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GUERRA DOS JUDEUS CONTRA OS ROMANOS

Antecedentes da guerra dos Judeus contra os Romanos

“E, quando Jesus ia saindo do templo, aproximaram-se dele os seus


discípulos para mostrarem a estrutura do templo. Jesus, porém, lhes
disse: Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará aqui
pedra sobre pedra que não seja derrubada”. (Mt 24:1-2)

Quando lemos esta passagem é difícil vislumbrar aquilo que de fato


aconteceu. Como teria o Templo sido destruído, uma vez que um dos
pilares do império romano era o respeito às instituições religiosas dos
povos conquistados?

São comuns várias explicações sobre o assunto, uma delas que diz que
correu um boato entre os soldados romanos de que havia ouro
escondido entre as pedras, e, desta forma, no meio da agitação da
guerra o Templo foi literalmente desmontado. É interessante e
facilmente credível a estória, mas não é verdade. Parece que alguém
quis fazer um gol de mão para dar consistência à profecia de Jesus,
coisa absolutamente desnecessária, uma vez que a história real é por
si mesma muito mais impressionante que isto.

Conforme os dados históricos, não só não ficou no Templo pedra sobre


pedra, como também foi destruída toda a cidade de Jerusalém, onde,
segundo o historiador Flávio Josefo, um milhão e cem mil pessoas
perderam a vida. Você consegue imaginar isto? O Novo Testamento
não faz referência a este fato, de maneira que, partindo do panorama
político dos dias de Jesus, é difícil imaginar como isto pode ter
acontecido. A obra de Flávio Josefo “Guerra dos Judeus Contra os
Romanos” nos conta em detalhes mínimos como tudo aconteceu.
Josefo estava presente quando caiu Jerusalém.

A destruição de Jerusalém é consequência de uma revolta que durou 7


anos, entre seu início em 67 DC e a reconquista da fortaleza de
Massada em 73 DC pelos romanos. No meio deste tempo caiu a cidade
de Jerusalém. Mas vejamos antes alguns antecedentes:

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Jesus foi crucificado durante o império de Tibério. Tibério foi sucedido
por Caio Calígula, que reinou sobre Roma entre 37 DC a 41 DC. Não
fosse detido pela morte, teria ele mesmo destruído Jerusalém muito
antes do ano 70, isto porque este imperador ordenou que fossem
colocadas estátuas no Templo, e que fossem mortos ou escravizados
todos os judeus que se opusessem à idéia. De fato o povo se opôs à
ideia e a sua destruição foi detida pelo assassinato de Calígula.

Calígula foi substituído por Cláudio, que é mencionado em At 11:25-


28, no tempo em que Paulo levou o Evangelho à Antioquia. Cláudio
reinou por cerca de 13 anos, entre 41 DC e 54 DC, e foi sucedido por
Nero, seu filho, que reinou entre 54 DC e 68 DC.

Foi Nero quem nomeou Félix governador da Judeia. É a este Félix que
Paulo foi enviado, na cidade de Cesareia, quando os judeus conjuraram
sua morte em Jerusalém, conforme o registro dos capítulos 23 e 24 de
Atos.

Josefo, no capítulo 22, § 177-178, da obra “Guerra dos Judeus Contra


os Romanos”, nos dá uma ideia de a quantas andava a Judeia neste
tempo: “177 – Ele (Félix) apenas tomou posse do cargo, fez guerra aos
ladrões que devastavam todo o país há vinte anos, prendeu Eleazar,
seu chefe, e vários outros, que mandou presos à Roma, além de
mandar matar um número incrível de outros ladrões. 178. Depois que
a Judeia ficou livre desses ladrões, apareceram outros em Jerusalém,
que de uma maneira diferente exerciam uma profissão infame e
crimi-nosa. Chamavam-nos de sicários, e não era de noite, mas em
pleno dia e particu-larmente nas festas mais solenes, que eles
mostravam o seu furor. Apunhalavam, no meio do aperto, àqueles aos
quais haviam deliberado matar e misturavam em seguida seus gritos
com os de todo o povo, contra os culpados de tão grande crime; tudo
lhes saía tão bem, que ficavam muito tempo impunes, sem que deles
se desconfiasse. O primeiro que eles assassinaram dessa maneira, foi
Jônatas, o sumo sacerdote, e não se passava um só dia, sem que não
matassem a outros, do mesmo modo. Dessa forma, toda Jerusalém
estava tomada de pavor, pois semelhante perigo só existira durante a
guerra mais sangrenta. Todos esperavam a morte a cada instante;

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tremia-se à aproximação de qualquer pessoa; não se confiava nem
mesmo nos amigos e embora se vivesse sempre alerta, todas essas
desconfianças e sus-peitas não eram capazes de garantir a vida
àqueles aos quais tais celerados ti-nham decretado a morte, tão
astutos e espertos eles eram num ofício tão execrável.”

É interessante observar que cerca de 25 anos depois da crucificação de


Jesus, não só a cidade de Jerusalém, como também o resto do país
haviam perdido a sua paz, bem de acordo com a sentença pronunciada
pelos próprios judeus, um raro caso em que “Vox Populi, Vox Dei”
(Voz do povo, voz de Deus) é de fato verdadeiro, conforme lemos em
Mateus 27:25: “Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, antes o
tumulto crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão,
dizendo: Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso. E,
respondendo todo o povo, disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre
nossos filhos”. Caiu mesmo!

Félix foi substituído por Pórcio Festo, a quem se refere Atos 24:27 e
capítulos subsequentes. Festo, por sua vez, já na altura que Paulo fora
transferido para Roma, morreu, e Nero o substituiu no governo da
Judeia por Albino, a quem Josefo classifica de um homem de maus
princípios.

Josefo registra um acontecimento importantíssimo para nós, que


ocorreu no intervalo entre estes dois governos. Entre a morte de Festo
e a chegada de Albino transcorreram cerca de cinco meses, e neste
intervalo, o rei Agripa tirou o sumo sacerdócio de José para dá-lo a
Anano. Pode-se observar aqui que o sumo sacerdócio era desde há
muito tempo um cargo de confiança de quem governava o estado, o
que começou praticamente no período de Judas Macabeu dois séculos
antes disto.

Conforme Josefo, Anano, o recém nomeado sumo sacerdote, que era


saduceu, “aproveitou o tempo da morte de Festo, e Albino ainda não
tinha chegado, para reunir um conselho, diante do qual fez comparecer
Tiago, irmão de Jesus, chamado Cristo, e alguns outros; acusou-os de
terem desobedecido às leis e os condenou ao apedrejamento… Agripa

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tirou-lhe o sumo sacerdócio, que exercera somente durante quatro
meses, e a deu a Jesus, filho de Daneu.” (Antiguidades Judaicas § 856)

Não se pode precisar o ano em que Festo começou a governar a


Judeia, mas sabe-se que ele morreu em 62 DC, sendo este, portanto,
o ano da morte de Tiago.

Albino, o novo governador, era homem corrupto e de maus princípios.


Josefo diz acerca dele: “Não houve mal que ele não fizesse. Não se
contentou em se deixar subornar por presentes, nos negócios civis,
mas tirava os bens de todos e oprimia os judeus com novos tributos;
pôs em liberdade, por meio do dinheiro, os que os magistrados das
cida-des tinham condenado ou que os governadores precedentes
tinham detido por seus roubos, e só julgava culpados aqueles que nada
tinham para lhe dar”. (Ibid § 184)

Sobre esta questão de Albino receber dinheiro para libertar criminosos,


Josefo relata no § 861 da História dos Hebreus que “quando Albino
soube que Géssio Floro fora nomeado para substituí-lo, pareceu querer
obsequiar os habitantes de Jerusalém. Assim, mandou trazer todos os
prisioneiros, condenou à morte todos os que realmente eram culpados
de crime capital, mandou para a prisão os que lá tinham sido postos
por faltas leves e depois lhes deu a liberdade, a troco de dinheiro.
Assim esvaziou as prisões, e ao mesmo tempo todo o país ficou cheio
de ladrões”. Veja-se nisto o pano de fundo dos acontecimentos que
virão a se abater sobre toda a Judeia.

Se este Albino era mau e corrupto, foi substituído por Gessio Floro, a
quem comparado, segundo Josefo, Albino poderia ser até chamado de
bom homem: ” Seus roubos não ti­nham limites, bem como outras
violências; ele era cruel para com os aflitos e não se envergonhava das
ações mais vis e infames; nenhum outro jamais traiu mais
atrevidamente a verdade, nem usou de meios mais sutis para fazer o
mal.” (Ibib § 185)

Foi durante o governo deste Gessio Floro que começou a revolta que
culminaria, no ano 70 DC, na destruição do Templo.
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A revolta começou com uma banalidade, em Cesareia, onde um grego
possuía um terreno perto de uma sinagoga, terreno este que os judeus
desejam comprar e se dispunham a pagar por ele bom preço. Josefo
conta que o grego não somente não se contentou em não vendê-lo,
“mas também resolveu, para aborrecê-los ainda mais, mandar
construir neste ter-reno uns armazéns e deixar assim uma passagem
muito estreita para se ir à sinagoga”.

Os judeus tentaram impedir a construção e levaram o caso a Floro, o


governador recém empossado, que recebeu destes uma certa soma de
dinheiro, prometendo, desta forma, parar a obra. Não fez nada e
deixou a coisa toda ao acaso.

Para piorar a situação, conta Josefo, que o grego, num dia de sábado,
enquanto os judeus estavam na sinagoga, começou a sacrificar aves
com o claro propósito de irritá-los, e foi assim que tudo começou, com
enfrentamento de ambas partes, gregos e judeus, de maneira que em
pouco tempo a escalada de violência tomou toda a cidade, e como um
rastilho de pólvora, uma simples ocorrência local, se espalhou por todo
o país

Floro, governador da Judeia, ao invés de apaziguar a situação, viu ali


a oportunidade de fustigar os judeus, mandando atirar muitos à prisão
como também executar outros. Os judeus procuraram então, por todas
as maneiras resolver a questão de maneira legal e pacífica. Floro,
considerando-se sua influência regional como governador da Judeia,
pode ser visto e entendido neste ponto da história como um mini Hitler,
como alguém que não poupou qualquer esforço para incentivar uma
guerra dos judeus contra os romanos com o fim de exterminá-los.

Conforme Josefo, qualquer pequena ocorrência era motivo para que


ele agisse com exagerada força contra o povo desarmado, e assim,
Floro atirou muitos à prisão e executou centenas de pessoas sem uma
razão justa. O excesso de injustiça pelo lado de Floro propiciou que
florescessem diversos grupos de revoltosos pelo lado dos judeus. Um

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destes grupos, por exemplo, atacou e tomou a fortaleza de Massada,
degolando toda a guarnição romana que cuidava do local.

Josefo registra uma ocorrência que revela um interessante costume


que florescera naquele tempo: os romanos costumavam levar ao
Templo animais para serem sacrificados em nome do imperador Nero.
Incentivados por Eleazar, filho de Ananias, sumo sacerdote naquele
ano, os sacerdotes passaram a recusar tais ofertas, causando assim
um mal estar na relação com os romanos. Os sacerdotes e fariseus
bem tentaram dissuadir o povo de provocar os romanos com tal
atitude, mas foram incapazes de controlar a multidão, e assim,
enviaram um pedido de ajuda ao rei Agripa, que por sua vez enviou a
Jerusalém três mil homens co-mandados por Dario. Quando estes
chegaram, o Templo já estava tomado pelos revoltosos, aos quais se
uniram um grande número de assassinos e malfeitores, que tomaram
conta da cidade alta. Vejamos o relato de um episódio: “Os
amotinadores puseram fogo na casa do sumo sacerdote Ananias e no
palácio do rei Agripa e da rainha Berenice. Cercaram também arquivo
dos atos públicos para queimar todos os contratos e as obrigações que
lá estavam, trazendo as-sim ao seu partido todos os devedores, que
não mais temiam atacar seus cre-dores, porque não existiam mais os
títulos em virtude dos quais eles os pudes-sem perseguir, e atiraram
assim os pobres contra os ricos. Os que tinham esses títulos sob
custódia fugiram e os revoltosos incendiaram todos os documentos,
reduzindo a cinzas os títulos que bem se poderiam chamar do bem
público e continuaram a perseguir seus inimigos.” (Ibid § 202)

Como se vê, instalou-se em Jerusalém uma verdadeira guerra civil.


Estaríamos, aqui, situados por volta do ano 66 DC, conforme Josefo, o
décimo segundo ano de Nero. (Ibid § 221)

A revolta não tardou a se espalhar para a Samaria e Galileia, e mesmo


por outras províncias fora da Palestina. Em Damasco, por exemplo, a
notícia de que os judeus lutavam abertamente contra os romanos deu
lugar à justificativa para que judeus fossem perseguidos e mortos por
seus inimigos por se tratar de inimigos de Roma.

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Conforme dissemos, a fortaleza de Massada foi conquistada pelos
judeus, que liderados por um tal Manahem, mataram toda a guarnição
romana encarregada da segurança, e tomaram posse do arsenal que
Herodes guardava naquele lugar. Manahem armou um grande número
de homens e marchou contra Jerusalém, fazendo-se assim rei, e
tornando-se chefe da revolta. Uma vez em Jerusalém matou Ananias,
o sumo sacerdote, vindo, depois disto, ser ele próprio morto por uma
gente liderada por Eleazar, filho do sumo sacerdote. (Ibid § 204)

Eleazar contava com o apoio popular, uma vez que todos desejavam o
fim da revolta, e imaginavam que a morte de Manahem faria cessá-la.
Mas a troca de Manehem por Eleazar só fez piorar as coisas, pois este
desejava ardentemente lutar contra os romanos e se libertar da
dominação estrangeira. Toda esta espécie de insensatez nos força a
pensar que Eleazar, bem como outros que se destacaram nesta guerra,
teriam possivelmente vivas em suas mentes a memória dos feitos
heroicos de Judas Macabeu, e desta forma, sonhavam também se
tornar heróis, reeditando contra os romanos a vitória de Judas
Macabeu contra os “gregos”.

Ao mesmo tempo em que se passaram estas coisas em Jerusalém,


cerca de vinte mil judeus foram mortos por seus inimigos na cidade de
Cesareia. Esta cidade era um importante centro da Samaria, sendo
assim, habitada, como outras cidades da região, por maioria gentílica,
ou seja, não judeus. A perseguição e morte dos judeus de Cesareia
contou com a ajuda do governador Floro. Josefo conta que “…tão
grande morticínio excitou tal furor à nação judaica, que eles
devastaram todas as cidades e aldeias na fronteira da Síria, a saber:
Filadélfia, Gebonite, Gerasa, Pella e Citópolis; tomaram de assalto
Gadara, Hipoim, Gaulanite, destruíram umas, incendiaram outras e
avançaram até Cedasa, que pertence aos tirios, Ptolemaida, Gaba,
Cesareia, sem que Sebaste e Ascalom fossem capazes de os deter.
Incendiaram-na e destruíram Antedom e Gaza. Saquearam também
vári-as aldeias da fronteira e mataram a todos os que puderam
apanhar.”

Houve também na mesma época um massacre de muitos judeus na


Síria, em Alexandria, no Egito, e por todos os lados, de maneira que,
Céstio Galo, governador da Síria, interveio na situação enviando à
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Judeia, conforme Josefo, “a décima segun­da legião, que ele tinha
inteira em Antioquia, dois mil homens escolhidos das outras legiões,
seis coortes de outra infantaria, quatro regimentos de cavalaria e três
mil soldados de infantaria do rei Antíoco, armados de flechas, mil
cavaleiros e três mil soldados do rei Soheme, um terço dos quais era
de cavalaria”. (Ibid § 217)

O rei Agripa contribuiu com Céstio no esforço de sufocar a revolta


enviando em seu auxílio numerosa tropa de soldados, de maneira que
Céstio conseguiu um certo êxito em seu intento, dominando vários
focos da revolta pelo país, chegando a Jerusalém, forçando assim os
revoltosos a abandonar a cidade e o Templo que haviam tomado. Teve
neste ponto da situação a oportunidade de tomar por completo a cidade
e por fim à revolta, caso atacasse os poucos focos de resistência que
ainda subsistiam, mas aconselhado por seus generais não o fez. Diz
Josefo que “se esse general tivesse continuado o cerco, teria logo se
apoderado da cidade; mas Deus, irritado contra aqueles malvados, não
permi-tiu que a guerra acabasse logo”, e assim, ao abrandar o ataque
ao invés de massacrar os revoltosos, Céstio deu oportunidade para que
a situação se revertesse, de maneira que os revoltosos se
reorganizaram e conseguiram expulsá-lo de Jerusalém, matando
centenas de soldados romanos. Conforme Josefo, isso aconteceu no
oitavo dia de novembro do décimo segundo ano do reinado de Nero
(65 DC).

É aqui que começa a Guerra dos judeus contra os romanos, ao fim da


qual Templo será destruído, conforme as palavras de Jesus. Implantou-
se por toda a região um clima de guerra inimaginável, de forma que
na constatação de que o controle político sobre a Palestina havia sido
perdido, e que o mesmo poderia vir a ocorrer nos países vizinhos, Nero
deu a Vespasiano o comando das legiões romanas na Síria, e a
incumbência de massacrar os judeus para fazer cessar a revolta.
Vespasiano, viria a ser imperador de Roma (entre 69 DC a 79 DC),
bem como seria sucedido no trono por seus dois filhos, Tito (79 DC e
81 DC) e Domiciano (81 DC e 96 DC).

Guerra dos Judeus Contra os Romanos – Parte 1

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É interessante notar, que no meio do caos, quando a guerra contra os
romanos passara de possibilidade para realidade, coube naturalmente
aos religiosos, liderados pelo sumo sacerdote, a responsabilidade de
organizar o povo na resistência, e neste sentido, são os fariseus que
tomam a dianteira deste negócio.

A expulsão de Céstio de Jerusalém deu ocasião à formação de vários


grupos de resistência aos romanos, mas sem uma liderança
centralizada, propiciou, desta maneira, a formação de grupos de
interesses diversos, o que, no final, não viria a ser a causa da derrota
dos judeus, porque seria difícil a qualquer nação da Terra derrotar o
maior exército do mundo, mas foi sim, a razão principal de tanto
sofrimento e destruição que veio sobre aquele povo.

Em Jerusalém coube a princípio a chefia da cidade ao sumo sacerdote


Anano, mas à medida que a desobediência civil se instalava em todos
os cantos do país, mais e mais gente se refugiava na cidade, e desta
forma, diversos grupos se formaram dentro da comunidade, a maioria
deles formados por ladrões e párias da sociedade, cada um querendo
tirar partido financeiro do caos reinante, constituindo-se assim,
opositores uns dos outros.

No intento de organizar o país para formar uma resistência efetiva,


foram enviados às províncias governadores, visando principalmente as
cidades grandes, tais como Jericó, Tamma, Jope, Emaús entre outras.
A Flávio Josefo, sacerdote em Jerusalém, coube governar a alta e baixa
Galiléia.

De maneira geral, estes governadores substituíam o poder local, e


criavam sua própria forma de gerir suas províncias: trataram de
fortificar suas cidades, e recrutar homens, a maioria jovens, aos quais
eram entregues as armas disponíveis, geralmente velhas e de baixa
qualidade.

Josefo, na qualidade de governador da alta e baixa Galiléia, conta que


nomeou entre os recrutados chefes e oficiais, aos quais ensinou os
rudimentos da guerra, como por exemplo, as várias maneiras de
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toques de alarme, ataque e retirada. Seu primeiro cuidado foi
conquistar o afeto do povo, e assim, dividiu com eles a sua autoridade,
escolhendo administradores das províncias e juízes para julgar as
pequenas causas. Mandou também cercar de muralhas as praças da
baixa Galiléia, e recrutou quase cem mil homens, entre os quais
nomeou comandantes, oficiais e chefes. Contratou também
estrangeiros, e à exceção destes, os demais eram mantidas pelas
cidades que os sustentavam de boa vontade.

Pelo lado romano, Vespasiano foi escolhido a dedo por Nero: “Sua vida,
desde a juventude até à velhice, tinha-se passado na guerra. O império
devia ao seu valor a paz de que gozava no Ocidente, que se vira
abalado pela revolta dos alemães, e seus trabalhos tinham dado ao
imperador Cláudio, pai de Nero, sem esforço algum, sem ter
derramado uma gota sequer de sangue, a glória de triunfar contra a
Inglaterra, que não se podia dizer, até então, ter sido verdadeiramente
dominada. Dessa forma, Nero, considerando a idade, a experiência e a
coragem deste grande general e que ele tinha filhos que eram como
reféns de sua fidelidade, os quais no vigor da juventude podiam servir
como de braços à prudência de seu pai, além de que talvez, Deus assim
o permitia para o bem do império, resolveu dar-lhe o comando dos
exércitos da Síria”. (Guerra dos Judeus Contra os Romanos, Capítulo
3, § 234)

Conta Josefo que “Vespasiano atacou primeiro Gadara: tomou-a sem


dificuldade, ao primeiro assalto, porque lá havia muito pouca gente
capaz de defendê-la. Os romanos mataram todos os que estavam em
idade de pegar em armas, de tal modo a lembrança da derrota sofrida
por Céstio os acirrava contra os judeus. Vespasiano não se contentou
de mandar incendiar a cidade, mas mandou queimar também as
aldeias e as vilas dos arredores, cujos habitantes foram escravizados
em grande parte”. (Ibid § 246)

Os romanos, além da vantagem de serem disciplinados e treinados


para a guerra, possuíam também armas eficientes, entre as quais, a
famosa Gladius (de onde deriva a palavra gladiador), uma espada de
cerca de meio metro (ou mais), que além de uma ponta fina e
penetrante possuía dois gumes, ou seja, corte dos dois lados. Em
termos de máquinas de guerra, possuíam as mais modernas para a
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época, como as plataformas que atingiam a altura dos muros das
cidades, catapultas, e o ariete, que o próprio Josefo descreve quando
relata o ataque romano à cidade de Jotape, onde ele próprio se
encontrava na ocasião: “Tão longo assédio e as incursões contínuas
dos sitiados faziam com que Vespasiano se considerasse, ele mesmo,
como sitiado; suas plataformas haviam sido concluídas até à altura das
muralhas e ele (Vespasiano) resolveu servir-se do aríete. Essa terrível
arma é feita como um poste, semelhante a um mastro de navio de
altura e grossura enormes, cuja ponta superior é armada com uma
cabeça de ferro proporcional ao restante e semelhante à de um
carneiro, o que lhe valeu o nome, porque bate nas muralhas como o
carneiro ataca também com a cabeça os seus adversários. Esse mastro
é suspenso e balançado por meio de grossos cabos, como o braço de
uma balança, sobre um outro grande poste apoiado sobre a terra e
sustentado de ambos os lados por escoras muito fortes e bem ligadas.
Assim o aríete, balançando-se no ar, levantado e abaixado com
violência por um grande número de homens, bate com a cabeça,
fortemente, sobre um muro que se quer derrubar, e toda resistência
possível cede-lhe à violência dos golpes repetidos”. (Ibid § 254)

Em Jotape Vespasiano foi ferido por uma flecha na planta do pé, o que
causou, segundo Josefo, grande comoção entre seus comandados, e
particularmente em Tito, seu filho, que por causa disto lutavam com
muito maior ardor como que para vingar a afronta sofrida por seu
general. A cidade resistiu por apenas 47 dias, e ao fim deste tempo,
foi totalmente destruída, havendo os romanos matado sem piedade
todos os homens, independentemente de suas idades, poupando
apenas as mulheres e crianças. Quarenta mil judeus perderam a vida
nesta empreitada, muitos dos quais se suicidaram. Conforme Josefo,
“a tomada dessa praça cuja extrema resistência tornou-se tão célebre,
deu-se a primeiro de julho do décimo terceiro ano do reinado de Nero”.

Josefo conta que escapou da cidade na ocasião, vindo a refugiar-se


numa caverna juntamente com outros 40 fugitivos, mas passados dois
dias, foi denunciado por uma mulher. Vespasiano, sabendo do
paradeiro de Josefo mandou-lhe um tribuno, de nome Nicanor,
conhecido deste, que tentou convencê-lo a se entregar. A solução para
este dilema não se encontrava nas mãos de Josefo unicamente, uma
vez que seus companheiros estavam dispostos ao suicídio para não cair

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nas mãos dos romanos, e assim, lançando sorte, entregaram-se à
morte um a um até que restaram apenas Josefo e um companheiro, e
assim, “Josefo, vendo que se lançasse a sorte, ela, ou lhe custaria a
vida ou ele teria que manchar suas mãos no sangue de um amigo,
aconselhou-o a viver, dando-lhe garantia de salvá-lo. Assim, Josefo
conseguiu escapar daquele tremendo perigo que correra, quer do lado
dos romanos, quer dos de sua própria nação, e entregou-se a Nicanor”.
(Ibid, 270-271)

Josefo sobreviveu, desta forma, à destruição da cidade, vindo mais


tarde a tornar-se amigo de Tito e Vespasiano, conforme veremos
adiante.

Jope foi o alvo seguinte de Vespasiano, uma vez que esta cidade se
tornara um ponto de troca de bens que eram saqueados nos mares por
judeus que percorriam as costas da Fenícia, da Síria e mesmo do Egito.
Tomaram a cidade sem luta, fortificaram sua parte mais alta e
deixaram ali uma guarnição de soldados de infantaria e muita
cavalaria, para fazerem incursões às regiões vizinhas e incendiarem as
aldeias e as vilas.

Josefo reporta batalhas extraordinárias em Jafa, Tiraqueia, Gamala,


Giscala, entre muitas outras cidades que caíram nas mãos dos
romanos. Foram todas destruídas e incendiadas, e quanto aos
moradores, tanto os moços como os velhos, foram assassinados em
suas casas e nas ruas, sem que nenhum daqueles capazes de pegar
em armas fosse poupado, exceto as crianças, que foram levadas
escravas com as mulheres.

Como consequência de tamanho caos, aconteceu o que acontece


também em nossos dias, quando advém um tumulto social qualquer:
proliferaram os fora da lei, e assim, o crime atingiu por toda Judeia
patamares inimagináveis.

Foi desta forma que veio sobre Jerusalém o maior dos castigos. Josefo
assim nos reporta: “Em tal miséria, as guarnições das cidades,
pensando somente em viver, segundo sua vontade, sem se incomodar
com a pátria, não cuidavam em defender os oprimidos; os chefes dos

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ladrões depois de se terem unido e organizado, dirigiram-se para
Jerusalém. Não encontraram obstáculo, quer porque ninguém tinha
autoridade, quer porque a entrada estava sempre aberta para todos os
judeus segundo o costume dos nossos antepassados, e naquele tempo,
mais que nunca, porque se pensava que para lá se ia, levado apenas
pelo afeto e pelo desejo de servir à cidade, naquela guerra. Daí nasceu
um grande mal, que, mesmo que não tivesse havido divisão, naquela
grande cidade, teria sozinho causado sua ruína, porque uma parte dos
víveres que seria suficiente para alimentar os que eram capazes de a
defender foi consumida inutilmente por aquela grande multidão de
homens inúteis, mas também foi causa de revoltas que vieram depois
da carestia. Outros ladrões deixaram os campos para lançar-se sobre
Jerusalém, unindo-se aos primeiros, que eram ainda piores do que
eles. Não se contentavam de roubar e de assaltar; sua crueldade
chegava ao assassínio; sua ousadia era tal que o cometiam à luz do
dia, sem poupar nem mesmo às pessoas de condição. Começaram por
prender Antipas, que era de família real e ao qual estava confiada a
guarda do tesouro público, como o primeiro de todos, em dignidade.
Trataram do mesmo modo Levias e Sophas, filho de Raguel, que
também eram de família real e outras pessoas muito importantes. Essa
horrível insolência, lançou tal terror no espírito do povo, que como se
a cidade já tivesse sido tomada, todos só pensavam em fugir”. (Ibid
300-301)

O Templo, bem como a Fortaleza de Antônia, o Palácio do rei Agripa, e


as demais fortificações da cidade foram ocupadas por bandidos. O
Templo, desta forma, chegou ao ponto de ser, na prática, um quartel
de malfeitores. Sobre estes Josefo comenta que “sua horrível
impiedade levou-os a ofender a Deus, entrando com os pés manchados
e armas criminosas no Santuário. Os zelotes (pois esses ímpios davam-
se a si mesmos tal nome) para se salvar dos efeitos da ira do povo,
fugiram para o Templo e lá fizeram sua fortaleza, estabelecendo nele
a sede de seu governo tirânico. Dentre tantos males que causavam,
nada era tão intolerável quanto seu desprezo pelas coisas mais santas.
Para experimentar até onde poderiam chegar suas forças e o temor do
povo, tentaram servir-se da sorte para escolher o sumo sacerdote,
afirmando que assim se fazia antigamente, quando tal dignidade era
hereditária; aboliam a lei para estabelecer sua injusta autoridade. Mas
eles ficaram confundidos em sua malícia, pois tendo feito lançar a sorte
sobre uma das famílias da tribo, consagrada a Deus, caiu a mesma

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sobre Fanias, filho de Samuel, da aldeia de Hafrasi, que não somente
era indigno de tal cargo, mas ainda tão rústico e tão ignorante, que
nem sabia o que era o sacerdócio. Contra sua vontade tiraram-no de
suas ocupações do campo e o revestiram dos hábitos sacerdotais, que
lhe assentavam muito mal, quase como se estivessem vestindo um
ator de teatro; ensinaram-lhe depois o que devia fazer; tão grande
impiedade passava em seu espírito apenas por um gracejo. Os
verdadeiros sacerdotes, olhando de longe essa comédia e de que modo
se calcava aos pés a honra devida às coisas santas, não puderam reter
as lágrimas, nem o povo suportou por mais tempo tão horrível
insolência; todos sentiram-se inflamados pelo mesmo ardor, para se
libertarem de tal tirania. (Ibid 301-303)

Por causa da afronta contra o Templo, Anano, o sumo sacerdote,


levantou o povo contra os zelotes que o ocupavam, havendo assim,
muitos mortos de ambos lados. Mas, diante da impossibilidade de
derrotar os zelotes, teve o sumo sacerdote Anano o ensejo de pedir a
Vespasiano que viesse retomar o Templo, e conseguiu assim convencer
o povo de que este seria o único caminho viável.

Tendo sido avisados da intenção de Anano, os zelotes, por sua vez,


pediram o auxílio dos idumeus, justificando que “Anano, depois de ter
enganado o povo, queria entregar a cidade aos romanos, e que eles
(os zelotes), se tinham retirado ao Templo para não abandonar a
defesa da liberdade pública, mas que estavam cercados e prestes a ser
atacados, se não se impedisse, com um auxílio imediato, que eles
caíssem nas mãos dos inimigos e a cidade, nas dos romanos. ” (Ibid
311)

É preciso entender que toda aquela região, onde se inclui a Judeia,


Samaria, e também a Idumeia, tinham como capital a cidade de
Jerusalém, e desta forma, tal aliança entre os zelotes e idumeus é
bastante provável. E assim, vieram os idumeus em auxílio dos zelotes,
e invadiram a cidade, e atacaram a guarda dos sacerdotes que
mantinha encurralados no Templo os zelotes, de maneira que no raiar
do dia seguinte, depois de intensa batalha, conforme Josefo, havia oito
mil e quinhentos mortos estendidos ao redor do Templo. A união de
zelotes e idumeus permitiu que estas forças controlassem grande parte

14
da cidade e no confronto desta guerra civil milhares morreram, entre
os quais Anano, bem como muitos outros sacerdotes.

Não tardou, no entanto, para que os idumeus percebessem os abusos


dos zelotes e entendessem que haviam sido usados numa causa
injusta, e desta forma, romperam a aliança e retornaram a suas
cidades, deixando, porém, os zelotes na condição de força dominante
no confronto.

Vespasiano, que estava a par dos acontecimentos em Jerusalém foi


aconselhado a tomar proveito da situação da cidade, dividida entre dois
grupos que se atacavam mutuamente, mas justamente por esta causa,
contra o conselho de seus oficiais, resolveu deixar que estas forças se
aniquilassem mutuamente, pois assim, a conquista seria menos
penosa.

Não se pode deixar de enxergar em todos estes acontecimentos a mão


de Deus agindo contra aquele povo: Vespasiano, conforme as palavras
de Josefo, considerou “que se nos apressarmos em atacá-los, nós os
obrigaremos a se reunirem para voltar contra nós todas as forças, que
são ainda muito fortes; ao passo que se nós o diferirmos, elas
continuarão a se enfraquecer por meio dessa guerra doméstica, que já
começou a diminuí-las. Não vedes que Deus, que luta por nós, quer
que lhe sejamos devedores dessa vitória sem que nos faça correr
perigo algum? Quando uma guerra civil que é o maior de todos os
males leva os inimigos até esse excesso de furor, a se degolarem
reciprocamente, que temos nós a fazer senão continuar como
espectadores de tão sangrenta tragédia e por que nos expormos ao
perigo para combatermos pessoas que já se destroem a si mesmas?
(Ibid 325)

O retrato da cidade naqueles dias prova que Vespasiano estava


correto: havia cadáveres espalhados por todas as ruas de Jerusalém,
e quem quer que tentasse enterrar seus mortos era exterminado sem
qualquer traço de piedade.

15
Josefo vê, ao retratar este instante da história de Jerusalém, o
cumprimento de uma profecia. Vejamos suas palavras: “Aqueles
homens animados pelos demônios não se contentavam de calcar aos
pés tudo o que é mais digno de respeito; eles zombavam do mesmo
Deus e tomavam como loucura e ilusão as predições dos profetas. Mas
as consequências os fizeram ver que eram bastante verdadeiras.
Aqueles celerados foram os executores da predição feita há muito
tempo, de que, depois de uma grande divisão, Jerusalém seria tomada
e depois que os que mais deviam respeitar o Templo de Deus, o
tivessem profanado com sua impiedade, ele seria queimado e reduzido
a cinzas, por aqueles aos quais as leis da guerra permitiam usar como
lhes aprouvesse de sua vitória.” (Ibid 326)

É interessante considerar que a profecia que estava se cumprindo na


ocasião era a de Jesus, conforme Lucas 19:41-44: “E, quando ia
chegando, vendo a cidade, chorou sobre ela, dizendo: Ah! se tu
conhecesses também, ao menos neste teu dia, o que à tua paz
pertence! Mas agora isto está encoberto aos teus olhos. Porque dias
virão sobre ti, em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te
sitiarão, e te estreitarão de todos os lados; E te derrubarão, a ti e aos
teus filhos que dentro de ti estiverem, e não deixarão em ti pedra sobre
pedra, pois que não conheceste o tempo da tua visitação.”

Embora o texto de Josefo seja bastante genérico quanto a autoria da


profecia, uma vez que se refere a “profetas”, e não especificamente a
Jesus, é muito provável que seja a ele que se refira, uma vez que,
poderia estar mencionando textos do Antigo Testamento relativos à
destruição de Jerusalém, como Is 29:3-4 ou Jr 3:3-6, mas estes textos
falam explicitamente da destruição da cidade pelas mãos de
Nabucodonosor, conforme o próprio Josefo atesta quando relata este
acontecimento na História dos Hebreus, Capítulo 11, parágrafo 425 e
subsequentes. Neles Josefo relaciona os textos de Isaías e Jeremias
com Nabucodonosor. Não é, portanto, cabível que ele aqui se refira
neste relato a qualquer destas profecias, mas não tendo como
explicitar isto no contexto de seu relato, coloca de maneira genérica
aquilo que está no inconsciente coletivo. Sempre é bom lembrar que
Josefo reconheceu Jesus como Messias esperado pelos judeus.

16
Se dentro da cidade as coisas estavam ruins, com dois grupos se
digladiando até morte, piorou a situação quando houve a cisão do
grupo dos zelotes em dois partidos distintos, e desta forma, três grupos
disputavam controlar a cidade. Com o país sendo pouco a pouco
retomado pelos romanos, na visão de Vespasiano eram estes três
grupos os inimigos de Roma. Mas a eles juntou-se um quarto, para
ruína de Israel: os sicários, que tomaram a fortaleza de Massada
construída por Herodes, o Grande, onde os reis guardavam seus
tesouros, muitas armas e que também serviam para segurança de suas
pessoas. Diz Josefo: “Estes sicários, ou assassinos, não eram em
número tal que os levasse a cometer seus crimes abertamente, por
isso matavam à traição; apoderaram-se dessa fortaleza e vendo que o
exército romano estava em descanso, e que os judeus se digladiavam
em Jerusalém, imaginaram empreender coisas em que jamais haviam
pensado, nem ousado fazer. Assim, na noite da festa de Páscoa, tão
solene entre os judeus, porque se celebra em memória da sua
libertação da escravidão do Egito, para ir tomar posse da terra que
Deus havia prometido aos nossos antepassados, esses assassinos
atacaram de improviso a pequena cidade de Engedi antes que os
habitantes tivessem tido tempo de tomar as armas, mataram mais de
setecentos deles, dos quais a maior parte eram mulheres e crianças,
saquearam todas as casas e levaram todos os despojos para Massada.
Trataram do mesmo modo todas as aldeias e todas as vilas dos
arredores; seu número crescia cada vez mais e não havia um lugar
sequer na Judéia que não estivesse naquele tempo exposto a toda
sorte de depredação. Como acontece no corpo humano, quando a parte
mais nobre é atacada por uma grave enfermidade, todas as outras
também se ressentem, assim essa horrível divisão que tinha reduzido
a tal extremo a capital, abrindo as portas à licença, havia feito que o
mal se espalhasse por toda a parte; nada havia que aqueles celerados
não julgassem poder fazer, impunemente. Após terem devastado tudo
o que estava perto deles, retiraram-se para o deserto, onde, depois de
se terem reunido em grande número para formar, se não um pequeno
exército, pelo menos um bando considerável de ladrões, atacaram as
cidades e os Templos. Aqueles aos quais faziam tanto mal não os
poupavam quando podiam agarrá-los, mas lhes era muito difícil,
porque eles fugiam imediatamente, com os despojos conquistados.
Assim, podia-se dizer que não havia um lugar sequer na Judéia que
não participasse dos males que faziam Jerusalém perecer.” (Ibid 340)

17
A Guerra dos Judeus Contra os Romanos – Parte 2 – Galba,
Otom e Vitélio

Vespasiano, antes de atacar Jerusalém, como quisesse fazê-lo por


todos os lados, mandou construir fortes em Jericó e cidades ao
derredor, conforme eram tomadas. Milhares de judeus foram mortos
nesta campanha e as cidades incendiadas e arrasadas. Quando o
ataque a Jerusalém era iminente, “Vespasiano recebeu a notícia da
morte do imperador Nero, depois de ter reinado treze anos. Suspendeu
assim a marcha contra Jerusalém, querendo antes saber quem seria o
sucessor de Nero, e quando viu que o império tinha caído nas mãos de
Galba, julgou dever adiar seu projeto, nada empreendendo até receber
suas ordens.

Mandou para esse fim, Tito, seu filho, procurá-lo e prestar-lhe em seu
nome suas primeiras homenagens. O rei Agripa quis fazer também a
mesma viagem, para saudar o novo imperador, mas como era inverno
e eles tinham embarcado em grandes navios, não tinham ainda
passado a Acaia quando souberam que Galba tinha sido morto, depois
de ter reinado somente sete meses e sete dias e que Otom o havia
substituído. Essa mudança não impediu que Agripa continuasse com a
mesma resolução de ir a Roma. Mas Tito, como inspirado divinamente,
voltou logo para junto de seu pai, e com ele foi a Cesaréia. Tão grandes
e extraordinários movimentos, capazes de causar a ruína do império,
mantinham todos os espíritos em suspensão e não se podia mais
pensar na guerra da judéia, porque não se podia pensar em dominar
os estrangeiros, quando se tinha tanto motivo de temer pela salvação
da mesma pátria. ” (Ibid 344)

Galba havia sido assassinado no centro de Roma, e Otom o sucedera,


mas as legiões romanas na Germânia escolheram Vitélio como
imperador, e assim, havendo o confronto entre os dois postulantes,
Otom foi derrotado e se matou depois de ter reinado três meses.

Vespasiano, não querendo mais perder tempo retomou a campanha na


Judeia. À medida que se apoderava das cidades, deixava guarnições
em todas elas.

18
Roma, naquele mesmo tempo, estava em plena guerra civil: como
Vitélio houvesse entrado na cidade com inúmeras tropas, e ainda pelo
fato destes soldados estarem desacostumados ao luxo e riqueza,
puseram-se a saquear as casas matando quem quer que se colocasse
em seus caminhos.

Quando Vespasiano retornou a Cesareia, depois de retomar, à exceção


de Massada, Herodiom, e Macherom, todas as praças que estavam nas
mãos dos revoltosos, soube da situação em que se encontrava Roma,
e que Vitélio fizera a si mesmo imperador. Isto causou a Vespasiano
uma grande indignação, porque lhe era intolerável ver o império ser
usurpado como uma presa qualquer.

Diz Josefo que o mau humor de Vespasiano em conversas com seus


oficiais tornou-se conhecido de seus soldados, que por sua vez,
passaram a confabular entre si quão injusta era a situação e que ao
invés de Vitélio era Vespasiano muito mais merecedor de tal honraria.
Não tardou, desta forma, que toda esta indignação se transformasse
em atitude, de maneira que Vespasiano, amparado pelas suas legiões,
aceitou a incumbência de seus comandados, sendo assim aclamado
imperador de Roma. Restava agora conquistar a cidade.

Como estivesse distante de Roma, e o inverno se aproximasse, achou


por bem controlar antes Alexandria, no Egito, que além de possuir uma
considerável força militar, pois lá estavam estacionadas duas legiões
de soldados, era também, e principalmente, o principal polo produtor
de trigo e cereais que abastecia Roma. Enviou, então, uma carta a
Tibério Alexandre, governador de Alexandria, contando que fora
aclamado imperador por seus soldados, e que necessitava de sua ajuda
para assumir tamanha responsabilidade. Tibério fez de imediato um
pacto de lealdade com Vespasiano, fazendo com que suas legiões
também jurassem fidelidade ao novo imperador.

A notícia da escolha de Vespasiano espalhou-se com grande rapidez


pelo oriente, e foi acolhida com grande alegria por todos, uma vez que
Vespasiano era tido em grande conta por seus serviços prestados ao

19
império. Acrescente-se a isto a adesão das legiões que estavam na
Hungria e Moésia que pouco antes haviam se revoltado contra Vitélio,
além do fato de ter na própria cidade de Roma, Tito Flávio Sabino ,
irmão de Vespasiano, como prefeito da cidade (56 a 59).

Vespasiano enviou a Roma, um exército liderado por Múcio, e além


deste, Antônio Primo, governador da Moésia (leste europeu –
compreendida hoje bela Sérvia e Bulgária). Contra o último Vitélio
enviou trinta mil homens liderados por Cesina, aquele que havia
derrotado Otom, e por esta razão, digno de sua confiança. Mas ao
avistar as legiões de Antônio Primo, Cesina aderiu ao partido de
Vespasiano.

Em Roma, quando chegou a notícia de que Primo se aproximava da


cidade, Sabino, irmão de Vespasiano, apoderou-se do Capitólio,
contando com a ajuda de Domiciano, seu sobrinho, filho mais novo de
Vespasiano.

Contra eles Vitélio enviou todas as suas forças, de maneira que Sabino
foi morto juntamente com quase todos que o ajudaram nesta
empreitada. Domiciano, que viria no futuro a reinar sobre Roma,
escapou como que por milagre. No dia seguinte Primo chegou com seu
exército derrotando Vitélio de forma definitiva, depois deste reinar
apenas oito meses. Somente no dia seguinte Múcio entrou em Roma
com seu exército. O poder foi colocado então nas mãos de Domiciano
até que seu pai chegasse a Roma.

E assim, tendo que retornar a Roma, Vespasiano deixou encarregado


de tomar Jerusalém, seu filho, Tito.

A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 3 – A Guerra


Civil dentro de Jerusalém

Neste tempo formava-se dentro de Jerusalém um terceiro grupo de


malfeitores oriundo da divisão do partido dos zelotes, aos quais Josefo
chama de animais por seu ódio gratuito e brutalidade. Eram, portanto,
20
três grupos dentro da cidade a se atacarem mutuamente, bem como
as populações que estavam em seu caminho.

Em seu futuro breve, quando Tito já houvesse conquistado Jerusalém,


Josefo diria: ” Cidade infeliz, que sofreste de semelhante, depois que
os romanos, entrando pela brecha, reduziram-te a cinzas, para
purificar com o fogo, tantas abominações e crimes que atraíram sobre
ti os raios da vingança de Deus.

Poderias continuar a ser o lugar adorável, onde ele tinha estabelecido


sua morada e ficar impune, depois de ter pela mais sangrenta e cruel
guerra civil, como nunca se viu, feito de seu Templo, o sepulcro de teus
concidadãos? Não desesperes, porém, em acalmar sua cólera, contanto
que teu arrependimento iguale a enormidade de tuas ofensas. Mas
devo conter meus sentimentos, pois que a lei da história em vez de me
permitir deter-me para chorar minhas desgraças, obriga-me a
apresentar a sequência dos tristes efeitos de nossas funestas divisões.”
(Ibid, 377)

Esses três partidos opostos agiam uns contra os outros em Jerusalém,


tendo o Templo como campo de batalha; isto no sentido literal da
palavra, uma vez que lá todos lutavam por sua posse por estar
localizado nas partes mais altas da cidade. Acrescente-se ainda que
nas imediações do Templo havia um grande depósito de trigo que
terminou por ser incendiado, causando assim uma grande carestia de
alimentos, o que veio afinal, trazer grande fome e maior sofrimento à
cidade.

Josefo descreve desta forma a situação da cidade: “No meio de tantos


males que afligiam Jerusalém de todos os lados e que tornavam aquela
infeliz cidade como um corpo exposto ao furor das feras mais cruéis,
os velhos e as mulheres suspiravam pelos romanos e desejavam ser
libertados por uma guerra estrangeira, das misérias que aquela guerra
doméstica os fazia sofrer.

Jamais desolação foi maior do que a daqueles infelizes habitantes;


qualquer resolução que eles tomavam, não achavam meio de a
21
executar; nem podiam fugir, porque todas as passagens estavam
guardadas; os chefes desses partidos tratavam como inimigos e
matavam a todos os de que suspeitavam querer se entregar aos
romanos e a única coisa em que estavam de acordo, era dar a morte
aos que mais mereciam viver.

Ouviam-se dia e noite os gritos dos que lutavam, uns contra os outros;
por maior impressão que causasse o medo nos espíritos, os lamentos
dos feridos feriam-nos ainda mais; tantas desgraças davam sem cessar
novos motivos de aflição, mas o temor sufocava as palavras e por uma
cruel imposição retinha os suspiros no coração; os servidores haviam
perdido todo o respeito por seus senhores; os mortos eram privados
da sepultura, todos se descuidavam de seus deveres porque não havia
mais esperança de salvação; a horrível crueldade daqueles facciosos
chegou a incríveis excessos: eles faziam montes de corpos dos que
haviam matado, espezinhavam-nos e deles se serviam como de um
campo de batalha onde combatiam, com tanto furor, que a vista de tão
espantoso espetáculo, obra de suas mãos, aumentava ainda o fogo da
ira que lhes incendiava o coração.” (Ibid 380)

A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 4 – Os Muros


de Jerusalém

Neste tempo Tito iniciou sua marcha contra Jerusalém. Conforme


Josefo, “Tito tinha além das três legiões que haviam servido sob o
imperador, seu pai, e devastado a Judeia, a décima segunda, que não
somente era composta de ótimos soldados, mas ainda se lembravam
dos infelizes resultados sob o comando de Céstio e esperavam o
momento de se vingar de tal afronta.” (Ibid 382)

Para além das forças que já tinha a seu dispor na Judeia, contou com
grandes reforços enviados pelos reis do entorno, além de sírios, e dois
mil homens escolhidos no exército de Alexandria, que juntos com três
mil outros que vinham do Eufrates, eram comandados por Tibério
Alexandre, governador do Egito e o primeiro que havia aderido a
Vespasiano. Não bastassem tais credenciais, diz Josefo que Tibério era
um homem de grande experiência em assuntos de guerra.

22
A formação dos exércitos que marcharam contra Jerusalém era mesmo
digna da mais épica das conquistas, e nada se parecia com a tomada
de uma pequena cidade: “Primeiro vinham as tropas auxiliares;
seguiam-nas os operários para preparar as estradas. Depois vinham
os que estavam encarregados de demarcar os limites do
acampamento. Atrás destes, as bagagens dos chefes, com sua escolta.
Logo depois vinha Tito, acompanhado por seus guardas e outros
soldados escolhidos; atrás dele, um corpo de cavalaria, que estava à
frente das máquinas. Os tribunos e os chefes das coortes seguiam
também acompanhados por soldados escolhidos. Logo depois vinha a
águia rodeada pelas insígnias das legiões, precedida por trombetas. Os
corpos de batalha como marchavam os soldados seis a seis, vinham
em seguida. Os servos das legiões estavam atrás, com a bagagem; os
que traziam os víveres e os operários com tropas especiais para sua
guarda fechavam a marcha.” (Ibid 383)

Tito avançou com seiscentos cavaleiros escolhidos, para explorar


Jerusalém, quando foi atacado por um grande número de judeus,
ficando assim, separado do restante de seu exército. Mesmo não
estando armado, pois só pretendia fazer o reconhecimento do campo
de batalha, Tito, sem se ferir escapou, chegando ao seu acampamento
com o restante dos homens. Sobre este episódio Josefo faz o seguinte
comentário: “Vimos então, que as vicissitudes da guerra e a
conservação dos soberanos pertencem a Deus, unicamente. Embora
Tito não estivesse armado, porque não tinha vindo para combater, mas
apenas para fazer um reconhecimento, nenhum daquele número
infinito de dardos que foram lançados o atingiu; todos passavam além,
como se um poder invisível tivesse o cuidado de desviá-los.” (Ibid 384)

Interessante notar, que mesmo no meio de uma guerra, a páscoa foi


celebrada aquele ano. Como vimos, eram três grupos de malfeitores
que lutavam dentro da cidade por sua posse. Um era liderado por
Eleazar, outro por João e outro por Simão. O grupo liderado por
Eleazar, que estava de posse da parte interior do Templo, abriu
naquela ocasião suas portas para a celebração da data. Aproveitando
a oportunidade, o grupo de João atacou o rival e o derrotou,
consolidando-se assim, como senhor do Templo. Restaram assim, dois
grupos dentro da cidade: o de João e o de Simão.

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Para tomar a cidade Tito teria que controlar seus muros bem como as
fortalezas que os protegiam. Imaginando-se Jerusalém como uma
estrutura quadrada, a cidade era, naquele tempo, cercada por um
muro tríplice em três de seus lados. No quarto lado, o muro era de
uma estrutura única, pelo fato deste lado dar de frente para um vale
praticamente inexpugnável. Diz Josefo que havia muitas casas neste
vale.

Este muro tríplice foi construído em diferentes épocas, tendo sido o


primeiro deles iniciado por Davi. Começava na torre chamada Hípicos,
no lado ocidental, e ia terminar no pórtico do Templo, que está do lado
do oriente. Ali começava o segundo muro e ia até a Fortaleza Antônia
do lado do norte. O terceiro muro começava na torre de Hípicos,
estendia-se do lado norte até a torre Psefina, e era obra do rei Agripa,
pai do Agripa daquele tempo.

Havia noventa torres espalhadas no decurso destes muros usadas para


sua proteção, entre as quais, a torre Psefina, em frente à qual Tito
havia estabelecido seu acampamento, que diz Josefo, superava a todas
as demais em beleza. Sua forma era ortogonal, muito alta, de maneira
que que quando o sol despontava, de lá se podia ver a Arábia, o mar
e até as fronteiras da Judéia.

Em frente dessa torre estava a de Hípicos e muito perto dela, ainda


duas outras, Fazaela e Mariana, todas construídas por Herodes, o
Grande,

Herodes, aquele que, visando matar Jesus, ainda na sua infância,


mandou eliminar todos os meninos nascidos em Belém, com idade
inferior a dois anos, era, para além de um déspota terrível, um grande
arquiteto, talvez o maior de seu tempo e possivelmente um dos
maiores que haja existido até hoje.

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Estas três torres formavam um único conjunto arquitetônico, que
conforme Josefo, possuíam uma beleza e força tão extraordinárias que
não havia outras comparáveis no mundo.

A primeira torre, de cerca de quarenta metros de altura, Herodes


chamou de Hípicos, nome de um amigo. A segunda, Fazaela, levava
este nome em homenagem a Fazael, seu irmão. Tinha também cerca
de quarenta metros de altura e assemelhava-se ao farol de Alexandria.
Esta torre servia de quartel general de Simão, o líder de um dos grupos
de malfeitores que ocupava a cidade. A terceira tinha o nome da rainha
Mariana, esposa de Herodes, a quem ele próprio assassinou por conta
dos ciúmes. Era a mais baixa das três, com cerca de trinta metros de
altura, mas ainda assim, diz Josefo que superava as outras duas em
beleza e em riqueza de detalhes.

Outra das torres digna de nota é a Fortaleza Antônia, também


construída pelo rei Herodes para homenagear Marco Antônio de quem
fora amigo. Era ao mesmo tempo forte em seu exterior e luxuosa por
dentro, como um palácio. Dela se podia ver todo o Templo. Diz Josefo
que o Templo era como a cidadela de Jerusalém, e a torre Antônia era
como a cidadela do Templo, de maneira que os romanos, quando ainda
dominavam a cidade, mantinham lá uma guarnição para defender não
só a fortaleza, como também a cidade e o Templo. Estes foram todos
mortos no tempo de Céstio.

A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 5 – Tito ataca


os Muros de Jerusalém

O objetivo inicial de Tito era tomar a fortaleza de Antônia. Mandou


cortar as árvores que havia ao redor da cidade e com a madeira ergueu
plataformas junto ao primeiro muro no seu lado. Os trabalhadores
eram protegidos das setas atiradas pelos judeus com telhas, ao mesmo
tempo que catapultas atiravam enormes pedras contra os muros.
Vários aríetes eram usados para derrubar os muros. Josefo conta que
o barulho das batidas era tão intenso, que este fez com o terror se
espalhasse de tal forma dentro da cidade que causou aquilo que
Vespasiano já previra muito tempo antes: os grupos de revoltosos que
dominavam a cidade juntaram-se contra o inimigo comum.
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Distribuíram-se pelas muralhas e passaram a atirar grande quantidade
de fogo e de dardos contra as máquinas dos romanos e contra os que
manejavam os aríetes. Tinham também várias catapultas deixadas
pelos romanos no tempo de Céstio, mas mal sabiam usá-las.

Depois de quinze dias de investida, os romanos conseguiram tomar o


controle do primeiro muro, conforme Josefo, no dia 7 de maio.

Na sequência desta conquista Tito ordenou que atacasse o segundo


muro pelo seu lado norte, onde mandou concentrar os aríetes e
atiradores de dardos. Em cinco dias tomaram este muro que dava para
a cidade nova, entrando nela com cerca de dois mil soldados.

Viviam naquela parte da cidade os comerciantes. Tito aprisionou


muitos e proibiu que os matassem ou que se incendiassem suas casas,
pois, ao mesmo tempo que desejava conquistar a cidade, desejava
também conservá-la para o império e o Templo para a cidade.
Prometeu a eles que poderiam conservar seus bens desde que se
rendessem, mas os sediciosos que ocupavam aquela região da cidade
ameaçaram matar os que falassem em se entregar e até mesmo os
que somente ousassem proferir a palavra paz.

Estes primeiros soldados romanos que entraram naquela região da


cidade se deram mal, pois ficaram encurralados entre o primeiro e o
segundo muros, de maneira que o número de judeus só fazia aumentar
e o ataque contra estes soldados foi brutal. Josefo diz que as ruas desta
parte da cidade eram muito estreitas e o conhecimento do lugar dava
aos judeus grande vantagem, de maneira que por um tempo
conseguiram retomar o controle do local.

Os judeus, conforme explica Josefo, entenderam que aquele


contingente que entrara na cidade era todo o exército romano, como
se Deus, para castigar seus pecados, os cegasse em suas
considerações, fazendo que nem sequer imaginassem que aqueles
eram apenas um simples destacamento: “Eles não imaginavam que os
que haviam repelido eram apenas uma pequeníssima parte do exército
romano e que a fome, que crescia sempre, era para eles outro inimigo
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não menos temível. Havia já algum tempo que se podia dizer que eles
viviam dos bens do povo e bebiam seu sangue, pois tantos homens de
bem sofriam muito, e vários já tinham morrido à míngua. Mas esses
malvados consideravam a desgraça dos outros como vantagem para si
mesmos. Julgavam dignos de viver somente os inimigos da paz, que
só viviam para fazer guerra aos romanos; todo o restante era para eles
uma multidão inútil, que lhes era de peso; e mais cruéis para com seus
próprios cidadãos, do que os bárbaros para com os seus, alegravam-
se em ver morrer aquele pobre povo. Os romanos atacaram de novo,
contra sua expectativa, aquele mesmo muro que tinham conquistado
e perdido, e o fizeram durante três dias seguidos, dando diversos
assaltos, que os judeus sustiveram com tanto ardor que eles foram
sempre repelidos. Mas no quarto dia, Tito preparou um ataque tão
violento que os judeus não puderam sustentá-lo, e assim pela segunda
vez ele se apoderou desse muro. Mandou então destruir tudo o que
estava do lado do norte e colocou guardas nas torres que estão
voltadas para o sul.” (Ibid 412-413)

Tito, antes de atacar o terceiro muro deu aos sediciosos a oportunidade


da rendição; Tentou atemorizar o povo fazendo uma exibição de todas
as suas tropas; mandou dispôs delas num lugar onde os judeus as
podiam ver e mandou pagar o soldo a todos os homens. Mas nem isto
fez com que mudassem de ideia.

Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 6 – O seu sangue


caia sobre nós e sobre nossos filhos

Josefo estava presente a estes acontecimentos, pois desde o início da


campanha de Tito servia-lhe como conselheiro, e desta forma, Tito
pediu que ele próprio se dirigisse ao povo em sua língua, a fim de
mostrar-lhes que só lhes restava entregar aquilo que na prática já
estava tomado.

É importante refletir que a situação de Jerusalém só chegou a este


ponto por causa dos grupos de bandidos que tomaram a cidade e não
por iniciativa do povo. O povo, mesmo querendo e desejando a
rendição, não podia fazê-lo por temor dos malfeitores. Estavam assim,

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no pior dos mundos, cercados pelos romanos e por bandidos dentro da
cidade.

Josefo escolheu um lugar bem alto, fora do alcance dos dardos, de


onde os judeus pudessem ouvi-lo. Apelou de todas as formas possíveis:
mostrou que as muralhas mais fortes já haviam sido derrubadas e que
só restava a mais fraca, e que sua obstinação estava levando à ruína
não só a cidade, como também o Templo e a vida de seus cidadãos.
Pediu que considerassem que Tito, destinado para a sucessão do
império, estava pronto a lhes conceder a paz; se não a aceitassem,
seriam todos mortos. Que considerassem que mesmo que
conseguissem resistir, a fome os mataria, enfim, não houve argumento
que não usasse, mas ao invés de ouvi-lo, zombaram dele, injuriaram-
no e alguns até mesmo atiraram-lhe dardos.

Vejamos como ele próprio argumentou com seus patrícios: “Vendo,


então, que misérias tão graves não eram capazes de os comover,
julgou dever falar-lhes do que havia acontecido no tempo de seus
antepassados e disse-lhes: “Miseráveis que sois, vos esquecestes
talvez de onde vos veio auxílio em todos os tempos? Será por meio das
armas que pretendeis vencer os romanos, como se devêsseis às vossas
próprias forças as vitórias que tendes obtido? E esse Deus Todo
Poderoso, que criou o universo não foi sempre o protetor dos judeus,
quando eles foram injustamente atacados? Não compreendereis vós
mesmos, refletindo, o ultraje que lhe fazeis, violando o respeito que
lhe é devido, fazendo de seu Templo uma fortaleza, de onde sais
empunhando armas como de uma praça de guerra? Esquecestes tantas
ações, tão religiosas, de nossos avós e de quantas guerras a santidade
desse lugar foi preservada? Tenho vergonha de relatar as obras
admiráveis de Deus a pessoas indignas de ouvi-las. No entanto, ouvi-
as, a fim de saberdes que é verdadeiramente a Ele e não aos romanos,
que resistis.”

E assim, lembrou-lhes de muitos outros casos em que Deus lutou pelo


seu povo, mas que agora dava-se o contrário. Nada os fez demover de
sua obstinação.

28
Nesta altura já havia muita fome na cidade, de maneira que os que
tinham algum dinheiro vendiam secretamente os seus bens por uma
medida de trigo. A comida era escondida nos lugares mais ocultos das
casas, onde as refeições eram tomadas cruas. Os revoltosos
procuravam alimentos por todas as casas, e quando encontravam, não
só o tomavam como também matavam quem os possuía. As pessoas
eram espancadas para confessar onde escondiam alguma comida,
crianças eram violentadas em frente aos pais para causar intimidação.
Josefo relata que “os homens eram pendurados pelas partes mais
sensíveis, fincavam-lhes na carne pedaços de pau pontiagudos e os
faziam sofrer outros indizíveis tormentos, para fazê-los declarar onde
tinham escondido um pão ou um punhado de farinha. Esses carrascos
achavam que, em tal conjuntura, podia-se, sem crueldade, praticar tão
horríveis ações e eles ajuntaram, por esse meio, o necessário para
viver seis dias. Tiravam dos pobres as ervas que de noite eles iam
colher fora da cidade, com perigo de vida; nem escutavam os rogos
que lhes faziam, em nome de Deus, para lhes deixar uma pequena
porção e julgavam fazer-lhes grande favor, não os matando depois de
os ter roubado.”

Os romanos capturavam diariamente um grande número destas


pessoas que tentavam encontrar fora da cidade algum tipo de erva que
pudessem comer e dar a seus filhos. Cerca de quinhentas pessoas
eram crucificadas todos os dias à vista dos que estavam na cidade.
Josefo comenta que “não eram suficientes as cruzes, e havia já falta
de lugar, para tantos instrumentos de suplício” e que “a morte que
recebiam das mãos dos inimigos parecia-lhes suave em comparação
com o que a fome e a miséria os faziam sofrer.”

Tito mandou cortar as mãos de várias pessoas que eram capturadas,


e depois de fazê-lo, enviava-os de volta à cidade para servirem de
exemplo aos outros.

Não faz isto nos lembrar as palavras do povo diante de Pilatos? ” O seu
sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos.” (Mateus 27 : 25)

A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 7 – A fome em


Jerusalém
29
A situação chegou a um ponto inimaginável de sofrimento; Josefo a
descreve assim: “A fome que sempre aumentava, devorava famílias
inteiras. As casas estavam cheias de cadáveres de mulheres e de
crianças, e as ruas, de corpos de anciãos. Os moços, inchados e
cambaleando pelas ruas, mais pareciam espectros do que seres vivos
e o menor obstáculo os fazia cair.

Assim, não tinham forças para enterrar os mortos e quando mesmo as


tivessem, não teriam podido fazê-lo, quer por seu número muito
elevado, quer porque eles mesmos não sabiam quanto tempo ainda
lhes restaria de vida. Se alguém se esforçava por prestar esse dever
de piedade, morria também quase sempre de fazê-lo; outros
arrastavam-se como podiam até o lugar de sua sepultura, para ali
esperar o momento da morte, que estava próxima. No meio de tão
espantosa miséria não se ouviam choros nem lamentos, não se
escutavam gemidos, porque aquela fome horrível com que a alma
estava inteiramente ocupada afogava todos os outros sentimentos.

Os que ainda viviam, contemplavam os mortos com olhos enxutos, e


seus lábios inchados e lívidos lhes faziam ver a morte esculpida no
rosto. O silêncio era tão grande em toda a cidade, como se ela tivesse
sido sepultada numa noite profunda ou que lá não vivesse mais um ser
humano. Em tal contingência aqueles celerados, que de tudo eram a
causa principal, mais cruéis que a mesma fome e que os animais
ferozes, entravam naquelas casas que eram mais sepulcros que lares,
e despojavam os mortos, tiravam-lhes até as vestes, e acrescentando
ainda a zombaria a tão espantosa desumanidade feriam com golpes os
que ainda respiravam para experimentar se suas espadas ainda tinham
gume.” (Ibid 424)

Muitos dos que conseguiam fugir da cidade para se entregar aos


romanos morriam ao se alimentar, porque estavam há dias sem comer,
e o faziam de forma apressada de forma a causar uma terrível
indigestão.

Conta Josefo que alguns destes, antes de se entregarem aos romanos,


quando possuíam ouro em suas posses, o engoliam para ter como
carregá-lo consigo. Aconteceu que um dia um desses fugitivos foi
30
surpreendido procurando ouro no meio de suas fezes, e assim,
correndo esta notícia, os soldados passaram a abrir os estômagos
daqueles que eram capturados para procurar ouro. Conta Josefo que
numa só noite dois mil judeus foram mortos desta maneira. (Ibid 429)

Os cadáveres se entulhavam nas ruas da cidade, de maneira que era


impossível se deslocar pelas ruas de Jerusalém sem que se pisasse em
algum.

A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 8 – A conquista


da Fortaleza Antônia

Os romanos construíam neste tempo plataformas e rampas para


escalar o terceiro muro, de maneira que toda a vegetação ao redor de
Jerusalém foi devastada: “Onde outrora havia bosques e árvores
frondosas, jardins deliciosos, não havia agora uma única árvore, e não
somente os judeus, mas os estrangeiros, que antes admiravam aquela
formosa parte da Judeia, agora não seriam capazes de reconhecer,
nem ver os maravilhosos arrabaldes daquela grande cidade,
convertidos em terrenos abandonados e silvestres, sem que tão
deplorável mudança os fizesse derramar lágrimas. Foi assim que a
guerra de tal modo destruiu uma região tão favorecida por Deus, que
já não lhe restava o menor vestígio de sua beleza antiga e podia-se
perguntar em Jerusalém, onde então estava Jerusalém.” (Ibid 433)

A Fortaleza Antônia veio por fim a cair nas mãos dos romanos, e desta
forma, muitos dos que lá se refugiavam fugiram para o Templo, em
cujas portas travou-se uma intensa batalha, com tanta gente, e por
causa disto, num espaço tão apertado, que só era possível combater
usando a espada, porque dardos e flechas eram inúteis por causa da
proximidade de uns e outros. Josefo conta que combatiam pisando em
cadáveres, e que esta batalha foi travada no escuro, desde as nove
horas da noite até o amanhecer.

Tito mandou destruir os alicerces de um lado Fortaleza Antônia de


maneira a possibilitar a entrada de um grande contingente de soldados.

31
Nesta altura da situação, os judeus que conseguiam fugir da cidade e
se entregar aos romanos eram bem tratados por estes, e como já fosse
grande o seu número, Tito mandou que fossem mostrados a seus
compatriotas, para que vissem que estavam em condições dignas e
assim pudessem também proceder da mesma forma. Mas não havia
hipótese disto acontecer, pois os sediciosos matavam a quem quer que
ousasse tentá-lo.

Antes de investir contra a cidade, Tito, que desejava preservar o


Templo, mandou novamente Josefo para apelar ao bom censo e pedir
sua rendição incondicional. Mas foram vãos os apelos, e assim resolveu
atacá-los à noite. Tito comandou pessoalmente o ataque a partir da
Fortaleza Antônia.

Por causa da surpresa, os judeus atacavam indistintamente amigos e


inimigos, por causa da escuridão da noite. Josefo diz que os romanos
podiam distinguir os campaneiros do inimigo porque eles combatiam
em grupos, apertados uns contra os outros, cobertos com seus escudos
e se serviam, para se reconhecer, da senha que lhes fora dada. Pelo
lado dos judeus mataram-se mais entre eles próprios do que pela
espada do inimigo. Este combate cessou somente ao raiar do dia com
muitos mortos de ambos lados.

Tito ordenou então que a Fortaleza Antônia fosse destruída até os


alicerces para abrir espaço para a entrada das legiões. Josefo conta
assim o início da destruição do Templo: “Os judeus, enfraquecidos
pelas perdas que haviam sofrido em tantos combates, vendo que a
guerra se acendia cada vez mais e que o perigo de que o Templo estava
ameaçado crescia sempre, resolveram destruir-lhe uma parte, para
salvar o restante; do mesmo modo que se cortam os membros de um
corpo atacado de gangrena, para impedir que ela passe adiante.

Começaram por incendiar aquela parte da galeria que o unia à


Fortaleza Antônia, do lado do vento norte e do ocidente, e derrubaram
depois quase vinte côvados e foram assim os primeiros que
empreenderam a destruição daquela soberba construção. Dois dias

32
depois, vinte e quatro de julho, os romanos incendiaram a mesma
galeria. Depois de terem arruinado uns catorze côvados, os judeus
derrubaram o restante e continuaram assim trabalhando na destruição
de tudo o que podia ter comunicação com a Fortaleza Antônia embora
tivessem podido, se quisessem, impedir aquele incêndio. Eles
consideravam sem se inquietar o curso que o fogo tomava para dele
servir-se em seu proveito, e as escaramuças se faziam todas em redor
do Templo. (Ibid 452-453)

A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 9 – Ai das


grávidas e das que amamentarem naqueles dias!

Paralelo ao que acontecia no Templo, a fome grassava na cidade.


Josefo conta a estória de uma mulher que quis o destino estivesse
presa na cidade naqueles dias. Era rica e fugindo da guerra que
chegara à sua aldeia veio refugiar-se em Jerusalém. Viveu ali dias tão
amargurados que ao fim de longo sofrimento matou seu filho recém
nascido para dele se alimentar. Vejamos como o autor descreve este
episódio: “… matou o filho, cozeu-o, comeu uma parte e escondeu a
outra.

Aqueles ímpios, que só viviam de rapina, entraram em seguida naquela


casa; tendo sentido o cheiro daquela iguaria inominável, ameaçaram
matá-la, se ela não lhes mostrasse o que tinha preparado para comer.
Ela respondeu que ainda lhe restava um pedaço da iguaria e mostrou-
lhes restantes do corpo do próprio filho. Ainda que tivessem um
coração de bronze, tal espetáculo causou-lhes tanto horror, que eles
pareciam fora de si. Ela, porém, na exaltação que lhe causava o furor,
disse-lhes, com o rosto convulsionado: “Sim, é meu próprio filho que
vedes, e fui eu mesma que o matei. Podeis comê-lo, também, pois eu
já comi. Sois talvez menos corajosos que uma mulher e tendes mais
compaixão que uma mãe? Se vossa piedade não vos permite aceitar
essa vítima, que vos ofereço, eu mesma acabarei de comê-lo”.

Aqueles homens que até então não haviam sabido o que era a
compaixão, retiraram-se trêmulos, e por maior que fosse a sua avidez
em procurar alimento, deixaram o restante daquela detestável iguaria
à infeliz mãe.
33
A notícia de fato tão funesto espalhou-se incontinenti por toda a cidade.
O horror que todos sentiram foi o mesmo, como se cada qual tivesse
cometido aquele horrível crime; os mais torturados pela fome só
desejavam morrer, quanto antes, e julgavam felizes os que já haviam
morrido, antes de ter tido ciência deste fato ou ouvido narrar coisa tão
execrável.

Os romanos também logo souberam de tudo, isto é, da criança


sacrificada por sua própria mãe, para que ela pudesse continuar a
viver. Uns não podiam crer no que se dizia; outros sentiam imensa
compaixão, mas a maior parte viu acender-se ainda mais o ódio que já
sentiam contra os judeus.

Tito, para se justificar diante de Deus a esse respeito, protestou em


voz alta que ele tinha oferecido aos judeus uma anistia geral de todo
o passado e visto que eles tinham preferido a revolta à obediência, a
guerra à paz, a carestia à abundância e tinham sido os primeiros a
incendiar com suas próprias mãos o Templo, que ele tinha se esforçado
por conservar, mereciam ser obrigados a se alimentar de tão execrável
iguaria.

No entanto, ele sepultaria aquele horrível crime sob as ruínas da sua


capital, a fim de que o sol, fazendo a volta ao mundo, não fosse
obrigado a esconder seus raios, pelo horror, de iluminar uma cidade
onde as mães se nutriam de carne dos próprios filhos, onde os pais
não eram menos culpados que elas, pois tão estranhas misérias não os
podiam decidir a abandonar as armas. Estas as palavras do grande
príncipe, porque, considerando até que excesso ia a raiva daqueles
revoltosos, ele não achava, que depois de ter sofrido tantos males, dos
quais apenas o temor deveria trazê-los ao cumprimento do dever, nada
poderia jamais fazê-los mudar.” (Ibid 459)

Nós mínimos detalhes esta estória nos lembra as palavras de Jesus em


Mateus 24 : 19: “Mas ai das grávidas e das que amamentarem
naqueles dias!”

34
Como a realidade das palavras do Senhor poderiam ser mais amargas
e reais que isto? Quem, naqueles dias de Jesus poderia crer que
Jerusalém chegaria a este ponto?

A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 10 – O Templo


incendiado

Josefo diz que em 8 de agosto Tito mandou colocar aríetes na direção


dos portões do Templo em seu lado ocidental, batendo por seis dias
seguidos sem qualquer resultado. O mesmo se deu quanto à tentativa
de arrancar algumas pedras dos alicerces das portas. Tentaram
também escalar o portão com escadas, o que os judeus repeliam, e
assim, vários romanos perderam suas vidas. Tito, vendo que o seu
desejo de conservar o Templo custava a vida de um grande número de
soldados, mandou incendiar-lhe os pórticos, que queimaram pelo
restante daquele dia e toda a noite, de maneira que, no dia seguinte,
ordenou que fosse extinto o fogo e o caminho aplainado para a
passagem das tropas.

Reuniu em seguida seus comandantes para deliberarem sobre a


resolução que deviam tomar com relação ao Templo. Diz Josefo que
“uns, foram de opinião de se usar do poder que lhes dava o direito da
guerra, porque enquanto ele subsistisse, os judeus que ali se reuniram
de todas as partes da terra, sempre se haveriam de revoltar. Outros
disseram, que se os judeus o abandonassem, sem querer mais
defendê-lo, julgavam que então poderia ser conservado.

No entanto, se continuassem a fazer guerra, seria preciso incendiá-lo,


porque não deveria mais ser considerado como um Templo, mas como
uma fortaleza e seria aos judeus somente que se deveria atribuir a
ruína do mesmo, porque lhe tinham sido a causa. Depois de terem
assim opinado, Tito disse que ainda que os judeus se servissem do
Templo como de uma praça de guerra, para continuar na sua revolta,
não era justo vingar-se em coisas inanimadas, pelas faltas cometidas
pelos homens, reduzindo a cinzas uma obra cuja conservação seria tão
grande ornamento para o império. Ninguém mais então pôde duvidar
de seus sentimentos; Alexandre, Cerealis e Fronto foram da mesma
opinião; dissolveu-se o conselho e o príncipe ordenou que se desse
35
descanso às tropas, para pô-las em condições de dar um assalto mais
forte ainda, quando fosse necessário. Ordenou em seguida a algumas
coortes que apagassem o fogo e fizessem uma estrada, pelo meio das
ruínas. Os judeus, cansados e esgotados por tantas fadigas, nada mais
empreenderam naquele dia.” (Ibid 463)

Tito resolveu atacar o Templo no dia dez de agosto. Josefo vê naquela


decisão, não um ato isolado de Tito, mas verdadeiramente a vontade
de Deus a ditar o destino daquele povo: “e assim estava-se na véspera
desse dia fatal, em que Deus tinha, há tanto tempo, condenado aquele
lugar santo a ser incendiado e destruído depois de uma longa série de
anos, como ele tinha outrora, no mesmo dia, sido destruído por
Nabucodonosor, rei de Babilônia. Mas não foram estrangeiros, foram
os mesmos judeus a causa única de tão funesto incêndio. Um soldado,
então, sem para isso ter recebido ordem alguma, e sem temer cometer
um horrível sacrilégio, mas, como levado por inspiração divina, fez-se
levantar por um companheiro e atirou pela janela de ouro um pedaço
de madeira aceso no lugar pelo qual se ia aos edifícios, ao redor do
Templo do lado do norte. O fogo ateou-se imediatamente; em tão
grande desgraça, os judeus lançavam gritos espantosos. Corriam
procurando apagá-lo e nada mais os obrigava a poupar suas vidas,
quando viam desaparecer diante de seus olhos aquele Templo que os
levava a poupá-las pelo desejo de conservá-lo.” (Ibid 466 – 467)

Quando soube do ocorrido, Tito tentou apagar o fogo. “Todos os chefes


seguiram-no e as legiões depois dele, com grande confusão e tumulto,
clamores tais, que se pode imaginar, quando em tal contingência um
grande exército marcha, sem ordem e sem disciplina. Tito gritava com
todas as forças, fazia sinais com a mão para obrigar os seus a apagar
o fogo, mas tão grande barulho impedia que ele fosse ouvido; o ardor
e a cólera de que os soldados estavam cheios, naquela guerra, não
lhes permitia notar os sinais que lhe fazia. Assim, aquelas legiões que
entravam em massa, não podiam em sua impetuosidade ser contidas
nem por suas ordens, nem por suas ameaças; o furor as conduzia; elas
apertavam-se de tal modo que muitos caíam e eram pisados, outros,
caindo sobre as ruínas do pórtico e das galerias, ainda acesas e
fumegantes, não eram, embora vencedores, menos infelizes que os
vencidos. Quando todos aqueles soldados chegaram ao Templo
fingiram não entender as ordens que o imperador lhes dava. Os que

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estavam atrás exortavam os mais adiantados a pôr fogo e não restava
então aos revoltosos nem uma esperança de poderem impedi-lo.

De qualquer lado que se lançassem os olhos, só se viam fuga e


mortandade. Matou-se um grande número de pessoas do baixo povo,
gente desarmada e incapaz de se defender. Em volta do altar havia
montes de cadáveres, que eram atirados, depois de assassinados,
àquele lugar santo, o qual não era destinado a sacrificar tais vítimas;
rios de sangue corriam por todos os degraus.

Tito, vendo que lhe era impossível deter o furor dos soldados e o fogo
começava a incendiar tudo em toda parte, entrou com os seus
principais chefes no Santuário e achou, depois de tê-lo observado, que
sua magnificência e riqueza sobrepujavam ainda de muito o que a fama
havia espalhado entre as nações estrangeiras e que tudo o que os
judeus diziam a esse respeito, ainda que parecesse incrível, nada
acrescentava à verdade.

Quando viu que o fogo não tinha ainda chegado ali, mas consumia
então somente o que estava nas vizinhanças do Templo, julgou, como
era verdade, que ainda poderia ser conservado; rogou, ele mesmo, aos
soldados que apagassem o fogo e mandou um oficial de nome Liberal,
um de seus guardas, que desse mesmo pauladas, nos que se
recusassem a obedecer. Mas nem o temor do castigo nem o respeito
pelo general puderam impedir-lhes o efeito do furor, da cólera e do
ódio pelos judeus; alguns mesmos eram impelidos pela esperança de
encontrar aqueles lugares santos cheios de riquezas, porque viam que
as portas estavam recobertas de lâminas de ouro e quando Tito
avançava para impedir o incêndio, um dos soldados que havia entrado,
já tinha posto fogo na porta. Dentro acendeu-se então uma grande
labareda que obrigou Tito e os que o acompanhavam a se retirar sem
que nenhum dos que estavam fora procurasse apagá-la. Assim, esse
santo e soberbo Templo foi incendiado, não obstante todos os esforços
de Tito para impedi-lo.” (Ibid 468-469)

Josefo afirma que o Templo foi incendiado “no mesmo mês e no mesmo
dia em que os babilônios outrora o haviam também incendiado. Esse
segundo incêndio aconteceu no segundo ano do reinado de Vespasiano,
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mil cento e trinta anos, sete meses e quinze dias depois que o rei
Salomão o havia construído pela primeira vez; seiscentos e trinta e
nove anos, quarenta e cinco dias depois que Zorobabel o tinha feito
restaurar, no segundo ano do reinado de Ciro.

A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 11 – Tito entra


em Jerusalém

Ao mesmo tempo em que o fogo consumia o Templo os romanos


matavam a todos os que encontravam. Mais proveitosa é a leitura do
próprio texto de Josefo: ”Não perdoavam nem à idade, nem à condição.
Os velhos e as crianças, os sacerdotes e os leigos, eram todos passados
a fio de espada; todos eram envolvidos nessa matança geral e os que
recorriam aos rogos não eram tratados com mais clemência do que os
que tinham a coragem de se defender até o fim; o gemido dos
moribundos misturava-se com o barulho do crepitar das chamas, que
avançavam sempre e o incêndio de tão grande edifício, situado num
lugar elevado, fazia, aos que o contemplavam de longe, pensar que
toda a cidade estava sendo devorada pelas chamas.

Nada se poderia ouvir de mais horrível, do que o ruído que ecoava pelo
ar, em todas as direções.

Não se pode imaginar o que faziam as legiões romanas, tomadas de


furor; os gritos dos revoltosos, que se viam envolvidos de todos os
lados pelas armas e pelo fogo misturavam-se com as queixas e
lamentações do pobre povo, que estava no Templo e que levado pelo
desespero, ao fugir, atirava-se nos braços dos inimigos; vozes
confusas elevava até o céu a multidão que estava no alto do monte
fronteiro ao Templo, contemplando o horrível espetáculo. Aqueles
mesmos que a fome tinha reduzido aos extremos, aos quais a morte
estava prestes a fechar os olhos para sempre, percebendo o incêndio
do Templo, reuniam todas as suas forças para deplorar tão grave
desgraça; os ecos dos montes vizinhos e da região que está além do
Jordão multiplicavam ainda esse barulho horrível. Por mais espantoso
que fosse, porém, os males que causava eram-no ainda mais. O fogo,
que devorava o Templo, era tão grande e violento que parecia que o
mesmo monte sobre o qual estava situado ardia todo inteiro. O sangue
corria em tal quantidade que parecia querer competir com o fogo,

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quem se estenderia mais. O número dos mortos era muito maior que
o daqueles que os sacrificavam à sua cólera e vingança; toda a terra
estava coberta de cadáveres; os soldados pisavam-nos, para poder
continuar a perseguir os que ainda tentavam fugir. Por fim os
revoltosos organizaram tão violento ataque que repeliram os romanos,
chegaram ao Templo exterior e de lá retiraram-se para a cidade.

Os romanos, julgando que uma vez queimado, seria inútil poupar o


restante, incendiaram, também todos os edifícios dos arredores; e
assim eles foram destruídos com tudo o que restava dos pórticos e das
portas, exceto as duas que estavam do lado do oriente e do sul, que
eles destruíram depois, até os alicerces. Incendiaram também a
tesouraria que estava cheia de uma quantidade enorme de riquezas,
quer em dinheiro quer em soberbas peças de vestuário e outras coisas
preciosas, porque os mais ricos dos judeus para lá haviam levado o
que tinham de melhor.

Fora do Templo só restava uma galeria, onde seis mil pessoas do povo,
homens, mulheres e crianças se tinham reunido para se salvar; mas
os soldados, levados pela cólera, incendiaram-na também, sem
esperar a ordem de Tito, uns morreram queimados, outros atirando-se
para baixo, para não sofrer morte semelhante, se suicidaram, de sorte
que nem um só se salvou. (Ibid 472-474)

Com o Templo tomado, passaram os soldados a atacar indistintamente


as populações da cidade, matando sem qualquer traço de piedade
mulheres, crianças e velhos. As casas eram saqueadas e incendiadas.
Os que nelas entravam, para saqueá-las, encontravam-nas cheias de
cadáveres de toda a família que a fome havia feito perecer.

Josefo diz que “foi a oito de setembro que Jerusalém, depois de ter
sofrido tantos males, por fim, desapareceu sob o violento incêndio.
Durante o assédio, mil sofrimentos a atormentaram, fazendo que sua
felicidade e seu esplendor, que desde a fundação haviam sido enormes,
se eclipsassem, depois de a terem tornado digna de inveja. Mas em tal
conjuntura, depois de tantos males, essa infeliz cidade não é digna de
lástima, a não ser por ter agasalhado em seu seio aquela multidão de
víboras, que a devoraram e foram a causa de sua ruína.” (Ibid 495)

39
Mesmo com a cidade entregue à superioridade dos romanos, ainda
assim continuou a mortandade de pessoas, mesmo havendo ordens de
Tito para que fossem poupados os que desejassem a paz.

Josefo conta que “dentre os que foram poupados, os que tinham mais
de dezessete anos foram enviados para trabalhar nas obras públicas e
Tito distribuiu um grande número deles pelas províncias para servirem
de espetáculo de gladiadores e combater contra as feras. Os que
tinham menos de dezessete anos foram vendidos.

Dessa forma, enquanto estes míseros eram encaminhados como


escravos, onze mil outros morreram, uns, porque seus guardas que os
odiavam não lhes deram de comer, outros, porque não o queriam
fazer, desgostosos como estavam da vida, preferiam mesmo morrer e
também porque dificilmente se encontrava trigo para alimentar tanta
gente”. (Ibid 497)

A Guerra dos Judeus contra os Romanos – Parte 12 – A


destruição de Jerusalém

Conforme Josefo, “foram feitos prisioneiros durante esta guerra


noventa e sete mil homens e o assédio de Jerusalém custou a vida a
um milhão e cem mil homens, dos quais a maior parte, embora judeus
de nascimento, não eram nascidos na judéia, mas lá se encontravam
de todas as províncias para festejar a Páscoa e haviam ficado presos
na cidade por causa da guerra.

Como não havia lugar para acomodá-los a todos, sobreveio a peste e


logo em seguida a carestia. Pode-se julgar que era difícil que aquela
cidade, sendo tão grande, estivesse de tal modo povoada, que não
havia lugar para tanta gente, principalmente esses judeus vindos de
fora, mas não há melhor prova para isso, do que o recenseamento feito
no tempo de Céstio.

Pois esse governador, querendo dar a conhecer a Nero, que tinha tanto
desprezo pelos judeus, a força de Jerusalém, rogou aos sacerdotes que
40
contassem o povo. Eles escolheram para isso o tempo da festa da
Páscoa no qual desde as nove horas até às onze, sem cessar,
imolaram-se vítimas, cuja carne era consumida pelas famílias, que não
tinham menos de dez pessoas, algumas até vinte. Concluiu-se que
haviam sido imolados duzentos e cinqüenta e cinco mil e seiscentos
animais, de onde, contando-se apenas dez pessoas para cada animal,
teríamos dois milhões, quinhentos e cinqüenta e seis mil pessoas,
purificadas e santificadas. Não eram admitidos a oferecer sacrifícios
nem os leprosos, nem os que sofriam de gonorréia, nem as mulheres
que estavam no tempo do incômodo que lhes é ordinário, nem os
estrangeiros que, não sendo judeus de raça, não deixavam de sê-lo,
por devoção a essa solenidade. Assim, aquela grande multidão que se
tinha dirigido a Jerusalém, de tantos e tão diversos lugares, antes do
cerco, lá se encontrou encerrada como numa prisão, quando a guerra
começou.

Parece, pelo que acabo de dizer, que nenhum acidente humano, nem
flagelo algum mandado por Deus, jamais causaram a ruína de um tão
grande número de pessoas, como o dos que pereceram pela peste,
pela fome, pelas armas e pelo fogo, durante esse cerco, ou que foram
levados como escravos pelos romanos. Os soldados rebuscaram até
nos esgotos e nos sepulcros, onde mataram a todos os que ainda
estavam vivos e desses encontraram mais de dois mil que se haviam
matado uns aos outros ou a si mesmos, ou que tinham sido mortos
pela fome. O mau cheiro que saía desses lugares infectados era tão
grande, que vários, não podendo suportá-lo, abandonavam-no.

Assim terminou Jerusalém, no dia oito de setembro, no segundo ano


do reinado de Vespasiano. Tito ordenou que destruíssem a cidade até
os alicerces, com exceção de um pedaço do muro, que está do lado do
ocidente, onde ele tinha determinado construir uma fortaleza e as
torres de Hípicos, de Fazael e de Mariana, porque, sobrepujando a
todas as outras em altura e em magnificência, ele as queria conservar
para mostrar à posteridade, quão grandes foram o valor e a ciência
dos romanos na guerra, para se apoderarem daquela poderosa cidade,
que se tinha elevado a tal nível de glória. Essa ordem foi tão
exatamente cumprida que não ficou sinal algum, que mostrasse haver
ali existido um centro tão populoso. Tal o fim de Jerusalém, cuja triste

41
sorte só se pode atribuir à raiva daqueles revoltosos que atearam o
fogo na guerra. (Ibid 498 – 500).

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03.09.2017.

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