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Crise do Estado e Desafios para o Direito

Prof. José Garcez


Igor Strobilius

Texto: Vamos conversar sobre a autonomia do banco central? (Marcos Lisboa, Folha de S.
Paulo, 02/03/2018)1
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-lisboa/2018/03/vamos-conversar-sobre-autonomia-
do-banco-central.shtml

1) Resumo do texto:
O texto de Marcos Lisboa publicado no dia 18 de março de 2018, na Folha de São
Paulo, defende a autonomia do Banco Central como condição importante para uma
política econômica correta e estável. Para sustentar seu argumento, Lisboa primeiro
demonstra que os “experimentalismos" do governo Dilma em termos de política
econômica fracassaram, resultando em inflação e juros altos, assim como fragilização de
alguns setores da economia. Ele ressalta, contudo, que tais erros não se limitam ao
governo da petista, tendo estado presentes também nos Planos Cruzado 2, Bresser e
Collor.
O Banco Central teria retornado a uma política monetária adequada somente em
2016, quando a Selic passou a ser ajustada visando garantir a estabilidade de preços. A
partir disso, Lisboa afirma que a autonomia do Banco Central é fator importante por evitar
“curandeiros que prometem o paraíso e entregam desastres”, e devido a correlação que
existe no mundo entre autonomia do BCs e menores taxas de juros e inflação.
Por fim, o economista afirma que a autonomia desejada do BC não é completa,
mas simplesmente operacional, que ainda seria a política que definiria as diretrizes da
política econômica e a aprovação dos diretores.

2) Análise:
Apesar de no seu texto Lisboa apresentar os erros de política monetária como
questões de (in)competência técnica e até afirmar que a autonomia que propõe é apenas
de operacionalização, percebe-se que há uma questão de modelos de Estado por trás
dessa discussão. A própria tentativa do economista de apresentar a questão como
meramente técnica já evidencia a concepção de mundo que defende: se a taxa de juros é
uma questão tão somente de competência técnica, bastaria que um sujeito competente o

1Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcos-lisboa/2018/03/vamos-conversar-


sobre-autonomia-do-banco-central.shtml
suficiente realizasse os cálculos necessários para determinar a taxa ideal. Ou seja, se há
uma Selic ideal para cada momento, a única dificuldade seria determiná-la, observar a
sociedade e realizar os cálculos exigidos. A questão deixa de ser política, e se torna
científica. A economia não seria um instrumento para alcance de outros fins, mas parte da
própria natureza, e sendo natureza não se deve interferir, somente observar. Da mesma
forma que não cabe ao biólogo mudar as cadeias alimentares na natureza, não caberia ao
economista “criar" política econômica, e sim observar suas leis.
Resulta dessa ideia, que a política econômica deve ser fruto das condições e “leis
de mercado”, que o Estado não deve intervir na economia. Trata-se de uma visão liberal,
arraigada na ideia de leis universais da natureza e na causalidade. Essa concepção
liberal reforça a ideia de indivíduo, como ser único e dotado de autonomia, pois a medida
que se passa de uma ordem regida pela religião, voltada a um propósito único, para uma
pautada pela natureza, em que não há mais propósito definido, o indivíduo torna-se
protagonista. Ou seja, o indivíduo deixa de pertencer a um coletivo, deixa de ser uma
peça, com uma função definida, voltado a um fim. A rígida divisão de classes e tarefas na
Idade Média cede lugar a uma organização de sociedade em que cada pessoa teria
liberdade para fazer o que bem quiser. Em paralelo à valorização da liberdade, ocorre um
esvaziamento de sentido, um desencantamento com o mundo. Devido ao fato de a
causalidade assumir maior papel (as ações do indivíduo que determinam o seu futuro) é
muito mais difícil para a pessoa encontrar um sentido, propósito, em sua vida. De certo
modo, o consumismo surge para preencher esse vazio.
Nesse sentido, interessante relembrar que os “experimentalismos" tentados pelo
governo Dilma, visavam uma política monetária que reduzindo os juros, acelerasse a
economia, gerando mais empregos e enriquecendo o país. É a chamada política
anticíclica, na qual o Estado assume papel fundamental no funcionamento da economia.
Essa política deriva de uma concepção de que o coletivo (Estado) consegue gerar mais
crescimento e efeitos positivos do que os indivíduos isolados, ou seja, é a ideia de que o
coletivo é mais forte do que a soma das partes (“juntos somos fortes”).
Essa política se deu justamente após a crise econômica mundial de 2008-2009. Os
Estados Unidos viviam o ápice do neoliberalismo e da não-intervenção do governo na
economia e no sistema financeiro. O Brasil também sob o governo FHC e os primeiros do
governo Lula seguia política econômica ortodoxa, de caráter liberal. A crise de 2008-2009,
contudo, intensificou a ideia de que o liberalismo não era uma teoria adequada para
explicar a economia uma vez que a crise era evidência incontestável de que o mercado
não conseguia se autorregular. Desse modo, o liberalismo perdeu parte de sua
atratividade, cedendo lugar a outras teorias em que o coletivo tivesse maior protagonismo.
As políticas econômicas de 2010-2016 evidenciam isso, um controle estatal muito maior
sobre a economia, ainda que de maneira completamente equivocada. Acontecimentos
modernos importantes como a vitória de Trump e o Brexit estão conectados à essa ideia.
Tanto Trump quanto os defensores do Brexit se apoiam na ideia de que “outros” estão
tirando vantagem do “nós”, e que o coletivo a que eles pertencem deve se unir, pois assim
terão condições melhores do que quando não há distinção entre os indivíduos de um
grupo e de outro. Por exemplo, o discurso trumpista de “Make America great again” e de
redução da presença dos EUA no palco global tem como substrato a vontade de reforço
do coletivo definido como o povo americano, tendo outros países, especialmente a China,
como inimigos, entraves da prosperidade americana.
Esse movimento de maior liberalismo seguido de maior intervenção estatal
apresenta-se como um movimento cíclico. O desgaste do ciclo liberal resulta numa maior
presença do Estado e vice-versa. Após os fracassos do governo Dilma, o Brasil vive um
ciclo de maior liberalismo econômico, ou pelo menos assim é o discurso prevalecente,
pois de fato poucas foram as reformas. Enquanto a economia segue em trajetória positiva
não há grandes discussões, porém as crises tendem a resultar em maiores conflitos e,
consequentes, mudanças dos discursos predominantes. O texto de Lisboa se insere
nesse contexto, em que o liberalismo econômico adquire maior relevância e em que a
esquerda está fragmentada e enfraquecida, e tem como substrato um modelo de Estado
mínimo, cuja principal função é garantir a autonomia do indivíduo.

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