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Zuleide S. Silveira*
zuleidesilveira@terra.com.br
RESUMO
Este texto busca fugir do equívoco que consiste em separar a dimensão cultural da dimensão social e estas dos
fenômenos econômicos. Neste sentido, resgata o debate em torno do conceito de cultura e de alguns de seus aspectos,
analisando criticamente as implicações do pensamento pós-moderno nos temas culturais. Ao recorrer ao método do
materialismo histórico, examina o conceito de cultura com os clássicos Antonio Gramsci, Edward Thompson, e
Raymond Williams, evidenciando que o estudo cultural não se faz sem a relação entre ideias, dominação e
transformação econômica e sociocultural. O texto está divido em três seções, além das Considerações finais. A
primeira, Trabalho e cultura, procura mostrar que a cultura é produzida no e pelo trabalho; a segunda, Breve nota
sobre o materialismo cultural, evidencia que a cultura opera, permanentemente, na sociedade não sendo esfera
autônoma e independente do mundo dos homens; a terceira, Os estudos culturais e implicações políticas, analisa as
implicações políticas do pensamento pós-moderno de cultura, à luz dos clássicos citados anteriormente.
Palavras-chave: Cultura. Materialismo cultural. Estudos culturais.
1 TRABALHO E CULTURA
1
Este texto tem por base Silveira (2011).
*
Doutora em Educação/Campo Trabalho e Educação (UFF); Professora Associada do Núcleo de Estudos,
Documentação e Dados sobre Trabalho e Educação (NEDDATE/UFF); Professora de Sociologia Aplicada do Curso
Técnico de Segurança do Trabalho e de Economia Política da Educação do Curso de Pós-Graduação Lato Senso
Trabalho, Tecnologia e Educação, ambos do CEFET/RJ.
O conceito de cultura nos oferece uma base mais ampla para compreender as múltiplas
manifestações do humano. Desde o trabalho manual ou robotizado à palavra, ao
pensamento e à criação artística. Da violência ‘fraternal e guerreira’ à ‘irmandade’ que
custodia a vida; do normandismo à cidade-Estado e às grandes urbes de nossa época. A
alusão a esta riqueza da vida humana e à multiplicidade de suas formas não significaria
abrir um espaço de indeterminação, mas, ao contrário, assinalar a necessidade de uma
lógica em que a variedade dos fenômenos humanos se articule, pois a cultura é uma
realidade estruturada ‒ sem excluir suas contradições ‒ e estruturante (PARIS, 2002, p.
37-8).
Os estudos culturais têm sido objeto de grande interesse nas instituições de ensino
superior. Farta documentação tem sido emanada dos programas de pós-graduação, por meio de
pesquisas, seminários, conferências e, ainda, editoras que dedicam catálogos inteiros à produção
de estudos sobre cultura. Na realidade, esses estudos fazem parte de um movimento de
intelectuais, autodenominados pós-modernos, e de um projeto maior que se propõe, com
crescente sucesso, a remodelar o ensino e a pesquisa na área das ciências humanas e sociais.
Longe de serem um grupo homogêneo, os pós-modernos de direita, por um lado, creem
no poder democratizante e humanizador do capitalismo, bem como nos prazeres trazidos pelo
consumismo, proclamando o fim da História2 ou triunfo do capitalismo diante da queda do Muro
de Berlim. De outro lado, os intelectuais da esquerda pós-modernista repetem o discurso do fim
de época e o nascimento de tempos pós-modernos, que marcariam o fim do Iluminismo, dos
velhos princípios de racionalidade e de antigas verdades e ideologias. O paradigma emergente
2
A visão de história é um constructo ou representações sob diversos signos de um poder capaz de extrair saberes
alternativos do narrador. Para os pós-modernos, não há história, mas sim, histórias de e para determinados grupos
que ocupam “lugares de onde falam”. Desse modo, existe a história da mulher, a história do homossexual, etc.
3
Em A crítica da razão indolente, bem como em Um discurso sobre as Ciências, Boaventura de Sousa Santos refuta
a ciência moderna, trazendo para o centro do debate a possibilidade de ruptura epistemológica, no sentido de
transformar o senso comum em um novo e emancipatório paradigma de ciência, isto é, a ciência pós-moderna ao se
“sensocomunizar” defende que o conhecimento deve transformar-se em autoconhecimento, em sabedoria de vida,
por meio do desenvolvimento tecnológico. O senso comum, mesmo sendo, “um conhecimento mistificado e
mistificador, e apesar de conservador, possui uma dimensão utópica e libertadora que pode valorizar-se através do
diálogo com conhecimento pós-moderno” (SANTOS, 2000, p. 101; 2002, p. 55-7).
4
Cf. BORON (2002).
5
Esta argumentação tem como fundamento a obra de Foucault, que estabelece uma relação entre poder e
conhecimento. O filósofo francês rompe com a noção de que o poder esteja situado no âmbito do Estado, se deixando
conduzir por uma análise “ascendente do poder”. A análise da micropolítica das relações do poder em localidades,
contextos e situações distintos permitiria afirmar que existe uma íntima relação entre os sistemas de conhecimento
(“discursos”), que codificam técnicas e práticas para o exercício do controle e do domínio sociais em contextos
localizados. Assim sendo, para Foucault, o desafio ao “sistema” (capitalismo global), somente, seria possível, por
meio de resistência localizada a práticas localizadas de repressão ocorridas no interior de hospitais, presídios,
escolas, universidades (HARVEY, 2005, p. 50).
6
Para uma análise do determinismo e relativismos culturais ver Spiro (1998), disponível em:
http://www.fpce.up.pt/ciie/revistaesc/ESC9/9-arquivo.pdf, acesso em 20 de setembro de 2009.
7
Williams (2008) ressalta que a “cultura popular” tem sido, de um lado, uma complexa combinação de elementos
que desempenham o papel de produzir e reproduzir as condições de vida em um campo de conflitos sobre o conteúdo
da cultura e da forma de vida social; de outro, essa “cultura popular” é a mais importante área da produção cultural
burguesa, que se encaminha no sentido de uma universalidade oferecida por instituições de comunicação, buscando
subsumir a cultura da classe trabalhadora à ideia de cultura de minoria.
Na esfera da cultura, aliás, as ‘explosões’8 são ainda menos freqüentes e menos intensas
do que na esfera da técnica, na qual uma inovação se difunde, pelo menos no plano mais
elevado, com relativa rapidez e simultaneidade. Confunde-se a ‘explosão’ de paixões
políticas acumuladas num período de transformações técnicas, às quais não
correspondem novas formas de organização jurídica adequada, mas sim imediatamente
um certo grau de coerções diretas e indiretas, com transformações culturais, que são
lentas e graduais; e isto porque, se a paixão é impulsiva, a cultura é produto de uma
complexa elaboração. (A referência ao fato de que por vezes, o que se tornou ‘ferro
velho’ na cidade ainda é ‘utensílio na província pode ser desenvolvida com utilidade)
(GRAMSCI, 2001, v.2, p. 207).
8
Gramsci faz referência às modificações no modo de pensar, nas crenças, nas opiniões que, não explodem
espontaneamente, mas ocorrem gradual e lentamente, por meio de “combinações sucessivas” de coerção e produção
de consenso, por meio de material ideológico.
9
Valencia (2008) ressalta que no momento em que um grupo de pesquisadores de origem latino-americana passou a
utilizar o multiculturalismo para aplicá-lo nos estudos da América Latina, surgiu a teoria pós-colonial ou estudos
subalternos. Destacando que as fontes originárias da teoria pós-colonial se encontram na genealogia de Michael
Foucault, na psicanálise de Jaques Lacan, na teoria (des) construtivista e (meta) narrativa de Jaques Derrida – todos
enquadrados na ideologia pós-moderna e no anti-ocidentalismo – e na filosofia de Martín Heidegger, o sociólogo
mexicano aponta que tal teoria tem como coordenadas geopolíticas, as linhas europeia e norte-americana pós-
moderna, cujos autores líderes são Lyotard e Braudillard; o pós-colonialismo, com duas vertentes: a indiana
representada por Guha, Baba, Spivak; a pós-orientalista em que se situa Edward W. Said; e, finalmente, o pós-
ocidentalismo, em que autores como Mignolo, Coronil, Dussel, Quijano e Lander, aparecem entre os mais
representativos (op.cit., p. 109-10).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ABSTRACT
REFERÊNCIAS
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