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Ulisses Vasconcelos
individuais.
A DIFERENÇA ENTRE MORAL E ÉTICA
Moral é o conjunto das regras ou normas
de conduta admitidas por uma sociedade ou por
Os conceitos de Moral e Ética, embora um grupo de homens em determinada época.
sejam diferentes, são com freqüência usados Assim, o homem moral é aquele que age bem ou
como sinônimos. Moral vem do latim mos ou mal na medida em que acata ou transgride as
moris, que significa “maneira de se comportar regras do grupo.
regulada pelo uso”; daí relacionarmos o termo
“moral” com “costume”, e de moralis, morale, 60 A Moral, ao mesmo tempo que é o
adjetivo referente ao que é “relativo aos conjunto de regras que determina como deve ser o
costumes”. Ética vem do grego ethos, que tem o comportamento dos indivíduos do grupo, é
mesmo significado de “caráter”, “costume”. O também a livre e consciente aceitação das normas.
sentido que os antigos gregos atribuíam ao Isso significa que o ato só é propriamente moral
homem de bons costumes era o mesmo do homem se passar pelo crivo da aceitação pessoal da
de boa índole, de bom caráter. Por isso, os termos norma. A exterioridade da moral contrapõe-se à
Moral e Ética se confundem, mas guardam entre necessidade da interioridade, da adesão mais
si certas diferenças. íntima.
Os costumes, porque são anteriores ao Portanto, o homem, ao mesmo tempo que
nosso nascimento e formam o tecido da sociedade é herdeiro, é criador de cultura, e só terá vida
em que vivemos, são considerados autenticamente moral se, diante da moral
inquestionáveis e quase sagrados (as religiões constituída, for capaz de propor a moral
tendem a mostrá-los como tendo sido ordenados constituinte; aquela que é feita dolorosamente por
pelos deuses, na origem dos tempos). Ora, a meio das experiências vividas. Mesmo quando
palavra costume se diz, em grego, ethos – donde, queremos manter as antigas normas, há situações
ética – e, em latim, moris – donde, moral. Em críticas enfrentadas devido à especificidade de
outras palavras, ética e moral referem-se ao cada acontecimento. Por isso a cisão também
30 conjunto de costumes tradicionais de uma pode ocorrer a partir do enredo de cada drama
sociedade e que, como tais, são considerados pessoal: a singularidade do ato moral nos coloca
valores e obrigações para a conduta de seus em situações originais em que só o indivíduo livre
membros. e responsável é capaz de decidir.
A língua grega possui uma outra palavra Ética ou filosofia moral, é a disciplina
que precisa ser escrita em português com as filosófica que se ocupa com a reflexão a respeito
mesmas letras que a palavra que significa das noções e princípios que fundamentam a vida
costume: ethos. Em grego, existem duas vogais moral. Essa reflexão pode seguir as mais diversas
para pronunciar e grafar nossa vogal e: uma vogal direções, dependendo da concepção de homem
breve, chamada epsilon, e uma vogal longa, que se toma como ponto de partida.
chamada eta. Ethos, escrita com a vogal longa, Assim, à pergunta “o que é o bem e o
significa costume; porém, escrita com a vogal mal”, respondemos diferentemente, caso o
breve, significa caráter, índole natural, 90 fundamento da moral esteja na ordem cósmica, na
temperamento, conjunto das disposições físicas e vontade de Deus ou em nenhuma ordem exterior à
psíquicas de uma pessoa. Nesse segundo sentido, própria consciência humana. Podemos perguntar
ethos se refere às características pessoais de cada ainda: Há uma hierarquia de valores ? Se houver,
um que determina quais virtudes e quais vícios o bem supremo é a felicidade? É o prazer ? É a
cada um é capaz de praticar. Referem-se, atividade ? É o dever ?
Por outro lado, é possível questionar: Os
valores são essências ? Têm conteúdo
determinado, universal, válido em todos os
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A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos
tempos e lugares ? Ou, ao contrário, são relativos? do incorreto. Os juízos éticos de valor nos dizem
Ou, ainda, haveria possibilidade de superação das o que são o bem, o mal, a felicidade. Os juízos
duas posições contraditórias do universalismo e éticos normativos nos dizem que sentimentos,
do relativismo ? As respostas a essas e outras intenções, atos e comportamentos devemos ter ou
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questões nos darão as diversas concepções de vida fazer para alcançarmos o bem e a felicidade.
moral elaboradas pelos filósofos através dos Enunciam também que atos, sentimentos,
tempos. intenções e comportamentos são condenáveis ou
incorretos do ponto de vista moral.
PARA FIXAR
SENSO OU CONSCIÊNCIA MORAL:
referem-se a valores éticos (justiça, honradez,
MORAL: conjunto dos costumes e juízos 60 espírito de sacrifício, integridade, generosidade) e
morais de um indivíduo ou de uma sociedade que as decisões que conduzem a ações com
possui caráter normativo (regras do conseqüências para nós e para os outros. Os
comportamento das pessoas no grupo). Conjunto sentimentos e as ações, nascidos de uma opção
de regras que visa orientar a ação humana, entre o bem e o mal se referem a algo mais
submetendo-a ao dever, tendo em vista o bem e o profundo e subentendido: nosso desejo de afastar
mal. Conjunto de normas livre e conscientemente a dor e o sofrimento e de alcançar a felicidade,
aceitas que visam organizar as relações dos seja por ficarmos contentes conosco mesmo, seja
indivíduos na sociedade. para recebermos a aprovação dos outros.
ÉTICA: parte da filosofia que se ocupa com a ATO MORAL E ATO IMORAL: o ato moral
reflexão a respeito das noções e dos princípios é constituído de dois aspectos: o normativo e o
que fundamentam a vida moral. A ética é uma fatual. O normativo são as normas ou regras de
disciplina teórica sobre a prática humana, que é o ação e os imperativos que enunciam o dever ser.
costume ou o comportamento humano. No O fatual são os atos humanos enquanto se
entanto, as reflexões éticas não se restringem realizam efetivamente. Pertencem ao âmbito do
apenas à busca de conhecimento teórico sobre normativo regras como: “Cumpra a sua obrigação
valores humanos, cuja origem e desenvolvimento de estudar”; “Não minta”; “Não roube”; “Não
levantam questões de caráter sociológico, mate”. O campo do fatual é a efetivação ou não da
antropológico, biológico, religioso etc. A ética é norma na experiência vivida. Os dois pólos são
uma filosofia prática, ou seja, uma reflexão sobre distintos, mas inseparáveis. A norma só tem
a práxis (ação prática) em todos os setores da vida sentido se orientada para a prática, e o fatual só
30 humana. adquire contorno moral quando se refere à norma.
O ato efetivo será moral ou imoral, conforme
VALOR: algo possui valor quando não permite esteja de acordo ou não com a norma
que permaneçamos indiferentes (a não-indiferença estabelecida. Por exemplo, diante da norma “Não
é a essência do valor). Frequentemente emitimos minta”, o ato de mentir será considerado imoral.
juízos de valor quando os fatos (juízos de fatos – O ato só pode ser moral ou imoral se o indivíduo
a existência efetiva – que dizem como são as introjetou a norma e a tornou sua, livre e
coisas, como são e por que são) nos provoca um conscientemente.
sentimento de atração ou de repulsa (juízos de
valor – avaliações sobre coisas, pessoas, situações ATO AMORAL: considera-se amoral o ato
que são proferidos na moral, nas artes, na política, 90 realizado à margem de qualquer consideração a
na religião etc.). Juízos de valor avaliam coisas, respeito das normas. Trata-se da redução ao
pessoas, ações, experiências, acontecimentos, fatual, negando o normativo. O homem “sem
sentimentos, estados de espírito, intenções e princípios” quer pautar sua conduta a partir de
decisões como bons ou maus, desejáveis ou situações do presente e ao sabor das decisões
indesejáveis. Os juízos éticos de valor são momentâneas, sem nenhuma referência a valores.
normativos, isto é, enunciam normas que É a negação da moral.
determinam o dever ser de nossos sentimentos,
nossos atos, nossos comportamentos. São juízos
que enunciam obrigações, dever, e avaliam
intenções e ações segundo o critério do correto e
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dela) do seu cliente e vá até o fim na defesa. Em termos mais
gerais, nossa idéia básica é que o advogado, mais do que qualquer
outro cidadão, leve a sério o preceito “todos são inocentes até que AGORA É COM VOCÊ !
se prove o contrário”, vigente como valor, regra e lei em nossa
sociedade. Caso tivesse desistido, moralmente ele também ficaria Exercícios Propostos
em dívida, ao menos consigo mesmo, pois agiria segundo uma
qualidade moral pouco louvável entre nós, a covardia.
Esse assunto nos conduz à seguinte pergunta: qual a 1) Quais os significados dos termos Moral e Ética ?
diferença entre ética e moral ?
Ética diz respeito a costumes, hábitos e valores 2) Estabeleça a diferença fundamental entre os conceitos de
relativamente coletivos, assumidos por indivíduos de um grupo Moral e Ética.
social, uma sociedade ou uma nação. No caso, pode-se comentar o
seguinte: os indivíduos que queriam que nenhum advogado 3) Por que Ética é filosofia prática ?
defendesse os Nardoni se mostraram hostis ao nosso costume
social e jogaram pela janela valores caros ao Ocidente. Eles
4) Estabeleça a diferença entre ato moral, imoral e amoral.
estavam em dissonância com o ethos de nossa nação, 5) O que é senso moral e consciência moral ?
especialmente porque queriam que o próprio advogado também
atravessasse o comportamento ético. 6) Estabeleça a diferença entre juízo de fato e juízo de valor.
Moral diz respeito a hábitos, costumes e valores
assumidos por indivíduos de um grupo social, uma sociedade ou 120 7) O que são valores éticos morais ? Cite exemplos.
60 uma nação; todavia, o comportamento desenvolvido por tal
8) Leia o texto de Paulo Ghiraldelli Jr e responda: qual a valor estabelecida por David Hume (1711-
diferença entre Ética e Moral levando em consideração as 1776).
esferas pública e privada de nossa sociedade ?
pulseira seria o chamariz para o ataque. Em suma, Pode-se afirmar legitimamente que há
as autoridades que assim pensaram não disseram, posições melhores e piores em moral, que somos
mas, certamente, estavam com a seguinte diretriz capazes de decidir sob quais não viveríamos de
na cabeça: “É um fato da natureza humana que o modo algum e sob quais poderíamos, ainda que
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homem se sinta excitado por mulheres que descontentes, optar por continuar vivendo. Na
colocam a pulseira chamando para o sexo”. maioria das vezes, temos argumentação suficiente
Alguns endossariam até mais: “É um fato da para dizer isso e convencer outros de nossa
natureza humana que homens que são chamados 60 razoabilidade, mesmo que não tenhamos nada de
para o sexo, uma vez rejeitados, ataquem”. universal e menos ainda de absoluto para invocar
Assim, a valoração moral da situação que em favor de nossa opção.
terminou em estupro e, em alguns casos, em O filósofo britânico Bertrand Russel
morte, é tomada de modo bem menos negativo (1872-1970) criticou os pragmatistas americanos
que a princípio poderia parecer. Há um crime e, é de sua época, em especial William James e John
certo, trata-se de um crime que as autoridades Dewey, acusando-os de relativistas. Ele entendia
adoram chamar de “hediondo”, mas que, no caso, os relativistas de uma maneira um pouco injusta,
cai sob as graças da avaliação moral, pois, afinal, como os que podiam dar guarida a toda e qualquer
a atitude dos criminosos não fugiu do que pode ação ou enunciado.
ser derivado de um “fato da natureza humana”. Nas discussões filosóficas sobre o
Esta posição metaética é base para a relativismo, ele cai na berlinda, em geral, diante
fundamentação de avaliações morais. O filósofo de Hitler. O genocídio dos judeus é a pedra de
George Moore (1873-1958) fez a melhor crítica toque. Há para o relativista um modo de condenar
dessa posição. Essa crítica apareceu como uma o nazismo pelo Holocausto ? Ou o relativista é
denúncia ao qual ele chamou de “falácia obrigado a confessar que entre a posição dos que
naturalista”. estiveram no Tribunal de Nuremberg (ocorrido
Ele não contestou a existência de uma após a Segunda Guerra Mundial), acusando os
“natureza humana”. Ele foi mais decisivo, pois nazistas ali julgados, e os próprios nazistas, não
questionou a legitimidade da derivação do “dever poderia haver diferença? Segundo alguns
ser” a partir do “ser”. O que se pode tomar como ultradireitistas, ainda hoje, os promotores de
algo que deveria ocorrer (ou não) não é algo que Nuremberg não tinham nenhum elemento nas
30 legitimamente se aponte a partir do que se mostra mãos além daquele devolvido pelos nazistas a
como o que é. Um fato não está autorizado a gerar cada acusação, a saber, que eles estavam ali sendo
um dever. Um fato dito “da natureza humana” não julgados única e exclusivamente por terem
está logicamente autorizado a dizer “o homem perdido a guerra – não eram nem mais e nem
deveria ou poderia agir de um modo ou de outro”. menos criminosos que qualquer outro participante
Norma e valor não podem ser obtidos do fato. A do conflito.
linha entre norma (ou valor) e fato não traz a A posição relativista é boa quando tem de
implicação legítima, traz uma relação que conduz justificar o que parece a uma cultura apenas
a uma falácia (falso raciocínio). Não é difícil ver, 90 idiossincracia de outra, e que, na verdade, tem lá
no caso da “pulseira do sexo”, a falácia em que as seu valor perante um bom contingente de pessoas
autoridades dos lugares que proibiram o uso do cultas. O relativismo tem menos sorte quando é
objeto caíram. cobrado diante de ter de avaliar genocidas.
O relativismo se complica mais, também,
Relativismo quando se coloca como base para as avaliações
ético-morais a respeito de atitudes de grupos que
A posição relativista, em uma formulação colocam seus semelhantes, os mais desprotegidos,
simplificada, diz que todos os enunciados que em situação de sofrer dor ou mesmo de morte.
afirmam o certo e o errado não estão sob o crivo Acontecimentos recentes nas tribos brasileiras
que deriva de uma autoridade universal e lembram bem isso. Há tribos que enterram vivas
absoluta. É claro que uma posição como esta crianças com algum defeito físico ou mental. Não
precisa ser discutida, pois ela não é o que se pode são tão diminutos os grupos de antropólogos ou
pensar dela inicialmente, uma posição de indigenistas que, utilizando o argumento da
autorrefutação. importância do respeito à cultura dos povos,
defendem tal prática.
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A educação desenha o futuro – Ensino Médio – Ética: filosofia moral – Prof. Ulisses Vasconcelos
Ética do Dever
Um religioso guiado pelos Mandamentos
é, antes de tudo, uma pessoa que segue um código
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humana, ou seja, é natural do homem guiado pela desse entendimento e aponta para a necessidade e
razão. a possibilidade de aperfeiçoá-lo através da
A concepção filosófica de Sócrates pode reflexão. Ou seja, partindo de um entendimento já
ser caracterizada como um método de análise existente, ir além dele em busca de algo mais
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conceitual. Isso pode ser ilustrado pela célebre perfeito, mais completo: um conceito.
questão socrática “O que é ...?”, através da qual se 60 Os sofistas, segundo Sócrates, não
busca a definição de uma determinada coisa, ensinavam o caminho (o método) para o
geralmente uma virtude ou qualidade moral. conhecimento, para a verdade única que resultaria
Inúmeros são os diálogos de Platão (427- desse conhecimento, mas para a obtenção de uma
347 a.C.) em que são descritas as discussões “verdade consensual” (convenção), resultado da
socráticas a respeito das virtudes e da natureza do persuasão da oratória.
bem. Resulta daí a convicção de que a virtude se Sócrates descobriu o problema do conceito
identifica com o conhecimento (com a sabedoria) buscando definições corretas para valores morais,
e o vício com a ignorância. Para Sócrates, o como amizade e coragem; Platão considerou o
homem só é mau porque ignora (desconhece) o conceito como o conhecimento de uma ideia
bem. Portanto, a virtude pode ser aprendida. eterna e inata por parte da mente humana;
No diálogo Ménon, cujo tema é o Aristóteles reduziu-o ao conhecimento da
ensinamento da virtude, encontramos uma célebre essência.
passagem a esse respeito (70a-72b): Na célebre passagem de A República, em
que Platão descreve o mito da caverna, reaparece
Ménon: Você pode me dizer, Sócrates, se a a ideia de Sócrates de que a virtude se identifica
virtude é algo que pode ser ensinado ou que só com a sabedoria: o sábio é o único capaz de se
adquirimos pela prática ? Ou não é nem o soltar das amarras que o obrigam a ver apenas
ensinamento nem a prática que tornam o homem sombras e, dirigindo-se para fora, contempla o
virtuoso, mas algum tipo de aptidão natural ou sol, que representa a ideia do Bem.
algo assim ? Portanto, “alcançar o bem” se relaciona
Sócrates: (...) Você deve considerar-me com a capacidade de “compreender bem”. Só o
especialmente privilegiado para saber se a filósofo atinge o nível mais alto de sabedoria, só a
30 virtude pode ser ensinada ou como pode ser ele cabe a virtude maior da justiça e portanto lhe é
adquirida. O fato é que estou longe de saber se reservada a função de governar. Outras virtudes
ela pode ser ensinada, pois sequer tenho idéia do menores, mas também importantes para a cidade,
que seja a virtude (...). E como poderia saber se caberão aos soldados defensores da pólis e aos
uma coisa tem uma determinada propriedade se trabalhadores comuns, artesãos e comerciantes.
sequer sei o que ela é (...). Diga-me você próprio Herdeiro do pensamento de Platão,
o que é a virtude. Aristóteles (384-322 a.C.) aprofunda a discussão
90 a respeito das questões éticas. Mas, para ele, o
Este diálogo se desenrola quando Ménon homem busca a felicidade, que consiste não nos
oferece várias definições de virtude, recusadas prazeres nem na riqueza, mas na vida teórica e
entretanto por Sócrates, dizendo ele que mesmo as contemplativa cuja realização coincide com o
virtudes sejam muitas e de vários tipos, terão pelo desenvolvimento da racionalidade.
menos algo em comum que faz de todas elas O que há de comum no pensamento dos
virtudes. filósofos gregos é a concepção de que a virtude
O método socrático envolve um resulta do trabalho reflexivo, da sabedoria, do
questionamento do senso comum, das crenças e controle racional dos desejos e paixões.
opiniões que temos, consideradas vagas, Além disso, o sujeito moral não pode ser
imprecisas, derivadas de nossa experiência, e compreendido ainda, como nos tempos atuais, na
portanto parciais e incompletas. Nesse sentido a sua completa individualidade. Os homens gregos
reflexão filosófica vai mostrar que, com são antes de tudo cidadãos, membros integrantes
freqüência, não sabemos aquilo que pensamos de uma comunidade, de modo que a ética se acha
saber. Temos talvez um entendimento prático, intrinsecamente ligada à política.
intuitivo, imediato, que contudo se revela
inadequado no momento em que deve ser tornado
explícito. O método socrático revela a fragilidade
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finalidade da alma, para a noção socrático-platônica, é Aristóteles dedicou boa parte de sua obra
libertar-se da matéria (do conhecimento através dos ao estudo de como o ser humano pode ser feliz
sentidos), e para a noção da moral cristã é libertar-se do
pecado (da fruição dos instintos). Em ambas as noções não vivendo em sociedade. Assim como Platão,
esboçou um projeto político para solucionar esse
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garantam uma existência digna para seus perseverar no bem. Ou seja, a verdadeira vida
habitantes. moral se condensa na vida virtuosa.
Ser feliz é possível, mas dá bastante Para Aristóteles, as necessidades fazem
trabalho, segundo Aristóteles, que definiu 60 com que o homem sempre adapte uma virtude a
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felicidade como uma “certa atividade da alma sua respectiva ação. Esse processo era chamado
realizada em conformidade com a virtude”. Em de variação entre ato e potência, ou seja, o homem
sua obra, Ética a Nicômaco, o filósofo garante é em ato algo no tempo presente, mas tem
que a eudaimonia (a palavra que designa potencialidade para ser outro homem distinto. E
felicidade, em grego) depende de nós mesmos e assim por diante, até a morte.
precisa ser buscada sempre; o meio para atingi-la A busca pela felicidade, na visão de
seria a virtude que o homem possui naturalmente. Aristóteles, seria uma eterna corrida, com vários
Para Aristóteles, o homem busca a obstáculos a serem superados, riscos a serem
felicidade (o sumo bem), que consiste não nos enfrentados e árduo trabalho, porém, sem
prazeres nem na riqueza, mas na vida teórica e garantias de que no final o objetivo máximo fosse
contemplativa, cuja plena realização coincide com alcançado.
o desenvolvimento da racionalidade. Para ser Para o filósofo grego, a felicidade é uma
feliz, portanto, o homem deve viver de acordo satisfação das necessidades e das aspirações
com a sua essência, isto é, de acordo com a sua mundanas e, ao atingi-la, outras necessidades
razão, a sua consciência reflexiva. E, orientando surgirão para o homem; então, ele sempre estará
os seus atos para uma conduta ética, a razão o nessa constante busca.
conduzirá à prática da virtude. Os filósofos, em toda a tradição da
Filosofia Ocidental, aproximam a felicidade da
(...) o que é próprio de cada coisa é, por natureza, o que há
de melhor e de aprazível para ela. (...) para o homem a vida sabedoria, afirmando sua ligação com a reflexão e
conforme a razão é a melhor e a mais aprazível, já que a a dependência da razão, da virtude, da moderação,
razão, mais que qualquer outra coisa, é o homem. Donde se em última análise, o elo íntimo da felicidade com
conclui que essa vida é também a mais feliz. (ARISTÓTELES. a própria Filosofia. É o caso do filósofo grego
Ética a Nicômaco)
Epicuro (341-270 a.C.), para quem o prazer
30 Para Aristóteles, a virtude representa o contínuo seria a chave para uma vida feliz. Sua
meio-termo, a justa medida de equilíbrio entre o filosofia tinha uma finalidade prática, ajudando
excesso e a falta de um atributo qualquer. seus seguidores a encontrar o caminho para a
felicidade através do prazer, que poderia ser
(...) a virtude deve ter a qualidade de visar ao meio-termo. traduzido não por uma indulgência sensual, mas
Falo da virtude moral, pois é ela que se relaciona com as
paixões e ações, e nestas existe excesso, carência e um pelo processo de moderação, leitura e
meio-termo. (...) A virtude é, então, uma disposição de 90 introspecção da vida – o prazer do sábio, que tem
caráter relacionada com a escolha de ações e paixões, e controle de si mesmo. Desta maneira, os temores
consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a seriam eliminados e os homens encontrariam o
nós, que é determinada por um princípio racional próprio sossego necessário para uma vida alegre e
do homem dotado de sabedoria prática. (ARISTÓTELES. Ética
a Nicômaco) aprazível.
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Por exemplo, a virtude da prudência é o
meio-termo entre a precipitação e a negligência; a
virtude da coragem é o meio-termo entre a
covardia e a valentia insana; a perseverança é o
meio-termo termo entre a fraqueza de vontade e a
vontade obsessiva.
Uma vida autenticamente moral não se
resume a um ato moral, mas é a repetição e
continuidade do agir moral. Aristóteles afirmava
que “uma andorinha, só, não faz verão” para
dizer que o agir virtuoso não é ocasional e
fortuito, mas deve se tornar um hábito, fundado
no desejo de continuidade e na capacidade de
sujeito, vale dizer, à sua liberdade. Pois todo dificuldades. Poder-se-ia dizer até que a boa
imperativo se impõe como dever, mas a exigência vontade é a vontade de agir por dever, mas não
não é heterônoma – exterior e cega – e sim o agir conforme o dever por qualquer interesse ou
livremente assumida pelo sujeito que se inclinação sensível.
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para denominá-lo os termos de que se valeu para isso mesmo o remédio” é, pois, válido somente sob a condição de que “queiras
Aristóteles. Aristóteles chama a consciência moral e seus sarar”.
princípios “razão prática” (nous practikós). Kant ressuscita essa Pelo contrário, outros imperativos são categóricos:
denominação, e ao ressuscitá-la e aplicá-la à consciência moral o justamente aqueles em que a imperatividade, o mandamento, o
nome de razão prática, faz precisamente para mostrar, para fazer mandado, não está colocado sob condição nenhuma. O imperativo
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patente e manifesto que na consciência moral atua algo que, sem então impera, comanda, como diz Kant, incondicionalmente,
ser a razão especulativa, se assemelha à razão. São também absolutamente; não relativa e condicionalmente, mas de um modo
princípios racionais, princípios evidentes, dos quais podemos total, absoluto e sem limitações. Por exemplo: os imperativos da
julgar por meio da apreensão interna de sua evidência. Portanto, moral costumam formular-se desta maneira, sem condições:
pode chamá-lo legitimamente razão. Porém, não é a razão “Honra teus pais”, “Não mates outro homem”, enfim, todos os
enquanto se aplica ao conhecimento (especulativa); não é a razão mandamentos morais bem conhecidos.
encaminhada a determinar a essência das coisas, aquilo que as A qual desses dois imperativos corresponde o que
coisas são, mas é a razão aplicada à ação, à prática, aplicada à chamamos moralidade ? Evidentemente, a moralidade não é o
moral. mesmo que a legalidade. A legalidade de um ato voluntário
Pois bem. Uma análise desses princípios da consciência consiste em que a ação seja conforme e esteja ajustada à lei.
moral conduz Kant aos qualificativos morais; por exemplo, bom, Porém, não basta que uma ação seja conforme e esteja ajustada à
mau, moral, imoral, meritório, pecaminoso etc. Estes qualificativos lei para que seja moral; não basta que uma ação seja legal para que
morais, estes predicados morais que nós muitas vezes costumamos seja moral. Para que uma ação seja moral é mister que aconteça
estender às coisas, não convêm todavia as coisas. Dizemos que algo não na ação mesma e na sua concordância com a lei, mas no
esta coisas ou aquela coisa é boa ou má; mas, em rigor, as coisas instante que antecede à ação, no ânimo ou vontade daquele
não são boas nem más, porque nas coisas não há mérito nem 90 daquele que a executa. Se uma pessoa ajusta perfeitamente seus
demérito. Por conseguinte, os qualificativos morais não podem atos à lei, porém os ajusta à lei porque teme o castigo,
predicar-se das coisas, que são indiferente ao bem e ao mal; só consequentemente ou apetece a recompensa conseguinte, então
podem predicar-se do homem, da pessoa humana. Somente o dizemos que a conduta íntima, a vontade íntima dessa pessoa não é
homem, a pessoa humana é verdadeiramente digno de ser chamado moral. Para nós, para a consciência moral, uma vontade que se
bom ou mau.s As demais coisas que não são o homem, como os resolve a fazer o que faz por esperança de recompensa ou por
animais, os objetos, são aquilo que são, porém não são bons nem temor de castigo, perde todo o valor moral. A esperança de
maus. recompensa e o temor do castigo menoscabam a pureza do mérito
Por que é o homem o único ser do qual pode, em rigor, moral. Pelo contrário, dizemos que um ato moral tem pleno mérito
30 predicar-se a bondade e a maldade moral ? Pois é porque o moral quando a pessoa que o realiza determinou-se a realizá-lo
homem realiza atos e na realização desses atos o homem faz algo, unicamente porque esse é o ato moral devido.
estatui uma ação, e nessa ação podemos distinguir dois elementos: Se agora traduzimos isto à formulação, que antes
aquilo que o homem faz efetivamente e aquilo que quer fazer. explicávamos, do imperativo hipotético e do imperativo
Feita esta distinção entre aquilo que faz e aquilo que quer fazer, categórico, advertimos desde já que os atos em que não há a
notamos imediatamente que os predicados bom, mau, os pureza moral exigida, os atos em que a lei foi cumprida por temor
predicados morais, não correspondem tampouco àquilo que o do castigo ou por esperança de recompensa, são atos nos quais, na
homem faz efetivamente, mas corresponde estritamente àquilo que interioridade do sujeito, o imperativo categórico tornou-se
quer fazer. Se uma pessoa comete um homicídio involuntário, por habilmente imperativo hipotético. Em lugar de escutar a voz da
exemplo, este ato evidentemente é uma grande desgraça, porém consciência moral, que diz “Obedece a teus pais”, “Não mates teu
não pode qualificar-se de bom nem de mau aquele que o cometeu. próximo”, este imperativo categórico converte-se neste outro
Não, pois, ao conteúdo efetivo; não, pois à matéria do ato que hipotético: “se queres que não te aconteça nenhuma coisa
convêm os qualificativos morais de bom ou mau, mas à vontade desagradável, se queres não ir ao cárcere, não mates teu próximo”.
mesma do homem. Então o determinante aqui foi o temor; e esta determinação de
Esta análise conduz à conclusão de que a única coisa que temor tornou o imperativo (que na consciência moral é categórico)
verdadeiramente pode ser boa ou má é a vontade humana. Uma um imperativo hipotético; e o tornou hipotético ao colocá-lo sob
vontade boa ou uma vontade má. essa condição e transformar a ação num meio para evitar tal ou
qual castigo ou para obter tal ou qual recompensa.
IMPERATIVO HIPOTÉTICO E IMPERATIVO Então diremos que para Kant uma vontade é plena e
CATEGÓRICO realmente pura, moral, valiosa, quando suas ações estão regidas
por imperativos autenticamente categóricos.
Então o problema que se apresenta é o seguinte: que é, 120 Se agora quisermos formular isto em termos tirados da
em que consiste a vontade boa ? Que chamamos uma vontade boa lógica, diremos que em toda ação há uma matéria, que é aquilo que
? Aprofundando-se nesta direção, Kant adverte que todo ato seser faz ou aquilo que se omite, e há uma forma, que é o por que
voluntário se apresenta à razão, à reflexão, na forma de um se faz ou o por que se omite. E então a formulação será: uma ação
imperativo. Com efeito, todo ato, no momento de iniciar-se, de denota uma vontade pura e moral quando é feita não por
começar a realizar-se, aparece à consciência sob a forma de consideração ao seu conteúdo empírico, mas simplesmente por
mandamento: há que se fazer isto, isto tem que ser feito, isto deve respeito ao dever, quer dizer, como imperativo categórico e não
ser feito, faz isto. Essa forma de imperativo, que é a rubrica geral como imperativo hipotético. Mas este respeito ao dever é
em que se contém todo ato imediatamente possível, especifica-se simplesmente a consideração à forma do “dever”, seja qual for o
60 segundo Kant em duas classes de imperativos; os que ele chama conteúdo ordenado nesse dever. E essa consideração à forma pura
imperativos hipotéticos e os imperativos categóricos. proporciona a Kant a fórmula conhecidíssima do imperativo
A forma lógica, a forma racional, a estrutura interna do categórico, ou seja, a lei moral "universal, que é a seguinte: “Age
imperativo hipotético, é aquela que consiste em sujeitar o de maneira que possas querer que o motivo que te levou a agir
mandamento, ou imperativo mesmo, a uma condição. Por seja uma lei universal”. Esta exigência de que a motivação seja lei
exemplo: “Se queres sarar de tua doença, toma o remédio”. O universal vincula inteiramente a moralidade à pura forma da
imperativo é “toma o remédio”; porém esse imperativo está vontade, não ao seu conteúdo. ©
limitado, não é absoluto, não é incondicional, antes está colocado
sob a condição “de que queiras sarar”. Se me respondes, “Não * García Morente, M. Fundamentos de filosofia; lições preliminares.
quero sarar”, então não é válido o imperativo. O imperativo “Toma p.252-255.
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06) Em sua obra Ética a Nicômaco, Aristóteles (dianóia) e a virtude moral. Sobre a virtude moral,
sintetiza as virtudes que constituíam a excelência podemos afirmar:
moral grega. Assinale a alternativa em que a a) é representada principalmente pela sabedoria e
virtude, o vício por excesso e o vício por falta pela prudência (phrónesis), adquiridas pela
* ATENÇÃO: Copiar é CRIME. Art. 184 do código Penal e Lei n° 5998/73
11) O conceito de dever, na ética kantiana, 14) Segundo os estóicos, o mundo era governado
significa: por um determinismo implacável do qual não se
a) a necessidade de realizar uma ação conforme a podia fugir, e a receita da felicidade estava em
lei moral, relacionando-a com um objeto da aceitar o que a vida nos dava. Uma anedota ajuda
* ATENÇÃO: Copiar é CRIME. Art. 184 do código Penal e Lei n° 5998/73
Diante das duas situações apresentadas no texto 17) “(...) um hipotético dono de mercearia, ao
acima e com base na concepção ética kantiana, deparar com um comprador inexperiente, uma
assinale a alternativa que contém a máxima criança, por exemplo, não cobra um preço maior
pessoal que corresponde ao imperativo categórico do que o praticado normalmente. Essa ação foi
* ATENÇÃO: Copiar é CRIME. Art. 184 do código Penal e Lei n° 5998/73
promessa mentirosa deve valer como lei No exemplo dado, é possível perceber, que
universal”. segundo a ética kantiana, é incorreto afirmar:
a) as ações humanas reguladas por meio de uma
16) “Uma pessoa, por uma série de desgraças, intenção egoísta, não podem se caracterizadas
chegou ao desespero e sente tédio da vida, mas como livres, pois estão ancoradas em inclinações
está ainda bastante em posse da razão para poder (desejos, intenções, impulsos).
perguntar a si mesma se não será talvez contrário b) uma ação por dever não está fundada na
ao dever para consigo mesma atentar contra a conseqüência da ação, no objeto do querer, mas
própria vida. E procura agora saber se a máxima no princípio formal e racional (ligado à intenção)
da sua ação se poderia tornar em lei universal da que a determina.
natureza. A sua máxima, porém, é a seguinte: Por c) para pensar uma ação por dever, é necessário
amor de mim mesmo, admito como princípio que, pensar em um princípio formal da vontade, que
se a vida, prolongando-se, me ameaça mais com deve ser compreendido como uma lei da razão
30 desgraças do que me promete alegrias, devo (“dever é a necessidade de uma ação por respeito
encurtá-la”. à lei”).
(KANT. Fundamentação da Metafísica dos Costumes)
d) o uso prático da razão, na sua relação com a
De acordo com a concepção ética kantiana, e vontade, é dependente de um fator empírico;
supondo que tal maneira de pensar (a máxima sendo assim, a própria lei racional poderá ter um
apresentada no texto) se transforme em lei conteúdo predeterminado.
universal da natureza, assinale a alternativa 90
incorreta: 18) Segundo a ética kantiana, a “ação moral” é
a) não poderia de forma alguma dar-se como lei definida por meio do(a):
universal da natureza. a) virtude somente.
b) é absolutamente contrária ao princípio supremo b) virtude e da felicidade.
de todo o dever. c) interesse e do imperativo hipotético.
c) por amor de si mesmo, é perfeitamente possível d) razão e do imperativo categórico.
que uma lei universal da natureza possa subsistir e) direito natural.
segundo aquela máxima.
d) conservar a vida, não por amor de si mesmo, 19) O imperativo categórico kantiano (“Devo
mas por dever, deve ser a máxima sem proceder sempre de maneira que eu possa querer
contradição com a lei universal da natureza. também que a minha máxima se torne uma lei
e) com o suicídio infringimos a lei moral com a universal”) está vinculado:
ideia de estarmos apenas abrindo uma exceção em a) ao dever, a uma obrigação imposta pela razão.
nosso favor. b) a uma ação possível como um meio de alcançar
um determinado fim.
c) a regras de destreza ou conselhos de prudência.
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d) às conseqüências da ação – do objeto do querer todos eles perpassa a ideia de liberdade ética, que
– e do contexto em que são utilizados. diz respeito ao sujeito moral, capaz de decidir
e) ao arbítrio humano sob a influência de com autonomia em relação a si mesmo e aos
impulsos sensíveis. outros. Sabemos que, assim como somos
* ATENÇÃO: Copiar é CRIME. Art. 184 do código Penal e Lei n° 5998/73
possível e que se achava apenas latente como necessárias que regem a realidade conhecida e
possibilidade, é o que faz surgir uma obra de arte, controlada pela ciência e, no caso da ética, para
uma obra de pensamento, uma ação heróica, um referir-se ao ser humano como objeto das ciências
movimento anti-racista, uma luta contra a naturais (química e biologia) e das ciências
* ATENÇÃO: Copiar é CRIME. Art. 184 do código Penal e Lei n° 5998/73
discriminação sexual ou de classe social, uma 60 humanas (sociologia e psicologia), portanto, como
resistência à tirania e a vitória contra ela. completamente determinado pelas leis e causas
O possível não é pura contingência ou que condicionam seus pensamentos, sentimentos
acaso. O necessário não é fatalidade bruta. O e ações, tornando a liberdade ilusória.
possível é o que se encontra aberto no coração do
necessário e que nossa liberdade agarra para O par contingência – liberdade também
fazer-se liberdade. Nosso desejo e nossa vontade pode ser formulado pela oposição acaso –
não são incondicionados, mas os liberdade. Contingência ou acaso significam que
condicionamentos não são obstáculos à liberdade a realidade é imprevisível e mutável,
e sim o meio pelo qual ela pode exercer-se. impossibilitando deliberação e decisão racionais,
Se nascemos numa sociedade que nos definidoras da liberdade. Num mundo onde tudo
ensina certos valores morais – justiça, igualdade, acontece por acidente, somos como um frágil
veracidade, generosidade, coragem, amizade, barquinho perdido num mar tempestuoso, levado
direito à felicidade – e, no entanto, impede a em todas as direções, ao sabor das vagas e dos
concretização deles porque está organizada e ventos.
estruturada de modo a impedi-los, o Necessidade, fatalidade, determinismo
reconhecimento da contradição entre o ideal e a significam que não há lugar para a liberdade,
realidade é o primeiro momento da liberdade e da porque o curso das coisas e de nossa vida já está
vida ética como recusa da violência. O segundo fixado, sem que nele possamos intervir.
momento é a busca das brechas pelas quais possa Contingência e acaso significam que não
passar o possível, isto é, uma outra sociedade que há lugar para a liberdade, porque não há curso
concretize no real aquilo que a nossa propõe no algum das coisas e de nossa vida sobre o qual
ideal. pudéssemos intervir.
(Marilena Chauí, do livro Ensino Médio/2ª Série,
(Marilena Chauí, do livro Introdução à Filosofia, editora Ática)
editora SER Abril Cultural)
30
________________________________________
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778): Este filósofo fatalismo a sua contraparte religiosa. No fatalismo existem
queria uma sociedade em que as pessoas fossem apenas forças transcendentes, superiores às nossas, que nos
livres e iguais, mas também soberanas, isto é, que tivessem governam, quer queiramos ou não. Tanto no fatalismo
um papel ativo dentro do contexto geral. Para isso, além de quanto no determinismo a liberdade é meramente ilusória.
* ATENÇÃO: Copiar é CRIME. Art. 184 do código Penal e Lei n° 5998/73
um contrato justo, seria preciso ensiná-las a ser livres Outro modo de refletir sobre a realidade, que deixa
(realizar o que o coração manda), autênticas (reconhecer e pouca margem para a liberdade, é aquele no qual todos os
mostrar verdadeiros sentimentos) e autônomas (conduzir o acontecimentos são atribuídos ao acaso, isto é, tudo é
próprio destino). E essa tarefa de “civilizar a civilização” imprevisível e mutável, impossibilitando qualquer tipo de
deveria partir da educação das crianças. O filósofo se decisão ou escolha por parte do ser humano. Seremos,
dedicou a ela escrevendo um tratado pedagógico em forma então, todos impotentes e a liberdade humana mera ilusão ?
de romance cujo título é Emílio, o nome da personagem Seremos apenas peças no jogo dos deuses, subjugados à
principal. A tese fundamental de Rousseau é a de que o Moiras e à Fortuna ?
homem é naturalmente bom mas foi corrompido pela
sociedade. A Liberdade para Aristóteles
(CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia. Volume único.
São Paulo: Ática, 2005. p. 282) É em Aristóteles (384-322 a.C.) que encontramos o
primeiro teórico da liberdade. Para ele, a liberdade se opõe
ao que é condicionado externamente (necessidade) e ao que
acontece sem escolha deliberada (contingência). Aristóteles
____________________________________________________________ distingue as ações voluntárias e involuntárias. As
involuntárias ocorrem por compulsão (força externa) ou
LIBERDADE EM HOBBES, MAQUIAVEL, ignorância , ou seja, aquelas em que o “princípio motor se
LOCKE E ROUSSEAU: encontra fora de nós e para o qual em nada contribui a
pessoa que age e que sente a paixão” . As voluntárias, em
Filósofos apostam no exercício da crítica como contraposição, são todas aquelas ações nas quais o princípio
única forma de ser livre. motor está no próprio agente. Aristóteles vai mais além, de
________________________________________ forma a tornar a análise mais precisa, e distingue as ações
voluntárias entre aquelas em que há escolha e aquelas em
que não há. As ações guiadas unicamente pelas paixões não
HÁ RECOMPENSA POSSÍVEL PARA QUEM 90 são ações orientadas por escolha, pois se assim fossem, os
RENUNCIA À LIBERDADE ? próprios animais escolheriam, o que Aristóteles não pode
aceitar. A escolha, portanto, “envolve um princípio racional
30 Por José Antonio Rodrigues Porto* e o pensamento”. Entretanto, não acaba aí a busca
aristotélica. Há ainda que se pesquisar o que pode ser objeto
Dizer que “renunciar à liberdade é renunciar à de deliberação. Aristóteles nos mostra que só podemos
qualidade de homem” exige que expliquemos o que é deliberar sobre coisas que estão ao nosso alcance e que,
liberdade e de que maneira ela participa da definição de ser efetivamente, podem ser realizadas . Assim, podemos dizer
humano a que Jean Jacques Rousseau (1712-1778) nos que na concepção aristotélica a liberdade é o princípio que
remete quando faz essa afirmação. O problema do rege a escolha voluntária e racional entre alternativas
delineamento do campo da liberdade humana deve-se aos possíveis.
restritos limites impostos à liberdade, tanto pela necessidade
quanto pela contigência. A liberdade para Hobbes e
Na vida cotidiana, o homem é oprimido por o Contrato Social no direito civil
situações adversas, contra as quais nada pode fazer, pois
essas são regidas por regras obrigatórias, tanto naturais
quanto culturais, que independem da vontade humana para
alterar-lhes o rumo ou direção. Essas regras são, assim
sendo, necessárias, e os homens se vêem impotentes para
lutar contra elas. Temos clara amostra delas, tanto nas
ciências quanto nas religiões.
Para a maior parte dos cientistas do final do século
XIX, as leis da natureza eram invariáveis, podendo ser
medidas por instrumentos muito precisos e independendo da
vontade de quem realizava a experiência. Hoje em dia,
podemos até fazer chover, mas as leis que regem a chuva
são próprias da natureza e ao cientista basta apenas saber
aplicá-las. Alguns cientista mais radicais do fim do século
XIX e início do século XX, conhecidos por fisicistas,
acreditavam na inteira determinação dos seres humanos, Thomas Hobbes e o seu leviatã
inclusive dos seus pensamentos, sentimentos e ações de
acordo com a configuração física de seus corpos (genótipo) Thomas Hobbes (1588-1679) acrescentou à
e dos estímulos externos a que eram submetidos. Tal linha definição aristotélica mais uma restrição, qual seja, que
60 de pensamento é conhecida por determinismo e tem no nosso poder de escolha entre possíveis não é incondicional,
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depende do nosso poder para realizá-los. Isso quer dizer que todos contra todos, em que os homens igualmente só podem
nossa escolha é condicionada pelas circunstâncias naturais, ter uma vida solitária, pois não confiam em ninguém; uma
psíquicas, culturais e históricas em que vivemos . Note-se vida pobre, pois não há tempo para se produzir riquezas ;
que isso não é o mesmo que ser guiado pela necessidade, o sórdida e embrutecida, pois só visam a luta; e curta, pois
* ATENÇÃO: Copiar é CRIME. Art. 184 do código Penal e Lei n° 5998/73
que seria novamente perda total da liberdade, ao contrário, o qualquer descuido pode resultar em morte.
possível se encontra no seio da necessidade, mas de alguma Em tal estado não há sociedade, portanto, não há
forma temos o poder de alterar-lhe o curso, sob certas leis comuns que regulem o justo e o injusto, ou, nem
condições. Os limites para a liberdade humana são, desse mesmo, o meu e o teu. Não há lugar para qualquer tipo de
modo, tanto internos quanto externos. Nesse sentido, desenvolvimento material, pois o fruto do trabalho nunca é
podemos dizer que a “a liberdade é a consciência seguro. Um tal estado, segundo Hobbes, só pode ser
simultânea das circunstâncias existentes e das ações que, mediante outras paixões que superem as anteriores, pois não
suscitadas por tais circunstâncias nos permitem é uma faculdade da razão do homem hobbesiano regular as
ultrapassá-las” . paixões. Estas paixões são três: a) medo da morte violenta,
Apesar de nos movermos no mundo da necessidade b) desejo das coisas necessárias a uma vida confortável, e c)
e da contingência – isto é, de não escolhermos as condições esperança de consegui-las através do trabalho. A superação
e circunstâncias materiais que nos cercam, nem mesmo as de um estado tão terrível só pode se dar por meio de um
coisas imprevisíveis que nos podem acontecer – podemos, acordo firmado com base em um contrato entre os homens.
contudo, mudar o rumo de determinados acontecimentos em Mas o que é um contrato ? Contrato é a “transferência
certas condições, surgindo um campo de possibilidades mútua de direitos” Direito é “a liberdade que todo homem
objetivas, dentro do qual a liberdade humana é real. Nicolau possui para utilizar em suas faculdades naturais em
Maquiavel (1469-1527) expressou de forma bem clara essa conformidade com a razão reta”. Logo, devemos saber quais
concepção quando disse: “’Já que nosso livre-arbítrio não direitos o homem possui em seu estado natural e que, ao
desapareceu, julgo possível ser verdade que a fortuna seja firmar um contrato, transferirá para outro.
árbitro de metade de nossas ações, mas que também deixe Todo homem tem o direito natural, jus naturale,
ao nosso governo a outra metade, ou quase”. “Onde não há que é a liberdade que cada homem possui de usar seu
lei não há liberdade” – um paradoxo ? próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de
Anteriormente, definimos liberdade como sendo o 90 sua própria vida; consequentemente, como “o direito ao fim
princípio que rege a escolha voluntária e racional entre confere o direito aos meios necessários para aquele fim”,
alternativas possíveis. Vimos, também, que sendo a escolha tem também o direito de fazer tudo aquilo que julgar
30 um processo racional, o princípio de liberdade deve ser necessário para alcançá-lo. Logo, todos terão iguais direitos
exclusivamente humano. Como todos os homens só são a todas as coisas, o que é absurdo e inútil, pois ninguém
livres quando agem movidos unicamente por si mesmos, a poderá usufruir coisa alguma, pois não há diferença entre o
dificuldade da conciliação entre liberdade e sociedade reside meu e o teu. O Estado natural hobessiano é, portanto, um
no fato de que nas sociedades os homens estão submetidos estado de tanta igualdade (faculdades e direitos) e liberdade
às leis e, portanto, o motor de suas ações é externo. entre os homens, que as liberdades individuais acabam se
Thomas Hobbes, na introdução do seu Leviatã, diz anulando umas às outras por falta de limites claros que as
claramente que o principal objetivo de qualquer sociedade distingam.
civil é a segurança de seu povo, Salus Populi, e que, para É somente através da cessão desse direito a todas
tanto devem ser adotadas leis que expressem a vontade as coisas, através de um contrato, que o homem natural
artificial do corpo político. Para Hobbes, apesar de poderá superar esse estado em que não tem como usufruir a
pequenas diferenças, a natureza fez os homens tão iguais em liberdade que possui. Entretanto, como a sociedade não
capacidade que nenhum deles pode aspirar a qualquer objetiva a preservação da liberdade, mas a segurança do
benefício que o outro também não possa. Disso segue que povo, o Estado civil hobessiano se caracterizará pela perda
homens que possuam as mesmas esperanças possam, muitas total da liberdade, o que não contraditório, pois como o
vezes, disputar os mesmos objetos, pois esses são os únicos direito a todas as coisas não pode ser exercido de fato, os
meios de alcançarem os seus fins. Quando isso acontece, um indivíduos não perdem nada e ainda ganham, entre outras
homem verá o outro como um inimigo e o tratará como tal. coisas, a segurança necessária à preservação de suas vidas.
Ora, como todos os homens são iguais, basta que algum O Estado civil hobbesiano se caracteriza, portanto, por uma
deles perceba um único outro homem como inimigo para cessão total de direitos que todos os homens contratam entre
que infira todos os demais como igualmente adversários, si em favor de um terceiro – homem ou assembléia –, que
formando assim um estado de desconfiança geral, pois todos por não participar do contrato, deteria todos os seus direitos,
eles são capazes da mesma inferência. “Desta igualdade submetendo todos à sua vontade – que “terá tanto poder
quanto à capacidade deriva quanto à esperança de que, pelo terror que este suscita, poderá conformar as
atingirmos nossos fins. Portanto, se dois homens desejam a vontades dos particulares à unidade e à concórdia”. A
mesma coisa, ao mesmo tempo em que é impossível ela ser vontade do corpo político é a vontade do soberano que,
gozada por ambos, eles tornam-se inimigos”. como tem o poder de fazer as leis, se encontra acima delas.
Um estado de tamanha insegurança levará esses 120 Só o soberano é realmente livre no Estado hobessiano.
homens, que também são igualmente prudentes, a
conceberem que é muito mais sensato atacar antes de ser
60 atacado, o que é, inclusive, justificado como questão de
sobrevivência, pois não se pode manter uma posição
defensiva indefinidamente. Um tal estado não pode ser
descrito de forma mais exata do que um estado de guerra de
vez das leis contribuírem para a aniquilação da liberdade, na Na sociedade rousseauniana, o poder legislativo é
verdade elas fazem, ao lhe dar contornos nítidos, com que a exercido por todo o corpo de cidadãos, de forma muito
liberdade adquira toda a sua amplidão. Será, então, que semelhante aos comícios romanos, pois não há
simplesmente basta a elaboração de um perfeito conjunto de representação. Cada cidadão participa do processo de
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leis para promover uma sociedade perfeita ? votação a diretamente, contribuindo tão estreitamente na
formação das leis, que podemos dizer que as leis que ele
Liberdade para Rousseau: segue foram feitas por ele mesmo, de tal forma que, ao
“Liberdade é não estar submetido à vontade de um outro homem” obedecer às leis, obedece a si mesmo, sendo, portanto, livre.
O que torna todos iguais, além da igual participação
política, é o fato das leis sempre serem gerais, atingindo a
todos igualmente, sem diferenciação, de tal forma que se,
individualmente, cada particular possa tender para a
desigualdade, a legislação o faz tender novamente para a
igualdade e, consequentemente, para a liberdade.
A autoridade soberana é exercida por todo corpo
político, e o governo, quer seja monárquico, aristocrático ou
democrático, está sempre submetido a ela. A manutenção da
liberdade, por isso, depende da atuação de todos os
cidadãos. Seria tudo muito simples em uma sociedade de
deuses, mas uma sociedade de homens fatalmente degenera,
pois os seus integrantes já se encontram degenerados. O
bom selvagem se encontra escondido debaixo de uma
espessa crosta de cobiça, ou seja, de aspiração “por todas as
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
coisas que, uma vez adquiridas, os tornariam felizes e
contentes”; de ilusão, porque uma vez nascidos sob um
Rousseau diz que a liberdade e a igualdade são os 90 governo, adotam a postura servil como natural,
maiores bens e finalidades de uma legislação. Isso se dá principalmente movidos pelos costumes que a preservam
principalmente por que na sociedade civil de Rousseau através do seu ensino; e de covardia, pois “o povo nem
30 todos os súditos alienam todos os seus direitos em prol da sequer admite que se toque em seus males para destruí-los,
comunidade, tornam-se membros de um todo indivisível, de como aqueles doentes, tolos e sem coragem, que tremem em
tal forma que, não se alienando a ninguém em particular, presença do médico”. Tal qual o corcel que uma vez
não se submetem a ninguém; por isso, podem ser livres, domado se curva às ordens do seu dono e que, quando por
pois, para Rousseau, liberdade é não estar submetido à este é ornamentado com belas vestimentas, desfila
vontade de um outro homem. orgulhoso com os sinais do seu jugo.
O contrato social que vigorava seria, de acordo Rousseau percebe que “não é aos escravos que
com a visão de Rousseau, uma burla, uma enganação. Como compete raciocinar sobre a liberdade”, mas aos homens
legitimar, isto é, tornar direito e justo aquilo que um dia não livre. Uma vez perdida a liberdade, ela não pode ser
passou de uma armadilha ? A resposta de Rousseau a essa recuperada, pois tal qual os senhores precisam de escravos,
questão é formulada na obra Do contrato social. Dada a os próprios escravos precisam de senhores e é da vontade
impossibilidade de o homem voltar a seu estado primordial, de servir que o senhor se alimenta. Pobres tolos, que cegos
o filósofo se empenha em conceber um contrato social, ou de cobiça caem de joelhos voluntariamente diante de um
forma de associação, “que defenda e proteja a pessoa e os senhor que lhes tira tudo. Vemos, assim, que a manutenção
bens de cada associado com toda a força comum, e pela da liberdade requer prontidão. Não basta ser cidadão apenas
qual cada um, unindo-se a todos, só obedece contudo a si elegendo deputados ou votando em leis sob influência de
mesmo, permanecendo assim tão livre quanto antes”. algum grupo. Há necessidade de se ter consciência de que a
Para que isso ocorra, o pacto social deve nascer da liberdade deve ser defendida em cada ato e que tudo que
entrega total de cada indivíduo à comunidade, com o que ele temos depende disso. Com a perda da liberdade tudo se
não perde nada, pois, diz Rousseau, “cada um dando-se a perde e “não há recompensa possível para quem a tudo
todos não se dá a ninguém”. E ainda sai ganhando, porque, renuncia”. A eleição de representantes, nesse sentido,
como todos fazem o mesmo, ele recebe de volta todos os colabora para o afastamento do povo na elaboração das leis,
direitos que cedeu e “maior força para conservar o que se tornando-o vítima da sua própria indolência. Dessa maneira,
tem”. Assim todos se mantêm livres e iguais ao ingressar na é possível entender por que a religião civil de Rousseau
sociedade civil, isto é, o corpo político. Rousseau concebe, inclui a aceitação de alguns dogmas, tais quais: a felicidade
pois, o corpo político como um todo, uma unidade orgânica, dos justos, o castigo dos maus e a santidade do contrato
com vida e vontade próprias. E o que dá vida ao corpo social e das leis.
político é a própria união de seus membros, ou seja, a 120 É nesse espírito de fé, e tendo em vista o bem
coletividade. As leis desse corpo político devem ser, desse comum, que os cidadão devem participar ativamente da vida
modo, o reflexo da vontade geral, que é aquela que busca o política. Não flertando com a servidão, por melhor que ela
60 melhor para a sociedade como um todo, ou seja, deve ser esteja vestida. O ato de obedecer deve, portanto, sempre ser
aquela que satisfaz o interesse público, e não o de uma decisão crítica. ©
particulares. E todo cidadão deve se subordinar a essa ____________________________
vontade geral, mesmo que, como indivíduo (e não como
cidadão), entenda que ela contraria seu interesse particular.
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AS CONCEPÇÕES FILOSÓFICAS DA LIBERDADE Em sua obra O ser e o nada, Sartre levou essa
DE ARISTÓTELES E DE SARTRE concepção ao ponto limite. Para ele, a liberdade é a escolha
incondicionada que o próprio homem faz de seu ser e de seu
A primeira grande teoria filosófica da liberdade é mundo. Quando julgamos estar sob o poder de forças
* ATENÇÃO: Copiar é CRIME. Art. 184 do código Penal e Lei n° 5998/73
exposta por Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco e, externas mais poderosas do que nossa vontade, esse
com variantes, permanece através dos séculos chegando até julgamento é uma decisão livre, pois outros homens, nas
o século XX, quando foi retomada pelo filósofo francês mesmas circunstâncias, não se curvaram nem se resignaram.
Jean-Paul Sartre (1905-1980). Em outros termos, conformar-se ou resignar-se é
Nessa concepção, a liberdade se opõe ao que é uma decisão livre, tanto quanto não se resignar nem
condicionado externamente (necessidade) e ao que acontece conformar, lutando contra as circunstâncias. Quando
sem escolha deliberada (contingência). Diz Aristóteles que é dizemos que não podemos fazer alguma coisa porque
livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou estamos fatigados, a fadiga é uma decisão nossa, tanto assim
não agir. 60 que uma outra pessoa, nas mesmas circunstâncias, poderia
A liberdade é concebida como o poder pleno e decidir não se sentir cansada e agir. Da mesma maneira,
incondicionado da vontade para determinar a si mesma, isto quando dizemos estar enfraquecidos e por isso não temos
é, para autodeterminar-se. É pensada, também, como uma força para fazer alguma coisa, a fraqueza é uma decisão
capacidade que não encontra obstáculos para se realizar nossa, pois um outro poderia, nas mesmas circunstâncias,
nem é forçada por coisa alguma para agir. Trata-se da não se considerar fraco e agir.
espontaneidade plena do agente. Por isso Sartre faz uma afirmação aparentemente
Além de distinguir entre o necessário e o paradoxal, dizendo que estamos condenados à liberdade.
contingente, Aristóteles também distingue entre o Qual o paradoxo ? Identificar liberdade e condenação, isto
contingente e o possível: o primeiro é o puro acaso; o é, dois termos incompatíveis, pois é livre quem não está
segundo é o que pode acontecer desde que um ser humano condenado.
delibere e decida realizar uma ação. Assim, na concepção O que Sartre pretende dizer ? Que, para os
aristotélica, a liberdade é o princípio para escolher entre humanos, a liberdade é como a necessidade e a fatalidade,
alternativas possíveis, realizando-se como decisão e ato não podemos escapar dela. É ela que define a humanidade
voluntário. dos humanos, sem escapatória. ©
Contrariamente ao necessário ou à necessidade e à
contingência, sob as quais o agente sofre a ação de uma ___________________________
30 causa externa que o obriga a agir de determinada maneira,
no ato voluntário livre o agente é causa de si, isto é, causa Um só pensamento
integral de sua ação. Sem dúvida, poder-se-ia dizer que a
vontade livre é determinada pela razão ou pela inteligência
Nos meus cadernos de escola
e, nesse caso, seria preciso admitir que não é causa de si ou Minha carteira e nas árvores
incondicionada, mas é causada pelo raciocínio ou pelo Nas areias e na neve
pensamento. Gravo o teu nome
No entanto, como disseram os filósofos posteriores
a Aristóteles, a inteligência inclina a vontade para certa Em cada página lida
direção, mas não a obriga nem a constrange, tanto assim que Em cada página em branco
podemos agir na direção contrária à indicada pela Papel pedra sangue ou cinza
inteligência ou razão. É por ser livre e incondicionada que a Gravo o teu nome
vontade pode seguir ou não os conselhos da consciência. A 90 [...]
liberdade será ética quando o exercício da vontade estiver
em harmonia com a direção apontada pela razão. Na ausência sem mais desejos
Na solidão toda nua
Em cada degrau da morte
Gravo o teu nome
Liberdade.