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Arquitetura Como Cultura

Questões Políticas
Campelo Costa

Arquitetura Como Cultura


Questões Políticas

Sobral-Ce
2017
Capa
Andrine Nascimento

Diagramação
Ramirez Farias

Revisão de Texto
Elisângela Torres

Desenhos
Campelo Costa

Seleção de Imagens
Andrine Nascimento
Ramirez Farias
Este documento contém textos de uma carta minha ao mestre Mi-
guel Pereira (em 1991) e excertos de uma palestra proferida pelo Abrahão
Sanovis, outro grande mestre, em um seminário acontecido em Florianó-
polis (em 1993), cujo título estampa a capa desta pequena contribuição a
prática de quem teima em manter a chama acesa do debate.

O Autor
Conjunto de casas com arquitetura Art Nouveau - Sobral, Ce

V
ai inteirar cinco meses que estive em Manaus por ocasião do II
ArqAmazonia, onde transcorreu a última reunião do Conselho Su-
perior da IAB. Manaus é legal. Muito calor, “xamego” e a hospitali-
dade de um povo bom e generoso, como de hábito, acontece a cada passo que
dermos em qualquer direção nesse país dos colossos.
Entretanto, os ecos do que ouvi e presenciei, deixaram-me a imagem me-
lancólica de um punhado de náufragos a se debater no raso com absoluta falta
de interesse dos circundantes.
Claro, refiro-me aqui tão somente a algumas das discussões travadas no
âmbito do COSU.
Dos festejos, da cidade, do encontro com tantas figuras ilustres, nada a
reclamar. O ar, o calor, as vozes... A cidade e a natureza são matérias de interes-
se dos arquitetos e do IAB. Sua defesa e preservação são as nossas esperanças,
gravam nossos planos, as nossas preces e os nossos protestos.
Naturalmente voltados para a imensidão da floresta e a largueza dos seus
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grandes rios, nossa memória evoca nomes como os de: Milton Monte, João
Castro Filho (paraenses) e o Severiano Mário Porto, cidadão do mundo, dig-
nos mestres de uma arquitetura capaz de compreender e materializar múltiplos
universos que compõem o país chamado Brasil.
Escrevo desta maneira epistolar e despretensiosa, movido – perdoe-me a
presunção- pelo compromisso demonstrado ao longo da minha vida profissio-
nal e civil, o de lutar para que a profissão e a sociedade dos arquitetos superem
os obstáculos que se interpõem à prática da arquitetura em toda a sua inteireza.
Pois é, fala-se muito, gastamos tempo, dinheiro e energia em nossos CO-
SUS e pouco temos avançado no sentido do aprimoramento de nossas estru-
turas de trabalho. Isso se dá, ao meu ver, não apenas por falta de recursos ou
ausência de vontade política. Pelo contrário, o que se observa é a presença
visível, marcada pelo comportamento de alguns conselheiros cujas posições
sistematicamente inviabilizam o debate político.
Política é arte, política é ação, política é trabalho, mas política é, também,
manipulação, dissimulação, sacanagem. Até mesmo a omissão é uma atitude
política.
Sendo assim, colocaria uma primeira questão. Sendo nós, pomposamente
auto-intitulados de profissionais responsáveis pela organização do espaço ha-
bitado, que tipo de ação política estamos desenvolvendo com vistas à compre-
ensão de como devem se distribuir as forças produtiva no território nacional?
De que forma os espaços urbanos e rural devem ser, tratados e trabalha-
dos sendo, como na realidade são, o suporte natural do processo produtivo?
Quais processos tecnológicos devem ser utilizados de forma apropriada
aos diversos estágios em que se encontram os meios natural e antrópico dos
múltiplos universos que compõem o país chamado Brasil.

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Reside um enorme equívoco, no usualmente difundido, de que Brasil é
Norte/Nordeste (sinônimo de pobreza), sul/centro-sul (sinônimo de riqueza)
e centro-oeste (o país do futuro). Reducionismo canhestro que alimenta e é
alimentado por preconceitos de todos os matizes.
Só falando de nordeste, zona da mata, que não é agreste, que não é caa-
tinga, que não é cerrado, que não são dunas ou planícies litorâneas onde vivem
pescadores, que são distintos dos vaqueiros, que são distintos dos canavieiros,
que são distintos dos agricultores, que são distintos dos extrativistas da carnaú-
ba e da oiticica, que são distintos dos lenhadores.
Não são portanto dois, nem mesmo três, Brasis são “n” Brasis com com-
binações e permutações diversas, cujo grande traço de união que permeia a
nação e a parvoíce da classe média que pensa que Miami é o céu, a ambição
das elites cuja medida não tem tamanho e o ilusionismo da rede globo que
transporta, ainda que por minutos, pobres expoliados para cenários “all star”,
tornando íntimos do favelado desdentado e faminto os “sexy-simbols” do mo-
mento, que são, ávida e fantasiosamente, “comidos” via Embratel.
Estarão, então, os profissionais aos quais se atribuiu a competência legal
para o exercício do mister de organizar os espaços, discutindo esta questão?
Estarão considerando a pluralidade nacional? Discutem os reflexos de tudo

Antigo Palace Club - Sobral, Ce

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isto nas suas arquiteturas? Estarão com um olho na sua região e outro no mun-
do? Quais os seus compromissos? Ou será que o pretenso fim da história e da
ideologia anestesiou-lhes os compromissos?
Convive-se no COSU com uma clara alternativa oposicionista empenha-
da em travar o debate político. Senão vejamos: Todas as reuniões do Conselho
que se verificaram, nessa gestão, destacam-se como principal atividade a de
apagar o fogo. Bancar o bombeiro não significa inibir o debate caloroso, en-
riquecedor. Convém combater essas estratégias desagregadoras, materializadas
nas jogadas cavilosas, aplicadas através de didáticas exibições de confrontos
despejadas num jato sobre colegas boquiabertos de espanto, enfarados ou de-
satentos.
Tudo isso pode parecer irrelevante ou se explicar pela natureza da convi-
vência democrática. Mas não o é.
Trata-se sobretudo de um desrespeito ao Conselho. Principalmente des-
consideração à presença de novas e jovens lideranças; que pouco ou nada tem
a ver com disputas hegemônicas de discutível valor para o porvir da entidade.
Para o futuro, e em respeito aos mais jovens, convém varrer para sempre
essas e outras questões, para que possamos crescer de fato. Considero também
inaceitável assistir-se compassivo as críticas dos mais variados quilates ou os
juízos de valor formulados ao IAB e seus dirigentes.
Indaga-se com frequência para que diabos serve o IAB. Mais grave ainda,
muitos nem duvidam que melhor seria extingui-lo.
É interessante verificar que a soma dessas indagações não correspondem
propostas convincentes do que fazer com a IAB. Nem mesmo os Departa-
mentos mais críticos tem sido capazes de apresentar posturas consistentes ou
criativas para nos tirar do atoleiro no qual afundamos juntos com todos os

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brasileiros e suas esperanças que continuadamente... “a brisa do Brasil beija e
balança”.
Para mim, caros colegas, o problema não está no IAB. Nem tampouco
nos arquitetos ou nas suas arquiteturas. Essa atitude de descrença na represen-
tatividade das instituições, na importância de suas responsabilidades perante a
sociedade, sinalizam os novos tempos brasileiros.
A visão neo-liberalizante, os confrontos ditados pelo maniqueísmo políti-
co-partidário e seus reflexos no comportamento dos indivíduos, são problemas
novos que se somam aos velhos problemas tão maciçamente identificados, no
arcabouço do Instituto. Essas condições conformam um quadro extremamen-
te danoso à vida associativa e gremial, pauperizando as instituições.
As estratégias individualistas de sobrevivência profissional, o encolhimen-
to dos deveres privativos do Estado, agravado pelo desmantelamento das polí-
ticas públicas ligadas à cultura, ao desenvolvimento urbano, ao meio-ambiente
e a habitação. O esvaziamento das Universidades e a péssima qualificação pro-
fissional acarretam considerável perda de prestígio das instituições e alargam o
fosso da alienação e do desinteresse.
Assim, aos valores preferem-se os interesses. Ao trabalho criador prefe-
rem-se o estabelecido, as fórmulas prontas. Definham-se por aí o conteúdo
ético das profissões e a sua autonomia.
Contra essa tendência, essa marcha a que muitos são levados é que temos
de nos contrapor numa arrancada para fincar o pé naquilo que interessa.
Ao mergulharmos na história da arquitetura brasileira contemporânea e
dos seus autores, colhe-se uma experiência salutar e de grande parte inédita.
A história do IAB também é digna e merece respeito. Ao se avizinhar dos
cem anos, demonstra sinais de vitalidade no surgimento e organização dos

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departamentos e dos núcleos e na capacidade de sustentar-se por tanto tempo
pela mera vontade de seus associados.
Isso nos capacita a enfrentar nossos problemas, que são muitos, e de es-
tabelecer um roteiro para que o IAB trace seu rumo. A responsabilidade de
liderar esse processo é do Conselho Superior da Direção Nacional e a todos os
Departamentos cumpre apoiá-los nessa empreitada.
Nosso sistema interior de referência é o Departamento, mas deverá ser o
COSU o cenário do grande e límpido senso de fraternidade que unirá o Insti-
tuto de Arquitetura do Brasil.

Antiga Fábrica de Tecidos Ernesto Deocleciano - Sobral, Ce

Nesse momento precisamos nos deter no saldo de nossas realizações, não


como um ato de sobrevivência, mas na compreensão de que fechou-se um
círculo. Um círculo onde se inscrevem o crescimento do número de Departa-
mentos, o surgimento de novas lideranças, a participação e contribuição reco-
nhecida em eventos internacionais, a realização de Congressos Brasileiros de
Arquitetura e de inumeráveis encontros e seminários regionais e estaduais; o
desaparecimento do estigma de Departamento pequeno, consequentemente
abrindo-se o leque de possibilidade para um trabalho mais abrangente e ambi-

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cioso. Não é pouca coisa. Negar esse trabalho e a estrutura federativa do IAB é
ajuizar erroneamente sobre o papel da entidade. É perder de vista a possibilida-
de do fortalecimento dos Departamentos, isolando-os em perspectivas indivi-
dualizadas e perigosas. É perder terreno, transformando o IAB em instituição
amorfa e sem cheiro. É finalmente frustrar um trabalho de significação coletiva
e trair toda uma geração que se formou dentro desse espírito.
A solução dos problemas do IAB está a exigir o concurso de nossa sensi-
bilidade, de nossa lucidez e de nossa consciência afim de preservarmos o nosso
valor como instituição que pretende contribuir para o desenvolvimento cul-
tural e material do povo brasileiro.
É assim que vejo as coisas. Penso ainda que produzimos, ou melhor, te-
mos produzido uma safra modesta no plano da investigação teórica e crítica.
Entre outras coisas gostaria de assistir as reuniões do Conselho transformarem-
-se em fóruns de arquitetura. Principalmente porque em nosso meio, a prática
da arquitetura não tem exigido o aprofundamento das questões arquitetônicas
nem o escoramento teórico necessário.
O alto custo do espaço arquitetônico, como objeto social, coloca-nos
frente a uma responsabilidade que ultrapassa os limites do imediatismo e do
modernismo. Isso tem de ser discutido.
A falta de conhecimento e de identificação de suas realidades tem condu-
zido os arquitetos brasileiros a elaborarem obras mutiladas, tanto do ponto de
vista da construção, quanto dos objetivos utilitários e sociais do seu trabalho.
Tudo isso, foi para dizer que não vemos como uma manifestação cultu-
ral (como entendemos a arquitetura) possa não ter influências explícitas ou
implícitas do meio, da forma como o profissional “vê” ao que acontece ao seu
redor, da maneira como assimila, ou repele estas influências, da sua formação,

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do seu sistema de valores, das suas ideias, enfim, da sua ideologia, o que dá ao
seu produto um caráter político.
É preciso descerrar a cortina e mostrar que é possível transformar. Lutar
contra o processo de apartação social e da secessão, que já despontam no hori-
zonte, frutos de um “nazismo tardio” e da nossa irresistível vocação em repro-
duzir, ainda que de forma caricata e
patética, o “além-mar”.
Em um país onde a arquitetura
ainda não se situa em um plano onde
possa ser apropriada coletivamente,
sequer como realidade objetiva, por
não ter a grande maioria condições
de acessibilidade a ela, mais difícil
fica aprende-la, ou mesmo explicá-la
Capela do Abrigo Coração de Jesus - Sobral, Ce como manifestação cultural.
E ainda tem quem se impressione
com propostas que defendem a tese do grotesco, ainda que, como possibilida-
de. É realmente de assombrar, eu, particularmente, me sentiria mais a vontade
em relação ao burlesco, embora seja tênue a separação entre o risível e o ridí-
culo.
Colocada então a primeira questão, digressões à parte, ou seja, que pro-
postas temos para o nosso espaço geográfico que é dispare, geográfica, am-
biental, econômica e culturalmente falando, e que arquiteturas pretendemos
desenvolver nestes espaços? É necessária a existência de um projeto nacional,
ou vários projetos nacionais, ou mesmo projetos alternativos, onde a discussão
de todas essas variáveis compareçam na sua real dimensão? Entretanto, tanto

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é fato que não existe, que não vislumbramos em qual (ou quais) fórum(ns)
qualificado(s) o mesmo estaria sendo discutido.
O que nos parece é que nestes tempos do cólera e do neo-liberalismo, a
palavra planejamento virou palavrão.
Se não produzimos, nem estamos produzindo nada parecido com o que
possa caracterizar como tal, certamente o aparelho de estado está organizado
de tal forma a que os diversos setores ou subsetores se integram em algum
ponto ou nível da estrutura administrativa.
Embora seja de se supor que sim, a resposta é não.
Como promover o desenvolvimento urbano, metropolitano e regional
sem o controle das políticas de habitação, saneamento e sem competência legal
para interferir nos processos de ocupação territorial e de migrações internas?
Essa história de que cada um fazendo a sua parte a integração ocorrerá
“naturalmente”, não acontece nem na Suíça.
Não poderíamos, também aqui, deixar de nos referir à formação profis-
sional. Se a Graeff ainda estivesse entre nós, continuaria dizendo que a nossa
universidade é cartorial e burocrá-
tica, expressão ouvida por mim há
quase meio século, quando ainda era
estudante.
Hoje, ela continua cartorial,
continua burocrática e o que é pior,
esvaziaram-se os corretores, cadi-
nhos onde fervilhavam o debate po-
lítico e o cultural e desenvolvia-se,
Pedra da Andorinha, distrito de
em grandes doses o companheirismo Taperuaba - Sobral, Ce

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e a solidariedade.
Com a supressão deste contraponto, estabeleceu-se um vazio, no plano
conceitual, que se reflete fortemente na produção. Este vazio de proposta gerou
um verdadeiro pipocar de “birimbelos”, modismos de todos os matizes, nos
quais o inusitado é perseguido. Não falta muito para que cheguemos a ouvir:
“o arquiteto fulano de tal lançou ontem no Caesar Park a sua coleção primave-
ra/verão. Predominam os detalhes em trambequins coloridos e a aplicação de
motivos florais sobre o concreto dão a leveza que a estação requer. Verdadeiro
“frisson” percorreu os seletos espectantesa quando foi apresentado o modelito
de residência primaveril de campo ao som dos Concertos de Vinólia”.
Ironias à parte, aliás, um bom recurso para desnudar-se as aparências,
desde Sócrates, passando por Voltaire, não estamos muito longe da arquitetura
de “grife”, ou da arquitetura efêmera, descartável, etc.
Tudo muito interessante, mas o país é pobre, o povo miserável e toda a
minha formação, do ensino primário à universidade, deu-se em escolas públi-
cas e gratuitas. E daí?
Retomando a questão da formação profissional, em que pese todo o qua-
dro de de(s)formação existente, alguns aspectos da forma como se organizam
os cursos são altamente relevantes. Somos, possivelmente, o único curso no
qual os alunos passam 80% da sua duração ligados a disciplina de projeto.
Invertamos o enfoque dado a esta super-disciplina. Conceituemos pro-
jeto da seguinte forma: dada uma situação problema, como solucioná-la? E
teremos múltiplos enfoques obrigando professores e alunos a pensar. Que se
contraponha isto à tradicional prática de ensino que confunde tamanho com
complexidade e orientação com “pastoreio” e, certamente, novos horizontes
profissionais, naturalmente se abrirão.

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Sobrado Radier, localizado na praça do antigo mercado - Sobral, Ce

Após tantas dúvidas, o que poderíamos deixar como mensagem?


A mensagem seria a retomada dos processos críticos. Reavaliemos a nossa
produção, ponhamos a nu as nossas propostas, discutamos o resgate da digni-
dade dos espaços públicos, recuperemos o debate sobre as políticas públicas.
Um olho no mundo e outro no semi-árido, na floresta tropical, no lito-
rial, no pantanal e na campanha.
Sair das redomas e olhar o país como ele realmente é: lama e asfalto, con-
domínios e favelas, televisão e teatro de bonecos, camelôs e “shopping centers”,
juventude dourada e meninos de rua, Av. Paulista e Beco do Papoco, Curitiba
e Gilbúes, Brasília e Ceilândia, etc., etc.
E construir novos caminhos sem preconceitos.
Não avançaremos andando nus pendurados em cipós.”
Também não avançaremos vendo o mundo passar pelas janelinhas eletrô-
nicas, confortavelmente sentados nos divãs das nossas salas.
No país das maravilhas Alice pergunta ao Coelho: “Que caminho eu tomo
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para sair daqui? O coelho retruca: Para onde você quer ir? Alice responde: Para
qualquer lugar. O coelho então diz: Tomas qualquer caminho.”
Se não sabemos para onde queremos ir, qualquer caminho nos serve, ain-
da que não nos leve a lugar algum.
De tudo isto, fica registrado aqui os nossos louvores aos poucos que tei-
mam em manter acesa, no velho IAB, a chama do debate.
Doravante gostaria de vê-lo comprometido na busca dos caminhos que
permitam fazer uma arquitetura que se expressa bela e contenha as variáveis
que minimizem os custos sociais, que facilite as relações de uso e que se har-
monizem com o seu meio, através de uma poética própria extraída de nossas
necessidades e da aplicação permanente das possibilidades científicas e tecno-
lógicas do nosso tempo.

Campelo Costa
Praia de Iracema, Janeiro de 2017.

Praça do Antigo Mercado - Sobral, Ce

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