Académique Documents
Professionnel Documents
Culture Documents
Francisco de Oliveira
e
Maria de Fátima Silva
,
O TEATRO DE ARISTOFANES
FACULDADE DE LETRAS
COIMBRA
1991
o TEATRO DE ARISTÓFANES
.-- : . -, ! \
. .... ......... . . .
Faculdade de Letras
Coimbra - 1991
Francisco de Oliveira
Maria de Fátima Silva
QUADRO CRONOLÓGICO
E se esta fora a opção do poeta nos anos ainda periclitantes da sua iniciação
teatral, a mesma perspectiva de fortalecimento e capacidade interventora do género,
comprovada por uma sólida experiência, haveria de reaparecer vinte anos volvidos,
quando a comédia se afirmara já em toda a sua pujança:
mas sobretudo com a fonna que a veiculava. Ao es~udaT e interprew os textos dos
poetas, a crítica sofistica impulsionava a valorização de uma segunda componente
na obra literária: a qualidade artística. Mal dera ainda os primeiros passos nos
caminhos difíceis da arte e já o poeta de Cavaleiros solicitava o aplauso do
público nestes tennos (vv. 545sq.):
.. .se [o nosso poeta] evitou irromper em cena à doida, para despejar meia
dúzia de patacoadas, façam ressoar, em sua honra, uma trovoada de
aplausos.
.
Em consequência de uma primeira análise dos meandros da arte, Aristófanes
ousa esboçar, ainda que timidamente, a apologia da moderação na comédia e
fonnular uma censura ao desarrazoado da comicidade vulgar. O seu espírito passava
por um processo de amadurecimento, que havia de conduzir a um novo padrão
cómico, enriquecido por um maior intelectualismo. Assim pretendia o poeta
preencher o fosso que, dia a dia, distanciava cada vez mais as elites culturais das
grandes massas populares.
A teorização destes propósitos é-nos tran~mitida pelo próprio poeta, na
parábase de Nuvens, e em tom dolorido. Inovar tem um preço alto e Aristófanes
aprendera-o quando, ao ensaiar um esquema revolucionário com uma peça que
satisfizera os seus anseios de artista, esbarra com a frieza e insensibilidade do
público, que ficou indiferente e lhe negou o aplau.so. O poeta estava, porém,
seguro dos méritos da peça e disposto à combf1tividade. Para a reposição d~ Nuvens
- de resto nunca concretizada por razões que no~ escapam - , compõe uma
parábase polémica que é uma verdadeira consagração do "talento" como qualidade
artística. Aristófanes apresenta-se a concurso seguro de si, não mais aquela donzela
Como se definia esta nova concepção de comédia, que tanto esforço custou '
ao seu criador, sem ser capaz de encontrar eco no auditório? Para ela, o poeta
encontra o qualificativo de ow<ppw'J 'sisuda', e 'sisuda' significa, antes de mais,
avessa a tudo que seja vulgaridade e mau gosto. Sem prescindir em absoluto de
uma comicidade mais chã, Aristófanes imprime à peça de 423, na generalidade da
própria temática, um tom mais sereno e profundo do que o habitual. A caricatura
ãVTa.nona.põdv
npoç .b:ç (3pO\ITó:.ç· OtJTWç a.lrt:b:Ç 'ETpt:~a.L vw Ka.i. nt:<pó(3T)~a.l'
Ke:l 3t~lÇ tO.LV, \lUVL y' nÕT), Ke:l ~n 3t~lÇ tO.L, xwd.w.
~n. 00 ~n OKW<jJt:lÇ ~T)Õ( nOl)ot:lç cxnt:p oi. .pUYOõa.L~OVt:Ç
OÚTOl ....
ESTREPSÍADES
As minhas homenagens. deusas soberanas! Deixem que responda aos
trovões com wna boa traqueada. Que susto me pregaram! Fiquei para
morrer' Com licença dos deuses. ou sem ela. tenho de me aliviar. e é
parajá!
S6CRATES
Deixa-te de disparates! Não faças como esses pataqueiros desses
poetas cómicos
SERVIDORA
Atenção. Solta a escota!
Está a soprar um vento soão ... e de delação!
SALSICHEIRO
Sei muito bem que enfiaste no bolso10 talentos de Potideia!
PAFLAGÓNIO
E depois? Queres um talento para ficares calado?
SERVIDORA
Bem capaz de aceitar era o gajo! Solta as cordas!
O vento amaina!
PAFLAGÓNIO
Permitir-me-ás uma Justiça e picos
seres esmagado com impostos.'
Eu me encarregarei de te despachar
para a lista dos ricos!
-308 e 442), que o Salsicheiro se propõe fechar mal assume a liderança (v. 1317).
Não admira, pois, que o Coro o qualifique de tE:Àwt'l)ç 'cobrador de impostos'
(v. 248) 1. De resto, a opressão fiscal e o desrespeito pelos interesses dos cidadãos
são assumidos explicitamente pelo PafIagónio nos v. 774 sq., onde se lhe atribui
o objectivo não tanto de encher os cofres públicos (v. 775), como de se locupletar
e aquecer em brasas alheias (v. 780). Embora oprima o povo, os ricos também o
temem (v. 222-224).
Mas o próprio Demos é censurado por, ao tempo da intendência do
PafIagónio, permitir uma política económica que, em prejuízo do investimento,
preferia a malversação e a dilapidação do erário em salários e prestações sociais
(v. 1350-1354), coisa que agora reconhece um erro (v. 1355).
A arbitrariedade e a injustiça do PafIagónio, que, cpmo se vê, é, dos dois
rivais, o único alvo destes ataques, são pormenorizadas nos v. 258 sq., mas já se
encontram apresentadas no prólogo, onde, nos v. 63-70, se retrata a sua capacidade
de intimidação, chantagem e esbulho (6wÇlo6oXE:L\», malas-artes com que consegue
fazer condenar os oponentes. Este aspecto, que configura uma governação pelo
terror, característica típica da tirania, encontra-se admiravelmente retratado nos
v. 222-224, 230-233 e 1028-1029, onde queda a sugestão de que um exercíco de
poder como esse não deixará de provocar a reacção dos súbditos.
A prática da injustiça e a desumanidade encontram-se também no v. 1030,
onde o PafIagónio é identificado com Cérbero. Aí, a ocorrência do composto
á.\>6Çlemo6LOt,sç poderá evocar a política de Cléon no esmagamento da revolta de
1 Segundo Sommerstein (1981) ad loc., parece ser esta a primeira vez que o termo
teÀwtl)ç significa ladrão.
2S egundo Sommerstein (l981) ad loc ., hipótese alternativa para interpretar
á.\lÓpCt:.1tOó.i.(Jt~ç será torná-lo equivalente de arrombador. Neil (1966) ad 1030-1032
admite ainda a acepção de ladrão de escravos . ·
a) Simonia
b) Malversação e peculato
n(Ç~ç Ól)~LÓ~~~').
A.II. - Entourage
o tema dos oráculos é, na peça, logo desde o prólogo (v. 109-145), a mola
de toda a acção. É ele que, permitindo encontrar a a<Jtl)p (Q! 'salvação' procurada
desde o v. 12, vem a desenvolver-se longamente em paródia oracular tanto no
prólogo como no epílogo. O tema, que se prestava a cómica digladiação baseada na
dissensão quanto ao sentido verdadeiro das alusões e enigmas propostos pela
linguagem oracular (cf. v. 195), é particularmente expresso pelos termos )..ÓYlCt. e
~l)0\l0 (, de que registei, respectivamente, 10 e 20 ocorrências 1.
O Salsicheiro acabará por se revelar melhor intérprete dos oráculos (v. 997-
-1099), estando por isso destinado a cumprir o prometido no oráculo roubado, o
qual continha a profecia do derrube do Paflagónio (v. 177, 197 sq., 211). Essa
profecia haveria de realizar-se, como que a assinalar a supremacia dos oráculos
píticos sobre os restantes (v. 220 e 1229).
A importância dos oráculos, tema de invectiva lançado contra o Paflagónio
logo no v. 61, justifica que este os use no momento oportuno (cf. v. 797 sq.),
guarde ciosamente os seus (v. 115-117), pois gosta de os utilizar com frequência, a
ponto de merecer ser desdenhado como Bácis (v. 124 e 1(03), adivinho muito em
voga durante a Guerra do Peloponeso, e de ser acusado pelo Salsicheiro de ludibriar
os Atenienses com os seus oráculos (v. 818) e com os seus sonhos (v. 809;
cf. 1090-1091).0 Paflagónio julgava que os seus dotes de intérprete poderiam
inverter as situações que lhe eram desfavoráveis (v. 960-961), pois fiava-se nas
capacidades de manipulação que o levavam a suprimir as partes que lhe não eram
favoráveis (v. 1025-1026).
1 Para a distinção entre estes dois tennos, se é que existe, vide Neil (1966) ad 120:
)..Ó y l<::( ser(Í a palavra dos deuses e adivinhos preservada e transmitida oralmente;
XPlJO\J.O ( o tenno genérico.
'vou demonstrar', se dá início a uma longa tirada, que simula ser um discurso de '
BIBLIOGRAFIA ESPECÍFICA
1. Edições
2. Estudos
E. David (1984). Ari5tophanes and Alhenian society of lhe early fourth century
B. C., Leiden.
C. W. Dearden (1976). The stage of Aristophanes, London.
K. J. Dover (1972). Aristophanic comedy, Berkeley and Los Angeles.
V. Ehrenberg (1951). The people of Aristophanes, Oxford, 2l ed.
R. Harriot (1986). Aristophanes, poet and dramatist, London.
K. Mc Leish (1980). The theatre of Aristophanes, Essex.
C. T. Murphy (1972). 'Popular comedy in Aristophanes', American Journal of
Philology 93 169-189.
G. Murray (1933). Aristophanes. A study, Oxford, reimpr. 1965.
A. Costa Ramalho (1952). MllAA ONOMATA no estilo de Aristófanes,
Coimbra.
K. Reckford (1987). Aristophanes' old-and-new comedy, Chapei Hill and
London.
C. F. Russo (1962). Aristofane autore di teatro, Firenze.
M. F. Sousa Silva (1987). Critica do teatro na comédia antiga, Coimbra.
J. Taillardat (1965). Les images d'Aristophane, Paris, 2l ed.
P. Thiercy (1986). Aristophane: fiction et dramaturgie, Paris.
C. H. Whitman (1964). Aristophanes and the comic hero, Cambridge,
Massachusetts.
Prefácio
Aristófanes crítico da tragédia grega: As Rãs. (MFS) .. .. .. .. ...... .... ........ .. ............. 163
A mulher, um velho motivo cómico (MFS) .... .. ................ .. ............ .. .... .. .. ......207
Bibliografia geral. ...... ............... .. ... ......................... ...................... ... ....... ....245