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Há, de igual modo, «indicadores» razoáveis do que deva ser uma falácia.
Em primeiro lugar é uma noção que pode ser imputada a raciocínios
(dedutivos ou indutivos) num sentido muito mais alargado do que aquele
que têm o que em Lógica chamamos argumentos (dedutivos ou indutivos).
A pergunta «Já deixaste de copiar nos exames?» pode ser considerada
como falaciosa (a chamada «falácia da questão múltipla») tendo em vista
que as respostas «Sim» ou «Não» são ambas comprometedoras para quem
as der; e é óbvio que esta pergunta não é um argumento (seja dedutivo, seja
indutivo). No entanto, a noção de falácia pode também aplicar-se a
argumentos no sentido mais técnico do termo (por exemplo, a chamada
«falácia da afirmação da consequente» que veremos mais abaixo). Depois,
a noção de falácia envolve sempre um caso de non sequitur: aquilo que se
pretende justificar (se for um argumento no sentido mais técnico) ou
promover (por exemplo, a ideia de que alguém copia nos exames, como no
caso da pergunta falaciosa feita acima) não é suficientemente justificado
pelo raciocínio que se apresenta. Por fim, a noção de falácia envolve, de
modo essencial, a noção de argumentação (em sentido lato) em contexto e
de ilusão ou engano (pelo menos possível). São estas noções que dão o
cunho psicológico (e, eventualmente sociológico) às falácias.
3.1. Petitio principii (petição de princípio): Quando aquilo que devia ser
provado pelo argumento é já suposto pelas premissas. Conjuga dois
aspectos: 1) o argumento deve ser válido; e 2) as premissas devem ser
expressas de uma forma tal que o seu carácter questionável (o facto de elas
suporem o que pretendem provar) seja susceptível de passar despercebido.
3.2. Questão complexa: quando múltiplas questões estão escondidas numa
só cujas repostas possíveis serão igualmente comprometedoras (deu-se já
um exemplo desta falácia anteriormente).
Falácia da causa única Tem a seguinte forma: Todo o x é tal que existe
um y tal que y tem a relação R com x. Logo, existe um y que é tal que todo
o x é tal y tem a relação R com x. Em símbolos: x y Ryx y x Ryx.
Exemplo: «todas as coisas têm uma causa. Logo, há uma causa de todas as
coisas». Este é o exemplo falácia da permutação dos quantificadores mais
(tristemente) célebre, que baptizou a falácia em questão. Ver FALÁCIA
DA PERMUTAÇÃO DE QUANTIFICADORES.
Uma mais recente versão do debate sobre este mesmo tópico, agora
desenvolvido com base numa argumentação de tipo pragmático e
linguístico, é a realizada por John Searle, que de algum modo retoma
posições naturalistas (ou um certo tipo de naturalismo) e por R.M. Hare, o
qual, por seu lado, renova os argumentos contra uma eventual falácia
naturalista. No ensaio daquele primeiro filósofo, intitulado
significativamente «How to Derive “Ought” from “Is”» (1964), é atacada a
tese filosófica segundo a qual não é possível derivar um «deve» de um «é».
Numa terminologia mais técnica, aqueles que atacam o naturalismo em
ética contestam que se possa passar de afirmações descritivas para um tipo
de afirmações valorativas, sem que se introduza algures nas premissas da
argumentação uma afirmação ou juízo desse último tipo. Da afirmação que
um contrato firmado entre duas pessoas livres e conscientes do seu acto
(sem se encontrarem sob o efeito de drogas, hipnotizados, agindo de boa fé,
etc.) não é violável, não deve retirar-se que esse contrato não deve ser
violado por qualquer das partes, a não ser que o «não deve» esteja
subentendido como premissa. Os naturalistas não acham necessário esse
subentendido, enquanto os não naturalistas (aprioristas) acham. A nova
versão do debate sobre a falácia naturalista é apresentada por Searle nos
seguintes termos: «Diz-se muitas vezes que não podemos derivar um
«deve» de um «é». Esta tese, a qual provém de uma famosa passagem do
Tratado de Hume, embora não tão clara como seria desejável, é ao menos
clara em termos gerais: existe uma classe de afirmações de facto que é
logicamente distinta de uma classe de afirmações de valor. Numa
terminologia mais actual, não há afirmações descritivas que possam conter
afirmações valorativas sem a adição ao menos de uma premissa valorativa.
Acreditar que as coisas se passam de outro modo é cometer aquilo a que se
tem chamado a falácia naturalista.» (Searle 1967: 101)