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A EMERGÊNCIA DO ATIVISMO GORDO NO BRASIL

Natália Fonseca de Abreu Rangel

Resumo: Este artigo busca resumir as principais considerações que são resultado da pesquisa em
andamento de minha dissertação de mestrado em Sociologia Política também sob orientação da
professora Marcia da Silva Mazon1, intitulada: “O ativismo gordo em campo: política, identidade e
construção de significados” e do Trabalho de Conclusão de Licenciatura em Ciências Sociais
“Redes da internet como meio educativo sobre gordofobia” defendido por mim sob orientação da
professora Mazon em julho de 2017, incluindo trechos idênticos aos que podem ser encontrados em
ambas as obras. Assim, o artigo está dividido em duas partes, sendo que na primeira parte explora-
se o que é gordofobia e a estigmatização do corpo gordo a partir de análise de conteúdo do site Ego
utilizando os conceitos de oposições assimétricas de Feres Junior e estigmatização de Goffman. A
segunda parte explora a forma de organização do ativismo gordo brasileiro por meio da internet
utilizando os conceitos de desescolarização e teias educacionais Illich e rede Castells. Tem-se por
objetivo desta compilação divulgar e ampliar os estudos sobre ativismo gordo e gordofobia no
Brasil.

Palavras-chave: Gordofobia. Movimento Gordo, biopolítica, feminismos, estigma.

O que é gordofobia?

Os movimentos sociais, em especial, o movimento feminista a partir das interpretações


sociais considerando o machismo e o patriarcado centrais na opressão feminina, passou a
problematizar a questão da pressão estética sobre o corpo da mulher, e assim, influenciou na
distinção sobre a opressão que sofrem as mulheres gordas. A estigmatização que sofrem as pessoas
com corpos gordos é chamada de gordofobia. O conceito de fatphobia (SYKES, 2011;
CAHNMAN, 1968; ALLON, 1981)2, surge nos Estados Unidos a partir de militantes gordas(os)
que passam a questionar e lutar contra a estigmatização para com o grupo de pessoas gordas. 3
Gordofobia tem diversas definições que no cerne apontam as mesmas problemáticas, a seguir sendo
definida por uma militante gorda brasileira:

Forma de discriminação estruturada e disseminada nos mais variados contextos


socioculturais, consistindo na desvalorização, estigmatização e hostilização de

1
Professora Doutora do departamento de Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina.
2
CAHNMAN, Werner. The Stygma of Obesity. Sociological Quaterly, 1968 ALLON, Natalie. Psychological Aspect
of Obesity: a Handbook. The Stigma of Overweight in Overweight Everyday Life. Nova York: Van Nostrand
Reihold, 1981.
3
Apesar de haver um padrão baseado pelo IMC, sobre o qual me aterei mais adiante, a concepção de “gorda” vai variar
conforme o tempo, localidade e cultura.

1
Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
pessoas gordas e seus corpos. As atitudes gordofóbicas geralmente reforçam
estereótipos e impõem situações degradantes com fins segregacionistas; por isso, a
gordofobia está presente não apenas nos tipos mais diretos de discriminação, mas
também nos valores cotidianos das pessoas. (ARRAES, 2014)

A gordofobia aparece geralmente enquanto pauta secundária dentro do movimento


feminista. O termo gordofobia é recente, mas os estudos sobre a gordura corporal já tem pelo menos
50 anos de existência, principalmente dentro dos estudos estadunidenses chamados por sua temática
de fat studies (CAHNMAN, 1968; ALLON, 1981)4, de onde saíram os primeiros estudos sobre o
tema. Hoje em dia, de acordo com Lupton (2013), é possível dividir os estudos sobre gordura
corporal em pelo menos 5 abordagens diferentes:
 Anti-obesidade: por meio desse discurso entende-se que a gordura corporal em excesso
relativa ao Índice de Massa Corporal (IMC) é nociva e um assunto de saúde pública em que
deve-se prevenir os/as cidadãos/ãs contra o sobrepeso e a obesidade, entendida enquanto doença
e combatê-la.
 Biomédico-crítico: não aceita a ideia de “epidemia da obesidade, entende que ser gordo/a
não necessariamente significa estar doente, estando em risco apenas as pessoas com obesidade
mórbida pelo IMC, atividades físicas regulares são mais importantes para a saúde do que a massa
corporal, gordura corporal é um sintoma e não uma doença, dietas podem ser prejudiciais à
saúde. Dentro dessa perspectiva há estudiosos que acreditam que o discurso anti-obesidade faz
parte de estratégias propositais para fomentar a indústria farmacêutica e outras indústrias
relacionadas ao emagrecimento.
 Libertários céticos: entendem que deve haver liberdade de escolha dos indivíduos em
relação à alimentação e atividade física, não devendo o Estado assumir uma postura paternalista
em relação à gordura corporal. Utilizam o discurso biomédico-crítico para endossar a ideia de
liberdade de mercado, em especial de congolomerados de fast food. Dentro dessa perspectiva o
discurso anti-obesidade restringiria a liberdade, sendo esse discurso por vezes referido pelos
libertários céticos como socialista.
 Estudos críticos do peso/estudos gordos (fat studies): dentro dessa perspectiva,
pesquisadores sociais levam em consideração o contexto que envolve os estudos médicos,
entendendo que o discurso anti-obesidade não é construído deliberadamente para “enganar” a
população, mas faz parte de um conjunto de interesses e ideias sobre saúde condicionadas por
seu momento sócio-histórico. Dentro desses estudos críticos existem análises psicológicas,
4
Idem nota de rodapé 2.

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históricas, antropológicas, sociológicas, entre outras. Um conceito importante dentro dessa
perspectiva é o conceito de biopoder.
 Ativismo gordo: os/as ativistas gordos/as buscam desafiar as ideias negativas e
estigmatizadoras voltadas às pessoas como a associação de gordura com feiúra e doença, bem
como melhorar a acessibilidade a espaços físicos para pessoas gordas buscando melhorar a
qualidade de vida das dessas pessoas, acabar com o preconceito e incentivar a convivência com
as diferenças das pessoas.

Um dos marcos do ativismo gordo estadunidense foi a criação da NAAFA – National


Association to Advance Fat Acceptance (Associação Nacional para o avanço da aceitação da
gordura/dos(as) gordos(as)) em 1969. Com influência dessa associação, o primeiro documento a
esclarecer as pautas do ativismo gordo foi o “Fat liberation manifesto” escrito pelas ativistas gordas
feministas radicais Judy Freespirit e Aldebaran, integrantes do Fat Underground5, em novembro de
1973. Essas movimentações políticas buscaram ir principalmente contra o discurso médico
dominante, impulsionando a crítica à patologização das pessoas gordas, a luta pela acessibilidade
dos espaços e enfatizando o papel do capitalismo a partir da interpretação de que esse sistema
corrobora para a opressão das pessoas gordas. Para entendimento da pauta do ativismo gordo neste
momento e localidade, transcrevo a tradução do Manifesto de Liberação das pessoas gordas:

1. Acreditamos que as pessoas gordas têm todo o direito ao respeito e ao reconhecimento


humanos.
2. Estamos zangadas com o mau tratamento devido a interesses comerciais e sexistas.
Esses têm explorado nossos corpos como objetos do ridículo, criando assim um
mercado imensamente lucrativo que vive de vender a falsa promessa que esse
ridículo pode ser evitado ou aliviado.
3. Vemos nossa luta como aliada de outros grupos oprimidos contra classismo, racismo,
sexismo, preconceito etário (ageism), exploração financeira, imperialismo, e outros.
4. Exigimos direitos iguais para pessoas gordas em todos os aspectos da vida, conforme
prometido pela Constituição dos EUA. Exigimos igual acesso a bens e serviços na
esfera pública, e um fim à discriminação contra nós nas áreas de emprego, educação,
instalações públicas, e serviços de saúde.

5
O Fat Underground foi um movimento de mulheres gordas estadunidenses com perspectiva feminista radical. Alguns
de seus princípios eram que os/as médicos/as são inimigos/as e que a indústria do emagrecimento era genocida.
Manteve-se em atividade durante os anos 70. Disponível em:
http://www.radiancemagazine.com/issues/1998/winter_98/fat_underground.html Acesso em maio de 2017.

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5. Destacamos como nosso principal inimigo a assim chamada indústria de “redução”.
Esta inclui clubes de dieta, spas, médicos de dieta, livros de dieta, comida de dieta,
suplementos de comida, procedimentos cirúrgicos, inibidores de apetite, drogas e
equipamentos de redução. Exigimos que essa indústria se responsabilize pelas suas
promessas falsas, reconheça que seus produtos são perigosos à saúde pública, e
publique estudos de longo prazo provando qualquer eficácia estatística dos seus
produtos. Fazemos essa exigência sabendo que mais de 99% de todos os programas de
perda de peso, quando avaliados num período superior a cinco anos, fracassam
totalmente, e também sabendo dos perigos extremos e comprovados de mudanças
frequentes no peso [o efeito sanfona].
6. Nós repudiamos a “ciência” mistificada que falsamente afirma que não somos
saudáveis. Isso tem criado e mantido discriminação contra nós, em conluio com os
interesses financeiros das empresas de seguro, da indústria da moda, das indústrias de
redução, das indústrias de comida e medicamentos, e das instituições médicas e
psiquiátricas.
7. Recusamos ser subjugadas aos interesses de nossos inimigos. Queremos retomar o
poder sobre nossos corpos e nossas vidas. Estamos comprometidas a buscar esses
objetivos juntas.6

Nota-se no manifesto aspectos políticos levantados pelas mulheres gordas influenciado pelos
ideais desenvolvidos pelos direitos humanos, feminismo e anticapitalismo. Apesar de ser um marco,
o ativismo gordo feminista não é o único e desenvolve diferentes formas de conceber a luta
antigordofóbica pelo mundo (LUPTON, 2013).
O termo gordofobia vem sendo utilizado e ampliado no Brasil por ativistas gordas/os há pelo
menos 7 anos. A gordura é uma característica que varia de acordo com a época e espaço em que
vivemos e especificamente na sociedade ocidental moderna em que vivemos atualmente, ser uma
pessoa gorda tornou-se um estigma a ser carregado e combatido (LUPTON, 2013).

Ativismo gordo e feminismos

Os movimentos sociais, em especial, o movimento feminista a partir das interpretações


sociais considerando o machismo e o patriarcado centrais na opressão feminina, passou a
problematizar a questão da pressão estética sobre o corpo da mulher, e assim, influenciou na
distinção sobre a opressão que sofrem as mulheres gordas. Gordofobia tem diversas definições que
6
Tradução de Lola Aronovich disponível em: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2012/04/manifesto-da-
libertacao-das-gordas.html Texto postado originalmente em 3 de abril de 2012. Acesso em: 14/05/2017
Original disponível em: http://laurietobyedison.com/body-impolitic-blog/tag/fat-liberation-manifesto/ acesso em:
14/05/2017

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no cerne apontam as mesmas problemáticas, a seguir sendo definida por uma militante gorda
brasileira:

Forma de discriminação estruturada e disseminada nos mais variados contextos


socioculturais, consistindo na desvalorização, estigmatização e hostilização de
pessoas gordas e seus corpos. As atitudes gordofóbicas geralmente reforçam
estereótipos e impõem situações degradantes com fins segregacionistas; por isso, a
gordofobia está presente não apenas nos tipos mais diretos de discriminação, mas
também nos valores cotidianos das pessoas. (ARRAES, 2014)

A gordofobia aparece geralmente enquanto pauta secundária dentro do movimento


feminista. O momento atual, que influencia na consolidação da luta contra a gordofobia, pode ser
reconhecido como o que a autora Sonia E. Alvarez classificou como o terceiro momento7 da
trajetória feminista latinoamericana, o “sidestreaming”, definido como “o fluxo horizontal dos
discursos e práticas de feminismos plurais para os mais diversos setores paralelos na sociedade
civil, e a resultante multiplicação de campos feministas. ” (ALVAREZ, 2014, p. 17).
As feministas nesse momento se inserem em campos interseccionais em seus estudos,
buscando não anular uma opressão por outra, como ocorreu por muito tempo dentre movimentos de
esquerda, e sim cruzá-las, reconhecê-las e pensar em táticas de luta contra essas opressões de
maneira diferenciada. Então, por exemplo, em concomitância à opressão entre classes, há em outro
nível a opressão da mulher, e em outro nível a opressão da mulher negra, em outro nível a opressão
da mulher gorda, e assim por diante. O aumento de sua relevância dentro dos feminismos é recente
e não-consolidado, aparecendo a necessidade de autonomização de um ativismo gordo.
A ideia de intereseccionalidade é corroborada por outros movimentos políticos e sociais
identitários como LGBTQAI8 e negro, entre outros movimentos que focam em identidades
específicas, levantando problemáticas com lugar de fala, representatividade e protagonismo, sendo
entendidos como movimentos pós-modernos por tratarem das questões fragmentárias da identidade
(HALL, 2000; SILVEIRA, 2014). Esses movimentos característicos da pós-modernidade (HALL,
2000) parecem a princípio terem interface em relação às pautas levantadas pelas/os ativistas
gordas/os, não se limitando a questão gorda ao domínio feminista. A possibilidade de um indivíduo
militar em diferentes frentes em relação à afirmação de suas múltiplas identidades contribui para a
relação baseada na intersecção e entre grupos defensores dos direitos humanos.

7
O primeiro momento é o “centramento” em que o feminismo está no singular e o segundo momento é o de
“mainstreaming” e de “descentramento” em que ocorre a pluralização dos feminismos e do gênero. (ALVAREZ, 2014).
8
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Assexuais e Intersexuais.

5
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A gordofobia tem especificidades que a diferenciam da pressão estética generalizada sobre
as mulheres: pessoas gordas sofrem no transporte público ao passar pela catraca, ao sentar no
assento demasiado pequeno (em ônibus, aviões, restaurantes, cinemas), sofrem para encontrar
roupas de seu tamanho nas lojas, sofrem de olhares de valor de juízo quando se alimentam
publicamente. Sendo assim, é constante no cotidiano das pessoas gordas a não aceitação e
encontram frequentemente dificuldade de ocupações em espaços públicos. O adjetivo “gorda”
geralmente soa como ofensa e como uma qualidade altamente indesejável, diferentemente de
“magra”.
Delineiam-se, neste artigo, as percepções da gordofobia a partir das mulheres, embora a
gordofobia atinja igualmente os homens, porém de maneira diferenciada já que os homens não
sofrem com a vigilância sobre seus corpos da mesma maneira que as mulheres. O machismo e a
construção patriarcal da sociedade são os pilares da dominação masculina. A organização de uma
coletividade reivindicando o fim da gordofobia parte principalmente das mulheres envolvidas nesse
tipo de opressão.

Estigmatização das mulheres gordas

Foram estudados os usos da palavra “gorda” em um tabloide on-line de fofoca brasileiro,


buscando compreender o uso de diferentes representações sociais relacionadas ao corpo da mulher
mobilizadas por variados discursos em relação (de profissionais da saúde, de mulheres gordas e de
pessoas não gordas).

A ferramenta de busca por palavras-chave no site atinge o máximo de 400 matérias por
pesquisa. Para “gorda” foi atingido esse limite. Para “gordo” foram encontradas 358 ocorrências (ou
seja, não atinge o limite). Foram analisadas 200 matérias em que a palavra gorda aparece no site.
No site não são identificados(as) a maioria dos(as) autores(as) das matérias.

Para auxiliar na análise de conteúdo utilizo o conceito de oposições assimétricas, de Feres


Junior (2004), que o utilizou a analisar o desprezo principalmente do povo estadunidense pelos
povos hispano-americanos:

Devemos notar eu estas primeiras manifestações de desprezo pelos hispanoamericanos já


eram construídas na forma de oposições assimétricas. Cada uma das características
negativas atribuídas a eles, dominados por clérigos (católico), indolentes, ignorantes,
supersticiosos, incapazes de se esforças e desprovidos de iniciativa, correspondem
univocamente a uma característica positiva da auto-imagem americana: protestante

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(portanto, anticatólico), trabalhador, educado, racional, industrioso e provido de espírito de
iniciativa. Dado eu esses adjetivos pejorativos descrevem estilos de vida, hábitos e
costumes, eles podem ser agrupados sob a denominação de oposições culturais
assimétricas. (p. 58 e 59)

Enquanto as formas de oposições assimétricas, que Feres Junior estuda, tem um forte
aspecto territorial, proponho o uso das mesmas entre grupos diferentes, que convivem no mesmo
território: pessoas gordas e pessoas não-gordas. Sobre o par contraconceitual Feres Junior (2004)
inspira-se em Koselleck que vai dizer que: “é baseado semanticamente no contraste consciente de
um nome específico com uma classificação genérica” (FERES JUNIOR, 2004, p. 77) Essa forma de
oposições assimétricas traz conceitos e contraconceitos de ordem moral e física, demarcando como
colocado pelo autor: os estilos de vida.

Tabela 1: Oposições assimétricas encontradas nas matérias do site Ego em relação às mulheres
gordas
Conceito Contraconceito Conceito Contraconceito

Melhor Pior Motivada Desmotivada


Feliz Infeliz-depressiva Preocupada (com saúde Relaxada
e beleza)
Definida Indefinida Higiênica Nojenta
Sonho Pesadelo Ótimo Péssimo
Com valor Sem valor Orgulho Pena-vergonha
Difícil Fácil Saudável Doente
Ativa Preguiçosa Bonita Feia
Controlada Descontrolada Normal Anormal

Os conceitos e contraconceitos demonstram o conjunto de valores e características atribuídas


às mulheres gordas resultando em um processo de estigmatização.
De acordo com Goffman (1988), atores estigmatizados são aqueles que não correspondem às
expectativas de normalidade que adquirimos por meio das representações coletivas da normalidade.
Esses atores exibem atributos depreciativos e assim “deixamos de considerá-lo criatura comum e
total, reduzindo-a a uma pessoa estragada e diminuída" (GOFFMAN, 1988, p. 12). Por meio desse
estigma haveria a desumanização desse ator social.

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O site Ego, enquanto concentrador de notícias de fofoca, mostra-se o ambiente ideal para a
propagação de um ideário conforme com a gordofobia, uma vez que por meio das notícias as
pessoas buscam distanciar-se da carga simbólica negativa que representa o “ser gorda”, por meio da
relação de poder em que se estabelecem as pessoas gordas expostas nas notícias e os/as
comentaristas (frequentemente sob o anonimato), seja este poder estabelecido em caráter de
distinção ou pela mobilização do discurso médico reforçando a ideia de doença relacionada às
pessoas gordas. Assim, há a predominância do julgamento moral das pessoas gordas (outsiders)
pelos/as consumidores/as das notícias relacionadas ao corpo gordo.

A conexão entre internet e militância gorda


Levanto aqui alguns dados conclusivos do Trabalho de Conclusão de Licenciatura defendido
por mim sob orientação da professora Marcia da Silva Mazon “Redes da internet como meio
educativo sobre gordofobia” em 2017. Estes dados apontam para configurações importantes na
organização da militância gorda brasileira a partir de mulheres autoras de páginas virtuais anti-
gordofóbicas ou relacionadas ao movimento gordo9. Estre trabalho teve como base teórica os
conceitos de rede de Manuel Castells (2013) e o conceito de desescolarização de Ivan Illich
(1985)10.

Um dos aspectos mais relevantes é o entendimento da internet como essencial para o


desenvolvimento da militância gorda de acordo com as mulheres entrevistadas como podemos ver
nos trechos destacados a seguir.

Como funciona a troca de informações com outras mulheres gordas? Na internet?


Pessoalmente? Por meio de reuniões?

 9
Blog: Gordativismo (Bianca Reis)
 Comunidade em rede social: - Coletivo Anti-Gordofobia/Página Voz das Gordas (Renata Gomes)
- Precisamos falar de gordofobia (Thais Malaquias Rufino)
 Página em rede social: Não sou exposição (Paola Altheia)
 Coletivo Gordas Livres (Jamile Rosângela Santos)
 Beleza sem tamanho
 Sites: Lugar de mulher
 Gorda e sapatão (Jéssica Ipólito)
 Revista on-line: Questão de gênero Fórum (Jarid Arraes)

10
A ideia de desescolarização remete ao fim da educação por meio das instituições, de forma que Illich (1985) via essa
como a única alternativa para retomada de uma educação imaginativa e crítica que não funcionasse como reprodutora
da sociedade de consumo.

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Blog Beleza Sem Tamanho: Somente virtual, nunca tive um encontro presencial que fosse
possível debater o tema. Eu moro bem afastada de todo mundo em uma cidade de 25mil
hab, onde não tem muita militância em nenhuma área.

Quais são as vantagens da internet na militância gorda?

Coletivo Gordas Livres: Nossa, todas as possíveis, sem a internet nós não estaríamos nesse
nível de evolução do ativismo gordo não, e olha que ainda estamos muito verdes, mas se
não houvesse a internet o ativismo gordo não existiria, digo isso porque antes da internet,
não nos encontrávamos, são tínhamos coragem de falar com outros gordos, nem queríamos
nos ver um perto do outro, por vergonha de sermos dois gordos num mesmo espaço, rs,
ouso dizer que a internet salvou o gordo das trevas, só assim conseguimos formar grupos e
falar sobre como era nossas vidas, porque por trás da tela ninguém iria te julgar, ninguém
iria ver grupos de gordos reunidos, era menos assustador poder falar. foi através desse
inicio sombrio que tivemos forças para tirar fotos, ir as ruas, nos unir de fato.

Há espaço para diferentes estratégias, seja a de reafirmação identitária do grupo de mulheres


gordas ou de informação para as pessoas não-gordas sobre a causa gorda.
As redes vão se formando conforme as pessoas vão se conectando por meio de curtidas e
compartilhamentos. Nota-se que não se busca a desconstrução das pré-concepções de todas as
pessoas que visitam as páginas, tratando-se com mais cuidado àquelas/es que tem uma pré-
disposição a escutar e buscar entender os conteúdos.
A internet também proporciona a rapidez em comentar assuntos ocorridos recentemente, ou
seja, existem múltiplos “direitos de resposta” ao colocar-se uma réplica a um conteúdo considerado
gordofóbico na mesma semana, no mesmo dia e às vezes em questão de poucas horas.
As páginas atingem números cada vez maiores de leitoras/es. Apesar da dispersão da
informação, nota-se continuidade nos temas por meio de compartilhamentos e curtidas, formando a
rede das mulheres gordas. Nota-se dois tipos de interação diferentes: a catártica, com ênfase na
reafirmação da identidade grupal e a didática, com ênfase na construção de conhecimento sobre os
corpos gordos.

Os temas que perpassam a opressão gordofóbica se repetem e se replicam nas páginas de


ativistas gordas. Cria-se uma rede de compartilhamento e de produção de conteúdo de forma de
que, por exemplo, a distinção entre pressão estética e gordofobia tenha pelo menos 10 textos
produzidos por ativistas gordas, refinando-se e aprofundando-se a análise por meio do
compartilhamento entre as mulheres gordas e seguidoras das páginas.

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Isso ocorre com diversos temas como na distinção entre bullying e opressão estética, na
explicação de atitudes gordofóbicas, na discussão sobre acessibilidade de pessoas gordas a espaços
e serviços públicos, entre outras temáticas centrais na discussão sobre gordofobia.
A identidade é pautada pelo que se é, tanto pelo que não se é. A luta contra a gordofobia une
as mulheres gordas ao mesmo tempo em que cria entre elas a identificação por partilharem de
problemas e dificuldades semelhantes. O compartilhamento de imagens de mulheres gordas em
situações em que antes sentiriam vergonha (como, por exemplo, usando um biquíni na praia, num
relacionamento amoroso afetivo, no transporte público, entre outras situações), recai na discussão
sobre autoestima da mulher gorda sem associar magreza à saúde, fortalecendo a discussão ampliada
sobre saúde.
Há a criação de encontros presenciais, proporcionados pelo contato de mulheres gordas a
partir das redes sociais na internet. Existe a criação de rodas de conversa sobre o tema,
estabelecendo redes mais volúveis e a criação de redes a partir do mercado plus size (principalmente
em feiras de moda em que se encontram comerciantes e compradoras gordas, geralmente havendo
nessas feiras debates sobre ativismo e gordofobia), sendo estas redes mais duradouras, contínuas e
sólidas.
Existem dois tipos de ativismo encontrados: o ciberativismo (como a postagem de textos
sobre a temática gorda, como a reivindicação on-line a alguma marca que cometeu gordofobia em
qualquer divulgação publicitária, a postagem de fotos de mulheres gordas em posições de poder e
de beleza, entre outros); e o ativismo presencial. O ciberativismo e as redes da internet se mostram
mais duradouras e contínuas do que os encontros presenciais. As vantagens da internet para a
organização das mulheres gordas bem como para a construção do conhecimento sobre os corpos
gordos são: acesso à informação, possibilidade de trocar informações em tempo real, possibilidade
de dialogar com pessoas de outros lugares do mundo e do Brasil, possibilidade de criação de
diferentes ambientes virtuais de acordo com o propósito (blog, site, grupo on-line, página virtual,
canal de vídeo, etc.), possibilidade de passar informação por meio de diferentes recursos didáticos.
Encontros presenciais de mulheres gordas podem ou não culminar em ações políticas
contestatórias presenciais ou escritas, existindo iniciativas como o “Vai ter gorda na praia”, que se
trata do encontro de mulheres gordas de biquíni nas praias no período do verão (tendo acontecido
em Florianópolis, Salvador, Recife e no Rio de Janeiro) bem como rodas de conversa públicas para
informar o público em geral. Ação política, como a ocupação de mulheres gordas na praia, vem

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tendo repercussão da mídia nacional como de alguns dos principais canais televisivos brasileiros
Rede Globo, Band e Record.
O ativismo gordo no Brasil a partir do estudo de caso desse trabalho, percebe-se a partir de
influência feminista apesar de essa não ser uma característica essencial para o engajamento das
mulheres gordas. As produtoras de conteúdo para mulheres gordas possuem nível de escolaridade
alto (de no mínimo ensino superior incompleto), o que pode auxiliar na forma como se expressam e
redigem seus textos.
A autonomia na criação, tanto de conteúdo como de ativismo, se dá pelo meio da criação de
redes imprevisíveis e progressivas. A ausência de controle institucional e a espontaneidade do
ativismo gerado por meio dessas redes faz com que essa ideia remeta à desescolarização do
conhecimento e do saber, tal como sugere Illich (1985), proporcionada pela internet (mesmo que
haja conhecimento acadêmico que por vezes é utilizado por algumas ativistas). A desescolarização
do saber é mais contundente no questionamento ao discurso dominante sobre pessoa gorda e saúde
e na afirmação da identidade gorda, há um processo educativo identitário no que concerne à
redescoberta do que é ser gorda a partir de um processo autodidata. A legitimação do conhecimento
sobre gordofobia se dá pelo próprio reconhecimento das gordas sobre as temáticas, selecionando-se
assim as que possuem maior ressonância de forma espontânea, ampliando-as e as aprofundando.
A organização do ativismo gordo corresponde aos principais aspectos dos movimentos
sociais contemporâneos levantados por Castells (2013) sendo estes: indignação, horizontalidade das
redes (principalmente a partir de sua ampliação por meio da internet), são ao mesmo tempo locais e
globais, contam com grande poder das imagens para a disseminação de ideias favoráveis e
contrárias a eles, são “profundamente autorreflexivos” (CASTELLS, 2013, p. 167) e não são
necessariamente violentos por princípio.
A potencialidade de transformação social a partir das novas tecnologias, estabelecendo a
constituição de uma sociedade em rede, ampliando-se a partir das inúmeras configurações sociais
possíveis a partir das identidades sociais e culturais, constitui, um novo tipo de “organização social
num plano geral” (CASTELLS, 1999, p. 17). São vários os tipos de ativismos possíveis, desde a
contestação de regimes políticos inteiros até a ressignificação identitária, como no caso do
engendramento do ativismo das mulheres gordas, influenciando nas políticas públicas de saúde,
acessibilidade e educação.
A militância anti-gordofóbica trata-se de um processo de desescolarização do saber sobre
saúde relacionado aos corpos e de desescolarização dos próprios corpos. Apesar de não ser contra o

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saber institucionalizado, demonstra uma alternativa e a necessidade de uma outra relação entre os
saberes escolarizados e os movimentos sociais que já vem sendo estabelecida há mais tempo entre
teorias étnico-raciais acadêmicas e o movimento negro.

Referências

ALVAREZ, Sonia E. Para além da sociedade civil: reflexões sobre o campo feminista. Cadernos
Pagu, Campinas, n. 43, janeiro-junho de 2014. Pps. 13-56. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/cpa/n43/0104-8333-cpa-43-0013.pdf Acesso em 8 de janeiro de 2017.

ARRAES, Jarid. Gordofobia como questão política e feminista. 2014. Disponível em


http://revistaforum.com.br/digital/163/gordofobia-como-questao-politica-e-feminista/ Acesso em 4
de janeiro de 2017.

CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. 1.


ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
FERES JÚNIOR, João. A história do conceito de Latin America nos Estados Unidos. Bauru:
EDUSC, 2004.

GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4. ed. Rio de
Janeiro: LTC Editora, 1988.

ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1985.


LUPTON, Deborah. Fat. [Shortcuts Series]. 1. ed. London: Routledge, 2013.

The emergence of fat activism in Brazil

Abstract: This article seeks to summarize the main considerations that are the result of the ongoing
research of my Master's thesis in Political Sociology also under the guidance of Professor Marcia da
Silva Mazon, entitled: "Fat activism in the field: politics, identity and meaning construction" and of
the final course assignment in Social Sciences "Internet networks as an educational medium about
fatphobia" defended by me under the guidance of Professor Mazon in July 2017, including excerpts
identical to those that can be found in both works. Thus, the article is divided into two parts, in
which the first part explores what is fatphobia and the stigmatization of the fat body from content
analysis of the Ego site using the concepts of asymmetric oppositions of Feres Junior and

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
stigmatization of Goffman. The second part explores the form of organization of the Brazilian fat
activism through the internet using the concepts of deschooling and educational webs by Illich and
Castells’ network. The purpose of this compilation is to disseminate and expand studies on fat
activism and fatphobia in Brazil.
Keywords: Fatphobia, Fat Movement, biopolitics, feminisms, stigma.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

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