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como Método
Professor Edson José Sant’Ana
Movimento, Período,
Estilo, Estética e
Método
Movimento
Processo, desenvolvimento.
aluno absolvido –
eu também roubava giz
pra escrever no portão
Odair de Morais
A saturação poética é a capacidade de um poema
dizer muito com pouco. E o que marca neste texto,
do poeta Odair de Morais, é sua capacidade
sintética de dizer que embora o tempo passe e que
no nível das aparências as coisas tenham mudado,
existe, essencialmente, uma conservação: o
instante pictórico deste poema, sua pintura do
momento, diz daquilo que se foi e do que se é,
fixando o passado no presente.
Assim, o contrabando poético deste texto não
consiste na transposição do presente para o
passado e do passado para o presente, num
movimento ambíguo, de mão dupla. Ele, o
contrabando, se esconde sob esse movimento,
modo artístico de dizer sem ter dito aquilo que não
mudou como o passar dos anos: condições de
trabalho, estudo e ludismo, em uma periferia que
vem sendo re-tratada no mais da obra deste poeta.
Na fusão das contas-ente do poema,
sobra, apenas, o que liga o homem-
professor ao menino-estudante: a
necessidade da expressão e a
precariedade do instrumental para o
trabalho.
No plano da aparência, apressamo-nos em dizer da
ligação entre o adulto e o infante, numa digressão
Bacheradiana, sem, no entanto, tocar na
materialidade daquilo que não é dito expressamente
e que, na realidade, é o centro da construção
poética: a ação (roubar) e o objeto (giz). Ao
registar “eu também roubava giz”, recai sobre o
poema todo o peso do mundo real, uma vez que, em
pl eno sécul o XXI , as escol as dependem,
excessivamente, de um material tão arcaico e
insalubre quanto este.
O que chama atenção, então, é a ancoragem do
lirismo na materialidade do cotidiano: não há
espaço para transcendências metafísica,
inconformismo pueril, saudosismo romântico ou
nefelibatismo. A prática, como disse o filósofo, é o
critério que deve ser usado para se julgar a
verdade; e a imediatez da vida, recrutada para o
texto, aponta para o fato de que duas gerações
estão presas e são vítimas do subdesenvolvimento
da sociedade em que estão inseridas.
A absolvição, então, é um ato de benevolência
secundária, e talvez desnecessária, uma vez que mestre e
discípulo são vítimas, objetos do mundo em que vivem. –
Dado relevante: melodicamente, a utilização do vocábulo
“aluno” não interferiria na construção do poema, senão
semanticamente, pois poderia, sem prejuízo do ritmo ter
sido utilizada a expressão “estudante”: “sem luz”, o
estudante; “sem luz” o professor. Apagados pela poeira
do pó-de-giz, anulada a hierarquia, entre iguais, não
pode haver absolvição, ato facultado aos juízes.
!
Ambos foram roubados.
Referências
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