Vous êtes sur la page 1sur 202

Ilona Andrews

Conto 04.5
Página 2

Traduzido do Inglês e Espanhol por Fãs


Disponibilizado por: Jeaniene
Tradução e 1ª Revisão:
*Diana Prince
Revisão Final, Leitura Final e Formatação:
*Íris Flor e *Divas Rosa


Ilona Andrews
Conto 04.5
Página 3


Ilona Andrews
Conto 04.5
Página 4


Ilona Andrews
Conto 04.5

Sonhos Mágicos
Ilona Andrews
Originalmente publicado na antologia, Hexed.
Página 5

O líder Alfa do Bando, Jim Shrapshire, sempre foi o tipo forte e silencioso.
Mas algo veio sobre ele—uma força mágica atualmente residindo em uma das
sedes da manada. A metamorfo tigresa Dali Harimau sempre desejou poder
chamar a atenção de Jim—mas agora ele precisa da ajuda dela.

Atingido por uma doença mágica, Jim precisa do talento de Dali para a magia.
E para salvá-lo, ela deve desafiar um ser poderoso e sombrio para uma
batalha de inteligência.


Ilona Andrews
Conto 04.5

OLHEI ATRAVÉS DO para-brisa do meu Mustang 931. A

Rodovia do Abutre se estendia diante de mim, uma linha

estreita de pavimento em ruínas desaparecendo no crepúsculo.

Abaixo dele corriam os Arranhões, um labirinto retorcido de

ravinas estreitas arrancadas da terra por magia três décadas


Página 6

atrás quando nosso mundo começou a acabar. A estrada velha

percorria o topo das ravinas, revirando-se ao longe, onde o

pôr-do-sol brilhava ouro, vermelho, e finalmente, turquesa.

Havia algo vagamente errado com esta imagem, mas eu não

poderia dizer o que era.

1
mustang 93


Ilona Andrews
Conto 04.5

A Rodovia do Abutre não fazia prisioneiros. Você pisa

demais no acelerador, gira a roda meio centímetro demais, e

Boom! Pow! Você tinha ido para o fundo da ravina. Apenas os

melhores e mais loucos de Atlanta corriam aqui.

É por isso que eu gostava. Quando uma garota pesa

quarenta e cinco quilos pequena, os óculos são mais grossos

do que a lupa de Sherlock Holmes e todo mundo sob o sol

fazem piada dela porque é vegetariana e o sangue a faz

vomitar, ela tem que fazer alguma coisa para provar que não
Página 7

é uma covarde. O caos selvagem e ensurdecedor das corridas

às sextas-feiras à noite no Abutre era um tipo de diversão

estritamente proibida.

Era tão calmo agora. Tão quieto. Só eu e o Mustang.

Batizei-o de Rambo. Era um carro doce, construído a partir do

zero para uma finalidade: correr o mais rápido possível. Nós

entendemos um ao outro, Rambo e eu. Rambo gostava de


Ilona Andrews
Conto 04.5

chutar o traseiro, e eu me certifiquei de que tivesse a chance

de se exibir.

Meu corpo estava tão leve. Era uma sensação estranha,

quase como se estivesse nadando ou flutuando através de uma

nuvem de penas.

Um rosto familiar apareceu no pára-brisa: pele pálida,

olhos escuros, a longa tatuagem de um dragão enrolado no pescoço,

serpenteando o seu caminho sob a parte superior da camiseta azul.

Kasen. Cara decente para um homem-rato. Ele dirigia um


Página 8

caminhão de reboque e gostava de sair e assistir as corridas na

Rodovia do Abutre. Elas eram boas para o seu negócio.

Os lábios de Kasen se moveram, mas nenhum som

saiu.Ele parecia meio engraçado lá, de lado, movendo os

lábios sem som. O que você quer, pessoa tola?

Kasen estava de lado.


Ilona Andrews
Conto 04.5

O pôr-do-sol atrás dele também estava de lado, a rodovia

correndo para a esquerda do céu.

Oh, droga.

Merda, merda, merda.

O algodão fantasma entupindo meus ouvidos

desapareceu e o mundo correu para mim em uma explosão de

som: o rugido distante de motores de carros, o gemido de metal e a

voz de Kasen.
Página 9

— Dali? Você está bem, menina?

Eu tentei falar e minha boca funcionou. — Legal como

um pepino.

Ele sorriu. — Você sabe o que fazer. Espere, eu vou

colocar você na posição vertical.

Agarrei as bordas do meu assento.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Kasen saiu da minha vista, e eu pude ouvi-lo grunhir

quando ele agarrou o pára-choque, levantou e torceu. Rambo

gritou. Metal tiniu. Eu estremeci. Rambo, meu pobre bebê.

O pôr-do-sol virou e caiu no lugar certo com um

estremecimento. Os pneus de Rambo bateram no pavimento

e saltaram uma vez. A lente esquerda dos meus óculos saltou

da armação e caiu no meu colo. Eu guardei-a nos meus jeans,

fechei meu olho esquerdo, e sai do carro.


Página 10

— Eu virei!

— Você capotou.

Cacete! A frente de Rambo parecia uma lata de Coca-

Cola amassada. Água encharcava o asfalto, vazando do capô,

o tanque de água encantado que ligava o carro durante ondas

mágicas tinha rompido. Eu devo ter feito a curva rápido

demais.


Ilona Andrews
Conto 04.5

O vento quente me abanou. Tecnicamente, era meados

de janeiro, mas depois de dois meses e meio de congelamentos

intensos e queda de neve, o clima ficou confuso. Durante a

semana passada as temperaturas ficaram na casa dos 27 graus,

toda a neve tinha derretido, e eu havia trocado meus grossos

casacos de inverno para jeans e camiseta. Você pensaria que

era maio. Magia faz coisas estranhas ao clima. Hoje estava

quente. Amanhã poderíamos acordar com um metro de neve

no chão.
Página 11

Kasen olhou para mim. — Por que o seu olho está

fechado? Você se machucou?

— Não, ele está fechado porque os meus óculos estão

quebrados, e olhando através de uma lente só me faz ficar

tonta.

— Situação normal, toda fodida. —Kasen esfregou atrás

de sua cabeça.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Obrigada, Capitão Óbvio. — Não é tão ruim assim!

— Você quer Rambo rebocado para o local habitual?

— Sim. —As minhas corridas seriam canceladas por um

mês. Que chatice.

Kasen acenou para o Mustang. — Este é o seu segundo

acidente em três semanas.

— Ahaaa.
Página 12

— Jim não a proibiu de correr?

Jim era meu alfa. O Bando de Metamorfos era dividida

em sete clãs, comforme o tipo de metamorfo e Jim liderava os

Felinos com uma grande pata de jaguar escondendo garras

incríveis. Ele era inteligente, forte e incrivelmente quente—e a

única vez que Jim percebia minha existência era quando eu

me transformava em um pé no saco ou quando ele precisava


Ilona Andrews
Conto 04.5

de um especialista sobre o antigo Extremo Oriente. Caso

contrário, eu poderia muito bem ser invisível.

Eu levantei minha cabeça para deixar Kasen saber que

eu estava falando sério. — Jim não é o meu chefe.

— Na verdade sim, sim ele é.

Era bom que eu não era um metamortfo porco-espinho,

ou sua boca estaria cheia de espinhos agora. — Você vai

contar a ele sobre mim?


Página 13

— Depende. Quando você morrer, eu posso ter seu

carro?

— Não.

Kasen suspirou. — Eu estou tentando fazer um ponto

aqui. Estive assistindo esta corrida há seis anos e eu nunca vi

ninguém se acidentar tanto quanto você. Você é minha cliente


Ilona Andrews
Conto 04.5

número um. Você mal pode enxergar Dali, suas chances de se

dar bem nessa corrida são estúpidas. Sem ofensa.

Sem ofensa, certo. ‘Sem ofensa’ queria dizer ‘Eu estou indo

para insultá-la, mas você não pode ficar com raiva de mim.’ Mostrei

os dentes para ele. Na hora do vamos ver ele era um rato e eu

era uma tigresa.

Kasen ergueu as mãos para cima. — Bem. Esqueça o que

eu disse.
Página 14

O mundo piscou. As cores ficaram ligeiramente mais

brilhantes, os aromas cresceram mais nítidos, como se alguém

tivesse melhorado a resolução da imagem um nível acima.

Um calor de boas-vindas espalhou-se através do meu corpo, a

onda mágica tinha inundado o mundo. O barulho distante dos

motores a gasolina engasgou e morreu. Levaria quinze

minutos de cantos para fazer os motores encantados

funciorem. A corrida tinha acabado.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— E se eu te levar para jantar? —Disse Kasen. —

Conheço um lugar muito bom na direção de Manticore ...

Metamorfos ratos sempre conheciam lugares agradáveis

para comer. Eles mastigavam constantemente ou ficavam

nervosos, o que significava que sofriam ataques de

hipoglicemia: suores frios, dores de cabeça e convulsões,

acompanhados por nervosismo e ataques de agressão. Isso não

era engraçado.
Página 15

Eu olhava com meu único olho aberto para Kasen. Não

havia nenhuma razão para ele me oferecer um jantar. Muito

provavelmente, só queria me agradar para que pudesse ter

uma chance com Rambo depois da minha morte. Muito ruim

para ele, eu poderia não ser o mais forte dos tigres ou o mais

sanguinário, mas minha linhagem era bem antiga. Vírus-L, o

vírus mutante e minha família eram bons amigos, e os níveis

de vírus no meu corpo era mais elevado do que na maioria dos

outros metamorfos. Quanto maior a concentração do vírus,


Ilona Andrews
Conto 04.5

mais rápida é a regeneração. Níveis normalmente mais

elevados de Vírus-L também significavam um maior risco de

perder a sua mente e se transformar em um assassino loup

enlouquecido, mas até agora eu não precisei me preocupar

com isso.

Era difícil de matar. Nada menos do que um acidente de

fogo completo com uma explosão gigante no final iria enviar-

me para a vida após a morte, por isso, se Kasen estava

planejando herdar o meu carro, ele iria congelar esperando.


Página 16

Enruguei meu nariz para Kasen. — Obrigada, mas não,

obrigada. Eu preciso chegar em casa. —E preciso pegar meus

óculos extras do porta-luvas do Pooki.

Ele deu um suspiro. — Talvez da próxima vez.

— Claro. Talvez na próxima vez.


Ilona Andrews
Conto 04.5

DIRIGI PELAS RUAS emaranhadas de Atlanta com as janelas

abertas. O vento rodava com aromas: uma pouco de madeira

pegando fogo, um cão que marcou seu território, cavalos, um,

dois, três, quatro, torta de algo e picante ... As ruas estavam


Página 17

desertas. A maioria das pessoas se escondiam durante a noite.

A escuridão era quando os monstros saíam para jogar. Mesmo

monstros agradáveis como eu. Rawr.

A magia fluía com força total, e Pooki, meu Plymouth

Prowler2, fazia barulho suficiente para abalar os deuses em seu

palácio celestial. Eu o tinha modificado para funcionar com

2
Plymouth Prowler


Ilona Andrews
Conto 04.5

gasolina quando a tecnologia estava em alta e com água

encantada quando a magia estava no mundo. Pooki não ia

muito rápido durante as ondas mágicas, e ele fazia tanto

barulho que me fazia estremecer mesmo com os tampões de

ouvido, mas era o melhor que eu podia fazer.

Cerca de três décadas atrás, Atlanta era o lugar em pleno

crescimento no Sul: muitos arranha-céus, restaurantes da moda

e conveniências modernas e toneladas de dinheiro e de pessoas

saíam pela cidade. Em seguida, a primeira onda mágica


Página 18

atingiu. Magia rasgou o mundo. Durante três dias ela se

enfureceu, fazendo maravilhas tecnológicas complicadas

falharem. Aviões caíram do céu. Satélites despencaram no

chão. Armas quebrando ou falhando. Eletricidade

desapareceu e as cidades ficaram no escuro. Três dias mais

tarde, a tecnologia voltou, mas o mundo nunca mais foi o

mesmo.


Ilona Andrews
Conto 04.5

As pessoas diziam que a magia veio do nada, mas minha

avó me disse que sentiu a sua chegada aos poucos por anos.

Fazia total sentido, considerando o padrão histórico da

Primeira Mudança, aquela que foi perdida na antiguidade.

Aproximadamente seis mil anos atrás, o Homo sapiens havia

construído uma grande civilização baseada apenas na magia.

Havia tanta magia que o seu equilíbrio com tecnologia foi

permanentemente interrompido. O mundo balançou o

caminho para o lado da tecnologia para compensar. A antiga


Página 19

civilização sofreu um apocalipse, e a raça humana começou a

reconstrução, desta vez usando a tecnologia como sua base.

Claro, eles criaram uma civilização tão avançada

tecnologicamente que a gangorra mudou mais uma vez. A

magia voltou e fez a festa. Agora ela inundava o mundo em

ondas e quando chegava destruia edifícios altos, alimentava

feitiços, permitia manifestações, e sem avisar desaparecia.

Apocalipse em câmera lenta.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Isto só serve para mostrar que não importa o quanto seja

grande um prego que você dá a humanidade, nós

conseguiremos martelá-lo torto no chão. Somos horríveis. É a

natureza de nossa espécie.

Minha casa ficava em um grande lote arborizado, tudo

por minha privacidade. A rua à esquerda levava à um

arruinado prédio de apartamentos, agora pouco mais do que

um amontoado de escombros, e os vizinhos atrás de mim

tinham fugido da cidade há muito tempo. Eu comprei a sua


Página 20

terra por mil dólares antes da decolagem, reformei a casa,

contratei empreiteiros para construir uma cerca de segurança

extra-alta, e agora eu tinha um quintal maravilhoso. Com as

árvores e a cerca, eu poderia até mesmo sair na minha forma

natural, rolar na grama e tirar uma soneca ao sol sem qualquer

um apontando e gritando: Ei, olhe, uma tigresa branca!

Manobrei Pooki na minha garagem, saí, levantei a porta

da garagem e levei cuidadosamente o veículo para dentro. De


Ilona Andrews
Conto 04.5

todos os carros que já tive o Prowler era o meu favorito. Eu

amava as rodas estilo Indy. É por isso que eu nunca corri com

ele. Tanto quanto eu odiava admitir, Kasen estava certo, eu

tinha destruído Rambo. Muito.

Baixei a porta da garagem e entrei na minha cozinha.

Um perfume passou por mim. Eu inalei e congelei. Cheirava

a sândalo e âmbar, temperado com uma pitada de suor e

almíscar masculino. Um arrepio correu pela minha espinha,

colocando todos os nervos em alerta máximo.


Página 21

Jim.

A fragrância masculina encheu minha casa, gritando,

‘Companheiro!’ para mim tão alto que eu prendi a respiração

por um segundo para me controlar.

Jim estava aqui, esperando por mim. Em meus sonhos

mais loucos, eu ia para o quarto e ele me beijava. A imagem

era muito vívida na minha cabeça que me fazia tremer. Isso


Ilona Andrews
Conto 04.5

nunca iria acontecer. Vamos, garota cega feia, saia dessa. Vamos

tentar ser menos patética. Jim estava aqui porque Kasen falou

sobre mim ou porque ele precisava identificar algum

pergaminho obscuro. Ele não estava aqui para fazer meus

pequenos sonhos tristes se tornar realidade.

Marchei em minha sala de estar. — Jim? —Não houve

resposta.

O cheiro era quente e vivo. Ele ainda estava aqui, ou ele


Página 22

esteve aqui apenas um segundo atrás. — Jim? Não é

engraçado.

Nada.

Bem. Eu segui o cheiro, movendo-me suavemente em

meus pés. Sala de estar, hall, banheiro, quarto. O cheiro ficou

forte aqui. Ele estava no meu quarto.

Oh meus deuses. E se eu entrasse e ele estivesse nu na minha

cama?


Ilona Andrews
Conto 04.5

Vou pirar. Vou pirar aqui mesmo com isso, e não vou

aproveitar o quer que seja ‘isso’. Acalme-se, acalme-se, acalme-

se. Eu entrei no quarto.

Jim estava caído contra a parede no chão. Seus olhos

estavam fechados. Ele usava calça jeans preta e uma camiseta

preta, um par de tons mais escuros do que a sua pele. Seu

cabelo preto foi cortado. Sua jaqueta de couro estava deitada

no chão em um monte. Adormecido.


Página 23

Entrei na ponta dos pés e me agachei ao lado dele.

Ele parecia tão calmo aqui. Normalmente Jim vivia

fazendo cara feia, só para lembrar as pessoas de que ele era

sério e importante e que chutaria sua bunda se necessário. Mas

agora, com a cabeça inclinada para trás e seu rosto relaxado,

ele era lindo. Eu queria sentar no chão ao lado dele e

aconchegar-me na curva do seu braço. Parecia o local perfeito

para mim. Em vez disso, suspirei e toquei a testa com o dedo.

— Ei você. Acorde.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Ele não se moveu.

Estranho. Normalmente Jim acordava se um alfinete caía

meio quilômetro de distância. A maioria dos metamorfos era

assim, mas Jim especialmente. Ele supervisionava a segurança

para o Bando e exibia tendências paranóicas. A única vez que

ele desmaiava assim era quando estava ferido ou exausto de

mudar muitas vezes e Vírus-L fechava seu cérebro para

conservar recursos e fazer reparos. Eu não senti o cheiro de

nenhum sangue e as roupas de Jim ainda estavam limpas. Mas


Página 24

se ele tivesse desmaiado após a mudança, ele estaria no meu

chão ... nu. Fechei os olhos e dei-me uma sacudida mental.

Algo estava errado.

Agarrei seu ombro e sacudiu-o. — Jim! Acorde.

Desperte. Vamos.

Seus olhos se abriram. Sua mão escura agarrou meu

pulso. — Eu estava adormecido?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Sim.

— Porra.

Ele levantou do chão, olhos escuros chateados. — Você

saiu. Dali Harimau, onde você estava?

Eu me levantei e cruzei os braços sobre o peito. Ele não

era muito grande, então cruzar os braços era fácil. — Eu saí.

Você não é meu pai, Jim. Eu não tenho que pedir permissão a

você antes de sair da minha casa.


Página 25

Um brilho verde rolou nos olhos de Jim. — Dali, onde

você estava?

Ele tinha puxado o cartão alfa. Você não discutia

quando seus olhos iluminavam. — Eu estava correndo no

Abutre.

Pronto. Feliz agora?

Ele exalou. — Bom.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Bom? Desde quando minha corrida era boa? — Você não está

fazendo nenhum sentido.

— Você não verificou suas mensagens?

— Não, acabei de chegar em casa.

— Então você não foi para a casa?

— Que casa? Eu te disse que acabei de chegar em casa.

Os olhos de Jim diminuíram. Ele esfregou o rosto com a


Página 26

mão, como se estivesse tentando apagar algo. — Preciso da

sua ajuda.


Ilona Andrews
Conto 04.5

JIM ESTAVA SENTADO na minha cozinha, olhando para

uma xícara de chá de ginseng3 quente como se um demônio

estivesse escondido lá dentro. — Beba-o. É bom para você.

Jim engoliu. — Tem um gosto horrível.

Se eu fosse um convidado e colocasse o nariz assim no

chá que minha anfitriã me servia, minha mãe me diria que eu

tinha envergonhado a família. — É como se você não tivesse

boas maneiras. Eu ofereço-lhe um chá de agrado e você faz


Página 27

caretas para ele.

— Você quer que eu minta e diga que é gostoso?

— Não, eu quero que você diga 'obrigado' e me diga o que

está acontecendo.

— Eu não tenho certeza. —O rosto de Jim era sombrio.

— O escritório nordeste na Estrada Dunwoody não reportou na

3
Panax ginseng é uma espécie vegetal do gênero Panax.


Ilona Andrews
Conto 04.5

terça-feira. Eu estava fora fazendo outras coisas, então

Johanna esperou vinte e quatro horas e enviou um batedor

para checá-los. Ele voltou perturbado. Falei com ele esta

manhã. Ele alegou que 'algo ruim' estava no prédio e que não

ia chegar perto dele.

— Quem era?

— Garrett.

Garrett era preguiçoso, mas ele não era um covarde.


Página 28

Talvez houvesse algo de ruim na casa. — Você foi lá, não é?

Jim deu de ombros. — Eu tinha que passar por perto em

uma outra missão de qualquer maneira.

Revirei os olhos. — Não levou ninguém com você?

Ele olhou para mim como se eu o tivesse insultado.

Senhor fodão não precisa de ninguém para ir com ele, não é? — O

que aconteceu?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Eu fui para o escritório. O lugar parecia vazio. As

janelas estavam cobertas de sujeira, como se ninguém tivesse

estado lá há anos.

Jim e eu nos entreolhamos. O Bando tinha sete

escritórios em Atlanta e arredores e cada um deles teria janelas

limpas. As pessoas normais olham para nós como se fôssemos

animais imundos. A parte animal era verdade, mas a maioria

de nós era sensível sobre essa coisa de imundo. Se você

quizesse insultar um Metamorfo era só dizer que ele fedia.


Página 29

Mantínhamos a nós mesmos e nossos escritórios limpos. Além

disso, não se pode enxergar multidões enfurecidas com forcas

e tochas vindo até você através de uma janela suja.

— Eu fui até a porta. —Jim olhou para a xícara. — O

lugar cheirava mal. Um cheiro estranho, empoeirado,

pungente e amargo, algo que eu nunca senti antes.

— Como pó de erva?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Não, não era isso. Não era qualquer coisa que eu

reconheci. E estava quieto demais. Deveria haver quatro

pessoas no escritório. Não tinha um maldito sussurro, sem

suspiro, sem som, nada.

Roger e Michelle trabalhavam naquele escritório. Eu

gostava de Michelle, ela era legal.

— Abri a porta e cheirava a sangue. O local estava vazio.

Havia um símbolo mágico traçado no chão.


Página 30

— Que tipo de símbolo?

Ele balançou sua cabeça. Seus olhos ficaram distantes.

Se eu não soubesse melhor, eu diria que ele estava confuso,

exceto que Jim não ficava confuso.

— Um símbolo chinês, —disse ele lentamente.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Como um sinográfo4? Hanzi?5

Jim me deu um olhar vazio.

— Parecia escrita chinesa, Jim?

— Sim.

Levantei-me e trouxe-lhe um pedaço de papel e uma

caneta. — Desenhe-o para mim. —Ele pegou a caneta e olhou

para ela.
Página 31

— Jim?

Ele resmungou baixinho. — Eu não me lembro.

O pêlo da minha nuca arrepiou. Jim não tinha memória

perfeita, mas ele chegava muito perto. Ele praticou, porque

4
Significa escrita chinesa

5
Os caracteres chineses ou caracteres Han são logogramas utilizados como sistema de
escrita do chinês, japonês, coreano e outros idiomas, como por exemplo o dong. Foram usados na Coreia do Norte
até 1949 e no Vietname até o século XVII.


Ilona Andrews
Conto 04.5

lembrar detalhes era uma habilidade útil para o chefe de

segurança. Uma vez eu assisti ele desenhar uma tatuagem

tribal complicada que viu por dois segundos completamente

da memória. Ela ficou quase perfeita. Um símbolo hanzi no

chão no meio de um escritório cheirando a sangue deveria ser

muito fácil para ele lembrar. Os símbolos não eram tão

complicados. Algo tinha fritado sua memória.

— O que você fez a seguir?


Página 32

— Eu chamei você.

Nós dois olhamos para minha secretária eletrônica. A

tela estava morta, a magia havia cortado a eletricidade. Não

havia forma de conferir se Jim havia me chamado.

Um brilho verde acendeu em sua íris e desapareceu.

Frustração saiu de Jim em uma onda quente. Ele estava

agindo como uma pessoa com uma concussão, mas Vírus-L

consertava concussões rapidamente. Sabia disso por


Ilona Andrews
Conto 04.5

propriedade, eu tinha conseguido um número suficiente delas.

Trinta segundos e seu cérebro estava novo. Ainda assim ...

— Você acha que alguém poderia ter batido na parte de

trás da sua cabeça?

Jim olhou para mim por um longo momento.

— Às vezes, trauma na cabeça resulta em perda de

memória de curto prazo.

— Ninguém traumatizou minha cabeça. Ninguém leve


Página 33

o suficiente para me espreitar seria forte o suficiente para me

derrubar. Eu não fui nocauteado, desmaiei.

Hã. — Desmaiou?

— Sim.

— O que você se lembra antes de desmaiar?

— A onda mágica bateu. Vi uma mulher.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Uma mulher? —Ótimo, agora eu virei um personagem de

mangá que repetia tudo o que todos diziam.

— Eu a vi na casa.

— Como ela se parece?

— Ela era muito bonita.

Doeu como um tapa. — Jim!

— O quê?
Página 34

Sim, o que, Dali? O que exatamente? — Quando você a viu?

O que ela estava vestindo? Concentre-se.

Ele balançou sua cabeça. — Eu estava na porta. Olhei

para cima e ela estava de pé na parte de trás da sala. Ela estava

usando algum tipo de túnica longa ou vestido. O tecido era

quase transparente, como uma lingerie.

E ele provavelmente levou um segundo para olhar para seus

peitos. Impressionante.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Ela tinha longos cabelos escuros. Eu disse a ela para

sair da casa. Ela disse: 'Ajude-me.’

— Em português?

Ele assentiu. — Ela começou a recuar para dentro da

casa e eu fui atrás dela.

— Quatro metamorfos estão faltando, o escritório tem

cheiro de sangue, você vê alguma mulher estranha em um

vestido transparente que claramente não deveria estar no


Página 35

edifício, e você corre atrás dela?

— É meu trabalho correr atrás dela.

— Sem apoio?

— Eu sou o meu próprio apoio.

Eu levantei meus braços. — Tudo bem, o que aconteceu

depois?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Lembro-me de minhas pernas ficando pesadas e

pensar que algo estava errado. Então eu acordei no meio do

chão.

— Quanto tempo você dormiu?

— Dezoito minutos. Eu acordei cansado como o

inferno. Sabia que ia desmaiar novamente se eu não saísse,

então me levantei, tranquei a porta, e dei o fora de lá. Sabia

que tinha ligado para você e eu achei que você poderia ir até
Página 36

aquela casa. A magia já estava em alta, então eu corri para cá,

entrei com a minha chave, mas você não estava. Eu fui para o

quarto para ver se a sua caixa de caligrafia ainda estava aqui,

porque eu sabia que você o leva para onde vai e então eu não

me lembro de mais nada.

E então ele adormeceu no chão do meu quarto. — Você

se sente diferente?

— Eu me sinto cansado.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Agora mesmo? Mesmo depois de dormir? —Ele

assentiu.

Jim poderia aguentar quarenta e oito horas sem dormir

e ainda ser tão afiado como suas garras. Esse era um dos

presentes divertidos doVírus-L: melhora a resistência,

imunidade a doenças e fúria louca e homicida, só para apimentar

as coisas. Algo estava seriamente errado. Se tivesse sido uma

maldição básica, minha magia já teria indentificado e

eliminado. Ele tinha que ir ao médico. — Precisamos ver


Página 37

Doolittle.

— Não. Sem Doolittle.

— Jim, você continua caindo no sono.

— Doolittle é um cirurgião. —Jim mostrou as bordas de

seus dentes. — Se ele não pode cortar ou costurar você, ele

não pode fazer nada a mais. Eu não tenho sintomas. Taxa de

pulso é normal, a temperatura é normal. Eu só adormeci. Faz


Ilona Andrews
Conto 04.5

de conta que você é Doolittle, chego com essa história, qual é

o seu primeiro passo?

— Colocá-lo em observação.

— Exatamente. Eu não preciso ser trancado.

— Como você sabe que algo não está interferindo com a

sua regeneração?

Jim puxou uma faca de sua bainha de cintura tão rápido

que eu mal vi. O metal azulado brilhou, cortando através de


Página 38

seu antebraço. Sangue fluiu. O cheiro atingiu minhas narinas,

enviando arrepios em meus braços. Enquanto eu observava o

corte se uniu novamente, a pele e o músculo fluindo para

reparar o dano. Jim limpou o sangue de sua pele e me mostrou

seu antebraço. A linha fina da cicatriz já estava

desaparecendo.

— Eu não estou doente e meu vírus está funcionando.

Seja o que for, é mágico. Quatro dos nossos estão


Ilona Andrews
Conto 04.5

desaparecidos e você é a única manipuladora de magia que eu

tenho. Eu não posso simplesmente deixá-los lá dentro.

— Eles podem estar mortos.

— Se eles estão mortos, precisamos saber. —Ele se

inclinou para frente, os olhos castanhos olhando diretamente

nos meus. — Ajude-me, Dali.

Ele não tinha ideia nenhuma, mas quando olhava para

mim assim, eu faria qualquer coisa por ele. Qualquer coisa.


Página 39

Levantei. — Deixe-me pegar minha caixa de caligrafia.

Precisamos ir ver a casa.


Ilona Andrews
Conto 04.5

O ESCRITÓRIO NORDESTE do Bando ficava na estrada

Chamblee Dunwoody, bem atrás da estrada ficava um gramado

cuidadosamente cortado. Altos pinheiros circulavam três

lados, com quatro árvores pitorescas protegendo seu

estacionamento. À esquerda, atrás do tapete de vegetação e de

uma cerca de arame protegida em cima por rolos de arame

farpado, erguiam-se apartamentos curtos e bem estruturados.

O guarda no portão nos deu um olhar desagradável segurando

sua besta6 por precaução enquanto nós passavámos trovejando


Página 40

no meu carro. Homem tolo.

Guiei o Prowler pela curva até o estacionamento do

escritório, estacionei e desliguei o veículo. O motor de água

encantada levava pelo menos quinze minutos para aquecer,

mas deixá-lo funcionando não fazia sentido. O motor fazia

6
A besta (pronuncia-se bésta) balestra ou balesta (derivações do latim tardio ballista)
é uma arma com aspecto semelhante ao de uma espingarda, com um arco de flechas adaptado a uma das
extremidades de uma haste e acionado por um gatilho, o qual projeta virotes - dardos similares a flechas, porém mais
curtos.


Ilona Andrews
Conto 04.5

tanto barulho que eu tinha dificuldade para pensar. Além

disso, a velocidade máxima do Pooki durante a onda mágica

mal chegava oitenta quilômetros por hora, e se tivéssemos que

fugir, tanto Jim e eu poderíamos correr muito mais rápido do

que isso.

Nós saímos para a noite. Pintado de uma cor verde-oliva

feia o escritório parecia que dois prédios separados haviam

sido entulhados juntos: a metade esquerda lembrava uma casa

de fazenda, enquanto a da direita era uma Queen Anne7 de dois


Página 41

andares com venezianas verdes.

7
O estilo Queen Anne na Grã-Bretanha refere-se ao estilo arquitetônico
barroco inglês, aproximadamente do reinado da rainha Anne (reinou de 1702-1714), ou uma forma revivida que foi
popular no último quartel do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. século (quando também é conhecido
como reavivamento da rainha Anne). Na arquitetura britânica, o termo é usado principalmente em edifícios
domésticos até o tamanho de uma casa senhorial, e geralmente projetado com elegância, mas simplesmente por
construtores ou arquitetos locais, ao invés de grandes palácios de magnatas nobres. Ao contrário do uso americano
do termo, ele é caracterizado pela simetria fortemente bilateral com um frontão italiano ou derivado do Palladio na
elevação formal frontal.


Ilona Andrews
Conto 04.5

O vento trouxe consigo um cheiro metálico salgado que

queimou minha língua. Sangue. Jim arreganhou os dentes

para o prédio.

Fechei os olhos e concentrei-me, tentando sentir a

magia. Na minha cabeça, a casa ficou escura. Longos

tentáculos translúcidos de magia saíam de dentro, deslizando

para frente e para trás sobre as paredes, para fora das janelas,

sobre o telhado, agarrando-se ao revestimento e aos ladrilhos.


Página 42

Eu dei um pequeno passo adiante. O tentáculo mais

próximo subiu, pairou acima do telhado por um longo

momento, e serpenteou até nós. A magia me atacou em uma

onda gelada, fétida e terrível. Eu não sabia o que era, mas cada

célula do meu corpo encolheu a partir dele. Meus olhos se

abriram e eu recuei.

Jim me segurou por trás. — O que foi isso?


Ilona Andrews
Conto 04.5

A casa parecia mundana novamente, apenas um prédio

cor de oliva monótono. Engoli. — Nós vamos precisar de

Proteção. Muita Proteção.

Coloquei a minha caixa de madeira no capô do Pooki e

abri. Jim olhou para a caligrafia dentro da caixa. A maioria

dos metamorfos não faziam magia, porque mudar para um

animal era mais que suficiente e a maioria não confiava na

magia. Eu entendia totalmente o porquê. Magia era duvidosa,

mas garras e presas também eram. No entanto, eu nasci de


Página 43

uma longa linha de manipuladores de magia, tão preocupados

com a tradição que eles passaram seus conhecimentos e

rituais, mesmo quando a tecnologia esteve no seu mais forte e

quase nenhuma evidência de magia permaneceu. Minha

família levou minha educação muito a sério.

Metade do tempo minha magia nem funcionava, mas

Jim tinha me visto fazer algumas coisas. Não é que estava

impressionado, mas Jim tratava meu talento com respeito. Ele


Ilona Andrews
Conto 04.5

estava com problemas e confiava em mim para ajudá-lo. Eu

tinha que me esforçar mais ainda.

Jim acenou para a casa. Uma luz amarela clara apareceu

em uma das janelas do andar superior, como se alguém levasse

uma vela até o vidro.

— Não é fofo, —eu murmurei. — Está dizendo olá.

Jim sorriu para a luz. A única vez que um jaguar lhe

mostrava os dentes era quando ele estava prestes a afundá-los


Página 44

em você.

Puxei duas finas tiras de papel hanshi para fora,

mergulhando meu pincel na tinta, e escrevi a seqüência de

caracteres para Proteção geral em cada peça.

A tinta brilhou um pouco à luz do luar. Prendi a

respiração. Por favor funcione. Por favor, por favor, por favor

funcione.


Ilona Andrews
Conto 04.5

A magia estalou, provocando através do papel. Exalei e

joguei uma tira em Jim. O papel cortou o ar, duro como uma

lâmina, e prendeu a seu peito. Ele olhou fixamente para ele.

— Não mexa nele. É um feitiço de Proteção defensiva.

Joguei o outro pedaço de papel no ar, dei um passo em

direção a ele, e ele aderiu a mim, sobre o meu peito esquerdo.

— Vamos.

Jim ponderou o pequeno pedaço de papel. — Você quer


Página 45

que eu volte para a casa protegido por um pedaço de papel

com uma nota mágica?

— Nem sequer comece, —eu disse a ele. — Está

funcionando. Se não estivesse funcionando, você não poderia

arrastar-me para aquele lugar.

— O que que você escreveu aqui? Não morra?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Não, eu escrevi: 'Não seja um babaca!' —Fui para a

casa.

— No seu papel ou no meu?

— No seu.

— Bem, nesse caso, a sua magia não está funcionando.

Eu ainda sou um babaca.

Grr, grr, grr.


Página 46

Seis metros para a casa. Um tremor sacudiu-me e eu

cerrei os dentes. Você pode fazê-lo, Tigresa branca. Não seja uma

covarde.

Quatro metros. Eu podia ver agora, a bagunça

translúcida de gavinhas, pronta para agarrar-nos, como um

ninho de cobras escuras colossais prestes a atacar. A magia

ruim iria nos atingir a qualquer momento.

Três metros. Os tentáculos se levantaram como um só.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Dane-se. Estendi a mão e agarrei a mão de Jim. Seus

dedos se fecharam nos meus, quentes e fortes.

A magia atirou em nossa direção. Eu apertei a mão de

Jim. O papel no meu peito faiscou com azul pálido e os

tentáculos caíram, como se chamuscados pelo fogo.

Oh deuses. Oh ufa. Meu coração bateu no peito em cerca

de um milhão de batimentos por minuto. Ufaaaaaa.

Certo, vivos. Vivo é bom.


Página 47

Percebi que ainda estava segurando a mão de Jim como

uma idiota e o soltei. Ele estava olhando para mim. — Está

tudo bem?

— Unrrum. —Balancei a cabeça, minha voz um pouco

alta demais. — Tudo está ótimo. Vamos.

Nós andamos entre os tentáculos de magia até a porta.

Um longo arranhão marcava a tinta verde escura, expondo o


Ilona Andrews
Conto 04.5

aço por baixo. Eu poderia dizer pelo rosto de Jim que ele não

se lembrava disso. Nós dois inclinamos e cheiramos.

Cheirava a tinta.

Jim tentou a maçaneta. Ela clicou sob a pressão de seu

polegar. A porta se abriu lentamente, revelando uma grande

sala sombria, como se a casa tivesse bocejado e estávamos

olhando em linha reta em sua goela.

Ele disse que tinha deixado a porta trancada e eu sabia


Página 48

que ele tinha.

Jim passou pela porta e eu o segui.

O interior da casa cheirava mal: quente e afiada com uma

imensidão de poeira, como um pedaço de ferro enferrujado

deixado para assar ao sol. Através dela flutuava o cheiro de

café queimado e um ligeiro aroma de sangue temperado com

uma pitada de decomposição. O sangue era velho, pelo menos

doze horas, provavelmente mais.


Ilona Andrews
Conto 04.5

A frente da sala estava vazia. À frente, um grande balcão

cortava a sala quase na metade. À direita, um pequeno fogão

sustentava uma chaleira e uma cafeteira. A escuridão

acumulava-se nos cantos, e se eu olhasse para a direita podia

ver os tentáculos fracos de magia serpenteando o seu caminho

dentro e fora das paredes.

Jim inclinou o rosto em um grunhido silencioso, foi até

o balcão e saltou sobre ele, pousando com graça fácil. Ele fez

isso em absoluto silêncio.


Página 49

Uau.

Eu teria dado qualquer coisa para ser parecida com ele,

ser esguia e elegante, como um fantasma flexível. Mas não,

mesmo na minha forma animal, eu era desajeitada. A

mudança me confundia e levava cerca de dois minutos para

descobrir onde eu estava ou por quê. Jim levava cerca de dois

segundos para matar alguma coisa. Se nós dois mudássemos

no meio de uma sala cheia de ninjas, quando enfim eu pudesse


Ilona Andrews
Conto 04.5

ver direito, eles estariam todos mortos e Jim estaria limpando

o sangue de suas mãos.

Toda a minha vida me disseram que eu era especial, a

Mística Tigresa Branca. Guardiã do Oeste, Rainha dos

animais, Senhora das Montanhas, a Assassina de Demônios.

Majestosa e feroz no campo de batalha. A ironia era tão

espessa que dava para nadar nela.

Jim apontou para o chão. Olhei para baixo. Cortes


Página 50

marcavam a madeira, cavando profundamente nas tábuas.

Algo tinha arranhado o chão, algo grande e poderoso. Aqui e

ali pequenas seções de linhas marcadas de preto espiavam

debaixo dos arranhões, mas nenhuma força na terra podia

decifrar o que tinha sido escrito lá.

Olhei para Jim e balancei a cabeça. Ele pulou e eu o

segui mais profundamente para dentro de casa. Passamos por

uma pequena sala de arquivos à direita, separado do balcão


Ilona Andrews
Conto 04.5

por uma divisória. Se as pessoas morreram aqui, algo deve ter

levado seus corpos.

A porta de entrada para as escadas esperava, um

retângulo mais escuro na parede escura. Dei um passo para a

frente. Magia tomou conta de mim, magia ruim, terrível, com

cheiro de morte e sangue e cadáveres, como se alguém tivesse

pegado um pedaço de gelo e o tivesse arrastado da base do

meu pescoço até o final da minha espinha.O papel no meu

peito estremeceu. Eu congelei, tentando pegar cada pequeno


Página 51

ruído, cada sinal de movimento.

Jim estava olhando em mim.

— Ruim, —Mexi a boca, deixando que ele lesse meus

lábios. — Magia ruim. —Acima de nós o teto rangeu.

Olhamos para ele.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Outro rangido. Algo pesado se moveu pelo chão sobre

nossas cabeças. Jim passou na minha frente e nós subimos os

degraus de madeira para o andar de cima.

A ESCADA ERA ESTREITA e as costas musculosas de Jim


Página 52

tomavam a maior parte dela. Dei a ele algum espaço para

atacar se precisasse nos defender de algo desagradável.

Magia saturava a escada. Pingava do trilho em gotas

longas e viscosas, escorria os degraus, fervia em longos rolos

ao longo da parede, tão espessos e potentes que eu desejava ter

trazido uma capa de chuva. Parecia impossível Jim não

conseguir ver, mas eu sabia que ele não podia.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Nós chegamos ao patamar. Um corredor corria

perpendicular à escada, e do outro lado, uma porta estava

iluminada por um brilho amarelo pálido. Senti o cheiro de

querosene.

Jim parou por um longo segundo no patamar do andar

de cima e seguiu pelo corredor até a sala. Eu fui atrás dele.

Uma lâmpada solitária acesa no chão, na parede oposta,

iluminando uma mulher nua que estava sentada de pernas


Página 53

cruzadas sobre as tábuas sujas. Seu cabelo mel escuro pendia

em fios irregulares pelas costas. Eu inalei, provando seu

perfume. Michelle. Mas o perfume não era o mesmo aroma

vivo, quente e vibrante de antes. Este era um odor frio, atado

com vestígios de odores tóxicos: fezes, um toque de urina e uma

pátina revoltante de putrescência, como um caldo de carne

deixado ao lado de fora por muito tempo. Aminoácidos

degradantes. Eu cheirei este coquetel nauseante antes:


Ilona Andrews
Conto 04.5

cadaverina8, putrescina9, e uma boa dose de indol10. Meus

olhos me disseram que Michelle estava viva e sentada em

frente de mim. Meu nariz me disse que ela estava morta e

estava assim há pelo menos dois dias. Eu confiava em meu

nariz. Nunca mentia.

Jim puxou uma faca da bainha. Era sua gigante faca GI

Joe11, cinza escuro com uma ponta curvada perversa e uma

borda serrilhada perto do punho.


Página 54

Michelle virou e olhou para nós. Seus olhos estavam

vazios. Olhos mortos, como dois buracos escuros em sua

cabeça.

8
A cadaverina é uma amina é uma molécula produzida pela hidrólise proteica durante a putrefação de tecidos
orgânicos de corpos em decomposição. A cadaverina é um dos principais elementos responsáveis pelo odor
nauseabundo dos cadáveres.
9
A Putrescina é uma molécula orgânica que se forma na carne podre e a esta dá um odor característico. Está
relacionada com a cadaverina. Ambas se formam pela decomposição dos aminoácidos em organismos vivos e mortos.
10
Indol é um composto orgânico aromático.

11
G.I. Joe é uma franquia de action figures americana produzida pela empresa de
brinquedos Hasbro. No Brasil, primeiro sob o nome Falcon e depois Comandos em Ação, foi fabricada pela Estrela. A
Dali brinca com o modelo militar da faca de Jim, porque lembra as facas de brinquedo desses bonequinhos.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Eu gostava dela.

Atrás de Michelle, outro corpo jazia no canto do seu

lado, longos cabelos escuros se espalhavam no chão imundo

como um véu negro. Roger, um metamorfo lince. Morto

também.

O braço esquerdo de Michelle empurrou para cima e

para a frente, descansando no chão. Sua direita se

movimentou, como se ela fosse uma marionete em uma corda.


Página 55

— O que você quer? —A voz de Jim era um rosnado

baixo. É por isso que Jim estava no comando. Eu não tive que

explicar que algo estava controlando os mortos. Ele descobriu

tudo por conta própria e não perdeu tempo se chocando com

isso.

O corpo de Michelle virou, lançando-a em um

agachamento.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Muitas coisas controlavam os mortos. Eu tinha que

descobrir quem estava puxando as cordas antes que pudesse

tentar uma maldição.

Pense, Dali, pense.

— Qualquer conselho? —Jim perguntou, sua voz casual.

— Mantê-la ocupada, para que eu possa descobrir mais

sobre isso

A boca de Michelle estava aberta, mostrando os dentes


Página 56

escuros e desagradáveis. — E tente não ser mordido.

Michelle lançou-se de seu agachamento, mãos

estendidas, dedos como garras. Jim investiu contra ela. Ele

agarrou seu braço, a faca cortando em um arco furioso e Jim

arremessou Michelle do outro lado da sala na parede. Eu

apertei o meu pincel de caligrafia. Essa coisa poderia ter

enviado Michelle para nós no momento em que entramos pela


Ilona Andrews
Conto 04.5

porta. Mas não, alguém nos provocou da janela com a luz. Ele

fez o teto acima de nós ranger de propósito.

Michelle se recuperou do impacto na parede, lançando-

se no ar, chutando Jim. Ele evitou, mas ela foi rápida. Suas

unhas arranharam seu peito com força sobrenatural, rasgando

roupas. O sangue inchou pelas fendas. Jim agarrou seu braço

e torceu, sua faca penetrando profundamente no ombro de

Michelle. Alguma coisa rangeu e o braço de Michelle saiu na

mão de Jim, ele tinha arancado a articulação. Como cortar


Página 57

uma asa de um frango.

Michelle girou. Nenhum sangue derramado a partir do

corte. Ela mostrou os dentes e se lançou para Jim novamente,

agarrando-o com a braço restante. Michelle era um chacal.

Eles não tinham garras, eles mordiam.

Ele teria que picá-la em pedacinhos antes que ela

parasse.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Algo riu no canto, onde a magia se escondia em um

arbusto escuro. Ele estava rindo de nós. Jogando um jogo

cruel.

Michelle arranhou Jim. Assim como um gato.

Comecei a desenhar o meu kanji12. — Acabe com ela

agora, por favor.

Jim empurrou Michelle para baixo. Ele cortou em um

golpe cruel e sua cabeça caiu no chão.


Página 58

Uma forma escura apareceu da magia atada em um

piscar de olhos e saltou sobre o cadáver de Roger. Eu

arremessei minha maldição para ele. O papel branco rígido

bateu entre os olhos. Magia pulsava e vi olhos de gato

12
Os kanji são caracteres da língua japonesa adquiridos a partir de caracteres chineses,
da época da Dinastia Han, que se utilizam para escrever japonês junto com os caracteres silabários japoneses
katakana e hiragana.


Ilona Andrews
Conto 04.5

amarelos brilhantes como duas luas para mim de um rosto

redondo e e peludo.

Roger atacou Jim.

A besta-gato saltou em um borrão, diretamente para

mim. O corpo enorme me derrubou. Voei e a parte de trás da

minha cabeça bateu nas tábuas.

O gato me segurou, o seu peso esmagando meu peito.

Uma boca escura e felina se abriu para mim, exalando uma


Página 59

respiração fétida no meu rosto. A dor perfurou meus ombros

como agulhas em brasa. Tentei rosnar, mas eu não tinha ar e

apenas um pequeno esguicho saiu.

A boca negra mordeu. O kanji no pedaço de papel

branco queimou com verde. O papel explodiu em uma dúzia

de tiras. Eles atiraram para fora, empurrando o gato de cima

de mim.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Pisquei, tentando sugar a respiração. Jim inclinou-se e

estendeu a mão para mim. Agarrei e ele me puxou para cima.

O cadáver de Roger, quebrado e torcido, caído no chão.

Acima dele, um corpo longo felino pendurado cerca de meio

metro fora do chão, envolto em longas tiras de papel. Tinha

um metro e oitenta de comprimento e desgrenhado com pele

cor de laranja e branco, um gato doméstico que de alguma

forma tinha crescido a um tamanho de leopardo. As tiras

aderindo às paredes e teto, segurando o gato como um


Página 60

invólucro de uma múmia.

A besta não estava se movendo. Duas tiras de papel

pegaram sua garganta em uma corda improvisada. Sua cabeça

pendia mole, de boca aberta, uma longa língua de fora do

canto de sua boca. Os olhos amarelos, uma vez brilhando com

sede de sangue, estavam opacos agora.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Engoli. Minha boca com gosto amargo. A besta-gato

estava morta. Minhas mãos tremiam de adrenalina. Eu tinha

estragado tudo.

— QUE DIABOS É ISSO? —Jim perguntou. Sua voz era


Página 61

calma. Suas mãos não tremiam. Frio como o gelo.

Por que eu não poderia ser um pouco parecida?

Respirei, tentando esconder o tremor. — Duas caudas

ou uma? —Jim deu um passo para o gato e levantou duas

caudas peludas longas.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— É um nekomata13, —eu disse. — Um yokai.

Jim me deu um olhar vazio.

— Os yokai são demônios japoneses. —Esfreguei meu

rosto. — As lendas dizem que, se a cauda de um gato não for

cortada e algumas outras condições forem satisfeitas, ele terá

a chance de se tornar um bakeneko, um gato fantasma

demoníaco. Os gatos Bakeneko crescem até um tamanho

enorme e adquirem poderes sobrenaturais. Às vezes, seu rabo


Página 62

se bifurca e eles se tornam nekomata, gatos monstros

demoníacos. Eles têm o poder de controlar os mortos, assumir

a forma humana e podem fazer algumas coisas desagradáveis.

— Será que eles têm o poder de colocar as pessoas para

dormir?

13
Gato monstro – é, no Folclore Japonês, um gato com habilidades sobrenaturais.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Eu sabia que ele chegaria a isso mais cedo ou mais tarde.

— Não. É possível que a mulher que você viu fosse um

nekomata disfarçada, mas não é provável. Ela teve você e ela

deixou você ir. O nekomata é um gato, Jim. É cruel e mau e

ele gosta de jogar jogos, mas você sabe muito bem que um gato

não desiste de sua presa. Isto, —Eu acenei os braços ao redor,

— é complexo. Muito complexo para um gato demônio. Eles

na maioria das vezes atiram fogo, roubam cadáveres e andam

por aí com roupas humanas, fingindo ser sua vó idosa para


Página 63

que eles possam ganhar comida grátis. Há magia aqui, magia

muito ruim. Isso meio que me assusta. O nekomata está

morto, mas a magia ainda está aqui. Alguma coisa está

acontecendo. Isso ainda não acabou.

Jim tentou cortar uma das tiras de papel com a faca. A

tira não cortou. — E isso?

— Esta é a maldição de vinte e sete pergaminhos de

ligação.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Jim golpeou a tira de papel. O papel não cortou. Jim fez

uma careta. — Como no inferno ...

Kate, uma das minhas amigas, sempre disse que a

melhor defesa é um bom ataque. — Antes que você diga

qualquer coisa, sim, eu sei que a maldição não funcionou

como esperado e eu sei que teria sido melhor ter o nekomata

contido para que pudéssemos questioná-lo, e eu estava

tentando fazer isso, mas não é como se fosse uma ciência

exata, e como eu ia saber que os pergaminhos de ligação iriam


Página 64

sufocar o demônio estúpido até a morte? Então você não tem

que me dizer, Eu sei! Você tenta adivinhar a identidade de alguma

criatura estranha e escrever uma maldição enquanto ele está tentando

arrancar seu nariz ...

Eu já não estava fazendo sentido algum. Eu era uma

mulher excepcionalmente inteligente. Por que Jim sempre me

reduzia a algum tipo de mulher idiota?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Eu ia dizer, como diabos você fez isso, —disse Jim.

— Você fez papel com a resistência à tração do aço a partir do

nada. A física disso faz meu cérebro doer.

— Oooh.

— E eu teria dito isso e algumas outras coisas legais,

exceto que você pulou na minha cara e começou a balbuciar e

agitar seus pequenos punhos ao redor.

— Pequenos punhos?
Página 65

— Essa é a raiz de seu problema, exatamente essa. Você

sempre apressa as coisas à procura de uma luta. Você é como

um daqueles policiais de magia da tropa de choque: chegue no

local, mate tudo e em seguida, classifique os corpos em duas

pilhas: criminosos e civis

Meu rosto ficou quente. Meu corpo estava bombeando

todos os tipos de hormônios irritados e perturbados. Ele estava


Ilona Andrews
Conto 04.5

me mastigando como se eu fosse uma criança. Eu estava tão

perto de ficar peluda, exceto que isso não me faria bem.

— Se você pegar um décimo de segundo para verificar

que não há necessidade de atacar porque aquilo que você quer

lutar não existe, te salvaria do sofrimento.

Ele não entendia e nunca conseguiria. — Você

terminou?

— Sim.
Página 66

— Bom. —Eu me afastei dele e me agachei perto do

corpo de Roger. A cabeça de Roger estava pendurada em um

ângulo esquisito e os dois braços dobrados em lugares onde

não existiam articulações. Jim o quebrou como um galho.

— O que é isso?

Você é tão especial, por que você não me diz, Senhor Sempre

‘Olhe Antes de Pular’. Eu arrastei meu dedo contra a pele de


Ilona Andrews
Conto 04.5

Roger. Ele saiu com um resíduo de pó cinza. Eu mostrei o

dedo para Jim. — Tenho certeza de cadáveres normais não

fazem isso.

— Percebi isso, —disse Jim. — Michelle estava

escorregadia, também.

Eu me levantei. — Precisamos revistar a casa.

Nós vasculhamos a casa. Não encontramos nenhuma

sinal dos dois outros metamorfos: nem Mina nem August


Página 67

estavam na casa há pelo menos trinta e seis horas. Seus aromas

eram velhos. Eu roubei o caderno de relatórios do escritório

da frente e nós escapamos.

Fora, o ar frio da noite varreu minha pele, lavando a

magia desagradável. Fui direto para Pooki e abri o caderno no

capô. Quatro tipos diferentes de caligrafia preencheram as

páginas. A última entrada tinha três dias. Voltei um mês e

examinei as entradas.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Você está realmente lendo isso ou simplesmente

virando as páginas?

— Jim? Silêncio. Preciso me concentrar. —Mudanças de

turno, notas de metamorfos apanhados na cidade por uma

razão ou outra, rotina, rotina, rotina ... As anotações de Mina

identificaram diferentes tipos de chá de ervas que ela bebeu

durante seu turno. Roger documentou as rotas de patrulha de

três vizinhanças de gatos, completos com batalhas por

território e lugares onde eles escolheram para marcá-lo.


Página 68

Continuei virando as páginas e finalmente encontrei.

Quase não tinha percebido isso. Na quinta-feira anterior,

August não entrou para fazer a mudança de turno. O diário

mostrava-o assinando quatorze horas depois. Seus Ps, Gs e Ys

mostravam traços verticais mais longos que o normal. Corri

meus dedos do outro lado da página e senti os contornos das

letras. August pressionara muito no papel. Ele estava animado

quando ele entrou, confiante, irritado, talvez determinado.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Sua razão para o atraso em não aparecer, dizia ‘dormiu

demais’, o que não fazia sentido, considerando a quantidade

de pressão que ele colocou na página. Havia algo de sombrio

no modo como ele escreveu, como se tivesse gravando cada

letra no papel.

Bati a página, pensando. A nekomata era um monstro

japonês. August era metade japonês, metade americano.

Porém culturalmente totalmente americano. Ele não sabia ler

kanji e seu japonês era terrível. Atlanta tinha uma grande


Página 69

população japonesa, com a sua própria escola e lojas, um lugar

onde os costumes americanos não se aplicavam. August

visitava sua família lá, mas ele nunca chegou a ter mentalidade

separatista Nós e Eles, e sendo um shifter, ele era desprezado.

Alguns meses atrás, ele me disse que um de seus primos era

gay. August tinha ido buscar o garoto de treze anos na escola

japonesa para levá-lo a uma reunião de família e ele viu o

menino sentado no colo de seu amigo depois do recreio. Eu


Ilona Andrews
Conto 04.5

tive que explicar que o comportamento do garoto era uma

coisa cultural que não indicava nada sobre a sexualidade de

seu primo, mas ele, simplesmente do ponto de vista do cara

americano, não compreendeu. Ele não acreditou

completamente em mim também e me disse que se alguém

maltratasse seu primo, ele quebraria as pernas dessa pessoa.

A magia tendia a manter a nacionalidade e a região. As

pessoas geravam magia e suas superstições e crenças a

canalizavam. Se pessoas suficientes acreditassem que uma


Página 70

certa criatura existisse e, pior, tomasse precauções contra ela,

eventualmente a magia a originava. Se você tivesse uma área

densamente povoada por irlandeses, você teria banshees14. Se

você tivesse colonos vietnamitas, mais cedo ou mais tarde Ma

14
Banshee é um ente fantástico da mitologia celta.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Doi15, os espíritos famintos estariam assombrando as ruas. E

se você tivesse uma comunidade japonesa, você receberia

Yokais16, criaturas demoníacas.

O resíduo em pó na pele de Roger me incomodava. Ou

a camada superior de sua pele tinha virado pó, ou ele tinha

sido literalmente pulverizado com algo. Nenhuma criatura

que eu me lembrasse poderia fazer isso com um corpo.

Das quatro pessoas no escritório, August seria o mais


Página 71

provável a entrar em contato com uma lenda japonesa.

Teríamos que refazer seus passos.

Folheei as páginas. As entradas estavam ficando mais

curtas, mais erráticas. No sábado alguns deles pareciam

inacabados, como se o escritor simplesmente tivesse parado

15
Fantasmas comedores de almas.

16


Ilona Andrews
Conto 04.5

no meio de uma frase. Domingo não teve entradas. Devia ter

havida alguma. Na segunda-feira, uma única entrada escrita

com a letra leve de Michelle:

‘Não consigo ficar acordada. Socorro. M.’

Merda. Oh merda, oh merda, oh merda.

— Nós precisamos ir a casa de August. Precisamos

descobrir por que ele estava fora na quinta-feira. —Olhei para


Página 72

cima. Jim estava dormindo encostado no carro.

— Jim!

Sem resposta. Agarrei-o e sacudi seu ombro. — Acorde!

Acorde! —Ele escorregou para o chão, ainda dormindo. Eu

dei um tapa no seu rosto. Ele não se moveu. Puxei a porta de

Pooki, abri o porta-malas, tirei o galão extra de água

encantada e despejei-o no rosto.


Ilona Andrews
Conto 04.5

A água foi derramada. Vamos lá, vamos lá ... Jim tossiu e

se sacudiu.

Larguei o galão e agarrei seus ombros. — Acorde! —

Olhos escuros me olharam. — Estou acordado.

— Não adormeça! Não adormeça, ouviu? —Ele rosnou

e se afastou do chão. — Estou bem.

Não, ele não estava bem. Nós estávamos em apuros.

Nós estávamos realmente em apuros. Andei para trás e para


Página 73

frente. Meu coração estava batendo tão rápido que eu o sentia

prestes a explodir. Algo estava errado com o meu Jim e se eu

não corrigi-lo agora, ele iria acabar como Roger, um cadáver

seco cheio de magia desagradável.

— Calma, —disse Jim.

— Estou calma! Entre no carro. —Emergências pedem

medidas desesperadas.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Ele entrou. Eu me joguei no banco do motorista e cantei

o feitiço para o motor ganhar vida, observando-o como um

falcão. Ele ficou acordado. Larguei o freio de mão e tirei-o do

estacionamento. — Abaixe a janela, —eu gritei sobre o rugido

do motor. — Você precisa de vento em seu rosto.

— Onde estamos indo? —Ele rugiu de volta.

— Ver minha mãe!


Página 74

MINHA MÃE MORAVA em um pequeno aglomerado de

prédios de apartamentos em Riverdale. Demorei mais de uma

hora para chegar lá pela cidade em ruínas e o tempo todo

observei Jim com o canto do olho. Dei um soco no braço dele


Ilona Andrews
Conto 04.5

algumas vezes para ter certeza de que ficasse acordado.

Depois de oito vezes ele me disse para parar.

Eu manobrei na pequena estrada e entrei na estrutura

formada pelas moradias de dois andares e estacionei em frente

à casa da minha mãe. A luz azul pálida de sua lanterna se

filtrava pela janela. Eu saí. Jim já esperava fora, examinando

as casas.

— Por que esses três edifícios estão voltados para a


Página 75

esquerda?

— Porque esta é uma comunidade indonésia,

principalmente pessoas idosas que praticam magia. Eles são

mais supersticiosos do que o habitual. É má sorte construir

uma casa virada para o norte. Algumas pessoas acreditam que

isso as tornarão pobres. A subdivisão da rua já estava feita

quando as pessoas se mudaram, então essas três famílias

escolheram construir suas casas voltadas para o leste.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Aaaa.

— É má sorte construir uma casa de frente para um

campo, é má sorte ter a cozinha virada para a porta da frente

e é má sorte construir uma cerca de mais de um e oitenta

metros. É assim que as coisas são, Jim. Apenas aceite sem

questionar.

— Sua cerca é mais alta que um metro e oitenta.

Eu virei para ele enquanto caminhava. — Eu não disse


Página 76

que elas eram minhas superstições. Mas elas são importantes

para a minha mãe.

Nós fomos para a porta. Os aromas familiares me

invadiram: arroz, cebola, pimenta, cominho, coentro. Mamãe


Ilona Andrews
Conto 04.5

estava cozinhando nasi goreng17, arroz frito. Estava em casa.

Socorro.

Jim cheirou o ar. — Já passou da uma. Sua mãe costuma

cozinhar depois da meia-noite?

— Não, é especial para mim. Ela nos sentiu chegando.

Levantei a mão para bater na porta. Antes que meus

dedos tocassem a madeira, ela se abriu e minha mãe me

apertou em um abraço. Olhando para ela, você poderia dizer


Página 77

exatamente como eu ficaria daqui a trinta anos: pequena,

magra, morena e rápida.

— Por que você está tão suja? —Minha mãe puxou uma

teia de aranha do meu cabelo. — O que aconteceu? Entre.

Quem é esse homem?

17
Nasi goreng, que significa «arroz frito» é por vezes considerado o prato nacional da Indonésia,
embora haja versões semelhantes em vários países da Ásia, que se tornaram populares também no Ocidente.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Aqui vamos nós. Respirei fundo e entrei. — Este é Jim. —

Jim entrou.

Minha mãe fechou a porta e olhou para ele. — Ele é

escuro. Muito, muito escuro.

Jim sorriu, mostrando uma margem pequena de seus

dentes. Eu senti vontade de me bater. — Mãe!

— O que você faz da vida? —Ela se inclinou para Jim.

Seu sotaque estava ficando mais forte. — Você tem dinheiro?


Página 78

— Ele é o meu alfa. É responsável por todo o clã Felino.

Muito importante.

Os olhos de minha mãe acenderam. Ah não.

Ela se inclinou e deu um tapinha na mão de Jim. — Isto

é muito legal. Minha filha é muito inteligente. Sempre

respeitosa e bem comportada. Nunca dá problemas e ela faz o

que lhe mandam.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Não sei disso, —Jim murmurou.

— Não gasta muito dinheiro. Dois doutorados. Tem um

pouco de problema com a sua visão, mas esse é o lado da

família dela. Magia muito rara, uma Tigresa Branca. Uma em

cada sete gerações. Muito especial. Ela pode curar o mau

olhado com um toque. E se você tivesse sua casa amaldiçoada,

ela poderia purificá-la para você. Todo mundo respeita minha

filha. Todo nosso povo a conhece.


Página 79

Jim acenou para ela com um olhar solene. Meu

estômago embrulhou. Eu senti vontade de vomitar. — Mãe ...

—Ela acenou para Jim, como se partilhando de um terrível

segredo. — E ela é um boa cozinheira, também.

Jim inclinou-se um pouco em direção a ela, com o rosto

muito sério. — Tenho certeza que ela é.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Minha mãe sorriu, como se ele tivesse lhe dado um

diamante. — Melhor partido. De todas as meninas, a minha é

a melhor escolha.

Aaaaa! — Mãe! Há algo de errado com ele. Ele está

magicamente doente.

Minha mãe levantou-se na ponta dos pés e olhou para os

olhos de Jim. Por um longo momento eles estavam olho no

olho, minha mãe baixinha e Jim alto e musculoso e, em


Página 80

seguida, ela mudou para indonésio.

— Desista dele.

— Não. —Eu balancei minha cabeça.

— Ele é forte. Muito bom de corpo. Mas você deve encontrar

outro.

— Não quero outro! Eu quero ele.

— Ele está morrendo.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Tenho que salvá-lo. Por favor me ajude. Por favor.

Minha mãe mordeu o lábio e apontou para a cadeira. —

Sente-se.

Jim sentou-se. Ela se inclinou e puxou seu olho direito

aberto com os dedos, examinando a íris.

— Algo está comendo a sua alma. —Minha mãe falou

— Eu percebi isso. Mas eu não posso ver o que é.


Página 81

Mãe suspirou. — Eu não posso vê-lo também. Até que nós

possamos vê-lo, não podemos fazer nada sobre isso. Precisamos de

Keong Emas.

O Caracol de Ouro. Meu coração caiu. Minhas pernas

cederam e eu caí no sofá. O único lugar onde poderíamos

conseguir um caracol de ouro seria no Subterrâneo de Atlanta.

Costumava ser uma zona comercial em Five Points, onde todos

os grandes edifícios ficavam antes da Mudança. O


Ilona Andrews
Conto 04.5

Subterrâneo começou como um grande depósito de trem em

meados do século XIX, com lojas, bancos e até mesmo salões,

mas, eventualmente, a cidade teve que construir viadutos

sobre os trilhos da estrada de ferro para o tráfego de carros. Os

viadutos corriam juntos até que uma boa parte dos trilhos de

trem, lojas e o depósito estavam no subsolo. Antes da

mudança, costumava ser cheio de pequenos bares e lojas. Uma

vez que a magia chegou, os donos das lojas fugiram e o

mercado negro se instalou. Os comerciantes patrocinados pela


Página 82

máfia tinham cavado túneis profundos, correndo de suas lojas

até os arruinados Five Points e Unicorn Lane, onde a magia

corria solta e policiais não iriam segui-los. Agora o

Subterrâneo era um lugar onde você poderia comprar

qualquer coisa se estivesse desesperado o suficiente.

— Existe alguma outra maneira?

Minha mãe balançou a cabeça. — Nem sequer pense nisso.

Você não pode ir para o Subterrâneo.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Exalei, piscando. — Nós não temos outra escolha.

Minha mãe fez um pequeno movimento de corte com a

mão. — Não!

— Sim. Precisamos comprar o caracol.

Minha mãe elevou-se à sua altura máxima. Levantei-me

e fiz o mesmo.

— Não, e ponto final.


Página 83

— Você não pode me impedir de fazê-lo.

— Eu sou sua mãe!

Jim abriu a boca. — Mengapa18?

Oh meus deuses.

Ele falou indonésio.

18
Significa “Por que?” em indonésio


Ilona Andrews
Conto 04.5

Os olhos da minha mãe se arregalaram e por um

segundo ela parecia um gato furioso. — Ele fala indonésio!

— Eu sei!

— Por que você não me disse que ele fala indonésio? Isso

é uma coisa que eu precisava saber!

Eu acenei meus braços. — Eu não sabia!

— O que quer dizer, ‘você não sabia’? Você acabou de

dizer que sabia.


Página 84

— Eu queria dizer que eu não sabia que ele falava e

depois ele falou, eu disse 'Eu sei!' porque estava surpresa.

— Senhoras! —Jim gritou, levantando-se. Nós duas

olhamos para ele.

— Vocês estão falando muito rápido, eu não estou

conseguindo entender agora, —disse ele. — Por que Dali

precisa ir ao Subterrâneo?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Você explica isso para ele, —disse minha mãe. — Vou

fazer chá. —Ela foi para a cozinha.

Eu apontei para a cadeira. — Sente-se.

Ele sentou-se e baixou a voz. — O que aconteceu com o

sotaque de sua mãe?

— Vamos esclarecer logo as coisas agora, —eu sussurrei

para ele. — Seu pequeno ato Senhora Asiática é apenas para se

mostrar. Ela tem um mestrado em química de Princeton.


Página 85

Jim piscou.

— Bem, de onde é que você acha que eu puxei meu

cérebro?

Jim sacudiu a cabeça. — Explique a coisa do

Subterrâneo.

Suspirei. — Quanto você entendeu? E desde quando

você fala indonésio?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Eu tenho a ideia de que algo está seriamente fodido e

quanto ao idonésio parecia ser uma linguagem interessante.

— Linguagem interessante? Mesmo? Então, você

acordou um dia e disse: ‘Hmm, acho que vou aprender indonésio

hoje?’

Ele estava tramando algo.

Um brilho verde rolou nos olhos de Jim. — Dali, o

Subterrâneo?
Página 86

Não havia nenhuma maneira fácil de dizer isso. — Algo

está alimentando-se de sua alma.

— Explique.

Eu me inclinei mais perto. — Todas as pessoas geram

magia. Alguns podem usá-lo, outros não, alguns geram mais

do que outros, mas todos nós somos motores mágicos:

absorvemos o ambiente e o emitimos de volta. É por isso que


Ilona Andrews
Conto 04.5

podemos mudar durante a tecnologia: armazenamos magia

suficiente em nossos corpos para nos permitir mudar de

forma.Vamos pegar Kate como exemplo.

A voz de Jim traiu um aviso silencioso. — Por que Kate?

Kate costumava trabalhar com Jim na Associação de

Mercenários. Kate é linda, engraçada e podia matar qualquer

coisa. Eu a odiava. Ela podia dizer qualquer coisa para Jim e

ele apenas estava lá para ela. Eu estava com tanta inveja dela
Página 87

que costumava me afastar quando ela estava por perto, até que

percebi que Kate era apaixonada por Curran. Ela agora estava

acasalada com ele, e desde que ele era o Senhor das Feras, isso

a fazia ser a Senhora das Feras e não estava interessada em

Jim. Kate e Curran tiveram um tempo seriamente difícil com

uma antiga deusa que explodiu a cidade e agora Kate andava

com uma bengala e Curran estava a apenas três semanas fora

do coma.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Já notou que quando Kate fica estressada os telefones

param de funcionar?

— Os telefones não são confiáveis como regra geral, —

disse Jim.

Eu balancei minha cabeça. — Não, é Kate. Ela gera

tanta magia, que dá curto-circuito na tecnologia se não for

cuidadosa. Eu faço a mesma coisa, exceto que controlo

melhor a minha. Ela não pode disparar uma arma também.


Página 88

Eu a assistir treinar e a arma não funciona direito ou não

dispara de jeito nenhum. Ela não tem ideia disso. Observe-a

em algum momento: ela vai entrar, pegar o telefone, reclamar

e ir embora. Dez minutos depois, você pode pedir comida no

mesmo telefone. É muito engraçado.

— O que isso tem a ver com a minha alma sendo

drenada?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Você tem magia, Jim. Você absorve e consome

magia, emanando-a para o meio ambiente. Ao fazer isso, você

modifica o ambiente para ser mais adequado à sua existência.

É como o ciclo evolutivo: uma espécie é moldada pelo seu

ambiente, porque aqueles com as mutações mais adequadas ao

ambiente sobrevivem e se reproduzem, mas uma espécie

também modifica o seu ambiente para torná-lo mais adequado

para a sua sobrevivência.


Página 89

Jim suspirou. — Dê-me a versão curta.

— Algo está interferindo com a sua capacidade de

emanar magia. Você absorve e converte, mas então algo ou

alguém está sugando sua magia. É por isso que você se sente

cansado e sonolento.

— Então está se alimentando de mim?

Minha mãe entrou carregando uma bandeja com um

bule de chá e três xícaras. — Sim.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Jim franziu a testa. — Faz sentido. É por isso que não

me matou, quanto mais magia eu emano, mais ela se alimenta.

— Você percebe que vai morrer? —Minha mãe balançou

a cabeça.

— Sim, eu entendi a parte da morte.

— Você encontrou alguma espécie de zumbi em vez de

um homem. —Minha mãe apontou para Jim. — Olha, ele

nem está preocupado.


Página 90

Eu servi o chá. — Ele está preocupado, mãe. Ele

simplesmente não entra em pânico porque está no comando e

se ele entra em pânico, todo mundo vai entrar em pânico.

— Eu posso correr ao redor da sala fingindo gritar se

você quiser, —Jim ofereceu.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Minha mãe levantou uma sobrancelha. — Você está

trabalhando duro para cavar seu próprio túmulo, você pode

trabalhar até a morte. Acalme-se.

Jim recuou como se ela tivesse batido na mão dele com

uma régua.

— Nós temos que cortar a conexão entre você e quem

está fazendo isso, —eu disse antes de começarem a bater um

no outro. — Mas não podemos ver o que é isso. Para torná-lo


Página 91

visível, precisamos de Keong Emas. É um caracol mágico. Há

uma lenda na Indonésia que fala sobre uma linda princesa, que

foi amaldiçoada e se transformou em um caracol. A lenda é

figurativa e o caracol não se transforma em uma princesa real,

mas com a magia certa, revela coisas ocultas. A única maneira

de obter o caracol é comprá-lo no Subterrâneo. É raro e caro.

— O dinheiro não é um problema, —disse Jim.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Não é sobre o dinheiro, menino estúpido. —Mãe

colocou a xícara para baixo. — Ela não pode ir lá por causa

dos Yisheng.

Jim olhou para mim.

— Yisheng é a palavra chinesa para um curandeiro, —

eu disse. — Os traficantes no Subterrâneo chamam assim, mas

eles não são curandeiros. Eles são revendedores de órgãos de

animais. Você lembra-se daquele grande metamorfo em


Página 92

Asheville há três anos?

Jim franziu a testa. — Vagamente. Eu estava na Flórida,

lidando com um loup do Bando de Kaja. Lembro-me que era

um garoto de quinze anos de idade, Jarod, eu acho. Ele era

um urso preto. Ele disse que estava andando na floresta,

encontrou um grupo de caçadores, acenou para indicar que ele

era um metamorfo, e quando ele se virou, os caçadores

atiraram nas costas dele e ele teve que se defender. No

momento em que os guardas florestais apareceram Jarod tinha


Ilona Andrews
Conto 04.5

o atirador preso e todos os outros tinham fugido. O médico

tirou dezesseis balas da criança. O caçador alegou que ele foi

atacado sem provocação. Eles tiveram um tempo difícil para

provar a história de Jarod porque seus ferimentos haviam

fechado, então não havia nenhuma maneira de determinar

como ele tinha sido baleado. A promotoria argumentou que

Jarod era tão grande em sua forma animal que se ele estivesse

se afastando de um caçador, nenhum homem sensato teria

atirado nele, então os caçadores devem ter disparado em


Página 93

legítima defesa. Curran enviou toda a divisão legal para lá.

Claramente, Jim não sabia o que a palavra ‘vagamente’

significava.

— Meu tio Aditya testemunhou nesse julgamento, —eu

disse a ele. — Ele é um guarda florestal federal no Parque


Ilona Andrews
Conto 04.5

Nacional das Grandes Montanhas Fumegantes.19 O nome do

caçador era Williams. Chad Williams. Tio Aditya

testemunhou que Williams foi detido várias vezes por suspeita

de caça ilegal com intenção de venda de partes de animais. Ele

tinha amigos nos lugares certos e ele era liberado toda as vezes.

— As pessoas estúpidas acreditam que o urso cura tudo,

—acrescentou a mãe. — Diabetes, dor de estômago, coração

fraco, pênis flácido ...


Página 94

— Uma vesícula biliar de urso preto custa cerca de

quarenta e cinco mil dólares no mercado negro, —eu disse.

Jim repetiu: — Quarenta e cinco mil?

Eu assenti. — Quando sua família está doente ou seu

equipamento para de funcionar, as pessoas ficam

19
O Parque Nacional das Grandes Montanhas Fumegantes (em inglês, Great
Smoky Mountains National Park) é um parque dos Estados Unidos situado na região ocidental entre os estados do
Tennessee e Carolina do Norte.


Ilona Andrews
Conto 04.5

desesperadas. Pessoas brancas são especialmente ignorantes,

elas acham que a medicina mística ‘oriental’ irá curar todos os

seus males.

Eu reabasteci nossas xícaras. — Vesícula biliar de um

urso preto é caro. Vesícula biliar de um metamorfo urso vale

ainda mais. Williams disparou em Jarod de propósito. Ele

queria seus órgãos. Eles encontraram balas de prata

escondidos em seu acampamento.


Página 95

— Os caçadores acham que, se o urso morre de dor, sua

vesícula biliar ficará maior. —Minha mãe fez uma careta.

Os olhos de Jim brilharam verde. — Eles atiraram no

menino com balas comuns para torturá-lo antes que o

matassem.

— Sim. Uma vez que tudo isso veio a tona, todos se

envolveram. —Eu acenei meus braços. — Os marechais, o

FBI, a GBI. Williams ainda teve problemas com os correios


Ilona Andrews
Conto 04.5

porque o idiota utilizou o correio para enviar algumas partes

de animais até Atlanta. Ele foi pego.

— E a nossa família está na lista negra dos caçadores

ilegais para todo o sempre, —disse minha mãe. — É por isso

que Dali não pode entrar no Subterrâneo. Um urso preto é um

animal valioso, mas você sabe o que é mais valioso que um

urso?

Minha mãe levantou, foi até o armário e tirou um papel


Página 96

dobrado. Ah não. De novo não.

— Um tigre! —Minha mãe deu um tapa no papel na

frente de Jim. Nele, um tigre estilizado curvava suas costas em

uma aquarela berrante e brilhante. Setas apontavam para

diferentes partes do corpo do tigre, cada uma marcada com

uma etiqueta: cérebro para curar preguiça e acne, sangue para

curar constituição fraca e ganhar poder, dentes para problemas


Ilona Andrews
Conto 04.5

respiratórios e doenças venéreas, bigodes para ajudar com a dor

de dente ...

Jim olhou para ela. Seus olhos ficaram completamente

verdes, brilhando com violência mal contida. — Eles vão

matá-la, —ele rosnou.

— Se ela tiver sorte, eles vão matá-la. —Mãe cruzou os

braços.

Jim olhou para ela.


Página 97

— Tigre branco, magia poderosa. Ela cura muito rápido.

Eles vão colocá-la em uma gaiola e colher suas partes aos

poucos. Ela vai ser a sua fábrica de órgãos. Temos ouvido falar

de tais coisas acontecendo. Ela não pode ir.

O rosto de Jim era terrível. Quando Curran estava com

raiva, ele rugia. Jim não rugia. Jim fazia isso ... essa coisa com

cara de pedra horrível, onde a única indicação de vida em seu

rosto eram os olhos. Eles eram duros e furiosos e gelados. Ele


Ilona Andrews
Conto 04.5

me assustava quando ele parecia assim. Minha garganta se

fechou e eu só queria sentar no canto e me encolher.

Hoje eu não tinha esse luxo. A ansiedade estava sentada

no meu peito. Engoli. Vamos, garota cega. Você consegue. —

Precisamos do caracol, Mãe. Ele vai morrer sem ele.

— Tem que ter uma outra maneira , —disse Jim.

Eu balancei minha cabeça.

— Então vou buscá-lo eu mesmo, —disse Jim.


Página 98

— Ram! Keong Emas não é um urso preto. É muito raro.

Eles não vão vender para você, —disse a mãe.

Eu conhecia os olhos de Jim. — Eu sei o que você está

pensando. Você não pode aparecer lá com uma comitiva de

metamorfos e forçá-los a vender o caracol. Você não pode

comprar o caracol sozinho, porque eles não vão vender para

você.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Jim abriu a boca.

— Não, você não pode conseguir um metamorfo

diferente para ir buscá-lo, porque o caracol parece comum, até

que alguém com magia suficiente o toque, e eu sou a única

que consigo pensar que tem esse tipo de magia, além de Kate

e Kate está mancando por aí com uma bengala no momento,

então ela não pode ir também. E não, você não tem escolha,

Jim, porque não há outro jeito.


Página 99

Os olhos de Jim acenderam.

— Isso não vai funcionar também. Mesmo se você me

colocar sob guarda, eu ainda sairei, —eu disse a ele. — Não

importa quantas pessoas você me atribua, eu vou usar

maldições se for preciso. Não vou sentar aqui e ver você

morrer.

Ele rosnou.

Eu mostrei a ele meus dentes.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Um jornal enrolado pousou na minha cabeça e, em

seguida, em Jim. — Nada disso na minha casa! —Oh meus

deuses. O alfa do Clã Felino acabou de apanhar com um jornal

enrolado.

— Mamãe! —Ela apontou para mim com o jornal. —

Não me envergonhe.

Eu apertei minha boca fechada. Quando ela tirava o

cartão de vergonha estava tudo acabado.


Página 100

Minha mãe olhou para Jim. — Você vai com ela

amanhã, quando o mercado abrir. Você vai trazer minha filha

de volta para mim, ilesa, você me ouve? E é melhor valer a

pena.

Jim segurou seu olhar.

Se ele atacasse a minha mãe eu atacaria de volta. Jim

abriu a boca.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Eu fiquei tensa até doer. — Sim, senhora.

Oh ufa. Bala desviada. Não que eu pensei que ele iria realmente

atacar a minha mãe, mas você nunca sabe.

— Leve-o para fora, para a árvore, —disse minha mãe.

— E mantenha-o acordado até de manhã. Ele adormece, ele

morre.
Página 101

A ÁRVORE CRESCIA NO PÁTIO interno formado pelos

fundos de duas casas de um lado e um muro de pedra

resistente do outro. Uma longa lagoa sinuosa tomava metade

do quintal. Flores de lótus cor de rosa e lírios amarelos se

projetavam da água escura, ladeada pelas folhas redondas. No


Ilona Andrews
Conto 04.5

meio da lagoa, erguia-se uma estátua de nLakshmi20, cercada

por violetas pequeninas em vasos de vidros laranja e ligada à

margem por pedras esculpidas escuras. Os filodendros21

margeavam a lagoa, lutando por espaço com bambu e

samambaias. Plantas pássaro-paraíso do ouro22 floresciam aqui

e ali. À esquerda, uma árvore Bunut se erguia com um

pequeno banco de teca ao lado. Um balde e uma concha

esperavam junto ao baú.


Página 102

20
Lakshmi, Laxmi ou Lacximi[1] é uma deusa hindu. É a esposa do deus Vishnu e personificação da
beleza, da fartura, da generosidade e, principalmente, da riqueza e da fortuna. É a deusa da boa sorte. Considerada
um avatar de Sita, a esposa do deus Rama.[2] Pode ser vista sentada sobre uma flor de lótus, ou segurando flores de
lótus nas mãos, e um cântaro que jorra moedas de ouro.

21
Philodendron é um género botânico pertencente à família Araceae. Popularmente, no Brasil,
recebe o nome de imbé, possuindo algumas utilidades graças à sua relativa toxicidade. Em Portugal e em Angola, é
chamado filodendro.

22
A estrelícia ou ave do paraíso, de nome científico Strelitzia reginae, é uma planta
herbácea, perene rizomatosa originária da África do Sul, com aproximadamente 1,20 m de altura, de folhas duras,
grandes e ovoladas com pecíolos bastante compridos. É cultivada em jardins de regiões tropicais e sub-tropicais e
bastante apreciada pela beleza das suas flores, que com aproximadamente 15 cm são de cor laranja e azul e
assemelham-se à cabeça de uma ave do paraíso. O termo científico desta planta "Strelitzia reginae" do Latim =
estrelícia da rainha, em homenagem à rainha Carlota de Mecklemburgo-Strelitz, esposa do rei Jorge III de Inglaterra,
morta em 1818.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Eu levei Jim para o banco. — Sente-se aqui. —Ele se

sentou.

Mergulhei o balde na lagoa, coloquei-o entre nós e

sentei-me na parede de pedra baixa de um canteiro de flores.

Ele olhou ao redor. — É um belo jardim.

Eu assenti. — Eu gosto daqui. É bonito e tranquilo. A

maioria dos indonésios são muçulmanos, mas somos hindus.

Um lugar para a meditação é importante para nós. A árvore


Página 103

em que você está sentado veio da semente de uma árvore

sagrada muito especial em Bali, a árvore Bunut Bolog23. É um

tipo de figo. A árvore Bunut Bolog é tão grande e tão poderosa

que é como uma floresta por si só. Tem um buraco na base e

o buraco é tão largo que há uma estrada de duas pistas que

passa por ele.

23
Bunut Bolong, árvore verde viva do figo da grande natureza tropical, enorme com o
arco do túnel da árvore entrelaçada enraíza na base para povos de passeio, carros e outros veículos.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Por que eles construíram uma estrada através da

árvore sagrada? —Perguntou Jim.

— Era muito perigoso dar a volta por causa dos

penhascos. Eles pensaram em cortar a árvore, mas os espíritos

dos guardiões da árvore se recusaram a permitir, então eles só

tiveram que fazer o melhor possível. Não é sábio irritar os

guardiões da árvore. Eles são ferozes.

— Que espécie de guardiões?


Página 104

Dei-lhe um pequeno sorriso. — Tigres.

Jim sorriu. — Tigres, huh.

— Hum.

Ele se inclinou para frente. Seu rosto estava calmo e eu

queria beijá-lo. Eu não podia evitar.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Você parecia preocupada depois da coisa do jornal,

—disse ele. — Me desculpe por isso. Eu não queria fazer você

...

Se ele dissesse ‘assustada’, eu iria fazê-lo usar este balde

na droga da cabeça. Vegetariana e meio cega, eu ainda era um

metamorfo, um predador. Eu tinha o meu orgulho.

— Chateada.

Hmm, eu poderia viver com chateada. Ele não precisava


Página 105

saber disso. — Eu não estava chateada.

— Meu ponto é, eu nunca faria mal a você ou a sua

família. —Ele disse

Eu levantei meu queixo para ele. — Se você tentasse ferir

a minha mãe, eu chutaria o seu traseiro totalmente.

— A é?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Sim. Você estaria deitado no chão, chorando: ‘Não

mais, não mais’ e eu iria chutar no estômago, zás, zás, zás!

Ele riu suavemente. Era tão terrivelmente bonito. Aqui

estávamos sentados a meio metro um do outro, mas

poderíamos estar em lados opostos do Oceano Pacífico que

seria a mesma coisa.

— Eu não quero que você faça isso, —disse Jim. — Não

quero que você vá lá, não quero que você se machuque


Página 106

tentando me ajudar. Não é seu trabalho me salvar.

— Sim, é.

— Quem disse? Diga-me. Olha, amanhã eu vou lá, e se

eu estrangular alguém por tempo suficiente, eles vão trazer o

caracol.

— Arrá. E como você planeja diferenciar se eles

trouxeram um caracol de jardim ou um dourado?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Vou borrifar sangue mágico de alguém até que o

caracol acenda.

— Bom plano. —Eu mergulhei minha concha no balde

e joguei a água nele. —Ele recuou. — Que diabos?

— Você está delirando por falta de sono.

— Dali!

— Os caçadores ilegais são espertos e muitos deles têm


Página 107

magia. Alguns deles podem dizer que tipo de metamorfo você

é a cem metros, apenas olhando para você. Se você for para o

Subterrâneo amanhã, você vai adormecer lá, sozinho e

indefeso, e então os caçadores vão te matar e te cortar em

pequenos pedaços, e seus preciosos ossos de jaguar serão

cortados em finas bolachas e colocados no vinho, então algum

doente pode ter poderes mágicos na cama.

Ele soltou um grunhido frustrado.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— É como o chá, alguém lhe oferece um, mas você fica

de olho nele.

— Você está se arriscando novamente. Eu não vou

deixar fazer isso.

— É fofo da sua parte pensar que pode me impedir, Jim.

Normalmente você me manda e eu faço o que você diz. Eu

poderia me queixar e eu poderia fazer um barulho, mas eu

farei isso, porque você é meu alfa e eu respeito você. Nisso,


Página 108

você não tem conhecimento. Você não sabe nada sobre esse

mundo. Suas regras não se aplicam aqui, mas as minhas

aplicam. Você seguirá minha liderança e me deixará salvar

você, Jim. Porque pensar em você morredo me faz sofrer.

Ele abriu a boca.

— Se fosse o contrário, nós não estaríamos tendo essa

conversa, —eu disse a ele.

— Eu sou seu alfa. É o meu trabalho mantê-la segura.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Ele vai nos dois sentidos, —eu disse.

Ele esfregou as mãos sobre os olhos. Joguei uma outra

concha de água para ele. — Pare com isso!

— Você parecia sonolento.

— Eu não estou com sono, estou no fim da minha

paciência com essa merda abracadabra estúpida.

— Que seja.
Página 109

Bem. Ele poderia ficar mal-humorado e chateado o tanto

que quizesse, não importava.

Ficamos em silêncio. Ao lado, insetos noturnos

cantavam e sussurravam canções um pouco tristes. Amanhã

seria um saco. Seria muito ruim, e nem sabíamos o que havia

de errado com ele. Eu desejei que os mercados já estivessem

abertos para que pudéssemos fazê-lo antes dele adormecer

novamente.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Você pelo menos tem um plano? —Perguntou Jim.

— Sim. O mais provável é que tenhamos que ir até ao

Beco do Kenny no Subterrâneo. É aí que as partes de animais

mais caras são vendidas. Eu irei para dentro da loja. Você vai

esperar lá fora. Eu vou oferecer-lhes muito dinheiro pelo

caracol. Se eu me meter em apuros, vou gritar e você vai me

tirar de lá.

— Um inferno de um plano.
Página 110

Eu enruguei meu nariz para ele.

— E se eu não conseguir te trazer de volta ilesa, sua mãe

vai me esfolar vivo.

— Ela só poderia machucá-lo de dentro para fora.

Jim tinha essa aparência engraçada no rosto, e então

seus olhos brilharam. — Então ela grelha todo cara que você

traz para casa?


Ilona Andrews
Conto 04.5

Eu não trago caras para casa, seu estúpido, estúpido homem.

— Ignore isso. Ela está apenas preocupada. Tenho quase

trinta anos e ainda não estou casada. É um grande negócio na

minha cultura. —Não que ele entendesse.

— Eu gosto de como o fato de ser rico ganha do fato de

ser negro.

— Jim, ignore isso, certo?

— Certo. —Ele levantou as mãos para cima.


Página 111

Aaaa! — Ela está desesperada, certo? Só quer que eu seja

feliz, e ela tem medo de que eu nunca faça um bom casamento.

— Por quê?

Oh meus deuses. — Como assim por quê? Jim, olhe para

mim.

— Sim?


Ilona Andrews
Conto 04.5

O que, agora eu tinha que soletrar? Fale sobre humilhar. —

Minha mãe tentou me descrever em uma luz brilhante: ela

passou por todas as minhas virtudes.

— Percebi isso, —disse ele. — Especialmente a parte

sobre ser obediente e respeitosa ...

— Esqueça isso. Ela passou por toda a lista. Se eu

pudesse fazer origami, ela teria mencionado isso, também.

— Tudo bem, e?
Página 112

— Ela disse que eu era bonita?

Ele me deu um olhar vazio.

— Será que a palavra bonita saiu de sua boca? Em algum

momento?

— Não, —disse Jim.

— Você chegou lá. —Feliz agora?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Então é isso? Este é a seu grande problema? Você está

chateada porque sua mãe não acha que você é bonita? Não

deixe que isso te incomode. Não é importante.

Oh, seu idiota. Não é com a minha mãe que eu estou

preocupada. É com você. Eu acenei meus braços. — Jim, qual é

a primeira coisa que você me disse quando eu perguntei-lhe

para descrever a mulher estranha? Deixe-me ajudá-lo a

lembrar: Você disse que ela era bonita.


Página 113

— E?

— Eu aposto que você não percebeu o que ela estava

usando em seus pés, mas você notou como ela era atraente.

— Ela estava descalça e seus pés estavam sujos.

Ele e sua memória estúpida. — É assim que acontece: os

homens devem ser fortes, as mulheres devem ser bonitas. Bem,

eu não sou linda. Você pode me colocar em uma sala de cem

mulheres da minha idade, e eu serei mais esperta do que a


Ilona Andrews
Conto 04.5

maioria delas juntas, mas não fará a menor diferença, porque

se você deixar um homem entrar na mesma sala e deixá-lo

escolher, eu seria a última a sair. Se eu fosse uma mulher

normal, eu poderia usar meu cérebro para ganhar dinheiro e

então eu iria fazer uma cirurgia plástica. Eu consertaria meu

nariz e depois trabalharia um pouco mais até conseguir

arrumar meu maxilar e assim por diante, até ficar bonita. Mas

eu não sou uma mulher normal. O Vírus-L não conserta

minha visão, mas vai desfazer qualquer cirurgia. Eu sei, eu


Página 114

tentei. Estou presa dessa maneira e não há nada que eu possa

fazer sobre isso. E você diz: ‘Não deixe que isso te incomode’,

como se isso devesse fazer tudo ir embora!

— E se a cirurgia funcionasse, quando você pararia? —

Perguntou.

— Quando entrasse em uma sala e os homens virassem

a cabeça para olhar para mim. Eu quero ser bonita. Eu quero


Ilona Andrews
Conto 04.5

ser um nocaute. Trocaria toda a minha inteligência e toda a

minha magia tigresa mística por isso.

O brilho verde iluminou suas íris. — E ser o que? Uma

linda idiota?

— Sim!

— Essa é a coisa mais estúpida que eu já ouvi. —Eu olhei

para ele.
Página 115

— Nadene é bonita, —ele rosnou. — Linda mulher.

Tola como um tabuleiro. Ela não pode manter um cara mais

do que alguns meses. Phillip a deixou e ela queria que eu

intervisse, então fui falar com ele. Ele me disse que ela era

divertida de foder por um tempo, mas estar com ela o fazia se

sentir como se estivesse ficando mais burro. Eles não podiam

ter uma conversa normal. Ele não conseguia lidar com isso. E

você quer ser isso? Está maluca?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Você nem percebe o fato de que eu sou uma mulher,

Jim! Eu sou apenas um cérebro com um par de óculos que

você ocasionalmente tem que colocar sob guarda para que não

se machuque quando está tentando se divertir um pouco. Você

já se perguntou por que eu corro?

— Eu sei porque você corre, —ele rosnou.

— Diga-me!

— Você corre porque acredita profudamente que não


Página 116

tem valor. Acha que, porque você leva dois minutos para

mudar e porque acha que não é a melhor lutadora que nós

temos, você tem algo a provar. E você faz isso através de

gaiolas de metal com quatro rodas indo muito rápido sem

nenhum sentido. Você não ganha nada, você não realiza nada

e se machuca o tempo todo. Você está certa que irá mostrar a

todos como radical você é.

— Aaaaaa!!


Ilona Andrews
Conto 04.5

— A única coisa que você está provando é que, a mulher

mais inteligente que conheço não tem senso comum. Você tem

magia poderosa, é inteligente, é competente, mas nada disso

importa. Eu tenho uma dúzia de Nadenes no clã, eu só tenho

uma de você. Que bem Nadene me faria agora? E eu sei que

você é mulher. Já reparei. Essa coisa histérica que você está

fazendo agora é tipicamente do sexo feminino. Se você fosse

um homem, eu teria colocado sua bunda para transportar

pedras para a Fortaleza há muito tempo.


Página 117

Eu levantei o balde. — Não faça isso, —ele avisou.

Joguei nele, água e tudo. Água espirrou, e então Jim,

completamente encharcado e irritado, pegou o balde, pegou

água na lagoa e jogou em mim. A água me atingiu em uma

corrida fria.

Eu me virei e caminhei em direção contrária dele. —

Onde você está indo? —Ele chamou.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Longe de você! —Sentei-me no banco no final da

lagoa.

— Você deveria me manter acordado.

— Eu posso manter você acordado daqui. Se eu te ver

caindo no sono, te amaldiçoarei com algo realmente doloroso.

— Faça isso. Você ainda está errada.

— Tanto faz!
Página 118

A MANHÃ VEIO MUITO devagar. Jim quase cochilou

quatro vezes e acabei me movendo ao lado dele, com meu

balde. Em algum momento ele me perguntou se minhas

explosões emocionais femininas tinham acabado e eu o

xinguei por um tempo em indonésio. E então ele arruinou


Ilona Andrews
Conto 04.5

perguntando o que algumas palavras significava, e é claro que

tive que ensiná-lo a pronunciá-las corretamente.

É bom que minha mãe tenha ficado lá dentro ou ela teria

feito outra palestra sobre como me comportar como uma filha

adequada.

Já eram sete horas e estávamos na rua Pryor, diante de

um arco branco sujo que marcava a entrada do Beco do

Kenny. Afastado do metrô principal, o Beco do Kenny não


Página 119

tinha teto, e entrar pela rampa estreita da rua Pryor era a

maneira mais rápida de chegar lá. Também era a mais

perigosa, eu teria que subir a rampa estreita que se espremia

entre dois prédios de tijolos, entrar no velho depósito de trem

e depois caminhar pela varanda e descer dois andares, todos

cheios de gente que me mataria por um dólar. Às vezes as

pessoas que entravam no metrô pela rua Pryor não voltavam

mais.


Ilona Andrews
Conto 04.5

O vento rodopiava, correndo pelo estreito vão entre os

prédios, e jogou os aromas do Subterrâneo no meu rosto:

odores de uma dúzia de espécies animais misturadas com o

cheiro amargo de urina velha, humana ou animal, adubo velho,

peixe de um tanque gigante,incenso pungente e sangue salgado.

O amálgama revoltante tomou conta de mim e eu tive que

lutar para não vomitar.

Pelo menos a magia desapareceu durante a noite.


Página 120

Geralmente o ar subindo do Subterrâneo fazia minha cabeça

doer.

— Você não precisa fazer isso, —disse Jim.

— Sim eu preciso.

Ele estendeu a mão e colocou o braço em volta de mim.

Eu congelei. Havia tanta força naquele braço musculoso que

de repente me senti segura. O cheiro dele, o cheiro forte e

reconfortante de Jim me tocou, bloqueando outros cheiros. Eu


Ilona Andrews
Conto 04.5

reconheceria esse perfume em qualquer lugar. Ele estava me

abraçando. Eu desejava isso e agora só queria chorar, porque

não importava o que eu fizesse, não importava o quanto eu

corria ou quão beligerante eu era, ele nunca iria me querer.

Não desse jeito.

Eu me afastei dele antes dele se afastar de mim. — Estou

indo para dentro. Se eu entrar em uma loja, me dê cerca de

cinco minutos. Se eu não sair ...


Página 121

— Eu vou entrar, —ele prometeu.

— Não durma.

— Eu não vou.

Olhei em seus olhos castanhos e acreditei nele. — Certo,

—eu murmurei. — Estou indo agora.

Eu me virei e segui pelo beco estreito, para a barriga

escura do Subterrâneo. Pedintes e pessoas de rua se alinhavam


Ilona Andrews
Conto 04.5

na rampa e na varanda, enrolados em roupas sujas, chapéus e

latas na frente deles. No início da manhã eles nem se

incomodavam em implorar. Eles apenas olharam para mim

quando passei, todos, exceto um velho negro, que caminhava

numa passarela coberta, girando ao ritmo de alguma melodia

que só ele podia ouvir. Seus olhos estavam bem abertos; ele

olhou diretamente para mim, mas não me viu.

A rampa me levou até o último andar, para uma ampla


Página 122

varanda. O Beco do Kenny se estendia abaixo: um espaço

estreito e úmido, cheio de barracas e pessoas de olhos

maliciosos, o piso de tijolos quase invisível sob gaiolas e lixo. Eu

continuei andando. A sacada terminou e eu desci as escadas

até o andar de baixo, onde vendedores vendiam suas

mercadorias. Lâmpadas elétricas apagadas estavam

espalhadas entre as luzes antigas de Natal, marcando as

pequenas lojas. Apesar da hora, os clientes inundavam o

mercado, homens, mulheres e crianças de todas as cores e


Ilona Andrews
Conto 04.5

raças procurando a cura mágica de seus problemas. Eles eram

o que permitiam que os caçadores ilegais existissem. Eles

parariam de caçar se as pessoas parassem de comprar.

O que eu precisava não seria vendido aqui. Eu tinha que

ir ao Beco do Kenny.

As lâmpadas elétricas piscaram e morreram. A escuridão

apertou a boca do Subterrâneo e cuspiu com o silvo e crepitar

de magia. Lanternas mágicas se acenderam com um brilho


Página 123

azul-claro, seus finos tubos de vidro se torciam em kanji e

formas familiares: fênix, tigre, dragão. Magia fluiu e se

contorceu ao meu redor. Aqui e ali, proteções protegiam as

fachadas das lojas, fortes e sólidas. À esquerda, um sopro

vacilante de algo sujo e errado vazou por trás de uma porta

fechada. Mais a frente uma banca de pequenos amuletos de

moedas irradiava algo agradável, quase quente.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Outra onda mágica. Não deveria ter havido uma.

Ninguém podia prever quando a magia ia e vinha, mas

raramente inundava a cidade duas vezes em vinte e quatro

horas. Como sou sortuda.

Continuei me movendo, serpenteando entre as barracas.

Se Jim estivesse me seguindo, eu não poderia vê-lo. Eu

esperava que ele ficasse acordado com todas as minhas forças,

porque se ele adormecesse, não haveria esperança para


Página 124

nenhum de nós.

A entrada do Beco do Kenny surgiu à frente, um

retângulo de luz fraca no nascer do sol. O cheiro me atingiu

primeiro, aquele fedor inesquecível de muitos animais

mantidos juntos demais. Então veio o barulho: o zurro, o

miado, os rosnados. Eu saí para o aberto. Casas de três andares

erguiam-se dos meus dois lados, encaixotados em um beco

estreito. Barracas e mesas se alinhavam na frente das lojas,

oferecendo pênis de boi seco, tanques contendo moluscos


Ilona Andrews
Conto 04.5

geoduck24, chifres de veado, feixes de ervas secas. À esquerda,

um homem enfiou uma pinça de aço em uma caixa e pegou

uma centopéia venenosa negra25. O inseto se contorceu, tentando

se libertar. O homem tirou a tampa de uma panela no

queimador de querosene e jogou a centopéia para dentro.

Meu tempo era curto. Continuei andando. Eu precisava

de um negociante de mercadorias raras.

As pessoas estavam olhando para mim. Da frente da loja


Página 125

à direita, uma mulher branca de meia-idade, vestida com

roupas camuflagem, olhava para as minhas pernas, depois

para a minha cabeça, como se quisesse atirar em mim. Magia

24
Panopea generosa, ou geoduck é uma espécie de molusco bivalve marinho,
cujo nome comum provém da língua lushootseed, da tribo Nisqually. É nativa da Costa Oeste da América -
nomeadamento do México.

25


Ilona Andrews
Conto 04.5

me sondou, provocando, testando. Um casal de homens mais

jovens, provavelmente chineses, inclinou-se um para o outro,

sussurrando. Eu peguei alguns trechos. Uma palavra se

destacou: Tigre. Não demorou muito para descobrirem o meu

animal além da minha forma humana.

Me senti como uma vaca sendo levada para uma fila de

açougues. Levantei meu queixo. Não mostre medo ou eles

atacarão como abutres.


Página 126

Uma barraca à esquerda parecia mais rica do que o resto:

a mesa era robusta e o tecido era de seda vermelha, a coisa real,

não uma imitação barata. Uma velha mulher corcunda,

coreana ao contar por seu vestido, estava sentada guardando

as mercadorias, parecendo entediada. Parei e olhei para as

partes ressecadas exibidas na seda.

Eu me curvei. — An-nyung-ha-se-yo. Olá.

A mulher inclinou a cabeça para trás.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Olá. —Português. Ótimo. Meu coreano estava

enferrujado.

Eu parei perto de um pequeno saco branco que estava

meio aberto. Lá dentro havia tiras de couro picadas. —

Vesícula biliar de urso, —disse a mulher.

Peguei uma pequena fatia e cheirei. — Porco. —Se

tivesse sido uma vesícula biliar real, ela não teria me deixado

pegá-la. — Você tem urso?


Página 127

A mulher enfiou a mão debaixo da mesa, tirou uma

pequena caixa de madeira e abriu-a. Tiras de couro secas.

Poderia ser vesícula biliar de urso.

A mulher fechou a caixa. — Quando você nasceu? Qual

é o seu signo? Você tem uma pele bonita e pálida, mas os olhos

não são tão bons, sim? Nós temos glândulas de cobra para os

olhos. Cigarras secas, faça-o em sopa, vai fazer seus olhos

mais fortes. Ou o seu homem precisa de ajuda na cama? Eu


Ilona Andrews
Conto 04.5

tenho algo muito especial para isso. Não como todas aquelas

partes secas de cachorro ali. —Ela fez uma careta para a tenda

do outro lado da rua. — Eu tenho uma coisa certa. Quer ver?

Eu assenti.

Outra caixa apareceu como que por magia. Eu olhei para

dentro. Chifre de rinoceronte. O artigo genuíno também. —

Estou procurando uma coisa rara.

A mulher me ponderou. — Quão raro?


Página 128

— Muito raro. Keong Emas.

— O Caracol Dourado.

— Eu vou pagar bem. —Coloquei a mão no meu casaco

e mostrei-lhe o dinheiro, apenas uma dica, mas foi o

suficiente.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Keong Emas é uma magia poderosa. —A velha olhou

para mim. Seus olhos estavam frios como dois pedaços de

carvão.

— Torna fácil reconhecer algo escondido, —eu disse a

ela.

Ela soltou um pequeno grunhido e gritou algo em

coreano, rápido demais para entender. — Você pode ir para

dentro agora.
Página 129

Eu pisei em cima de uma pequena caixa contendo um

par de coelhos assustados, e entrei. Gaiolas forravam as

paredes. Macacos, cachorros, pássaros. Grandes olhos

assustados. Eles gritaram e se afastaram das barras quando me

aproximei. Cerrei meus dentes. Eu só tinha que pegar o

caracol. Apenas pegue o caracol.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Um adolescente entrou pela porta com cortinas e acenou

para mim. — Venha por aqui. —Eu não queria ir de jeito

nenhum.

O garoto acenou para mim. — Venha! Venha!

Porcaria. Eu o segui através da cortina. Um longo quarto

escuro cheirando a sangue. Ótimo. Continuamos indo, mais

longe da rua, para dentro da casa. Provavelmente estava

andando em uma armadilha, mas eu tinha que pegar o


Página 130

caracol. Este era o único caminho. Enquanto Jim

permanecesse acordado, ele me tiraria. Ele faria. Claro que ele

faria.

Outro conjunto de cortinas e entramos em uma grande

sala cheia de mesas, apoiando o banquete de um curandeiro,

como se uma dúzia de carrinhos de vendedores de rua

tivessem vomitado seu conteúdo na sala. Caixas de vime,

madeira e plástico. Garrafas de vidro cheios, frascos de vidro


Ilona Andrews
Conto 04.5

finos, frascos contendo pós e líquidos. Ervas secas, em feixes

e pacotes. E ossos. Tantos ossos: ossos de urso, ossos de lobo,

ossos de tigre.

Bastardos. Um homem asiático estava sentado à mesa,

enrugado e velho, vestido com roupas escuras. Atrás dele, um

homem branco encostou-se à parede. Ele era alto e corpulento,

e sua jaqueta o fazia parecer retangular, como se ele fosse feito

de tijolos. Uma curta barba avermelhada abraçava seu queixo.


Página 131

Um boné de beisebol vermelho da Carolina do Norte cobria

seu cabelo.

No canto direito, uma grande gaiola estava coberta por

uma lona. Uma mulher loira estava ao lado dela, apoiada em

um taco de beisebol. Ela usava jeans e camiseta de um homem

enorme com uma gota de sangue gigantesca e as palavras DOE

SANGUE nele. A camiseta estava surrada e remendada em

alguns lugares.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Algo se moveu na gaiola. Eu podia ouvi-lo respirando

em suspiros longos e ofegantes. As pessoas também se

moviam nos quartos exteriores, para a direita e para trás,

fazendo pequenos barulhos. Muitas pessoas. Pelo menos oito,

talvez mais.

Eu só tinha que pegar o caracol. Isso é tudo. Apenas pegue o

caracol e salve Jim.

O velho me olhou. Eu não me curvaria a esse idiota.


Página 132

Minhas costas iriam quebrar primeiro antes disso. — Você

quer comprar Keong Emas.

— Sim.

O menino que me trouxe aqui foi até a mesa mais

distante e trouxe uma caixa de vime para o velho.

O homem abriu a caixa e retirou um tanque de vidro

com cinco caracóis dentro. Cada um tinha uma casca marrom

fosca.


Ilona Andrews
Conto 04.5

O velho me ofereceu o tanque. — Escolha um. —Era

isso.

Alcancei o tanque e passei minha mão pelos caracóis. O

menor deles me puxou, pequenas agulhas de magia

formigando minha pele. Suavemente, eu arranquei da folha e

segurei na palma da minha mão.

Um brilho fraco iluminou o caracol por dentro. Ficou

por um segundo e explodiu, pintando a concha do caracol com


Página 133

ouro brilhante.

— Só magia poderosa pode ver Keong Emas, —disse o

velho. — Magia de Tigre Branco. —Oh merda. Eu apertei o

caracol na minha mão e senti-o deslizar em sua concha. —

Quanto?

— Pegue-a. —O velho acenou para o cara de Boné

Vermelho. O de Boné Vermelho se afastou da parede. Atrás


Ilona Andrews
Conto 04.5

de mim um homem e uma mulher saíram detrás da cortina,

bloqueando minha saída.

— Você não deveria ter vindo aqui, —disse o velho. —

Jim! —Eu gritei.

— Ele não vai ajudar, —disse o velho. — Ninguém vai

ajudar.

Eu corri para a esquerda, mas a mão do de Boné

Vermelho agarrou meu ombro e ele me tirou do chão com


Página 134

força sobre-humana. Eu chutei ele, mas ele bateu minhas

pernas de lado e me levou de volta para o canto, onde uma

mulher puxou a lona da gaiola. Um homem estava ajoelhado

de quatro na gaiola, imundo, com trapos cobertos de sangue

velho. Braçadeiras de plástico forçavam seus pulsos juntos, e

acima deles um pano rasgado com um feitiço de contenção

rabiscado em tinta amarrava seus antebraços. Um focinho de

couro apertava todo o seu rosto, deixando apenas a estreita

faixa de espaço ao redor de seus olhos visível. Ataduras


Ilona Andrews
Conto 04.5

escondiam a cabeça e tudo que eu via era um olho, louco,

furioso e brilhante turquesa.

Havia uma segunda gaiola ao lado da dele. Uma gaiola

vazia.

O pânico se contorceu através de mim. Eu chutei e me

debati, mas a gaiola continuava chegando cada vez mais

perto. Se eu fosse tigre, ele não poderia me carregar, mas eu

ficaria muito atordoada para lutar e deixaria cair o caracol. Eu


Página 135

não podia deixar cair o caracol, ou Jim morreria.

Jim viria por mim. Ele não iria dormir. Ele não deixaria

que eles o matassem. Eu chutei e empurrei com toda a força

de metamorfo que eu tinha.

— Não torne isso mais difícil para você, —disse-me o de

Boné Vermelho.

Nós estávamos quase na gaiola. — Como você pode

fazer isso?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Seu tio impediu muitas pessoas de alimentar suas

famílias.

O de Boné Vermelho me empurrou os últimos metros.

— Nós temos bocas para alimentar. Eu não tenho problema

em fazer isso.

Empurrei minhas pernas na gaiola e me preparei. — Jim!

Venha me ajudar! —O homem na outra jaula gemeu um grito

sem palavras e bateu nas barras. O de Boné Vermelho me


Página 136

puxou para baixo. — Ninguém vem para você.

Não! Não, eu não vou ser colocada em uma porra de gaiola.

Chutei contra a gaiola, me lançando para trás. Minha cabeça

bateu no rosto do de Boné Vermelho. Ele me largou. Meus pés

tocaram o chão. Sim! Eu me mexi para a esquerda.

Algo bateu contra a minha têmpora. A dor explodiu

entre meus ouvidos. Eu girei. A mulher atrás de mim balançou

novamente e o taco foi direto no rosto. O mundo estremeceu


Ilona Andrews
Conto 04.5

e eu provei sangue em meus lábios. O de Boné Vermelho me

segurou e me empurrou para frente. O homem na outra gaiola

soltou um longo gemido desesperado.

Tinha acabado. Jim adormeceu. Ninguém estava vindo por

mim.
Página 137

O DE BONÉ VERMELHO estava me arrastando para a jaula.

A mulher loira se inclinou e abriu a porta.

Um homem voou através da cortina e deslizou pelo

chão, derrubando as mesas e bancos do caminho até que ele

bateu na parede. Eu peguei um vislumbre de longos cabelos

escuros. Ele cerrou as mãos na garganta. Um fino spray


Ilona Andrews
Conto 04.5

vermelho foi disparado entre os dedos. Ele gorgolejou, seus

olhos enormes com medo agudo.

A cortina caiu, revelando Jim, encharcado de sangue.

Seus olhos brilhavam verdes e seu rosto era terrível. Ele veio!

Oh meus deuses, ele veio por mim. Tudo ia ficar bem. Tudo ia ficar

bem.

Um homem atarracado atacou Jim pela esquerda,

balançando um facão. Jim o agarrou. Sua faca brilhou e o


Página 138

homem caiu, seu facão escorregadio com seu próprio sangue.

O de Boné Vermelho me jogou de lado. Eu bati na gaiola

e enfiei o caracol no bolso do meu jeans.

A mulher loira junto à gaiola gritou e balançou o taco de

beisebol para mim. Eu arranquei das mãos dela e bati nela. O

taco estalou com um ruído crocante de madeira. O golpe

derrubou e jogou a mulher do outro lado da sala. Isso mesmo,

foda-se!


Ilona Andrews
Conto 04.5

Um homem disparou uma besta contra Jim. Jim saiu do

caminho, pulou, limpou as mesas e atacou. O besteiro caiu

como uma boneca sem vida. Mais pessoas saíam pela porta

dos fundos.

Jim olhou para mim e sorriu.

O de Boné Vermelho tirou o paletó. Um padrão escuro

rodou ao longo de sua pele, como as espirais de grãos de

madeira. Ele foi em direção a Jim. Uma mesa entrou em seu


Página 139

caminho e ele a tirou da sua frente. A mesa se despedaçou. Ah,

Merda.

No canto, o velho acenou com os braços. Magia nervosa

riscou o ar.

Jim estava cortando o caminho em minha direção, sua

faca enviando arcos de sangue para a esquerda e para a direita.

As pessoas gritaram, madeira caiu, Jim rosnou. O cheiro de

sangue me deixou tonta.


Ilona Andrews
Conto 04.5

O prisioneiro gemeu para mim. A jaula vazia bloqueou

sua porta. Eu empurrei isso. Não se mexeu. Eu me enfiei entre

a parede e a gaiola, colocando meus pés em sua base, e

empurrei, empurrando o mais forte que pude. A madeira

rangeu e a gaiola deslizou para fora do caminho. Eu caí de

joelhos. Um longo cordão atado continha a porta, os nós

segurando moedas. Eu peguei isso. Magia queimou meus

dedos e eu recuei, estremecendo.


Página 140

O prisioneiro gritou, batendo nas barras.

— Tudo bem, —eu disse a ele. — Tudo bem, tudo bem.

Eu posso fazer isso. Apenas espere um segundo.

O de Boné Vermelho bateu em Jim.

Tudo ficou lento como se estivéssemos todos debaixo

d'água.

A faca de Jim cortou, do outro lado, para baixo, ainda

tão rápida, como um raio. A lâmina cortou a nova pele de


Ilona Andrews
Conto 04.5

madeira do de Boné Vermelho. O de Boné Vermelho mostrou

os dentes e girou o punho gigante. Jim se inclinou para fora

do caminho, magro e gracioso, e empurrou. A faca mordeu o

olho esquerdo do de Boné Vermelho. O homem grande gritou

como um touro.

Jim saltou sobre ele.

O homem enjaulado gemeu. Eu precisaria de uma

semana para descobrir como quebrar o selo sem me machucar.


Página 141

Eu não tinha uma semana.

Do lado de fora da janela, as pessoas gritavam. Mais

caçadores entrando.

Eu agarrei o cordão mágico e empurrei. Ele quebrou,

deixando listras escuras de carne queimada em minhas mãos.

A dor me atacou, mas eu estava muito ocupada. Eu abri a

porta, agarrei o homem pelos ombros dele e o tirei dali. Ele

caiu de lado.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Uma mão pegou meu ombro e me puxou para cima. —

Hora de ir, Jim respirou. — Não! —Eu apontei para o

prisioneiro. — Não posso deixá-lo. Ajude-me.

O Boné Vermelho virou-se para nós, gritando, a faca

ainda na órbita do olho.

Jim cortou uma vez, duas vezes, e as mãos do prisioneiro

se soltaram. Outro corte tirou a máscara da cabeça, e eu

encarei o rosto do homem asiático mais deslumbrante que já


Página 142

vi. Ele era como um ser celestial de uma aquarela chinesa,

absolutamente impecável.

Os olhos da mais pura turquesa me encararam e, dentro

de suas profundezas, vi um espiral de fogo. Ah não.

O prisioneiro levantou-se. A magia se desenrolou dele

como um manto em salpicos de vermelho e dourado,

formando o contorno translúcido de uma fera escamada em

quatro pernas robustas e musculosas.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Jim me empurrou para trás e levantou a faca.

Garras transparentes do tamanho das minhas mãos

cavaram na madeira. A cabeça de um dragão se formou sobre

os ombros maciços. O prisioneiro estava dentro da besta,

ainda claramente visível. Seu cabelo tinha se soltado das

bandagens e escorria pelas costas em uma longa e escura onda.

O de Boné Vermelho congelou no meio do caminho. O

velho uivou uma maldição e arranhou o ar. Uma serpente de


Página 143

carmesim brilhante se lançou de seus dedos e mordeu a fera

translúcida. O prisioneiro acenou com o braço e a serpente

pegou fogo e se transformou em cinzas.

Um Suanmi26.

26
Um dos nove filhos do rei dragão.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Pessoas explodiram pela porta.

O Suanmi olhou para eles. A boca da besta mágica se

abriu. O de Boné Vermelho virou e começou a correr.

O fogo explodiu da boca da fera, rugindo como um

animal enfurecido. Ele pegou o velho primeiro, puxou-o para

cima e jorrou fogo, deixando uma ruína queimada de um

corpo. O cadáver fumegante deu dois passos em nossa direção

e caiu.
Página 144

Jim me segurou, tentando me proteger.

Os homens na porta se esforçaram para sair, mas o fogo

se espalhou quente, todo poderoso. Gritos encheram meus

ouvidos. Fechei meus olhos e enfiei meu rosto no peito de Jim.

Os gritos continuaram para sempre.

Finalmente o rugido parou. Eu afastei minha cabeça de

Jim.


Ilona Andrews
Conto 04.5

O homem dentro do dragão se virou e olhou para nós.

Jim rosnou e suas roupas explodiram em seu corpo. Sua pele

rasgando, liberando o músculo por baixo. Os ossos

empurraram, crescendo, o músculo formaram novos membros

poderosos, e uma nova pele embainhou-o, mostrando as

espirais de rosetas pretas contra uma fina pele dourada. Uma

nova criatura estava no lugar de Jim: meio homem, meio

monstro. Um metamorfo jaguar na forma de guerreiro.


Página 145

Jim rosnou, seus lábios negros emoldurando presas

enormes, e se colocou entre eu e o prisioneiro. O Suanmi abriu

a boca. Palavras fluíam em português. — Não há necessidade

de me temer.

Havia toda necessidade de temê-lo. Ele tinha sangue de

dragão nas veias.

Engoli. — Não vamos te machucar também.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Eu sei. —O Suanmi olhou para a gaiola. — Vim aqui,

doente e indefeso. Minha família foi massacrada e eu me

machuquei. Eu vim à procura de remédio, mas perdi a

consciência e acordei aqui. Nove meses. Eu passei meu

décimo oitavo aniversário nesta jaula enquanto eles

arracavam pedaços do meu corpo para se tornarem mais

fortes. Curando o dano e esperando para ser cortado

novamente. Nove meses. Senti como se fosse para sempre.

— Foi um sonho ruim, —eu disse a ele. — Acabou


Página 146

agora.

— Para mim, sim. —O homem sorriu. A besta

transparente esticou sua boca, imitando o sorriso, mostrando

dentes enormes. — Para eles, o pesadelo está apenas

começando.

Eu respirei fundo. — Não queremos fazer parte do

pesadelo deles. Podemos ir?


Ilona Andrews
Conto 04.5

O Suanmi inclinou a cabeça, seus olhos turquesa fixos

no meu rosto. — Eu tenho uma dívida com você, Tigresa

Branca.

Eu me inclinei para trás. — Apenas deixe Jim e eu irmos

e ficamos por isso mesmo.

— Quando você quiser cobrá-la, venha aqui, —disse o

Suanmi. — É o meu lugar agora. Vou acabar com isso até

meio-dia e à noite eles estarão trazendo presentes para o novo


Página 147

imperador.

Ele se virou e foi embora, para dentro da casa.

Jim me pegou e saiu correndo. Eu abracei seu pescoço e

então saímos no pátio.

Ao nosso redor, as pessoas corriam em pânico. Fumaça

e fogo subiam dos prédios.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Que diabos era isso? —Jim rosnou, suas palavras

distorcidas por sua boca enorme.

— Um Suanmi. Nas lendas chinesas, o dragão tinha

nove filhos, cada um com seus próprios poderes. Acontece que

os nove filhos deram origem a nove famílias. Ele é

descendente do filho que maneja o fogo.

— Ele é parte dragão?

— Sim!
Página 148

— Eu não me importo se ele é parte dragão. Se ele olhar

para você assim de novo, eu vou cortar seu rosto.

— Como ele olhou para mim?

Jim subiu as escadas e parou quase no meio do caminho.

— Por que você parou?


Ilona Andrews
Conto 04.5

Ele apontou para o carrinho do vendedor cheio de

reproduções de pornografia japonesa antiga. — O pergaminho

com a mulher de vermelho.

No pergaminho falso, a mulher estava deitada no chão,

seu quimono vermelho caindo aos pedaços enquanto um

homem com um enorme pênis mutante se agachava sobre ela.

Uma seqüência de caracteres kanji explicava a cena. — Sim?

— Os dois primeiros caracteres da segunda coluna, foi o


Página 149

que vi no chão do escritório.

— Coloque-me no chão.

Ele me abaixou no chão. Eu me inclinei em direção ao

pergaminho. O primeiro caractere, segunda coluna: Joro.

Joro? Mesmo? — Você tem certeza?

— Tenho certeza.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Jim, essa é uma palavra muito antiga para prostituta.

Baita é mais comum. Eu nunca vi o símbolo joro traçado em

qualquer lugar, é muito estranho.

— Isso é o que eu vi.

Eu não tinha ideia do que isso significava. Como August

saberia este kanji? Ele mal conseguia lembrar a palavra para

banheiro.

Atrás de nós alguém rugiu e uma viga de madeira


Página 150

queimando caiu, assim como em um filme antigo. Jim pegou

minha mão e subimos correndo as escadas, saindo do

Subterrâneo de Atlanta, e não paramos de correr até a porta

da casa da minha mãe aparecer diante de mim.


Ilona Andrews
Conto 04.5

ASSIM QUE ENTRAMOS PELA porta, minha família nos

cercou. Minha mãe ligou para uma emergência. Todos

estavam lá: tios, tias, primos, vizinhos. Eles puxaram Jim para

longe de mim e o levaram para o jardim. Eu tentei seguir, mas

minha mãe me parou.

— Você conseguiu?

Eu cavei no bolso e coloquei o caracol na mão dela. Ela

ergueu a concha para iluminar. — Vivo. Bom! Foi até o canto


Página 151

da sala, onde uma caixa de vidro continha as delicadas estrelas

brancas das flores de jasmim. Ela gentilmente depositou o

caracol nas pétalas nevadas e fechou a caixa.

— Quanto tempo? —Perguntei.

— Seis horas, se tivermos sorte. Dez, se não tivermos.

As pessoas se preocupavam comigo e me fizeram

perguntas, e então eu tive que explicar que o mercado dos

caçadores não existia mais. Depois fui empurrada para a


Ilona Andrews
Conto 04.5

cozinha e obrigada a comer. Havia tantos pratos que o balcão

não tinha espaço. Na minha família qualquer emergência era

recebida com uma avalanche de comida. Quanto mais terrível

o problema, maior a quantidade dela.

Mais de uma hora depois, eu finalmente escapei para dar

uma olhada no Keong Emas. O caracol se alimentava de

jasmim. Sua casca estava descartada e o corpo gordo do inseto

emanava um brilho dourado e fraco.


Página 152

— Está indo bem, —disse minha mãe. — Até agora.

— Eu vou sair, —eu disse a ela.

— Para onde?

— À Mercearia Komatsu para ver a família de August.

Eu quero saber com o que estamos lidando.

Minha mãe franziu os lábios. Eu sabia o que ela estava

pensando. De todas as nacionalidades que conheci, os


Ilona Andrews
Conto 04.5

japoneses geralmente eram mais difíceis de conversar. Eles

sempre foram educados, mas não falavam com a polícia e não

falavam com estrangeiros. Assuntos familiares eram mantidos

em sigilo e os problemas eram resolvidos a portas fechadas,

então nenhuma atenção indevida seria dada à família.

— Uma perda de tempo, —disse minha mãe.

— Eu tenho um plano.

Minha mãe apertou a mão contra o peito, fingindo estar


Página 153

assustada. — Dali, não faça a Mercearia Komatsu explodir.

Onde vou comprar?

— Mãe!

Minha mãe revirou os olhos para o céu com um olhar de

extremo sofrimento. Eu rosnei e fui procurar meu alfa.

No momento em que lutei com meus parentes até o

jardim, Jim voltou a ser humano e muito nu. Ele estava


Ilona Andrews
Conto 04.5

sentado na árvore e as quatro mulheres mais velhas estavam

derramando água abundante sobre ele, tentando purificar o

corpo.

Seu olhar me encontrou, olhos escuros pedindo ajuda.

Eu andei até ele, tentando não cobiçar. — Ajuda, —disse ele.

Eu peguei a mão dele e segurei. — Elas estão tentando

conter o mal até que minha mãe consiga pegar o caracol para

chocar.
Página 154

— Os caracóis não chocam, —disse ele.

— Este faz. Fique acordado até eu voltar.

— Onde você está indo?

— Eu tenho de fazer uma coisa. Nada perigoso. Voltarei

em breve, está bem? Não se preocupe, minha família cuidará

bem de você.


Ilona Andrews
Conto 04.5

A máscara alfa dura se encaixou no rosto de Jim. — Eu

pareço preocupado para você?

— Não mate nenhum de meus parentes enquanto eu

estiver fora também.

— Onde você está indo?

Eu fui embora sem respondê-lo.

Se você negar uma informação para um gato, isso o


Página 155

incomodará. Se o gato for um espião-mestre, isso o

enlouquecerá completamente. Isso o manteria acordado.

Além disso, depois de sua palestra sobre como eu era

inteligente, mas estúpida e cabeça dura, me permitia um

pequeno retorno.


Ilona Andrews
Conto 04.5

JÁ ERA MEIO-DIA QUANDO cheguei ao sul da Ásia. Era

um grande nome para um pequeno ponto no sul de Atlanta,

onde as lojas com temas asiáticos se agregavam em uma

grande praça formada por um antigo shopping center. Passava

por lá algumas vezes por mês, era o lugar mais próximo para

comprar mangá. Além disso, a Mercearia Komatsu era o

melhor mercado asiático da região. Eles tinham uma grande

seleção e sua salada de algas marinhas era deliciosa. Sempre

que eu ia, comprava uma cuba de dois quilos e depois comia


Página 156

até suar assim que chegava em casa.

Estacionei Pooki em uma rua remota, saí do meu carro

e tirei minhas roupas. Havia algo que a família de August não

gostava mais do que ter que falar com pessoas de fora.

Eles iriam fariam de tudo para evitar atrair atenção. E eu

estava prestes a causar uma cena.

Minha calcinha estava fora. Eu me agachei e arranhei

um nome na calçada com a chave do carro: Jim. Depois


Ilona Andrews
Conto 04.5

coloquei meus óculos no banco do passageiro, tranquei o

carro, deixei cair as chaves atrás da roda esquerda e respirei

fundo.

O mundo se dissolveu, girando em mil bokeh27, pequenas

luzes borradas em todas as cores do arco-íris.

Cores bonitas. Ooooh, tão bonita. Mmm, linda, linda.

Tantos aromas. Eu gostava daquele, e este, e este outro era meio

repugnante, e este me deixou com fome.


Página 157

Eu lambi meus lábios. Mmm ... cheiro gostoso, tão bom.

O bokeh lentamente entrou em foco: eu estava deitada

em uma rua. Hmmm ... eu conhecia esta rua. Este era o sul da Ásia.

Por que eu estava aqui?

27 Bokeh é um termo japonês usado na fotografia referente às áreas fora de


foco e distorcidas, produzidas por lentes fotográficas.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Eu olhei para baixo. Na calçada à minha frente, bem

entre as minhas duas patas, havia uma única palavra: Jim.

Jim. Meu bonito, impressionante e assustador Jim.

Rawr. Eu sorri e cheirei o nome. Não cheirava nada.

Uma lembrança surgiu na minha cabeça como uma

bolha de sabão explodindo: Jim morrendo, alma sugada, Keong

Emas, caçadores ilegais, August. Eu vim aqui para descobrir por

que August desapareceu por vinte e quatro horas.


Página 158

Eu me levantei e dei a volta na esquina. A magia ainda

estava alta e quando a luz pegou minha pele, todos os pelos

brilharam. As pessoas pararam e olharam. Eles sabiam quem

eu era. Eu vinha para o sul da Ásia muitas vezes. Eles também

conheciam a minha magia, porque ela me seguia a cada passo.

Fui até a porta da Mercearia Komatsu e me deitei no

meio da rua, olhando para a porta.

As pessoas olhavam para mim, chocadas.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Eu dei-lhes um grande sorriso. É isso mesmo, veja os

dentes grandes que eu tenho. Eu sabia que era vegetariana,

mas além de Jim e alguns amigos, ninguém mais sabia. Além

disso, só porque eu não comia carne, não significava que eu

não iria morder.

As poucas pessoas que procuravam a loja decidiram que

tinham lugares melhores para estar.

Depois de quinze minutos, a prima de segundo grau, que


Página 159

gostava de se chamar de Jackie, enfiou a cabeça para fora da

porta. Soltei minhas garras e estiquei, fazendo longos

arranhões no pavimento. Ela engoliu em seco e voltou para

dentro.

Eu podia imaginar a conversa dentro: ‘Ela está deitada na

frente da nossa loja!’ ‘Na frente da nossa loja? Na rua onde todos

podem ver?’ ‘Sim! Oh não’.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Minutos passaram. Uma pequena borboleta azul pousou

no meu nariz. Eu pisquei e ela voou para o meu ouvido. Uma

grande borboleta amarela flutuou suavemente e pousou na

minha pata. Logo um enxame inteiro delas flutuava para cima

e para baixo ao meu redor, como um redemoinho de pétalas

multicoloridas. Acontecia no meu quintal também, se a magia

fosse forte o suficiente. As borboletas eram pequenas e leves,

e muito sensíveis à magia. Por alguma razão, eu as fazia se

sentir seguras e elas gravitavam para mim como se eu fosse


Página 160

palhas de ferro para um imã. Elas arruinaram minha feroz

imagem de fodona, mas você teria que ser uma fera completa

para matar borboletas.

Se um filhote de cervo brincasse entre os prédios

tentando se aconchegar, eu rugiria. Eu não iria mordê-lo, mas

eu rugiria. Eu tinha meus limites. Eu sacudi meu rabo. Hmm,

meia hora se passou e estávamos chegando perto da marca dos

45 minutos. A família estava resolvendo se salvava as


Ilona Andrews
Conto 04.5

aparências ou discutia, mas se ninguém chegasse para dizer

olá nos próximos minutos, o comportamento deles seria

considerado rude. Não se pode ignorar um tigre branco

místico à sua porta. Isso simplesmente não se faz.

A porta se abriu e a tia de August fez uma reverência e a

manteve aberta. — Por favor entre.

Eu trotei para dentro, deixando minha comitiva de

Lepidoptera28 do lado de fora. A tia de August me levou até o


Página 161

balcão para a sala dos fundos, onde a avó de August, seu tio e

sua mãe estavam sentados. Toda a família Komatsu, com

exceção das crianças e do pai branco de August. Seus rostos

pareciam pálidos.

Eu sentei, enrolando minha cauda ao meu redor. Nós

nos entreolhamos.

28
Família das borboletas.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Nós sabemos por que você está aqui, —disse o tio de

August. O Sr. Komatsu era um homem de aparência solene

no melhor dos tempos, agora sua expressão era tão grave que

ela poderia ter sido esculpida em pedra.

Eu esperei.

— August está morto, —disse ele.

Suspirei. August foi o primeiro filho do sexo masculino

em sua geração. Aquele que seria perdoado por todo mal e


Página 162

permitia-se todos os privilégios, porque anos mais tarde,

quando seu pai e seu tio fossem velhos, ele assumiria o

encargo de cuidar da família Komatsu. Era uma perda terrível

para a família.

— Nós enterramos seu corpo. É o nosso caso, —disse

Komatsu.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Eu balancei a cabeça lentamente. August foi um

metamorfo e outros metamorfos morreram por causa dele. Era

o nosso caso agora.

O Sr. Komatsu olhou para a frente.

A avó se inclinou para frente. — Foi a mulher. O nome

dela é Hiromi. Nós não sabemos o nome da família dela.

Aconteceu sete anos atrás, pouco antes do incêndio.

A explosão vinha a cada sete anos. Se comparássemos


Página 163

uma flutuação mágica normal a uma onda, a explosão seria

uma tsunami. Magia ruim acontecia durante a explosão. Ela

se dissipava depois de três dias, mas esses três dias eram

terríveis. A explosão antes dessa última despejou uma fênix na

cidade, bem em cima dos bairros asiáticos. Tivemos outro

surto este ano e eu fiz minha família ir para a Fortaleza por

questões de segurança.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— A magia ruim estava chegando, —disse a mãe de

August. — As pessoas se esconderam em suas casas e

inundaram as lojas para obter suprimentos. Todos estavam

com pressa. Hiromi entrou para comprar mantimentos. Eu a

vi antes algumas vezes. Parecia pobre. Suas roupas eram ruins

e muito magra. Tinha sua filha com ela, uma pequena menina

de dois ou três anos.

— A criança gostava de biscoitos, —disse Komatsu. —

Nós oferecemos alguns para ela todas as vezes. Hiromi só iria


Página 164

deixá-la ter um. Muito orgulhosa.

A mãe de August respirou fundo. — Hiromi comprou

suas coisas e saiu carregando sua filhinha. Uma pessoa de rua

as esfaqueou do lado de fora da porta. Nós o encontramos

mais tarde. Ele era um velho louco. A explosão o deixou

louco. Ele nem se lembrava de fazer isso. Apenas as esfaqueou

e foi embora. Hiromi caiu contra a parede segurando sua bebê,

e as pessoas passaram por elas. Todo mundo estava com uma


Ilona Andrews
Conto 04.5

pressa terrível. Ninguém queria se envolver. Ninguém o parou

e ninguém as ajudou.

Que terrível. Deitar lá e sangrar lentamente na rua,

sabendo que sua filha está morta em seus braços. Que horrível.

— Não sabíamos que ela estava morrendo fora de nossa

loja, —disse Komatsu. — Quando a encontramos, ela não

tinha pulso. Parecia morta. Nós trouxemos ela e a menina

para dentro, aqui. Ambas estavam frias e nenhuma das duas


Página 165

tinham batimentos cardíacos.

— A explosão desencadeou uma fênix e a cidade estava

queimando, —disse a mãe de August. — Nós tivemos que ir.

Nós a deixamos. Enquanto isso, a explosão despertou magia

dentro de Hiromi e a puxou de volta da morte, mas sua

filhinha não sobreviveu. Quando voltamos depois do surto,

ela tecera um casulo dentro da loja. Antes de partir, ela nos

avisou que todos pagariam.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Eu tive essa sensação doentia e fria na boca do meu

estômago. Eu sabia exatamente como essa história terminaria.

— Ela lembrou de todos que passaram por ela enquanto

estava morrendo e não parou para ajudar, —disse Komatsu.

— No aniversário de um ano da morte de sua filha, uma marca

e uma nota apareceram na porta da primeira família. Hiromi

exigiu um sacrifício: um membro da família tinha que ir até ela

para que ela pudesse ... se alimentar. Se alguém se oferecesse, o


Página 166

resto da família seria deixado em paz. Eles ignoraram a

princípio. Três dias depois, ela levou a família.

— As famílias juntaram dinheiro e contrataram a

Associação de Mercenários, murmurou a mãe de August. —

Ela os matou. Ninguém nos ajudaria depois disso.

Se eu pudesse falar. Eles deixaram este monstro

aterrorizá-los. Eles não pediram ajuda. Poderiam ter ido para

a Ordem, poderiam ter ido para a polícia. Poderiam ter ido


Ilona Andrews
Conto 04.5

para o Bando, afinal, August era um metamorfo e sua família

estava em perigo. Mas eles não o fizeram, porque todos

estavam envergonhados demais para admitir que haviam

deixado uma jovem e sua filha morrerem sozinhas na rua à

vista. Eles apenas receberam sua punição, pagaram sua dívida

de sangue e viveram com culpa. Era o velho caminho honrado

e custou-lhes muitas vidas.

A mãe de August continuou falando. — Ela está ficando


Página 167

cada vez mais forte. Transformou seu gato em um nekomata,

e ela o alimenta com magia negra. Até o sangue dela não é

mais humano. Sangra como uma aranha. Está gananciosa

como uma também. As pessoas têm desaparecido mais e mais

com o passar do tempo. Todo ano ela marca uma nova porta.

Este ano ela marcou a nossa.

Eu imaginei isso. — Eu disse que deveria ir. —A avó de

August se endireitou. — Sou velha. Eu vivi o suficiente.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Nós discutimos sobre isso, —disse a mãe de August.

— Enquanto discutíamos, August decidiu que ninguém

deveria ir. Ele foi ao encontro da própria Hiromi. —Sua voz

falhou e ela fechou os olhos.

August morrera por eles. Para sua família. O primeiro

filho da nova geração, o herdeiro da família.

Eles perderam o futuro e estavam esmagados.

Como August desobedecera e lutara, Hiromi brincou


Página 168

com ele. Ela deve tê-lo infectado de alguma forma, e ele trouxe

sua magia com ele para o escritório do metamorfo. Jim estava

no lugar errado na hora errada e agora ela o queria. Bem, ela

não poderia tê-lo. Ele era meu.

O Sr. Komatsu se levantou e abraçou a irmã. — Não

sabemos o que aconteceu entre Hiromi e meu sobrinho.

Encontramos o corpo de August à nossa porta. Ele foi

drenado. Seu cadáver estava desprovido de todo líquido. Nós


Ilona Andrews
Conto 04.5

o enterramos. A marca desapareceu da nossa porta. Nós não

podemos ajudá-la. Agora nos deixe em paz para que possamos

sofrer.

Eu me levantei e saí, deixando os fragmentos de uma

família quebrada atrás de mim. Eu me senti mal, mas

finalmente sabia o que era meu inimigo.


Página 169

PAREI AO LADO DA MINHA mãe na janela da cozinha.

Através dela, pude ver o jardim e Jim junto à árvore. Levou

oito horas para o Keong Emas amadurecer e cada hora tinha

acrescentado anos ao rosto de Jim. Sua pele bonita parecia

sem graça, como se estivesse esfregada com cinza. Círculos

inchados se agarravam aos olhos dele. Ele parecia exausto,

drenado, como um homem que passou uma década


Ilona Andrews
Conto 04.5

trabalhando em uma mina infernal. Apenas os olhos

permaneciam os mesmos: olhos penetrantes e perigosos,

iluminados por dentro por um brilho verde letal. Ele tinha

vontade de viver, mas não tinha mais forças para continuar.

Ele estava morrendo.

Pobre Jim. Meu pobre, pobre Jim.

Minha mãe franziu os lábios. — Não é tarde demais para

desistir dele. Sua magia não vai funcionar nela. Ela é um


Página 170

demônio inseto. Aracnídeo, na verdade.

— Eu tenho um plano, mãe.

Minha mãe se virou para mim devagar. Seu lábio

tremeu. Oh meus deuses.

Ela me abraçou, apertando-me contra ela. — Minha

corajosa bebê, você é a única que tenho. A única. Minha


Ilona Andrews
Conto 04.5

preciosa, minha doce filha. Você é meu tudo. Estou te

implorando, por favor, por favor, deixe-o ir.

Senti o cheiro de lágrimas e soube que ela estava

chorando e então chorei também. — Não posso, mãe. Eu o

amo tanto. Simplesmente não posso.

Ela segurou-me com tanta força que parecia ter medo

que eu fosse desaparecer no ar. Ficamos nos segurando por

um longo minuto, e então ela me soltou. — Tudo bem. Eu vou


Página 171

te ajudar então.

Ela pegou o frasco de vidro. Dentro dela, uma única gota

de pupa29 pendia da parede de vidro. Minha mãe enxugou as

lágrimas. — Nós vamos fazer isso, agora.

29
A Pupa também chamada de crisálida, é o estágio intermediário entre a larva e o adulto,
no desenvolvimento de certos insectos que passam por metamorfose completa. Muitas espécies produzem um
casulo, que protege a pupa durante o seu desenvolvimento.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Saímos para o jardim, minha mãe liderando o caminho

e eu seguindo, carregando meu kit de caligrafia e keris30

antigos na minha mão. A adaga se curvava em um padrão

ondulado desde a base assimétrica até a ponta afiada, e a dúzia

de metais que formavam a lâmina brilhavam como se a arma

fosse forjada a partir de água corrente prateada.

De perto, Jim parecia ainda pior. Minha família o

mantinha acordado, mas havia esgotado toda a sua força.


Página 172

Apenas a casca de um homem foi deixada.

Jim viu a faca. Seus lábios se moveram. As palavras

saíram devagar. — Se você precisa de uma boa faca, eu deixo

você pegar emprestado uma das minhas. Você não pode nem

mesmo cortar direto com essa coisa.

30
É uma adaga assimétrica de lâmina ondulada, utilizada no arquipélago
da Indonésia. Ela era usada com estocadas profunda e cortes laterais giratórios com o objetivo de decepar membros
ou perfurar órgãos vitais


Ilona Andrews
Conto 04.5

Eu quase chorei de novo.

Minha mãe olhou para mim. Última chance para mudar de

ideia. Eu assenti.

Ela suspirou, abriu o frasco e tocou a ponta da pupa com

o dedo. Magia acendeu através do pequeno casulo. Ele se

partiu e se desfez, virando poeira. Uma mariposa radiante

abriu as asas no lugar da pupa. Magia lavou sobre mim, magia

linda e quente, tão potente e forte, fez meu coração pular uma
Página 173

batida. Eu segurei minha respiração.

Dourado e glorioso, brilhando com uma luz suave,

Keong Emas rastejou até a boca do pote. Ele balançou suas

asas, enviando pequenas faíscas de magia para o ar, e voou,

chovendo poeira dourada e minúsculos pedaços de magia. Ele

pairou sobre Jim, circulou acima dele uma vez, duas vezes,

flutuou pelo jardim e voou para longe, para as árvores.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Todo o jardim estava banhado em um brilho dourado,

pequenas faíscas de magia brilhando nas folhas das plantas,

como jóias preciosas. Eu nunca vi nada tão bonito.

Mãe ofegou. Eu me virei para Jim. Longos fios de teia

de aranha apertavam seu pescoço, estendendo-se para cima,

tornando-se mais transparentes a cada centímetro até que

finalmente desapareciam cerca de um metro acima de sua

cabeça.
Página 174

Eu olhei para minha mãe. — Vai.

Ela colocou o frasco de vidro para baixo, virou-se e

fugiu. O resto da minha família seguiu. Em um momento, o

jardim e a casa estavam desertos. Apenas Jim e eu ficamos.

Eu me aproximei e me ajoelhei ao lado dele. Ele caiu no

banco. Estava tão fraco que provavelmente nem conseguiria

se mexer.

— Como você está?


Ilona Andrews
Conto 04.5

Os lábios cinzentos se moveram. — Ótimo. Nunca estive

tão bem.

— Eu descobri o que aconteceu, —disse a ele. —

Durante a última explosão, uma mulher e sua filha foram

esfaqueadas no sul da Ásia. Elas sangraram na rua e ninguém

ajudou. Foi horrível. A filha morreu, mas a mulher

sobreviveu. Ela se transformou em um monstro e uma vez por

ano ela exige um sacrifício das pessoas que a ignoraram.


Página 175

A voz de Jim era fraca. — Quanto tempo isso tem

acontecido?

— Sete anos.

— E ninguém disse nada?

Balancei a cabeça. — Eles se sentiram envergonhados.

Tentaram contratar a Associação, mas ela matou os

mercenários. Ficou com cada família para si. A família de


Ilona Andrews
Conto 04.5

August foi a última a ser segmentada. Ele foi lutar contra o

monstro.

— Sem apoio?

— Sim.

Jim suspirou. — As pessoas são idiotas.

— Sim, elas são.

Jim tossiu. — E agora?


Página 176

— Há teias de aranha ligadas à sua garganta. Vou cortá-

las com minha linda faca mágica. Quando o fizer, você vai

desmaiar de choque. Então a mulher vai voltar e tentar

devorar você de qualquer maneira, porque o tipo dela nunca

deixa as presas escaparem.

— É por isso que todo mundo foi embora?

Eu balancei a cabeça.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Você vai amaldiçoá-la?

— Algo parecido com isso.

Jim olhou para mim. — Dali?

Como ele sempre sabia quando eu estava escondendo alguma

coisa? — Há um pequeno problema com isso. Minhas

maldições só funcionam em animais e pessoas. Algo com

sangue. Hiromi não tem sangue. Ela tem ichor de inseto.

Lembra-se do caractere kanji que você viu no chão? Joro, a


Página 177

prostituta? Isso faz parte do seu nome demônio. É por isso que

August sabia disso. Sua família tinha medo dela por anos. Ela

é jorogumo31, a aranha prostituta. Então eu vou ter que ser

criativa. —E se eu falhar, você nunca vai acordar.

31
Jorōgumo é um Yōkai do folclore japonês, provavelmente equivalente a um
goblin ou duende, com forma de aranha que pode mudar sua aparência para a de uma mulher sedutora.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Ele tentou se levantar, mas conseguiu apenas uma

contração.

— Você não pode me impedir, —eu disse a ele. — Não

se preocupe. Tenho tudo sobre controle.

— Você deveria ir, —ele disse. — Deixe-me.

— Ter uma menina vegetariana cega salvando suas

costas realmente incomoda você, não é?


Página 178

— Eu não quero que você se machuque.

Peguei a mão dele e apertei, tentando manter as lágrimas

longe da minha voz. — Estou prestes a cortar a teia, Jim. Você

tem cerca de um minuto, então se há algo que você realmente

precisa me dizer, você tem que fazer isso agora.

Seus olhos me disseram que ele entendeu. Esta poderia

ser a última vez que falamos um com o outro. — Sinto muito

pelas nossas brigas.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Eu te perdoo, —disse a ele, e cortei a primeira teia. O

keris o cortou como se fosse nada. Ela piscou e desapareceu.

— Você não entende o que é não ser bonito, porque você

sempre foi sexy.

Ele tossiu. — Sexy?

— Hurrum.

— Você já olhou para mim?


Página 179

— Sim. Eu olho para você o tempo todo, Jim. —Cortei

a segunda teia. Desapareceu. Um arrepio percorreu o corpo

de Jim. Suas pernas tremiam.

— Sobre o indonésio, —disse Jim. — Aprendi isso para

poder falar com você.

Oh Jim. Que diabos, eu poderia nunca mais vê-lo. Esta

era minha última chance. Eu me inclinei e beijei seus lábios.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Ele me beijou de volta. Era terno e amoroso e tudo o que

eu sonhava que seria. Lágrimas escorriam pelo meu rosto e eu

não conseguia detê-las. Eu o amava. Eu não sabia se ele me

amava de volta. Ele poderia ter me beijado por gratidão ou por

algum outro motivo estranho, mas isso não tinha importância

agora. Se alguém me oferecesse uma escolha, sua vida ou seu

amor, eu desistiria do seu amor. Mesmo que isso significasse

que ele nunca se lembraria de mim e nunca mais falaríamos.

Enquanto ele vivesse era tudo que eu queria. Eu só queria que


Página 180

ele ficasse bem.

Nós nos separamos e eu olhei em seus olhos. — Você

está pronto? — Chute a bunda dela, —disse ele.

Cortei a terceira teia.

Seus olhos reviraram em sua cabeça. Ele caiu de volta.

Eu toquei meus dedos em seu pescoço. Vivo. Venha, Vírus-L.

Conserte ele.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Não havia mais nada a fazer senão esperar. Eu me

sentei. Se eu fosse Kate, eu poderia puxar minha espada e

quando Hiromi aparecesse, eu iria cuspir um pouco de magia

nela e depois cortá-la em pedaços. Se eu fosse Andrea, atiraria

até matar. Se eu fosse prima de Jim, que era o gato alfa fêmea

até que Jim encontrasse uma companheira, arranharia ela com

garras. Mas não era. Eu era eu. Tudo que tinha era meu

cérebro, tinta e algum papel.


Página 181

Abri meu kit e comecei a escrever.

Um pequeno barulho me fez levantar a cabeça. Uma

mulher japonesa estava na beira do jardim. Ela usava um

longo manto branco flutuante. Sua pele era como porcelana

fina, seus olhos eram lindamente moldados e seus cabelos

caíam pelas costas como seda preta brilhante.

Vinte minutos. Não demorou muito para ela.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Você pode deixar cair o disfarce, —eu disse. — Eu sei

o que você é.

— E o que seria isso? —Ela perguntou. Sua voz era como

um sino de prata. Mesmo que ela não tivesse atacado Jim, eu

a odiaria por pura inveja.

— Você é uma jorogumo. A aranha prostituta.

O quimono da mulher se dividiu no fundo e se partiu.

Pernas grossas de quitina apareceram, eriçadas com pêlos


Página 182

escuros e duros. Uma criatura demoníaca surgiu à minha

frente: a metade inferior, uma aranha e a metade de cima, um

tronco humano coberto por bandas de exoesqueleto preto

sobrepostas. Seu corpo de aranha era tão longo quanto meu

Prowler e duas vezes mais largo. Isso era ruim.

O gelo apertou minha espinha. Minha garganta

ameaçou fechar. Aposto que Kate nunca se assustava assim.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Eu abri meus dentes. — Acho que vomitei um pouco na

minha boca.

— O homem é meu. —Hiromi apontou seu braço magro

para Jim.

— Não, esse homem é meu.

Hiromi avançou, uma perna de aranha atrás da outra,

sondando o chão. Eu a vi vir em minha direção, um monstro

escuro no jardim brilhante. Em vida ela tinha tão pouco e a


Página 183

única coisa que ela guardava, sua filha, foi arrancada dela. Se

eu fosse Hiromi, eu me tornaria um demônio como uma

grande honra. Seria a minha chance de usar meus poderes

para punir aqueles que me ofenderam, para ser forte e temida.

Mas quanto mais ela estendia sua vingança, mais egoísta ela

se tornava. Punir os ímpios não era mais suficiente, eu podia

ver em seus olhos. Ela cedera à ganância.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Estava quase na linha que eu arranhei no chão. Passo,

outro passo ... Se a magia caísse, tanto Jim quanto eu estaríamos

com sérios problemas.

A perna feia de aranha tocou a linha. Um brilho dourado

iluminou e atravessou a grama e as rochas, delineando um

octógono com Jim no centro. O demônio miou e recuou.

— Uma Proteção muito complicada. Me levou uma

hora para fazer, —eu disse a ela. Eu tinha feito isso ainda em
Página 184

forma de tigre, depois que descobri na mercearia o que eu

estaria enfrentando.

— Eu sou Hiromi Jorogumo, a Donzela Vinculante, a

Mãe Sangrenta. Você vai dar ele para mim!

Uau, agora ela estava dando títulos a si mesma. Cruzei

meus braços no meu peito. — E eu sou Dali, a Tigresa Branca,

a Guardiã de Bunut Bolog. Minha magia é tão forte quanto a

sua. Você não vai passar.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Eu deduzi corretamente, Hiromi estava encantada em

ser uma jorogumo. Ela via isso como uma honra e era

arrogante e vaidosa, o que significava que eu tinha uma

chance. Era uma chance minúscula, mas era melhor que nada.

Eu só tinha que jogar o jogo pelas regras dela.

Uma careta empurrou seu rosto. — Eu ouvi falar de

você, Dali Harimau, Tigrea Branca. Você não pode guardá-lo

o tempo todo. Ele tem que dormir eventualmente e quando o


Página 185

fizer, vou devorá-lo.

— Você tem razão e não vou discutir. É por isso que

quero oferecer-lhe uma barganha. —Eu levantei o pedaço de

papel. Hiromi se inclinou para frente. — Que barganha?

— Um contrato. Você me pergunta um enigma. Se eu

responder corretamente, você vai deixar ele e eu em paz.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Os enigmas eram a maneira tradicional de resolver

problemas. Se ela realmente pensasse como um demônio,

seria atraente para ela.

Os olhos de Hiromi se estreitaram. — E se você não

responder corretamente?

— Então você pode comer Jim e eu.

— Você? A Mística Tigresa Branca?


Página 186

— Sim.

A boca de Hiromi se abriu, liberando uma fileira de

presas afiadas. A saliva se estendia de seus dentes em fios

finos. Ela estava imaginando me comendo e babando. Ecaaaa.

— Três enigmas, —disse ela. — Você responde a todos.

— Está bem.

Eu corrigi o contrato.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Que garantia eu tenho que você vai sujeitar-se? —Ela

perguntou.

— O contrato é magicamente vinculativo. —Coloquei o

papel no chão e empurrei-o pela Proteção com uma vara. —

Está assinado com meu sangue. Se você assinar com seu ichor,

teremos um acordo.

Hiromi baixou o grande corpo de aranha para o chão e

pegou o pedaço de papel com a mão humana.


Página 187

Venha, Hiromi. Seja tão gananciosa quanto eu espero que você

seja.

Hiromi cortou o seu lado. Um líquido pálido e

translúcido se derramou, carregando consigo pequenos nós de

lodo amarelo. Ecaaaa!

A jorogumo mergulhou o dedo no líquido e assinou o

contrato com ele. Magia estalou, agarrando o papel.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Respirei fundo e toquei a Proteção. Desapareceu.

— Primeiro enigma. —Hiromi mostrou os dentes. — Ele

sobe aos céus, mas nunca os alcança, voa como um pássaro

mas não tem asas, isso faz você chorar sem uma causa, aqueles

que a vêem param e olham, serviu como minha mortalha

fúnebre negra e foi a única que eu tive. O que é isso?

Mortalha fúnebre. O que ela viu quando estava morrendo? As

pessoas andando e a cidade em chamas, por causa da fênix


Página 188

nascida da labareda. E onde havia fogo, havia... — Fumaça, —

eu disse. — Quando você morreu Atlanta estava queimando.

Hiromi fechou a boca com força. Suas pernas de aranha

amassaram o chão. — Os homens o tem, mas os deuses o

anseiam, sua perda enfraquece, sua aparência ameaça, o medo

o congela, a guerra o aquece, liga a família e vi o meu me

abandonar.

— Sangue. Você assistiu a si mesma sangrar na rua.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Hiromi balançou para frente e para trás. Ela tinha magia

poderosa, mas não a fazia inteligente. O enigma do sangue era

quase dolorosamente óbvio. O que mais poderia congelar com o

medo, sim não o sangue?

— Último.

Hiromi se moveu para frente e para trás, esquerda e

direita, pensando. No banco, Jim abriu os olhos. Ele piscou e

viu a jorogumo. Seus lábios se afastaram, revelando seus


Página 189

dentes. Hiromi o viu e sibilou, suas pernas se agitando no

chão.

Eu apontei para Jim. — Jim, fique onde está! Hiromi,

nós fizemos um acordo. O último enigma.

Hiromi mordeu o ar com suas presas e sibilou para mim.

— Tem olhos, mas não pode ver, tem ouvidos mas não escuta,

tem presas, mas não caça, tem um ventre, mas está murcho e


Ilona Andrews
Conto 04.5

seco, tem conhecimento, mas não consegue salvar a si mesma,

vai morrer sozinha, lamentando tudo. O que é isso?

Rá! — Sou eu. Você acha que eu não me conheço,

Hiromi? —Ela rosnou. O cuspe voou de sua boca.

É isso mesmo, raiva. Você sabe que quer um pedaço de mim.

Sou muito gostosa. Venha me pegar. Hiromi lamentou em fúria

impotente.

Ela estava quase lá. Eu só tinha que irritá-la o suficiente.


Página 190

— Você é estúpida, Hiromi. Baka32, baka Hiromi. Você é

burra como um verme.

Substância branca explodiu atrás dela em tufos úmidos

e voou para as árvores e a casa, se abrindo em teias.

Atrás de mim, Jim tentou se levantar.

32
Palavra japonesa utilizada por otakus. Significado: Mané, otário, idiota.


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Jim, fique abaixado! —Eu gritei. — Olhe para ele,

você o pegou e eu o tirei de você. Mesmo se você não fosse

louca, ele nunca estaria com você. Não há nada que você

possa fazer sobre isso, Hiromi. Nada! Nós nos libertaremos. É

fraca! Desamparada e nós ...

Hiromi soltou um grito e atacou-me. O enorme corpo de

aranha tirou-me dos meus pés. Os braços de quitina de Hiromi

me agarraram e me arrastaram até a boca.


Página 191

Jim empurrou-se do banco e cambaleou para a frente,

como um homem bêbado com as pernas de moles e pesadas.

Um doce aroma levemente amadeirado flutuou no ar.

A boca de Hiromi ficou boquiaberta, as presas pingando

baba e veneno.

Um enxame de longas pétalas amarelas girou em torno

de nós. Névoa úmida alisou minha pele e a quitina de Hiromi.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Jim conquistou os últimos metros e agarrou a perna de aranha

de Hiromi, tentando dilacerá-la.

Os braços de Hiromi tremiam. — O que é isso?

— Seu castigo por comer pessoas.

Seus dedos perderam a força. Eu escorreguei através

deles e caí desajeitadamente na minha bunda.

Hiromi elevou-se acima de mim em suas patas traseiras,


Página 192

as seis pernas de aranha restantes balançando no ar. Suas

costas arqueadas, mais e mais, e por um segundo eu pensei

que ela iria me esmagar. A jorogumo gritou, um grito

desesperado de dor e puro terror.

Jim se jogou em cima de mim. Hiromi virou-se para a

esquerda com as pernas para trás e para a frente embaladas

por espasmos. Ela correu para a água e bateu na estátua de

Lakshmi, deixando uma mancha amarelada de ichor, virou à

esquerda e bateu em uma árvore, pisoteando os arbustos de


Ilona Andrews
Conto 04.5

oleandro, bateu na cerca e girou no lugar gritando. As pétalas

amarelas a perseguiram agarrando-se a sua pele.

Eu coloquei Jim em uma posição sentada e o abracei no

caso dele cair. Ele não se lembraria desse gesto mais tarde,

coisas muito mais interessantes estavam acontecendo ao

nosso redor.

As pernas de Hiromi bateram no chão. Ela correu até a

casa, correu até a parede e desabou. Seus braços humanos se


Página 193

agitaram. Ela mergulhou-os em seu corpo e arrancou pedaços

de pele.

A perna esquerda da frente estalou como um palito de

dente. Ela guinchou e se bateu na casa. Uma mancha amarela

se espalhou na parede. Ela bateu na casa de novo e mais uma

vez. As paredes de tijolos tremiam. Pequenas rachaduras

cruzaram o corpo de Hiromi. Ela bateu na casa novamente e

seu corpo explodiu. Ichor encharcou a parede. Os restos da

jorogumo deslizaram e ficaram parados.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Um cheiro salgado doentio nos atingiu.

— Isso foi uma coisa infernal, —disse Jim.

Ele veio para mim novamente. Ele mal conseguia se

mover, mas se arrastou e se jogou em um demônio enfurecido

por minha causa. Era o suficiente para fazer uma menina

chorar. Só que agora o perigo passou e minha cabeça estava

limpa. Eu sabia que estava vendo o que não existia, me

iludindo.
Página 194

— O que você fez com ela? —Ele perguntou.

— Eu não podia amaldiçoá-la diretamente, então eu

escrevi um contrato com uma maldição. Assinou com o seu

ichor, —eu disse. — Ela condenou-se, e quando quebrou o

acordo, isso a destruiu.

— E as pétalas?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Crisântemos. —Eu sorri e descansei minha bochecha

em seu ombro. — A maldição de punição escrita no contrato.

Essas flores produzem óleo de piretro. É mortal para insetos e

aracnídeos: ataca o sistema nervoso central, enlouquece e

depois os mata. Nós olhamos para a bagunça amarela ao lado

da casa. — Minha mãe vai me matar, —eu disse.


Página 195

TIREI A CHALEIRA DE METAL do fogão e despejei água

fervente na caneca de cerâmica menor.

A delicada fragrância de jasmim se espalhou pela minha

cozinha. Ao meu redor minha casa estava quieta.

Levou dois dias para limpar a casa da minha mãe. Por

dois dias eu não fiz nada além de esfregar ichor de aranha


Ilona Andrews
Conto 04.5

demoníaca e desagradável nas paredes, nos bancos e nas

pedras, enquanto Jim conseguia comer boa comida e ser

importunado pela minha mãe. Ontem à noite ele melhorou e

foi embora. Passei a noite na casa da minha mãe e depois

voltei para a minha casa. A correspondência se acumulou.

Pooki provavelmente sentia a minha falta, embora ele não

tenha dito nada quando eu cheguei para checá-lo na garagem.

Já era noite agora. Eu servi o chá e sentei no meu


Página 196

pequeno sofá.

Fiz uma total idiota de mim mesma. Eu tinha beijado

Jim e depois o abracei. Tão constrangedor. Espero que ele não

se lembre.

Era o que acontecia quando você deixava suas emoções

levarem a melhor sobre você, perdia a capacidade de pensar

com clareza. Mais cedo ou mais tarde teríamos que trabalhar

juntos. Seria tão estranho. Coloquei minha mão no meu rosto.

Estava sozinha em casa e ainda estava envergonhada.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Menina cega, triste e patética, tomando chá e

escondendo o rosto. Respirei fundo e deixei sair devagar.

Precisava de outra corrida. Isso me faria sentir melhor. Em

algum lugar naquela pilha de papel estava o orçamento da

oficina de reparos. Quanto mais cedo eu desse a eles a

permissão, mais rápido eu pegaria o Rambo de volta.

Um familiar perfume masculino me puxou. Oh meus

deuses. Não, não, não, não, não.


Página 197

Tirei a mão dos meus olhos.

Ele estava dentro da sala, encostado na parede ao lado

da porta do meu pátio. Parecia ótimo. Como se nada tivesse

acontecido.

O que eu faço agora?

Jim levantou uma pequena cesta de vime. — O que é

isso?


Ilona Andrews
Conto 04.5

— Isso é um bife para mim e macarrão de cogumelos

para você. A massa é feita com tofu e óleo de palma em vez

de ovos. Cozinhei eu mesmo. Meu bife está embrulhado em

várias camadas de papel alumínio. Não está tocando o

recipiente com sua comida, então não se preocupe.

Hum ... ele me fez o jantar. Ele cozinhou para mim. Em

termos de metamorfo, era como entregar três dúzias de rosas

vermelhas com uma etiqueta que dizia ‘EU TE AMO’. O que no


Página 198

mundo ele estava fazendo?

— Eu pensei que você poderia querer algo diferente da

cozinha de sua mãe. —Jim sorriu. Ele parecia quase

insuportavelmente bonito. — Não que não seja ótima, mas

três dias de arroz é um pouco demais.

— Jim ...

— O problema em ser um alfa é que você nunca pode

dar o primeiro passo. Faz você se sentir como se estivesse


Ilona Andrews
Conto 04.5

aproveitando-se de sua posição. Você tem que esperar até que

a outra pessoa decida que ela quer entrar.

Jim colocou a cesta na mesa de café e se agachou ao meu

lado.

— E às vezes parece que essa pessoa gosta de você e você

tenta testar as águas, então você tenta dizer a ela como se

sente, que ela é importante e quer estar com ela e está

preocupado com sua segurança. E toda vez que você faz isso,
Página 199

ela acena e acusa você de ser um babaca alfa controlador.

Então você recua e espera que não tenha estragado tudo

completamente.

Ele estava perto, perto demais. Eu apenas olhei para ele.

O que estava acontecendo ... — Por que você está me dizendo

isso?


Ilona Andrews
Conto 04.5

Sua voz era baixa e suave. — Naquele dia, quando eu

disse que não importava o que sua mãe pensava sobre sua

aparência ...

— Arrá.

— Eu quis dizer isso, —disse ele. — Porque eu acho que

você é linda.

Isso realmente estava acontecendo. Ele me beijou. Oh

meus deuses.
Página 200

Fim ...


Ilona Andrews
Conto 04.5

Queridos leitores:

Escrever esta romance foi uma explosão. Nós nos


divertimos muito, e esperamos que você tenha gostado de ler
sobre esses personagens tanto quanto gostamos de escrever
sobre eles. Não poderíamos encaixar tudo o que queríamos no
limite de palavras de um conto, e recebemos tantos pedidos de
leitores que querem saber mais sobre o passado de Jim e Dali
Página 201

que estamos planejando trabalhar em um romance completo


com esses personagens no futuro próximo.


Ilona Andrews
Conto 04.5

Próximo Lançamento Exclusivo das


Divas & Lord’s
Livro 5 – Magic Slays

Atormentado por uma guerra


entre magia e tecnologia, Atlanta
nunca foi tão mortal. Ainda bem
que Kate Daniels está no
trabalho.

Kate Daniels pode ter desistido da


Página 202

Ordem de Ajuda Misericordiosa, mas


ela ainda está com problemas
paranormais. Ou estaria se
conseguisse alguém para contratá-la.
Começar seu próprio negócio tem sido
mais desafiador do que ela pensava,
agora que a Ordem está depreciando seu bom nome. Além disso, muitos clientes em
potencial têm medo de ficar do lado ruim do Senhor das Feras, que por acaso é o
companheiro de Kate.
Então, quando o primeiro Mestre dos Mortos de Atlanta pede ajuda com um vampiro
à solta, Kate aproveita a chance de algum trabalho remunerado. Mas acontece que
este não é um incidente isolado. Kate precisa chegar ao fundo e rápido, ou a cidade
e todos que ela gosta podem pagar o preço final...

Vous aimerez peut-être aussi