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Resumo
O governo imperial brasileiro, a partir da metade do século XIX, mudou sua
posição de neutralidade nas questões atinentes aos vizinhos platinos. A ameaça
representada pelos objetivos expansionistas de Juan Manuel de Rosas, Governador de
Buenos Aires, culminaram na Guerra Grande (1839-1852). De forma geral, dentre as
motivações dos envolvidos, podemos citar os fortes interesses econômicos, a existência
de planos expansionistas, e a defesa da autonomia e independência de alguns deles. Nesse
sentido, o presente estudo tem por finalidade apresentar algumas impressões acerca das
forças imperiais brasileiras reunidas para atuarem neste conflito a partir das considerações
deixadas em registros de soldados e oficiais da Legião de mercenários alemães, os
Brummer, contratada em Hamburgo no ano de 1851 para somar às forças brasileiras.
1
Este estudo integra as pesquisas em desenvolvimento no Mestrado do Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal de Santa Maria, na linha de pesquisa “Fronteira, Política e Sociedade”,
contando com bolsa CAPES/DS, sob orientação da Profa. Dra. Maria Medianeira Padoin.
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Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
RS/Brasil. Bolsista CAPES/DS.
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Adolfo Jaeger (apud FUGER, 1938, p. 18), um dos mercenários contratados, relata
sua adesão ao exército brasileiro após viajar por todo o território germânico e fazer parte
do exército voluntário de Schleswig-Holstein3, dissolvido em 1851.
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Os eventos envolvendo Schleswig-Holstein e a Dinamarca estão relacionados com questões históricas
ligadas à fronteira. De acordo com Lemos (2015), Schleswig e Holstein foram ducados feudais até o ano
de 1459, quando passaram ao domínio da coroa dinamarquesa. Ainda assim, mantiveram sua autonomia
local. Essas regiões ligavam os territórios germânicos à Dinamarca. Em vista de sua localização, grande
parte da população desses ducados era de origem germânica. Na década de 1840, o reino da Dinamarca
passou a adotar uma política oficial de integração dos dois ducados ao impor a eles uma nova ordem
mediante a neutralização cultural e administrativa da população alemã residente em Schleswig e Holstein
(LEMOS, 2015). A população majoritariamente germânica desses ducados não aceitou as imposições do
reino dinamarquês e sublevou-se. O conflito teve início em 1848, quando Schleswig e Holstein formaram
um governo provisório e buscaram apoio na Confederação Germânica, da qual Holstein já fazia parte e
Schleswig veio a compor assim que o conflito tomou forma. Após diversas derrotas, a Dinamarca pediu a
Inglaterra, Rússia e Áustria a intervenção no conflito. O clamor foi atendido. As potências acionadas
exigiram da Prússia o fim da intervenção militar na Dinamarca, e assim foi feito. Com isso, os ducados
ficaram sozinhos em sua luta. A partir do momento em que as tropas regulares germânicas se retiraram,
houve campanha em toda Confederação Germânica pedindo voluntários para combateram os
dinamarqueses. A convocação teve êxito. Movidos pelos ideais democráticos e liberais então em voga, e
por pretensões de unificação dos territórios germânicos, centenas de soldados se alistaram (LEMOS, 2015).
Grande parte dos mercenários contratados pelo governo brasileiro adveio dessa massa de voluntários,
caracterizada por Lemos (2015, p. 61) como “Gente urbana, artistas, intelectuais, boêmios”, ou seja, pessoas
sem o devido preparo militar. O conflito acabou com a derrota das pretensões dos ducados de Schleswig e
Holstein.
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O termo “mercenário”, para Bryère-Ostells (2012, p. 10-11), está vinculado à prestação de serviço militar
à um empregador: “No sentido estrito, o termo latino mercenarius designa um ‘soldado contratado mediante
dinheiro’ ou um ‘doméstico que se paga’. Logo adquiriu o sentido de militar que serve a uma organização
ou a um governo estrangeiro mediante remuneração. Poderíamos definir o mercenário como um prestador
de serviços que, independentemente das causas, motivações, acontecimentos, meios de recrutamento e de
retribuição, coloca uma força armada à disposição de um empregador (público ou privado). ”
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De acordo com o Dicionário Michaelis, é uma das armas militares (exército ou marinha) constituída por
unidades treinadas para o combate a pé.
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De acordo com o Dicionário Michaelis, são os soldados encarregados do manuseio de peças, canhões e
mais bocas-de-fogo para atirar projéteis a grande distância. No caso dos Brummer, não chegaram a formar
de fato uma artilharia, pois não tinham cavalos nem canhões. Caxias tinha planos de misturar esse batalhão
com os brasileiros, ao que o capitão Jahn fez oposição.
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De acordo com o Dicionário Michaelis, são os soldados encarregados da abertura de fossos, trincheiras e
galerias subterrâneas, de minar o ambiente para derrotar um inimigo. Moreira Bento (1981) explica que
foram os últimos recrutados na Europa, mas os primeiros Brummer a chegar a Montevidéu, ainda cercada
pelas forças de Oribe. Encontraram lá duas equipagens completas de pontes flutuantes, de tipo Birago,
compostas de 30 carretas austríacas de 4 rodas. Deveriam adquirir in loco os animais de tração para puxar
essas carretas. Este material destinava-se a transportar os pontões das pontes. Não existiam cavalos para
transportá-los e nem oficiais especialistas no trato do equipamento e no de cavalos de tração. Apenas alguns
soldados conheciam o material Birago. Caxias ordenou que os sapadores fossem para Colônia de
Sacramento levando todo o equipamento. O comandante dos sapadores, Riesenfels, diz Lenz (1997),
recusou a ordem argumentando incapacidade técnica para fazê-lo, pois recebera tropas cavalares e muares
xucras que deveriam ser amansadas, também reinava uma ignorância quase total dos homens contratados
para o exercício da missão de Pontoneiros, além disso, Riesenfels tinha dúvidas se as carretas austríacas de
4 rodas poderiam se deslocar pela campanha, através do campo, com as duas equipagens de pontes. Caxias
determinou que os equipamentos ficassem em Montevidéu e que os Pontoneiros seguissem por água até
Colônia de Sacramento. Assim que chegaram, Riesenfels foi preso por suspeita de agir para Rosas, e
remetido ao Rio de Janeiro, enquanto o batalhão de Pontoneiros foi extinto e seus membros espalhados pela
infantaria brasileira. Mais tarde, em 1853, os Pontoneiros alemães reapareceram, como um bando confuso
de cerca de 140 homens sob o comando do alemão Wildt, da Guarda Nacional.
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(1997), Siber (1915) e Lemmers (1941), foram tranquilas, em condições salubres com
boa oferta de alimentação e livre de maiores percalços climáticos.
Os soldados, quando já no Brasil, enviaram cartas aos familiares descrevendo sua
nova realidade. As primeiras impressões foram as melhores. Os legionários, em suas
recordações, concordaram terem sido bem acolhidos no Rio de Janeiro, onde passarem
dias tranquilos, em bons alojamentos e desfrutando de boa comida. Em carta de 7 de junho
de 1851, publicada no jornal “Hamburger Nachrichten” em 16 de julho, um oficial da
legião não identificado relata seu deslumbre ao chegar no Brasil: “Esse porto é tão lindo,
como no mundo provavelmente não existirá outro. A entrada é protegida por dois fortes,
colocados um em frente ao outro, sendo que o da direita, Santa Cruz, é sobremodo eriçado
de canhões” (apud FUGER, 1938, p. 20). Foram acomodados no Forte da Praia Vermelha,
“É assaz fortificado pela natureza do sítio cercado dos dois lados por altos rochedos: Urca,
Babilônia e Pão d’Assucar – mas a pesar destas fortificações seria fácil o assalto por parte
de soldados europeus” [sic] (apud FUGER, 1938, p. 20).
A população do Rio de Janeiro imprimiu naquele grupo de estrangeiros
germânicos a alcunha de Brummer. O legionário Cristóvão Lenz (apud FLORES, 1997,
pg. 15), em suas memórias, explica que,
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Moreira Bento (1981) apresenta sua hipótese para a origem do apelido Brummer. Os legionários teriam
recebido o primeiro vencimento em moedas de cobre, os patacões de 40 réis, apelidados pelos legionários
de “Brummer”. Isso daria cerca de 127 moedas grandes de cobre. É interessante pensar os estrangeiros
desfilando pelas ruas do Rio de Janeiro com os bolsos cheios de moedas. Na certa produziam muito barulho,
chamando a atenção dos passantes. Pode-se pensar que indagados pelas pessoas sobre o barulho tentavam
explicar, “Das ist brummeru”, ou seja “Isso são rezingões”. Talvez assim o povo carioca tenha transferido
para os legionários o apelido dado por eles aos patacões.
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e surdo. Hilda Agnes Hübner Flores (1997) aponta outro significado para o termo, usado
enquanto sinônimo de rezingão, ranzinza, característica atribuída aos legionários. Esse
apelido, independentemente de sua origem, surgiu do contato com os moradores do país
onde acabavam de chegar. Portanto, os Brummer assim entendidos, nasceram no Brasil.
O recrutamento dos legionários germânicos era uma resposta a ameaça
representada por Buenos Aires. A partir da metade do século XIX, o Império do Brasil
mudou sua posição de neutralidade nas questões atinentes a seus vizinhos platinos,
sobretudo, com a consolidação do Estado Nacional, após anos de desgaste diplomático
com Buenos Aires e a partir da ascensão dos conservadores ao poder, responsáveis pela
adoção de uma política mais agressiva na região do Rio da Prata (FERREIRA, 2006). A
ameaça representada pelos objetivos expansionistas de Juan Manuel de Rosas,
Governador de Buenos Aires, culminaram na Guerra Grande (1839-1852), um conflito
que adquiriu caráter internacional ao envolver Províncias da Confederação Argentina
(Buenos Aires, Corrientes, Santa Fé, Entre Ríos), Uruguai, Paraguai, Brasil, França e
Inglaterra. De modo geral, dentre as motivações dos envolvidos, podemos citar os fortes
interesses econômicos franceses e ingleses no rio da Prata, a existência de um plano de
Buenos Aires para reconstituir o Vice-Reino do Rio da Prata, sua hegemonia econômica
sobre os demais Estados da Confederação Argentina, e a defesa da autonomia e
independência do Paraguai e do Uruguai (BARRAN, 1979; BETTEL, 1991).
De acordo com Barran (1979), Juan Manuel de Rosas governou Buenos Aires com
poderes ditatoriais e praticou um federalismo peculiar, pois apesar de permitir a
autonomia política das províncias pertencentes à Confederação Argentina, guardou para
si o domínio econômico da região ao negar abrir os portos do litoral ao comércio direto
com a Europa e ao nacionalizar as rendas da aduana portenha. Segundo Fradkin e Gelman
(2015), Rosas construiu seu governo explorando a terra como mercadoria ao torná-la
instrumento de cooptação política, perseguindo seus adversários políticos, formando um
exército regular, enfrentando as pretensões estrangeiras na região platina e fazendo uso
de eficaz propaganda pessoal entre a população. O ditador portenho almejava expandir o
poder de Buenos Aires anexando à Confederação Argentina os Estados do Paraguai e
Uruguai, a fim de constituir outra vez o Vice-reino do Rio da Prata.
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Para Juvencio Saldanha Lemos (2015), com a retirada do apoio das forças inglesas e francesas à
Montevidéu, restou aos colorados pedirem ao governo brasileiro dinheiro e soldados para a guarnição da
cidade sitiada, tanto para a defesa contra os assédios de Oribe como para a manutenção da ordem pública
interna. Frente a um quadro político, militar e diplomático mal definido, o governo imperial fez uma
contraproposta: ofereceu dinheiro para os sitiados contratarem mercenários europeus para a proteção de
Montevidéu. Entretanto, o governo voltou atrás e mudou a perspectiva da proposta, tomando para si o
recrutamento de mercenários, que seriam incorporados ao exército Imperial. Dessa forma, o Imperador D.
Pedro II enviou Sebastião Rego Barros para a Europa com a finalidade de recrutar mercenários para atuarem
no conflito contra Rosas e Oribe.
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intervir. O objetivo era ter em território uruguaio, o mais perto possível de Buenos Aires,
esse salvo conduto, razão da concentração de todo o Exército Imperial na Colônia do
Sacramento (BENTO, 1981).
A esquadra imperial brasileira transportou suas tropas e as do aliado Urquiza até
Potrero de Perez para seguir rumo a Diamante. A travessia do rio Paraná começou no dia
23 de dezembro de 1851 e durou até oito de janeiro de 1852. Nesse interim foi travada e
batalha naval do Tonelero. Como destaca Lemos (2015, pg. 234),
O deslocamento até Buenos Aires começou a cinco de janeiro de 1852. Foi uma
marcha monumental e muito cansativa. As forças rosistas instalaram-se defensivamente
na chamada cañada de Morón, antigo cemitério – origem do nome dado ao combate ali
ocorrido no qual Rosas foi derrotado, a Batalha de Morón, Monte Caseros ou Santos
Lagos. Em 27 de Janeiro, Rosas seguiu para o acampamento em Caseros. A dois de
fevereiro o Grande Exército Aliado chegou ao arroio Morón, onde derrotaram Rosas no
dia seguinte. Com o fim do conflito, a divisão do brigadeiro Manuel Marques de Sousa,
na qual estavam incorporados os 80 legionários Brummer, começou a ser embarcada para
Montevidéu em 1º de março de 1852. Chegaram ao Cerrito no dia 3 de março daquele
ano (LEMOS, 2015).
O percurso até Colônia de Sacramento, e depois, ao fim do conflito contra Rosas,
quando do retorno ao Rio Grande do Sul, foi tema de memórias de alguns legionários,
que nos oferecem a compreensão dos desafios impostos às tropas alemãs e que lhes
renderam sua vexatória participação no exército brasileiro. Outro aspecto interessante é a
visão dos legionários sobre os soldados nacionais. Para tanto, vamos nos valer dos relatos
deixados pelos legionários Cristóvão Lenz, Christian Henrique Schäffer, Jorge Júlio
Schnack, Major Fedor von Lemmers-Danforth e Capitão Siber. Em suas descrições
salientaram aquelas características que gostariam de ter e identificaram nos brasileiros,
portanto, ao falarem dos nacionais, diziam mais sobre si mesmos.
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pouco preparo para condições de guerra como aquelas. Não só em habilidades deixavam
a desejar, como também no comportamento. Os motivos para essa condição, é lícito aferir,
residem na pouca experiência daqueles soldados com as especificidades do território
platino e de seus conflitos10, além da pouca disposição dos oficiais em inteirar-se daquela
realidade. Ao mesmo tempo, podem ser entendidos como uma forma de resistência dos
soldados aos ditos oficiais frente a suas posições egoístas.
O capitão Siber (1915), da infantaria, descreveu algumas especificidades dos
habitantes do Rio Grande do Sul, oriundas de suas observações dos cenários rio-
grandenses e do convívio com soldados recrutados naquelas paragens. Além dos hábitos
cavalheirescos, da agilidade como cavaleiro, nadador e caçador, observa, o rio-grandense
mostrava a inconfundível brandura de caráter e a indolência peculiar a toda população
brasileira, além de ter recebido da herança portuguesa a mistura da astucia judaica e de
dubiedade. Portanto, identificava um tipo especifico de individuo, formado pelas
peculiaridades do Sul em sintonia com as peculiaridades que ele considerava intrínsecas
aos brasileiros. Além disso, eram platinos, mas mantinham sua especificidade, pois os
moradores de parte do Uruguai e da Confederação Argentina, diz Siber (1915), apesar de
costumes e índole parecida com os habitantes do Sul, eram diferentes.
A análise do capitão é dura para com os brasileiros. Os considerou arrogantes,
pois alimentavam grande ignorância ao desconhecer tudo o que sucedia fora de seu
horizonte visual. Assim, gabavam-se de maneira exagerada de seus próprios méritos, pois
desconheciam os dos outros. Aspiravam, comenta, ocupar na América Meridional o posto
imperialista que os Estados Unidos ocupava na América Setentrional, por isso o povo e o
governo adotavam violentamente tudo o que de novo surgia no exterior, comportando-se
como crianças ao deslumbrarem-se facilmente. Para Siber (1915), o maior obstáculo ao
progresso do Brasil era a manifesta desmoralização do funcionalismo, uma verdadeira
maldição sobre todas as providencias bem-intencionadas do governo. Em face da
burocracia, considera que as instituições democráticas, e as leis liberais, não passavam de
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Lemmers-Danforth (1941) observa a diferença entre as questões geográficas da Europa e dos pampas em
relação à guerra. Os campos não permitem fixar e forçar o adversário ao combate, ao contrário de grande
parte das condições europeias. Usavam, às vezes, da queima de campos, para emboscar de alguma forma o
adversário, ou mesmo atrasá-lo ou afugentá-lo. Aconteceu com os Brummer de estarem próximos ao fogo
em uma situação em que o mesmo foi usado. Marcharam depressa, sem reclamar.
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palavras vazias. No Brasil, aponta, o dinheiro era o alvo de todas as ações e ambições, e
a sua obtenção pelos meios mais ilícitos e criminosos não prejudicavam a consideração
pública. Siber (1915) afirma que qualquer funcionário, superior ou inferior, usava o
máximo proveito possível de seu cargo em busca de enriquecimento. Além disso,
considera que o Brasil seria o local onde residiria a maior imprudência e fraude com a
propriedade pública, afinal, mesmo em jogos inocentes a fraude era comum e se
contraiam dívidas com o propósito de não as pagar. Para Siber (1915), não havia sentido
para o vocábulo “emprestar” no português do Brasil.
Em relação ao exército brasileiro, Siber (1915) aponta que era formado em sua
maioria por negros livres, mulatos e índios, alistados ou recrutados. Os fardamentos eram
copiados do exército inglês, francês ou português, ele não sabia ao certo. Faltava aos
integrantes do exército o garbo marcial, a atitude e o porte físico do soldado europeu,
entretanto eram admiráveis em suportar privações, quer em marcha, quer em
acampamentos. O capitão atribui uma passividade exagerada a eles,
Seriam meros seres adestrados ao uso das armas, desprovidos de força moral e
motivados pelo temor aos castigos disciplinares, “É que a disciplina interna do exército é
das mais severas que existem, e pode tanto mais facilmente ser mantida porquanto, dada
a constituição da tropa, as relações entre officiaes e soldados não são differentes das entre
senhores e escravos” [sic] (SIBER, 1915, p. 405).
Eram exemplares quanto à higiene, superiores a qualquer soldado europeu. A
roupa sempre deslumbrantemente branca, relata Siber (1915), contrastava singularmente
com os rostos pretos, brunos e amarelos. O asseio era uma precaução sanitária importante
que o clima meridional exigia. As armas e o correame estavam sempre espelhantes, e o
fardamento e as demais peças do vestuário eram mantidos impecáveis. Oposta ao asseio,
era a instrução militar, igualmente lamentável em todas as armas. Indignou a Siber o fato
de que qualquer filho de oficial podia assentar praça no corpo de sua preferência, como
primeiro ou segundo cadete, conforme o posto que seu pai ocupava ou havia ocupado,
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sem nenhum exame de sua capacidade ou instrução. Por isso, seu número era
considerável, mas a instrução inexistente. Não bastasse a pouca instrução da maioria dos
oficiais, apresentavam pouca moralidade nos costumes, claro, na visão de Siber, o qual
considerava vergonhoso, por exemplo, o envolvimento com mulheres “coloridas”
(amarelas e pretas). Completa indicando a fanfarrice e a vaidade dos oficiais como
responsáveis por presumirem não ter mais nada a saber.
O rio-grandense, diz Siber (1915), era exímio no trato com animais. O
adestramento dos cavalos não era realizado segundo as regras da equitação europeia, mas
de forma selvagem, usando do laço e estratégias cruéis, mesmo abomináveis. A cavalaria
era a arma por excelência em todas as guerras nos campos do Uruguai, ou nos pampas de
Buenos Aires, por isso, três dos quatro regimentos de cavalaria brasileira tinham parada
permanente no Rio Grande do Sul11. Para a marcha das tropas, eram necessárias duas a
três montarias por cavaleiro, pois com as péssimas selas portuguesas, o tratamento
insensível e a débil alimentação de grama, muitos cavalos enfraqueciam rapidamente.
Assim, usavam da cavalhada de reserva. De acordo com os obstáculos encontrados no
caminho, simplesmente abandonavam os animais. O furto de cavalos, destaca Siber
(1915), era praticamente uma paixão local, tanto de rio-grandenses como de castelhanos.
Havia questões ignoradas pelos brasileiros, mas consideradas de suma
importância para os alemães: como montar em cavalos brutos, correr com espadas e
malotes em meio as poças d’água dos campos, direcionar as mulas que puxavam carretas,
etc. Com tantas diferenças, os batalhões de alemães e brasileiros, apesar de conviverem
bem, não pareciam nutrir muita simpatia uns pelos outros. Os rezingões preferiram
compartilharam da companhia de um bando de cães ao longo da marcha de retorno ao
Rio Grande do Sul (SIBER, 1915).
Em outro momento das desventuras oferecidas pelas marchas, o legionário
Schäffer (1997) reclama das chuvas insistentes. Passaram dias sem lenha ou outro
material suficientemente seco para conseguir fogo, por isso não conseguiram cozinhar os
alimentos e passaram fome. Marchavam em média 5 léguas (24 km) por dia. Houve a
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Segundo Siber (1915), por falta de estradas, dos caminhos cruzarem os cursos naturais de rios, os cavalos
estavam restritos ao passo existente nas proximidades de cada acampamento, por isso não eram usados na
América Meridional como animais de tiro, tornando os bois indispensáveis para a tração das peças e do
trem. Mulas eran usadas apenas em marchas curtas, combates rápidos e repentinos.
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precisavam esperar a chegada da carreta, que em marchas longas vinha sempre com atraso
e às vezes nem chegava no mesmo dia.
Os detalhes da marcha são inúmeros, e não cabe aqui sua enumeração, pois
tomariam páginas e páginas mais. Resta apontar que todos esses percalços ajudaram a
constituir a nova identidade dos Brummer. Como observa Jorge Schnack (apud FLORES,
1997, p. 94).
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De acordo com Maria Medianeira Padoin (2000), foi um espaço constituído através de relações sociais e
econômicas, com caráter regional, onde circularam homens, ideias, culturas e mercadorias, não estando
associado diretamente a delimitações físicas e políticas, característica essa que, segundo Kühn (2006), é
inerente à Fronteira, pois enquanto território de circulação de pessoas e mercadorias, ela não deve ser
confundida com o limite político, definido pelos tratados internacionais. Logo, tem-se a figura de um espaço
dinâmico e mutável. Compreende o atual território de Buenos Aires e Províncias litorâneas da Bacia do
Prata, bem como ao território atual do Uruguai e da região da Campanha do Rio Grande do Sul. As relações
construídas nesta região permitiram a circulação e a troca de ideias, bem como a consciência de autonomia
política, de liberdade e de proteção, elementos fundamentais para a difusão dos mais diversos ideais durante
o conturbado período de construção dos Estados Nacionais (PADOIN, 2000).
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Karl von Koseritz, por exemplo, permaneceu em Pelotas como legionário da Artilharia até junho de 1852,
assim como número considerável de soldados doentes, presos, inválidos e retardatários que ficaram em Rio
Grande, e também os desertores.
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Referências
BARRAN, Jose Pedro. Apogeo y Crisis del Uruguay Pastoril y Caudillesco - 1839-
1875. Montevidéu: Ediciones de la Banda Oriental, 1979 (Historia Uruguaya; 4).
14
THOMPSON FLORES, M.F.C. ; FARINATTI, L. A. E. . A fronteira manejada: apontamentos para uma
história social da fronteira meridional do Brasil (século XIX). In: Flávio Madureira Heinz. (Org.).
Experiências Nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina.
São Leopoldo: Oikos, 2009, v., p. 145-177.
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SIBER, Capitão Carl Eduard. Retrospecto da Guerra contra Rosas e as vicissitudes das
tropas alemãs ao serviço do Brasil por uma testemunha ocular. Traduzido por Alfredo
de Carvalho. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de
Janeiro, Tomo LXXVIII, Parte I, 1915.