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1- Apresentação
Neste texto pretendemos resgatar elementos do debate sobre a periodização dos modos de
produção no campo do marxismo. Inicialmente, discorreremos sucintamente sobre a
problemática exposta por Marx, tendo como eixo principal seu texto dos Grundrisse
“Formações Econômicas Pré-Capitalistas” (FORMEN), texto este que permaneceu virtualmente
desconhecido até 1952 e que teve sua primeira tradução para o inglês em 1964 quando foi
publicado conjuntamente com a famosa introdução de Eric Hobsbawm. A seguir, teceremos
algumas reflexões sobre a tortuosa discussão teórica sobre a temática da periodização que
atravessou o marxismo no século XX. Buscaremos enfatizar um aspecto que julgamos central
neste debate: A necessidade (ou não) do desenvolvimento acentuado das forças produtivas e da
consolidação de relações de produção plenamente capitalistas para a transição ao socialismo.
Diante da amplitude de obras sobre o tema e também em função dos limites de uma
breve contribuição, optamos por circunscrever nossas observações em alguns momentos
específicos do debate. Mencionaremos em especial algumas discussões em torno do “modo de
produção asiático” que aparecem no seio da Terceira Internacional nos anos 20/30, anteriores à
difusão das FORMEN; mas que também são retomadas na posterior contribuição de autores
como Hobsbawm, Sofri e Mandel, estas últimas já informadas pela publicação do texto de
Marx. Acreditamos que com tal recorte é possível jogar luz sobre a problemática supracitada.
Por fim, em nossas considerações finais, sugeriremos caminhos de reflexão que
julgamos importantes para o debate atual sobre a periodização dentro do pensamento marxista.
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“Ser membro da comunidade continua sendo condição prévia para a apropriação da terra mas, na qualidade de
membro da comunidade, o indivíduo é um proprietário privado” MARX (1975, p.70). Ou então, “O proprietário da terra é
simultaneamente um cidadão urbano. Economicamente, a cidadania pode expressar simplesmente uma forma na qual
os agricultores vivem na cidade.” MARX (1975, p.76)
2
Na descrição dos modos de produção pré-capitalistas, parece nítido que Marx separa dois momentos distintos.
Primeiramente ele descreve como a relação do homem com seu “laboratório natural” deu a origem a diferentes
estruturas em virtude de circunstancias concretas distintas. A seguir, ele aponta como a dinâmica dos modos de
produção tende (ou não tende no caso do modo asiático) a transformar as condições pré-existentes. Assim, o modo de
produção antigo não é sinônimo de escravidão, assim como a servidão feudal não é idêntica ao modo de produção
germânico. Ou seja, escravidão e servidão seriam desenvolvimentos lógicos da situação original tribal que refletiriam
uma maior diferenciação social e aonde o escravo e o servo, assim como o solo, instrumentos, etc. aparecem como
condições objetivas da produção para aqueles que lograram obter seu trabalho compulsório via guerras, dívidas, etc.
(MARX 1975 p.84-85).
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“A história antiga clássica é a história das cidades, porém de cidades baseadas na propriedade da terra e na
agricultura; a história asiática é uma espécie de unidade indiferente entre cidade e campo (…); a Idade Média (período
germânico) começa com o campo como cenário da história, cujo ulterior desenvolvimento ocorre, então, através da
oposição entre cidade e campo; a história moderna consiste na urbanização do campo e não, como os antigos, na
ruralização da cidade.” (MARX, 1975, p.74).
4
Para Marx, como já frisamos, no modo asiático a manufatura é realizada dentro da propriedade comunal em conjunto
com a atividade agrícola. No modo antigo, Marx ressalta o caráter secundário da atividade manufatureira em relação á
centralidade do uso da terra. Isso teria a ver com o fato da atividade manufatureira ser realizada nesta formação social
por libertos, clientes e escravos. O modo germânico com sua maior individualização haveria de permitir o
desenvolvimento da produção individualizada artesanal.
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“O processo histórico não é resultado do capital, mas seu pré-requisito” (MARX, 1975, p.102)
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“Na forma asiática, em que a apropriação é comunitária, o indivíduo é mero acidente da substância social; na forma
antiga, equilibram-se o indivíduo e a comunidade e na germánica, aquele predomina sobre esta” (QUARTIM DE
MORAES, 1995, p.109)
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“Dentre as formações históricas pré-capitalistas a que mereceu maior atenção, mais ainda que o `feudalismo´
encarado abstratamente, foi a sociedade medieval, que precede imediatamente o capital e o vê nascer em seu seio.
Tal atenção histórica, porém, mais do que compreensível, jamais dá lugar a deduções de caráter geral sobre a
sucessão das formações econômicas. Por exemplo, não há passagem alguma da qual se deduza que Marx
considerasse a sociedade feudal como uma das condições de gerar o capitalismo. Ao contrário, Marx revela aqui,
também, uma grande cautela diante deste tipo de generalizações e um profundo sentido da complexidade dos
fenômenos históricos” (SOFRI, 1977, p 49) Em outra passagem “É difícil estabelecer (em Marx) razões estruturais
segundo as quais a separação entre o trabalhador e os meios de produção, condição primeira do capitalismo, não
possa ocorrer em outro lugar (que não na Europa feudal).” (SOFRI, 1977, p. 47)
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O único dos participantes desses debates que pode ser considerado como seguidor de seus passos é P. M
Sweezy que afirma (como Marx) ser o feudalismo um sistema de produção para uso, e que, em tais
formações econômicas, “nenhuma sede ilimitada de trabalho excedente se origina da própria natureza da
produção.” (CAPITAL I, 219, cap. X, seção 2). Portanto, o principal agente de desintegração deve ser
visto no crescimento do comércio. (HOBSBAWM, 1975, p.46)
De fato podemos encontrar nas FORMEN passagens que, isoladamente, embasem a idéia
acima. Em certa passagem Marx afirma taxativamente que “é muito raro artesãos se tornarem
capitalistas” (MARX, 1975, p.102), da mesma maneira que Sweezy o faz na polêmica com
Dobb8. Nesta linha de raciocínio, são majoritariamente os comerciantes – em princípio externos
à produção - que se tornam capitalistas.
Noutra passagem Marx afirma que o capital “vem da riqueza comercial e monetária”
(MARX, 1975, p.101) muito mais do que das fazendas ou das corporações. Tal passagem,
isolada em si mesma, pode dar a idéia de que Sweezy como propõe Hobsbawm era o autor mais
próximo do ponto de vista de Marx nas FORMEN.
Todavia, um exame mais atento nos obriga a balizar a discussão. O próprio Hobsbawm
explica em sua Introdução que muitas das fontes de pesquisa atuais eram inexistentes para
Marx. Além disso, como também nos ensinou o historiador inglês, Marx, diferentemente de
Engels, não estudou com afinco a dinâmica agrária do feudalismo.
É muito provável então que fosse inacessível para Marx a base de conhecimentos que
embasou o debate sobre a transição a partir dos anos 50 e que permitiu, por exemplo, Maurice
Dobb9 e Robert Brenner10 formularem explicações sobre a transição mais baseadas na análise da
dinâmica interna do feudalismo e na luta de classes.11
Mesmo assim, se nos prendermos mais atentamente ao texto das FORMEN, veremos que há
outras passagens que tornam mais complicada a tese de Hobsbawm sobre Sweezy quando, por
8
Cf. SWEEZY, P. M. et.al. Transição do feudalismo para o capitalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
9
DOBB, M. A Evolução do Capitalismo. São Paulo: Zahar, 1965.
10
ASTON, T; PHILPIN, C(org) El debate Brenner : estructura de clases agraria y desarrollo
economico en la Europa preindustrial .-Barcelona: Editorial Critica, 1988
11
Exemplificando: Nas FORMEN Marx ressalta a pouca incidência de prestações em dinheiro no feudalismo. Sabemos
que pesquisas posteriores indicariam uma maior incidência deste fenômeno.
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As considerações acima são importantes para a seqüência de nosso texto. Como é sabido os
Grundrisse, justamente onde está o texto das FORMEN, prepararam a elaboração de “O
Capital”. Se nas FORMEN Marx traça uma dada genealogia de elementos do capitalismo
contrapondo-os a outros modos de produção, em “O Capital” trata-se de analisar a dinâmica
articulada de tais elementos.
Numa passagem de “O Capital” Marx afirma “Apenas a produção capitalista de
mercadorias torna-se um modo de exploração que marca época... e que deixa mesmo,
completamente para trás, todas as épocas precedentes”. (MARX, 1985 apud SOFRI, 1977, p.
12
Não temos qualquer pretensão aqui de adentrar mais detidamente no complicado debate sobre a transição ao
capitalismo. Apenas insistimos na impossiblidade de se usar FORMEN para analisar a transição num plano
estritamente concreto/histórico. Para uma exposição destas questões ver o livro de Eduardo Mariutti. Cf. MARIUTTI,
E.B. Balanço do debate: a transição do feudalismo ao capitalismo. São Paulo: Hucitec, 2004.
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SOFRI, G. O modo de produção asiático: história de uma controvérsia marxista. Rio de Janeiro, Paz e terra, 1977
14
Aqui vai a citação “A antiga concepção segundo a qual o homem sempre aparece (por mais estreitamente religiosa,
nacional ou política que seja a apreciação) como o objetivo da produção parece muito mais elevada que a do mundo
moderno, na qual a produção é o objetivo do homem, e a riqueza, o objetivo da produção. Na verdade, entretanto,
quando despida de sua estreita forma burguesa, o que é a riqueza senão totalidade das necessidades, capacidades,
prazeres, forças produtivas, etc (...) Na economia política, este completo desenvolvimento das potencialidades
humanas aparece como uma total alienação (...) em proveito de forças que lhe são estranhas” (MARX, 1975, apud
HOBSBAWM, 1975, p. 18-19)
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Se Marx atribui uma importância tão grande ao desenvolvimento das forças produtivas; se é, numa certa
medida, “amoroso do progresso técnico” – sem, aliás, jamais subestimar os perigos de divisão e de
alienação do trabalho que disso resultam – é precisamente, porque compreende que somente esse
desenvolvimento das forças produtivas cria as necessárias condições para uma individualização cada vez
maior do homem, que se realizará definitivamente, na sociedade socialista. (MANDEL, 1968, p.141)
Todavia, aqui também cabem duas qualificações importantes e que incidem diretamente no
debate sobre a periodização dos modos de produção ao longo do século XX. Em primeiro lugar,
não se pode deduzir diretamente de Marx a idéia de que para se pautar a transição ao socialismo
é necessário em todos os casos esperar o completo desenvolvimento e generalização de forças
produtivas e relações de produção capitalistas.15 Marx fugia de todo o esquematismo unilinear
na sua concepção sobre a evolução histórica. Em segundo lugar, e mais importante, é o fato de
que na virada do século XIX ao século XX, o modo de produção capitalista passa por
transformações qualitativas substanciais que obrigam a repensar a idéia de progresso. O advento
do capital monopolista não apenas acentua a contradição entre a apropriação privada e o caráter
15 No fim de sua vida, no Prefácio a uma edição russa de 1882 do Manifesto Comunista, Marx escreveria com Engels:
“Pergunta-se agora: poderá a Obchtchina russa (comunidade aldeã)— uma forma, ainda que fortemente minada, da
antiqüíssima posse comum do solo — transitar imediatamente para a [forma] superior da posse comum comunista? Ou,
inversamente, terá de passar primeiro pelo mesmo processo de dissolução que constitui o desenvolvimento histórico do
Ocidente? A única resposta a isto que hoje em dia é possível é esta: se a revolução russa se tornar o sinal de uma
revolução proletária no Ocidente, de tal modo que ambas se completem, a atual propriedade comum russa do solo pode
servir de ponto de partida de um desenvolvimento comunista.”
Disponível: <http://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/prefacios.htm#er1882>
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A propriedade fundiária está ligada (...) ao capital urbano e inclusive ao capital estrangeiro. Não existe na
China uma casta de senhores feudais que se opõe à burguesia. O tipo de explorador mais difuso, mais
comum e mais odiado, no campo, é o kulak agiota, agente do capitalismo financeiro urbano. Por
conseguinte a revolução agrária tem um caráter antifeudal16 como antiburguês (...) uma insurreição não
apenas contra os senhores relativamente pouco numerosos e contra a burocracia, mas também contra o
kulak e o agiota”. (TROTSKY apud SOFRI, 1977, p.94)
16
Apenas uma precisão aqui. A idéia de feudal aqui esposada por Trotsky deve ser melhor explicada para se evitar
confusões. De um lado era fato que a China não poderia ser enquadrada como um modo de produção de asiático
“puro”, posto que havia uma classe de senhores proprietários privados, mesmo que considerada pouco importante
para Trotsky. Ao mesmo tempo como aponta Sofri, a palavra feudal muitas vezes era usada como um adjetivo
semelhante a “arcaico” ou “atrasado”. O fundamental é perceber que para Trotsky o fundamental era a idéia de que
havia uma especificidade na estrutura econômica e social da China que fazia com que tanto estes proprietários de terra
como a burocracia de Estado estivessem estreitamente ligados aos capitalistas.
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Cf. TROTSKY, L. Balanço e perspectivas. Lisboa: Antídoto, 1978.
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Isso não quer dizer, por outro lado, que não existiriam momentos de importantes fissuras e mesmo rupturas entre
estas burguesias nacionais e o grande capital monopolista internacional, como o próprio Trotsky afirmou certas vezes e
como também a história do século XX mostrou. No caso específico da China, tal possibilidade era descartada por
Trotsky. Todavia, o substancial aqui é que a teoria do desenvolvimento desigual e combinado aponta para uma
perspectiva histórica global que leva em conta o fato de que na etapa imperialista, a tendência é antes de conciliação
do que de ruptura entre as burguesias e o grande capital internacional. Além disso, mesmo os momentos de ruptura
tendiam a ser efêmeros e não representariam uma oposição de longo prazo irreconciliável.
19
“o dia e a hora em que o poder deve passar para as mãos da classe operária não dependem diretamente do nível
das forças produtivas.” (...) O proletariado pode chegar ao poder, num país economicamente atrasado, antes de um
país avançado do ponto de vista capitalista. Julgar que a ditadura do proletariado dependa automaticamente das forças
técnicas e dos recursos de um país significa repetir um preconceito oriundo de um materialismo econômico por demais
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6- Considerações finais
Tudo o que dissemos remete mais uma vez à formulação marxiana sobre a periodização.
A idéia de progresso e desenvolvimento das forças produtivas em Marx deve sempre ser vista
em um determinado sentido histórico que aponta para a transição ao socialismo e ao
comunismo. Mas, ao mesmo, tempo, uma leitura atenta do conjunto do pensamento marxiano
desautoriza qualquer esquematismo formal, qualquer formulação unilinear da história.
Pensar a periodização numa forma dual, onde há uma justaposição de modos de
produção “arcaicos” e “modernos”, implica em suprimir toda a complexidade adquirida pelo
capitalismo em sua etapa monopolista.
É certo que Marx no período em que viveu não poda dar conta do conjunto de
transformações que só se efetivariam depois de sua morte. Entretanto, cremos que em Marx é
clara a idéia de que o capitalismo, diferentemente dos outros modos de produção, tende a impor
uma totalidade dinâmica sobre todos os países que subverte todas as relações sociais para um
dado sentido histórico.20 Em outras palavras, queremos dizer que existe em Marx a idéia de que
o advento do modo de produção capitalista abriu um conjunto de possibilidades e
transformações históricas drásticas e profundas, cujo desenvolvimento não poderia ser
totalmente previsto de antemão.
Desta forma, toda a idéia de progresso presente em Marx também deve ser recolocada à
luz das próprias mutações da sociedade capitalista, assim como a própria idéia de
desenvolvimento das forças produtivas e transição ao socialismo e comunismo. Aqui vale
resgatar uma citação de “ A Ideologia Alemã”:
(...) por outro lado, este desenvolvimento das forças produtivas (que contém simultaneamente uma
verdadeira existência humana empírica, dada num plano histórico-mundial e não na vida puramente local
dos homens) é um pressuposto prático, absolutamente necessário, porque, sem ele, apenas generalizar-se-
ia a escassez e penúria e, portanto, com a carência, recomeçaria novamente a luta pelo necessário e toda a
imundície anterior seria restabelecida; além disso, porque apenas com esse desenvolvimento universal das
forças produtivas dá-se um intercâmbio universal dos homens, em virtude do qual, de um lado, o
fenômeno da massa “destituída de propriedade” se produz simultaneamente em todos os povos
simplificado. (TROTSKY, 1979, pp. 53-54.) Vale ressaltar, como é sabido, que se em Trotsky a passagem de poder
para as mãos do proletariado em um país atrasado era não apenas possível como necessária, por outro lado a
manutenção de tal poder e a consecução da transição ao socialismo dependiam da vitória de outras revoluções ao
redor do mundo.
20
“A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os meios de produção e, por conseguinte, as
relações de produção e, com elas, todas as relações sociais.” (MARX, 1998, p.22)
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(concorrência universal), fazendo com que cada um deles dependa das revoluções
dos outros; e, finalmente, coloca indivíduos empiricamente universais, histórico-
mundiais, no lugar de indivíduos locais. Sem isto: 1.) o comunismo não poderia existir a não ser como
fenômeno local; 2.) as próprias forças do intercâmbio não poderiam desenvolver-se como forças
universais e, portanto, insuportáveis e permaneceriam “circunstâncias” domésticas e supersticiosas; e 3)
toda ampliação do intercâmbio superaria o comunismo local. (ENGELS; MARX, 1986, pp. 50-51)
Pensamos que seria correto dizer que na etapa monopolista do capital o caráter
histórico-mundial da existência humana é ainda mais potencializado. A potencialidade de
produção de riqueza e de sua fruição pelo homem através do desenvolvimento das forças
produtivas, idem. Em outras palavras as condições objetivas para o progresso no sentido
marxiano estão dadas e não mais precisam esperar pela generalização de relações de produção
capitalistas que destruam os resquícios arcaicos. Tampouco é necessário aguardar que o capital
promova ele mesmo a continuidade do desenvolvimento das forças produtivas. O progresso no
caso passaria a depender diretamente da possibilidade da reorganização econômica da sociedade
de maneira independente do capital.
Certamente as considerações acima são feitas num alto grau de generalização e dizem
respeito ao longo prazo e não a conjunturas específicas. Em última análise, o que queremos
dizer é que a idéia de que apenas um capitalismo “pleno” em cada país pode abrir a
possibilidade de transição ao socialismo, torna-se um falso problema na era do capital
monopolista, posto que o capitalismo monopolista real e concreto inviabiliza um mesmo ponto
de chegada “pleno” para todas as nações.
Constatar isso não implica de forma alguma negar todas as enormes dificuldades
implícitas num eventual processo de transição ao socialismo, que não podem ser de objetivo de
uma análise aprofundada aqui. O que podemos afirmar é que o fundo do problema da transição
ao socialismo passa a ser a nosso ver cada vez mais “político” e menos “econômico” estrito
senso.
É evidente que isso não implica em minimizar a presença de resquícios pré-capitalistas
e do atraso em determinadas formações sociais. Trata-se, ao contrário, de compreender que se
aceitamos a idéia de um desenvolvimento desigual e combinado, teremos em mente que a
dinâmica capitalista nos países atrasados acarretou numa série de tensões como a
superexploração do trabalho, a marginalização de setores inteiros da população, toda uma gama
de conflitos sociais, étnicos, etc. É sintomático que durante o século XX, foi justamente dos
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É evidente que o que dizemos aqui não anula o fato de que uma enorme parcela da humanidade viva em condições
de extrema penúria. O que salientamos é que as forças produtivas, bem como o desenvolvimento técnico, científico,
etc., acumulados no mundo contemporâneo poderiam rapidamente ser utilizados de forma a resolver alguns dos
problemas mais candentes dos seres humanos. Assim, queremos sugerir que a potência técnica disponível no século
21 não precisaria ser aumentada quantitativamente para a solução plenamente satisfatória e veloz de tais carências,
diferentemente do início do século XX.
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4) Bibliografia
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