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Formação intelectual
Marshall Sahlins pertenceu à escola neoevolucionista nas primeiras duas décadas de
sua vida acadêmica, tendo publicado em 1960 a obra Evolution and Culture. A corrente
teórica criada por Julian Steward e Leslie White a partir das teorias de Morgan, tinha como
dois grandes centros intelectuais as universidades de Michigan e Columbia e se opunha ao
culturalismo de Boas e seus discípulos. White defendia que a evolução das sociedades era
unilinear e dava particular atenção à evolução tecnológica das matrizes energéticas utilizadas
pelos homens; Steward era cético quanto à possibilidade de se achar causas únicas e defendia
uma teoria multilinear onde enfatizava, além da tecnologia, fatores econômicos, políticos,
ideológicos e religiosos. Sahlins tentou sintetizá-las com a proposição, paralelamente à
biologia, de que cada cultura era moldada pelas peculiaridades geográficas e temporais do
local onde é exercida, mas todas tendem, ao longo do tempo, a se tornarem mais eficientes e
complexas.
As sociedades tribais das ilhas do Pacífico foram um laboratório para os estudos de
Sahlins. O nível de desenvolvimento político variava desde as pequenas sociedades baseadas
em parentesco da Melanésia até os Estados tribais de Taiti, Tonga e Havaí. A visão que
neoevolucionistas como Sahlins tinham a esse respeito era de que “Em todo o mundo, embora
não na mesma época, as sociedades passaram por estágios semelhantes de desenvolvimento
político em conseqüência do progresso tecnológico e do acúmulo de recursos nas mãos de
poucos.” (Kuper, p. 211) Porém já naquela época era desacreditada a aplicação dos princípios
da economia clássica (Marx aí incluído) na compreensão das sociedades primitivas. Num
primeiro estágio, o da “economia doméstica de produção”, as trocas eram regidas
predominantemente pelos laços de parentesco e havia pouca exploração; eram também
consideradas “sociedades da abundância original”. Com o passar do tempo os tributos
cobrados pelos chefes, empregados como instrumento de barganha, ganhavam mais
importância, até que se configurasse uma “economia de comando”.
Fase culturalista
No final década de 1960 o antropólogo que havia se destacado entre os
neoevolucionistas subitamente abandonou essa corrente e aderiu a um tipo de determinismo
cultural. Tal mudança de posição teórica foi propiciada por sua estadia em Paris, de 1967 a
1969. Ele atacou com o culturalismo a sociobiologia, uma mutação radical da teoria
darwiniana. O estruturalismo antropológico, representado por Lévi-Strauss, foi uma das
principais influências dessa nova concepção de Sahlins e se destacou por sua contraposição à
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idéia de progresso. Alguns consideraram esta visão essencialmente conservadora, pois não
encontravam nela a possibilidade de mudança.
A crítica ao marxismo empreendida por Sahlins começava pela observação de que
“nas culturas tribais economia, política, ritual e ideologia não aparecem como ‘sistemas
distintos’; tampouco relações podem ser facilmente designadas a uma ou outras dessas
funções.” (pp.219) Logo em seguida vinha a concepção de que “a cultura, a ordem simbólica,
dominava em todos os lugares” (p. 221). Do mesmo modo que nas sociedades tribais o foco
simbólico envolve relações de parentesco, na sociedade ocidental, espacialmente no caso
norte-americano, ele é posto nos objetos manufaturados. A singularidade da sociedade
ocidental não está no fato de o sistema econômico fugir à ordem simbólica, mas nas
conseqüências estruturais por essa opção. O aforismo de Sahlins exemplifica essa
interpretação: “O dinheiro significa para o Ocidente o que o parentesco significa para o
Resto”. (p. 222) Portanto, nem o utilitarismo, nem o marxismo, como expressões da
consciência em sociedades burguesas, se aplicam aos primitivos.
Como o evolucionismo havia sido abandonado pelo antropólogo, persistia a dúvida
sobre como se deu a organização de Estados. O estudo das etnografias sugeriu a possibilidade
de esse desenvolvimento estar relacionado com a mitologia: “A função dos mitos, como
dissera Malinowski, era justificar o presente, legitimar a prática atual. (…) A essas teses já
convencionais, Sahlins acrescentou outra: as pessoas estabelecem novos eventos em tramas já
estabelecidas na mitologia. Os mitos sobre a origem reapareciam ligeiramente transformados
como épicos históricos e, depois, como notícias do dia”. (p. 227) Os mitos fornecem um
conhecimento com amplas aplicações práticas, pois são um tipo de arquétipo para situações
análogas e, por isso, um guia para ações futuras. Deste modo os vivos podem se comportar
como heróis míticos. Um entrelaçamento genealógico com os heróis míticos facilita ainda
mais essa identificação. Essa recriação dos mitos em situações contemporâneas é o que
Sahlins denominou “mitopráxis”. Como “do ponto de vista do nativo, todo evento era um
exemplo concreto de uma estrutura ideológica”, a oposição entre estrutura e evento foi
neutralizada.