ser realizada
previamente e não pode ser generalizada, posto que os efeitos são contingenciais.

De onde estamos falando

O Espírito Santo é conhecido pela violência. Segundo o Mapa da violência de


2013 o estado é o segundo colocado no ranking dos óbitos por armas de fogo no
Brasil. Vitória ocupa o terceiro lugar entre as capitais. Os vitimados pela violência
são jovens, negros e pobres. O estado e a cidade também apresentam os maiores
índices de homicídios de mulheres no país. Contraditoriamente, Vitória tem o
melhor índice de qualidade de vida para as mulheres entre as capitais brasileiras e

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ocupa o 4º lugar no ranking do IDH do Brasil, sendo considerada uma cidade de
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) “muito alto”. Disto, fica a pergunta:
como esses índices tão contraditórios podem ser gerados em um mesmo contexto?
Os contrastes são assustadores e revelam as desproporções e
desigualdades locais. O que parece vir à tona é que os últimos dados, aqueles que
são positivos, acabam sendo utilizados para abafar os dados que denunciam a
violência e, cotidianamente, acomodam os descontentamentos.
As narrativas sobre a violência local estão presentes de forma muito
importante nas falas de manifestantes. Trata-se de uma sociedade amplamente
marcada pela perda de parentes, amigos, filhos vitimados pelo crime organizado e
pelas próprias instituições estatais – basta lembrarmos das denúncias feitas à ONU
de práticas de torturas realizadas nos presídios locais. Para a grande parte da
periferia que participou da quebra de vidraças e objetos públicos, a violência é
cotidiana e vem, inclusive, do Estado. A frase estampada na faixa “a polícia que
reprime nas ruas é mesma que mata nas favelas” revela as conexões construídas
entre as violências sofridas cotidianamente e os episódios de repressão atual.

Ato em repúdio às prisões de manifestantes no dia 19/07 realizado em frente ao


Ministério Público do estado2

Fonte: Fotografia de Diego Kern Lopes utilizada com o consentimento do autor

2
Ação proposta por alguns pesquisadores do grupo PLACE: "Reação A-Braço"

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Como muitos relataram, e eu pude ver, há muita emoção depositada nos
atos de quebrar bancos e no enfrentamento à polícia. Dupuis-Déri (2010) apontou
que razão e emoção não são elementos mutuamente excludentes na ação política,
sobretudo nos protestos. Da mesma forma que a pessoa precisa estar engajada
emocionalmente para agir, toda a ação envolve a elaboração de um raciocínio que
enquadre o ato, mesmo o mais apaixonado, em uma explicação que o justifique. As
análises produzidas em outros países, assim como nossa própria observação,
apontam para a constatação de que a ação direta é determinada por diversos
aspectos cujos fatores contingenciais do momento da ação são extremamente
definidores.
De maneira geral o descrédito com as instituições somado a um contexto em
que se experimenta a violência cotidianamente pode ser o bastante para suscitar e
justificar ações de desobediência civil em que ocorra a destruição de certos bens.
Antes de julgar os BB e as ações diretas é preciso conhecer suas razões e entender
o que faz a pedra parecer o caminho, como na metáfora da letra da música.
Um manifestante de Quebec entrevistado por Dupuis-Déri disse a seguinte
frase (aqui traduzida): “O Estado ao ser o que é cria o Black Bloc” (2010: 56).
Imaginemos agora se, além da repressão policial durante as ações, este
manifestante recebesse todos os dias a notícia de que um parente ou amigo foi
morto, se assistisse sua mãe ser espancada, vivesse em condições materiais
precárias. O trecho abaixo – manifesto dos Professores do Espírito Santo em apoio
às manifestações o qual ajudei a escrever – resume a consternação depois da inicial
perplexidade causada pela reação dos governantes ao exigir (violentamente) dos
manifestantes o “pacifismo” no contexto dessa sociedade marcada pela violência:
[...] é inconcebível clamar por pacifismo e reclamar das ações contra o
patrimônio público e privado em um contexto social, como o que
encontramos no Espírito Santo, marcado pelos mais altos índices de
violência contra a mulher e contra a juventude, além de um dos maiores
níveis de homicídios do país. O Estado deve buscar compreender que
essas ações não ocorrem sem sentido, de forma aleatória. Expressam a
existência de um pensamento crítico e inconformado com um contexto
de violência permanente contra as próprias pessoas (MANIFESTO DOS
PROFESSORES DO ES, 2013).

Os protestos evidenciam claramente um processo de crítica às condições


sociais locais e à falta de vontade das elites em resolvê-las. Sugerem também uma
forte crítica às instituições representativas, às elites políticas e às formas

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tradicionais de organização da política. Por outro lado, a resposta aos protestos a
partir do uso da força policial não contribui em nada para restaurar a credibilidade
das instituições e das classes políticas.
As mobilizações têm um caráter de conteúdo aberto e que está sendo
construído no próprio processo de ação. Este elemento torna as manifestações
mais difíceis de serem capturadas pelas forças políticas já estabelecidas. Neste
sentido, pode ser o início de novas e criativas formas e conteúdos políticos.
Momentos como os dos protestos que assistimos abrem as possibilidades de
associação, criam novos formatos, novos repertórios, expõem a fragilidade de
certas instituições, rompem com padrões morais e questionam aspectos
valorizados tradicionalmente na sociedade. Provocam, também, um
empoderamento de pessoas antes desmobilizadas e descrentes com a política.
Sendo assim, espero e desejo que possam também projetar um processo de
refundação real e simbólica da política.

BENFORD, Robert D. & SNOW, David A. (2000), “Framing processes and social
movements: an overview and assessment”. Annual Review of Sociology, v.26, p.
611-39.

DELLA PORTA, Donatella. (2007), O movimento por uma nova globalização. São
Paulo, Edições Loyola.

DUPUIS-DÉRI, Francis (2010). The Black Blocs Ten Years after Seattle - Anarchism,
Direct Action, and Deliberative Practices. Journal for the Study of Radicalism, Vol. 4,
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TILLY, Charles. (2008), Contentious Performances. New York, Cambridge Press.

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