Vous êtes sur la page 1sur 11

ACEITAÇÃO E NEGAÇÃO: UMBANDA POLÍTICA, UMBANDA

FEDERATIVA1
Aline A. Bertuci2

A ideologia religiosa se distingue portanto, em


nossa opinião, das outras formas de ideologias,
das ideologias políticas, por exemplo: por mais
que façam para degradá-la, não poderão nunca
lhe apagar completamente o caráter distintivo do
sagrado. Os valores místicos podem trazer
consigo, manifestas, as cicatrizes das tensões
sociais, na medida em que elas são valores
místicos e não políticos; (BASTIDE, 1971:554)

INTRODUÇÃO

A vívida interpretação de que a Umbanda3 é uma construção sócio-cultural


repleta de facetas, abre perspectivas de estudos para a compreensão de que esta
religiosidade popular fora constituída através de variações sucessivas, tensões e
conflitos que perpassaram as experiências do viver cotidiano desses atores sociais de
diversas etnias, e o fazer-se de diversos contextos de nossa sociedade, em meio ao
dinamismo de suas configurações históricas de suas estruturas sociais, políticas e
culturais.
Os primeiros passos da Umbanda coincidiram estreitamente com a subida de
Vargas ao poder em 1930. A fundação da Umbanda fez parte das relações de classe
desse período em processo de mudança. Ela expressava o reconhecimento pelos setores
médios, da força crescente das massas, e um desejo de modelar e controlar suas
atividades. Os fundadores da Umbanda e seus primeiros líderes, bem como muitos
membros dos setores médios durante o período, foram entusiásticos defensores das
políticas de Vargas.
Assim, partir-se-á para a compreensão dessas relações de poder, desse campo de
forças, como sendo a condição de existência da Umbanda, de suas particularidades, suas
federações e terreiros no município de Três Lagoas.

A RELAÇÃO COM O ESTADO

Apesar de apoiarem as políticas de Vargas, os umbandistas sofreram


consideravelmente com a repressão que caracterizou o período do Estado Novo (1937-

393
1945). Embora a repressão tenha sido dirigida, sobretudo contra organizações políticas e
sindicatos de esquerda, atingiu também grupos sociais e religiosos muito menos
radicais: os maçons, os Kardecistas, a Umbanda e as demais religiões afro-brasileiras.
De acordo com Brown (1985), uma lei datada de 1934 colocou todos esses grupos sob a
jurisdição do Departamento de Tóxicos e Mistificações da Polícia do Rio de Janeiro, na
seção especial de Costumes e Diversões, que lidava com problemas relacionados ao
álcool, drogas, jogo ilegal e prostituição. Brown acrescenta:
Esses grupos religiosos, para poderem funcionar, eram obrigados a
solicitar registro especial dos departamentos de polícia locais, e a
polícia fixava suas próprias taxas. Portanto, essa lei enquadrou, em
termos sociais, as praticas desses grupos como atividades marginais,
desviantes, e por extensão ou associação , como vícios que requeriam
controles punitivos mais do que controles simplesmente reguladores.
(1985: 13)

De acordo com Ribeiro (1952), a lei de 1934 colocou os praticantes das religiões
afro-brasileiras numa situação dúbia: teoricamente, o registro lhes permitia prática legal;
concretamente, contudo, atraía a atenção da polícia, e aumentava a possibilidade de
intimidação e extorsão. Registrados ou não, os umbandistas e seus correligionários afro-
brasileiros ficaram expostos a severa perseguição policial. Muito embora fossem
obrigados a se registrar, compreensivelmente poucos umbandistas desejavam atrair a
atenção da polícia, e em sua maioria, da mesma forma que os terreiros afro-brasileiros,
atuavam às escondidas e realizavam seus rituais em segredo, a portas fechadas.
Conforme Chauí (1993), a ilegitimidade social e à ilegalidade jurídica, acrescenta-se à
profanação religiosa. Esse conjunto transforma a religião afro em suspeita e, por
conseguinte, em culpada.
Em Três Lagoas, ao efetuar visitas em alguns dos centros de Umbanda no
município, seus dirigentes dizem desconhecer essa perseguição policial, por assim dizer.
Para Mãe Silvia4, representante do Centro de Umbanda Nossa Senhora Aparecida, ao
ser questionada quanto à perseguição policial e social, esta disse não ter conhecimento
desta:
Porque mesmo a gente sendo centro de Umbanda, hoje não, porque
hoje a Umbanda é bem aceita, em qualquer lugar, né? Mais na época
(fundação) não. Porque existe (seu centro) desde 1958. (...)porque é a
evolução do tempo, né? A gente tem que acompanha. Porque quando
o meu pai fundo era um tempo diferente, as autoridade também eram
diferente, né? O tempo evolui, né? E a gente tem que a companha,
né? (informação oral)

394
Na fala acima, Mãe Silvia se refere não somente à perseguição policial como
também ao registro de seu centro, que permite o funcionamento legal deste, além de
considerá-lo uma evolução temporal. Apesar desta mudança ocorrida nos últimos
tempos, são poucos os centros que vivem essa realidade “legal”. Muitos ainda vivem na
“clandestinidade” como foi dito pelo Seu Sebastião, Presidente da Cruzada Federativa
Espírita de Três Lagoas, que age em âmbito regional:
E o pobrema dela não tê filiação, porque não existe terrero, não existe
centro, tudo é clandestino, qué dizê o delegado pode chegá amanhã e
fechá, fechá tudo, acontece pobrema, eles vem aqui, cê vai falá co
delegado, eu não sô o delegado, cadê o registro? Não tem, eu não
tenho nada a vê com isso. (informação oral)

Para o Seu Sebastião5, deveria haver uma maior fiscalização por parte dos
governantes para que esses centros passassem a se registrar, e então funcionar na
legalidade “os próprio delegado tem medo de fiscalizá os terrero”. Este ainda questiona
a não colaboração financeira dos governantes, no seu caso a prefeitura, já que nem
mesmo a isenção do imposto pago anualmente, este, ultimamente tem consiguido obter:
Prefeitura até hoje, que eu nunca recebi da prefeitura nem um réis (...)
construí a Federação, a minha custo, ela tá numa propriedade minha,
agora, eu pedi a isenção, porque ela tem direito à isenção, ela é isenta,
é uma entidade pública, ela é isenta. E eu fui lá na prefeitura, e até
isso tá me dando trabalho, porque eles não querem perdê o imposto
da entidade. E o patrimônio eu to pagando... (informação oral)

Em conversa com Mãe Amélia6, responsável pelo centro São Cosme e São
Damião, soube-se que o único motivo pela não regularização de seu terreiro é
financeiro. Porém, mesmo sem o registro da federação, esta não considera seu trabalho
ilegal, muito menos clandestino, já que todos os anos esta retira um alvará de licença na
prefeitura:
Ah...é por falta financera, é, porque, você não tem de lucro ninhum,
lucrativo nenhum, assim, num tem lucro nenhum di lá de dentro, né?
Então pra mim sozinha mantê, assim, porque assim, acho que tem
assim, uma porcentagem, uma parte que tem que pagá, né?então eu
num...fiz, né? Por isso aí...com a prefeitura a gente só tinha o...não o
alvaral de licença a gente tem que tê, né? Porque senão como a gente
vai funciona? Né? (informação oral)

Mesmo os informantes dizendo desconhecer essa perseguição policial, este foi


um dos principais motivos da criação das federações.

395
A MEDIAÇÃO POLÍTICA DAS FEDERAÇÕES DE UMBANDA

A repressão policial deste período, de acordo com Brown (1985), teve, contudo,
um efeito muito importante sobre a Umbanda: ela estimulou os Umbandistas a se
organizarem visando sua própria proteção. Foi em 1939, no apogeu do Estado Novo,
que Zélio de Moraes e outros líderes dos principais centros umbandistas fundaram a
primeira federação de Umbanda, a União Espírita da Umbanda do Brasil (UEUB), com
o objetivo expresso de oferecer proteção contra a ação policial a todos os centros de
Umbanda a eles filiados:
Os esforços dos lideres da Umbanda para proteger seus praticantes
das perseguições policiais já os havia levado a organizar a primeira
federação de Umbanda. As federações de Umbanda começaram então
a proliferar, e seus lideres buscavam ampliar a legitimidade e a
proteção para a Umbanda através do processo político, firmando
alianças com políticos eleitos e tentando, eles mesmos, fazer carreira
política.(BROWN, 1985:19)

Para Chauí (1993), a necessidade de se criar uma federação surge do duplo


esforço de ascender a Umbanda da condição de magia à de religião, e da condição de
seita à de igreja. Esse duplo esforço explica o surgimento não só das federações
umbandistas, como também suas relações contraditórias tanto com o Estado quanto com
os terreiros.
Com efeito, percebemos um triplo movimento por parte das federações.
Primeiro, aceitando os critérios das elites dominantes, que recriminavam as práticas de
feitiçaria, principalmente aquelas referentes à cura, aceitam o combate aos curandeiros,
tentando provar simultaneamente que não se encontram entre estes.
Segundo, este processo de distinção faz parte da própria constituição do campo
umbandista, ou seja, como critério utilizado internamente para classificar múltiplos
movimentos de concorrência entre os diferentes grupos na luta por melhores posições
no campo religioso. Em terceiro lugar, as federações passam a se constituir como
instâncias que negociam politicamente com a sociedade o lugar de cada terreiro em
particular, ou seja, se transformaram em mediadores políticos que atuam no espaço de
negociação existente em torno da liberdade de cultos. (Birman, 1985).
Diversos políticos em busca de acesso aos eleitores, particularmente nos setores
mais baixos, também reconheciam na Umbanda e nas religiões afro-brasileiras
importantes fontes em potencial para a obtenção desse apoio. As atividades políticas

396
que resultaram do interesse desses vários políticos desempenharam importante papel da
obtenção de publicidade, de novos membros e de legitimidade social para a Umbanda.
A Umbanda orientou seu envolvimento na política sem assumir qualquer
identificação política clara ou não ambígua. Recomendava-se aos eleitores apoiar os
candidatos porque estes apoiavam a Umbanda ou porque eram eles mesmos
umbandistas. Esta ênfase nos interesses limitados e unificadores de um grupo particular,
típico da política de um grupo de interesse e as estruturas de patronagem que os
sustentam atuaram, freqüentemente, para minar tanto a efetividade da política partidária
quanto qualquer confrontação com questões políticas mais amplas.
Os grupos de interesse também podem servir para massacrar os interesses de
classes subjacentes de seus líderes. Indubitavelmente, muitos dos políticos que apóiam a
Umbanda e cortejam seus eleitores usaram-na como uma forma de ganhar apoio para
suas próprias agendas políticas, voltadas para os setores médio e superior, que pouco,
ou nada, tinham a ver com a Umbanda, quer com os interesses setoriais de seus
partidários mais pobres (Brown, 1985). Em Três Lagoas é claro o apoio político, tanto
no que se refere à construção do espaço físico, como na questão concernente à proteção,
em um de seus centros: Centro de Umbanda Nossa Senhora Aparecida. A esse respeito,
declara Mãe Silvia:
(...) ele foi um centro fundado com auxílio mesmo da prefeitura, que
na época da construção, a parte material, nu tempo, então o prefeito
era o Dr Guerra de Queiroz, que a gente carinhosamente chama de
Dr. Querozinho, ele é amigo da gente até hoje, freqüenta até hoje (...)
(informação oral)

Embora os centros de Umbanda não fossem mais alvo de uma perseguição


sistemática, ainda lhes era exigido o registro (até 1964 na polícia, e depois disso, no
cartório, como pessoa jurídica) e continuavam a ser vítimas de extorsão por parte de
policiais; além disso, os moradores das vizinhanças dos centros queixavam-se das suas
atividades, particularmente do barulho durante as cerimônias. A proteção que as
federações ofereciam agora baseava-se no fornecimento de assistência por ocasião do
registro legal, e de advogados e assessoramento burocrático em casos de repressão ou de
infração à liberdade da prática religiosa.
A esse respeito, Chauí complementa:
A federação deve ser portadora de prestígio e de respeitabilidade, o
que as obriga a distinguir entre cultos verdadeiros e falsos e a colocar
estes últimos nas mãos da polícia. Assim, para conferir prestígio e
respeitabilidade aos terreiros, as federações incorporam a tarefa
repressiva. (CHAUÍ, 1993:131)

397
Federações com mais recursos, que advogam a causa da Umbanda Pura7 do setor
médio, de acordo com Brown, estavam preocupadas sobretudo em promover esta forma
particular de ritual. Embora tendessem a aceitar como membro qualquer centro que se
definisse como praticante de Umbanda, posteriormente procuravam impor seus próprios
padrões de prática ritual sobre esses centros. Algumas federações chegavam mesmo a
organizar visitas periódicas, de surpresa, para checar o tipo de cerimônia que lá se
realizava.
Através de suas ligações com os meios de comunicação de massa e com os
políticos, no entanto, as federações foram capazes de exercer um certo grau de
influência sobre a Umbanda, o qual era consideravelmente desproporcional ao número
efetivo de seus filiados. Além do mais, como intermediárias entre seus filiados e os
líderes comunitários locais, políticos e meios de comunicação, as federações auxiliaram
no abrandamento das relações com os não umbandistas, a melhorar a imagem da
Umbanda e, portanto, a contribuir para sua legitimidade social.
Na relação com os terreiros, a situação das federações também é
ambígua. Como mediadores políticos e sociais, as federações
carreiam, além de prestígio e respeitabilidade, recursos para os
terreiros e usam tais recursos como instrumento para garantir sua
autoridade sobre eles. Ora, a estrutura da Umbanda e do terreiro
tornam impossível o pleno exercício daquela autoridade. (CHAUÍ,
1993:131)

Uma outra área que demonstra as contradições sociais que ainda cercam a
Umbanda diz respeito a sua imagem pública e ao tratamento a ela dado pelos meios de
comunicação nas celebrações religiosas e na vida social. Ainda que ela tenha obtido um
grau maior de atenção, existe ainda um conflito entre sua imagem enquanto religião e
sua emergência enquanto um aspecto do folclore popular.
O número de federações de Umbanda que continuam a operar aos níveis local,
estadual e federal testemunha o avanço das competições políticas e a rivalidade entre
elas. As federações de Umbanda, bem como a maioria dos centros, resistiram a todos os
movimentos em direção à centralização e à unificação. A Umbanda contrasta fortemente
a esse respeito com o Kardecismo. A grande maioria dos centros kardecistas no Brasil
uniram-se e aceitaram os padrões de doutrina e prática estabelecidos pela Federação
Espírita Brasileira.
O fato é que as federações de Umbanda continuam a representar interpretações
diferentes e conflitantes do ritual umbandista e diferentes setores sociais, e aí reside,

398
indubitavelmente, uma das fontes do dinamismo, da flexibilidade e do espírito inovador
que caracterizam esta religião.

FEDERAÇÃO VERSUS PRÁTICA

Tanto a estruturação vertical da Umbanda como sua formação política não-


ideológica enquanto grupo de interesse deram origem a uma orientação política
fortemente conservadora, perceptível acima de tudo em sua capacidade de resistir a
mudanças radicais na situação política e na atitude benevolente da ditadura militar para
com ela. Entretanto, salientando a orientação marcadamente conservadora da Umbanda,
detecta-se uma grande contradição. A despeito de suas estruturas verticais, a Umbanda
resistiu à unificação, à codificação, à institucionalização, e neste sentido continua sendo
uma religião “popular”. Embora retirando muito da sua coloração política da ditadura de
Vargas e, mais tarde, da ditadura militar, a Umbanda resistiu às fortes tendências
centralizadoras desses dois regimes. Nesse ponto, sua estrutura continuou bastante
oposta à do Estado.
Seiblitz (1985), descreve os procedimentos das federações para codificar e
classificar as práticas “corretas” dos dirigentes (pai, mãe, filho, filha de santo) e a dos
fiéis para garantir-lhes imunidade política, social e religiosa. Isto significa que, ao
negociarem com o Estado e com os partidos políticos, as federações podem assumir
compromissos contrários ou contestados pelos terreiros, abrindo conflitos com eles e
entre eles. A legitimação e a ordenação desembocam em divisões e resistência.
O que apresenta a Umbanda como perigosa (para a sociedade e para as religiões
oficiais) e como desordem é a estrutura religiosa organizacional. Face às religiões
oficiais ou legitimas, nas quais prevalece claramente a verticalização que separa o
sagrado e o profano, o divino e o humano, a Umbanda se estrutura pela descida do
sagrado no mundano, e pela entrada do divino no humano – é de essência não operar
com a verticalidade, mas com a intromissão de um domínio no outro.
Face às religiões oficiais e face ao projeto “eclesiológico”, ressaltado por Chauí
(1993), das federações, um terreiro não é estruturado à maneira de um convento ou de
um seminário, não é escola que forma seus teólogos, mas depende inteiramente do
poder e do prestigio do pai ou mãe de santo, que não dependem de formação porque são
portadores de um dom e, sobretudo, que não possuem garantia de continuidade, isto é,
um destes podem perder prestigio e poder.

399
A organização é fluida e, mais importante, a aquisição e a perda de
prestigio e de poder, não dependendo da organização “eclesiologica”,
dependem de um fator flutuante decisivo: a opinião dos fieis sobre a
qualidade dos trabalhos. Nessa medida, a Umbanda opera com uma
rede curiosa de autoridade: a do Alto (o dom e a descida dos santos) e
a do Baixo (o julgamento dos fieis). É isto que lhe dá a aparência de
desordem e de precariedade. (CHAUÍ, 1993:132)

Assim se explica o fracasso contínuo das federações para controlar os terreiros:


o fato de a capacitação do agente religioso remeter em última instância, a um dom, ou
seja, a algo adscrito e não adquirido, instala uma incompatibilidade de equiparação entre
os dois sistemas postos em relação (o dom divino que dá poder ao pai de santo versus o
direito legal que a federação pretende ter enquanto intermediação entre religião e
sociedade). De qualquer forma, a relação clientelística que se instala entre pai de
santo/fiel e federação/terreiro é minimizada pela relação institucional que, bem ou mal,
introduz certas regras no relacionamento.
Quando questionado quanto a não filiação dos centros umbandistas de Três
Lagoas na Federação que preside, (atualmente, na federação estadual residente em Três
Lagoas encontra-se com apenas um centro registrado: o presidido pelo próprio seu
Sebastião). Este, argumenta:
É a única coisa só, é que eles não entrega o patrimônio pra entidade,
eles não querem registrá o centro em nome da entidade. Sem o
centro, não existe o patrimônio, uma criança não se registra sem ela
nascê, ela tem que nasce. Porque o centro, quem não sabe precisa
sabê, uma entidade pública pertence ao governo, então tem que
registrá, tem que torná de utilidade pública intão si ela não existe,
como que ela é publica? Qué dizê, num existe nem o centro e nem a
federação.porque num existe, ele não entrega o patrimônio, a
federação é um patrimônio. Federação é a congregação, pra fazê a
filiação dos terrero que são registrado. Não sendo registrado não tem
filiação. (informação oral)

Fazendo uma breve análise sobre esta questão, é notório que um dos fatores
principais a esta não-filiação é a falta de informação, e até mesmo de comunicação entre
a federação e os centros. A esse respeito, Dona Amélia relata:
Ó fia, eles já passaro por aqui, mais tem muitos anu atrais, faz tempo
que num...num sei que, que...nunca mais passaro. Temo que, uns seis
anu que não passa mais ninguém, assim, pra conversá nada, nem pra
dizê nada, eu não sei o que... eu perguntei já e otros terrero se
também passaro diz que não...então aqui mesmo ta com um tempinho
que num passa ninguém pra conversá nada. (informação oral)

O Centro de Umbanda Nossa Senhora Aparecida, segundo dona Silvia, é


registrado na federação Estadual, só que em Campo Grande, na capital. Quando esta foi

400
questionada o porque de não registrar seu centro na federação de Três Lagoas, esta
respondeu que quando seu centro foi registrado, no ano de 1960, seu Sebastião ainda
não havia fundado a federação no município, mas que isto não a impediu de manter uma
relação cordial com o mesmo. Dona Silvia confirma que existe o pagamento de uma
taxa anual `a federação, apesar da negativa de seu Sebastião, quando questionado sobre
esta taxa:
Eu não sô espírita pra ganhá dinhero com espiritismo, sô espírita
porque tive necessidade de sê (...) eu tenho uma federação, sô
presidente da federação, eu tinha ela na minha mão como um favor,
que eu tenho pra emprestá e dá, nunca recebi gratificação que eu
cobrasse de alguém, que eu já recebi dela, e como recebi, por amor,
gratidão do que a gente faiz. (informação oral)

Mesmo hoje, sem nenhum adepto na federação, seu Sebastião garante: esta não
está parada. “(...) então, a federação não ta parada, ela ta parada assim, não tem os
filiado, filiado do jeito que eles qué, é melhor não tê, porque se não eu to usufruindo dos
direito da federação” (informação oral).
Ainda que esta realidade (quanto à falta de comunicação) mudasse em Três
Lagoas, ou seja, tantos os representantes da federação, quanto os do centro passassem a
ter um maior contato, ainda assim seria necessário muito mais, já que, conforme
Seiblitz, a idéia de representação, embora perpasse todas as federações, encontra em
algumas maior receptividade do que em outras, adequando-se melhor numas do que em
outras em razão do projeto religioso que, em certa medida, as diferencia entre si. Se
alguns dirigentes sonham em ser o “sindicato da Umbanda”, vencer concorrentes e
serem considerados os representantes dos umbandistas, outros privilegiam a idéia de se
transformarem em verdadeiros líderes religiosos, obtendo como forma de poder uma
obediência segundo critérios religiosos. “almejam ser os papas da Umbanda”
(1985:107)
Comparando as reuniões de federações com as giras dos terreiros,
podemos encontrar uma homologia a nível de seus elementos mais
importantes, o que nos permite levantar a hipótese de que as
diferenças que apresentam entre si dizem respeito ao papel que cada
uma destas funções cumpre no sentido de perpetuar a religião
umbandista. A gira está para os fieis em termos religiosos assim
como a reunião está para os umbandistas em termos laicos. A
transferência de poder que o pai de santo realiza (da entidade para o
fiel) corresponde à transferência de recursos que as federações
carreiam para os terreiros. Ambos os deslocamentos se realizam
através de uma barganha de fidelidades que caracteriza as relações de
poder encontradas no interior do mundo umbandista. (SEIBLITZ,
1985: 151)

401
Assim, em relação aos terreiros, o máximo que a federação consegue é
regularizar as suas atividades em espaços jurídicos: dando documentos e prestando
serviços preferenciais elas se realizam de acordo com a definição que constroem para si,
a partir do jogo de forças que se estabelece entre as muitas concorrentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como todo processo acusatório, às vezes é difícil compreender objetivamente as


razões pelas quais se desencadeia um conflito, mas é muito comum haver referência a
falhas na competência das federações em torno da questão elementar de doar os
documentos. Por outro lado, demoras ou irregularidades no processo de legalização dos
terreiros só se constituem em problemas quando há emergência de alguma crise. Como
as relações entre federações e terreiros filiados se constroem á partir de relações
pessoais preexistentes ou intermediadas Por amigos comuns, o julgamento das ações
das federações é sempre sujeito ás circunstâncias momentâneas.
Em toda relação social, o significado que é dado aos comportamentos ou ações
depende mais do conjunto de fatores posto em relação do que de uma qualidade
intrínseca da questão em discussão.
Tendo que provar a cada passo sua integridade (ou seja, corresponder a
expectativa que gerou em torno de si), as federações entram numa corrida para
conseguir e garantir seus recursos, não deixando flanco por onde possam ser atacadas. O
ciclo se completa pela articulação dos recursos objetivos (materiais ou simbólicos).
Com a necessidade exposição publica dos mesmos, de onde resulta a importancia das
reuniões.
Comparando as reuniões da federação com as giras dos terreiros de Três Lagoas,
pode-se encontrar a hipótese de que as diferenças que apresentam entre si dizem
respeito ao papel que cada uma destas funções cumpre no sentido de perpetuar a religião
umbandista. A gira está para os fiéis em termos religiosos assim como a reunião está
para os umbandistas em termos laicos. A transferência de poder que o pai de santo
realiza (da entidade para o fiel) corresponde à transferência de recursos que a federação
carreia para os terreiros. Ambos os deslocamentos se realizam através de uma barganha
de fidelidades que caracteriza as relações de poder encontradas no interior do mundo
umbandista.

402
NOTAS
1
Esta pesquisa foi parte integrante do trabalho de conclusão de curso.
2
Graduada em História. CPTL/UFMS.
3
Nome dado a religião que tem por base a Macumba ( nome genérico que se dá as diversas formas
religiosas que tem por base o culto aos antepassados de base banto)
4
Dirigente do Centro de Umbanda Nossa Senhora Aparecida
5
Presidente da Cruzada Federativa Espírita do Estado de Mato Grosso do Sul. Dirigente do Centro de
Umbanda Tenda de Iemanjá.
6
Dirigente da Federação Cruzada de Umbanda São Cosme e São Damião
7
Considera-se Umbanda Pura o centro que não se encontra cruzado com outra religião afro, como é o
caso de Umbanda cruzada com Quimbanda.

REFERÊNCIAS

BIRMAN, Patrícia. Registrado em cartório com firma reconhecida: a mediação


política das federações de Umbanda; in: Umbanda e Política. Editora Marco Zero, Rio
de Janeiro, 1985

BROWN, Diana. Uma historia da Umbanda no Rio. ; in: Umbanda e Política. Editora
Marco Zero, Rio de Janeiro, 1985

CAMARGO, Candido Procópio Ferreira de. Kardecismo e Umbanda: Uma


interpretação sociológica. Ed. Pioneira. São Paulo, 1961.

CHAUÍ, Marilena. Conformismo e resistência. 5º ed.Editora Brasiliense; São Paulo,


1993

CONCONNE, Maria Helena Villas Boas; NEGRÃO, Lísias. Umbanda: da


representação à cooptação. O envolvimento político partidário da umbanda paulista nas
eleições de 1982. ; in: Umbanda e Política. Editora Marco Zero, Rio de Janeiro, 1985

Mãe Amélia. Mãe de santo da Federação cruzada de Umbanda São Cosme e São
Damião.

Mãe Silvia. Mãe de santo do Centro de Umbanda Nossa Senhora Aparecida.

SÁ jr., Mario Teixeira de. A Invenção da alva nação umbandista. (Dissertação de


Mestrado). Dourados, 2004.

Sebastião Mariano Alves. Presidente da Cruzada Federativa Espírita do Estado de


Mato Grosso do Sul.

SEIBLITZ, Zélia. A gira profana. In: Umbanda e Política. Editora Marco Zero, Rio de
Janeiro, 1985.

403

Vous aimerez peut-être aussi