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Assim, o dolo eventual ocorre quando o agente - Júlio Fabbrini Mirabete: “A culpa consciente
assume o risco de produzir um resultado que por ele avizinha-se do dolo eventual, mas com ela não se
foi previsto.[7] Houve, portanto, a visualização da confunde. Naquela (na culpa consciente), o agente,
possibilidade da ocorrência do ato ilícito e, mesmo embora prevendo o resultado, não o aceita como
assim, o agente não interrompeu sua ação, possível. Nesse (no dolo eventual), o agente prevê o
“admitindo, anuindo, aceitando, concordando com o resultado, não se importando que venha ele a
resultado”.[8] ocorrer”.[12]
2.3.Diferença entre culpa consciente e dolo A discussão quanto à incidência de dolo eventual ou
eventual de culpa consciente só surge quando a partir da
prática do racha sobrevém um resultado danoso tal
Alguns autores posicionam-se sobre a diferenciação como o homicídio.
entre os dois tipos de elementos subjetivos que são
objeto desta pesquisa – dolo eventual e culpa 4. Superveniência de resultado concreto em crime
consciente –, a saber: de racha
- Cezar Roberto Bitencourt: “Os limites fronteiriços Se o comportamento imprudente ocasiona acidente
entre o dolo eventual e a culpa consciente constituem que tem como conseqüência morte ou lesão corporal
um dos problemas mais tormentosos da Teoria do de terceiro, o entendimento do Des. Maurílio Moreira
Delito. Há entre ambos um traço em comum: a Leite, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, é de
previsão do resultado proibido. Mas, enquanto no que o delito de homicídio ou lesão absorve o crime de
dolo eventual o agente anui ao advento desse participação em competição não autorizada, que
resultado, assumindo o risco de produzi-lo, em vez de prevê tão-só a conduta potencialmente danosa. [16]
renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário,
repele a hipótese de superveniência do resultado, na Surge, então, a dúvida: O crime de homicídio ou o de
esperança convicta de que este não ocorrerá.”[10] lesão corporal, decorrente da prática do racha,
pertence à modalidade dolosa ou culposa? É
inquestionável que o praticante de racha prevê o cominação de penas diametralmente
resultado antijurídico (lesão ou morte de terceiro) desproporcionais para alguém que,
como possível. A dúvida reside em determinar se o desavisadamente, joga um vaso de flor de cima de
agente presta anuência para que este resultado um prédio e acaba matando um infeliz transeunte
sobrevenha (dolo eventual) ou se repele a idéia de (detenção de 1 a 3 anos) e outrem que, praticando
advento do resultado e acredita veementemente que, corrida não autorizada em via pública, atropela e
em função de sua habilidade, tal resultado não virá a mata um pedestre (detenção, de 2 a 4 anos, podendo
ocorrer (culpa consciente). ser aumentada de um terço à metade, e suspensão
ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação
Em se tratando de superveniência do resultado para dirigir veículo automotor).
morte, o art. 308 do CTB ficará absorvido ou pelo art.
302 do CTB, ou pelo art. 121 do CP? É crucial a 5.Posicionamento doutrinário pró-dolo eventual
compreensão de que o que irá determinar se a
absorção dar-se-á pelo art. 302 do CTB ou pelo art. - Júlio Fabbrini Mirabete: “Querer o perigo ou
121 do CP será o entendimento de que o resultado aceitar o risco de sua ocorrência equivale a consentir
morte deriva de culpa consciente do autor, no no risco do resultado (morte ou lesão corporal).”[21]
primeiro caso, ou de dolo eventual, no segundo.
- José Marcos Marrone: “Se da corrida, disputa ou
A interpretação pró-culpa consciente é, sem dúvida, competição não autorizada resultar evento mais
o entendimento mais benéfico para o agente que grave (lesão ou morte), configura-se o dolo eventual
ficará sujeito a uma sanção menor: a prática de (art. 18, I, 2ª parte, do Código Penal), respondendo o
homicídio culposo na direção de veículo automotor condutor pelo delito de homicídio doloso ou lesão
tem uma pena cominada pelo CTB de detenção, de corporal dolosa. Fica absorvido o crime do art. 308 do
dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se CTB. ” Reforçando o mesmo entendimento o autor
obter a permissão ou a habilitação para dirigir. continua: “Efetivamente, aquele que participa de
‘racha’, em via pública, tem consciência dos riscos
Por outro lado, o entendimento mais gravoso para o envolvidos, aceitando-os, motivo pelo qual mereve
autor é o de que este agiu com dolo eventual, ser responsabilizado por crime doloso.” [22]
assumindo o risco e anuindo previamente na
superveniência do resultado morte. Tratar-se-ia de 6. Posicionamento doutrinário pró-culpa
absorção pelo art. 121[17] do Código Penal Brasileiro consciente
que comina pena de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte)
anos para o homicídio simples e de 12 (doze) a 30 - Cezar Roberto Bitencourt: “Por fim, a distinção
(trinta) na hipótese de homicídio qualificado. entre dolo eventual e culpa consciente resume-se
à aceitação ou rejeição da possibilidade de produção
4.1. Homicídio e lesão corporal culposos no do resultado. Persistindo a dúvida entre um e outra,
trânsito dever-se-á concluir pela solução menos grave: pela
culpa consciente”.[23]
No Código Penal, o homicídio culposo tem uma pena
cominada de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.[18] - Edmundo José de Bastos Jr.: “Quando a atitude
Em 1997, com o advento do Código de Trânsito, psíquica do agente não se revelar inequívoca, ou se
passou a existir uma previsão específica no art. 302 há inafastável dúvida se houve, ou não, aceitação do
da pratica de homicídio culposo na direção de veículo risco do resultado, a solução deve ser baseada no
automotor, com uma pena cominada superior à princípio in dubio pro reo, vale dizer, pelo
anterior do Código Penal, qual seja detenção, de 2 reconhecimento da culpa consciente. (...) Nos
(dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de delitos de trânsito, há um decisivo elemento de
se obter a permissão ou a habilitação para dirigir referência para o deslinde da dúvida entre dolo
veículo automotor, podendo ser aumentada de um eventual e culpa consciente: o risco para o próprio
terço à metade nas hipóteses previstas no parágrafo agente. Com efeito, é difícil aceitar que um condutor
único.[19] de veículo, na plenitude de sua sanidade mental, seja
indiferente à perda de sua própria vida – e,
Alguns doutrinadores, como Rui Stoco, defendem a eventualmente, de pessoas que lhe são caras - em
inconstitucionalidade do art. 302 do CTB por ofensa desastre que prevê como possível conseqüência de
ao princípio constitucional da isonomia e ao direito manobra arriscada que leva a efeito (...).” [24]
subjetivo do réu a um tratamento igualitário[20]. Este
entendimento de Rui Stoco segue a linha da 7. Posição jurisprudencial
dogmática clássica, para a qual a antijuridicidade está
limitada à desvaloração do resultado. Na década de 1990, como parte de uma “política
criminal do terror”, observou-se o nascimento – no
Por este entendimento, sendo o resultado o mesmo Rio Grande do Sul – e fortalecimento – em todo o
(homicídio culposo), não haveria razão para a território nacional – de uma corrente jurisprudencial
que passou a reconhecer, indiscriminadamente a Em análise da interpretação jurisprudencial da
existência de dolo eventual nos acidentes matéria, observou-se que, quando não há provas
automobilísticos, decorrentes ou não de racha, com concretas, definitivas de que o acusado tenha agido
repercussão social [25] . Entretanto, decisões com a intenção de causar o resultado, não poderá
isoladas para um ou outro lado continuam a ser existir outra decisão senão no sentido de se
prolatadas pelos Tribunais Brasil a fora. reconhecer uma conduta culposa.