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Revista da Biologia (2012) 9(3): 58–61

DOI: 10.7594/revbio.09.03.11 Ensaio

O valor biológico do período circadiano


The biological value of the circadian period

Bruno Jacson Martynhak1, Flávio Augustino Back2, Fernando Louzada2


1
Departamento de Farmacologia, Universidade Federal do Paraná
2
Departamento de Fisiologia, Universidade Federal do Paraná
Contato do autor: brunojm@ymail.com
1

Resumo. Protocolos experimentais que visam mensurar o período do ritmo circadiano em seres Recebido 15out10
humanos e outras espécies envolvem condições artificiais dos esquemas de iluminação. Desta forma, Aceito 21ago12
uma vez que condições ambientais constantes não existem naturalmente, questionamos o significado Publicado 27dez12
de se medir o período circadiano. O fato de essa medida ser avaliada de forma descontextualizada
socialmente leva a uma compreensão mais estática dos processos biológicos. Finalmente, a visão
tradicional do período circadiano é contrastada neste ensaio com a sua possível relação com o estado
atual do sistema de temporização.
Palavras-chave. Período circadiano endógeno, plasticidade, tau.

Abstract. Experimental protocols that aim to measure the circadian period in humans and other
species usually imply the use of artificial, constant conditions of illumination. Since these conditions
do not occur naturally, we argue the meaning of measuring the circadian period. Its determination in
a situation out of the social context may lead to a more static understanding of biological processes.
Finally, the traditional view of the intrinsic circadian period is contrasted in this essay with its possible
relation with the current status of the temporization system.
Keywords. Circadian period, plasticity, tau.

Definindo um conceito cronobiológico: período da eclosão dos ovos de Drosophila, quanto da conidiação
endógeno do fungo Neurospora persistiram nestas condições. Os
resultados obtidos nestes experimentos tornaram-se um
O período circadiano (tau - t) tem sido definido como a marco para a aceitação do caráter endógeno da ritmicida-
duração do ciclo de um ritmo circadiano quando o orga- de biológica pelo cronobiologistas.
nismo encontra-se isolado de pistas ambientais temporais, O estudo da endogenicidade no plano molecular
ou seja, quando se encontra em condições de livre-curso. também passou a ser alvo de investigações. A primeira re-
A expressão de um ritmo de 24h ocorre através do proces- lação entre genes e o período circadiano foi proposta por
so de sincronização. Konopka e Benzer (1971) em Drosophila. Os pesquisado-
Em 1729, o astrônomo francês De Mairan apresen- res observaram que algumas moscas mutantes apresen-
tou o primeiro relato científico da ritmicidade endógena. tavam alterações no ritmo de eclosão dos ovos. O ritmo
De Mairan observou que o movimento de abrir e fechar endógeno dos mutantes poderia ser muito curto, muito
das folhas sensitivas de Mimosa continuava a apresentar longo ou poderia não haver ritmo. O gene responsável por
um ritmo próximo de 24h mesmo em condições de es- essa alteração de período recebeu o nome de Period.
curo constante (De Mairan, 1729). A existência de outros Ralph e Menaker (1998) descreveram uma mutação
fatores que poderiam estar fornecendo pistas ambientais associada à drástica redução do período circadiano em ha-
cíclicas, mesmo em escuro constante, colocou em questão msters da Síria. Enquanto os hamsters selvagens apresenta-
se de fato o ritmo era endógeno ou gerado pela oscilação vam o tau próximo de 24h, os mutantes heterozigotos ex-
de outras variáveis ambientais, como por exemplo, o geo- pressavam um tau de 22h e os homozigotos de apenas 20h.
magnetismo. O debate sobre o fato de a ritmicidade ser ou O padrão de herança desta mutação levou os autores à
não endógena se prolongou por décadas, até os estudos de conclusão de que se tratava de uma mutação em um único
Hamner e colaboradores (1962) no pólo sul. Estes pesqui- gene. Devido ao fenótipo expresso pelos animais, ela ficou
sadores estudaram diferentes organismos em condições conhecida como mutação tau (t). Além disso, os animais
de iluminação constante, mantidos sobre aparatos que gi- homozigotos para a mutação apresentavam dificuldades
ravam em sentido oposto ao da rotação da Terra. Um pa- de sincronização a um ciclo claro/escuro de 24h, e alguns
drão rítmico tanto da atividade locomotora de hamsters, indivíduos até mesmo não eram capazes de se sincroni-
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zarem. Atualmente várias mutações dos chamados “genes Entretanto, apesar deste questionamento, o conceito
relógio” ou relacionadas ao sistema de temporização são vigente do período endógeno tem demonstrado relações
associadas à alteração do tau em roedores. Por exemplo, com outros processos biológicos. Por exemplo, a maior
se contrapondo ao efeito da mutação tau, a mutação after proximidade do tau com relação ao ciclo ambiental expos-
hour, no gene Fbxl3 em camundongos, aumenta o período to favorece a sobrevivência em cianobactérias do gênero
circadiano endógeno para aproximadamente 27h (Godi- Synechococcus (Ouyang et al., 1998). De forma similar,
nho et al., 2007). a maior proximidade do tau com 24h se relaciona com
maior expectativa de vida, tanto em roedores como em
A construção do conceito do período circadiano primatas não humanos (Wyse et al., 2010).
em humanos Já em humanos, a duração do período endógeno
tem sido relacionada com a capacidade de sincroniza-
Os primeiros estudos de isolamento temporal em huma- ção a um ciclo artificial diferente de 24h em exposição a
nos foram conduzidos em cavernas, onde a temperatura sincronizadores fracos (Wright et al., 2001). Voluntários
ambiental é constante e os sujeitos podem ser isolados do submetidos a um ciclo claro/escuro uma hora maior que
ambiente externo. Nathaniel Kleitman e Bruce Richard- seu período endógeno não eram capazes de se sincronizar
son permaneceram 32 dias isolados em uma caverna em quando a intensidade luminosa da fase de claro era 25 lux
Kentucky, Estados Unidos (Kleitman, 1939). Durante os (Gronfier et al., 2007).
32 dias foram avaliados os ritmos de atividade, de tem- Também, se tem encontrado uma relação entre a du-
peratura corporal e de sonolência. O período do ritmo de ração do período endógeno e a preferência por horários
atividade de ambos passou das 24h habituais para 28h. Em de sono. Indivíduos que apresentam período circadiano
1962, o pesquisador francês Michel Siffre, então com 23 mais curto tendem a adiantar os horários de dormir e
anos, permaneceu dois meses no subsolo de uma cordi- acordar, enquanto que indivíduos com período endógeno
lheira na França. Em seu terceiro experimento de isola- maior tendem a ser mais vespertinos (Duffy et al., 2001).
mento temporal, em 2000, já com 61 anos de idade, Siffre Também já foi levantada a hipótese de que a diminuição
permaneceu por 73 dias no subsolo. Nestes experimentos, do período endógeno pode ser responsável pelo adianta-
o período circadiano foi estimado como sendo maior que mento de fase que ocorre no envelhecimento (Pittendrigh
25h. e Daan, 1974). O ritmo endógeno de indivíduos comple-
Entretanto, medidas do período do ritmo endógeno tamente cegos foi estudado duas vezes, com um intervalo
de atividade em humanos mostram uma grande variação, de 10 anos entre as medidas. Os autores observaram que
de 13 a 65h (Wever, 1979). Para estes valores, diferentes o período endógeno expressso era ligeiramente maior na
metodologias foram utilizadas, como condições constan- segunda avaliação, resultados que iria contra a hipótese
tes iluminação e o controle do voluntário de acender e inicial (Kendall et al., 2001). Entretanto, Carskadon e cola-
apagar as luzes. O período endógeno também já foi medi- boradores (1998) avaliaram o período endógeno do ritmo
do em indivíduos cegos, quando foi detectada a duração de atividade de adolescentes e obtiveram o valor de tau
de 25h (Sack et al., 2000). maior que 24h em todos os 10 participantes do estudo. Os
Atualmente, o método que vem sendo mais utiliza- valores foram maiores do que os encontrados em estudos
do para se avaliar o período circadiano endógeno humano com adultos, reforçando a ideia de que o período circadia-
é o protocolo da dessincronização forçada. Neste método, no endógeno diminui com a idade.
os indivíduos são expostos artificialmente a ciclos claro/ Entretanto, pode-se perguntar se o período circa-
escuro de 20 ou 28h. Este ciclo muito diferente das 24h diano endógeno reflete de fato um atributo fundamental
está além de nossa capacidade de sincronização. Com isto, de cada indivíduo ou, ao invés, reflete o estado momen-
ocorre um desacoplamento dos ritmos de atividade, de tâneo do sistema de temporização do indivíduo. Existem
temperatura interna e de melatonina, que entram em livre evidências sugerindo a plasticidade do período endógeno.
curso, possibilitando assim a medida de tau. Por exemplo, o consumo forçado de álcool reduz o perío-
do endógeno de camundongos C57BL/6, animais com alta
Valor biológico do período endógeno preferência por etanol (Seggio et al., 2009).
Camundongos knockout para o gene Clock apre-
Em condições naturais, o ambiente ocupado pela imensa sentam redução do tau (Debruyne et al., 2006), enquanto
maioria dos organismos é cíclico e os ciclos naturais sin- que os mutantes ClockΔ9 apresentam o período endógeno
cronizam os ritmos biológicos. Para os mamíferos, o ciclo longo. Além disso, os mutantes ClockΔ9 possuem com-
claro/escuro natural, dia/noite, parece ser o mais impor- portamentos similares à mania, que são revertidos pelo
tante sincronizador. A criação de métodos e protocolos tratamento com lítio (Roybal et al., 2006). Tanto em Dro-
para se avaliar a representação do sistema de temporiza- sophila como em roedores, o período endógeno aumenta
ção, o tempo interno, em um ambiente laboratorial artifi- com a administração de lítio e diminui com a administra-
cial é que permitiu a criação do construto teórico “período ção de inibidores da enzima GSK3-B (Hirota et al., 2008).
endógeno”. Esta forma de mensuração nos faz refletir até Em roedores, é conhecido que o acesso à roda de ati-
que ponto o significado deste conceito, atrelado a sua dis- vidade promove aumento do tau, possivelmente devido à
cutível forma de mensuração, aplica-se à compreensão de atividade física (Mrosovsky, 1993). Em humanos, por ou-
processos vivos. tro lado, pelo menos da forma como foi avaliado, a prática

ib.usp.br/revista
60 Martynhak et al.: Período Circadiano Endógeno
de atividades físicas parece não alterar o período circadia- De Mairan JJD. 1729. Observation Botanique. Histoire de
no (Beersma e Hiddinga, 1998; Cain et al., 2007). Ainda l’Academie Royale des Sciences, 35-36.
assim, existem evidências da plasticidade do tau também Dijk DJ e Czeisler CA. 1995. Contribution of the circadian
em humanos. Scheer et al. (2007) observaram que o perí- pacemaker and the sleep homeostatic to sleep propensity,
sleep structure, electroencephalographic slow waves,
odo do ritmo circadiano de atividade dos participantes era
and sleep spindle activity in humans. The Journal of
maior após a sincronização a um ciclo de 24,65h do que Neuroscience 15:3526-3538.
após a sincronização a um ciclo de 23,5h. Importante res- Duffy JF, Rimmer DW, Czeisler CA. 2001. Associtation of intrinsic
saltar que o tempo em que os sujeitos permaneciam nos circadian period with morningness-eveningness,usual
ciclos diferentes de 24h era de apenas 14 dias. Assim, per- wake time and circadian phase. Behavioral. Neuroscience.
cebemos que mesmo um tratamento relativamente curto 115:895-899.
pode alterar a expressão circadiana. Godinho SI, Maywood ES, Shaw L, Tucci V, Barnard AR, Busino
Assim, pode-se perguntar se os indivíduos matuti- L, Pagano M. 2007. The after-hours mutant reveals a role
nos dormem cedo por apresentarem o tau menor em rela- for Fbxl3 in determining mammalian circadian period.
Science 316:897-900.
ção a outras pessoas, ou, se devido ao histórico de hábitos
Golombek DA, Rosenstein RE. 2010. Physiology of circadian
antecipados de sono e do padrão de exposição à luz na- entrainment. Physiological Reviews 90:1063-1102.
tural, o tau torna-se menor. Por exemplo, existem relatos Gronfier C, Wright KP, Kronauer RE, Czeisler CA. 2007.
da associação entre a data de nascimento com a preferên- Entrainment of the human circadian pacemaker to longer-
cia por horários de sono (Natale et al., 2002; Mongrain et than-24-h days. Proceedings of the National Academy of
al., 2006), embora outros pesquisadores não tenham en- Sciences of the United States of America 104:9081-9086.
contrado os mesmos resultados (Takao et al., 2009). Esta Kendall AR, Lewy AJ, Sack RL. 2001. Effects of aging on the
questão foi discutida por um dos autores (FAB) em sua intrinsic circadian period of totally blind humans. Journal
dissertação de mestrado. Foram estudados dois grupos de of Biological Rhythms 16:87-95.
Kleitman N. 1939. Sleep and Wakefulness. Chicago: University
trabalhadores de uma região rural com 2000 habitantes,
of Chicago.
um que atuava em ambiente aberto e outro em ambiente Konopka R e Benzer S. 1971. Clock mutants of Drosophila
fechado. Foi avaliado o padrão de exposição ao ciclo cla- melanogaster. Proceedings of the National Academy of
ro/escuro natural e a preferência por horários de sono e Sciences of the United States of America 68:2112-2116.
atividade, cronotipo. O grupo de trabalhadores da lavoura Hamner KC, Finn Jun JC, Siroshi, GS, Hoshizaki T, Carpenter
demonstrou ser mais matutino do que o grupo de traba- BH. 1962. The Biological Clock at the South Pole. Nature
lhadores de ambiente fechado. Foi discutida a relação que 195:476-480.
os horários e o ambiente de trabalho têm com o estabele- Hirota T, Lewis WG, Liu AC, Lee JW, Schultz PG, Kay, SA. A
cimento do arrastamento pelo ciclo claro/escuro e algu- chemical biology approach reveals period shortening
of the mammalian circadian clock by specific inhibitor
mas das possíveis implicações (Back, 2008).
of GSK3-beta. Proceedings of the National Academy of
Podemos concluir que o valor biológico do perío- Sciences of the United States of America 105:20746-20751.
do circadiano endógeno é inegável. Entretanto, também Mongrain V, Paquet J, Dumont M. 2006. Contribution of the
podemos concluir que condições externas ao indivíduo photoperiod at birth to the association between season of
podem alterar seu valor. Assim, quando medimos a sua birth and diurnal preference. Neuroscience Letters 406:
duração talvez estejamos, na realidade, avaliando o resul- 113-116.
tado do histórico das situações de claro/escuro a que o in- Mrosovsky N. 1993. Tau changes after single nonphotic events.
divíduo foi submetico. Ao invés do período endógeno ser Chronobiology International 10:271-276.
o determinante de variáveis como o cronotipo, por exem- Natale V, Adan A, Chotai J. 2002. Further results on the association
between morningness-eveningness preference and the
plo, talvez o próprio histórico do indivíduo modifique o
season of birth in human adults. Neuropsychobiology
período endógeno. 46:209-214.
Pittendrigh CS e Daan S. 1974. Circadian oscillations in rodents:
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Revista da Biologia (2012) 9(3): 62–67
DOI: 10.7594/revbio.09.03.12 Revisão

Gênese e ontogênese do ritmo de sono/


vigília em humanos
Genesis and ontogenesis of sleep/wake rhythm in humans

Clarissa Bueno1,*, Daniela Wey2


1Departamento de Fisiologia e Biofísica, Instituto de Ciências Biomédicas, USP
2Departamento de Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública, USP
*Contato do autor: cbueno@usp.br

Resumo. Os organismos sofrem transformações ao longo do tempo, seja ao longo de anos, um dia Recebido 18out10
ou algumas horas. Os ritmos biológicos referem-se às oscilações cíclicas observadas na matéria viva e Aceito 02abr12
apresentam um componente endógeno que se relaciona com o ambiente. A expressão destes ritmos Publicado 27dez12
e sua relação com o ambiente se modifica durante a vida, como ocorre com os padrões de sono/vigília.
Neste artigo apresentamos uma revisão sobre o desenvolvimento do ritmo de sono/vigília ao longo da
vida, descrevendo o processo de consolidação de um ritmo circadiano sincronizado durante a infância,
as modificações na fase deste ritmo na adolescência e, posteriormente, suas mudanças de fase e ampli-
tude na terceira idade, enfocando a interação com fatores cíclicos ambientais.
Palavras-chave. Ritmo; Circadiano; Ontogênese; Recém-nascido; Envelhecimento..

Abstract. Living organisms undergo changes over time, which can be seen along years, one day or
several hours. Biological rhythms are understood as cyclical fluctuations observed in the living matter
and present an endogenous component which is influenced by the environment. The expression of
these rhythms and its relation to the environment also changes along the individual’s life, as we observe
with sleep/wake patterns. In this article we present a review about the development of sleep/wake
rhythm throughout life, describing the consolidation process of a synchronized circadian rhythm along
childhood, the phase changes of sleep/wake cycle along adolescence and, afterwards, its phase and
amplitude modifications in the elderly, focusing the interaction with environmental cyclical factors.
Keywords. Rhythm; Circadian; Ontogenesis; Newborn; Aging.

“As coisas (objetos) depois de prontas vão se gastando, observado. A partir de então, e com os estudos posteriores,
envelhecem. Gente não nasce pronta e vai se gastando; foi possível identificar a existência de ritmos em diversas
gente nasce não-pronta, e vai se fazendo” variáveis fisiológicas e comportamentais, endogenamente
Mario Sergio Cortella gerados e presentes de forma ubíqua entre os seres vivos,
os assim chamados ritmos biológicos.
Introdução O padrão rítmico gerado endogenamente é sensível
a diferentes fatores ambientais, que podem atuar sobre a
Os seres vivos devem ser compreendidos como organis- expressão dos ritmos biológicos, sincronizando-os através
mos dinâmicos, em constante transformação, a qual pode de mecanismos de arrastamento e/ou de mascaramento.
ser observada tanto em escalas temporais longas, como No arrastamento, pistas ambientais cíclicas, também de-
o processo de amadurecimento e envelhecimento, como nominadas zeitgebers, atuam sobre o sistema de tempo-
em oscilações periódicas em escalas temporais menores, rização, promovendo ajustes no período e/ou na fase dos
como os processos de contração e relaxamento muscular ritmos endógenos (Aschoff, 1954 apud Rotenberg et al,
envolvidos no ciclo dos batimentos cardíacos. Modifica- 2003).
ções nos organismos vivos em escalas temporais menores, Amplo trabalho tem sido feito no intuito de desven-
por exemplo, ao longo de 24 horas e de forma rítmica, fo- dar os mecanismos endógenos responsáveis pela geração
ram inicialmente atribuídas à atuação direta do ambiente, dos ritmos biológicos. Em mamíferos, o sistema tempo-
como agente causador. Esta concepção começou a mudar rizador circadiano inclui os núcleos supraquiasmáticos
a partir dos estudos de De Mairan, no século XVIII, de- (NSQs) no hipotálamo e recebe aferências da retina por
monstrando a persistência dos movimentos das folhas da meio do trato retino-hipotalâmico, as quais mediam sua
planta Mimosa pudica mesmo em situação de isolamento sincronização ao ciclo claro/escuro ambiental (Moore et
ambiental (apud Moore-Ede et al, 1982), o que sugeria a al, 1972, Moore-Ede et al, 1982). Entretanto, a idade a
existência de um mecanismo endógeno gerador do ritmo partir da qual as vias que trazem informações fóticas para

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Revista da Biologia (2012) 9(3) 63
os NSQs estão mielinizadas e maduras o suficiente para vida, identificando a emergência de um padrão de cerca
permitir que o ciclo claro/escuro torne-se um importante de 24 horas (circadiano) a partir da 6a semana e sua con-
zeitgeber, ainda não está esclarecido. Este é um dos vários solidação após a 12a semana. Posteriormente, Hellbrügge
pontos ainda a serem investigados no estudo sobre a onto- (1960) estudando diferentes parâmetros (temperatura cor-
gênese dos ritmos biológicos. poral, resistência elétrica da pele, diurese e comportamen-
A presente revisão tem por objetivo abordar o de- to de sono/vigília) em crianças de diversas idades definiu
senvolvimento dos ritmos biológicos, particularmente do a progressão da ritmicidade do ciclo vigília/ sono (CVS)
ritmo de sono/vigília, no lactente e na adolescência e as como uma transição de um padrão polifásico (composto
modificações observadas na expressão do mesmo ao lon- por múltiplas frequências ultradianas – aquelas com perí-
go do processo de envelhecimento, enfocando a terceira odo inferior a 20 horas) para um padrão monofásico (com
idade. predomínio do ritmo circadiano). Já nesta ocasião foi des-
crita a consolidação de um padrão circadiano no ritmo de
Como a expressão dos ritmos biológicos nasce temperatura (medida na pele sobre a região abdominal)
e cresce. mais precocemente que o observado para o CVS.
Estudos posteriores, utilizando novas metodologias
Estudos em primatas mostram que a neurogênese nos de análise, evidenciaram um CVS composto por múltiplas
NSQs ocorre entre 27 e 48 dias de gestação e estudos fun- frequências ultradianas de baixa amplitude, que se redu-
cionais identificaram que os NSQs exibem oscilações na ziram com o avanço da idade, sendo progressivamente
sua atividade metabólica já no final da gestação e sua ca- substituídas por um ritmo circadiano, o qual se instala de
pacidade de resposta ao ciclo claro/escuro pode ser de- forma não linear (com momentos de progressão e regres-
monstrada em primatas logo após o nascimento, mesmo são) e com ampla variabilidade individual (Menna-Barre-
com baixa intensidade de luz (Rivkees, 2004). Durante a to et al, 1993, Menna-Barreto et al, 1996).
vida intra-uterina, o sistema de temporização fetal seria Mais recentemente, o desenvolvimento de novos
amplamente dirigido pela mãe, por meio de sinais rítmi- equipamentos de coleta, como detectores de movimento
cos (nutrientes, melatonina e outros hormônios) que ul- (actímetros) e termístores (Areas et al, 2006) utilizados
trapassariam a barreira placentária e seriam responsáveis para medir a temperatura do punho passaram a oferecer
pela sincronização do sistema de temporização fetal ao a possibilidade de monitoração contínua, facilitando a re-
relógio materno e, consequentemente, aos ciclos do meio alização de estudos longitudinais. Famílias monitoradas
externo (Rivkees et al, 2000). durante o final da gestação e após o nascimento exibem
O desenvolvimento do sistema de temporização de episódios de atividade noturna no comportamento mater-
ratos tem sido o mais bem estudado até o momento. Neles no durante a gestação, com o surgimento de frequências
foi demonstrado que influências ambientais podem inter- ultradianas na sua atividade/repouso e, após o nascimen-
ferir na organização das estruturas do sistema de tempori- to, foi identificada alta concordância no espectro de frequ-
zação durante seu desenvolvimento e, consequentemente, ências ultradianas e circadiana entre a mãe e o bebê (Wullf
na posterior manifestação da ritmicidade circadiana no et al, 2000 e 2001). Torna-se, assim, cada vez mais evidente
animal adulto. Cambras et al (1998) demonstraram que a atuação de fatores de sincronização social em humanos
ratos mantidos em condições de claro constante durante a além do já bem conhecido papel do ciclo claro/escuro am-
lactação desenvolvem um ritmo circadiano estável ao lon- biental no arrastamento dos ritmos biológicos.
go dos primeiros dias de vida. Este ritmo persiste na vida Outra contribuição para o estudo de fatores não fó-
adulta, mesmo quando os indivíduos são submetidos à luz ticos na sincronização dos ritmos endógenos vem do es-
constante, sob uma intensidade luminosa que habitual- tudo de recém-nascidos pré-termo mantidos em unidades
mente provoca arritmicidade na espécie (Canal-Corretger de cuidado neonatal (Glotzbach et al, 1995), nos quais se
et al, 2001). observa a presença de ritmos de frequência ultradiana as-
Em seres humanos, o estudo da ontogênese dos sociados à rotina hospitalar. Shimada et al (1993) sugerem
ritmos biológicos e o papel de sincronizadores fóticos e que o aparente atraso na expressão pós-natal de um ritmo
não-fóticos também têm sido objeto de estudo há várias circadiano do CVS em prematuros seria devido ao fato de
décadas. Desde os estudos iniciais, parece evidente que permanecerem mais tempo em berçários, sob ciclos de
o funcionamento do sistema endógeno de temporização iluminação e temperatura muito atenuados e longe da in-
modifica-se ao longo da vida, levando a mudanças no pa- fluência social.
drão de expressão rítmica e na sua interação com o am- Pesquisas realizadas no nosso laboratório monito-
biente. rando o padrão de atividade, alimentação, CVS e tempera-
O estudo da ritmicidade biológica em lactentes tem tura em recém-nascidos pré-termo identificam a presença
como marco o trabalho clássico de Kleitman e Englemann de um ritmo circadiano precoce no ciclo de temperatura,
em 1953, o qual demonstrou assimetria entre o dia e a noi- enquanto o CVS permanece com um padrão ultradiano
te, a partir da 3a semana de vida, no comportamento de durante a internação hospitalar, claramente vinculado ao
sono de um grupo composto por 19 crianças, o qual se horário pré-determinado de alimentação (Bueno et al,
tornou mais evidente a partir do segundo mês de vida. Em 2001).
1961, Parmelee descreveu o comportamento de sono/vigí- Poucos estudos avaliaram concomitantemente as
lia de uma criança desde o nascimento até 35 semanas de mudanças do padrão de ingestão alimentar e do ritmo de

ib.usp.br/revista
64 Bueno e Way: Gênese e ontogênese fo CVS
atividade/ repouso em recém-nascidos, identificando rit- fatores ambientais para a dificuldade de adaptação do
mo circadiano no CVS em vários bebês de termo já no adolescente e para este atraso de fase. O atraso de fase na
primeiro mês de vida. Por outro lado, o comportamen- adolescência poderia ser potencializado pelo estilo de vida
to alimentar apresenta apenas componentes ultradianos, moderno, com a presença de luz elétrica e seus derivados
com períodos entre 2 e 4 horas, sugerindo um desenvolvi- (televisão, computador, Internet), bem como os atuais
mento independente da ritmicidade do CVS e do compor- hábitos sociais, que criam um ambiente propício para o
tamento alimentar (Lohr et al, 1999). prolongamento da atividade humana durante a fase no-
Embora encontremos diferentes padrões de desen- turna (Louzada et al, 2003). Neste contexto é interessante
volvimento da expressão rítmica de acordo com a variável observar o comportamento de adolescentes em comuni-
estudada, bem como a presença de importantes diferen- dades com organização social distinta, como locais isola-
ças individuais, ao final do primeiro ano de vida, todas dos, sem energia elétrica. Entretanto, estudos realizados
as crianças apresentam predomínio do ritmo de 24 horas, nestas condições têm mostrado resultados conflitantes,
com um padrão de sono semelhante ao do adulto (Par- sendo possível identificar atraso de fase em adolescentes
melee, 1961, Menna-Barreto, 1996). Durante a infância de aldeias indígenas, mas não em comunidades caiçaras
ocorre uma progressiva redução do tempo total de sono, no Estado de São Paulo ou outras comunidades sem ener-
o qual passa a se concentrar na fase noturna, com um a gia elétrica (Torres, 2005; Peixoto, 2009). Assim, é possível
dois cochilos durante o dia inicialmente, havendo, para que outros fatores sociais além da questão da iluminação
muitos, desaparecimento destes cochilos a partir da idade noturna interajam para a expressão final do padrão dos
pré-escolar. ritmos biológicos.

Adolescentes: ritmos rebeldes? No final da vida nos deparamos com os mesmos


desafios da infância?
Novas modificações ocorrem a partir da adolescência,
quando observamos tendência a um atraso na fase dos Enquanto na adolescência podemos verificar um conflito
ritmos biológicos. Durante a infância os seres humanos entre os horários sociais e a expressão dos ritmos biológi-
apresentam um comportamento mais matutino; assim ob- cos, quando envelhecemos os desafios temporais são ou-
servamos que crianças habitualmente acordam mais cedo tros. Sinais temporais que são importantes na juventude,
que adolescentes. A partir da adolescência ocorre atraso como o horário da escola ou da faculdade, perdem seu
de uma a duas horas no momento de início e de final do significado.
sono, acompanhado por um atraso no ritmo de tempe- No idoso, ocorre uma diminuição da funcionalida-
ratura e no surto noturno de melatonina (Carskadon et de do sistema temporal. A capacidade de sincronização
al, 1998). Este fenômeno, denominado atraso de fase da a determinados estímulos cíclicos ambientais é perdida
adolescência, atinge um pico por volta dos 16 anos para as (para uma ampla revisão veja Gibson et al, 2009; Pandi-
mulheres e dos 21 anos para homens, sendo proposto por -Perumal et al, 2002; Weinert, 2000). Com o envelheci-
Roenneberg et al (2004) que este poderia configurar um mento, a vinculação com grupos sociais e a resposta aos
marcador do final da adolescência. ciclos ambientais tornam-se mais débeis (Samis Jr., 1968;
Os horários escolares geralmente atuam para as Van Gool e Mirmiran, 1986). Van Reeth e colaboradores
crianças como um forte sincronizador do CVS e tornam (1992) observaram que ratos idosos respondem menos a
semelhantes os horários de acordar nos dias letivos (Lou- estímulos não fóticos e esse resultado pode ser decorrente
zada et al, 1996). Na maioria das escolas públicas brasilei- de um acoplamento fraco entre o ciclo de atividade/re-
ras os alunos entre seis e nove anos de idade, que frequen- pouso e o sistema de temporização circadiano decorrente
tam o ensino fundamental, assistem às aulas no turno da de um déficit nas vias serotoninérgicas, as quais medeiam
tarde. Após o sexto ano (ou quinta série) as aulas passam os efeitos fóticos e não fóticos sobre os ritmos circadianos.
a acontecer no turno da manhã. A rotina escolar é estabe- Além das mudanças nas aferências, que permitem
lecida sem que se considere a tendência ao atraso de fase o reconhecimento dos sinais temporais, o próprio osci-
dos ritmos biológicos observada para a maioria dos ado- lador circadiano perde sua funcionalidade com o passar
lescentes (Crowley et al, 2007, Mello et al, 2001, Thorpy dos anos. O transplante de tecido do NSQ fetal para ra-
et al, 1988). Como resultado desse conflito entre o tempo tos idosos restaura os ritmos circadianos de temperatura
escolar e o tempo biológico, ocorre uma redução na dura- central, atividade locomotora, ingestão de líquidos (Li e
ção de sono, aumento na sonolência diurna, comprome- Satinoff, 1998) e de RNAm em células hipotalâmicas (Cai
timento do desempenho escolar, maior incidência de uso et al, 1997). As mudanças decorrentes do envelhecimento
de substâncias estimulantes e de substâncias alcoólicas e são mais profundas em tecidos extra-NSQs e afetam tanto
um aumento na percepção de cansaço crônico (Carska- o processo de ressincronização quanto a relação entre os
don, 1991; Fischer et al, 2003 e 2008; Andrade e Menna- zeitgebers internos e externos (Davidson et al, 2008). Em
-Barreto, 1996). Tais sintomas limitam as perspectivas do estudo realizado por Aujard e colaboradores (2001), veri-
adolescente quanto ao seu desenvolvimento intelectual, ficou-se uma redução na amplitude e maior variabilidade
geram discórdia no ambiente familiar e a exclusão deste na taxa de disparos de neurônios isolados dos NSQs de
aluno no ambiente escolar. camundongos de meia idade, sugerindo que as mudanças
Também investigamos a contribuição de outros ontogenéticas podem acontecer em células individuais e

ib.usp.br/revista
Revista da Biologia (2012) 9(3) 65
comprometer o acoplamento entre os osciladores. ritmo, associado a novos desafios temporais ambientais
Em humanos também, a resposta a um estímulo representados pela escola e pelos novos hábitos sociais.
temporal torna-se diferente, por causa de mudanças fisio- Já na terceira idade, ocorre o fenômeno inverso, com um
lógicas e/ou anatômicas decorrentes do envelhecimento avanço de fase no CVS e em outras variáveis fisiológicas,
(Weinert, 2010). Como mudanças nas eferências, que per- sendo que agora um sistema de temporização com maior
mitem a expressão dos ritmos biológicos, decorrentes do dificuldade de acoplamento interno também sofre o desa-
envelhecimento temos: fio de sincronizar-se a um ambiente no qual, muitas vezes,
1) redução na amplitude: observada, por exemplo, os sinais temporais sociais passam a ser menos regulares e
na redução da duração do sono ou repouso (Carrier et al, mais escassos para o indivíduo.
1996; Ceolim et al, 1996; Huang et al, 2002). Os ritmos de
24h de atividade/repouso e do ciclo vigília/sono tornam- Contribuição dos autores
-se amortecidos;
2) aumento na fragmentação: parecido com o que Redação do artigo: Clarissa Bueno e Daniela Wey.
acontece no início da vida. A desorganização temporal
interna entre os ritmos biológicos resulta em horários de Referências
CVS mais irregulares e fragmentados (Carskadon, et al,
1982; Huang et al, 2002); Areas R, Duarte, L e Menna-Barreto L. 2006. Comparative
3) adiantamento de fase dos ritmos biológicos: de ma- analysis of rhythmic parameters of the body temperature
neira geral, observa-se que os horários de sono, o ciclo de in humans measured with thermistors and digital
temperatura corporal, de secreção hormonal e o ciclo de thermometers. Biological Rhythm Research 37(5):419-24.
Aujard F, Herzog ED e Block, GD. 2001. Circadian rhythms in
atividade/repouso passam a acontecer mais cedo nos ido-
firing rate of individual suprachiasmatic nucleus neurons
sos (Copinschi e Van Cauter, 1995; Czeisler et al, 1992; from adult and middle-aged mice. Neuroscience 106:255–
Renfrew, et al, 1987). O idoso acorda mais cedo pois seu 261.
sono é mais superficial (leve), sobretudo no início do dia, Bueno, C; Diambra L, Menna-Barreto, L. 2001. Sleep-wake and
tornando-o mais suscetível aos estímulos ambientais que temperature rhythms in preterm babies maintained in a
causam o despertar precoce (Dijk et al, 2002). A dificul- neonatal care unit. Sleep Research Online 4(3), 77-82.
dade de iniciar e manter o sono noturno de forma conso- Cai A, Scarbrough K, Hinkle DA e Wise PM. 1997. Fetal grafts
lidada para o idoso pode ser decorrente de uma redução containing suprachiasmatic nuclei restore the diurnal
na capacidade de aquecer as extremidades e de responder rhythm of CRH and POMC mRNA in aging rats. American
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a pequenos aumentos de temperatura na cama (Raymann
Cambras T, Vilaplana J, Torres A, Canal MM, Casamitjana A,
et al, 2007; Raymann e Van Someren, 2008; Van Someren Campuzano A, Díez-Noguera A. 1998. Constant bright
et al, 2002). Alterações na temperatura da pele modulam light (LL) during lactation in rats prevents arrhythmicity
a ativação neuronal de estruturas cerebrais relacionadas à due to LL. Physiology and Behavior 63:875-82.
vigília e atuam como um terceiro sinal, além do sináptico Canal-Corretger, R. M M., Vilaplana, J, Cambras, T, Díez-
e humoral, para a modulação do sono noturno (Krauchi e Noguera, A. 2001. Functioning of the rat circadian system
Wirz-Justice, 1994; Van Someren, 2004). is modified by light applied in critical postnatal days.
Existem diferenças individuais no processo de en- American Journal of Physiology Regulatory Integrative
velhecimento e na expressão dos ritmos biológicos. Mu- and Comparative Physiology 280, 1023-30.
Carrier J, Monk TH, Buysse DJ e Kupfer DJ. 1996. Amplitude
lheres idosas podem apresentar amplitudes maiores. Essas
reduction or the circadian temperature and sleep rhythms
diferenças podem ser explicadas pela rotina e estilo de in elderly. Chronobiology International 13(05):373-389.
vida de cada um. Anatomicamente o envelhecimento é Carskadon MA. 1991. Adolescent sleepiness: increased risk in a
inevitável, mas a prática regular de atividades físicas ou de high-risk population. Alcohol, Drugs and Driving, 5:317-
atividades sociais e a adoção de hábitos de vida saudáveis 328.
ajudam a preservar o bom funcionamento do sistema de Carskadon, M.A, Wolfson, AR, Acebo, C, Tzischinsky, O, Seifer,
temporização circadiano e podem atenuar os efeitos in- R. 1998. Adolescent sleep patterns, circadian timing and
desejáveis do envelhecimento no sistema de temporização sleepiness at a transition to early school days. Sleep. 21
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Considerações finais Ceolim MF, Campedelli MC e Menna-Barreto L. 1996. Circadian
amplitude and quality of sleep in a group of elderly subjects.
Procuramos descrever algumas das principais mudanças Biological Rhythms Research 27(03):398-408.
observadas na expressão dos ritmos biológicos ao longo Copinschi G e Van Cauter E. 1995. Effects of ageing on
da vida. Assim, é possível identificar evidências de um modulation of hormonal secretions by sleep and circadian
sistema de temporização endógeno funcional ainda na rhythmicity. Hormone Research, 43:20-24.
vida intra-uterina, o qual, após o nascimento, amadure- Czeisler CA, Dumont M, Duffy JF, Steinberg JD, Richardson
GS, Brown EN, Sanchez R, Rios CD e Ronda JM. 1992.
ce, permitindo a expressão de um ritmo predominante-
Association of sleep–wake habits in older people with
mente circadiano de sono/vigília, que irá consolidar-se changes in output of circadian pacemaker. Lancet 34:933-
e sincronizar-se ao ambiente ao longo do primeiro ano 6.
de vida. Na adolescência, ocorre um atraso de fase neste Crowley SJ, Acebo C e Carskadon MA. 2007. Sleep, circadian

ib.usp.br/revista
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DOI: 10.7594/revbio.09.03.13 Revisão
Ensaio

Interação entre sincronizadores fóticos


e sociais: repercussões para a saúde
humana
Interaction between photic and social synchronizers: repercussions for
human health

Érico Felden Pereira*, Tâmile Stella Anacleto, Fernando Mazzilli Louzada


Laboratório de Cronobiologia Humana, UFPR
*Contato do autor: ericofelden@gmail.com

Resumo. O ciclo claro/escuro é considerado o mais importante zeitgeber dos ritmos de mamíferos. No Recebido 15out10
entanto, em humanos, o advento da luz elétrica alterou os padrões de sincronização. A exposição à luz Aceito 26jul12
artificial durante a fase escura, especialmente em função de situações de trabalho e estudo noturno, Publicado 27dez12
viagens transmeridianas e hábitos como TV e internet, está associada à dessincronização dos ritmos cir-
cadianos. Uma variedade de pesquisas básicas e aplicadas vem demonstrando as consequências dessa
falta de sincronização. Assim, o objetivo deste estudo foi discutir, em estudos com populações brasilei-
ras, as principais consequências das interações entre sincronizadores sociais e o ciclo claro/escuro, com
especial atenção às questões de saúde humana.
Palavras-chave. Ciclo claro/escuro; Exposição à luz artificial; Trabalho em turnos; Viagens transmeridianas;
Atraso de fase; Saúde humana.

Abstract. The light/dark cycle is considered the most important zeitgeber of mammals’ rhythms. For
humans, however, the advent of electric lighting changed synchronization patterns. The exposure to
artificial light during the dark phase, especially due to work and evening school, and TV/internet habits,
has been associated with desynchronization of circadian rhythms. A variety of basic and applied re-
search has demonstrated the consequences of being out-of-sync for health. The objective of this paper
is to discuss the main consequences of the interaction between social synchronizers and the natural
light/dark cycle, especially considering studies on the consequences for the human health in Brazilian
populations.
Keywords. Light/dark cycles; Exposure to artificial light; Shift work; Transmeridian travel; Sleep phase delay;
Human health.

Exposição ao ciclo claro/escuro e ritmicidade No trabalho, foi demonstrado que plantas sensitivas (pro-
biológica vavelmente Mimosa pudica), mesmo isoladas em escuro
constante eram capazes de manter o ritmo de abertura e
Desde os tempos mais remotos, os organismos convivem fechamento das folhas.
com processos cíclicos do ambiente. Em função da orga- Esse experimento, bem como estudos subsequen-
nização do sistema solar, a Terra é submetida a interações tes, demonstrou que, organismos mantidos em condições
que envolvem forças de atração entre os diferentes plane- constantes e, portanto, isolados das pistas do ambiente,
tas e corpos celestes. As interações da Terra com o Sol e a continuam expressando ritmos circadianos, com períodos
Lua, aliadas à inclinação de seu eixo, resultam nos ciclos maiores ou menores do que 24 horas.
ambientais, tais como o ciclo claro/escuro (Rotenberg et Nos mamíferos, a sincronização dos ritmos biológi-
al, 2003). cos é possível em função da presença de dois conjuntos
A relação entre os ritmos biológicos e os ciclos am- de neurônios hipotalâmicos, localizados sobre o quiasma
bientais é conhecida há muito. No entanto, a ideia inicial óptico, denominados núcleos supraquiasmáticos (NSQs).
de que esses ritmos seriam passivos, ou seja, determinados Tais neurônios apresentam papel central na geração dos
pelos ciclos ambientais, começou a ser desconstruída ape- ritmos biológicos, sendo, considerados osciladores cen-
nas a partir da publicação do experimento realizado em trais - termo adotado em substituição a “relógios biológi-
1729 pelo astrônomo Jean-Jacques d’ Ortous de Mairan. cos”. Essa denominação relaciona-se à descoberta da ex-
pressão de genes encontrados nos NSQs (genes do relógio)

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Revista da Biologia (2012) 9(3) 69
e em outras regiões do organismo, tais como fígado e rins. dos ritmos biológicos. Nesta fase mudanças importantes
Estas estruturas são capazes de gerar sua própria ritmicida- ocorrem no comportamento social, no desenvolvimento
de, mas a expressão rítmica final é coordenada pelos NSQs. fisiológico e na expressão do ciclo vigília/sono. As pos-
Dada essa relação estabelecida com os osciladores centrais, sibilidades de ocorrência de atrasos de fase do sono são
tais regiões são consideradas osciladores periféricos. maiores nos adolescentes. Os atrasos são caracterizados
Além de capazes de gerar ritmos endógenos, os neu- por horários mais tardios, tanto de dormir como de acor-
rônios dos NSQs comunicam-se com a retina, via trato dar, exacerbados pela exposição à luz na fase escura do
retino-hipotalâmico, recebendo, dessa forma, informação ciclo (Carskadon et al, 2004). Esse quadro, somado aos
luminosa do ambiente. Comunicam-se também com ou- horários de início das atividades escolares, especialmente
tras estruturas, transmitindo-lhes as informações sobre naqueles jovens que estudam pela manhã, bem como de
as condições de luminosidade captadas. Exemplo disso é fatores comportamentais e ambientais, acarreta situações
a relação estabelecida com a glândula pineal, responsável negativas como aumento excessivo da sonolência diurna,
pela produção do hormônio melatonina. A secreção desse problemas de atenção e aprendizado, privação crônica de
hormônio é ajustada por meio da relação entre glândula e sono, dentre outras (Pereira et al, 2010).
NSQ e ocorre durante a noite. Nos humanos, a secreção de Assim, exposições à luz durante a noite causariam
melatonina está relacionada à ocorrência do sono notur- um atraso maior de fase do sono relacionado, especial-
no. Sendo assim, é sabido que a exposição à luz durante a mente com alterações no processo homeostático de re-
fase escura do ciclo pode inibir a secreção desse hormônio, gulação do sono (processo S), provocando um aumento
antecipando ou atrasando a fase dos ritmos biológicos, em da propensão ao sono ao longo do dia e possíveis débitos
especial do ciclo vigília/sono. Além da secreção de melato- de sono (Carskadon et al, 2004). No entanto, durante a
nina à noite, a secreção de cortisol antes do amanhecer e o adolescência, fatores biológicos, além da exposição à luz
pico de temperatura corporal antes do anoitecer são outros artificial, parecem estar relacionados a este atraso de fase.
exemplos das relações de fase estabelecidas entre os ritmos Adolescentes mais velhos adormecem mais lenta-
e o ciclo claro/escuro ambiental. mente e apresentam um acúmulo de pressão do sono me-
A manutenção dos ritmos em ambiente constante de- nor durante o dia. Além disso, existe a hipótese de que a
monstra o caráter endógeno da ritmicidade biológica (Mar- sensibilidade à luz seja alterada durante a puberdade, tan-
ques et al, 2003), o que permite que o organismo prepare-se to em humanos como em animais (Carskadon et al, 2004;
progressivamente para as transições entre as diferentes fases Crowley e Carskadon, 2010). Esta hipótese ainda não está
e ajuste seus ritmos ao ciclo ambiental. Esse processo pode inteiramente comprovada.
ser promovido por ciclos geofísicos ou bióticos, conhecidos A magnitude do atraso de fase parece ser maior no
como zeitgebers (Aschoff, 1960). sexo masculino e ocorrer de forma mais tardia na espécie
Em condições normais, o ritmo endógeno gerado humana, na qual seu pico se dá nas fases finais de desen-
pelo sistema de temporização pode ser sincronizado por volvimento gonadal. Em outras espécies de mamíferos, o
pistas de tempo externas, como o ciclo claro/escuro - cha- atraso ocorre concomitantemente com o desenvolvimento
mado, então, de sincronizador fótico. No entanto, essa ex- das características sexuais secundárias. As causas do atra-
posição pode ser influenciada por outros eventos. No caso so de fase mais tardio na espécie humana são desconheci-
da espécie humana, os horários escolares, o trabalho notur- das e as pesquisas apresentam limitações metodológicas,
no e em turnos e os vôos transmeridianos (Rea et al, 2008) mas a iluminação artificial pode ter papel importante nes-
podem ser tomados como exemplo disso, sendo chamados te processo. Além disso, o fato de algumas regiões cere-
de sincronizadores sociais (“social zeitgebers”) (Mistlberger brais continuarem a se desenvolver nos humanos mesmo
e Skene, 2004). após os 20 anos pode colaborar para tais características
Dessa forma, considerando as importantes conse- (Crowley e Carskadon, 2010).
quências da interação entre os sincronizadores sociais com Em recente publicação, Kurth et al (2010), apresen-
o ciclo claro/escuro, especialmente com relação à saúde hu- taram uma descrição das alterações dos estágios de sono
mana, serão abordadas neste ensaio as principais situações durante a adolescência. Esses pesquisadores analisaram
de alterações na exposição à luz, desde o natural atraso de os estágios de sono em um grupo de jovens púberes e
fase na adolescência, que é exacerbado por hábitos como pré-púberes e identificaram que adolescentes maturados
a utilização de TV e internet à noite; as importantes mo- (púberes) apresentam maior tempo para início de sono
dificações na expressão do ciclo vigília/sono em situações (latência de sono) e maior número de despertares. Além
de trabalho noturno, tanto na adolescência como na vida disso, foi identificada uma diminuição mais acentuada de
adulta, e as mudanças radicais nos ritmos biológicos que sono de ondas lentas em crianças pré-púberes nos cinco
podem ocorrer em viagens transmeridianas. Buscou-se ain- primeiros episódios de sono quando comparadas com as
da, revisar algumas das principais publicações relacionadas púberes. Segundo os autores, os resultados podem indicar
ao tema com especial atenção aos estudos com amostras maior força sináptica dos neurônios envolvidos na gera-
brasileiras. ção de ondas lentas no sono de crianças pré-púberes. Isto
pode ser devido à maior densidade de sinapses corticais,
O atraso de fase na adolescência já que o curso da adolescência é acompanhado por uma
redução na densidade de sinapses e no volume da subs-
A adolescência vem chamando atenção dos pesquisadores tância cinzenta.

ib.usp.br/revista
70 Pereira et al: Sincronizadores sociais e saúde humana
No contexto do atraso de fase, os adolescentes po- te com a experiência e o sucesso profissional. Os autores
dem, de forma geral, estar expostos a três situações que al- salientam que, além de evitar a saída precoce da escola,
teram mais claramente a exposição natural ao ciclo claro/ previnem-se agravos à saúde decorrentes da sobrecarga
escuro: a) pelo atraso natural nos horários de dormir, tí- trabalho/estudo, inclusive com relação aos problemas de
pico da adolescência; b) pelos comportamentos sociais e a débito de sono e desfechos relacionados.
exposição a TV, videogames e internet à noite e c) pela in- Fischer et al (2008) acrescentaram alguns importan-
serção dos adolescentes no mercado de trabalho, o que os tes resultados em pesquisa com estudantes de 14 a 21 anos
obriga a estudar à noite e trabalhar durante o dia. Em tese, de idade, em cursos noturnos na cidade de São Paulo. Os
tais situações abrangeriam a maior parte das situações de pesquisadores verificaram uma redução de mais ou menos
exposição peculiares de adolescentes ao ciclo claro/escu- duas horas diárias de sono nos dias da semana nos ado-
ro, e não se excluem entre si. Embora a literatura sobre lescentes trabalhadores e associação da duração do sono
sono na adolescência seja ampla, as repercussões das três com fatores como alcoolismo, tabagismo e baixo nível de
situações descritas, especialmente em longo prazo, foram atividade física. Além disso, a carga de trabalho de seis a
pouco investigadas, analisando-se normalmente o efeito oito horas ou de oito a 10 horas também esteve associada
dessas situações na diminuição da duração do sono. à menor duração do sono no grupo de trabalhadores in-
vestigados.
Trabalho noturno ou em turnos Em outra pesquisa realizada também com adoles-
centes paulistas, Teixeira et al (2010) verificaram que a
O trabalho ocupa importante papel na sociedade, pois as maioria dos adolescentes que trabalha atua em lojas ou
pessoas passam boa parte de suas vidas dentro de organi- escritórios, recebe até um salário mínimo e cumpre, pelo
zações e começam a trabalhar cada vez mais cedo, inclusi- menos, 40 horas semanais de trabalho. O estudo detec-
ve durante a adolescência. Nesse contexto, Dejours (1992) tou em trabalhadores jovens diferenças na duração do
sugere que o trabalho possa ser fonte tanto de saúde e pra- sono nos dias de semana quando comparados aos finais
zer como de doenças e infelicidade e, de qualquer forma, de semana, o que não ocorre em adolescentes não traba-
são necessários vários ajustes psíquicos para que as condi- lhadores. Em algumas faixas etárias, em torno de 70% dos
ções de trabalho não provoquem estados patológicos. adolescentes trabalhadores relataram sonolência diurna
As condições de inserção dos jovens brasileiros no excessiva. Não foram observadas diferenças quanto ao
mercado de trabalho vem se tornando objeto de pesquisa. sexo, tabagismo, cafeína e nível de atividade física entre
Os estudos de Machado et al (1998) e Vinha et al (2002) adolescentes trabalhadores e não trabalhadores. Os auto-
foram pioneiros em analisar com maior profundidade o res acrescentam ainda que adolescentes que não possuem
sono de adolescentes trabalhadores no Brasil. Machado compromissos com horários regulares se permitem dor-
et al (1998) investigaram as relações entre o turno escolar mir mais tarde e participam de atividades sociais à noite.
e trabalho para o sono dos adolescentes do sexo femini- Inúmeras variáveis podem estar associadas ao con-
no. Neste estudo, foi identificada menor duração do sono texto de trabalho e sono na adolescência. O estudo de Ber-
em adolescentes que trabalham durante a semana. Veri- nardo et al (2009) avança em algumas análises e apresenta
ficaram ainda que aquelas que estudavam à noite e que dados de um grupo de adolescentes trabalhadores de São
trabalhavam durante o dia, apresentavam maior irregula- Paulo – SP, os quais apresentaram menor duração do sono,
ridade do sono e aumento da duração no final de semana. independente da classe socioeconômica, que é um impor-
A duração média de sono das adolescentes trabalhadoras tante fator de inserção dos jovens no mercado de trabalho.
passou de 6.7h para 9.67h nos finais de semana, suposta- Os autores verificaram também que adolescentes que tra-
mente uma forma de recuperar os débitos de sono acumu- balham apresentaram uma prevalência 1,40 vez (IC 95%:
lados nos dias de trabalho. 1,20-1,72) maior de baixa duração do sono com relação
Corroborando os resultados de Machado et al aos não trabalhadores.
(1998), Vinha et al (2002), investigando adolescentes tra- Apesar de apresentarem importantes resultados, os
balhadores e não trabalhadores, com média de idade de estudos com sono em adolescentes que trabalham são ain-
17,4 anos, verificaram também uma maior irregularidade da restritos e recentes no Brasil. Além disso, apresentam
nos padrões de sono nos adolescentes trabalhadores, além limitações como o número de sujeitos investigados, os
de uma redução da duração do sono nos dias de sema- inúmeros fatores que podem ser importantes na relação
na. Observaram ainda que, enquanto nos adolescentes a entre sono e trabalho na adolescência bem como nas aná-
duração do sono aumentava nos finais de semana, como lises estatísticas que foram realizadas. Além da reduzida
forma de compensação, os não trabalhadores mostraram duração do sono nos adolescentes trabalhadores e maior
uma tendência à compensação no início da semana. regularidade no sono dos adolescentes não trabalhadores,
A partir de então, outras publicações trouxeram im- outras tendências, especialmente quanto a outros possí-
portantes contribuições para a compreensão do contexto veis fatores associados à curta duração do sono nos jovens
da saúde e sono nos adolescentes brasileiros que trabalham trabalhadores, necessitam de maiores análises para serem
(Fischer et al, 2003; Teixeira et al, 2007; Fischer et al, 2008; confirmadas.
Teixeira et al, 2010). Fischer et al (2003), investigando as Torna-se importante uma investigação mais apro-
representações sociais dos jovens trabalhadores, destacam fundada a respeito do efeito do trabalho em adolescen-
que se deve superar a visão de associar o trabalho somen- tes de diferentes classes sociais, para caracterizar: tipo de

ib.usp.br/revista
Revista da Biologia (2012) 9(3) 71
ocupação, horário e cargas diária e semanal de trabalho, cundidade entre mulheres com alteração da ritmicidade
características psíquicas, alimentares e de estado nutricio- circadiana em função dos turnos de trabalho, tais como
nal, diferenças regionais e culturais, análises ergonômicas os enfrentados por comissárias de bordo ou enfermeiras.
detalhadas dos postos de trabalhos nas mais diferentes (Mahoney, 2010).
ocupações que os adolescentes desempenham. Além dis- Entretanto, deve-se considerar que os prejuízos da
to, são necessárias medidas de intervenção, tanto no local adoção de uma rotina de trabalho noturno ou em turnos
de trabalho, como na educação para o trabalho e saúde na não se restringem apenas à saúde do indivíduo. Em traba-
escola, bem como uma revisão das leis trabalhistas para lho publicado em 2002, Fischer et al chamam atenção para
essa população. o fato de que enfermeiros que trabalhavam em regime de
Apesar da relevância desta discussão, os adolescen- trabalho de 12 horas noturnas, com descanso de 36 ho-
tes são apenas uma parcela da população trabalhadora ras, apresentavam diminuição significativa da capacidade
que sofre com os efeitos da privação de sono gerada pelo de manutenção da atenção ao longo das horas de traba-
trabalho noturno ou em turnos. Segundo estatísticas, du- lho, sendo que o mesmo não ocorria com trabalhadores
rante o ano de 2004, 27 milhões de americanos realiza- diurnos (Fischer et al, 2002). A queda no alerta é esperada
vam esse tipo de jornada (Mahoney, 2010). Em trabalho porque à noite ocorre o menor valor da expressão do com-
publicado em 2003, Moreno et al estimaram que 10% da ponente circadiano da regulação do alerta, aumento da
população brasileira ativa trabalhava em turnos ou à noite. fadiga e débito de sono, gerando maior sonolência (Akers-
Estudos epidemiológicos mostraram que trabalha- tedt, 1996). Dessa forma, são aumentados os riscos de
dores em turnos apresentam um aumento na prevalência acidentes e erros durante a jornada de trabalho. Somada
de problemas metabólicos (diabetes, níveis de triglicerí- a isto, está a dificuldade de socialização, porque horários
deos e colesterol), de sono e cardiovasculares (hipertensão de dormir e acordar dos trabalhadores noturnos divergem
e doenças coronarianas), além de maior risco de câncer dos horários comumente adotados pela família e amigos.
(Kanterman et al, 2010; Davis e Mirick, 2006). Em estudo Neste contexto, segundo Moreno et al (2003), as mulheres
com 4.878 motoristas de caminhão brasileiros, Moreno trabalhadoras parecem sofrer mais do que os homens, já
et al investigaram a associação entre redução das horas que a preocupação com as tarefas de casa e com os cuida-
de sono e obesidade (Moreno et al, 2003). Nesse estudo, dos com os filhos, costumeiramente realizados por elas,
identificaram também que ronco, hipercolesterolemia, hi- interfere na capacidade de adormecer durante o dia.
pertensão, hiperglicemia e duração de sono menor do que
oito horas são fatores associados à obesidade. Entretan- Voos transmeridianos
to, o elevado índice de massa corporal pode ser explicado
pela tríade de fatores que inclui, além da privação parcial Além da submissão a uma rotina de trabalho noturno ou
de sono, o sedentarismo e a ingestão de dieta pouco di- em turno, outros eventos, tais como longas viagens trans-
versificada (Moreno et al, 2003). A obesidade também foi meridianas, podem gerar alterações da ritmicidade circa-
descrita em estudo prévio de Moreno et al, com 10.101 diana. Após longas viagens, costuma-se observar quadros
motoristas de caminhão, como um dos fatores associados de fadiga, geralmente superados após uma noite de sono.
à presença de apneia obstrutiva do sono (Moreno et al, Entretanto, vôos transmeridianos geralmente criam uma
2004). Mello et al, por sua vez, ao estudarem 400 motoris- condição conhecida como jet lag. Esta condição é carac-
tas de ônibus interestaduais brasileiros, constataram que terizada pela dificuldade de adaptação aos novos horários
60% dos trabalhadores apresentavam queixa de, pelo me- impostos pela mudança de fuso horário (Waterhouse et
nos, um problema de sono (Mello et al, 2000). al, 2007). Isso ocorre porque nossos ritmos estão sincro-
De acordo com recomendações da International nizados ao local de origem, demorando alguns dias para
Agency for Research on Cancer (IARC), o trabalho em tur- sincronizarem-se aos ciclos ambientais e sociais do local
nos, envolvendo ruptura dos ritmos biológicos, foi classi- de destino.
ficado como uma provável causa de câncer de mama, sen- A intensidade dos sintomas do jet lag varia de acor-
do que evidências epidemiológicas e experimentais emba- do com o número de fusos horários percorridos, bem
saram tal conclusão. (Pronk et al, 2010). O crescimento de como com a direção tomada, sendo que vôos em sentido
tumores inoculados já foi também evidenciado em expe- leste parecem estar relacionados a sintomas mais seve-
rimentos com ratos que tiveram seus NSQs lesionados ou ros (Waterhouse et al, 2007). Segundo alguns autores, o
que foram submetidos a repetidos adiantamentos do ciclo jet lag causa uma miríade de problemas físicos, emocio-
claro/escuro. Os resultados são explicados pela secreção nais e psiquiátricos (Mahoney, 2010), que variam desde
alterada de melatonina, já que esse hormônio parece ter dores de cabeça, problemas gastrointestinais, diminuição
efeito protetor sobre o crescimento de tumores, pelo me- do apetite, dificuldades de manutenção de atenção e con-
nos in vitro (Davis e Mirick, 2006). centração e baixo rendimento em tarefas físicas e mentais
Entre as mulheres, observam-se os efeitos da alte- (Waterhouse et al, 2007).
ração dos ritmos biológicos sobre o ciclo menstrual, da- Tanto em situações de jet lag como em situações de
das as queixas de mais dor durante o período menstrual, trabalho noturno ou em turnos algumas medidas podem
maior fluxo e maior duração do sangramento. Também ser adotadas na busca pela redução dos efeitos causados
foram encontrados relatos de maior número de nascimen- pela dessincronização ao ciclo dia/noite. Entre essas me-
tos de bebês de baixo peso, abortos espontâneos e subfe- didas, deve-se considerar a rápida alternância de turnos

ib.usp.br/revista
72 Pereira et al: Sincronizadores sociais e saúde humana
de trabalho, evitando-se que durante os dias de semana o Chronobiology International 27: 1469-1492.
indivíduo adote uma rotina noturna que tende a ser subs- Davis S e Mirick DK. 2006. Circadian disruption, shift work and
tituída por uma rotina diurna durante os finais de semana, the risk of cancer: a summary of the evidence and studies
causando grande dificuldade de tolerância. Além disso, in Seattle. Cancer Causes & Control 17: 539-545.
Dejours C. 1992. A loucura do trabalho: estudo de psicopatolo-
medidas como uso de óculos de sol durante a volta para
gia do trabalho. (5a. edição). São Paulo: Cortez.
casa, evitando-se a exposição à luz durante a manhã e a Fischer FM, Teixeira LR, Borges FNS, Gonçalves MBL e Ferreira
exposição à luz artificial durante a noite são medidas que RM. 2002. Percepção de sono: duração, qualidade e alerta
poderiam ajudar o indivíduo na sua sincronização ao ciclo em profissionais da área de enfermagem. Cadernos de Saú-
claro/escuro ao qual está exposto. Essas duas práticas, no de Pública 18: 1261-1269.
entanto, ainda precisam ser investigadas, pois a exposição Fischer FM, Oliveira DC, Teixeira LR, Teixeira MCTV e Amaral
à luz tem efeitos tanto de adiantamento quanto de atraso MA. 2003. Efeitos do trabalho sobre a saúde de adolescen-
da fase dos ritmos, de forma que a aplicação imprópria tes. Ciência & Saúde Coletiva 8: 973-984.
dessa medida pode trazer prejuízos maiores ao organismo Fischer FM, Nagai R e Teixeira LR. 2008. Explaining sleep dura-
tion in adolescents: the impact of socio-demographic and
(Moreno et al, 2003).
lifestyle factors and working status. Chronobiology Inter-
No caso da dessincronização causada pela mudan- national 25: 359-372.
ça de fusos horários, embora não se conheçam formas de Kantermann T, Juda M, Vetter C e Roenneberg T. 2010. Shift-
curar ou evitar totalmente os sintomas do jet lag, sabe-se work research: Where do we stand, where should we go?
que o uso de drogas indutoras do sono ou que melhoram Sleep and Biological Rhythms 8: 95-105.
o estado de alerta pode amenizar os efeitos de fadiga. A Kurth S, Jenni OG, Riedner B A, Tononi G, Carskadon MA e
ingestão do hormônio melatonina, secretado natural- Huber R. 2010. Characteristics of sleep slow waves in chil-
mente pela glândula pineal durante a fase de escuro do dren and adolescents. Sleep 33: 475-480.
ciclo claro/escuro, parece garantir melhora dos sintomas Machado ERS, Varella VBR e Andrade MMM. 1998. The influ-
ence of study’s schedule and work on the sleep-wake cycle
(Waterhouse et al, 2007). Apesar disso, a comercialização
of college students. Biological Rhythm Research 29: 578-
desse hormônio é proibida no Brasil, sendo ainda pouco 584.
conhecidas todas as consequências do seu uso para o or- Mahoney MM. 2010. Shiftwork, jet lag, and female reproduc-
ganismo. tion. International Journal of Endocrinology v.2010: 1-9.
Por fim, é importante mencionar que o conheci- Marques MD, Golombek D e Moreno C. 2003. Adaptação Tem-
mento acerca dos vários problemas decorrentes da des- poral In: Marques, N. e Menna-Barreto, L. (2003). Crono-
sincronização entre ritmos sociais e circadianos deveria biologia: Princípios e Aplicações. São Paulo: Editora da
ser motivo de reavaliação da real necessidade da adoção Universidade de São Paulo. 3a. edição, 46-84.
de rotinas que levem a esse conflito. Se em algumas situ- Mello MT, Santana MG, Souza LM, Oliveira P CS, Ventura ML,
Stampi C e Tufik S. 2000. Sleep patterns and sleep-related
ações, tais como atendimentos de emergência em hospi-
complains of Brazilian interstate bus drivers. Brazilian
tais, corpo de bombeiros ou delegacias é extremamente Journal of Medical and Biological Research 33: 71-77.
necessária a presença de atendentes de plantão, outras si- Mistlberger RE e Skene DJ. 2004. Social influences on mamma-
tuações, como funcionamento de lojas de conveniência e lian circadian rhythms: animal and human studies. Biol.
lanchonetes 24 horas, poderiam ser facilmente abolidas, Rev 79: 533-556.
em detrimento da preservação da saúde de trabalhadores Moreno CRC, Fischer FM e Rotenberg L. 2003. A saúde do tra-
desse setor. Da mesma forma, a preferência pela escola de- balhador na sociedade 24 horas. São Paulo em Perspectiva
veria ser incentivada, evitando que os jovens tenham uma 17: 34-46.
rotina de trabalho que os obrigue a estudar à noite e, con- Moreno CRC, Carvalho FA, Lorenzi C, Matuzaki LS, Prezotti S,
Bighetti P, Louzada F M e Lorenzi-Filho G. 2004. High risk
sequentemente, privar-se de sono. Estas medidas seriam a
for obstructive sleep apnea in truck drivers estimated by
melhor forma de preservar a saúde e garantir uma sólida the Berlin Questionnaire: prevalence and associated fac-
formação profissional. tors. Chronobiology International 21: 871–879.
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ib.usp.br/revista
Revista da Biologia (2012) 9(3): 74–79
DOI: 10.7594/revbio.09.03.14 Revisão

Estimativa de tempo em humanos: bases,


ontogênese e variação diária
Time estimation in humans: basis, ontogenesis and daily variation

Mario André Leocadio Miguel


Escola de Artes, Ciências e Humanidades e Departamento de Fisiologia e Biofísica, Instituto de Ciências
Biomédicas, USP
Contato do autor: mmiguel@usp.br

Resumo. A capacidade de estimar a passagem de tempo é necessária para a expressão de compor- Recebido 18out10
tamentos complexos como o falar e o atravessar uma rua. Diversos modelos foram elaborados para Aceito 26jul12
descrever o fenômeno e as bases neurais subjacentes à estimativa de tempo indicam o envolvimento, Publicado 27dez12
tanto de áreas corticais, quanto subcorticais. A capacidade de estimar a passagem de tempo varia con-
forme as diferentes etapas da vida; sofre influência de aspectos emocionais e da pressão do sono, além
de ser controlada, ao menos em parte, pelo sistema de temporização circadiano. É uma área de estudo
em franca expansão e visa compreender o processamento temporal nos mais diversos níveis.
Palavras-chave. Cronobiologia; Percepção de tempo; Sistemas de temporização.

Abstract. Timing is necessary for the expression of complex behaviors such as to speak and to cross a
street. Several models have been elaborated to describe the phenomenon and the underlying neural
basis indicates the role of cortical and sub-cortical areas. Time estimation varies in an age-dependent
way and is influenced by emotions and sleep pressure, besides being, at least in part, controlled by
the circadian timekeeping system. It is a booming area of research and is intended to understand how
temporal processing occurs in different levels.
Keywords. Chronobiology; Time perception; Timekeeping systems.

Introdução cidade de um organismo em estimar a passagem do tempo


é baseada no modelo de processamento de informação ou
Tempo e Espaço são dimensões fundamentais de nossa Modelo Marcapasso-Acumulador (Treisman, 1963). Este
existência. Enquanto a dimensão espacial está perdendo modelo foi desenvolvido para descrever o funcionamento
seu valor em uma realidade dominada pelas redes de com- de um “relógio interno” que, presumidamente, medeia a
putadores, bibliotecas virtuais e dispositivos multi-tarefa, habilidade de estimar intervalos de tempo em humanos e
a dimensão temporal está se tornando a essência de nos- outros animais. Este modelo é baseado nas primeiras ten-
so cotidiano, sendo crucial para as atividades rotineiras, tativas de se criar uma modelagem para o comportamen-
como nos horários de dormir e acordar, na prática espor- to de estimativa de tempo, especialmente nos esforços de
tiva, na apreciação da música e na compreensão da fala Creelman (1962), que chegou a propor que a capacidade
(Buhusi e Meck, 2005). de um organismo em estimar a passagem do tempo era de-
A capacidade de perceber da passagem do tempo, da pendente da presença de um mecanismo interno respon-
ordem de milissegundos a minutos, horas, dias, meses e sável pelo acúmulo de pulsos gerados por um marcapasso.
anos, está intrinsecamente relacionada a atos corriqueiros, O modelo de Treisman compreende três componentes
como dirigir, atravessar uma rua ou decidir se deve aguar- distintos, um marcapasso, responsável por gerar pulsos
dar ou não a abertura de uma página na internet (Block em uma determinada frequência, um acumulador, dedi-
et al, 1998). Esta revisão tem como objetivo descrever os cado à contagem dos pulsos gerados, e um comparador,
modelos que explicam a capacidade de estimar a passa- que faz a ligação entre o número de pulsos presentes no
gem do tempo, suas bases neurofisiológicas, as questões acumulador e as representações de memória de intervalos
ontogenéticas e de variabilidade individual e os aspectos de tempo anteriormente experimentados. Um detalhe in-
cronobiológicos deste comportamento. teressante no modelo é a presença de um mecanismo de
controle do marcapasso, o qual tem o seu funcionamento
Modelos de sistemas de temporização dependente de um estado geral de excitabilidade do sis-
tema nervoso, controlando assim a frequência dos pulsos
A abordagem tradicional utilizada para descrever a capa- gerados (Figura 1).

ib.usp.br/revista
Revista da Biologia (2012) 9(3) 75
ou não, qual a faixa de duração dos estímulos apresenta-
dos, qual o conteúdo emocional do contexto experimental
(Wittmann, 2009). Contudo, seja qual for o modelo apli-
cado, a busca pelas bases neurais que suportam a capaci-
dade de estimar o tempo é a tendência atual mais evidente
desta área de estudo.

Bases neurofisiológicas do comportamento de


estimativa de tempo

Como se dá e como é representada a capacidade de es-


timativa de tempo no sistema nervoso? A atividade si-
Figura 1. Modelo de relógio interno proposto por Treisman nérgica de áreas como os gânglios da base, a área motora
(1963). Adaptado de Droit-Volet e Meck (2007).
suplementar, o cerebelo e o córtex frontal anterior (ou
Embora o modelo de Treisman seja capaz de dar pré-frontal) está relacionada com a estimativa explícita da
suporte à existência de uma variabilidade no comporta- duração do intervalo de tempo, constituindo a base neural
mento de estimativa de tempo de acordo com as varia- para este comportamento (Figura 2) (Coull et al, 2011).
ções no metabolismo e no grau de excitabilidade do sis-
tema nervoso, não compreende a capacidade de partição
da atenção entre diferentes aspectos em um determinado
contexto. Como exemplo, consideremos um indivíduo
parado no passeio e aguardando para atravessar a rua.
Neste contexto, além de ser capaz de descrever em deta-
lhes a situação, como quais carros estão passando, se há
ou não pessoas por perto, este indivíduo também conse-
gue estimar o tempo de chegada de um carro vindo em
Figura 2. Áreas neurais envolvidas no comportamento de esti-
sua direção e assim determinar se é seguro atravessar ou
mativa de tempo. Resultado de imageamento funcional por res-
não. Portanto, assumindo que o processamento da infor- sonância magnética (fMRI). Adaptado de (Ortuno e col., 2011).
mação temporal ocorre, em situações cotidianas, imerso
em um intrincado contexto temporal e não-temporal, no Foi descrito um modelo com base neurofisiológica
qual diversas tarefas são realizadas simultaneamente, há a para o comportamento de estimativa de tempo baseado
necessidade de uma divisão contínua dos recursos aten- no funcionamento da circuitaria neural estriado-frontal.
cionais entre as tarefas, através de estratégias de alocação De acordo com este modelo, a representação do tempo
de recursos. O modelo de Meck e Church (1983) intro- deve-se à habilidade do corpo estriado dos núcleos da
duz um elemento ao modelo anterior com a finalidade de base em detectar padrões coincidentes de oscilações cor-
controlar, binariamente, a alocação da atenção à passagem ticais e talâmicas, ou seja, sincronização de disparos neu-
do tempo. Tal elemento atua como um interruptor que di- ronais destas áreas em resposta às tarefas de percepção
rige o foco atencional ao tempo ou aos outros elementos de tempo. (Matell e Meck, 2000). Utilizando a técnica de
dentro de um determinado contexto. Posteriormente foi imageamento funcional por ressonância magnética, Rao
proposto o Modelo do Portão Atencional (Block e Zakay, et al (1997) estudaram indivíduos que foram solicitados
1996), o qual adiciona ao modelo tradicional de Treisman a sincronizar movimentos de dedos com um estímu-
a ideia de um portão atencional. De maneira geral, quan- lo auditório – numa primeira fase – e manter a mesma
to mais atenção é alocada ao tempo, maior o número de frequência de movimentos após o final de uma série de
pulsos gerados pelo marcapasso, resultando em uma su- estímulos – segunda fase. A ideia era observar o padrão
perestimação do tempo. A adição deste controle do foco de ativação cerebral, comparando as duas fases. Os auto-
atencional, não mais binário, ajusta-se aos dados obtidos res observaram que o tálamo, o córtex e o núcleo estriado
experimentalmente que descrevem o papel da excitabili- apresentaram atividade sincronizada apenas na segunda
dade do sistema nervoso, dos estados de humor e da emo- fase do experimento, quando a estimativa de tempo era
ção sobre a capacidade de estimar a passagem de tempo. fundamental diante da interrupção da pista temporal dada
Especificamente, Gil e Droit-Volet (2012) descreveram em pela série de estímulos.
indivíduos expostos a contextos emocionalmente ativos, Em experimento semelhante realizado com indiví-
como imagens que incitem nojo e medo, superestimam o duos portadores de lesões cerebelares, foi demonstrado
tempo. Interessantemente, tal fenômeno apresenta corre- que quando estão afetadas as áreas laterais do cerebelo, o
lação direta com o grau de ativação emocional envolvida movimento de tamborilar os dedos em uma dada frequên-
no contexto. cia fica prejudicado (Ivry et al, 1988). Mais recentemente,
Diferentes fatores influenciam o ajuste dos mode- foram estabelecidas correlações entre lesões em áreas do
los teóricos aos dados experimentais coletados, princi- cerebelo humano e diferentes formas de percepção e es-
palmente com relação ao tipo de protocolo utilizado: se timativa de tempo. Os déficits mais significativos foram
é solicitado ao voluntário para prestar atenção ao tempo encontrados em indivíduos portadores de lesões nas áreas

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76 Miguel: Estimativa de tempo em humanos
superiores dos hemisférios laterais e no núcleo denteado, cidade de estimar diferentes intervalos de tempo em uma
reafirmando o papel destas estruturas na estimativa de população de idade variada, num total de 140 voluntários
tempo (Gooch et al, 2010). com idade entre 08 e 70 anos. A tarefa consistia em produ-
Os estudos de percepção de tempo em portadores zir intervalos de 10 segundos, 01 minuto e 05 minutos. A
da doença de Parkinson ajudaram a elucidar os seus me- tendência geral encontrada neste estudo foi um aumento
canismos neurais. Estes pacientes têm os núcleos da base na subestimação do intervalo de tempo para os indivíduos
afetados, apresentando neurodegeneração das células do- de maior idade, ou seja, o tempo passa mais rápido para os
paminérgicas na substância nigra pars compacta e con- mais velhos. Esta subestimação, segundo os autores, deve-
sequente déficit funcional do corpo estriado, este último -se à modificação na velocidade dos processos fisiológicos
intrinsecamente envolvido no sucesso do comportamento ou do “relógio interno” ou, ainda, poderia ser resultado
de estimativa de tempo. Pacientes portadores de Parkin- de uma menor atenção despendida à passagem de tempo.
son apresentam déficit na habilidade de sincronizar toques Com base na ideia da variação ontogenética e na alta sen-
de dedos com um estímulo sonoro de intervalos entre 300 sibilidade do comportamento de estimativa de tempo em
e 600ms (Harrington et al,1998). A doença de Parkinson procedimentos que envolvam atenção e memória, Lustig
afeta, diferentemente, estimativas em faixas distintas de e Meck (2001) propuseram um experimento com a fina-
tempo, entre 100 e 500ms e entre 1 e 5 segundos. Pacientes lidade de evidenciar os efeitos do envelhecimento sobre a
expostos a tarefas de estimativa de intervalos de tempo da capacidade de estimar a duração de estímulos de diferen-
ordem de segundos apresentam déficits mais significati- tes naturezas, auditiva e visual, apresentados simultanea-
vos, quando comparados com o seu próprio desempenho mente. Neste tipo de tarefa, os voluntários devem prestar
face a intervalos mais curtos, confirmando o papel dos nú- atenção aos diferentes estímulos com diferentes durações,
cleos da base na percepção temporal em níveis mediados como um som e uma imagem apresentados através de um
pela atenção, pela memória e por processos de tomada de computador. Para que o desempenho seja máximo, os
decisão, além de protocolos com intervalos da ordem de voluntários devem ser capazes de dividir a atenção entre
sub-segundos (Smith et al, 2007). os estímulos (visual e auditivo) e estimar, independente-
Os estudos mais recentes apontam para o envolvi- mente, as durações. Entre outros resultados, este estudo
mento de uma grande parte do sistema nervoso no con- demonstra que os indivíduos idosos apresentam um défi-
trole da percepção subjetiva de tempo (Morillon et al, cit significativo na tarefa de partição da atenção entre os
2009). Especialmente com o avanço das técnicas de ima- estímulos, quando comparados com indivíduos adultos
geamento funcional, estão sendo expostas particularida- jovens. Ademais, curiosamente, tal déficit foi apresentado
des dos padrões de atividade do sistema nervoso de acor- apenas pelos idosos submetidos aos testes na fase da ma-
do com a duração dos eventos propostos. De acordo com nhã, em contraste com o desempenho dos submetidos na
Lewis e Miall (2003), a duração trás consigo a necessidade fase da tarde.
ou não de um controle cognitivo atencional ou de memó-
ria. A estimativa de intervalos da ordem de milissegundos A cronobiologia e a estimativa de intervalo de tem-
apresenta uma menor necessidade de ativação das áreas po
corticais relacionadas à atenção e memória, quando com-
parada à estimativa de intervalos mais longos. Todo organismo vivo pode ser descrito em relação a
dois conjuntos distintos de características. As configura-
Ontogênese do comportamento de estimativa de ções espaciais da estrutura física de cada organismo e do
tempo seu meio ambiente são familiares a todos. Muito mais sutil
e menos percebido aos olhos destreinados é a estrutura ou
É de conhecimento geral a noção de que o tempo organização temporal de cada organismo frente aos ele-
passa mais rápido conforme envelhecemos. Baseado nessa mentos rítmicos de seu ambiente. Enquanto a estrutura
premissa, Cohen (apud Block et al 1998) especulou sobre espacial, suas células, tecidos, órgãos e sistemas dão forma
a relação entre o envelhecimento e a percepção subjetiva à matéria viva, o aspecto temporal promove relevância ao
da passagem do tempo. Ele atribui esta impressão, em par- comportamento por relacionar as funções orgânicas aos
te, à mudança na taxa metabólica, o que afetaria o julga- aspectos rítmicos do ambiente, como o ciclo claro-escuro
mento de estimativa de tempo. De acordo com Block et al ambiental (Dunlap et al, 2004).
(1998), as diferenças ontogenéticas no julgamento da du- A maioria dos animais superiores possui dois siste-
ração de intervalos de tempo podem derivar de alterações mas endógenos e complementares de controle da tempo-
em vários parâmetros fisiológicos e processos cognitivos, rização: um sistema que mede a passagem do tempo sob a
incluindo: a velocidade dos processos biológicos, como forma de um cronômetro – envolvido na percepção subje-
a velocidade de funcionamento do marcapasso interno; tiva de tempo – e um sistema de temporização circadiano,
a taxa metabólica basal ou a temperatura cerebral, talvez cujo papel é a geração de variações ou ritmos biológicos
influenciando o funcionamento do marcapasso; a força, frente às oscilações ambientais (Morell, 1996).
clareza, duração e variabilidade dos processos de memó- A avaliação de diversos aspectos do desempenho
ria; e os recursos atencionais ou a alocação da memória, cognitivo revelou variação ao longo do dia. Alerta, vigi-
especialmente envolvendo atenção ao tempo. lância, percepção visual, processamento central e respos-
Espinosa-Fernandez et al (2003), avaliaram a capa- tas motoras são exemplos de variáveis expressas diferente-

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mente ao longo do dia sob a forma de ritmos circadianos rios submetidos ao protocolo de isolamento temporal, sob
(Folkard, 1990). iluminação ambiental de diferentes intensidades, é positi-
Johnson et al (1992) demonstraram haver um declí- vamente correlacionada com a intensidade luminosa (As-
nio ao longo do dia no desempenho de tarefas envolvendo choff e Daan, 1997; Morita et al, 2007).
a memória de curto prazo. Entretanto, quando os sujei- Particularmente quanto à estimativa de intervalos
tos foram submetidos a um protocolo de rotina constan- curtos de tempo, da ordem de segundos, e corroborando
te de 40 horas, emergiu o paralelismo entre desempenho os resultados de Aschoff (1998), a estimativa de interva-
e temperatura central, ou seja, uma coincidência entre o los de 10 segundos por indivíduos mantidos na mesma
aumento de temperatura e o desempenho. Tal protocolo postura entre 09:00h e 21:00h mostrou correlação nega-
experimental, amplamente utilizado na cronobiologia, tiva com a temperatura central (Kuriyama et al, 2003).
compreende a manutenção de um sujeito isolado de pistas Em um protocolo similar, empregando rotina constante
temporais, em situação de relativa imobilidade e impedi- de 30 horas, Kuriyama et al (2005) tinham como objetivo
mento de ocorrência de episódios de sono, sob a premissa caracterizar a variação diária na estimativa de tempo em
da eliminação de interferências do ambiente sobre as va- situação de controle do ciclo vigília-sono. Os voluntários
riações rítmicas do organismo. deste estudo ficaram impedidos de dormir durante todo
Mudanças nos valores da temperatura interna po- o experimento e os resultados mostraram que o ritmo de
dem refletir alterações nos processos metabólicos que po- estimativa de tempo é mantido mesmo sob uma condição
deriam facilitar o desempenho pelo simples aumento na de pressão homeostática do sono.
velocidade do processamento da informação. Monk et al
(1997) exploraram a relação entre os ritmos circadianos Considerações Finais
da temperatura retal, do desempenho, do cortisol, da me-
latonina plasmática e do alerta em indivíduos submetidos A habilidade de perceber o tempo e de ajustar seu com-
ao protocolo de rotina constante durante 36 horas. Como portamento de acordo com os padrões temporais do am-
resultado, os autores demonstraram uma significativa biente pode ser um requisito fundamental para o sucesso
correlação positiva entre a temperatura retal, o alerta e o comportamental de um indivíduo. A percepção da pas-
desempenho, bem como uma correlação negativa entre o sagem do tempo é um componente de muitos compor-
último e o nível plasmático de cortisol. tamentos complexos, além do fato de uma ampla gama
A resposta para esta simples pergunta – “Que horas de organismos apresentarem comportamentos temporal-
são?” – pode servir para se inferir a noção da passagem de mente controlados (Mattel e Meck, 2000).
tempo. Embora pouco explorada na literatura, a precisão Do ponto de vista prático, do cotidiano, um exem-
da estimativa quanto ao horário do dia apresenta correla- plo da importância da precisão na estimativa de tempo é
ção positiva com a temperatura central (Campbell et al, o ato de atravessar a rua. Em termos básicos, este com-
2001, Späti et al, 2009). Na tentativa de encontrar uma cor- portamento compreende a determinação da frequência da
relação entre a percepção de intervalos de tempo curtos e passagem de veículos e a sua velocidade relativa, o cálculo
longos e a temperatura central, Aschoff (1998) submeteu da distância entre um passeio e outro, o preparo postural
indivíduos a um protocolo de isolamento temporal, ou para o início da marcha e o gatilho do movimento (Lob-
seja, livre de pistas que indicassem a passagem do tempo, jois e Cavallo, 2009).
como o ciclo claro/escuro, variações de temperatura e o O estudo da estimativa de tempo está em sua infân-
convívio social. Foi pedido aos indivíduos que estimassem cia, em especial quanto às suas bases neurais e quanto à
os intervalos de uma hora, cinco e dez segundos, durante interação entre este comportamento e o sistema de tempo-
três semanas de isolamento, com monitoramento da tem- rização circadiano. Na perspectiva neurofisiológica, a ten-
peratura retal. Os resultados mostraram que a estimativa dência primordial dos futuros trabalhos está na demons-
do intervalo de uma hora não apresentava correlação com tração da especialização de subsistemas de temporização
a flutuação da temperatura central, em contraste com a es- e a sua relação com tarefas de estimativa de tempo com
timativa dos intervalos mais curtos. Ainda segundo o au- características e naturezas diversas, em especial quanto à
tor, a percepção de intervalos de tempo curtos, da ordem participação de áreas envolvidas com controle cognitivo,
de segundos, segue a regra geral dos processos fisiológi- como áreas atencionais e mnemônicas, cuja participação
cos, ou seja, é acelerada com o aumento da temperatura. seria dependente da duração do intervalo de tempo a ser
A descoberta de Aschoff (1998) contrasta com os estimado, conforme apontado por Lewis e Miall (2006).
resultados de um trabalho anterior, no qual indivíduos Ainda, alguns autores admitem que futuros experimentos
que permaneceram em situação livre de pistas temporais devam ser conduzidos, visando estabelecer se o processa-
deveriam estimar, sequencialmente, a passagem do inter- mento da informação temporal é realizado de forma con-
valo de uma hora. Neste estudo foi evidenciada correlação texto-dependente, resultando em múltiplos focos neurais
positiva entre a duração da hora subjetiva e a temperatura de processamento ou se ocorre em centros especializados,
central (Murphy e Campbell, 1996). ou “relógios internos” e independentemente do contexto
Não apenas as variáveis endógenas, como a tempe- (Coull et al, 2010; Ivry e Hazeltine, 1995).
ratura central, mas também o ambiente merece papel na Diversos estudos apontam para uma variação diá-
modulação da estimativa da passagem de tempo ao longo ria no comportamento de estimativa de tempo (Aschoff,
do dia. A estimativa de intervalos de tempo de voluntá- 1998; Campbell et al, 2001; Hinton e Meck, 1997; Späti e

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78 Miguel: Estimativa de tempo em humanos
col, 2009). No entanto, os mecanismos responsáveis pela Buhusi, C. V. e Meck, W. H. (2005). What makes us tick?
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