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O estudo deste tema é decorrente da leitura do Seminário V de Jacques Lacan, “As Formações
do Inconsciente”, onde se reeditaram as seguintes interrogações:
Para introduzir as questões relembro o linguista Ferdinand Saussure, referência utilizada por
Lacan para pensar o que é a linguagem e mais especificamente, o que é a fala que se escuta na
clínica. Para Saussure, a palavra, ou signo, não é a relação entre um nome e uma coisa, mas
uma entidade psíquica composta pelo significado e significante. O significado é o conceito, e o
significante é a imagem acústica, ou seja, o som que fica no pensamento da palavra proferida.
Para Saussure, sempre há relação entre ambos, uma vez que o significado dependeria do
significante e vice versa.
A novidade que Lacan nos traz é demonstrar, através de sua leitura da obra de Freud, que o
Significante sobrepõe-se ao significado, que geralmente não há relação entre eles, muito antes
pelo contrário, há uma barra que os separa, uma divisão, de tal forma que o sujeito ao falar
não sabe exatamente o que está dizendo, pois sempre diz mais do que aquilo que fala, sem se
dar conta. Um dos exemplos é o sintoma que é um significante cujo significado é inacessível ao
sujeito. Sente angústia ou tristeza intensa e não sabe por que sente isso. O sintoma é um
significante a ser decifrado através da escuta do que o sujeito revela na fala para além do que
ele diz.
Quando elementos da fala referem-se a algum referente diz-se que são signos, pois tem a
mesma interpretação por todos. Essa seria a linguagem dos animais, como das abelhas por
exemplo, que Lacan cita em Função e Campo da Fala e da Linguagem. Também é essa a
linguagem usada para comunicar na área jornalística ou cientifica, onde o que se busca é uma
linguagem compartilhada.
No entanto na clínica, o que já é consciente para o analisante não lhe faz avançar, não extingue
o enigma de seu sintoma. O que compreende de si ao mesmo tempo em que possibilita uma
abertura para novas associações, também pode ser uma possibilidade de “fechamento”
dependendo da forma como o analista escuta o que ouve. Ler o inconsciente, escutar para
além do que se ouve requer além de análise pessoal, conhecimentos teóricos e técnicos do
que seja a linguagem e mais especificamente do que seja o significante.
O que introduz o sujeito na realidade é o contato com o significante que é através da voz que é
introduzido no mundo, especialmente a voz da mãe, a fala do adulto.
Propriedades do Significante
1.Está inserido no discurso como metáfora ou metonímia. O que é a metáfora? Quando uma
palavra substitui outra, ou seja, quando um significante é substituído por outro significante,
como exemplifica Joel Dor em “Introdução à Leitura de Lacan”. Quando o sigte “Psicanálise” é
substituído por “Peste”, uma palavra que aparentemente não tem nada a ver com a primeira.
Há uma substituição do sigte, mas se conserva a relação com o signo primeiro (S1/s1), a custa
do recalcamento do significado do segundo elemento, peste. Na poesia, mais explicitamente,
verificamos uma invasão de metáforas como nesse poema de Vinicius de Moraes:
Soneto de separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma E das
mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento E
do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante E
de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante De
repente, não mais que de repente.
A metonímia é a substituição de um termo por outro mas que tem alguma relação com
o primeiro. Ex: tomar um copo, ler Machado de Assis, estar no divã.
“O inconsciente não está alhures, ele se situa no mesmo lugar dos significantes (lugar do
Outro). E, justamente por isto, podemos defini-lo como uma cadeia de significantes que se
repete e insiste em interferir no discurso. O inconsciente é o que comparece na fala como dito
que escapa à intenção do dizer e o que estrutura os processos de elaboração onírica, fazendo
com que o sonho se apresente para seu autor como enigma a ser decifrado. Nesse sentido, o
inconsciente é a outra cena desse Lugar (Outro) em que se produz uma escrita.” (FERREIRA,
2002, p.120).
3.O significante não significa nada – O significante em si, como as imagens dos sonhos, por
exemplo, não significam nada e será somente através da fala que há a possibilidade de
sentidos diversos. Ele é acompanhado de um sem sentido aparente precisa ser decifrado e
não decodificado. Freud esclarece bem essa diferença, pois tem implicações técnicas
consideráveis. A decodificação supõe a interpretação de um código suprimido mas que é do
conhecimento de uma determinada comunidade. O deciframento refere-se a uma linguagem
desconhecida que busca revelar-se no sujeito.
4.O significante não representa nada sozinho – O significante precisa ser lido pelo analista,
pois é particularmente a sua escuta por um sujeito que o reconhece como representando
outro sujeito que lhe dá o caráter de significante. Desta forma é possível captá-lo em toda a
sua potência de verdade e não de realidade. O significante sozinho choca-se com a realidade
compartilhada e causa estranheza. É necessário situá-lo sincronicamente, isto é, através da
relação com os demais elementos que compõem o cenário em que aparece na frase. Também
precisa ser considerado quanto ao seu caráter diacrônico que implica a dimensão do tempo e a
historicidade do termo.
Bibliografia
2. Lacan, J. Seminário III – As Psicoses. 2ª edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
4. Lacan, J. A Instância da Letra no Inconsciente ou a Razão desde Freud. In: Escritos. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 496-536.