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novembro 17, 2006

Pretendo com esta cronologia, reavivar a memória daqueles que, às veses passam por este blog,

com datas importantes a respeito de Moçambique desde a implantação do Estado Novo de Salazar.

1960
16 de Junho - Massacre de Mueda
- Fundação em Salisbúria da UDENAMO (União Nacional Democrática de
Moçambique)
- 14 de Dezembro: A Assembleia Geral das Nações Unidas, proclama a
Declaração à Independência dos Territórios portugueses e Povos sujeitos ao
Domínio Colonial.

1961
- Abolição legal das diferenças de estatuto entre indígenas e assimilados (Dec.-Lei
43.893 (6 de Setembro).
13 de Novembro - Condenação por 90 votos contra 3, pela Comissão de Tutela da
ONU, da política colonial portuguesa
- Fundação no Malawi da UNAMI (União Africana de Moçambique Independente).

1962
- Fundação da Frelimo, pela fusão de três movimentos de libertação (UDENAMU,
MANU e UNAMI). Eduardo Mondlane é eleito presidente da Frelimo (25 de Junho).
- I Congresso da Frelimo em Dar-es-Salam (23 de Setembro)
Os anos 60 marcam um período de grande desenvolvimento económico em
Moçambique.

1963
21 de Maio - Fundação de um novo movimento político denominado FUIPAMO
(Frente Unida Anti-Imperialista Popular Africana de Moçambique
Agosto - Greve dos estivadores em Maputo, Beira e Nacala

1964
- Inicio da Guerra de Libertação.As operações começam em cinco distritos: Cabo
Delgado, Niassa, Tete, Zambézia e Moçambique, tendo falhado nas três ultimas..

1966
É dissolvido o Centro Associativo dos Negros de Moçambique (15 mil associados).

1968
Início da Construção de Cabora Bassa
- Abertura de novas frentes de guerrilha da Frelimo nos distritos de Tete e
Zambézia

1969
18 de Janeiro - Conferência Internacional de Solidariedade para com o povos das
Colónias Portuguesas e da África Austral, em Kartum

3 de Fevereiro - Assassinato de Eduardo Mondlane em Dar-es-Salam


Abril - Formação de um triunvirato formado por Samora Machel, Marcelino Santos
e Uria Simango
5 de Novembro - Uria Simango é suspenso do triunvirato

1970
26 de Julho - Conferência Internacional de Solidariedade para com o povos das
Colónias Portuguesas, em Roma
1 de Julho - Os dirigentes dos principais movimentos de libertação das colónias
portuguesas são recebidos em audiência pelo Papa Paulo VI
14 de Maio - Nomeação de Samora Machel e Marcelino dos Santos para
presidente e vice-presidente da Frelimo

1972
A 16 de Dezembro, as tropas portuguesas cometem em Wiriyamu (Tete), uma das
piores chacinas desta guerra que travam contra a Frelimo. Uma aldeia inteira é
exterminada. O massacre impressiona profundamente a comunidade internacional.

1974
- 25 de Abril. Derrube da ditadura em Portugal. Estão criadas as condições para o
reconhecimento da Independência de Moçambique.
Maio - Costa Gomes (membro da Junta Militar que governa Portugal) visita
Moçambique. A Frelimo intensifica as acções de guerrilha, tirando partido da
fragilidade da indefinição política que reina em Portugal. Aumenta o número de
militares portugueses que se recusam a combater.
Junho
No início do mês de Junho, em Lusaka, o ministro português Mário Soares e o
dirigente da Frelimo Samora Machel iniciam contactos exploratórios com vista ao
estabelecimento do cessar fogo e à independência de Moçambique.

Julho
22 de Julho - A estrutura coordenadora política dos militares portugueses em
Moçambique (MFA), solicita a Lisboa a independência imediata deste território e a
sua entrega à Frelimo.
30 de Julho a 2 de Agosto - Conversações em Dar-es-Salam, entre o ministro
português Melo Antunes e a Frelimo.

Agosto
1 de Agosto - Uma companhia portuguesa, em Omar (norte de Moçambique), na
ausência do seu comandante entrega-se à Frelimo e é conduzida prisioneira para
a Tanzânia. O caso espelha a desmoralização em que se encontravam as tropas
portuguesas. Portugal reconhece perante o secretário-geral da ONU, em Lisboa, o
direito de Moçambique à Independência.

14 de Agosto - Novo encontro entre um delegação do governo português e a


Frelimo, em Dar-es-Salam.A delegação portuguesa é constituída por Mário
Soares, Melo Antunes e Almeida Santos.

Setembro
- 5 a 7 de Setembro - Uma delegação do governo português e outra da Frelimo
estabelecem em Lusaka, os termos do Acordo sobre a Independência de
Moçambique. O Acordo foi assinado pelo presidente da República portuguesa a 9
de Setembro.

- 7 a 17 de Setembro
Rebelião, em Maputo e na Beira contra os termos do Acordo de Lusaka. A
comunidade portuguesa em Moçambique e muitos outros moçambicanos sente-se
lesada com o processo. Registam-se dezenas de mortes e destruições. Muitos
portugueses residentes em Moçambique partem na altura para a África do Sul e
Rodésia do Sul.
- 10 de Setembro - As tropas portugueses começam a transportar militares da
Frelimo para vários pontos de Moçambique tendo em vista, evitar situações de
vazio de poder em todo o território e possíveis desacatos.

- 21 de Setembro. Toma posse um governo de Transição, presidido por


Joaquim Chissano.

Outubro - No dia 21 de Outubro, elementos armados da Frelimo envolvem-se em


confrontos com comandos das forças militares portuguesas, provocando diversos
mortos em Maputo.

1975
Fins de Maio. Samora Machel regressa a Moçambique.
- 25 de Junho- Independência de Moçambique a 25 de Junho, conforme o
estabelecido nos Acordos de Lusaka.
- Samora Machel é o primeiro presidente da República.

Saem de Moçambique cerca de 250 mil brancos portugueses e não só


É estabelecido um regime de partido único, a Frelimo. Inicia-se um processo de
construção de um Estado Socialista. Os principais sectores económicos do país
são nacionalizados.

O governo moçambicano apoia os movimentos nacionalistas que na África do Sul


e no Zimbabué lutavam contra os regimes racistas.
As fonteiras do Zimbabué (antiga Rodésia) são fechadas.

Na segunda-feira retomarei com a Fundação da renamo, em 1976.


Agradeço a quem puder, em jeito de comentários, poder dar datas e factos de
assuntos que, por lapso ou mesmo desconhecimento, teriam me passado ao lado
da minha atenção.
Um abraço.
Fonte primária: Arquivo Vivo de Moçambique
A BIBLIOTECA DO
MACUA
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LIVROS & AUTORES QUE A MOÇAMBIQUE DIZEM RESPEITO

MALYN NEWITT
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Moçambique, Madagáscar e as ilhas Comores

Apesar de, no século XVI, alguns capitães portugueses de carácter ambicioso terem chegado a
alguns planos no intuito de conquistar Madagáscar ou as Comores, as relações portuguesas com
terras sempre se mantiveram numa base puramente comercial. Os navios mercantes que zarpa
Moçambique percorriam a curta distância que os separava destas ilhas em busca de madeira, f
palma e pedra destinada à construção, mas o seu verdadeiro objectivo era conseguir alimentos
quantidade suficiente para abastecer o vasto mercado constituído pela base naval da Ilha de
Moçambique. O comércio com Madagáscar e as Comores acabou por se tornar extremamente
importante para os moradores de Moçambique, já que o crescente monopólio do capitão lhes v
possibilidade de aceder à maioria dos mercados do Sul. Francisco Barreto fizera reviver o velh
projecto de conquistar as Comores, estava-se então na década de setenta, e os moradores voltar
sentir receio de perder a possibilidade de negociar com esta região quando, em 1585, o capitão,
Jorge de Meneses, adquiriu o direito exclusivo do comércio do gengibre entre as Comores e Or
mesmo tempo que tentava edificar uma feitoria em Masselage, na costa de Madagáscar. Na déc
cinquenta, os capitães de Moçambique continuaram a tentar negociar uma espécie de aliança
comercial com Madagáscar.
As embarcações usadas neste tipo de viagens eram quase todas pangaios de construção local, fi
sua condução a cabo dos membros da comunidade muçulmana de marinheiros instalados nas
pequenas cidades portuárias situadas em ambos os lados do canal de Moçambique. Eram freta
pelos moradores de Moçambique, levando quase sempre a bordo um ou dois afro-portugueses.
volume dos negócios entre Moçambique e as ilhas impressionou os primeiros visitantes europeu
1591, Sir James Lancaster viu-se obrigado a recorrer aos serviços de um intérprete português n
visita às Comeres. Em 1602, um negociante clandestino de origem francesa, Martin de seu nom
encontrou plusieurs individus qui par-laient portuguais, e, ainda no mesmo ano, a frota holand
van Spielbergen capturou uma embarcação recheada de mestiços portugueses que transportav
panos e escravos. Por seu turno, em 1615, Sir Thomas Roe teceu alguns comentários relativos a
enormes veleiros usados pêlos Portugueses, tendo dito qualquer coisa sobre "os poucos portugu
que viajavam para Moçambique em embarcações de quarenta toneladas, com as pranchas cosi
invés de pregadas, todas elas muito bem equipadas e carregadas de madeira". A situação acabo
ser resumida por François Pyrard, que disse "serem estas ilhas [as Comores] de uma importân
para Moçambique e os portugueses que aí vivem, já que é delas que partem todos os alimentos
aqueles necessitam".
É bastante provável que os moradores de Moçambique tenham usado o comércio com as Como
Madagáscar como uma forma de iludir o monopólio do capitão e levar a cabo uma série de
transacções clandestinas com os portos do mar Vermelho, do Golfo, e também do norte da índi
se que, nos primeiros anos do século XVII, estas ilhas mantinham uma relação comercial inten
os territórios situados a norte, encarregando-se os veleiros portugueses que partiam de Moçam
de levar as moedas de prata de origem espanhola que eram usadas nas ilhas no intuito de finan
comércio internacional.
Em finais do século XVI, as Comores estavam cada vez mais a funcionar como um dos principa
pontos de "exportação" de escravos, sendo que estes aí chegavam vindos das regiões costeiras d
Moçambique e Madagáscar. Apesar de nada nos dizer ter o comércio de escravos nesta época
constituído um negócio maciço, é provável que eles abundassem nos mercados, devido à fome q
alastrou na zona nos anos oitenta e às guerras Zimba. Os mercadores portugueses encontravam
activamente envolvidos no comércio de escravos praticado nas Comores. Assim, e à laia de exem
consta terem os Portugueses ido até às ilhas comprar escravos a nove ou dez reates cada um, m
sempre na esperança de os venderem por cem reales, dez vezes mais. Apesar de não restarem d
a respeito da utilização de escravos pelos próprios portugueses estacionados na África Oriental
maiores mercadores de escravos se situavam na índia e no Golfo, tendo os mercadores portugu
suaílis funcionado como fornecedores destes mesmos mercados, e nunca como os principais
consumidores.
Quando as frotas francesas, holandesas e inglesas começaram a percorrer o ĺndico, trataram d
as Comores enquanto portos regulares onde se podiam abastecer de água e víveres. A procura
géneros alimentícios aumentou com uma rapidez tal, que se tornou difícil para estas ilhas stisfa
procura de que estavam a ser alvo. Assim, os navios europeus passaram também a frequentar a
de Santo Agostinho, na costa sudoeste de Madagáscar. Acabaram por descobrir que aqui lhes e
possível adquirir gado, e, uma vez "oficializado" este ponto de paragem, uma série de assentam
malgaxes acabaram por florescer em torno da Baía, sendo o seu intento servir os navios que aí
aportavam. As actividades destes navios alarmaram de tal forma os Portugueses, que de imedia
desenvolveram uma política intervencionista em relação a Madagáscar. Em 1613, Luís Marian
padre jesuíta, seguiu para a ilha disposto a estabelecer relações com os chefes da parte sul de
Madagáscar, e, de passagem, a tentar descobrir o paradeiro dos sobreviventes de vários naufrá
Marianno regressou passados dois anos na companhia de um outro padre, e ambos tentaram, s
sucesso, estabelecer uma missão permanente na costa. Contudo, ninguém se mostrou interessad
retomar este trabalho. Para além de algumas sugestões ocasionais dizendo que o capitão de
Moçambique deveria estabelecer um posto fortificado na costa de Madagáscar, a Coroa Portug
(pelo menos a nível oficial) não voltou a demonstrar qualquer interesse nesta ilha, e a exploraçã
zona oriental do canal de Moçambique foi como que deixada nas mãos de outras potências
europeias.10
Ingleses, franceses e holandeses andavam à procura de bases permanentes a partir das quais as
frotas pudessem operar, ao mesmo tempo que viam nas ilhas a possibilidade de aí estabelecerem
plantações semelhantes às que estavam a ser exploradas nas Caraíbas. Os Holandeses acabaram
fixar nas Maurícias em 1639, ao passo que os franceses os fizeram na lie de Bourbon (Reunião)
1642, e, posteriormente, em Fort Dauphin, na costa de Madagáscar, em 1649. Por seu turno, os
Ingleses mostravam-se bastante satisfeitos com os lucros obtidos através da sua amizade com o
de Anjouan, nas Comores, servindo-se da ilha tanto posto abastecedor e como posto de correio
era aí que se procedia à troca de mensagens entre os navios. Todavia, nos anos trinta, Madagás
atraiu as atenções de vários empresários ingleses, todos eles interessados em quebrar o monopó
Companhia das índias Orientais. Assim, em 1635, estabeleceu-se um monopólio rival, a Courte
Association, com o objectivo de explorar as oportunidades comerciais oferecidas por Madagásc
pela zona ocidental do Indico. A Courteen Association enviou, então, várias embarcações para
tendo-se mesmo registado a tentativa de fundar uma colónia na costa de Madagáscar. Os Ingle
recusaram sempre desistir das suas ambições nesta zona até que, na década de cinquenta, a doe
as elevadas perdas comerciais os obrigaram a abandonar os seus esforços colonizadores." Entr
os Holandeses haviam fundado um assentamento permanente na baía de Mesa, isto em 1652,
abandonando em 1658 a sua colónia nas Maurícias. À medida que, aos poucos, a Cidade do cab
desenvolvendo enquanto base naval e colónia, a procura holandesa de mão-de-obra escrava au
de forma considerável, acabando eles por desenvolver uma rede comercial regular com a costa
Madagáscar.
Como consequência de tudo isto, a primeira metade do século xvn pautou-se por um enorme
desenvolvimento da actividade comercial na zona do canal de Moçambique. Assim como, no sé
anterior, a criação de uma base naval em Moçambique resultara num aumento da procura em
aos produtos daquela parte de África, assim a chegada anual de grandes frotas inglesas, holand
francesas estimulou a procura através de toda a região que se estendia a norte do cabo da Boa
Esperança. Contudo, a maioria dos produtos alimentares adquiridos pelas companhias continu
ser o resultado de práticas agrícolas tradicionais. Apenas nas Comores vamos encontrar algum
indicações que nos dizem ter a introdução de escravos contribuído para o aumento da produçã
agrícola. Se o comércio europeu teve pouco impacto nos métodos de produção, tudo indica ter a
repercussão política na ilha de Madagáscar sido qualquer coisa de considerável, já que se pens
a expansão dos Sakalava, ocorrida durante o século xvm, relacionada com o estímulo económic
derivado do comércio dos escravos e das armas de fogo.
Os Portugueses continuaram a basear as suas actividades mercantis no comércio do marfim,
desenvolvendo redes de fornecedores e fazendo a sua presença expandir-se cada vez mais para
interior. Tudo aponta para que a política por eles seguida no intuito de desencorajar os outros
europeus a negociar com os seus territórios costeiros acabado por se mostrar eficaz. Apesar de
tempos a tempos, se escutarem rumores sobre a presença de navios ingleses e holandeses na cos
há quaisquer registos que apontem para uma actividade comercial significativa. A África Orien
largamente excluída do comércio desenvolvido tanto por ingleses como por holandeses, tendo a
escapado ao estímulo que os navios das diferentes companhias lhes poderiam ter providenciado
facto, o que é digno de nota em relação ao desenvolvimento económico desta zona não é de mod
algum a sua integração no sistema económico mundial, mas sim o seu isolamento do mesmo, fa
se ficou a dever ao extraordinário sucesso da política de monopólios levada a cabo pelos Portug

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O advento do capital mercantil indiano
Durante o século XVIII, a prosperidade do comércio do marfim levou muitos mercadores india
Moçambique, e, em finais do século, as comunidades indiana e afro-portuguesa haviam-se
transformado nas classes dominantes. A rede demorou bastante tempo a expandir-se. Claro qu
comerciantes indianos de Malabar há muito que se haviam integrado nas redes locais, remonta
sua chegada àquelas paragens a uma época muito anterior à dos Portugueses, e, em 1499, quan
Vasco da Gama visitou a Ilha de Moçambique, eram já muitos os mercadores hindus fixados. C
estabelecimento dos Portugueses em Malabar, em Goa e nos portos a norte de Cambaia, foram
inúmeros os canais que se abriram aos indianos que mostrassem interesse em se deslocar até à
oriental de África. Os indianos de Goa, a quem os Portugueses chamavam "canarins" e muitos
quais eram católicos, talvez tenham aportado na África Oriental na qualidade de
administradores,comerciantes, soldados, mesmo religiosos, mas também aí vamos encontrar in
provenientes dos portos do Norte, que, no caso de serem hindus, eram designados por banianos
geral, este indivíduos dedicavam-se quase que exclusivamente ao comércio.
Pouco se sabe a respeito das actividades dos indianos em Moçambique durante o período mono
dos capitães. É evidente existirem muitos mercadores desta etnia em Manica durante os anos d
quando se alega terem eles sido bastante maltratados pelos Chicanga. Houve soldados indianos
combater nas guerras da Zambézia na década de quarenta do século XVII, e, quatro décadas d
vamos encontrar vários médicos canarins estacionados na Zambézia. Há referência a um brâm
envolvido no comércio do Zambeze nos anos sessenta, e são muitos os mercadores indianos acti
feiras do ouro na segunda metade do século. Foram os comerciantes indianos em fuga do territ
caranga que fundaram o primeiro assentamento do Zumbo nos anos noventa, e os canarins que
comerciavam na região dos Rios encontravam-se presentes na corte do Monomotapa, tendo ain
ajudado a recrutar soldados no intuito de defender os assentamentos portugueses nos Rios.
Não deixa de ser interessante o facto de a Coroa Portuguesa ter favorecido de forma clara a ide
uma migração indiana rumo à África Oriental. Uma vez terminado o monopólio do capitão, for
avançadas várias sugestões no sentido de enviar colonos originários de Goa para ajudar os pov
Rios. No final, e apesar de esta migração de camponeses indianos nunca se ter chegado a concr
capital avançado pelos mercadores indianos acabou por se fazer sentir de um modo significativ
1686, a exploração do comércio entre Diu e Moçambique foi entregue a uma companhia chama
Companhia Baniana de Mazares. Doze anos depois, a queda de Mombaça deu início a um perío
qual iria durar pelo espaço de tempo de uma geração) em que toda a zona norte da costa se tor
realmente instável, e, perante isto, os mercadores indianos resolveram mudar a sua base opera
para a Ilha de Moçambique, onde se foram fixando em números cada vez maiores.
A expansão do capital mercantil indiano ocorrida no início do século XVIII constituiu um fenó
que afectou de igual modo as comunidades hindu e muçulmana, ambas representadas em
Moçambique. A ascensão da classe mercantil indiana fora uma das características do império m
aquando do seu zénite, no século xvn; os banqueiros indianos financiaram o Estado Mogol, enq
controlavam o seu sistema de impostos e, em finais do século, tentavam encontrar formas de ap
vastas quantidades de capital por si acumuladas. Uma das áreas por eles procurada para aí inv
era precisamente a que englobava o comércio marítimo praticado no mar Vermelho, no Golfo
África Oriental. Uma outra das vias que lhes pode ter aberto as portas de Moçambique seria te
funcionado como banqueiros do Estado da índia português, que se vira bastante diminuído e
empobrecido em finais do século xvn, depois do que dera por si numa situação de dependência
investidores indianos.
Visto a importação de tecidos e de contas pertencer ao monopólio da Junta, os indianos estacio
em Moçambique tinham três opções: ou passavam a competir com osmoradores, ou importava
artigos que não pertenciam ao monopólio da Junta ou limitavam-se a injectar capitais nos vári
empreendimentos comerciais dos Portugueses. O estabelecimento destes mercadores indianos e
Moçambique esteve na origem de tensões que, embora tivessem como origem uma série de riva
comerciais, acabaram por assumir uma forma de expressão marcadamente lusitana, ou seja, o
religioso. Nos anos vinte, a Inquisição tentou servir-se da suaautoridadeparainterferir nos negó
levados a cabo pêlos muçulmanos no continente, e, numa fase posterior, a comunidade baniana
queixou-se de estar a ser alvo de perseguições pela parte das autoridades. Tudo indica ter este
sentimento anti-indiano aumentado de forma considerável com o fim do monopólio da Junta, f
que permitiu aos Indianos, não só importarem tecidos, mas também exportarem marfim. Em 1
moradores cerraram fileiras no intuito de impedir os mercadores indianos de terem acesso às t
do continente, ao mesmo tempo que se esforçavam por restringir as suas actividades comerciai
ilha a apenas doze casas comerciais. O vice-rei de imediato tratou de rescindir semelhantes med
mas, em 1763, eis que se efectuou uma outra tentativa destinada a impedir os Indianos de nego
continente.
Em 1777, e talvez que na tentativa de quebrar o domínio exercido pelos comerciantes indianos
relação ao comércio praticado em Moçambique, domínio este que se tornava possível através d
importação de tecidos da índia, o governo português pôs ponto final ao monopólio da Companh
Mazanes em relação às trocas comerciais efectuadas com Diu. O resultado desta medida traduz
por um aumento considerável na actividade comercial dos mercadores indianos, e, nos anos oit
eram cerca de cinco os navios que chegavam por ano a Moçambique provenientes de Diu, ao pa
na Ilha de Moçambique viviam cerca de trezentos indianos, que possuíam vinte casas comercia
território do continente. O facto levou a que, nessa mesma década, se tentasse levar a cabo uma
de acções no sentido de excluir os mercadores indianos, mas, visto serem eles quem controlava
importação de tecidos, actividade esta da qual dependia todo o comércio praticado em Moçamb
tudo ficou sem efeito.
Entretanto, os Indianos haviam-se tornado activos em todos os portos situados na costa moçam
Tal como já vimos, Inhambane era em grande parte um assentamento indiano, o mesmo se pas
com o Zumbo, no Zambeze. Nas velhas cidades do Zambeze, os Indianos não se limitaram a
representar o papel de comerciantes, tendo-se igualmente convertido em titulares de prazos e e
donos de lares recheados de escravos e demais serviçais.

As redes comerciais de Moçambique

Apesar de, e com bastante frequência, os documentos nos apresentarem os Indianos na qualida
rivais dos moradores, ambos os grupos se integravam numa complexa rede de trocas e relações
comerciais, rede esta que se estendia bem para o interior do território. O comércio do marfim c
todo um sistema de relações sociais e de comunidades cujas fortunas dependiam umas das outr
Uma das pontas desta rede era formada pêlos grupos de caçadores de elefantes que, no interior
África, perseguiam as manadas, isolavam os adultos com presas, matando-os utilizando método
tanto tinham de perigoso quanto de sofisticado. Embora os elefantes pudessem ser caçados pêlo
homens de uma determinada aldeia que decidiam ocupar parte do seu tempo dedicando-se a es
actividade lucrativa, tratando também deste modo de conseguir um pouco de carne para as
respectivas famílias, vamos encontrar uma série de caçadores de elefantes profissionais, alguns
quais a trabalhar directamente sob as ordens dos chefes, dos mercadores, mesmo dos detentore
prazos.
Independentemente dos meios utilizados para matar os animais, o chefe territorial da área ond
decorria a caçada reclamava uma presa para si - a presa pri ncipal - a qual funcionava como u
espécie de tributo. Foi deste modo que os chefes se transformaram em parceiros de peso no que
respeitava ao comércio do marfim, papel este que não paravam de enfatizar, já que tudo faziam
tentativa de controlar as feiras onde o marfim era vendido aos chefes das caravanas. A menos q
habitassem numa zona situada a apenas alguns dias de marcha da costa, só muito raramente o
era para aí levado por aqueles que o haviam caçado. Assim, eram os chefes das caravanas que
buscar o material ao interior. No século xvm, e na região do Zambeze, eram os Yao que domin
caravanas. Os chefes Yao não paravam de alargar o seu campo de acção, e, a pouco e pouco,
acabaram por dominar todas as rotas que se estendiam através do velho império marave desde
até ao Luangwa, a ocidente. Em meados do século XVIII, os Yao continuaram a alargar a sua z
influência comercial, não só rumo às terras situadas a ocidente do Luangwa, como também em
direcção àquelas situadas a sul do Zambeze.
As caravanas Yao, por vezes constituídas por mais de mil indivíduos, transportavam o marfim
costa depois de negociarem a sua passagem através dos territórios dos chefes macuas, os quais,
graças a isto, acabavam por participar nos lucros obtidos com o comércio. À medida que se
aproximavam da zona da costa, os Yao penetravam então numa zona onde a rede comercial re
ao marfim se tornava densa e complexa. Quando ainda lhes faltava percorrer uma boa parte d
percurso, eis que lhes surgiam os agentes dos moradores portugueses, mais conhecidos por pata
os quais estavam autorizados a comprar marfim. Contudo, as rivalidades entre estes patamare
enormes, o que por vezes os levava a empreender acções violentas contra as plantações e aldeia
portuguesas situadas junto à costa. Convém recordar a existência de um sem-número de comp
ilegais de marfim, que operavam por conta dos xeques suaflis, também eles instalados nas regiõ
costeiras. Contrabandeavam o marfim a partir de uma série de pequenos portos, tentando dest
evitar o pagamento das taxas exigidas pela casa aduaneira instalada na Ilha de Moçambique. P
turno, os patamares encontravam-se ligados aosmoradores, ou, e com uma frequência cada vez
às casas comerciais indianas que lhes forneciam uma série de artigos destinados ao comércio em
do marfim por eles conseguido. Escusado será dizer que, entre estas casas comerciais, os laços d
e de haver, a cooperação mútua, e, claro está, as rivalidades habituais, constituíam uma consta

A expansão das comunidades costeiras

Durante o século XVIII, a área costeira que, partindo da baía de Fernão Veloso, se estendia pa
rumo a Angoche, viu-se polvilhada por um número quase incontável de pequenos portos e
comunidades que, de uma forma ou de outra, dependiam do comércio do marfim - quer recebe
navios que aí aportavam, quer contrabandeando escravos e/ou de marfim, quer ainda enviando
espécie de produtos alimentares para o enorme mercado que era a Ilha de Moçambique (Mapa
As comunidades marítimas situadas nestes portos descendiam daquelas famílias de mercadore
muçulmanos que, antes da chegada dos Portugueses, negociavam a partir dos portos situados n
África Oriental. Quando os Portugueses ocuparam a Ilha de Moçambique, Quelimane, bem co
cidades do Zambeze, a comunidade muçulmana aí se deixou ficar durante algum tempo, tentan
coexistir com os recém-chegados. A cidade muçulmana de Sena acabou por ser destruída por
Francisco Barreto em 1517, e, em finais do século XVI, existia já na Ilha de Moçambique um su
muçulmano chamado Mogicate. Contudo, quando isto sucedeu, as famílias importantes da ilha
haviam mudado para o continente, tratando de edificar uma comunidade em Sancul, no promo
que constituía a margem sul da Baía, não muito longe do assentamento português - e que contin
funcionar enquanto um importante centro de influência até ao século XIX. Os portugueses fixa
Moçambique dependiam de Sancul enquanto forma de garantir a segurança da margem sul da
mas esta convivência acabou por ser fortemente abalada em 1753, quando, e depois de tanto eu
como muçulmanos se terem unido para lutar contra os Macuas, levando a cabo uma incursão s
quaisquer consequências no território da tribo, um soldado português embriagado acabou por
o xeque. Depois disto, assistiu-se ao crescimento de uma fiada de pequenas aldeias muçulmanas
estabeleceram ao longo da costa e que, embora se encontrassem dentro do perímetro económic
Ilha de Moçambique, era para Sancul que olhavam sempre que o tema em causa era o comand
político e religioso.
Embora o território imediatamente oposto à Ilha de Moçambique estar sob o controlo nominal
chefe macua de Uticulo, o Murimuno, a Baía onde a ilha se situava encontrava-se rodeada pela
plantações pertencentes aos moradores de Moçambique e pelas aldeias onde habitavam os resp
escravos e servidores, todas elas defendidas de forma precária por uma paliçada (,chuambo).n
dentro da área continental, havia duas paróquias (em Cabaceira e em Mossuril), as quais se
encontravam separadas por algumas aldeias muçulmanas. Muitos dos moradores habitavam a
inteiro nas plantações, e, no século XVIII, o governador-geral tratou de construir para si mesm
belíssima casa de campo em Cabaceira, e, em 1809, o chuambo foi substituído por um forte."
Na zona imediatamente a norte de Moçambique encontrava-se a baía de Condúcia, ao largo da
ficava a ilha de Quitangonha (onde havia uma cidade muçulmana), ao passo que na região cost
frente se situava o assentamento de Matibane. A sul de Sancul ficava a baía de Mocambo com o
assentamentos costeiros em Kivolane e Quissanga. Um pouco mais a sul estendia-se uma faixa d
pantanosa e inacessível, onde não existia qualquer assentamento importante para além de Mog
situado num vasto estuário de águas baixas, protegido por uma língua de areia. A sul de Mogin
populações costeiras tinham tendência a trocar Sancul por Angoche. Aí, as cidades mais impor
eram Sangage, a própria Angoche, e Moma, todas elas situadas perto da entrada de rios impor
Durante os séculos XVII e XVIII, os Portugueses desenvolveram uma série de relações profissi
com os xeques das comunidades costeiras, relações essas baseadas numa série de interesses recí
Os Portugueses queriam a todo o custo que os chefes muçulmanos desencorajassem as outras
potências europeias a desempenhar qualquer tipo de actividade comercial na costa - o que, e em
termos gerais, parece ter sido conseguido. Em 1727, e só para dar um exemplo, alguns navios fr
chegaram à baía de Quitangonha, levando a cabo algumas sondagens. De imediato, o xeque "sa
encontro deles acompanhado pormais de duzentos negros armados de arcos e flechas, bem com
algumas armas de fogo, tendo de pronto posto fim a todas as suas actividades". Os Portugueses
estavam igualmente interessados em fazer com que os chefes muçulmanos ajudassem os náufra
conseguiam sobreviver e chegar à costa. Por seu turno, os xeques queriam negociar com os
Portugueses, sendo que ambas as partes reconheciam o quanto era importante actuarem em co
no intuito de se protegerem contra os possíveis ataques desferidos pêlos chefes macuas ou mara
sediados no interior. De facto, tudo indica estar o medo às incursões maraves na origem do
reconhecimento da soberania portuguesa pela parte dos xeques, tornando-se fácil para estes pr
a protecção dos primeiros.
Um dos poucos documentos que se ocupa da zona costeira a sul de Sancul é aquele referente ao
naufrágio do galeão São Lourenço, o qual deu à costa em 1649, perto de Mogincual. A maior p
tripulação e demais passageiros foi salva, e, enquanto um grupo de mensageiros partia para a I
Moçambique, os restantes membros do São Lourenço pediram ajuda aos xeques de Mogincual
como a uma outra comunidade chamada Moxingli (a qual tem sido bastante difícil de identifica
sentido de lhes serem fornecidos alimentos e alojamento, cuidados médicos para os enfermos, e
menos importante, salvar os bens da Coroa que não se haviam perdido na naufrágio. Segundo
de António Cardim, o padre jesuíta, torna-se claro para todos que, embora os xeques se tivesse
mostrado prestáveis desde o primeiro instante, estavam igualmente preparados para se aprove
da situação, cobrando preços muito elevados pelos alimentos e restantes serviços por si fornecid
Nenhum destes chefes possuía embarcações maiores que as canoas por eles utilizadas para perc
oceano.
Contudo, e independentemente do facto de serem pequenas, estas comunidades encaravam a p
religiosa sob uma perspectiva séria. Assim:
Nunca se esquecem de dizer as suas orações três vezes ao dia, e o xeque que desempenha o pape
cacis lava-se antes de entrar na mesquita, deixando os sapatos no lado de fora, em cima de uma
quê se encontra à entrada da mesquita, tudo porque para eles é um sacrilégio entrar no templo
calçados ou com os pés por lavar.
Não existiam quaisquer estradas regulares ao longo da costa uma vez que eram muitos os estuá
rio que era preciso atravessar, do mesmo modo que as condições de viagem
estavam longe de ser seguras. As populações que habitavam nestas aldeias viviam no temor
permanente das incursões macuas e, sobretudo, daquelas praticadas pêlos Maraves. Assim que
ouviram falar do naufrágio, enviaram um grupo de guerreiros para a costa, grupo este que, en
outras coisas, tratou de fazer do xeque prisioneiro."
Foi durante o século XVIII que os Portugueses formalizaram as suas relações com os chefes
muçulmanos estacionados na costa, conferindo-lhes o título de capitão-mor, intervindo nas disp
relacionadas com os problemas inerentes à sucessão, e tudo fazendo para que eles cooperassem
assuntos importantes que supunham a manutenção das rotas comerciais que levavam ao interi
Sempre que era necessário levar a cabo uma qualquer acção militar, era suposto os xeques forn
os contigentes armados que deveriam acompanhar os soldados portugueses. Os Portugueses
nomeavam igualmente um dos afro-portugueses de importância para o posto de "capitão-mor
terras firmes", competindo a este indivíduo zelar pelas terras do interior. Porém, e em termos
práticos, as populações fixadas na costa formavam o que se pode chamar uma comunidade com
autónoma de mercadores e proprietários de plantações de origem afro-portuguesa e suaíli, todo
possuidores de criados e escravos, sendo o que os governava as leis ditadas pela necessidade de
coexistência comercial - ou seja, as leis que faziam com que todos se mostrassem interessados e
manter aberta uma passagem segura com os territórios do interior, bem como em executar de f
satisfatória a troca de produtos que iam chegando a estes portos.

Angoche

A cerca de cem milhas a sul de Sancul, a meio caminho do delta do Zambeze, encontrava-se a a
cidade de Angoche. No início do século xvi, e devido à política conduzida pelo seu chefe, que tud
fizera para atrair os mercadores muçulmanos interessados nos lucros conseguidos com o comér
ouro proveniente do Zambeze, ao mesmo tempo que evitara cair nas mãos do monopólio portu
estabelecido em Sofala, a cidade gozara de uma prosperidade notável. Contudo, em meados do
Quelimane desenvolvera-se como o principal porto de acesso ao interior, diminuindo Angoche
consideravelmente de importância, embora participasse de um modo algo modesto no comércio
marfim. Os Portugueses mantinham aí um feitor, tendo este começado por comprar marfim em
da Coroa, depois do que o passara a fazer para o capitão de Moçambique. São poucas as mençõ
feitas a Angoche na literatura do século xvn, e, no século seguinte, sabemos que a feitoria portu
acabara por ser encerrada. Deste modo, e durante um período de quarenta anos, nenhum navi
português dedicado ao comércio aí parou, pelo menos a título oficial.
No entanto, existiam uma série de laços que ligavam os sultões de Angoche aos portugueses ins
na Ilha de Moçambique. Os sultões receberam dos Portugueses o título de capitão-mor, e, enqu
parte desta relação especial, não pagavam quaisquer taxas alfandegárias relativas aos navios p
enviados para a ilha. No século xviu, os artigos exportados a partir de Angoche paraallha de
Moçambique consistiam quase que exclusivamente em produtos alimentares e nos elaboradíssi
tapetes que, desde o século XVI, haviam tornado a cidade famosa. Porém, é igualmente certo q
canoas provenientes de Angoche visitavam certos assentamentos costeiros situados a sul, onde s
dedicavam ao comércio do âmbar e do marfim.
Francisco Moraes Pereira, um juiz português que visitou Angoche em 1752, deixou-nos uma de
muito agradável deste entreposto independente da cultura islâmica. Por esta altura, e devido a
série de disputas com os macuas que habitavam a zona continental, a cidade velha fora abando
encontrando-se agora Angoche edificada num outro local.

Este novo assentamento encontra-se a uma curta distância da praia, num ponto situado a orien
onde o terreno é arenoso. As casas são feitas de madeira e têm telhados de palha, mas são basta
confortáveis uma vez que se encontram divididas em compartimentos, isto apesar de, e ao cont
que costuma acontecer com as casas construídas pêlos mouros, não possuírem janelas viradas p
rua. As habitações pertencentes ao rei são grandes e distinguem-se das restantes não apenas po
maiores, mas também porque os materiais com que foram construídas são diferentes. Estão rod
por uma cerca, sendo que no jardim vamos encontrar muitas laranjeiras e limoeiros, palmeiras
enorme variedade de arbustos com os quais se fazem remédios destinados a curar os males de q
esta gente possa vir a sofrer. O rei tem um trono de onde se dirige ao povo. As suas roupas são
com sedas de diferentes tipos, todas elas ricamente ornamentadas, sendo que na cabeça usa um
espécie de coroa enfeitada com franjas douradas.
Na cidade havia ainda uma escola corânica, o que significava ser o árabe falado por quase toda
população. Quanto à casa real, e para além dos contactos que mantinha com a Ilha de Moçamb
estava bastante bem relacionada com Mombaça e Patê.
Moraes Pereira deixa bem claro manterem os Portugueses fortes vínculos com os assentamento
estrada costeira que, tendo Angoche como ponto de partida, cruzavam o Zambeze até chegar à
Moçambique. Sempre que o tráfego fluvial se via impedido de funcionar, esta estrada era usad
toda a espécie de mensageiros. É-nos agora bastante claro naufragarem os navios de forma freq
nestas paragens, dependendo os Portugueses da boa vontade dos chefes locais no que se referia
ajudar os náufragos e a recolher os despojos. Eram muitos os povos instalados ao longo desta r
falavam português, daí que os estrangeiros recebessem alguns pedidos de ajuda no que se trata
resolver disputas sucessórias ou quaisquer outras lutas internas. O juiz descobriu estar o chefe
ansioso por formalizar uma aliança com os Portugueses, ao mesmo tempo que
[...] gostaria de renovar o tratado firmado entre os seus antepassados e os habitantes de Moçam
de acordo com o qual um ou dois navios estavam autorizados a aí efectuar viagens anuais no in
transaccionar tecidos e marfim destinados ao tesouro real de Sua Majestade, bem como alimen
destinados a abastecer o forte. Para além disto, e na qualidade de bens destinados ao comércio
individual, encontrar-se-iam carregamentos de mel, âmbar e outros artigos. [...] A feitoria que
existiu em tempos deveria ser restaurada, e, desde que contasse com uma pequena guarnição, p
certo em muito favoreceria uma actividade comercial que sempre se traduziu em grandes vant
para o tesouro de Sua Majestade.
Sem qualquer sombra de dúvida que tanto Angoche como Moçambique constituíam os dois cen
poder político e económico que maior interesse despertavam nas aldeias macuas instaladas na c
Contudo, nenhum destes assentamentos se mostrava suficientemente forte ou se encontrava em
posição de dominar e impor uma determinada ordem política na região. Assim, a zona vivia
mergulhada numa espécie de equilíbrio precário no qual as pequenas chefias macuas faziam os
possíveis e os impossíveis para se impor umas às outras. Apesar de Mores Pereira se ter sentido
impressionado pela densidade populacional da planície costeira, não lhe escapou abrir a fragm
política característica da zona as portas ao aparecimento de uma série de unidades políticas ad
que constituía meio caminho para que os bandidos aí tratassem de estabelecer o seu poder. O
banditismo constitui um dos grandes temas da história de Moçambique, sendo que desde semp
chefes destes grupos armados se viram em melhores condições de ascender ao poder que os líde
muito fragmentadas comunidades matrilineais características da sociedade macua. O que a seg
transcreve é a descrição clássica que Moraes Pereira fez da ascensão de um chefe bandido. A su
remonta a um ano anterior a 1750, mas pode perfeitamente aplicar-se a um grupo de soldados
Renamo que por ali andasse nos anos de 1980.
A aldeia de Macambe encontra-se adois dias de viagem da de Matanda, tendo sido fundada em
território Matanda. Macambe fugiu para lá quando lhe foi ordenado que se rendesse a António
Cardim Froes [o governador de Moçambique]. À sua volta juntaram-se alguns cafres que havi
fugido de Moçambique. Durante vários anos, Macambe actuou como um vagabundo, mas, aos
foi recebendo nas suas fileiras outros cafres fugidos, fortificou-se nas terras por mim já mencio
depois do que aí construiu um assentamento que, a avaliar pelo que me foi dito, é muito forte e
praticamente inexpugnável. É a partir daqui que ele semeia o pânico nas aldeias vizinhas, levan
cabo toda a espécie de ataques e roubos. A sua audácia atingiu níveis tais, que, ao ouvir que o r
Angoche [...] o queria atacar, lançou um ataque surpresa à aldeia durante a noite, matou o rei
com ele, cerca de duzentos homens, mulheres e crianças. [...] Este acto insolente transformou-o
ser orgulhoso, temerário e profundamente receado pêlos povos vizinhos, que, embora não o tol
não se atrevem a lhe declarar guerra.
No entanto, e em termos gerais, tudo aponta para que, no século xvm, a influência portuguesa f
aqui suficientemente forte para impedir esta zona de representar todo e qualquer papel indepe
no campo do comércio internacional de escravos e também naquele relacionado com o marfim.
de existirem alguns registos isolados relativos a algumas viagens a Angoche efectuadas por nav
holandeses, esta velha cidade muçulmana, tão importante no comércio do ouro desenvolvido du
século XVI e posteriormente, no século XIX, um ponto vital no comércio dos escravos, nunca
participou de forma activa no tão rentável comércio do marfim. Este continuaria a afluir à Ilha
Moçambique de onde era suposto partir, e, até ao século xix, pouco ou nada se diz arespeito do
comércio clandestino de escravos nesta costa.

As ilhas Quirimba

As ilhas do Cabo Delgado, também conhecidas por Quirimba, estendem-se durante cerca de du
milhas a sul deste mesmo cabo. Trata-se de um arquipélago constituído por cerca de uma dúzia
ilhas de dimensões consideráveis e por um número incontável de pequenos ilhéus ou excrescênc
rochosas. As ilhas encontram-se perto da costa, a ela se encontrando ligadas de forma parcial p
série de barras arenosas, recifes de coral e mangais. Para que se possa navegar entre elas, mesm
embarcação pequena e de fundo chato necessita de contar com os serviços de um profissional q
possua profundos conhecimentos relativamente aos canais que as rodeiam. Apesar de não exist
em muitas destas ilhas, as de maiores dimensões, nomeadamente Quirimba, Ibo, Materno e Am
sempre foram habitadas.
Quando os Portugueses chegaram à zona oriental da costa africana, estas ilhas contavam com u
número razoável de habitantes muçulmanos, sendo ainda famosas devido às indústrias de tecid
instaladas. Os panos aí fabricados eram conhecidos enquanto "panos Maluane", tudo indica qu
derivando este nome do assentamento continental onde haviam começado por ser produzidos, e
durante os primeiros vinte anos da sua estada nestas paragens, os Portugueses conheceram o
arquipélago em causa enquanto "ilhas Maluane". Apesar de o nome continuar a ser usado em
mapas e relatórios elaborados durante o século XVII, a localização exacta de Maluane perman
mistério. Do Couto estava convencido de que se tratava de um rio existente na zona continenta
muito provavelmente na região da actual baía de Quipaco. Como resultado da invasão Zimba d
territórios situados mesmo em frente às ilhas, a comunidade muçulmana de Maluane refugiou-
ilha de Materno, aí se tendo continuado a fabricar "panos de Maluane" ao longo de todo o sécu
Tanto os fios de seda como os de algodão eram tecidos e tingidos com o anil cultivado na região
produtos têxteis eram considerados de grande valor nas redes comerciais de Sofala e da
Zambézia.4Qufloa, Zanzibar e Melinde, sendo bastante provável que, numa primeira fase, tenh
sido os grandes beneficiários da ocupação portuguesa de Sofala e Qufloa. Os mercadores muçu
que fugiam às lutas travadas entre as diferentes facções que combatiam entre si nas duas cidad
ocupadas pêlos europeus por certo levariam consigo tudo o que caracterizava a sua actividade
comercial. Uma vez tendo reconhecido terem-se as ilhas transformado em importantes centros
comércio independente conduzido pêlos muçulmanos, uma enorme expedição portuguesa ataco
Quirimba em 1522. A cidade construída na ilha viu-se em ruínas num abrir e fechar de olhos, a
embarcações ancoradas no porto foram reduzidas a cinzas, tendo os atacantes levado consigo u
saque considerável. O comandante registou ter um canhão sido encontrado na ilha. Apesar de n
existirem grandes dúvidas arespeito do principal objectivo dos Portugueses - ou seja, destruir t
qualquer rede mercantil que aí existisse a actuar de forma independente - estes começaram por
defender dizendo ter sido o ataque motivado pela recusa muçulmana em lhes vender cordas fei
fibra de coco, facto que sugere serem as ilhas um centro importante no que respeitava ao fabric
produto.
Durante o século xvi, alguns portugueses receberam terras pela parte da Coroa, depois do que
instalaram nas ilhas. Em 1590, apenas uma delas não possuía um senhor português a quem a
população local fosse obrigada a pagar tributo. Na ilha Quirimba encontramos uma plantação
fortificada e uma igreja dominicana que funcionava como centro missionário da área.46 Uma
descrição datada de 1609 fala-nos da existência de um assentamento fortificado em Ibo que, em
tudo leva a crer possuir algumas peças de artilharia, ao passo que ainda hoje é possível encontr
ruínas das grandes casas instaladas nas plantações situadas em Quisiva e Materno. Devido à fa
água, os Portugueses edificaram enormes cisternas destinadas a recolher a água das chuvas, fa
permitiu a criação nas ilhas de cabeças de gado, porcos e cabras. Para além de panos Maluane,
região produzia ainda âmbar branco e a sua variante negra e cinzenta, marfim, carapaças de
tartaruga e maná (uma espécie de raiz comestível que crescia em Amisa e Mafia, ou seja, nas re
mais a norte). A zona acabou também por se desenvolver enquanto fornecedora de alimentos
destinados à Ilha de Moçambique. Carne, sogro, feijão e produtos derivados das palmeiras, tud
era exportado. Quanto aos senhores das ilhas, também eles enviavam alimentos para a Ilha de
Moçambique enquanto forma de pagar as licenças de exploração da terra que lhes haviam sido
concedidas. Assim, o senhor de Materno, por exemplo, pagou trinta "fardos" de cereais, os qua
seguiram para o forte de Moçambique. É bastante provável que tenha sido o facto de a maior p
dos alimentos enviados para Moçambique serem originários deste arquipélago aquilo que levou
em 1609, o vice-rei, Lourenço de Távora, aí decidisse invernar na companhia da sua frota, ao in
seguir para a Ilha de Moçambique, o porto onde era costume as embarcações passarem o Inver
importância do comércio de alimentos destinados à ilha era de tal forma grande, que os senhor
Quirimba chegaram mesmo a reclamar o seu monopólio, facto que levou aque, em 1663, os mo
de Moçambique se vissem obrigados a obter uma ordem directa do capitão onde se confirmava
liberdade histórica de negociar com as ilhas.
Quando, em 1593, se criou a capitania de Mombaça, foi Cabo Delgado que formou a divisão en
nova capitania e aquela de Moçambique e Sofala. Assim, as Quirimba acabaram por se ver
abrangidas pela capitania de Moçambique, tendo o seu destino ficado unido àquele dos povos d
não aos do Norte. Quase nada se sabe a respeito das condições existentes na região continental
estendia frente às ilhas e ao que nelas se passava nos séculos xvi e xvn. Santos transforma-se qu
num poeta lírico quando descreve a agricultura e as riquezas naturais do Norte, zona onde este
estacionado durante pouco tempo exercendo as funções de padre numa igreja paroquial. As ilh
produziam sorgo e arroz, cocos e muitos outros frutos, bem como grandes quantidades de porc
cabras, patos e pombos, sendo
estes caçados de um modo quase copioso. Muita desta comida fora cultivada e criada pelas
comunidades instaladas na costa, sendo que o marfim só poderia vir do interior do continente
africano. Por tudo isto, somos forçados a concluir que o impacto do comércio português em Qu
por certo se fez também sentir no interior. Santos descreveu a população fixada na costa africa
os adjectivos "pintada" e "bárbara", mas diz ter ouvido falar de um grande reino situado no in
que dava pelo nome de Mongallo. Gaspar Reimão, ao escrever a respeito da sua estada nas ilha
1609, conta que os africanos que habitavam a região continental costumavam atacar as ilhas,
atravessando para isso os baixios quando a maré estava baixa, devendo então os assentamentos
fortificados.4''
No século xvm, todas as ilhas estavam ocupadas pêlos Portugueses na qualidade de prazos,
obedecendo estes a uma estrutura muito semelhante à que era praticada na Zambézia. Formav
uma comunidade isolada, sem quaisquer contactos regulares com a Ilha de Moçambique, mesm
o seu apoio, dependendo por isso de si mesmas enquanto unidades singulares. Nomeava-se um
geral, quase sempre um dos portugueses mais importantes do arquipélago, que, e em termos no
ficava à frente das forças locais, tendo acesso às reservas de armas de fogo fornecidas pelo gove
Porém, na prática, cada ilha funcionava como uma pequena república, dependendo a sua defes
escravos domésticos e a sua riqueza do comércio com o continente. As ilhas eram dominadas po
poderosas famílias afro-portuguesas: os Meneses e os Moraes. A primeira remontava à época d
inúmeras actividades lucrativas levadas a cabo pelo frade dominicano João de Meneses, que co
Quirimba logo no início do século e que ali se estabelecera como padre encarregado de uma pa
como senhor. João de Meneses possuía um exército privado de escravos, o que lhe permitiu des
com sucesso as ordens do vice-rei e dos seus superiores dominicanos, que tentaram fazê-lo com
perante um tribunal. Tudo indica ter ele desenvolvido o comércio de escravos com os Francese
visitaram as ilhas na década de quarenta precisamente em busca desta "mercadoria". Em 1744
família Moraes controlava já quatro das ilhas que constituíam o arquipélago, mas era no extre
do mesmo, em Quisi vá, que se encontrava o seu principal assentamento, funcionando este com
espécie de base comercial no que se referia às trocas com o porto de Arimba, situado no contine
Segunda metade do século, os Moraes transformaram-se nos "fazedores de reis" entre os macu
fixados na orla costeira continental, e, em 1790, dizia-se "existirem chefes que só ocupam este o
aquele trono porque um Moraes aí os colocou".
Em meados do século xvm, o comércio entre Quirimba e Moçambique continuava a depender d
monções, sendo levado cabo em embarcações ao estilo árabe, "as quais os negros usavam antes
termos descoberto". Estas embarcações transportavam escravos, marfim, arroz, milho, maná,
carapaças de tartaruga e caurim. As quarenta barras de marfim enviadas para Moçambique e
constituíram uma parte relativamente pequena do total das seiscentas ou setecentas barras exp
a partir da ilha, mas o negócio dos escravos constituía algocompletamentediferente. Em meado
século, as ilhas Quirimba começaram a emergir da obscuridade em que haviam estado mergulh
O labirinto de característicos canais, enseadas e pequenos portos protegidos revelou-se ideal pa
actividade clandestina, e o comércio ilegal de escravos estimulou a vida comercial da região da
forma que o comércio ilegal do ouro o fizera durante o século XVI. Navios árabes provenientes
Zanzibar e Qufloa rumavam para sul no intuito de vender provisões e de comprar os escravos
disponíveis nas ilhas. Em 1762, consta que o número de embarcações árabes ancoradas em Qui
rondava as set. Enquanto isso, receava-se em Moçambique que este negócio, próspero, é certo,
ilegal, não fosse só uma forma de escapar ao pagamento de impostos alfandegários, mas que ac
por cair nas mãos dos Árabes ou dos Franceses. Em 1765, e depois de uma disputa com o gover
as famílias afro-portuguesas de Amisa, no extremo norte do arquipélago, tentaram colocar-se s
protecção dos sultões de Quíloa.
Depois de o governo de Moçambique se ter separado de uma vez por todas de Goa, em 1752, o
governador-geral deu início à construção de um forte em Ibo, forte este que, em 1763, foi eleva
categoria de município. Os trabalhos de construção da fortaleza foram conduzidos na década d
setenta, depoi s do que se criou o distrito de Cabo Delgado, tendo para aí sido enviado um gove
Uma vez construídos os armazéns e a igreja, a ilha viu-se dotada de uma casa aduaneira em 17
Posteriormente, em 1791, António de Melo e Castro tratou de dar início aos trabalhos de const
de um novo forte. Tratava-se de um edifício muito bonito, em forma de estrela, que se elevava n
margens barrentas que conduziam as embarcações até ao porto de Ibo por um estreito canal
de recifes." O comércio de escravos fez com que Ibo conhecesse uma grande prosperidade. Edi
um sem-número de ruas repletas de casas, e, em torno da praça, ergueram-se belíssimos edifíci
públicos. No início do século XIX, apenas Moçambique ultrapassava Ibo enquanto centro onde
comércio se caracterizava precisamente pela prosperidade.
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made up of press clippings». Umberto Eco, ‘Hackers, vengeurs et espions en
diligence’ La Libération, 2 December 2010, available here, or here in English
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voix: entretiens 1962-1990 (Seuil, 1999).

The purpose of the Mozambique History Net (MHN) website is


to make available selected newspaper clippings and some other
resources dealing with contemporary Mozambican history and
presented in a thematically organised form. A high proportion of this
material is in Portuguese. «Contemporary Mozambican history» is
arbitrarily defined as the period from the beginning of a Luta de
Libertação Nacional [the National Liberation Struggle, as the
Mozambicans call it] or a Guerra Colonial [the Colonial War, as the
Portuguese prefer] in Mozambique in the early 1960s to the advent
of political pluralism in 1994. This obviously includes the conflict
between the Mozambican government and Renamo from the late
1970s until October 1992, as well as the entire period of the
presidency of the late Samora Machel.
The materials are organised by subject, each with its own page on
this website, where each document is briefly referenced, with a link
to a viewable or down-loadable PDF or JPEG file. Click on the menu
on the left to go to the page that interests you.
Above: the covers of the three-volume general history of Mozambique produced by
the Departamento de História at the Universidade Educardo Mondlane. The first
volume appeared in 1993; a subsequent second edition was published in 1999-2000.
The planned fourth volume on the armed struggle never appeared.

A word of caution. Reading newspaper clippings is not the same as


reading the identical text in the newspaper itself, for reasons that the
French scholar Roger Chartier has delineated in his article
«Languages, books and reading from the printed word to the digital
text», published in Critical Inquiry in Autumn 2004 [available here,
subscription required]. A fundamental difference, he argues,
exists between readings of the ‘same’ text when it is moved from a printed medium
to an electronic form. The case of newspapers is particularly enlightening. In the
printed newspaper, the meaning the reader gives to each article depends on the
presence, on the same page or in the same issue, of other articles or other elements
(photographs, cartoons, advertisements, and so on). The reader constructs the
meaning of the article by relating it, even unconsciously, to what precedes it,
accompanies it, or follows it, and from his or her perception of the editorial intent
and of the intellectual or political design that governs publication. In an electronic
form, a reading of the ‘same’ article is organized out of the logical architecture that
structures the domains, the themes, the headings, and the keywords. Such a reading
proceeds … from an encyclopedic organization of knowledge that proposes texts to
the reader that have no other context than that attributed by their belonging to a
certain theme. This difference must be pointed out at a time when, in all the
libraries of the world, people are discussing the need to create digital collections, in
particular of newspapers and journals. Digitization projects that will enable long-
distance communication are absolutely essential. But they must never lead to the
abandonment or, worse, the destruction of printed works in their original form.

Clearly, this website proposes implicitly but nevertheless in a very


precise way that the significance of the texts that are presented is
exactly that they belong to a ‘certain theme’. Nevertheless, we’re also
acutely aware that the ‘reading’ [leitura] presented on this website is
not the only coherent – or even the most plausible – reading that is
possible. Chartier’s warning should be heeded.
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been an ISO open standard since July 2008, and other readers are
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Microsoft platforms such as Linux, Apple, and others.
Above: The covers of (from the left) the two volumes of the Portuguese translation
of René Pélissier’s general history (Lisbon: Estampa, 1987); Malyn Newitt’s general
history in English (London: Hurst, 1995); and the Zimbabwean edition of the
general history of twentieth-century Mozambique by Allen and Barbara Isaacman
(Harare: Zimbabwe Publishing House, 1985).

The Ongoing Development of MHN. There are presently about


400 physical dossiers – subject files containing press clippings
mainly from Mozambican and southern African sources – which can
potentially and eventually be added to the MHN website. These
include such broad topics as the economy, divided into sub-
categories (agriculture, energy, finance, labour, trade, and so on);
education; the environment; governance (the Assembleia Popular,
elections, local government); international relations (with South
Africa, Portugal, the Soviet Union, the United States); politics
(including Frelimo and Renamo); and social studies (including
health, housing, migration, gender issues and so on). This is not an
exhaustive list. If you do not see a topic that is of interest to you
listed on the menu, please either contact MHN by e-mail, or use the
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Colin Darch
Cape Town
Friday 24 December 2010
O NASCIMENTO DE UMA IMAGEM Mueda, Memória e Massacre, de Ruy
Guerra (1979)

O filme Mueda, Memória e Massacre (1979), de


Ruy Guerra, definido oficialmente como a primeira longa-metragem de ficção moçambicana, poderia ser
considerado, numa primeira leitura, como uma reconstituição cinematográfica 1 do Massacre de
Mueda2, um dos últimos episódios de resistência contra o colonialismo português antes do início da
Guerra Colonial em Moçambique (1964). Nesse sentido, o filme de Ruy Guerra, produzido pelo INC, o
Instituto Nacional de Cinema moçambicano, não só comemoraria o principal e mais directo antecedente
simbólico da Guerra Colonial em Moçambique, como também – e sobretudo – fundaria e inscreveria
historicamente, na ausência de imagens de arquivo, a memória cinematográfica do acontecimento.
Parafraseando Jean-Luc Godard3, ao evocar a sua passagem por Moçambique, e citando, por outro lado, o
título do filme de David Griffith, o nascimento político do país coincidiria aqui com o nascimento da sua
imagem cinematográfica.
Neste artigo, gostaria de analisar a forma como nesta ficção de memória, para recuperar uma noção de
Jacques Rancière4, a articulação visual da relação entre a História e a memória se funda,
simultaneamente, sobre um processo de reconstituição ou de re-efectuação, termo que possui uma
dimensão pragmática mais ampla, do Masssacre de Mueda, bem como sobre um princípio de
ficcionalização da memória. Uma complexa articulação entre a história, o presente enunciativo, a
memória e a sua mise en scène caracteriza o filme, articulação que instabiliza as categorias operatórias
de documentário e de ficção, apontando, ao mesmo tempo, para uma política da representação que seria
indissociável da emergência de novos modelos de sensibilidade e da afirmação do cinema enquanto forma
de pensamento da História.
Nas primeiras linhas deste artigo, recorri à noção de “reconstituição” para descrever, de uma forma muito
geral, a representação cinematográfica do Massacre de Mueda no filme de Ruy Guerra. Todavia, a
complexa concepção intertextual da narrativa histórica que atravessa e dá forma à organização diegética
de Mueda… faz desta noção uma ferramenta metodológica limitativa para abordar o filme. Entender
Mueda… como uma simples reconstituição histórica do Massacre de Mueda seria insuficiente, na medida
em que os meandros políticos anteriores e ulteriores – bem como o próprio massacre – são representados
de duas formas diferentes no filme. Em primeiro lugar, através do registo fílmico da dramatização do
acontecimento que, a partir de Junho de 1976 e durante cerca de duas décadas, ocorria anualmente na
praça de Mueda, frente ao antigo edifício da administração colonial e dentro dele, no próprio lugar onde
se desenrolaram os acontecimentos, uma representação teatral popular, colectiva e carnavalesca, baseada
na peça homónima de Calisto dos Lagos - que é também o guionista e o director dramático do filme -, na
qual o povo de Mueda encarnava simultaneamente os funcionários e militares da administração colonial
portuguesa e os manifestantes. Em segundo lugar, as imagens da reconstituição dramática do
acontecimento, autónoma do filme, são entrecortadas por entrevistas indirectas a sobreviventes do
Massacre. Por fim, estes dois planos narrativos são imbricados numa representação do novo país em
construção, processo de que o próprio filme – e a sua natureza auto-reflexiva – são sintomáticos. A
organização fílmica das temporalidades e dos discursos em conflito inscreve o objecto cinematográfico no
programa político do novo país. Ao mesmo tempo, ao fundar a memória oficial do acontecimento sobre a
sua memória colectiva, directa e popular, o filme – e o seu sistema enunciativo polifónico - aponta para
uma reinvenção das possibilidades expressivas que estaria ligada à instituição do novo sistema político.

Em Mueda…, encontramos dois regimes de expressão em conflito – o documentário e a ficção -, dois


sistemas complementares de organização do perceptível e de determinação do representável. Guerra e a
sua equipa filmam a reconstituição em curso de um acontecimento histórico, uma dramatização popular
que é independente do filme, empregando, não obstante a problemática definição do objecto fílmico como
uma longa-metragem de ficção, estratégias e modalidades narrativas, formais e estéticas próprias do
cinema documental. Não querendo conceder excessiva importância a taxinomias de género – relevantes,
não obstante, a um nível arqueológico -, parece-me altamente significativo que um filme como Mueda…
tenha sido oficialmente classificado como uma longa-metragem de ficção. No próprio cartaz original
de Mueda..., o filme é definido como a primeira longa-metragem de ficção da República Popular de
Moçambique. O desejo de fundação político-estética das formas cinematográficas do novo país parece,
pois, ser evidente. Ao mesmo tempo, enquanto formação discursiva, a longa-metragem de Guerra parece
querer afirmar que o projecto político revolucionário da Frelimo passaria também pela redefinição das
formas estéticas e sensíveis, universalizadas naquele momento histórico. A representação cinematográfica
do povo moçambicano serve este princípio: por um lado, o processo de alfabetização, o trabalho nas
machambas5 comunais e na construção de novas infra-estrutruras; por outro lado, o povo-artífice de um
filme colectivo, baseado na memória do Massacre de Mueda, bem como nas formas populares de
expressão cultural.

Mas este princípio é ambivalente: a representação da vida quotidiana em Moçambique é inseparável de


um processo de fixação da memória histórica, de produção e de inscrição da História. A representação
cinematográfica do Massacre de Mueda, enquanto acontecimento fundador da história da descolonização
moçambicana e da história da Frelimo6, é indissociável de um gesto de mitificação e de um movimento
de deslocação espacial e temporal, isto é, de transferência da natureza mítica do passado
cinematograficamente representado para o presente do país em construção - um presente vivo, mas,
todavia, já histórico - e de inversão dessa carga simbólica nas novas imagens. Em Mémoire et histoire :
l’écriture de l’histoire et la représentation du passé7, Paul Ricoeur afirma que o problema da
representação do passado se encontra primariamente estabelecido no plano da memória individual, onde
recebe uma solução limitada e precária que não pode ser transferida para o plano discursivo histórico. A
questão da representação não começa, por conseguinte, com a história, mas sim com a memória e os seus
processos de recomposição e de ficcionalização do passado. No filme de Guerra, são precisamente os
testemunhos - as entrevistas não-dirigidas a sobreviventes do massacre - que vêm legitimar o processo de
transformação da memória em História. Se a constituição do discurso histórico é determinada, em vários
sentidos, pela síntese ou pela elisão de enunciados contraditórios, em Mueda…, imagens invisíveis,
imagens que não vemos – as imagens mnemónicas dos sobreviventes, esse fora de campo histórico -, são
convocadas (e, em certo sentido, extrapoladas e traduzidas) pelo discurso fílmico. Na sua representação
expandida, o filme mostra-nos mais do que aquilo que nele podemos ver. Mas também nos mostra menos.
Nunca vemos o narrador do filme. É certo que, por um lado, temos o narrador da representação teatral e,
por outro, a obra dramática de Calisto dos Lagos. Mas há também, no início do filme, um intertítulo onde
as declarações de uma testemunha ocular anónima do massacre são citadas: “Mataram cerca de 600
pessoas, esse 16 de Junho de 1960.” O intertítulo aponta, por conseguinte, para uma dificuldade da
imagem-movimento - e do seu efeito de presença - em representar por si só um passado não consensual.
Se o sistema enunciativo de Mueda… rejeita um olhar retrospectivo ou comemorativo sobre o passado, o
texto não-subjectivado que antecipa a imagem e condiciona a sua leitura inscreve, não obstante, esse olhar
no filme.
Todavia, as diversas camadas de representação de Mueda…, a complexa estrutura diegética do filme, o
constante movimento, a circulação e os momentos de suspensão entre os diferentes níveis narrativos
sugerem uma intrincada noção intertextual que estaria na base da construção da narrativa histórica.
Esta fiction de mémoire parece propor um novo sistema de representação do visível, libertado do peso
ideológico da imagem colonial. Não se trata apenas de fixar a memória do massacre, mas também de criá-
la. Para dizê-lo de outra forma, ao produzir um arquivo singular do massacre, imagens diferidas do
acontecimento histórico, Guerra cria também as formas da sua definitiva visibilidade, arquivos para a
história futura de Moçambique. Arquivos atravessados pelo conflito entre diferentes temporalidades, mas
também pela disrupção das linhas de separação entre a realidade, o documentário e a ficção. Se a noção
de arquivo é indissociável de um conjunto de metodologias de organização do visível e se os próprios
conceitos de objectividade e de verdade histórica, também eles dependentes de métodos e de condições de
visibilidade descontínuos, são flutuantes e instáveis, será legítimo considerar hoje as imagens do filme de
Ruy Guerra como arquivos (diferidos) do Massacre de Mueda?

Por um lado, as descrições históricas do massacre foram reorganizadas e modificadas inúmeras vezes,
acompanhando as oscilações do poder político, nomeadamente antes e após a independência de
Moçambique. A multiplicidade de pontos de vista sobre o acontecimento aponta para a sua natureza
altamente simbólica e para a sua relevância política e ideológica. Por outro lado, torna-se imprescindível
analisar o contexto histórico de produção do filme de Ruy Guerra.

Um dos primeiros actos culturais da Frelimo foi a fundação do INC, o Instituto Nacional de Cinema, em
1976. Já durante a Guerra Colonial, um importante número de filmes sobre a luta pela independência fora
produzido, tais como, por exemplo, Venceremos! (1966), de Dragutin Propovich; Behind the Lines
(1971), de Margaret Dickinson; A Luta Continua (1972), de Robert Van Lierop, ou Étudier, produire,
combattre (1973), realizado pelo Grupo Cinéthique.

Num país com 90 por cento de analfabetismo e de uma grande diversidade linguística, o cinema seria
rapidamente concebido como um instrumento de descentralização da história oficial colonial, bem como
uma instância de legitimação não só do Estado socialista em construção, mas também da identidade
moçambicana, fundando a ideia de nação unitária e congregando os diversos grupos étnicos. Com este
propósito, técnicos cinematográficos e realizadores de todo o mundo foram chamados a Moçambique,
incluindo Jean Rouch, que orientou um workshop de Super 8mm na Universidade de Maputo em 1978, e
Jean-Luc Godard, que assinou um contrato de dois anos para implementar a produção em vídeo no país,
bem como para idealizar a televisão nacional. Entre 1976 e 1991, o INC produziu treze longas-metragens,
119 curtas-metragens e 395 reportagens televisivas baptizadas com o nome de Kuxa
Kanema (“Nascimento do Cinema”), título do documentário de Margarida Cardoso sobre o INC (2004).
É neste contexto que Ruy Guerra, cineasta luso-brasileiro nascido em Moçambique, regressa ao seu país
natal, convidado pelo INC. Em 1976, Guerra, um dos mais importantes autores do Cinema Novo,
realizara já algumas das suas obras mais remarcáveis, como Os Cafajestes, filme de 1962, ou Os Fuzis,
de 1964.
A escolha do Massacre do Mueda como temática do primeiro filme de ficção do novo país é significativa
neste contexto. Mas, a que se deve a insistência retórica na ficção – por oposição ao documentário – como
o sistema de expressão que estabilizaria oficialmente a memória cinematográfica de um dos mais
importantes acontecimentos simbólicos da história da descolonização moçambicana?
Em Mueda…, encontramos não só uma dupla temporalidade que conecta os acontecimentos encenados
do massacre de 1960 com o processo de construção do novo país em 1976-79, uma anulação da distância
temporal, uma reconfiguração efectiva do tempo, mas também um trabalho subterrâneo da memória 8 em
articulação com a inscrição do evento na história moçambicana e com o apelo a uma nova política da
representação. No entanto, Mueda… é apresentado como o primeiro filme de ficção da República
Popular de Moçambique. Um filme de ficção sem encenação directa, uma vez que os acontecimentos
filmados – a dramatização teatral autónoma – são independentes do filme, embora a a autonomia das
sequências filmadas no interior do antigo edifício da administração colonial possa ser questionada. Parece
verificar-se como que um processo retroactivo de temporalização e de legitimação: os depoimentos dos
sobreviventes do massacre, filmados entre 1976 e 1979, re-temporalizam, como uma espécie de
suplemento mnemónico, as sequências encenadas do massacre, enquanto estas, na sua dupla
temporalidade, são inscritas na história de Moçambique, adquirindo, num certo sentido, o estatuto de
imagens de arquivo do Massacre de Mueda. Arquivos diferidos, enformados por uma complexa
articulação entre a história, o presente, a memória e a sua organização cinematográfica.
O trabalho da ficção repousa, precisamente, na organização das diferentes camadas narrativas no processo
de montagem. Muito embora o filme siga a estrutura original da obra de teatro, foram articuladas
sequências de várias representações do massacre no processo de montagem. A estrutura narrativa que
emerge da montagem, as temporalidades desfasadas e a articulação de sistemas de expressão
heterogéneos, cria, dessa forma, uma nova memória do massacre. Reconstituindo a reconstituição do
massacre, articulando-a com as outras duas linhas diegéticas – os testemunhos e a representação de
Moçambique nos primeiros anos de independência -, reorganizando a sua temporalidade e a sua
cronologia, o filme de Ruy Guerra cria as formas definitivas de visibilidade do Massacre de Mueda,
estabelecendo, ao mesmo tempo, as condições formais e expressivas para o nascimento do cinema
nacional. A fundação da história do novo país seria assim concomitante da criação das suas formas
cinematográficas. De um cinema que não se distinguiria somente da representação cinematográfica
colonial de Moçambique, mas que se demarcaria também quer do cinema do Primeiro Mundo, quer do
Realismo Socialista, aproximando-se do Terceiro Cinema. De Chaimite, A Queda do Império
Vátua (1953), de Jorge Brum do Canto, filme épico sobre a campanha militar de Mouzinho de
Albuquerque em Moçambique, aos filmes antropológicos, o cinema colonial português tende, com raras
excepções, a expandir o mito da missão civilizadora. A fundação do INC e os primeiros projectos do
Instituto devem ser lidos neste contexto, à luz de uma vontade de ruptura da imagem colonial do País, do
seu pré-cinema, herdando, no entanto, algumas das suas formas e aspirações, como talvez a do grande
filme épico de ficção, a epopeia que unificaria a história e a memória.
Numa entrevista à revista moçambicana Tempo, em 1980, Guerra afirma ter procurado obter, através do
filme, um julgamento de ordem estética e um julgamento de ordem política que são inseparáveis um do
outro9. Noutra entrevista à mesma revista, o realizador descreve Mueda… como uma tentativa de
realização de um cinema imperfeito a partir de um teatro imperfeito 10, citando, dessa forma, o ensaio Por
un cine imperfecto, do cineasta cubano Julio Garcia Espinosa, um dos manifestos do Terceiro Cinema
(1969). Nele, Garcia Espinosa defende uma nova poética que aboliria as fronteiras entre a política e a
estética, universalizando a experiência e a criação artísticas. Passo a citar:

… só a revolução e o processo revolucionário podem tornar possível a presença total e livre das massas.
Porque esta presença das massas será a desaparição definitiva da estreita divisão do trabalho, da
sociedade dividida em classes e sectores. Por isso, a revolução é para nós a expressão mais alta da cultura
– porque fará desaparecer a cultura artística como cultura fragmentária do homem. 11

Esta concepção reclama a reorganização e a universalização da experiência estética, bem como a


redefinição da relação entre o sujeito estético e o seu objecto, em suma, uma nova política da
representação. No caso moçambicano, devido às especificidade nacionais, a luta em prol da nova política
da representação seria indissociável da edificação da ideia de nação através do cinema. Com este
objectivo, unidades de cinema móvel foram criadas pelo INC, produzindo-se reportagens que eram
projectadas em todo o país. A construção de um cinema nacional num estado marxista, em contradição
com o seu internacionalismo teórico, serve, neste contexto, os princípios de unidade e de identidade
moçambicanas. Num segundo momento, equipamento videográfico seria entregue ao povo, que
produziria, assim, os seus próprios filmes, abolindo-se, por conseguinte, as fronteiras entre o sujeito e o
objecto de representação. O projecto, no qual Jean-Luc Godard esteve envolvido, fracassou, mas alguns
dos seus princípios, como a polifonia da palavra e a sua circulação colectiva, prevalecem em Mueda….
No filme de Guerra, a narrativa histórica é construída através da articulação entre a memória colectiva e a
expressão cultural popular, que decorre primariamente de um processo de ficcionalização da memória. A
definição oficial do filme como uma longa-metragem de ficção serve – é certo – os princípios ideológicos
do jovem país, nomeadamente, a mitificação do processo de descolonização. Essa classificação pode
ainda expressar uma recusa do ponto de vista histórico adoptado pelo filme por parte das instâncias
oficiais da Frelimo. Mas poderá também afirmar uma concepção da ficção, na sua articulação com a
política, evocando de novo Jacques Rancière, como um sistema de representação auto-reflexivo, isto é,
que se mostra e revela enquanto representação da realidade e onde residiria precisamente a sua
força política.

Se abandonarmos o eixo documentário – ficção, será legítimo considerar as imagens de Mueda… como
arquivos do acontecimento histórico? Possuem elas o mesmo valor ontológico que as inexistentes
imagens de arquivo do massacre? Obviamente, não. Mas, a jeito de conclusão, direi que as tomas do filme
são “arquivos diferidos”, planos deslocados e destemporalizados, imagens dialécticas atravessadas por
múltiplas temporalidades em conflito, por um passado e um presente que, conjugados, tornam a história
presente. A história do massacre, mas também a história do projecto político moçambicano. O filme
mostra-nos imagens permeadas por dispositivos de poder, onde reaparecem, sobrepostos ao presente
enunciativo, elementos vívidos do passado. Rastrear o traço não é tornar os acontecimentos passados aos
quais este conduz contemporâneos do seu próprio traço? 12, perguntava-se Paul Ricoeur em Temps et récit
- III, Le temps racconté.
Ao escavar o espaço e o tempo materiais destas imagens, as suas descontinuidades, surgem contradições
fundamentais e postulados incompatíveis. Linhas de fractura. Da fundação cinematográfica mítica de
Moçambique, primeira longa-metragem de ficção da República Popular, ao espaço institucional dos
arquivos, filme fora de circulação durante um longo período de tempo, raramente visto, raramente
mostrado, descartado, tal como o projecto político da Frelimo. Imagens que são arquivos diferidos porque
não pretendem ser (nem estar em vez de) as imagens do passado, mas que constituem, pelo contrário, uma
força disruptiva que liga transversalmente o passado de 1960 ao presente enunciativo de 1979 e aos dias
de hoje, marcando a passagem do tempo sobre o discurso da história, a utopia e o trabalho da memória.

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 1.Invoca-se, neste ponto, a noção de “reenactment”, tão em voga na teoria anglo-saxónica.


 2.No dia 16 de Junho de 1960, a administração portuguesa de Mueda reprimiu violentamente uma manifestação pacífica em
prol da melhoria das condições de vida e de trabalho. As circunstâncias do Massacre permanecem ainda hoje ambíguas,
particularmente no que respeita ao número de vítimas - 14, segundo o relatório oficial português; mais de 600, de acordo com
a Frelimo. O Massacre de Mueda contribuiu consideravelmente para a politização do povo Maconde, influenciando, dessa
forma, o desenvolvimento da campanha militar da Frelimo no Norte de Moçambique, sobretudo durante a primeira fase da
Guerra Colonial.
 3.Godard, Jean-Luc, «Nord contre Sud ou Naissance (de l’Image) d’une Nation 5 films émissions de TV», Cahiers du
Cinéma, nº 300, 1979, pp. 69-129.
 4.Rancière, Jacques, «La fiction de mémoire. À propos du “Tombeau d’Alexandre” de Chris Marker», Trafic, Primavera de
1999, pp. 36-47.
 5.Campos de cultivo agrícola
 6.A manifestação do dia 16 de Junho de 1960 foi organizada pela Manu, a União Africana de Moçambique, um dos três
grupos políticos que daria origem ao partido de Eduardo Mondlane e de Samora Machel, fundado em Dar es Salaam
em 1962.
 7.Ricoeur, Paul, «Histoire et mémoire: l’écriture de l’histoire et la représentation du passé», Annales. Histoire, Sciences
Sociales, nº 55, Julho de 2000, pp. 731-747.
 8.Recordemos que entre os actores do filme se encontravam sobreviventes do massacre, nomeadamente, Faustino Vanomba,
um dos líderes da Manu.
 9.Guerra, Ruy, «Mueda é o respeito pela realidade histórica. Ruy Guerra em entrevista à revista “Tempo”», entrevista de Ruy
Guerra a Sol de Carvalho, Tempo, nº 512, Agosto de 1980, pp. 49-53.
 10.In Gray, Ros, An Archive of Aspirations, http://www.atelier-real.org/res/ForadeCampo/an_archive_of_aspirations.pd...,
última consulta a 28 de Maio de 2011.
 11.Garcia Espinosa, Julio, Por un cine imperfecto, 1969,
in http://www.cinelatinoamericano.org/biblioteca/fondo.aspx?cod=2333, última consulta a 28 de Maio de 2011(tradução
da autora).
 12.Ricoeur, Paul, Temps et récit - III, Le temps racconté, Paris, Seuil, 1985 (tradução da autora).
por Raquel Schefer
Afroscreen | 2 Julho 2011 | cinema moçambicano, memória e massacre, mueda, ruy guerra

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