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A BRUXA E O PROFETA

Tarcísio José da Silva


salvadorjose1975@hotmail.com
Público geral
A BRUXA E O PROFETA

Era uma vez...


Um mago que cruzava os sertões baianos, pregando o Fim do Mundo e o retorno
glorioso do Rei D. Sebastião, que habitava a Ilha Encantada.
Esse taumaturgo era Antônio Conselheiro, também chamado de Antônio dos
Mares – pois, ele era um dos poucos sertanejos que tiveram o privilégio de visitar o
litoral e ver o mar.
O Mar era um gigante desconhecido e fascinante para a maioria esmagadora dos
habitantes do desertão.
Desertão sim. Pois, o sertão é um grande deserto: o Desertão.
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Conselheiro fundou sua própria cidade, onde vigoravam as leis da solidariedade
e caridade. Muitos sertanejos pobres e desvalidos, que viviam com fome, levando uma
existência miserável, seguiram o profeta para essa terra sagrada: a Terra de Canudos ou
de Belo Monte.
Em Canudos, todos estavam protegidos do domínio opressivo da Dama
Estrangeira e das ações nefastas de outra mulher: uma bruxa cruel que habitava um
castelo na Montanha do Pecado.
Essa bruxa era a Seca.
A fundação de Belo Monte aconteceu tempos depois de uma visita que
Conselheiro fizera a essa bruxa terrível...
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Logo no início de suas andanças, enquanto caminhava pelo sertão, procurando
respostas para suas dúvidas mais intensas, Antônio enfrentou várias tentações.
O sertão é um mundo mágico, cheio de demônios e criaturas sobrenaturais. A
caatinga é repleta de serpente, lagartos, aranhas, onças pardas, guaribas, veados, urubus
e carcarás. Sua flora inclui plantas exóticas e admiráveis, como o mandacaru e o xique-
xique. O umbuzeiro e o juazeiro são as árvores perenes do sertão, vegetais resistentes
que suportam as agruras do clima imposto pela Seca e fornecem alimentação aos
homens e aos animais da região. Como negar a beleza do gravatá, ou croatá, apesar da
agressividade de seus pequenos espinhos?
Foi entre serpentes e croatás, entre escorpiões e angicos, que Conselheiro passou
boa parte de sua vida. Pisou, de pés descalços, o solo ressequido e maltratado,
contemplou o leito vazio dos riachos, viu bem de perto as árvores esgalhadas que
estendiam seus braços ressequidos para o céu, suplicando ajuda.
Ele sentiu em seu rosto o vento árido do desertão: o bafejo da Morte.
Assim andando, Antônio entrou em região estranha, à qual pouquíssimos
sertanejos haviam chegado. Ele vinha atravessando a Bahia, bem distante de seu Ceará
querido e penetrou naquele ambiente mais desolador ainda.
Era uma região permanentemente mergulhada em trevas, com um céu toldado
por nuvens escuras, mas que jamais despejavam água.
- Que lugar é esse, meu Deus? – espantou-se o sertanejo.
Havia ossos de gente por toda parte. Eram esqueletos níveos e aterrorizantes,
caveiras com sorrisos sarcásticos estampados em suas faces hediondas. Havia corpos em
eterna decomposição, cobertos por vermes, mas sem nunca se decomporem totalmente.
Um desses corpos veio andando desengonçadamente na direção de Antônio.
- Ajude-me! Piedade! Liberte-me! – gemia ele, com sua face desfigurada e olhos
saltados.
Antônio recuou espantado, mas teve compaixão da pobre criatura. Outros
homens, iguais àquele, vagavam penosamente por aquela região sombria, gemendo,
lamentando-se, chorando.
- Deve ser o Vale da Sombra da Morte! – falou o sertanejo para si mesmo – O
Vale da Sombra da Morte de que fala o salmista!
Antônio carregava, em sua trouxa de peregrino, um livro com o qual mantinha
íntima relação: as Escrituras Sagradas. Lia diariamente os salmos e os provérbios.
Conhecia o Antigo e o Novo Testamentos e era devoto de Nossa Senhora, Mãe de todos
os homens.
De repente, um poderoso trovão ribombou no firmamento, um raio amarelo caiu
do alto à terra, provocando um chama elevada que durou alguns instantes e apagou-se.
Em seguida, um relâmpago iluminou, ao longe, o topo de uma elevada montanha,
revelando um castelo sinistro de altas torres.
Antônio fez o sinal da cruz e abraçou a Bíblia que levava na mão.
- Meu Deus! O que é aquilo? – perguntou-se surpreso – Será que isso é o
inferno? Será aquela a morada do demo?
Não. Ali não era o inferno. Mas, era um lugar quente também – muito quente e
sufocante. O solo era tão rachado como se um terremoto houvesse abalado tudo. Os
gemidos dos cadáveres enchiam os ares de uma sinfonia fúnebre.
Pouco depois do relâmpago, um urro estremeceu literalmente a região. E
Antônio agarrou-se com mais fervor à sua Bíblia. Os zumbis pareciam assustados
também e esconderam-se. Alguma coisa vinha se aproximando com passadas pesadas
que chacoalhavam os esqueletos estendidos pelo chão e atiravam pedras para o alto.
Antônio amparou-se a uma formação rochosa que subia da terra. Naquela região, não
havia flora, nem fauna – somente pedras, esqueletos e zumbis.
Por trás de pedras e ruínas de construções, apareceu a criatura.
Era um gigantesco lagarto cinzento, cuja cauda era uma serpente viva que
silvava sem parar, exibindo sua língua bífida e vermelha. O monstro possuía três
cabeças: uma de cabra com longos cornos; outra, de rato; a terceira era de gavião-
carcará.
Antônio não conseguia despregar os olhos da fantástica fera que se aproximava,
mas conseguiu ocultar-se o suficiente por trás da rocha para não ser visto. As três
cabeças moviam-se independentemente, olhando para diferentes direções, mas todas
urravam do mesmo jeito.
Antônio lembrou-se imediatamente das visões de João Apóstolo na Ilha de
Patmos. Aquele lagarto devia fazer parte de alguma revelação sobre o Fim do Mundo.
Só depois, Antônio viria a saber que aquele monstro era o Cambranganza, um
monstro terrível, com milhares de anos, que se tornara sinônimo de “coisa feia”. Esse
monstro pertencia à bruxa que habitava o castelo no topo da montanha.
O Cambranganza permaneceu um tempo parado, farejando o ar e soltando urros
esporádicos. Depois, foi-se embora, dando vigorosas passadas que faziam o coração de
Antônio quase sair pela boca.
Foi aí que Antônio viu uma aparição...
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Diante dele, estava materializada uma pessoa de aparência majestosa. Trajava
roupas de guerreiro, mas tinha uma cora de ouro na cabeça.
Era El-Rei D. Sebastião.
- Levanta-te, Antônio! – ordenou ele ao sertanejo, que se encontrava agachado,
procurando esconder-se do monstro.
Antônio sentia desejos de se ajoelhar para prestar homenagem ao estranho, mas
cumpriu sua ordem.
- Não tenhas medo! – continuou o monarca – Sou El-Rei D. Sebastião, de
Portugal! Desapareci na batalha de Alcácer-Quibir e agora vivo em uma ilha distante,
protegida por seres superiores. Em breve retornarei ao mundo dos homens para
estabelecer um reino de paz e justiça. Enquanto isso, encarrego-te de anunciar minha
volta e proteger esse sofrido povo sertanejo. Vês aquela morada no alto da montanha?
Aquela é a Montanha do Pecado e no castelo vive uma bruxa terrível responsável pela
miséria do sertão. Ela aprisionou as águas do céu em depósitos...
Ao dizer isso, o monarca apontou as nuvens carregadas no céu.
- Ela odeia o gênero humano e resolveu castigar os homens, impedindo que caia
água do céu e soprando o vento tórrido que sai da boca do Cambranganza, a criatura que
há pouco viste. Terás de enfrentá-la, Conselheiro! Sobe ao alto da Montanha do Pecado
e fala com ela. No final dos tempos, quando eu retornar, certamente aprisionarei essa
malévola feiticeira. Mas, por enquanto, ela ainda tem liberdade para agir.
Antônio viu-se, então, incumbido de proteger o povo sertanejo e enfrentar a
terrível bruxa chamada Seca.
- Tira essas roupas tuas! – continuou o monarca – Doravante, vestirás esta túnica
azul, cor do manto sagrado de Nossa Senhora! E empunharás esta vara! Segura-a! Antes
de ti, ela foi usada por Moisés. Como ele, tu guiarás o povo sertanejo à Terra Prometida:
uma terra onde o rio não para de correr e não existe fome!
Antônio retirou suas calças e camisa, vestiu a túnica azul e segurou a Vara de
Moisés. De sua antiga indumentária, manteve somente o chapéu de abas largas. Há
muito tempo, ele peregrinava na caatinga e, por isso, seus cabelos e barba haviam
crescido bastante.
O profeta seguiu adiante para cumprir sua missão. Iria subir a montanha e entrar
no castelo da Seca.
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Foi necessário muitos meses para chegar ao alto da Montanha do Pecado. Mas,
Antônio não estava só. Deus enviava-lhe anjos para o servirem, levando alimento e
água. Os anjos apareciam na forma de asas brancas, as lindas aves do sertão.
É possível que, na verdade, toda asa branca que ainda hoje vive no sertão seja
um anjo disfarçado.
Antônio tirava forças de sua oração e da leitura diária da Bíblia. Orando, lendo,
recebendo ajuda dos pássaros sagrados, o profeta chegou ao alto da montanha e
contemplou, estupefato, o magnífico castelo de pedras cujas torres desafiavam o céu,
penetrando nas nuvens escuras e pesadas.
- Deus, dá-me forças para cumprir minha missão! – orou Antônio.
Diante das portas altas do palácio, havia um guardião. Uma criatura temida por
todo sertanejo, por todo nordestino: a Besta-Fera.
Era um grande centauro com arco e flecha. A parte de cavalo era negra como
piche; a parte de homem era quase vermelha. A face hedionda da Besta-Fera deixava
transparecer toda a maldade que vivia em seu interior. Seus cabelos eram enrolados e
abundantes, o olhar era selvagem e a boca aberta exibia dentes serrilhados como os de
uma piranha.
A criatura trotou na direção de Antônio, empunhando seu arco, disposta a matá-
lo. Mas, Antônio empunhou o cajado e a Bíblia, que eram suas armas sagradas.
O centauro parou, amedrontado. Ao mesmo tempo, Antônio recitava poderosas
orações em latim.
Finalmente, a Besta-Fera gritou desesperada e, correndo célere, desapareceu.
Antônio caminhou até as portas e empurrou-as, penetrando assim na morada da
Seca.
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Era uma morada esplendorosa, cheia de pilares e colunas de pedra, estátuas
enormes representando monstros do céu, da terra e do mar. Tudo possuía uma
fascinante beleza selvagem.
Antônio foi andando pelas salas e vastos corredores, procurando a bruxa. Havia
algumas criaturas que moravam no castelo, mas se afastavam diante do profeta, de sua
vara e da Bíblia. Eram esqueletos armados com espadas e lanças; ratos gigantes que
caminhavam nas patas traseiras, como se homens fossem; sapos enormes que estufavam
seu papo e soltavam sons ruidosos e lindas moças nuas que sorriam e tentavam seduzir
Antônio.
- Digam-me, pobres criaturas: onde está a dona do castelo? – indagava o profeta,
criando coragem ao ver que suas armas surtiam o efeito desejado.
Um das moças, de cabelos negros e cacheados, apontou para uma sala mais
adiante. Depois de assim falar, ela urrou na direção de Antônio e transformou-se em
uma repulsiva serpente. Todas aquelas moças era serpentes disfarçadas, prontas para
seduzir e matar suas vítimas.
Antônio seguiu até um amplo salão, onde havia uma banheira de pedra. Dentro
da banheira, sentada no meio de um líquido branco e fervente, estava uma mulher.
Era a Seca!
Ela levantou-se e revelou-se toda diante de Antônio, completamente nua. Era
muito, muito alta – tinha, certamente, mais de dois metros. Os cabelos chegavam ao
chão, completamente desalinhados e negros. Era linda e sensual. Uma beleza selvagem
e agressiva.
- Que veio fazer em meu castelo, peregrino? – perguntou a bruxa – Como você
passou por meu guardião?
- Venho em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo e de El-Rei D. Sebastião! Você
é quem destrói a vida no sertão! Guarda as águas do céu em seus depósitos e não as
libera para que molhem a terra!
- Sei quem é você! Venho acompanhando sua jornada desde que saiu de sua
terra natal. Vem enfrentando os terrores da caatinga e sentindo em sua pele todo o
sofrimento e dor que causo à região! Você é um homem valente, meu amigo! Mas,
jamais conseguirá me vencer!
Ela saiu da banheira e vestiu uma roupa: um vestido curto feito do pelo da Cabra
Preta. Parecia uma mulher da Pré-História. A temperatura no salão estava muito
elevada. Antônio percebera o fato desde que entrara ali. Sentia-se tonto e suava
bastante. A Seca exalava calor de si mesma: de seus olhos, de sua boca, de suas pernas,
de seu corpo.
- Venha comigo, Antônio.
E assim dizendo, a bruxa saiu do salão.
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Não se sabe ao certo o que aconteceu no castelo. Possivelmente, Antônio foi
bem alimentado e ali permaneceu algumas semanas. Depois, desceu a Montanha do
Pecado, saiu dos domínios da Seca e continuou sua jornada, chegando ao mar. Diante
do mar, Deus revelou que, um dia, o sertão seria inundado por aquelas águas e elas
matariam a sede de todo o povo. A água salgada seria transformada em água doce para
saciar todo vivente.
Antônio começou suas pregações ao povo, falando sobre suas visões, ensinando
a fazer o bem. Passou a chamar-se Antônio Conselheiro, o Santo do Sertão. Tinha
poderes para curar doenças e fazer milagres. Todos o amavam e seguiam seus passos. E
ele os conduziu à Terra Prometida, a Canudos.
Conselheiro fizera um pacto com a Seca durante a estada no castelo. A terrível
feiticeira que, na verdade, admirava o profeta, prometera que jamais entraria em suas
terras, caso ele viesse a fundar uma cidade para proteger os sertanejos. E foi isso que
aconteceu. Canudos prosperou e recebeu cada vez mais novos integrantes.
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No entanto, aconteceu uma guerra. Uma guerra de homens poderosos contra os
homens do sertão. A guerra destruiu Canudos, matou homens e mulheres, matou velhos
e crianças inocentes. Os terríveis Monstros de Ferro, cujos pés eram rodas ligeiras e de
cujas bocas saía fogo devorador, reduziram a bela cidade a cinzas. Houve poucos
sobreviventes.
Mas, a história não acabou.
El-Rei D. Sebastião retornará da Ilha Encantada para estabelecer seu reino de
justiça no sertão e aprisionar a Seca no fundo do mar. Esse tempo está próximo!
Quanto ao Conselheiro, embora muitos afirmem que ele tenha morrido e sido
degolado, não é verdade! Ele saiu com vida de Canudos e está escondido em algum
lugar, esperando o momento certo para voltar. Um profeta que empunha a Vara de
Moisés nunca morre!
Um passarinho verde disse-me que ele está escondido no castelo da Seca, no
ápice da Montanha do Pecado, na região mais tenebrosa de nosso sertão. Mas, outro
passarinho (que não era verde, mas azul) afirmou-me que ele vive com El-Rei D.
Sebastião, em alguma parte do imenso oceano. Conselheiro retornará junto com o
monarca para governar o sertão no Fim do Mundo.

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