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Sobre Comportamento

e Cognição
Expondo a variabilidade
Organizado por Hélio José Guilhardi
Noreen Campbell de Aguirre

ESETec
Editores Associados
Sobre
Comportamento e
Cognição
Associação Brasileira de Psicoterapia c
Medicina Comportamental

Diretoria gestão 04/05

Presidente: Vlélio losé O/uilhardi


Vice-presulentc: Maria Martha da Costa I lübner
1d 5ccrclári«i: Patricia Pia?7on Queiroz
secretária: Lilian R. Medeiros

14tesoureira: Marisa Isabel dos Santos de Brito


¥atesoureira: íatiana Lussari

Ex-presidentes: Bernard Pimentel Ran#è


l-lélío loséC/uilhardi
Roberto Alves Banaco
Rachel Rodrigues Kcrbauy
Maria Zilah da Silva Brandão
Sobre
Comportamento
e Cognição
Expondo a Variabilidade

Volume 16

Orgdnizttdo po r / fólio lo s t C /uillhudi


N orccn Cam pbell dc A g u irre

Hélio J. Guilhardi • Almir Del Prette • Aretusa dos Passos Baechtold • Celso Goyos • Elione
Moreira Curado • Elvira Aparecida Simões de Araujo • Emmanuel Zagury Tourinho • Eneida
Maria Leone de Souza • lima A Goulart de Souza Britto • Jáima Pinheiro de Oliveira • Janine
Julieta Inocente • Laércia Abreu Vasconcelos • Lidia Natalia Dobrianskyj Weber • Lúcia
Cavalcanti de Albuquerque Williams • Makilim Nunes Baptista • Makilim Nunes Baptista •
Marcela Leal Calais • Marcos Rogério Costa • Maria Júlia Ferreira Xavier Ribeiro • Maria
Teresa Araujo Silva • Marília da Costa Arruda • Marilza Mestre • Miriam Garcia-Mijares •
Miriam Marinotti • Mônica Geraldi Valentim • Nancy Julieta Inocente • Olavo de Faria
Galvão • Oriana Leitis • Patricia Cristina Novaki • Patricia Guillon Ribeiro • Paula Virgínia
Oliveira Elias • Rachel de Faria Brino • Rachel Rodrigues Kerbauy • Regina Christina
Wielenska • Renata Rolim Sakiyama • Renato M. Caminha • Rosana A. S. Rossit •
Rubens Reimão • Russell M. Church • Sandra Leal Calais • Sérgio Dias Cirino • Silvia S.
Groberman • Simone Roesch Schreiner • Sônia dos Santos Castanheira • Sônia Regina
Fiorirn Enumo • Suzane Schmidlin Lòhr • Tania Moron Saes Braga • Vanessa Marmentini
• Vera Regina Lignelli Otero • Vivian Marchezini-Cunha • Zilda A. P. Del Prette

ESETec
Editores Associados
2005
Copyright <D desta edição:
ESETec Editores Associados, Santo André, 2005.
Todos os direitos reservados

Guilhardi, Hélio José, et al.

Sobre Comportamento e Cognlçôo: Expondo a Variabilidade. - Org Hélio José Guilhardi,


Noreen Campbell de Aguirre 1a ed. Santo André, SP: ESETecEditores Associados, 2005. v 16

369 p. 1 7 x 24cm

I Psicologia do Comportamento e Cognlçáo


2. Behaviorismo
Análise do Comportamento

CDD 155.2
CDU 159.9.019.4

ISBN 85-88303-63-9

ESETec Editores Associados

Coordenado editorial: Toresa Cristina Cume Grassi

a t s t iec agradoco a Maria Eloisa Bonavita Soares pela enorme colaboração na


organização e preparação doste volume.

Solicitação de exemplares: eset@uol.com.br


Trac. Santo Hilário, 36 - V. Bastos - Santo André - SP
CEP 09090-710
Tel. (11) 4938 6866/ 4990 5683
www.esetec.com.br
Sumário

Perguntas (im)pertinentes sobre a área do treinamento das habilidades sociais 5


Almir Del Prette, Zilda A. P. Del Prette

Asma: além de assustar pode comprometer a qualidade de v id a ......................14


Eneida Maria Leone de Souza Suzane Schimidlin Lòhr

Aspectos óticos e técnicos da prática psfcoterápica: a visão comportamentaf.. 20


Hélio José Guilhardi

Esquizofrenia: Desafios para a Ciôncia do C om portam ento................................38


lima A Goulart de Souza Britto

Interpretações analitico-comportamentais de histórias infantis: No Reino das


Águas Claras, de Monteiro L o b a to .......................................................................45
Laércia Abreu Vasconcelos, Eliene Moreira Curado, Marília da Costa Arruda

Avaliação por competôncia: Instalando a cultura de avaliação............................53


Marcela Leal Calais, Sandra Leal Calais

Competôncia Social, tócnicas de avaliação e de intervenção em treinamento


de habilidades sociais: a integração necessária................................................59
Maria Júlia Ferreira Xavier Ribeiro, Marcos Rogério Costa, El vira Aparecida Simões de
Araújo

O papel da seleção cultural na construção das emoções e sentimentos ou de


sua representação, filtrados pela memória - Relatos de V id a ........................ 70
Marílza Mestre
Valor reforçador: conceito, medida e componentes centrais................................. 92
Miriam Garcia-Mijares, Maria Teresa Araújo Silva

Atendimento psicopedagógico de crianças que apresentam déficit de atenção 103


Miriam Marinotti

Violência e omissão: como fica o behaviorista?................................................. 116


Mônica Geraldi Valentim

Burnout, Ansiedade e Sono.................................................................................... 122


Nancy Julieta Inocente, Janine Julieta Inocente, Rubens Reimão, Sandra Leal Calais,
Makilim Nunes Baptista

A coerência entre o controle de estímulos planojado e obtido em discrimina­


ções condicionais interrelacionadas e a previsão de relações emergentes 127
Olavo de Faria Galvão

Stress e qualidade de vida na obesidade............................................................ 133


Oriana Leitis, Aretusa dos Passos Baechtold

Enurese e encoprese infantil: a importância da familia no processo de interven­


ção clinica in fa n til................................................................................................ 140
Vanessa Marmentini, Patricia Cristina Novaki

Diabetes tipo 1: práticas educativas maternas e adesão infantil ao tratamento. 152


Patrícia Guillon Ribeiro, Suzane Schmidlin Lòhr

Terapia Comportamental Aplicada ao Tratamento da O besidade......................164


Paula Virgínia Oliveira Elias*..................................................................................... 164

Prevenção Primária e Secundária do Abuso Sexual In fa n til..............................174


Rachel de Faria Brino, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams

Sobre questões de pesquisa e estratégias para aplicação..................................185


Rachel Rodrigues Kerbauy*

Terapeuta e cliente em confronto: manejo clinico da aversividade na sessão 189


Regina Christina Wielenska

Relações entre Estilos de apego, Assertívidade e A uto-estim a...........................195


Renata Rolim Sakiyama, Lidia Natalia Dobrianskyj Weber

Avanços da terapia cognítivo-comportamental no tratamento do transtorno de


estresse pós-traumático........................................................................................ 215
Renato M. Caminha, Simone Roesch Schreiner
Contribuições da Análise Comportamental para o ensino de Matemática para
indivíduos com deficiência m ental...................................................................230
Rosana A. S. Rossit, Celso Goyos

História da Pesquisa Sobre Punição 1 ..................................................................251


RusselIM. Church

Suicídio: Investigação das respostas de policiais que trabalham com situações


de ris c o .................................................................................................................. 272
Sandra Leal Calais, Makilim Nunes Baptista, Nancy Julieta Inocente

Educação, Ensino e formação de professores: contribuições da Análise do


Comportamento.................................................................................................... 279
Sérgio Dias Cirino

Leitura: uma proposta para identificação do repertório de alunos de 5a série do


ensino fundam ental.............................................................................................287
Silvia S. Groberman

Análise comportamental de dados h is tó ric o s ........................................................300


Sônia dos Santos Castanheira

Avaliação de crianças com necessidades educativas especiais em situação de


pesquisa-intervenção: dificuldades e algumas soluções................................ 310
Sônia Regina Fiorim Enumo

Estratégias para avaliação da linguagem de crianças com deficiências visuais 331


Tania Moron Saes Braga, Jàima Pinheiro de Oliveira *

Intervenções psicoterápicas: algumas variáveis controladoras..........................340


Vera Regina Lignelli Otero

Autocontrole: Aspectos históricos relevantes para uma análise psicológica. .. 346


Vívian Marchezini-Cunha, Emmanuel Zagury Tourinho

O amor: da mitologia a ciência do com portam ento........................................... 359


Wander C. M. Pereira da Silva
Capítulo 1

Perguntas (im)pertinentes sobre a


área do treinamento das habilidades
sociais
A/m ir Pel Prette'

ZikioA. P. Del Prette'

Há algum tempo atrás, com o crescimento do interesse pela área do Treinamento


do Habilidades Sociais em nosso pais, identificamos alguns equívocos referentes a
conceitos e dados históricos sobre esse campo, tanto em textos como em exposições
orais. Algumas vezes, observa-se uma compreensão enganosa sobre conceitos como,
por exemplo, similaridade entre os termos habilidades sociais e competência social, ou a
suposição de que habilidades sociais e habilidades de vida possuem matriz teórica
semelhante. Claro que não nos colocamos a salvo de cometer enganos, principalmente
sobre as questões mais complexas, as quais têm sido objeto de estudo sistemático do
grupo de pesquisa que tomamos parte.
De fato, o campo teórico-prático do Treinamento de Habilidades Sociais possui
algumas controvérsias teóricas que podem confundir o leitor. Por outro lado, em relação a
alguns dos conceitos, pode-se observar, ao longo do tempo, uma tentativa dos estudiosos
na apresentação de definições mais claras e operacionáveis. De certa maneira, temos
participado desse esforço divulgando esse conhecimento e, também, reelaborando alguns
conceitos anteriormente apresentados (Z. Del Prette & Del Prette, 1999; A. Del Prette &
Del Prette, 2001). Isso pode ter contribuído para gerar alguma confusão para aqueles que
estudam a área a partir de alguns dos nossos trabalhos, se não examinarem detalhadamente
as mudanças explicitadas, com base em sua contextualização teórica e dimensão histórica.
A constatação de que muitas dessas dúvidas conceituais também faziam parte
do modo de entendimento da área, por parte de nossos alunos, )evou nos a organizar um
método de estudo, objetivando dirimir questões e, conseqüentemente, lhes permitir maior
domínio sobre as nuanças desse campo de conhecimento da Psicologia. Primeiro,
solicitamos a cada deles, que elaborassem, no início da disciplina e ao finalizá-la, uma

* Professores da Universidade Federal de São Carlos (www.rihs.ufscai.br. zdprettBtffipower.ufscar.br:


adDf8ae@ulscar.br )-

Sobre Comportamento c CoRniç.lo 5


lista com algumas questões, preferencialmente (im)pertinentes sobre a área,
independentemente de se julgarem capazes de respondê-las. Depois, seguiam-se outras
tarefas, tais como: a) elaboração das respostas: b) cotejamento das perguntas e respostas
entre as várias listas: c) discussão em grupo e correção de alguns enganos conceituais.
A adjetivação das perguntas como (im)pertinentes teve a pretensão de incentivar os
alunos a elaborarem questões que, de fato, representassem suas dúvidas, mesmo que as
julgassem excessivamente simples ou incomuns. O resultado alcançado com esse
procedimento vem auxiliando o aluno a se dar conta de que: a) existem conceitos contraditórios
ainda não resolvidos; b) a área é ampla, complexa e aberta; c) dúvidas e conflitos são geradores
de discussão e estudos; d) todos temos, ainda, muito que aprender sobre essa temática.
Dessas listas, selecionamos aquelas que representam, pelo menos em parte, as
de maior complexidade e, em parte, revelam também algumas curiosidades e
idiossincrasias da área, optando por apresentá-las aqui, com o mesmo objetivo de esclarecer
dúvidas que possivelmente tenham um caráter comum para os estudiosos e para muitos
dos leitores. Portanto, este texto, contempla 15 perguntas, a maioria extraída das listas
dos alunos, sendo acrescidas outras, recebidas em palestras e cursos (por exemplo, na
ABPMC), de colegas e mesmo de leigos nesse tema. A última pergunta desse rol não se
relaciona, aparentemente, a problemas conceituais; todavia, nossa compreensão de
(im)pertinência), em seu duplo sentido, levou-nos a incluí-la também.
As respostas foram elaboradas por nós e. posterionnente, submetidas a um grupo
de pessoas que as avaliaram sob o critério de clareza e compreensão, em uma escala
intervalar de zero (nada compreensível) a três (bastante compreensível). Os valores um e
dois representaram pouco e medianamente compreensível, respectivamente. As respostas
com linguagem de difícil entendimento foram re-elaboradas, até se revelarem satisfatórias.
Portanto, o conteúdo, exposto a seguir, embora tenha surgido das respostas apresentadas
àquelas perguntas, posteriormente aperfeiçoadas, é de nossa responsabilidade. Esperamos
que esse estudo possa dirimir dúvidas e contribuir para aumentar a compreensão sobre a
área do Treinamento de Habilidades Sociais.

O Treinamento de Habilidades Sociais ó sucedâneo do Treinamento


Assertivo?
Essas duas áreas se constituíram como movimentos independentes e em países
diferentes, conquanto razoavelmente concomitantes no tempo. Para sermos mais precisos,
o Treinamento de Habilidades Sociais (THS) é anterior ao Treinamento Assertivo (TA), porém
devido ao maior intercâmbio de pesquisadores brasileiros com os colegas dos Estados
Unidos, o segundo movimento obteve maior visibilidade e interesse no Brasil e em outros
países das Américas. Em outras palavras, o THS chegou por aqui mais tarde, o que, ao que
tudo indica, contribuiu para favorecer a compreensão equivocada de anterioridade do TA.

Como distinguir um movimento do outro?


A história do THS e do TA ilustra bem a noção corrente da Psicologia como uma
disciplina multifacetada. Por mais de uma década, não se observou proximidade entre os
estudiosos de ambos os lados dos continentes (Estados Unidos e Inglaterra), nessa temática.
O movimento denominado Treinamento de Habilidades Sociais iniciou-se na Inglaterra, tendo
como base os trabalhos pioneiros de Michael Argyle, na Universidade de Oxford. Argyle foi um
investigador com múltiplos interesses na Psicologia, tendo pesquisado, entre outros assuntos,
o absenteísmo e o turnover no trabalho, o comportamento religioso, a comunicação não-

6 Alm it Pol Prrlle, A . I’. Del Prdto


verbal, a variável introjeçao na aprendizagem social, o contato verbal, a proximidade e afiliação.
Posteriormente, dedicou-se com regularidade ao tema das habilidades sociais. Seu principal
colaborador foi Peter Trower, autor de vários estudos sobre habilidades sociais, entre os quais
pode-se recomendar o artigo Adult social skills: State ofthe art and future directions (1995).
Jà, o movimento do Treinamento Assertivo teve seu infcio com Joseph Wolpe e continuou
depois, com a participação de Arnold Lazarus, ambos psicólogos clínicos, provenientes da
África do Sul. Nos Estados Unidos, Wolpe orientou o doutorado de Lazarus, porém,
posteriormente, a associação entre ambos se desfez. A popularização do TA nos Estados
Unidos, e também em outros lugares, ocorreu principalmente devido à grande aceitação do
livro de Alberti e Emmons (Yourperfect right: A guide to assertive living) pelo público em geral,
tendo vendido mais de 800 mil exemplares naquele país. Alguns estudiosos, dentre os quais
nos colocamos (Del Prette & Del Prette, 1996, A. Del Prette & Del Prette, 2001), vêem,
atualmente, as habilidades assertivas como classes de habilidades sociais, porém entende-
se que, historicamente, um movimento não se reduz a outro (Del Prette & Del Prette, 2003a).
Dada uma certa confusão sobre esse assunto, parece ser importante recordar que os termos
habilidades sociais e treinamento de habilidades sociais apareceram e foram adotados antes
mesmo que o conceito de assertividade tivesse sido definido (ver Hargie, Saunders & Dickson,
1994).

Qual é, em termos conceituais, o exato perfil da área do Treinamento de


Habilidades Sociais?
Atualmente, o Treinamento de Habilidades Sociais não pode ser compreendido
dentro de sua dimensão inicial, quando era concebido como um método de intervenção e
definido em termos de um '‘pacote" de procedimentos destinados a suprir déficits de habilidades
de relacionamento interpessoal. Hoje, constitui uma área com um marco cultural definido,
tendo como base teorias sobre o relacionamento interpessoal, com escopo mais abrangente
do que tinha anteriormente. A leitura do Handbook ofpsychologicalskifts trainingdn 1995,
organizado por William 0 ’Donohue e Leonard Krasner, permite verificar que já existia uma
considerável amplitude nas indicações de programas de treinamento em habilidades sociais
e que novas questões teóricas, até então pouco consideradas, estavam sendo discutidas.
Para uma maior familiaridade com essas questões, recomenda-se a leitura de: Trower (1995),
Hargie, Saunders e Dickson (1994), Del Prette & Del Prette (1996; 1999).

Em quais aspectos do THS estão mais interessados os estudiosos dessa


área no Brasil?
Esta pergunta poderá ser respondida, de maneira mais conclusiva, quando se fizer um
estudo da arte desse campo entre nós, o que acreditamos de grande importância. Isso implicará
em um amplo levantamento das publicações incluindo-se os livros, artigos de revistas, teses e
dissertações. Até o presente momento três estudos analisaram as publicações na área do THS.
O primeiro (Del Prette & Del Prette 2000) constituiu uma tentativa inicial, exploratória, abrangendo
apenas as publicações definidas, pelo seu título como pertencentes a essa área. A segunda
incursão nesse tema é de Murta (s.d.), que analisa os programas de treinamento de habilidades
sociais sob a ótica da prevenção primária, secundária e terciária. O terceiro (Bolsoni-Silva, Del
Prette, Montanher, Del Prette & Del Prette, s.d.) é mais abrangente e constitui capítulo de um
livro que está sendo organizado pelas pesquisadoras: Marina Bandeira e Eliana Gerk-Carneiro.
Uma análise desses estudos deve possibilitar um levantamento de pistas importantes para a
compreensão dos interesses dos pesquisadores na área do THS entre nós. Embora existam

Sobre Comporl«imcnlo c Co^niçAo 7


muitos profissionais trabalhando com intervenção, o que se observa é um maior número de
publicações sobre avaliação de desempenho em habilidades sociais. Os programas de intervenção
conduzidos na clínica particular nem sempre são planejados com controles refinados, dentro
das exigências da investigação empírica, permanecendo como experiência restrita a pequenos
grupos e raramente apresentados em congressos. Já os estudos de avaliação ocorrem, em sua
maioria, nas academias, dai porque se observa um maior volume de publicações nesse tema.
Verificam-se, adicionalmente, poucos estudos sobre aspectos teóricos, o que não significa a
inexistência de questões conceituais, conforme se explicitou no início deste capítulo.

Por que existem tantas definições de habilidades sociais?


Caballo (1993) fez um levantamento desse número, apontando doze definições dos
autores mais conhecidos na área. Posteriormente, esse número cresceu mais ainda. Em parte,
isso ocorre devido às varias matrizes teóricas que dão sustentação à área. Cada teoria tende a
enfatizar alguns aspectos do desempenho social, conforme a sua compreensão de aprendizagem.
Por exemplo, se tomarmos a teoria da aprendizagem social, que tem uma importante contribuição
na constituição da área (Rios, Del Prette & Del Prette, 2002), a definição deve fazer referência a
aspectos cognitivo-comportamentais do desempenho, enquanto que se levarmos em conta uma
abordagem essencialmente operante da aprendizagem, a ênfase recairá sobre aspectos
comportamentais. De outra parte, muitas definições são excessivamente abrangentes ou restritas
para serem úteis na definição de procedimentos, tanto de avaliação quanto de intervenção. A
melhor definição deve ser pensada do ponto de vista de seu valor heurístico na orientação de
apropriada metodologia de avaliação e de procedimentos de intervenção.

Alguns estudos sobre desenvolvimento utilizam o conceito de competência


social, sem, contudo, se referirem à área das habilidades sociais. Por quê?
O conceito de competência tem uma longa história na Psicologia. Ele foi e é
utilizado na Psicologia Clínica e do Trabalho. Nos estudos sobre desenvolvimento, as
definições de competência social variam também de acordo com as diversas matrizes
teóricas que dão sustentação às diferentes abordagens. As perspectivas que tomam a
mente como social (Rogoff, 1995; Valsiner, 1997) associam, necessariamente, as questões
da linguagem e do desempenho social à noção de intersubjetividade. Considerando as
diferenças de objetivos, não há porque a Psicologia do Desenvolvimento se referir à área
do THS, porém uma proximidade desta com as posições desses autores poderia ser
importante na elaboração de uma teoria interpessoal, abrangendo aspectos do
desenvolvimento humano, como a que propõe Trower (1995).

Qual a diferença entre Habilidades Sociais e Competência Social?


A posição que adotamos tem sido: a) não reduzir um conceito ao outro; b) tomar
as habilidades sociais em um sentido descritivo, de caracterização do repertório do indivíduo;
c) compreender competência social sob uma perspectiva avaliativa a respeito da proficiência
do desempenho. Assim considerando, “habilidades sociais referem-se a diferentes classes
de comportamentos sociais no repertório de um indivíduo que lhe permite lidar de maneira
adequada com as demandas de seu ambiente" (Del Prette & Del Prette, 2001, p. 31).
Portanto, rigorosamente falando, não podemos utilizar o termo “socialmente habilidoso"
para referir-se a uma pessoa em interação com outra por que esse termo traz uma conotação
avaliativa mais do que descritiva. A competência social diz respeito à avaliação ou auto-
avaliação, podendo ser considerada como "uma qualificação do desempenho social, em
termos da capacidade de um indivíduo de organizar pensamentos, sentimentos e ações

8 A lm ir Del Prelle, Zikki A . P. Pel Prrlle


em função de seus objetivos e valores, articulando-os [em um desempenho que atende]
às demandas mediatas e imediatas do ambiente" (Del Prette & Del Prette, 2001, p. 31).
Como se trata de uma dimensão avaliativa do desempenho social, a análise da competência
social requer critérios, conforme já enfatizamos em resposta a outra questão.
Habilidades Sociais ó um conceito ou uma área?
O termo habilidades sociais tem sido utilizado tanto para designar uma área de
produção/aplicação de conhecimento, quanto para designar um conceito. Seria mais correto
utilizar Treinamento de Habilidades Sociais e a sigla THS, para fazer referência à área, porém
isso não é importante desde que se tenha a compreensão adequada deste e de outros termos.
Um termo por si mesmo nada explica. O termo só possui valor explicativo quando é definido e
a ele se agrega uma teoria. A palavra habilidade é vulgarmente entendida "como algo que se
faz bem". Essa noçào não pode ser incorporada pela área do THS, pois se revela falaciosa. O
que é fazer bem? O que é algo que se faz? Quem diz "bem" de algo? É preciso ficar claro que
o observador não vê uma habilidade. O que ele vê são comportamentos ou desempenhos.
Sobre todos os desempenhos possíveis de uma pessoa é viável se propor uma ordenação
primária: a) os que ocorrem em relação a objetos e/ou fenômenos não-humanos da natureza
(abrir uma gaveta, ligar a televisão, abrigar-se de uma chuva); b) os que ocorrem em relação à
outra pessoa (xingar alguém, dizer bom dia ao vizinho, afagar a cabeça de uma criança). O
segundo grupo pode receber uma nova subdivisão: os desempenhos que produzem danos e
aumentam a probabilidade de afastamento entre as pessoas recebem a designação de anti­
sociais e os que contribuem para aproximação ou manutenção da interação entre as pessoas
são designados de pró-sociais. É dificil identificar, entre os pró-sociais, quais não seriam
habilidades sociais, ainda mais quando se considerando que algumas dessas habilidades (as
assertivas) podem, algumas vezes, provocar desconforto ao interlocutor. Portanto, habilidades
sociais supõem um conjunto de desempenhos com características especificas..

Dentre os vários critérios para aferir a competência social de um


desempenho, quais os mais facilmente operacionalizáveis?
Antes da resposta, seria interessante relembrar esses critérios: a) consecução dos
objetivos da interação; b) manutenção ou melhora da auto-estima; c) manutenção e/ou
melhora na qualidade da relação; d) maior equilíbrio entre ganhos e perdas; e) respeito e
ampliação dos direitos humanos básicos. Os três primeiros são bastante veiculados na
literatura da área (Linehan, 1984), os demais foram por nós estabelecidos (Del Prette & Del
Prette, 1999), com base em uma compreensão da dimensão ética que pode ser incorporada
à definição. Aparentemente, o primeiro critério é mais fácil de operacionalizar e avaliar. No
entanto, algumas vezes, quando utilizado isoladamente, ele pode trazer uma falsa atribuição
de sucesso porque se refere a conseqüências imediatas, sem considerar a continuidade da
relaçáo. Dal porque è importante que todos os critérios, ou vários deles, sejam considerados,
avaliando-se como competente o desempenho que atende mais amplamente esse conjunto.

Podemos afirmar que os diferentes modelos conceituais existentes na


área do THS passam, em última análise, pelo crivo da aprendizagem social?
Embora a polêmica entre as diversas teorias da aprendizagem social tenha diminuído
bastante nos anos recentes, é preciso considerar que o THS é, ainda, uma área aberta. Isso
significa que não se construiu um sistema organizador completo, que poderia ter como eixo
a teoria da aprendizagem social. Pode-se dizer que a área carece de estudos teóricos que

Sobre Comportamento c C o ^ n l^ o 9
esclareçam a efetiva contribuição dos vários modelos conceituais que nela coexistem. Em
estudo recente (Rios, Del Prette & Del Prette, 2002) procurou-se analisar a contribuição da
teoria da aprendizagem social de Bandura na constituição da área do THS, podendo-se
afirmar a sua importância, om especial porque ela representa uma integração entre abordagens
cognitivistas e comportamentais. Olhando-se o passado é possíveis localizar dois modelos,
o operante (Estados Unidos) e o de desempenho de papeis (Inglaterra), com uma influência
que ainda persiste na área. No entanto, enquanto as análises sobre os diversos modelos na
constituição da área não forem realizadas, a resposta a essa pergunta deverá ser postergada.

Qual a diferença entre a análise molar e molecular? Qual sua importância


no THS?
Ambos os termos devem ser relativizados. Em outras palavras, é possível,
teoricamente, entendê-los para além de uma posição dicotômica, imaginando-os em um
contínuo. Uma classe de habilidades pode conter subclasses e esta pode se decompor
em outras, e assim sucessivamente. Conforme exemplificamos (Del Prette & Del Prette,
2001, p. 59), a habilidade de coordenar grupo pode conter habilidades tais como, "organizar
as idéias dos participantes”, "mediar o estabelecimento de regras", "direcionar o grupo
para a tarefa" etc., sendo que, por sua vez, cada uma dessas habilidades compreenderia
outras: "resumir", "parafrasear", "dar feedback’, “perguntar" etc. Além disso, cada habilidade
ou classe de habilidades tem os seus componentes verbais, não-verbais e paralingüísticos.
Em uma situação social, a dificuldade ou déficit de uma pessoa pode se localizar em um
nivel molecular que prejudica o seu desempenho global. A avaliação, na perspectiva desse
contínuo, traz subsídios importantes para o planejamento de um programa de THS, tanto
na seleção de objetivos quanto na elaboração de procedimentos porque pode contribuir
para localizar o foco específico da intervenção.

Podemos dizer que o automonitoramento é indispensável para


desempenhos sociais competentes, conforme os critérios de competência
social?
De fato, monitorar o próprio desempenho aumenta a probabilidade de que este
seja adequado na perspectiva da própria pessoa. A inclusão dessa habilidade, como objetivo
a ser alcançado em um programa de THS, facilita a aprendizagem daquelas habilidades
mais complexas. Pode-se dizer que, em grande parte, a generalização das aprendizagens,
do setting terapêutico para outros ambientes, depende da automonitoria. O desenvolvimento
da automonitoria pode ser obtido através de uma série de tarefas, algumas feitas na própria
sessão de treinamento e outras fora dela. Pessoas com dificuldade de automonitorar o
desempenho necessitam de uma atenção especial por parte do terapeuta ou educador.

O Treinamento de Habilidades Sociais com crianças segue um processo


semelhante ao do jovem e do adulto?
Sim e não. Sim em vários aspectos, tais como: a) a necessidade de avaliação pré,
durante e pós-intervenção; b) o cuidado para que a idade máxima e mínima entre os membros
do grupo não seja muito discrepante; c) a homogeneidade, com relação ao transtorno, na
composição do grupo; d) a definição prévia de objetivos; e) a necessidade de planejamento
do programa e das sessões; f) o cuidado com as questões éticas. Entretanto, um programa
de Treinamento de Habilidades Sociais com crianças tem algumas particularidades, em
especial relacionadas a procedimentos, o que implica em diferentes habilidades do terapeuta

10 A lm lr Pel Prcflc, Z ild i A . P. Del PrvHe


que atende crianças (Conte & Regra, 2000). Isso significa que o terapeuta, ao conduzir um
Treinamento de Habilidades Sociais com um grupo de crianças, deve possuir um repertório
apropriado para que o processo seja efetivo (Del Prette & Del Prette, 2004). Esse repertório
inclui, por exemplo, habilidades comunicativas (verbais e não-verbais), conhecimento da sua
clientela, criatividade no uso de procedimentos lúdicos. Associado a este último item,
recomendamos o uso de vivências nesse tipo de intervenção (Del Prette & Del Prette, 2005),
o que implica em domínio de outras habilidades mais específicas.

Qual a diferença entre treinamento e terapia quando se trata de clientes


com problemas de relacionamento social?
Essa é uma questão de interesse epistemológico uma vez que remete à metodologia,
ao conhecimento e ao entendimento da própria área. Do ponto de vista da divulgação de
resultados, historicamente toda ou quase toda intervenção, utilizando a metodologia do
Treinamento de Habilidades Sociais, recebeu a designação genérica de ‘treinamento’’. Ainda
hoje (tanto no Brasil como em outros países), o relato de intervenções publicadas na literatura
especializada, tem utilizado o termo treinamento ao invés de terapia. É muito raro encontrar
uma publicação nomeada por terapia de habilidades sociais. Na perspectiva dos objetivos
da intervenção, poder-se-ia pensar que os termos treinamento e/ou terapia são igualmente
aplicáveis no caso de pessoas com queixa clínica de problemas de relacionamento social,
conforme explicitamos anteriormente (Del Prette & Del Prette, 1999). Todavia, para as
intervenções com objetivos de capacitação ou de profilaxia como, por exemplo, os programas
com universitários, com professores, vendedores, administradores, crianças etc., o termo
treinamento é o mais apropriado, mesmo que a intervenção inclua componentes de um
processo terapêutico. É importante repetir que o Treinamento de Habilidades Sociais tem
lima aplicação bastante ampla, podendo ser usado como método principal ou como
coadjuvante das intervenções conduzidas nas clínicas de psicologia e também em hospitais.

Considerando a supremacia do capital, o THS, enquanto método de


treinamento, não corre o risco de ser um recurso adicional para aumentar
o poder daqueles que já o possuem?
Enquanto método de treinamento ou intervenção, o THS pode, ou nào, ser utilizado
dentro de princípios politicamente corretos, isso significa que colocá-ío a serviço de objetivos
importantes no aspecto da justiça e onentá-lo por ideais libertários é uma opção do profissional
que atua nessa área. Essa pergunta traz de volta questões antigas, revestidas, hoje, com
novas terminologias e novos aspectos culturais. São as questões ligadas à exploração, à
desigualdade social, ao distanciamento entre países ricos e pobres, à imposição de modelos
de desenvolvimento e valores culturais etc. O alcance do THS é limitado, todavia não invalida
os esforços de sua aplicação no sentido da ampliação do respeito aos direitos humanos
(Del Prette & Del Prette, 2001). Vale a pena lembrar que posições filosófica e politicamente
engajadas não são inteiramente novas nessa abordagem da Psicologia (o leitor poderá
verificá-la em Bandura 1979; Holland, 1973; 1974; Skinner, 1973; 1978; entre outros). Alguns
desses aspectos vêm sendo discutidos nos congressos da ABPMC, podendo-se citar, apenas
para exemplificar: Carrara, 2002; Micheletto & Sério (2002) Um dos produtos do THS,
principalmente os que ocorrem em grupo, relaciona-se com as mudanças de valores e
crenças. Por outro lado, crenças na justeza sobre a própria posição na sociedade (Del
Prette & Del Prette, 2003b) podem gerar a passividade e comportamentos de caráter
exclusivamente interpessoal, enquanto o seu oposto favorece ações intergrupais. Sabe-se,
também, que em grande parte, o êxito dessas ações depende da aprendizagem de habilidades

Sobre Comportamento e Cogniçílo 11


assertivas. Holland ( 1973) defendia o trabalho do psicólogo junto aos estratos desfavorecidos
da sociedade. Dentre os vários métodos, o THS pode ser considerado uma ferramenta
importante para aqueles que pretendem realizar esse tipo de trabalho. Parafraseando o
escritor português Saramago, antes que o gato nos devore a todos, devemos aprender
habilidades sociais de automonitoramento e também outras para enfrentá-lo.

Uma palavra final


Esperamos que as respostas apresentadas às perguntas selecionadas representem
uma contribuição, para a discussão da área do Treinamento de Habilidades Sociais entre
nós. Não pretendemos que as considerações feitas elucidem totalmente as dúvidas e encerrem
as possibilidades de aparecimento de posições divergentes. Os conflitos entre diferentes
posições são importantes para o aprimoramento do conhecimento, em especial na área do
Treinamento das Habilidades Sociais, que em nosso pais, ainda dá seus primeiros passos.

Referências
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Sobro Com portam ento e C o flniçío 13


,= Capítulo 2

Asma: alem de assustar pode


comprometer a qualidade de vida

Eneida Maria Leone de Souza1


Suzane Schimidlin Lõhr*

A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas cuja principal dificuldade
é de passagem de ar pelos brônquios, o que pode levar a um insuficiente desempenho da
função pulmonar e conseqüentemente à redução do aporte de oxigênio no organismo
(National Institute of Allergy and Infectious diseases/ National Institute of Health, 2003;
Silva & Hetzel, 1998). Tosse, falta de ar, opressão e chiado no peito constituem sintomas
característicos e podem ocorrer isoladamente ou em conjunto, desencadeando crises.
Doenças crônicas requerem acompanhamento profissional por período prolongado,
para identificar e intervir quando a doença está em atividade, além de prevenir ocorrência
de seqüelas e reduzir o ônus dos custos adicionais (Arruda & Zannon, 2002). Destaca-se
a importância de que o tratamento do asmático se realize por equipe multiprofissional
(médicos, fisioterapeutas, psicólogos...), tendo em vista a necessidade de controle
ambiental e medicamentoso para a reabilitação da função respiratória e conseqüente
diminuição dos sintomas.
Assim sendo, o tratamento leva a alterações na rotina de vida do paciente, bem
como dos familiares que estiverem trabalhando no cuidado direto do paciente (LaGreca &
Bearman, 2001; Lemaneck, Kamps & Chump, 2001). Os cuidados envolvem gastos
financeiros (e, portanto, necessidade de trabalhar para garantir situação financeira para
sobrevivência e para o tratamento), manutenção de rotinas no ambiente doméstico,
preservação das atividades escolares da criança e realização de atividades de lazer, o que
gera, portanto, implicações sociais para os cuidadores e toda a família do doente crônico.
O tratamento da asma requer cuidados especiais no dia-a-dia, visando afastar os
fatores desencadeantes das crises. Fazem parte destes cuidados desde algumas "regras

’ Graduadada em Psicologia pela UFPR, mestre em Psicologia da Infância e Adolescência pela UFPR. E- rnail:
eneída 13@brturbo.com.br
2 Doutora em Psicologia pela USP, coordenadora do Curso do Psicologia do UnlcenP, professora da UFPR.
E- mail: lohi@supeng.com.br

14 Eneida Maria Leone de Souza, Suzane Schimidlin LôhrJ


diferenciadas" na limpeza da casa (utilizando-se de produtos específicos/ evitando-se
carpetes e tapetes/ com lavagens de cortinas freqüentes entre outros) até a seleção de
produtos apropriados para utilização e consumo (Emerson, Pereira & Rios, 1995; Miyazaki,
1997; Silva & Hetzel, 1998).
Vários autores (Vaida, 1999; Baldacci e Scognamiglio 2001; Salomão e Miyazaki,
2001; Galvão, 2003) pontuam que evitar a exposição aos alérgenos ambientais permite
melhor controle dos sintomas e das crises. Isto ressalta a importância de programas
educativos para auxiliar no manejo da doença.
Quando o paciente adquire uma educação em asma, onde aprende sobre a sua
doença, sabendo reconhecer os sintomas indicativos de uma crise, poderá desenvolver
maneiras de tomar providências necessárias, evitando uma crise com comprometimentos
sérios. Crises de asma podem ser bastante perigosas, levar a pessoa a hospitalizações e
até ocasionar mortes. Mas, embora uma crise de asma possa iniciar muito rapidamente,
geralmente sintomas como opressão no peito e aperto na garganta surgem antes de
iniciar o chiado ou a falta de ar. A discriminação precoce de tais sintomas permite que se
tenha controle sobre a crise.
A asma não tem cura, mas com tratamento adequado pode-se ter a doença sob
controle. A garantia da efetivação e manutenção do tratamento possibilita a promoção de
uma vida ativa ao paciente asmático, com o mínimo de limitações em suas vidas, somente
aquelas necessárias ao controle dos sintomas. Estudos indicam que a adesão ao
tratamento é mais difícil quando este interfere com atividades diárias e quando se destina
a prevenir complicações futuras (La Greca & Shuman, 1995; Miyazaki, 1997). A inserção
da Psicologia com intervenções dirigidas á criança enferma e aos seus familiares é de
suma importância, propiciando ao paciente e sua família a aquisição de conhecimentos
acerca da doença, bem como orientando no desenvolvimento com eles alternativas para
lidar com os sintomas.
A importância da participação da familia no tratamento do doente crônico é descrita
com freqüência na literatura (Miyazaki, 1997; Lòhr, 1998; Arruda e Zannon, 2002). Sua
contribuição parece ir além da participação efetiva no tratamento. A família tem sob seu
domínio recursos que podem auxiliar a criança a assumir um papel ativo no tratamento, de
forma a se comprometer com ele. Como os familiares podem estimular tal atitude, o que
podem fazer para vencer suas próprias angústias e incertezas (que muitas vezes os levam
a fazer pela criança) são temas que precisam ser analisados.
O conhecimento psicológico pode ser uma ferramenta facilitadora deste processo
de análise e intervenção. A meta, em se tratando de uma doença crônica que irá acompanhar
a criança em sua vida, é desenvolver na criança o compromisso com o tratamento, a
percepção de sua finalidade e importância, e a elaboração de suas emoções diante das
situações.
Investigar como se dá a relação entre pais de crianças asmáticas e seus filhos
pode ser considerada uma etapa preliminar para contribuir com a promoção de maneiras
de tornar efetiva para a criança a aquisição de conhecimentos sobre a sua enfermidade.
Buscar entender a relação pais-crianças asmáticas traz a necessidade de se
conhecer estudos e pesquisas relativos às relações pais-filhos. A literatura apresenta
várias classificações das relações pais-filhos, tendo em vista a influência no comportamento
e desenvolvimento infantil. Estudos da relação pais-filhos, focalizando as práticas educativas
adotadas vem sendo abordados em temas como estilos parentais e práticas parentais.

Sobre Com porliim cnlo c C'opniç«1o 15


Loyola e Silva (2003) analisou em seu trabalho a dimensão responsividade, proposta por
Maccoby e Martin (1983) para a classificação das práticas parentais. Loyola e Silva (2003)
pontuou que a responsividade pode ser entendida numa visão comportamental como
respostas dos pais contíguas e contingentes às necessidades das crianças. Assim sendo,
pais responsivos são aqueles que agem de acordo com o comportamento da criança,
além de fornecerem acolhimento caloroso aos filhos.
Um outro conceito chave para a compreensão das práticas parentais apontado
por Maccoby e Martin (1983), constitui-se a exigência. Este conceito sob a perspectiva
analítico funcional pode ser entendido como respostas dos pais contíguas e contingentes
às suas próprias necessidades enquanto pais. Implica no uso de regras, e não promove o
desenvolvimento da percepção das contingências presentes no ambiente e que possam
funcionar como estimulo discriminativo em situações semelhantes.
Em se tratando de asma na infância, o contexto social e familiar do qual o asmático
faz parte é de fundamental importância. Isto se deve especialmente à necessidade de
cuidados contínuos imposta pelo tratamento, os quais envolvem tanto a criança doente
quanto os familiares. Peculiaridades existentes na relação pais e filhos com asma merecem
atenção dos pesquisadores e profissionais tendo em vista a adesão ao tratamento. O
papel do psicólogo é amplo neste contexto, podendo envolver diferentes frentes de trabalho
desde atendimento individual da criança, grupos de crianças, trabalho em grupos com
pais, até o trabalho com pais e crianças em conjunto.
Considerando tudo isto, a seguir será relatada, de forma breve, uma pesquisa
realizada com pais de crianças asmáticas.

Relato de pesquisa
Durante o ano de 2004, realizou-se uma pesquisa com crianças asmáticas com
idade entre 7 e 12 anos, na cidade de Paranaguá- Pr (Leone de Souza, 2004). O objetivo da
pesquisa era investigar a existência de relação entre condutas de adesão das mães ao
tratamento recomendado e padrões de manejo delas na educação dos filhos. O estudo foi
delineado em duas fases. Participaram da primeira fase 31 mães do crianças asmáticas
que estavam em tratamento em instituição especializada em asma ou que residiam em
bairro com alta incidência da enfermidade. Nesta fase aplicou-se um instrumento criado
para a pesquisa, denominado Inventário de Adesão ao tratamento da asma (IATA). A aplicação
do instrumento buscou conhecer como as mães da pesquisa se comportavam em reíação
às condutas de adesão ao tratamento da asma. Os escores do IATA permitiram selecionar
três mães que apresentaram maior número de condutas de adesão ao tratamento da asma
do filho e três que apresentaram menor número de condutas de adesão ao tratamento.
Os resultados da primeira fase da pesquisa mostraram maior adesão ao tratamento
da asma dos filhos em mães que participam de um programa assistencial de controle que
monitora o tratamento. Foram considerados dois tipos de controle necessários à adesão ao
tratamento: controle ambiental e controle medicamentoso. Dentre os participantes do grupo
em tratamento na instituição especializada3, dezoito, dos vinte e seis participantes (18/26),

3 A escolha do número de participantes se deu de forma aleatória, Já que durante 3 semanas um funcionário
da Instituição foi orientado a entregar a todas as mães de crianças de 7 a 12 anos que viessem á instituição
para tratamento, o "Inventário de Adesão ao tratamento da Asma" e no que se refere ao bairro com alta
incidAncia da enfermidade, o questionário foi entregue a todas as mães de crianças com asma com Idade
entre 7 e 12 anos

16 Eneida Maria Leone de Souza, Suzane Schimidlln Lohr-'


apresentaram índice de adesào total ao controle medicamentoso. Já entre os participantes
do grupo do bairro com alta incidência, nenhum participante apresentou índice de adesão
total ao controle medicamentoso. Em relação ao controle ambiental, só no grupo em
tratamento na instituição foram encontrados índices maiores de adesão, classificados como
adesão total (6/26), o que leva a pensar sobre a importância de um controle efetivo para que
as medidas de controle ambiental sejam realmente levadas a cabo.
Na segunda fase da pesquisa, as 6 mães selecionadas participaram com seus
filhos de uma atividade cognitiva e uma lúdica. As observações das interações mostraram
as práticas parentais evidenciadas pelas mães que apresentam condutas de adesão ao
tratamento da asma e seus filhos asmáticos e pelas mães que não apresentam condutas
de adesão ao tratamento (ou têm baixo grau de adesão) e seus filhos asmáticos.
Na atividade cognitiva verificou*se padrão de interação com equilíbrio entre
responsividade e exigência em apenas uma das mães com alto grau de adesão ao
tratamento. Equilíbrio entre responsividade e exigência, vem sendo citado por vários autores
(Brenner & Fox, 1999; Costa, Teixeira & Gomes, 2000; Darling, 1999; Maccoby & Martin,
1983; Novak, 1996; Gomide, 2003) como ideai para um desenvolvimento saudável da criança.
Todas as mães do grupo de baixa taxa de adesão ao tratamento apresentaram na atividade
cognitiva padrão de interação denominado disciplina relaxada (alta responsividade e baixa
exigência) e superproteção na relação com os filhos.
Os dados da atividade lúdica permitiram comparações entre os comportamentos
de duas das mães do grupo “não adesão" com uma das mães do grupo "adesão". As três
díades durante a atividade lúdica apresentaram as menores diferenças entre responsividade
e exigência. Além disto, houve semelhança na freqüência de comportamentos de
superproteção nestas três díades.
A análise da discrepância dos dados quando a atividade é lúdica ou cognitiva
remete à diferença na natureza destas atividades. Sendo a atividade cognitiva uma atividade
que "implica resultado", pode-se relacioná-la com as atividades em direção ao tratamento
da asma. No grupo de não adesão verificou-se pouca exigência e presença de superproteção
o que vai em direção a um comportamento dos pais de não colocação de regras, podendo
dificultar o desenvolvimento de habilidade para cumprimento e seguimento de regras pelas
crianças, comprometendo em decorrência a adesão ao tratamento por parte da criança, já
que seguir orientações (alimentares, medicamentosas e ambientais) é fundamental para o
controle do quadro asmático.
O comportamento de mães do grupo “não adesão” caracterizado por relativo equilíbrio
entre comportamentos de responsividade e comportamentos de exigência na relação com o
filho na atividade lúdica, não esteve presente de igual modo no que se refere a atividades que
envolviam disciplina, bem como no que se refere ao tratamento da criança, o que leva a
refletir acerca de variáveis, possivelmente geradoras de ansiedade de desempenho destas
mães em tais condições. Estas variáveis, além de impedirem um manejo adequado da
doença e tratamento por parte da mãe, impedem também que a criança, através do modelo
materno, aprenda a administrar situações envolvendo sua própria doença e seu tratamento.

Conclusões
Um profissional de Psicologia pode atuar com pacientes asmáticos trazendo
contribuições bastante significativas, nos vários âmbitos inerentes à enfermidade crônica,
desde o recebimento do diagnóstico, até a aquisição de conhecimento sobre os sintomas
e comportamentos de adesão ao tratamento.

Sobro C o m p o rta m e n to e L'a$ni{<lo 17


Pode ainda atuar na relaçáo pais -filhos, auxiliando os pais a desenvolverem
aquisição gradual de independência do paciente em relação ao tratamento, conforme
percebam as contingências, avaliando as responsabilidades que a criança possa administrar.
Quanto às práticas parentais, os resultados da pesquisa mostraram relação entre
adesão ao tratamento da asma pela mãe e seu comportamento na interação com o filho
em atividades que envolvem disciplina. Como tais atividades exigiam comportamentos
semelhantes aos exigidos para o tratamento da asma, envolvendo comportamentos de
sistematização e disciplina, além de implicar o desenvolvimento de habilidades de
autocontrole pela criança, avalia-se a importância de reflexões acerca de variáveis emocionais
que possam interferir nos comportamentos dos pais.
Assim sendo, propõem*se reflexões acerca da necessidade de se considerar as
angústias e as inseguranças das mães frente à doença e ao tratamento. Sugere-se que
mais pesquisas sejam realizadas, para que se fundamentem trabalhos onde se promova o
desenvolvimento de maneiras apropriadas de interação máes-crianças com asma, facilitando
o desenvolvimento de comportamentos em direção à adesão ao tratamento e à promoção
e manutenção da qualidade de vida da criança e da família.

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Sobre Comportamento e Coflnív<Jo 19


Capítulo 3

Aspectos éticos e técnicos


da prática psicoterápica:
a visão comportamental*
H élio hsé C/uillhmli**

A presente Investigação não visa ao conhecimento teórico - pois não


investigamos para saber o que é a virtude, mas a fim de nos tornarmos bons, do
contrário o nosso estudo seria inútil - devemos examinar a natureza dos atos,
isto é, como devemos praticá-los, pois que eles determinam a natureza dos
estados de caráter que dal surgem. (Aristóteles, 1984, p. 68)

A citaçào abaixo indica a dimensão da extensão e complexidade de se discutir


"aspectos óticos":

"É muito complicado discorrer sobre problemas éticos: seus limites sáo difusos
e seus fundamentos controvertidos. A moral evolui, retrocede, avança, se esconde
e reaparece em direção a um universo de valores. Tudo ó permitido’ parece ser
um limite. 'Nada ó permitido’ seria outro. Entre ambos, um continuo dificilmente
independente das situações concretas. Os pontos de referência tanto podem ter
uma conotação teológica (códigos éticos milenares) como uma razão ontológica
(a sobrevivência)." (Dorna e Móndez, 1979, p.95).

Não se pretende, neste texto, abranger uma gama tão ampla de aspectos. Nosso
objetivo se restringe a apresentar alguns pontos para reflexão, que emergem a partir de
elaborações teóricas do behaviorismo radical e de aplicações de tal modelo. O crescente
conhecimento conceituai e a ampliação da tecnologia comportamental têm suscitado
uma permanente preocupação com a relação entre a ideologia pessoal dos analistas de
comportamento e a ideologia profissional de uma área de investigação científica % a

*A primeira versão do presente texto foi apresentada na mesa redonda do evento Psicologia Clínica em
Dehfíto, promovido pelo CRP-06 em 10/junho/95.
# Agradeço a Maria Eloisa B. Soares, Mariana Menezes e Noreen Campbell de Aguirre pelas valiosas
sugestões durante a elaboração do texto.
“ Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento e Instituto de Análise de Comportamento Campinas - SP

20 Hélio José Guilhardi


Análise do Comportamento % que fornece conhecimentos e instrumentos de intervenção
no nívef individual e social. Há necessidade de fazer uma reflexão sobre o papel do homem
e do profissional, sintetizado numa mesma pessoa. Tal pessoa deve estar plenamente
envolvida com preocupações de dirigir a atuação profissional para uma sociedade em
continuo desenvolvimento, pluralista, aberta e experimental, resultante da interação entre
a ação individual e o produto social, que decorre de tais ações, mais precisamente dos
comportamentos que a pessoa emite e dos sentimentos que os acompanham. Assim,
afirmaram Dorna e Méndez, (1979):

"O conhecimento das leis que regem o comportamento humano pode permitir
uma melhor utilização dos recursos humanos e ao mesmo tempo compreender
melhor os eventos que limitam seu desenvolvimento. Deixar ao acaso as
mudanças da sociedade tem gerado mais conseqüências negativas do que
positivas " (p. 13). Os mesmos autores afirmam mais adiante "a pergunta que (o
behavlorismo) formula através de seus ôxitos tecnológicos afeta diretamente
uma das esferas mais formidáveis da atividade humana: o poder. E, mesmo que
não se expresse de maneira categórica, não deixa de ser evidente que constitui
uma retomada do problema do poder - controle e contracontrole - a panir de
uma questão até o momento pouco explorada: as leis empíricas que regem o
comportamento dos homens e cujo produto ó fazer história: ao invés de fazô-la a
partir das leis que regem a história dos homens." (pp.14 e 15).

Assim, introduzido o tema do controle dos comportamentos do homem e o impacto


direto que tais comportamentos tôm sobre a sociedade por ele desenvolvida, cabem algumas
considerações e definições de termos.

"A palavra controle tem sido confundida com repressão. A idontiflcaçào de controlo
como uma privação do liberdade constitui um grave equivoco... Na linguagem ciontífica,
a noção de controle faz referência a uma premissa estritamente de ordem
epistemológica: evoca aceitação do princípio determinista. Nesse contexto, o vocábulo
controle expressa um fato empírico: a relação funcional entre os eventos naturais,
entre os quais se inclui o comportamento humano." (Doma e Méndez, 1979, p, 110).

Bandura (1969) enfatizou algumas questões centrais da discussão em torno do


papel do controle do comportamento:

“Uma distinção ética mais fundamental pode ser feita questionando se o poder
de influenciar outros é utilizado para vantagens do controlador ou para o benefício
do controlado, e não em termos do critério Ilusório do consentimento voluntário."
(p. 82). Ou, mais adiante: “Os princípios comportamentais não ditam a maneira
pela qual são aplicados." (p 84). Ou: "Ao discutir temas práticos e morais do
controle comportamental é essencial reconhecer que a influência social não
consiste em impor controles onde antes não existia nenhum. Todo
comportamento ó inevitavelmente controlado, e a operação das teis
psicológicas nào pode ser Interrompida por concepções românticas sobre o
comportamento humano, assim como, qualquer rejoição indignada da lei da
gravidade como anti-humana não vai fazer com que as pessoas deixem de cair.
O processo de mudança comportamental, portanto, envolve a substituição das
condições controladoras que têm regulado o comportamento da pessoa por
novas condições. A questão moral básica n&o está em discutir se o

S o b r r (.'o m p w rltim rn fo c L 'of}nl(,)o 21


comportamento do homem está submetido ao controle, mas por quem, por
que meios e para que fins. ” (p. 85) (grifos meus).

Ao se voltar para tais questões básicas, postas por Bandura, há necessidade de


explicitar que existe uma distinção clara entre o behaviorismo e a ciência do
comportamento. Skinner (1974) escreveu:

"Behaviorismo não é a ciôncla do comportamento humano; ó a filosofia de tal ciôncia"


(p. 3). Em outras palavras: “(o behaviorismo) constitui uma epistemologia que propõe
as bases ou princípios fundamentais a partir das quais se pode fazer ciôncia. O
behaviorismo, enquanto filosofia da ciôncia do comportamento, não faz referência,
obrigatoriamente, a resultados específicos, nem às aplicações que tais resultados
podem permitir levar à prática. Em segundo lugar, outra fonte do distorções, em certa
medida conseqüência direta da anterior, consiste em crer que oxiste um corpo de
conhecimentos absolutamonte estruturado o aceito 'disciplinadamente' por toda a
comunidade científica denominada 'os behavioristas,M. (p. 17).

A explicitação dos dois equívocos faz-se necessária para os críticos desavisados


do Behaviorismo, oferecendo-lhes pistas precisas, a partir das quais poderão, mais
corretamente, substanciar os argumentos que direcionam contra tal proposta comportamental.
Serve também de alerta para os adeptos do Behaviorismo quanto à existência de um corpo
de conhecimento - teórico e experimental - inacabado e que exige avanço de desenvolvimento
comprometido com o bem-estar e o progresso individuais e da comunidade. Concluindo, o
qso do conhecimento das leis do comportamento, a produção científica de tais conhecimentos,
a reflexão crítica sobre a metodologia de pesquisa empregada, sobre o uso e sobre a
generalidade da validade dos dados se resumem na emissão de classes diferentes e
complementares de comportamentos, por parte dos analistas de comportamento %
pesquisadores e teóricos %, e o que, essencialmente, importa é o que controla tais
comportamentos. Nada simples, mas que pode ser sintetizado numa frase: as preocupações
óticas se incorporam aos determinantes dos comportamentos humanos.
Nas palavras de Skinner (1961):

“Todos somos controlados pelo mundo em que vivemos e parte do tal mundo tem
sido e continuará sendo constituído por seres humanos. A questão ó esta: devemos
ser controlados por acidente, por tiranos ou por nós próprios num planejamento
cultural eficaz?... O primeiro passo na defosa contra a tirania ó a definição mais
completa possível das técnicas de controle... (outro) ó o contracontrole - uma
condição em que aos humanos não é permitido controlarem-se uns aos outros
através da força. Em outras palavras, o próprio controle tem que ser controlado."
(pp. 10 e 11). (Inclusive o controle positivo, como se verá).

Em outro texto (Skinner, 1983) afirmou:

"O homem não se desenvolveu como animal ético ou moral. Difere dos outros
animais não por possuir um senso ético ou moral, mas por ter sido capaz do
gerar um ambiente social moral e ético.’’ (p. 131).

Tal conclusão exige mais um esclarecimento:

"É necessário reconhecer uma distinção fundamental entro o conceito de controle


do comportamento e de manipulação do comportamento. O primeiro corresponde

22 Hélio José Guilhardi


a uma noção epistemológica e a um mecanismo natural, independente de nossa
vontade e cuja realidade é posta em evidência pela experimentação; a segunda
(manipulação) se refere à modificação do ambiente ou do comportamento com
a intenção deliberada de influir sobre a pessoa sem seu consentimento." (Dorna
o Méndoz, 1979, p. 112).

A literatura da liberdade tem dado grande ênfase ao controle aversivo, mas não é
apenas a este tipo de contingência que devemos estar atentos. O controle aversivo pode
ser mais facilmente identificado e, se o for, induz, ele próprio, ao contra-controle.

"Tanto o controle como o contracontrole podom ser explicados em função das


mesmas leis Um contracontrole surgirá sempre como conseqüência das formas
aversivas de controlo." (Dorna o Móndez, 1979, p. 114).

É fácil discriminar o castigo, a opressão, a coerção. Sob este tipo de relação com
seu meio social ou físico, a pessoa se rebela, se organiza, produz uma alteração na ordem
de poder. As revoluções sociais são exemplos de que, em um momento ou outro, o opressor
é deposto. No nfvel individual, o mesmo processo ocorre. Há inúmeros exemplos de padrões
de fuga-esquiva em que o subjugado se liberta: o filho se livra do controle econômico do pai,
indo trabalhar; das chantagens da mãe hiponcondríaca, morando fora; da repressão sexual,
fazendo amor longe do controle repressor, e assim por diante. Equivocadamente, confunde-
se comportamento de fuga-esquiva, no sentido tócnico, com seu significado popular (que
atribui à fuga-esquiva um sinal de fraqueza, medo, falta de maturidade etc.). A fuga-esquiva
é um padrão comportamental que surge diante de uma situação aversiva (ou ameaça de) e
que tem como resultado eliminar ou evitar essa condição adversa. O padrão comportamental
bem sucedido se fortalece. Assim, definido funcionalmente, não cabem avaliações valorativas
ao comportamento de fuga-esquiva, uma vez que pode ser um padrão de desempenho
altamente desejável: o escravo que se liberta do opressor foge (no sentido técnico) dele; o
parceiro que se afasta de uma relação amorosa do tipo sado-masoquista e passa a viver
mais harmoniosamente, também. O padrão de fuga é "neurótico" quando a pessoa atribui
aversividade a situações que não são tipicamente aversivas, mas ás quais ela, devido a uma
história de contingências particular, atribui essa função. É o caso do comportamento fóbico,
para sugerir um exemplo. Na clínica ocorre uma amostra enorme de contracontrole do tipo
"neurótico", aquele em que o indivíduo se liberta do controle aversivo (neste caso é um
exemplo de comportamento de fuga-esquiva), mas, em seguida, se engaja em outro
relacionamento que produz novas e diferentes conseqüências, porém também aversivas.
Às vezes, as condições em que isso ocorre são inevitáveis: o prisioneiro de guerra que foge
do campo de concentração, ainda que para correr o risco de ser alvo dos guardas que o
perseguem, permite ilustrar este aspecto. Neste caso não caberia chamar tal fuga de
"neurótica". Porém, na maioria das vezes, há possibilidades de se esquivar de uma situação
aversiva e se envolver numa relação gratificante e realizadora, mas isso não ocorre. A pessoa
que foge do ambiente hostil do lar, no qual vive relações aversivas com os pais, casando-se,
sem plena consciência dos reais vínculos afetivos que a fazem se aproximar do parceiro,
pode exemplificar um comportamento de fuga indesejável. Não adianta, porém, lamentar a
escolha infeliz. Há que se avaliar as contingências que determinaram tal escolha: o que, na
história de contingências desta pessoa e nas condições atuais, a levou uma escolha
específica. O processo psicoterapêutico, neste sentido, pode ser libertador, pois contribui
para que a pessoa identifique a que aspecto de sua realidade responde e que determina os

Sobre Comportamento e Coflnivdo 23


comportamentos que emite. Não se trata, portanto, de negar o controle (o que seria ingénuo).
Nem mesmo de aceitar, incondicionalmente, o contra-controle escolhido pelo cliente, numa
atitude de concordar tacitamente com sua opção, usando argumentos tais como, “a liberdade
de escolha do cliente deve ser respeitada”. Tal justificativa seria grave omissão do terapeuta,
pois o ponto essencial não está em aceitar que o outro escolheu livremente o comportamento
a ser emitido, mas sim em explicitar as variáveis determinantes do comportamento de escolher
uma alternativa comportamental dentre várias. Liberdade não é substantivo com função de
determinante do comportamento emitido, mas sentimento que acompanha comportamento,
ambos ocorrendo em função de contingências amenas de reforçamento positivo. Trata-se,
enfim, de descrever as razões (as contingências de reforçamento) que o fazem agir desta ou
daquela maneira, tornando-o consciente dos determinantes de uma conduta e, como tal,
instrumentando-o a ser capaz de fazer opções apropriadas (aquelas que geram mais
reforçadores positivos e menos negativos para si mesmo e para os que o cercam em
determinado contexto).
O controle atua, quer se tenha consciência dele ou não. Desconhecô-lo ó deixar a
sua operação nas mãos do outro; conhecê-lo permite a opção. "Não podemos escolher um
gênero de vida no qual náo haja controle. Podemos, tão só, mudar as condições
controladoras. "(Skinner, 1993, p. 163). Nem sempre, porém, o controle aversivo é evidente.
A pessoa, em geral, responde a um emaranhado de contingências de reforçamento que
interagem entre si. Suponha uma condição em que está em operação uma contingência de
esquiva. A mesma resposta de esquiva tem dupla conseqüência: adia o aparecimento do
evento aversivo (o reforço negativo não é apresentado) e produz uma conseqüência social
com topografia de reforço positivo generalizado (embora não tenha necessariamente tal
função). Por exemplo, os pais deixam claro que o filho deve tirar uma boa nota na escola,
caso contrário haverá uma desaprovação por parte deles, retirada contingente de atenção,
queixas sobre os custos das mensalidades escolares, comparações com desempenhos
acadêmicos melhores do primo, do vizinho etc. Por outro lado, se as notas forem satisfatórias,
o filho será elogiado, os pais poderão lhe dar alguma forma de carinho etc. O que mantém o
comportamento do aluno ó, provavelmente, a contingência aversiva, da qual ele se esquiva
sempre que os comportamentos que emite produzem boas notas. O desempenho acadêmico,
revelado pela boa nota, o protege de experimentar o contato com as conseqüências adversas
e ao mesmo tempo produz conseqüências com topografia (não necessariamente com função)
de reforço social generalizado, como atenção, aprovação etc. É quase certo que o filho não
discriminará o controle aversivo que o mantém se comportando de modo a tirar boas notas
e, como tal, não emitirá comportamentos de contracontrole. Uma vez que os comportamentos
que produzem boas notas foram fortalecidos, fica difícil demonstrar o que os determinou:
reforçamento negativo ou positivo. Sem mexer nas contingências assim descritas, a única
maneira de saber é obter evidências sobre os sentimentos do filho: contingências coercitivas
produzem estados corporais denominados de ansiedade, medo, culpa etc.; contingências
reforçadoras positivas produzem satisfação, bem-estar etc. Uma forma de exercer
contracontrole poderia ser o filho dizer para os pais que, com a exigência de boas notas,
sente-se ansioso, preocupado etc. Mas, para tal, precisaria discriminar a contingência coercitiva
em operação ou os sentimentos por ela produzidos. Tarefa bastante complexa sem uma
agência social que crie contingências para ele discriminar a que contingências vem
respondendo. A situação apresentada enfatiza, mais uma vez, que o conhecimento das leis
comportamentais que determinam comportamentos e sentimentos e de como alterá-las é o
único instrumento de libertação do homem.

24 Hélio José Guilhardi


O comportamento humano pode ser governado por regras ou selecionado pelas
conseqüências que produz. As regras podem ser definidas como enunciados feitos pelo
outro com função discriminativa e com forma de descrição de contingências de reforçamento.
O que mantém a pessoa sob controle da regra é a conseqüência social de segui-la, liberada
pela pessoa que enuncia a regra, ou a conseqüência prevista na contingência descrita pela
regra (obter um reforço positivo, evitar um evento aversivo etc.). A regra pode ser uma descrição
adequada da contingência a que se refere (embora, ela própria nunca chegue a ter a precisão
da contingência real) e o prob\ema ético reside na conseqüência que se comportar sob
controle da regra produz. Se a conseqüência for natural % produzida pelo próprio
comportamento %, não há problema ético, pois a realidade confirma a descrição da
contingência. Se, no entanto, a regra produzir uma conseqüência arbitrária % apresentada
pelo outro e não produzida diretamente pela resposta %, pode haver problema ético, se o
controle exercido pelo outro for coercitivo e não for em beneficio da pessoa que segue a
regra. Há um agravante adicional: a regra pode não ser uma descrição correta das
contingências de reforçamento e instalar comportamentos que beneficiam aquele que enuncia
a regra (em detrimento daquele que fica sob controle dela) ou comportamentos supersticiosos
(em que as relações comportamento-conseqüência são contíguas e não contingentes) ou
comportamentos de esquiva em situações nas quais não existem eventos com função aversiva
para a pessoa que se comporta sob controle da regra (os quais impedem a pessoa de entrar
em contato com a real relação comportamento-conseqüência). Há, neste contexto, problema
ético, pois a pessoa se comporta sob contingências coercitivas que não a beneficiam ou
sob relações comportamento-conseqüência falsas ou espúrias.
Quando o comportamento é selecionado pelas conseqüências que produz
naturalmente, não há problema ético, mesmo que o comportamento produza conseqüências
aversivas (uma pessoa que permanece um tempo prolongado sob o sol pode ter como
conseqüência queimaduras na pele). Se a conseqüência for, porém, arbitrária, cabem as
mesmas considerações apontadas no comportamento governado poi regras: a conseqüência
instala e mantém comportamentos que beneficiam a quem? Há maneiras não coercitivas
para instalar os mesmos comportamentos? Podem ser usadas conseqüências mais amenas,
que, não obstante serem menos intensas, ainda mantêm o mesmo papel funcional''''
O que se busca no processo terapêutico é levar a pessoa a discriminar de quais
determinantes os comportamentos que apresenta (respondentes e operantes) são função e
a reorganizar tais contingências, de maneira consciente, isto é, tomando-a capaz de descrevê-
las e de atuar no sentido de produzi-las ou alterá-las. Como resultado, o objetivo é preparar
o indivíduo para elaborar e implementar suas próprias determinações. Produz-se, assim, um
ser consciente e autodeterminado.
O ser humano atua no seu mundo e essa atuação produz conseqüências.
Acreditamos que o comportamento é selecionado por tais conseqüências, quer o indivíduo
as conheça ou não. Segundo Skinner (1974, p. 127), "não precisamos descrever as
contingências de reforço, a fim de sermos afetados por elas”. As conseqüências, por sua
vez, Influenciam o comportamento que as produziu. É tal interação entre comportamento e
conseqüência que define o comportamento operante, e a influência e a determinação
recíprocas, que se estabelecem permitem, ao homem nas palavras de Micheletto e Sério
(1993), ser sujeito e objeto da própria história. Tal conceito revela que o behaviorismo não
aceita o ser humano como um robô determinado pelo meio ambiente: pelo contrário, o
define como alguém capaz de ser um agente consciente de seu destino, já que ele pode

Sobre Comport.imcnto c CoflnivJo 25


optar pelas conseqüências. Ele é livre para optar entre vários determinismos. Para isto,
porém, é essencial o pleno desenvolvimento da relação do homem com o meio social.

“Uiva pessoa torna-se consciente quando uma comunidade verbal organiza


contingências em que a pessoa nâo apenas vê um objeto, mas também vê que
o está vendo. Neste sentido especial, a consciência ou percepção ô um produto
social” (Skinner, 1974, p. 220) e, conseqüentemente, "comunidades verbais
diferentes geram diferentes quantidades e tipos de consciência ou percepção"
(Skinner 1974, p. 221).

Tal comunidade verbal vem a constituir aquilo que Skinner (1974) chama de cultura:

"Como um conjunto de contingências de reforço mantido por um grupo, possivelmente


formuladas por meio do regras ou leis, (essa cultura) tem uma condição física bem
definida; uma existência continua para além das vidas dos membros do grupo1 um
padrão que se altera à medida que certas práticas lhe são acrescentadas,
descartadas ou modificadas; e, sobretudo, poder. Uma cultura assim definida controla
o comportamento dos membros do grupo que a prática." (p. 203).

O que se espera é que, dentro do conjunto de contingências culturais, aquelas que


controlam comportamentos éticos ocupem papel de destaque. A capacidade de um grupo
social para se desenvolver e se perpetuar tem estreita relação com o espectro de
comportamento éticos que o grupo instala e mantém nos membros que compõem a
comunidade. O comportamento ético é fruto de contingências sociais, não das naturais. Um
ferro quente queimará a mão que o tocar, seja ela de um rei ou de um plebeu, do herói ou do
traidor... À comunidade social % ao conhecer as conseqüências naturais, % cabe % e este
sim é um problema êtico % proteger seus membros das conseqüências naturais adversas
ou, no outro extremo, ajudá-los a entrar em contacto com as conseqüências reforçadoras
positivas naturais. Cabe á comunidade dispor contingências de reforçamento que instalem e
mantenham o comportamento do adulto de ensinar uma criança a manejar apropriadamente
o ferro quente, por exemplo. Cabe á comunidade dispor contingências de reforçamento que
instalem e mantenham os comportamentos dos membros da comunidade cientifica para
informar sobre os malefícios da exposição prolongada á energia radioativa, uma vez que o
ser humano não dispõe de órgãos sensoriais capazes de detectar-lhe a presença, nem os
males que ela gera a médio e a longo prazo. Como extensão da discussão acima cabe,
finalmente, à comunidade, dispor contingências de reforçamento que instalem e mantenham
os comportamentos de seus membros para gerar reforços positivos, evitar reforços negativos,
aumentar os bens para a maioria, evitar os males para a maioria, prevenir problemas previsíveis,
solucionar problemas correntes etc., para o bem-estar da maioria. Usar energia radioativa
para diagnóstico e cura, usar o vento para gerar energia não poluente, orientar os pais e
educadores para usarem contingências de reforçamento positivo em lugar de punição, usar
a maleabilidade do metal quente para forjar ferramentas e instrumentos de ajuda ao invés de
armas etc. são alguns exemplos. A emissão, por parte dos membros de uma comunidade
social, de classes de comportamento de cooperação, ajuda, desenvolvimento etc. ou classes
de comportamento de competição, de destruição, de vantagem individual etc. não é resultado
da boa vontade. É resultado da operação de contingências de reforçamento.
Há um outro tipo de controle ainda mais perigoso. O controle por conseqüências
gratificantes. Nas palavras de Skinner (1961):

26 Hélio José Guilhardl


“ Raramente queremos admitir que estamos envolvidos no controle do
comportamento de outra pessoa. As técnicas mais comuns de controle usam
força ou ameaça de força e são questionáveis para o controlado e são censuradas
pela sociedade. Mas as técnicas toleradas de educação, persuasão e diálogo
moral diferem apenas nos processos comportamentais através das quais operam
e por minimizar certos efeitos colaterais. Elas são também recursos pelos quais
um homem controla o comportamento do outro em algum grau." (p. 18).
Em outro parágrafo, Skinner explicita, ainda mais claramente, possível perigo do
reforçamento positivo:

“Uma pessoa submetida a um roforçamento positivo se sente livre. Pede-se que


faça aquilo de que gosta ou aquilo que quer fazer, porém muitas de suas
“vantagens" assustam. O perigo se esconde atrás da própria irresistibilidade do
controle positivo. O castigo tem, pelo menos, o mérito de provocar um
contracontrole. O controlador punitivo corre o risco de ter alguns problemas, mas
o controlador positivo pode estabelecer uma nova e surpreendente forma de
despotismo. Estas são, sem dúvida alguma, conseqüências que devem ser
estudadas seriamente. Todo tipo de conhecimento científico pode ser mal utilizado
e aquele de quem depende o controlo do comportamento humano é
particularmente ameaçador. O controlador precisa ser, ele próprio, controlado."
(conforme a transcreveu Querzola, 1976, p. 96).
Tais inter-relações envolvem situações em que o controlador leva o controlado a
desejar e a agir de acordo com os interesses do dominador; o escravo feliz. Neste contexto,
o controlado não discrimina a que está respondendo e, no nível de sua percepção ou
consciência, ele dirá que fez porque escolheu fazer, alheio às condições externas que
determinaram tal ação. Em outras palavras, responde a aspectos limitados do contexto:
discrimina, por exemplo, a conseqüência, mas não o que controla aquele que libera a
conseqüência. Por exemplo, é sensível ao elogio por alguém, mas não é sensível ao que
controla o comportamento de elogiar (em linguagem cotidiana: qual a "intenção" do
controlador?) Em Rousseau, encontramos o modelo da professora que, de forma sutil e
afetiva, leva o aluno a fazer exatamente o que ela quer que ele faça. O mesmo ocorre nos
numerosos exemplos de seitas religiosas que fanatizam seus seguidores e que os estimulam
a procedimentos hediondos pela realização da fé e dos seus valores íntimos o religiosos.
Skinner aponta que um governo pode se esquivar do contra-controle aversivo, que surgiria
se adotasse medidas coercitivas de cobrança de impostos para a população, programando
formas indiretas de arrecadação de dinheiro através de loterias. As pessoas náo são
obrigadas a comprar o bilhete, mas o compram, e o governo recebe sua parte, sem arcar
com o ônus da obrigatoriedade. A análise skinneriana do salário é semelhante à marxista
em alguns pontos: o empregado não é levado a trabalhar porque é reforçado positivamente
pelo dinheiro que recebe no fim da tarefa, mas porque esse salário lhe permite sobreviver,
comer, agasalhar-se (se possível). É controle aversivo: o trabalho produz o salário, mas o
sentimento resultante de "satisfação" pelo dinheiro ganho è ilusório; o real sentimento é de
alívio, pois a remuneração vai permitir (dentro de limites) que a pessoa e a família se livrem
de condições aversivas da penúria.
O controle positivo pode produzir seres humanos bastante desadaptados. O
reforçamento contínuo leva a um desenvolvimento comportamental em que a pessoa tem
baixa resistência à frustração, dando origem a adultos frustrados, sem iniciativa, dependentes
e que, em geral, se tomam agressivos, quando as condições de vida se tomam adversas, em

Sobre Comportamento e CoRniv^o 27


particular contra as pessoas que os reforçaram. A argumentação de que o amor inclui liberar
conseqüências reforçadoras, sem estar sob controle das contingências (em outras palavras, a
pessoa, por exemplo, libera um reforço social, um carinho, sob controle dos sentimentos que
tem pelo outro e não sob controle dos comportamentos do outro. Assim, dou um beijo afetuoso
em meu filho porque estou com saudades dele, não porque tirou uma boa nota), não diminui a
gravidade do problema. Aquilo que é “bom" reforça, independente do desejo do controlador.
Mais que isso, fortalece algum comportamento, mesmo que seja de maneira supersticiosa. A
não consciência, por parte de quem maneja os eventos e por parte de quem é o receptor
desse manejo, gera graves distorções. Lembro-me de um cliente que se casou e descobriu,
espantado, que não tinha a menor idéia de quanto devia pôr de leite e de café no seu copo para
preparar o café com leite, porque a mãe, a vida inteira, lhe trouxe pronto. O papel da mãe foi
preenchido pela esposa. A partir dal, a relação deixa de ter o status de marido-mulher e mais
se aproxima do padrão mãe-filho. Esse cliente não se queixou nunca de não ter sido amado,
mas é infeliz e dependente... Poderiam ser apresentados muitos outros exemplos clinicos de
como o amor destrói... Há diferença fundamental entre receber algo bom e conquistar algo
bom. Temos que considerar a possibilidade de que o fortalecimento do comportamento é
mais importante que receber bens (Skinner, 1978, p.36).
Skinner (1987) faz uma importante distinção entre os efeitos de satisfação e de
fortalecimento do reforço positivo:

"Eles ocorrem em momentos diferentes e são sentidos como coisas diferentes.


Quando sentimos prazer não estamos necessariamente sentindo urna maior
inclinação a nos comportarmos da mesma maneira. Quando repetimos
comportamento que foi reforçado, por outro lado, nâo sentimos o efeito agradável que
sentimos na ocasião em que o reforçamento ocorreu. Acredito que as práticas culturais
emergiram principalmente devido ao efeito agradável do reforçamento e que grande
parte do efeito fortalecedor das conseqüências do comportamento se perdeu.” (p. 17).
O argumento fundamental de Skinner é que uma sociedade que provê abundância
de reforçadores, mas não estabelece como prioridade necessária a relação de causalidade
entre o comportamento do indivíduo e a conseqüência reforçadora (o comportamento produz
a conseqüência), gera indivíduos que têm acesso a muitos bens, mas pouco fazem para
consegui-los. Tornam-se pessoas acomodadas, sem interesses genuínos, sem iniciativa,
dependentes, intolerantes com as mudanças que não lhes sejam favoráveis. Não fazem
muitas das coisas que poderiam fazer, o que as priva do acesso a novos reforçadores
naturais resultantes do comportamento emitido e limita o repertório geral de
comportamentos, tornando-as vulneráveis a quaisquer mudanças no contexto que exija
delas variação comportamental. Leia a frase de Skinner (1987):

"0 que está errado com a vida (no Ocidente) não é que ela tem reforçadores
demais, mas é que os reforçadores não sâo contingentes aos tipos de
comportamento que desenvolvem o indivíduo ou promovem a sobrevivência da
cultura ou da espécie.” (p.24).

Seria oportuno retomar, neste ponto, os conceitos de reforço positivo e evento


aversivo, como conceitos funcionais.

“A complexidade técnica e metodológica do reforço se encontra,


fundamentalmente, em seu caráter idiossincrático, ou seja, no fato de que os
organismos possuem uma sensibilidade diferencial às contingências de
reforçamento." (Dorna e Mendez, 1979, p. 87).

28 Hóllo José Guilhardi


0 que define um evento como reforçador positivo ou aversivo não ó o controlador,
mas o outro na relação. Não é a intenção de alguém de reforçar com um sorriso que torna
o sorriso reforçador. É, isto sim, o que o sorriso controla no indivíduo para quem ele dirige
esse sorriso. O problema, até certa medida, está no bajulador, mas o cerne da questão se
centraliza no bajulado, que se deixa controlar pela relação hipócrita. O papel do terapeuta
consiste em colaborar para que o cliente perceba a que responde, da forma que responde
e se prepare para o contracontrole. Assim, ajudá-lo a deixar de ocupar a posição de
sujeito passivo na sua relação com o mundo, para que passe a assumir o papel de agente
ativo, que pode alterar seu contexto de vida.
O que é instigante e desafiador nas relações interpessoais é que as contingências
não funcionam de maneira linear, mas elas compõem uma rede intrincada de influências
recíprocas, que precisam ser levadas em conta no todo e não isoladamente. As contingências
de desenvolvimento do repertório comportamental do indivíduo (história de vida) dão função aos
eventos atuais, que sáo idiossincráticos; os eventos atuais são função de tal história de
contingências e de operações estabelecedoras atuando no momento em que as contingências
de reforço aparecem. Assim, por exemplo, quando um dos pais diz ao filho: "Boa prova hoje...",
tal frase pode ter várias funções: trata-se de um encorajamento (“Desejo que você vá bem na
prova e conte comigo para qualquer desempenho..."); ou, um estímulo pró-aversivo ("Vá bem
na prova, pois isso é o que espero de um filho no qual invisto tanto..."); um estimulo discriminativo
para punição negativa ("Vá bem na prova, pois do seu resultado depende nossa viagem no
feriado..."), tudo isso sem nem mesmo apontar o significativo quantitativo de "boa prova" (Serve
sete ou não menos que nove?). Para detectar a função eficiente de qualquer evento há que se
considerar as pessoas envolvidas, a história de contingência delas e o contexto momentâneo.
Um cliente pode revelar ao terapeuta que nunca foi punido na vida: "Não me lembro de meu pai
ter me batido, me colocado de castigo, nem mesmo gritado comigo. Lembro-me dele me
elogiando pela organização do meu quarto, pelo meu boletim, pelos meus comportamentos
‘adultos’..." O terapeuta pode, porém, detectar que o cliente tem um amplo e apropriado
repertório de fuga-esquiva, que o protegeu do contato com conseqüências aversivas provindas
do pai, que viriam, caso seu repertório fosse inadequado do ponto de vista do pai. Quanto á
forma linear, o cliente descreveu um repertório de comportamentos mantido por reforço positivo
generalizado; quanto á função, o terapeuta pode ter identificado um eficiente repertório de fuga-
esquiva desenvolvido pelo cliente (Guilhardi, 2005). A avaliação do repertório do cliente precisa
responder às questões: tal repertório é basicamente constituído de comportamentos de fuga-
esquiva, reforçados negativamente, ou de comportamentos de encontro, reforçados
positivamente, e de sentimentos de ansiedade, medo, responsabilidade excessiva, preocupação
etc., produzidos por contingências coercitivas, ou de sentimentos de satisfação, prazer, bem
estar etc., produzidos por contingências reforçadoras positivas? O cliente pode estar alienado
das funções comportamentais nas quais está inserido, nomeá-las incorretamente e, não
obstante, se comportar e sentir em função delas. O papel do terapeuta consiste em levá-lo a
conhecer as reais contingências em operação e, dentro do possível, lidar com elas e alterá-las
se necessário.
Pode-se dizer que "a ideologia behaviorista subjacente ao que é moral e ético é a
sobrevivência da cultura"(Dorna e Méndez, 1979, p.104). Isto se alcança com a participação
ativa de seus membros no processo de mutação social. Se nossa sociedade só for capaz
de produzir homogeneidade, a cultura não tem como sobreviver. A adaptação leva a um
suicídio lento, mas inevitável. A variabilidade dos indivíduos é que permite a espiral
ascendente do desenvolvimento da comunidade.

Sobre C o m p o rlam n ilo r (.'ogniçila 2 9


Nas palavras de Skinner (1983):

"Uma cultura deve ser transmitida de geração em geração e, provavelmente, sua


força dependerá do que e do quo modo seus membros aprendem, se através de
contingências informais ou de instituições educacionais. Necessita do apoio de
seus membros e devo proporcionar a busca e o alcance da felicidade se quer
prevenir deslealdado ou deserção. Deve ser razoavelmente estável, mas também
deve mudar e será, provavelmente, mais sólida se for capaz de evitar um respeito
excessivo à tradição e o medo ao novo, de um lado, e as transformações
demasiadamente rápidas, de outro. Por último, uma cultura deverá possuir uma
dose especial de valor de sobrevivência ao encorajar seus mombros a analisarem
suas práticas e a experimentarem outras novas." (p. 116).
Não há um modelador de comportamento capaz de modelar um Michelangelo para
esculpir Davi. Na melhor das hipóteses, pode-se ensinar alguém a segurar os instrumentos
de trabalho, a desenvolver uma alta resistência à frustração que o mantém trabalhando
horas incansáveis, a estimular uma delicada capacidade de percepção para discriminar
detalhes no objeto que produz, os quais controlam seu comportamento de ir além. No
entanto, o Belo que ele produz com cada pancada no mármore será o produto final de uma
longa história de reforçamento a que ele foi submetido, impossivel de ser repetida. Neste
sentido, essa história é única e lhe propiciou um autoconhecimento e autocontrole inimitáveis.

"O comportamento do artesão (bem como do artista) é reforçado, em cada estágio,


por aqueles reforços condicionados chamados sinais de progresso. Uma tarefa
particular pode levar um dia, uma semana, um mês ou um ano, mas praticamente
cada ato produz aiguma coisa que fará parte do todo e é, portanto, positivamente
reforçador." (Skinner, 1978, p.39).
Mas o que, além dos reforços naturais produzidos pelos comportamentos do
artista, o mantém trabalhando? Volte a Michelangelo. A relação dele com a religião, em
particular com o papa Júlio II % que representava a força de uma instituição poderosa: a
Igreja Católica %, foi fundamental na seleção de seus comportamentos de escultor e
pintor. A criatividade, o novo, o produto artístico de um homem e o legado que oferece à
civilização por vir não é resultado, exclusivamente, das contingências idiossincráticas e
pessoais que modelam os comportamentos de um homem, mas também das contingências
sociais que mantêm uma instituição religiosa e um grupo social, provendo conseqüências
sobre tal membro do grupo. A genialidade de Michelangelo, exibida pelos produtos de
seus comportamentos artísticos, foi em grande medida determinada pelo momento histórico
da sociedade em que viveu (Renascimento), daquilo que era reforçador para a agência
controladora (Igreja), pelas conseqüências sociais liberadas pelos contemporâneos dele,
em função do que lhes era reforçador ou aversivo e assim por diante.
Prefiro não falar em Ética, mas em comportamento ótico.

“Ética nada mais é que outra forma de controle... os membros de um grupo


social se controlam reciprocamente através de uma técnica que, não de uma
maneira imprópria, tom sido chamada de ‘ótica'.” (Skinner, 1961, p. 25).
Ou seja, tal comportamento é produzido e controlado segundo os mesmos princípios
que os demais comportamentos. A ética, como um conjunto de regras ou normas, é mais
uma forma de controle... Os membros de um grupo social se controlam reciprocamente em
função dessas regras. Para serem eficazes, tais regras devem ser analisadas à luz das
contingências que as produziram (passado) e que as mantêm (presente).

30 Hélio José Guilhardi


O indivíduo terá (ou não) comportamentos éticos em função da sociedade em que
está inserido, da família em que se desenvolveu, da escola em que se formou, das condições
do ambiente em que atua, do meio social, enfim. Um código de ética profissional neste
sentido ó útil, porém ó um instrumento passivo. Ele explicita regras de conduta, mas poderá
não ter nenhuma utilidade, iá que essas regras não serão seguidas, se não existirem razões
para segui-las. Essas razões não estáo dentro do indivíduo como uma propriedade ou
característica sua, mas nas fontes de controle social. Não ó por acaso que as maiores e
mais freqüentes violações éticas ocorrem, exatamente, contra os grupos sociais ou indivíduos
que têm menor capacidade de contracontrole: idosos, prisioneiros, psicóticos, pessoas
com desenvolvimento atípico, para citar os mais freqüentes. Não é que as pessoas que
lidam com estes grupos sejam mais desumanas que as que lidam com outros grupos. É
que os idosos, prisioneiros etc., por terem menor possibilidade de contracontrole, não
estabelecem e não mantêm comportamentos éticos (numa linguagem comportamental: não
possuem repertórios de comportamento que maximizam controle reforçador positivo,
contingente a desenvolvimento, independência, iniciativa, participação etc. e que minimizam
controle aversivo que produz submissão, dependência, exclusão social etc.).

“Comportamentos benevolentes, éticos, devotados, justos etc. são mantidos por


conseqüências de contracontrole e, quando estas não oxistem, esses
comportamentos tampouco existem." (Skinner, 1974, p. 191).
Skinner mais adiante retoma o papel das contingências sociais:

"O comportamento que qualificamos de moral ou justo ó um produto de tipos


especiais de contingências sociais organizadas por governos, religiões, sistemas
econômicos o grupos éticos. Precisamos analisar tais contingências se
pretendemos construir um mundo em que as pessoas ajam moral e
equitativamente, e um primeiro passo nessa direção é descartar a moralidado e
a justiça como possessões pessoais." (Skinner, 1974, p. 244).

Finalmente, Skinner (1956) propôs um critério fundamental para avaliar o


comportamento ótico:

“As pessoas se comportam de maneiras, como so disse, que estão de acordo


com os padrões éticos, governamentais ou religiosos, porque elas sâo reforçadas
por assim agirem. O comportamento resultante pode ter conseqüências de longo
alcance para a sobrevivência do padrão ao qual se adaptou. E, quer Isso nos
agrade ou não, a sobrevivência é o critério último. Aí está, ao que me parece, em
que a ciência pode ajudar, não na escolha de uma mota, mas em nos habilitar
para prover o valor de sobrevivência de práticas culturais." (p. 34).
Assim, podemos concluir com Bayés (1976): "se o que desejamos é construir um
homem novo, devemos mudara sociedade, e esta sociedade, uma vez mudada, selecionará
os comportamentos do homem de amanhã."
Como podemos atuar, enquanto psicólogos, para colaborar com o processo de
mudança da sociedade? Há várias possibilidades ao nosso alcance:
1. revisão do processo de formação do Psicólogo: ampla e profunda reformulação
curricular nos cursos de formação, com ênfase em:
a. maiores possibilidades de atuação prática desde o inicio do curso, com supervisão
direta. Há uma profunda diferença entre o aprendiz dizer o que fez e ser observado
fazendo: entre aprender lendo ou assistindo a aulas e aprender fazendo;

Sobre C om porttim rnlo c Cognição 31


b. relação íntima entre teoria e prática sem dissociá-las, já que são dois aspectos
inseparáveis de uma mesma realidade. A prática sem a reflexão (teoria) é ação
cega, movimento aleatório; a teoria sem a prática é conhecimento estéril e ôco;
c. aprimoramento das atividades básicas da ciôncia. A Psicologia ó ciência e deve se
ater aos cânones científicos que lhe dão referência e credibilidade. Cabe distinguir
uma sólida formação metodológica de uma forte formação tecnológica;

"A tecnologia tanto pode servir de instrumento de 'adaptação', como de 'liberação',


dependendo do contexto em que se efetivar a prática. Uma sólida formação científica
permite a descoberta das leis naturais que controlam o comportamento. O
conhecimento destas leis dá ao cientista condições de fornecer à comunidade as
informações e instrumentos necessários para melhor compreender as contingências
sócio-culturais que mantêm as relações humanas e de produção na forma atual.
Isto enfraquecerá a importância dos agentes externos de controle: publicitários,
terapeutas, sacerdotes, policiais, etc." (Doma e Méndez, 1979, pp. 102 e 103)
d. desenvolver habilidades para trabalhar em equipes intra-profissionais e inter-
profissionais, de forma a enriquecer o meio-profissional que influirá em seu
comportamento (expor-se a novas e mais amplas contingências sociais e
profissionais de reforçamento).

2. criação de eventos, comissões etc. que mantenham sistematicamente a discussão


de temas éticos e polltico-ideológicos da profissão, que permitam que o comportamento
ético seja cada vez mais elaborado e desenvolvido. Programação e realização de
congressos, simpósios etc., em que os psicólogos tenham amplas possibilidades de
contarem o que fazem e como fazem, de forma que a comunidade profissional se
influencie reciprocamente e modele padrões adequados e éticos de desempenhos no
seu trabalho. Não se trata de um evento fiscalizador, mas estimulador de trocas de
experiência. Estes eventos deveriam enfatizar a participação dos profissionais não
acadêmicos (sem, é claro, exclusão destes), já que a comunidade universitária dispõe
as contingências de controle sobre seus pares de forma mais explícita. Falta ao clínico
um controle equivalente, já que a agência que mais diretamente poderia contracontrolá-
lo, o cliente, não está em geral em condições de exercer tal controle (tipicamente, o
cliente procura o terapeuta cujos valores são mais próximos dos seus).

3. realização de cursos (ou outras práticas) de orientação e/ou esclarecimentos sobre


as possibilidades e perigos da Psicologia para leigos (nosso público potencial), a
fim de que tenham elementos informativos para:
a. saber em que a Psicologia tem condições de colaborar para sua melhoria de vida
(o conhecimento dá poder) e;
b. saber dos limites de nossa eventual contribuição, para não serem vítimas de
charlatanismo e pseudo-conhecimento.
Podemos acrescentar ainda que:

"o conhecimento dos mecanismos e tipos de controle constitui um elemento


fundamental para o desenvolvimento bem sucedido de práticas de contracontrole."
(Dorna e Méndez, 1979, p. 115).
Esta é uma tarefa concreta a que a comunidade psicológica precisa se propor. A ampla
divulgação, junto á comunidade profissional e leiga, do que se conhece a respeito das

32 Hélio José Gullhardi


formas de controle a que as pessoas são submetidas e das práticas de contracontroíe
que poderiam adotar, é uma atitude ótica e produtora de liberdade. Essa informação
deveria ser divulgada tanto no que diz respeito ao controle social como um todo, quanto
ao papel da Psicologia em particular (quais são os mecanismos de controle produzidos
pela nossa profissão, a que e a quem servem e os possíveis contracontroles).
4. Aprimoramento da formação profissional e pessoal dos psicólogos através de duas
práticas:
a. trabalhar sob supervisão ou em grupos de discussão: ó tese do presente texto a
influência do outro como elemento social indispensável para o desenvolvimento de
padrões comportamentais mais elaborados e “conscientes". O mesmo se aplica
aos comportamentos profissionais;
b. submeter-se aos mecanismos que a Psicologia utiliza: empregar as atitudes da
Ciência para analisar os fenômenos comportamentais % objeto de interesse % na
prática profissional; e beneficiar-se das técnicas psicoterapêuticas para tornar-se %
ele mesmo % consciente dos determinantes de seus comportamentos e sentimentos,
como pessoa.

Além das sugestões expostas, mais especificamente, como os analistas de


comportamento podem contribuir para a mudança da sociedade? Doma e Méndez (1979)
sistematizaram alguns pontos que resumi abaixo (pp. 32 a 35) e aos quais acrescentei
outros, que não devem ser considerados definitivos e completos:
1. O saber do analista de comportamento corresponde a um conhecimento (sistematizado
a partir da ordenada aplicação do método cientifico das ciências naturais) transmissível
dos princípios e das leis que controlam o comportamento, oferecendo ao cliente um
conjunto de instrumentos técnico-metodolôgicos que serão discutidos e aplicados de
comum acordo.
2. O estudo científico do comportamento humano ensina que as mesmas leis empíricas
do comportamento se aplicam tanto aos comportamentos chamados de "patológicos"
como de "normais". Não há, portanto, comportamentos “doentes" ou "saudáveis";
"normais" ou “patológicos". São simplesmente, comportamentos, cujos determinantes
precisam ser identificados e alterados, se necessário.
3. O comportamento deve ser analisado em contexto. O contexto envolve a história de
contingências, as contingências correntemente em operação, a atuação de operações
estabelecedoras e história genética. O comportamento é a interação do organismo
com o ambiente, levando em conta todos os níveis de influências assinalados.
4. Associado ao item anterior, a análise do comportamento dá grande importância ao
estudo das condições antecedentes e conseqüentes do comportamento de interesse.
Em particular às funções dos estímulos antecedentes e conseqüentes, que possuem
um caráter específico para o ser humano. Cada solução tem uma especificidade
ímpar, embora dentro de conceitos comportamentais.
5. O controle do comportamento humano repousa no ambiente (ambiente é tudo aquilo
que é externo à própria resposta, de acordo com Matos, 1997), portanto a aplicação
da tecnologia comportamental deve estar centrada na manipulação das variáveis do
meio e não na manipulação do indivíduo.

Sobre C om porltim cnlo e CoflniçAo 33


6. A visào do homem como uma unidade biológica em ativa o constante interação com
o meio nega o dualismo cartesiano e propõe um monismo interacional entre o homem
e o ambiente. As explicações das ações humanas devem ser buscadas nas variáveis
ambientais, organizadas na forma de contingências de reforçamento e não em simples
interpretações do tipo S%R ou S% 0% R.
7. Os sentimentos também ocupam seu legítimo lugar na análise do comportamento.
Sentimentos são manifestações do organismo (como tal, comportamentos)
determinadas por contingências de reforçamento, como quaisquer comportamentos,
e não com função de causa de outros comportamentos (Guilhardi, 2004).
8. Em última análise, as relações de controle e de contracontrole devem ser demonstradas
através de análise e controle de variáveis e não apenas descritas ou sugeridas, embora
se reconheça a dificuldade prática desta exigência nos ambientes aplicados.
9. O homem, através de seu comportamento, produz conseqüências que, por sua vez,
influenciam o próprio comportamento que as produziu. O papel de sujeito e objeto de
sua própria história comportamental diferencia totalmente o ser humano da visão
que lhe atribuem os críticos da análise do comportamento.
10. Uma concepção científica não é um conhecimento passivo. Uma vez postas em evidência
as leis que regem uma parte do nosso universo, podemos lidar com ele mais
adequadamente. Prever um evento permite nos prepararmos melhor para o momento
em que ele se apresentar. Porém, da previsão pode-se também extrair a possibilidade
de outros eventos que se considere convenientes. Além disso, as regras ou leis do
conhecimento geram novos métodos de análise e de intervenção para estudar os eventos
isolados, os quais, uma vez testados experimentalmente, virão a prover novas proposições.
11. Todos os fenômenos humanos que são da competência do psicólogo % manifestos
ou encobertos % são comportamentos e como tal sujeitos às mesmas leis. Os
eventos encobertos são observáveis, pois não se postula a verdade pela concordância,
e o que os difere dos comportamentos manifestos é sua acessibilidade à observação,
não a sua natureza. Tanto os comportamentos manifestos corno os encobertos são
manifestações do organismo, não da mente ou da psique.
12. O enfoque comportamental % em virtude de sua vocação científica em busca das
leis naturais que controlam o comportamento % reúne as condições necessárias
para facilitar o acesso da comunidade às informações e instrumentos necessários
para melhor esclarecer as contingências sócio-culturais que mantêm as relações
humanas e de produção na forma atual.
13. O homem é parte do problema ou da solução? Ele está habilitado a ser parte da
solução na direta proporção em que conheça as leis do comportamento e as aplique
em benefício do desenvolvimento individual em harmonia com o desenvolvimento da
sociedade.
14. As áreas em que o analista de comportamento pode atuar em prol de uma sociedade
melhor envolvem atuações em nível pessoal, como, por exemplo, o trabalho
terapêutico; dentro de instituições, como, por exemplo, influenciando o sistema de
ensino, hospitais gerais e instituições psiquiátricas; no aprimoramento de técnicas
de influência e de alteração de comportamento elaboradas através de pesquisas,
como, por exemplo, desenvolvendo procedimentos para lidar com pessoas com
desenvolvimento atípico ou procedimentos para tornar o ensino mais eficaz; em nível

34 Hólio José Guilhardi


grupai, trabalhos preventivos, como, por exemplo, orientação para pais, professores,
casais etc.; em apoio à comunidade, desenvolvendo projetos de identificação e
reivindicação de direitos assegurados por lei (e até alterá-las, se necessário), a
partir da instalação de repertórios de identificação e do alteração de controles aversivos
ou positivos que favorecem o controlador em detrimento do controlado; etc.
15. Publicações de analistas de comportamento especificamente sobre temas de
com portamento ético, controle e contracontrole, planejamento cultural,
metacontingências etc., tanto num estilo voltado para especialistas da área, como
num padrão para o público geral (ver Skinner, 1983; Holland, 1973, 1975 e 1978;
Guilhardi, in Brandão, M. Z. S. etal. 2002 e 2003).
16. A sociedade, para sobreviver, deve conter contingências de reforçamento desenvolvidas
por seus membros, que instalem e mantenham variabilidade comportamental e
heterogeneidade de comportamentos, conforme já foi assinalado, incluindo muito
especificamente comportamentos de contracontrole. Segue abaixo um exemplo. A
publicação e divulgação do texto que se segue ó um exemplo de contingências de
reforçamento que a cultura programa e mantém em favor de sua sobrevivência e
desenvolvimento (suponha uma comunidade que censurasse a divulgação de tal
texto...). A eloqüência do texto e a coragem que expressa exemplificam, sem
necessidade de comentários adicionais, uma maneira de manter comportamentos
éticos e de contribuir para o desenvolvimento de uma sociedade melhor:

O discurso de Unamuno
Em 1936, no início da Guerra Civil Espanhola, Miguel do Unamuno ora roitor vitalício
da Universidade de Salamanca. No dia 12 de outubro daquele ano, durante uma sessão
pública no campus universitário, o general Millán Astray fez um discurso criticando veemente
os adversários do franquismo, sobretudo a ação dos intelectuais. Foi nesse discurso que o
general proferiu o famoso grito: "Abaixo a inteligência! Viva a morte!’’ Fez-se um silêncio
gelado na assembléia. Ninguém ousara até então desafiar os militares e todos aguardavam,
com expectativa, a palavra do reitor. Desafiar o general seria o mesmo que desafiar o
franquismo. A palavra de Unamuno não se fez esperar. Sua célebre resposta está aqui:

" Estais esperando minhas palavras. Me conheceis bem e sabeis quo sou incapaz
de permanecer em silêncio. As vezes, permanecer calado equivale a mentir. Porque
o silêncio pode ser interpretado como concordância. Quero fazer alguns comentários
sobro o discurso % já que tenho que chamá-lo de algum modo % do general Millán
Astray. que se encontra entre nós... Acabo de ouvir o necrófllo e insensato grito:
“Viva a morte". E eu, que tenho passado minha vida compondo paradoxos que
despertavam a ira de alguns que não os compreendiam, quero dizer, como
especialista no assunto, que este paradoxo mo parece repelente. O general Millán
Astray ó um inválido. Não ó preciso que digamos isto em um tom mais baixo. É um
inválido de guerra. Também o foi Cervantes. Porém, desgraçadamente, na Espanha
há atualmente mutilados em excesso. E, se Deus não nos ajudar, rapidamente
haverá muitíssimos mais. Atormenta-me pensar que o general Millán Atray possa
ditar as normas da psicologia da massa. De um mutilado, que não tenha a grandeza
espiritual de Cervantes, pode-se esperar que encontre um terrível alivio vendo
como se multiplicam os mutilados ao seu redor.”

Sobre Comportamento e CotfiilVilo 35


Neste momento, Millán Astray gritou: “Abaixo a inteligência! Viva a morte!"

"Este é o templo da inteligência. E eu sou sou sumo sacerdote. Estais profanando


seu recinto sagrado. Vencereis porque tendes força bruta de sobra Poróm, não
convencereis. Para convencer é necessário persuadir. E para persuadir
necessitareis do algo que vos falta: razão e direito na luta. Parece-me Inútil pedir-
vos que penseis na Espanha."

Referências

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Dorna, A. e Móndez, H. (1979) Ideologia y Conductismo. Barcelona: Editorial Fontanella,
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cliente. In: M. Z. S. Brandão, F. C. S. Conte, F. S. Brandão, Y. K. Ingberman, V. L. M. Silva e
S. M. Oliani (Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição, v. 13. Santo André: ESETec.
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36 Hélio José Guilhardi


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York: Appleton. Publicação Original 1956.
Skinner, B. F. (1983). O Mito da Liberdade. São Paulo: Summus. Publicação original 1971.

Sobre Com portam ento e Cognifdo


Capítulo 4

Esquizofrenia: Desafios para a


Ciência do Comportamento
Unui A í/oultirt dc $ou/tt fíritto*

O comportamento bizarro do esquizofrênico naturalmente chama a atenção. A


convivência com o esquizofrênico é difícil: as pessoas da família ficam confusas e aflitas
diante da pessoa que apresenta um repertório comportamental que foge aos padrões
estabelecidos pelas contingências sociais. A pessoa demonstra uma indiferença emocional,
negligenciando comportamentos de autocuidado, não respondendo às demandas do
ambiente sócio-verbal ao qual está exposta: afasta-se dos amigos, não trabalha e parece
contentar-se com uma existência irresponsável, indiferente e sem objetivos. Responde a
um mundo imaginário e idiossincrático. O repertório verbal se torna cada vez mais escasso,
com falas estranhas sobre fatos e personagens, evidenciando insensibilidade às relações
sociais. Geralmente o problema náo ó que o esquizofrênico faz, mas fundamentalmente,
o que ele fala e deixa de fazer. O objetivo deste estudo é discutir a esquizofrenia sob o
enfoque comportamental, em termos de princípios e leis comportamentais.
As hipóteses encontradas na literatura tradicional para explicar a esquizofrenia apontam
para possíveis fatores orgânicos que afetariam a mente, produzindo as perturbações
comportamentais, interpretadas como sintomas de um processo mental subjacente. As
explicações oferecidas à família são a de que a pessoa sofre uma ‘doença mental gravo’ que
a incapacita de levar uma vida normal e que o tratamento requer o uso de medicamentos.
Como conseqüência disto, tanto o esquizofrênico quanto sua família se tornam dependentes
do acompanhamento médico e uso de drogas. A família participa de reuniões que se repetem
ao longo dos meses, anos, num constante ir e vir a diferentes instituições de saúde, com
internação e reinternação desta pessoa numa rotina interminável, chegando ao ponto dela ser
conhecida por todos os funcionários de saúde mental da comunidade. Neste círculo vicioso,
às vezes, a pessoa retoma ao convívio familiar para, semanas depois, reiniciar um novo ciclo.
Uma pessoa diagnosticada como esquizofrênica apresenta classes de
comportamentos problema. A pessoa apresenta um repertório comportamental divergente
com falas envolvendo conteúdos enigmáticos. Buscam-se os significados nas verbalizações
do esquizofrênico. Pesquisa-se etiologia orgânica, que até a presente data permanece
desconhecida. Não há evidências de lesões ou processos escondidos nos recônditos
* Universidade Católica de Goiás

38 llnici A C/oul.irt de Sou/«i Brifto*


cerebrais. Assim, profissionais da saúde mental, por nào conhecerem os determinantes
do comportamento humano, preferem considerar os comportamentos-problema como
sintomas do processo interior hipotético que explicaria a existência dos sintomas.
Com efeito, Tourínho, Cavalcante, Brandão e Maciel (2001) argumentam que duas
modalidades de explicações internas sempre ocuparam lugares centrais nas ciências
psicológicas: o mentalismo e o organicismo. Esses autores argumentam que tal
centralidade, talvez, esteja começando a perder sustentação pelos resultados que se tem
encontrado sobre a efetividade da psicoterapia e pelos estudos produzidos no campo das
ciências biológicas, por exemplo, os resultados do projeto genoma humano.
As explicações internas para os comportamentos problema são incompatíveis
com a ciência do comportamento. O analista do comportamento busca as relações entre
o comportamento e as variáveis que o controlam. Seus métodos são os da ciência e a sua
matéria de estudo é o comportamento dos organismos (Skinner, 1953/1976). Na medicina,
uma tosse com expectoração pode ser o sintoma de uma pneumonia, bronquite ou
tuberculose. Estas variáveis são observadas, sendo então avaliadas, e seus efeitos sobre
os pulmões podem ser tratados e curados. Tais sintomas não são construtos hipotéticos.
O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da Associação
Americana de Psiquiatria - DSM-IV-TR (2002), apresenta critérios diagnósticos para a
esquizofrenia, com descrição dos sintomas característicos, presentes no período de tempo
especificado e que incluem delírios, alucinações, discurso desorganizado, comportamentos
desorganizado ou catatônico e embotamento afetivo. O manual define delírios como crenças
errôneas na interpretação equivocada das experiências, considerados característicos da
esquizofrenia; as "alucinações podem ocorrer em qualquer modalidade sensorial" (p. 305),
mas as auditivas são mais comuns e, se presentes, satisfazem o critério para o diagnóstico.
Em ultima análise, o manual mantém a tradição cartesiana que ainda domina nas
instituições universitárias para explicar os problemas comportamentais humanos.
Em relação a estudo de imagens funcionais do cérebro realizado por Bachnetf (1991).
exames como tomografia por emissão de pósitros (PET) e imagens por ressonância magnética
(MRI) demonstram hipofrontalidade e hiperfrontalidade cerebral, isto é, alterações no fluxo
sanguíneo no cérebro em pessoas diagnosticadas como esquizofrênicas, quando comparadas
com sujeitos controles. No entanto, os dados do estudo apontam que "hiperfrontalidade e
hipofrontalidade poderia ser a conseqüência e não a causa dos sintomas" (p. 860).
Mueser (2003) declara que a esquizofrenia é 'doença mental crônica, grave e
debilitante’, além de causar múltiplas deficiências ao produzir impacto em todas as esferas
do funcionamento da vida. Apesar da definição ter cunho mentalista, o autor reconhece o
sucesso das intervenções cognitivo-comportamentais para controlar o curso do transtorno
esquizofrênico e propiciar qualidade de vida aos pacientes com a colaboração dos
terapeutas, pacientes e familiares.
Observa-se na literatura tradicional que a esquizofrenia é abordada como uma
doença mental subjacente, inferida por meio de repertório comportamental bizarro, mas o
comportamento por si mesmo não é objeto de estudo. No entanto, para explicar a
esquizofrenia não é necessário inventar causas, acrescentar toques de mistério ou atribuir
ações de aparato mental. Torna-se necessário analisar as variáveis das quais o
comportamento é função, especialidade dos analistas do comportamento.
Todavia, comportamentos esquizofrênicos têm recebido pouca atenção dos analistas
do comportamento. Torna-se necessário, que esses profissionais estendam seus métodos
para o estudo de problemas que atualmente ainda residem no domínio psiquiátrico.

Sobre ComporKimcnlo « (.'ogr)iv<lo 39


A esquizofrenia como um problema comporlamental foi investigado na década de
cinqüenta por Ogden Lindsiey com vários colaboradores e na década de sessenta, por
Ayllon e Michael (1964), Ayllon e Haughton (1964), Isaacs, Thomas e Goldiamond (1964),
Ayllon e Azrin (1968), dentre outros. Vários comportamentos problema de pessoas com o
diagnóstico de esquizofrenia foram estudados através da manipulação das variáveis de
reforçamento. Princípios como extinção, saciação, reforçamento positivo e negativo foram
utilizados. Assim, naqueles estudos procedimentos relativamente simples produziram
resultados bem sucedidos, isto é, os pesquisadores tiveram êxitos na modificação de
vários tipos de comportamentos-problema, sem recorrer a construtos hipotéticos.
Recentemente, Britto (2004) analisou delírios e alucinações como classes de
comportamentos problemas, com base na teoria do comportamento verbal de Skinner
(1957/1978) e da teoria de linguagem de Staats (1996).
O que se observa nas descrições topográficas dos manuais diagnósticos é que o
comportamento verbal bizarro foi psicopatologizado como sintoma da esquizofrenia. Ao
buscar explicações para a complexidade do comportamento são encontradas explicações
simplistas que pressupõem atividades internas, mentais ou fisiológicas. Assim,
comportamento verbal e história de vida são substituídos pela crença em fisiopatologia
desconhecida e/ou processos mentais.
O diagnóstico psiquiátrico já foi empiricamente questionado. Em um estudo
publicado em 1973 no jornal Science, Rosenhan pediu a oito pessoas (quatro psicólogos,
um psiquiatra, um pediatra, um pintor e uma dona de casa) para se apresentarem a
diferentes hospitais psiquiátricos com a queixa de “ouvir vozes". Indagados sobre as vozes,
as pessoas haviam sido instruídas por Rosenhan (1973) a responder que elas não eram
claras, mas se referiam a algo vazio "empty", oco "holloW e pancada "thud\ Todas as
outras informações dadas aos psiquiatras eram verdadeiras. As pessoas foram admitidas
como pacientes e diagnosticadas como esquizofrênicos. Uma vez admitidos, os falsos
pacientes cessaram de simular quaisquer sintomas e comportaram-se normalmente. Mesmo
assim, permaneceram na instituição pelo período de sete a cinqüenta e dois dias e
receberam, ao todo, duas mil e cem pílulas de medicamentos.
É interessante que os outros pacientes logo reconheceram os falsos pacientes.
Quando um deles sentou-se do lado de fora da sala de refeições, meia hora antes do
almoço, esse comportamento foi interpretado pelos psiquiatras como a natureza aquisitiva
oral da síndrome.
Após a obtenção desses resultados, Rosenhan (1973) revelou a um dos hospitais
o que fizera e disse que repetiria a experiência nos próximos três meses. Assim, sendo
avisada quanto aos falsos pacientes não enviados, a equipe daquele hospital diagnosticou
cento e noventa e três pessoas como prováveis falsos pacientes.
Os comportamentos problema de uma pessoa diagnosticada como esquizofrênica
podem não só parecer estranhos, mas também inexplicáveis e misteriosos. Em outras
épocas acreditava-se em agentes demoníacos que tomavam posse da pessoa. Assim, a
ausência de um repertório comportamental verbal adequado pode resultar sofrimento e
confusão. Para analisar comportamentos em contextos é necessária uma busca de relações
funcionais. Neno (2003) esclarece que a busca de relações funcionais está associada ao
reconhecimento da multideterminação do comportamento e à seleção de um recorte
específico como domínio da análise do comportamento, o das relações do organismo
como um todo, com eventos do ambiente á sua volta.

40 lim a A Q o u ld tl do S o u a i Brlllo*
Os analistas do comportamento, tal como apontou Cbiesa (1994), buscam relações
causais na interação entre comportamento e ambiente. Esta postura não exclui
contribuições de fatores genéticos, biológicos, bioquímicos, neurológicos, entre outros.
Assim, explica-se a esquizofrenia seguindo o princípio da múltipla e complexa rede de
determinação do comportamento, representada pala ação de três tipos de seleção:
filogônese, ontogônese e cultura. Tais contingências modelam topografias complexas de
comportamentos a partir de material indiferenciado (Skinner, 1984).
Deve-se buscar na história de aprendizagem do indivíduo os antecedentes que
expliquem um repertório comportamental inadequado, é necessária definição empírica de
como se aprendem os conteúdos do repertório comportamental inadequado e como estes
exercem seus efeitos sobre o comportamento. Staats (1996) afirma que os repertórios
comportamentais podem ser ricos ou escassos, adaptados ou inapropriados. Repertórios
inapropriados e deficitários produzem problemas. Contingências ambientais inadequadas
podem produzir, também, repertórios inadequados ou dóficits comportamentais.
Neste sentido, Dougher e Hackbert (2003) ao relatar casos de clientes depressivos
que cresceram em ambientes não responsivos afirmam que uma redução do comportamento
pode ser resultado da extinção. Os autores chamam atenção para os repertórios sócio-
verbais que podem fazer falta para o desenvolvimento em certos contextos e como este
repertório empobrecido pode resultar em taxas baixas de reforço social. Diante de tais
considerações, pode-se falar sobre as deficiências nos tipos de ambientes, inclusive
ambientes hospitalares para 'internos mentais'.
A pessoa esquizofrênica apresenta déficits e inadequações na aprendizagem de
seus repertórios comportamentais. Tais déficits e inadequações podem ser o resultado de
uma experiência ambiental complexa, de modo interativo também complexo. É necessário
avançar na análise e entendimento da esquizofrenia, na tentativa de esclarecer como a
pessoa esquizofrênica se diferencia de outras que não são, e como se pode prevenir e
controlar o fenômeno. Para isso exige-se um programa de estudo que objetive um
entendimento profundo do comportamento humano complexo (Staats, 1996).
De acordo com Ferster, Culbertson e Boren (1979) muitos dos sintomas que
trazem uma pessoa à terapia são repertórios inadequados positivamente reforçados; a
disposição em empenhar-se em comportamentos problema parece forte quando comparada
com os repertórios fracos existentes; mas que poderiam desaparecer assim que gerassem
formas alternativas e eficazes em ambientes acessíveis.
Staats e Staats (1963/1973) propõem que os comportamentos psicóticos devem
ser considerados como operantes que competem com outros comportamentos operantes.
Dependendo do meio, se comportamentos operantes adaptados forem fortes então,
comportamentos bizarros poderão ser substituídos. Entretanto, sugere os autores, quando
comportamentos adaptados não são fortes, então os psicóticos são emitidos. Assim,
pode-se afirmar, tal como Ferster, Culbertson e Boren (1979), que grande parte do repertório
do esquizofrênico representa comportamentos fracos, que parecem fortes simplesmente
porque a maior parte do comportamento normal mantido, é fraca. Com efeito, determinados
comportamentos verbais psicóticos resultam de uma deficiência no repertório
comportamental da pessoa.
Skinner (1957/1978) afirmou que comportamento verbal é comportamento operante.
Hayes, Barnes-Holmes e Roche, (2001) propõem o conceito de operante relacional
complexo numa descrição pós-skinneriana da linguagem e cognição. Os autores afirmam

Sobre Oomport.tmcnlo e Cognição 41


que comportamento verbal é a açâo de enquadrar relacionalmente os eventos. Parece
plausível que alguns indivíduos, dada sua própria história, podem estar reagindo em relação
às características do contexto do que da forma em que relatam. Em outras palavras, os
indivíduos podem responder relacionalmente aos objetos onde a relação é definida, não
pelas propriedades físicas dos objetos, mas por alguma outra característica da situação.
“ Verbalbehavioris the action offraming events relationallÿ' (p. 43).
Observa-se que o diagnóstico de esquizofrenia é atribuído a uma pessoa quando
ela descreve eventos que evocam reações de surpresa no ouvinte. Por exemplo, ‘eu sou
Deus', 'o diabo náo me deixa sorrir' ou ‘casei com a Virgem Maria'. Tais descrições colocam
problemas especiais: a distinção entre verdade e crença. A crença é questão de probabilidade
de ação, e probabilidade é função das contingências anteriores. A verdade ordena a
transformação para regras. Contingências sociais induzem uma pessoa a relatar o que faz
e por que o faz (Skinner, 1984).
É importante notar que processos verbais é um assunto importante nesta discussão,
uma vez que delirar e alucinar são comportamentos verbais. O que precisa ser esclarecido
é como ocorreu a aprendizagem dos relatos verbais delirantes e quais suas funções
controladoras. Quais são os processos envolvidos nos antecedentes dos conteúdos delirantes
e seus conseqüentes? Que funções adquiriram os estímulos verbais com o uso de figuras
místicas? Que efeitos controladores eles exercem sobre as verbalizações delirantes?
Se os relatos verbais delirantes se mantêm, de algum modo, eles são efetivos
para a obtenção de reforçadores. Por exemplo, falar que está sendo controlado pelo diabo
pode, além de ser reforçado pela atenção social, também estar sendo mantido por esquiva
a tarefas difíceis para a pessoa. As possíveis funções que estariam mantendo os
comportamentos verbais deJirantes, no caso do exemplo acima, poderia ser obter atenção
ou evitar tarefa difícil. Para os analistas de comportamento para entender o relato ' eu sou
Deus'deveriam ser analisadas as contingências de reforçamento, uma vez que entre os
efeitos especiais do comportamento verbal estão as reações emocionais do ouvinte
(Skinner, 1957/1978). Foi o ambiente que construiu comportamentos autodescritivos com
relações a tais afirmações.
Torna-se, então, urgente estudar o papel do comportamento verbal na construção
da esquizofrenia, uma vez que relatos verbais bizarros são descritivos de delírios ou
alucinações, justificando o diagnóstico, e até mesmo, o internamento da pessoa. Assim,
nesta discussão, torna-se também necessário acrescentar algumas informações sobre o
controle do comportamento governado por regras, dado suas fontes verbais.
O comportamento humano pode ser controlado por regras, como também por
auto-regras a partir de experiências anteriores. As auto-regras podem ser explicitadas
publicamente ou encobertas, isto é, quando a pessoa pensa. As pessoas formulam regras
e agem de acordo com elas, mesmo que algumas vezes, essas regras sejam incompatíveis
com as contingências presentes. As formulações disfuncionais de regras que não
especificam as contingências naturais resultam problemas adicionais, isto é, descrições
disfuncionais pela própria pessoa podem contribuir para aumentar a força de comportamentos
problema subseqüente. Se as regras geram insensibilidade às contingências naturais
elas podem adquirir uma autonomia funcional e tornar-se a causa presumida do
comportamento problema. As auto-regras podem ser mantidas, tanto por reforço positivo,
quanto por reforço negativo. O comportamento governado por regras é resistente a mudanças
e à extinção (Hayes, Zettle & Rosenfarb, 1989; Matos, 2001; Meyer, 2005).
Auto-regras podem ser descritas como estímulo interno que, em certas ocasiões,
poderiam estar funcionalmente relacionadas à ocorrência de respostas públicas. 'Falamos'

42 llm.i A C/ouliirt ilcSou/d Brltto*


e ‘ouvimos’ a nós mesmos, isto é, pensamos. ‘Examinamos’ nossos próprios pensamentos
e sentimentos. ‘Vemos’ aquilo que descrevemos, isto ó, respostas sensoriais que se
condicionam na forma de ‘imagens’ ou ‘quadros’. Eventos internos podem afetar
comportamentos públicos. Se os estímulos internos não fossem funcionalmente
importantes, seria improvável que os humanos os tivessem adquirido e continuassem a
emiti-los. Tais fenômenos fazem parte do organismo como um todo mediante a evolução
(Staats, 1996). Cabe aos analistas do comportamento investigar o papel que tais eventos
desempenham numa ciência natural do comportamento humano.
Regras e auto-regras distorcidas podem produzir experiências perturbadoras para
a pessoa. O ajustamento à vida na comunidade exige comportamentos complexos sob
controle de estímulos também complexos. O indivíduo deve adquirir habilidades para
comportar-se em contextos. De outro modo, comportamentos problema podem substituir
o comportamento que ó requerido para o ajustamento à vida na sociedade.
Pessoas que apresentam comportamentos problema podem tornar-se membros
ativos da sociedade. A análise comportamental aplicada oferece uma tecnologia
comportamental para situações que, de outra forma, seriam caóticas e confusas. A busca
de soluções para aliviar o sofrimento humano deve preocupar pesquisadores básicos e
aplicados. Rotular ou descrever topografias comportamentais pouco acrescenta.
Martone e Zamignani (2002) alertam para a retomada das pesquisas e publicações
sobre esquizofrenia pelos analistas de comportamentos, uma vez que se trata de um
problema relevante e para o qual as soluções até hoje apresentadas são, no mínimo,
insatisfatórias.

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Mentais. (DSM - IV - TR). Porto Alegre: ARTMED.
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Sobre C om portamento e Cotyiiiv<li> 43


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Variabilidade. Vol. 7 pp.234-256. Santo André: ESETec. Editores Associados.

44 llm ,I A C/oul<irt d c S o u /.i R rltlo*


Capítulo 5

Interpretações analítico-
comportamentaís de histórias
infantis:
N o Reino das Águas Claras, de
Monteiro Lobato'.
Liérvú Abreu Viisconcclos?

thene Morcirj Cunhlo"

M .irílú i/j Cos/d ArruiLí

Uma história infantil pode tornar-se uma ocasiào para discussão de diferentes
temas que contribuem para o desenvolvimento do repertório comportamental de uma criança.
Educadores, pais e professores, e terapeutas podem utilizar uma história infantil em um
contexto lúdico, no qual comportamentos pró-sociais, por exemplo, podem ser uma classe
de comportamentos adquirida ou fortalecida. Ao brincar com estímulos naturais como
água, argila, areia; com sucata ou com brinquedos - diferentes miniaturas e bonecos -
trechos de uma história infantil poderão ser apresentados como estímulos discriminativos
que sinalizarão uma ocasião para emissão de diferentes comportamentos, os quais, por
sua vez, poderão receber feedback imediato em forma de reforço social. Ao ser elogiada
por um determinado comportamento emitido, a criança poderá também ouvir, por parte do
educador, a descrição de toda a contingência que envolveu o seu comportamento reforçado.

' Projeto parcialmente financiado pela FINATEC e pelo Decanato de Pesquisa e Pós-graduaçâo da Universidade
de Brasilia (FUNPE)
3 Departamento de Processos Psicológicos Básicos, Instituto de Psicologia, Universidade de Brasilia
laerc(a@unb br
“ Alunas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica - IBIC/Universidada de Brasilia

Sobre C om porl.iincnlo c (\>#niç.lo 45


Assim, as brincadeiras com histórias infantis compõem a contingência tríplice,
formada pelos seguintes elementos:

Trech o s de uma história infantil * Com portam entos C o n sei|ü ên cias


(l.ven tos antecedentes) (l.in itid o s pela criativa) ( IVoj»ram adas pelo educador
ou terapeuta).

Brincando, o terapeuta ou os educadores podem utilizar técnicas como a modelagem,


modelação e reforçamento positivo diferencial com o objetivo de ampliar o repertório
comportamental da criança, desenvolvendo especialmente uma reflexão crítica e mais ampla
da história infantil e de seus temas abordados. Em geral, uma história infantil possibilita a
discussão de, aproximadamente, dez a trinta contingências, as quais envolvem diferentes
conteúdos valorizados no processo de socialização da criança nos contextos familiar e escolar.
As histórias infantis de Monteiro Lobato estão entre aquelas que envolvem o maior número de
opções de contingências que podem ser consideradas junto às crianças.
O analista do comportamento poderá aumentar as alternativas de escolha de ação
dos educadores e terapeutas diante de uma história infantil ao apresentar possibilidades de
adaptação desse recurso lúdico aos valores de uma determinada sociedade, família ou escola.
Assim, diante de um comportamento inapropriado’ de um personagem, os pais poderão estimular
discussões sobre as alternativas comportamentais que poderiam ser adotadas. Ao utilizar
uma visão relacional, externalista e histórica dos comportamentos dos personagens,
acrescentar-se-ão informações que facilitarão a formulação de análises críticas por parte tanto
dos educadores como das crianças. A sobrevivência dos cidadãos do século XXI, diante de
inúmeras noticias e interpretações apresentadas no universo midiático, depende de sua visão
crítica, do saber selecionar as informações apresentadas.
O conceito de desenvo/wmentoanalítico-comportamental, assim como os princípios
de aprendizagem analítico-comportamentais podem também ser divulgados aos educadores
por meio das interpretações das histórias infantis. A partir da década de 1990, o respeito às
idiossincrasias de cada criança tem sido cada vez mais enfatizado pelas áreas jurídica, módica
e psicológica (e.g., Bijou & Ribes, 1996; Brazelton & Greenspan, 2000/2002; Canaan-Oliveira,
Neves, Silva & Robert, 2002; Mendez & Costa, 1994). Um alerta contra o “adoecimento" da
população infantil, num cenário atual de inúmeros rótulos atribuídos a uma criança por
profissionais das áreas de saúde e educação, poderá também ser transmitido aos educadores
e terapeutas.
É necessária uma mudança dos paradigmas educacionais, aumentando a programação
de contingências de reforçamento positivo e diminuindo as contingências coercitivas, a fim de
promover interações sociais permeadas pelo respeito e amor, evitando a "medicalização" de
problemas sociais (e.g., Cury, 2003). Uma revolução social, orientada pelo humanismo, começa
na infância com uma mudança na educação infantil, na forma como as crianças são tratadas
- destacando uma forma de educação plena, a qual valoriza tanto fatores intelectuais quanto

1 Comportamento inapropriado refere-se ao comportamento que mostra insensibilidade às contingências,


que é freqüentemente seguido por conseqüências coercitivas, sendo, assim, não valori/ado por um
determinado grupo social. Entretanto, esse comportamento pode ser considerado adaptativo ao garantir, a
curto prazo, a sobrevivência do indivíduo ou a obtenção de reforçamento negativo, embora envolva riscos
h longo prazo de conseqüenciaçào coercitiva

46 I aerda A b reu Vasconcelos, I liene M o reira Curado, M .irlll.i il.i Costa A rruda,
afetivos. A criança deve aprender a expressar seus pensamentos, suas opiniões, bem como
suas emoções (Ver a utopia social de Ardila, 1992/2003).
O presente capítulo apresenta uma história infantil da obra de Monteiro Lobato, o pai
da literatura infantil brasileira. Lobato apresenta um conceito de criança e temas de importância
em nosso mundo contemporâneo. A adaptação de suas histórias pela Rede Globo de Televisão,
em 2001, foi utilizada no presente estudo devido ao seu amplo acesso a crianças de diferentes
níveis socioeconômicos em todo o país. O mundo do faz-de-conta, expressão criada por
Lobato, encanta pelos seus aspectos didáticos e recreativos, pela ênfase na cultura brasileira,
pelo brincar com a língua portuguesa, pela integração racial e social observados no Sítio do
Picapau Amarelo. Personagens estáveis e secundários enriquecem as histórias e introduzem
temas novos ás crianças do cenário nacional e internacional. Sua crítica aos clássicos infantis
surge com humor - todos os personagens querem fugir das histórias emboloradas de Dona
Carochinha para viverem no Sítio do Picapau Amarelo. Lobato não subestima a capacidade de
compreensão da criança, apresentando temas sérios e contraditórios, despertando uma visão
crítica da realidade (e.g., Ribeiro, 2002; Távola, 1998/2002).

Lobato afirmava que a criança ô um sor no qual a imaginação predomina em


absoluto o quo, por isso, o meio certo de interessar as crianças ó falar-lhos à
imaginação. ... Dessa forma, a imaginação, como a linguagom, nâo só produz
realidade, mas também a incrementa e transforma (Ribeiro, 2002, p. 81). E
observamos quo o encantamento por ele proposto é lúdico. A criança brinca com
o faz-de-conta, coloca a sua criatividade na construção do mundo encantado,
onde tudo lhe é permitido (Ribeiro, 2002, p. 89).

A história No Reino das Águas Claras faz parte do livro Reinações de Narizinho,
de Lobato (1993/20034) , e apresenta contingências que envolvem os seguintes temas: (1)
o planejamento de férias escolares, (2) a construção de brinquedos, (3) o seguimento de
instruções e as práticas educativas voltadas para esse comportamento, (4) a preservação
da saúde e o contato com a natureza, (5) uma visão não-androcêntrica na educação de
meninos e meninas, (6) comportamentos pró-sociais, (7) a alta disponibilidade de doces
às crianças, o comer várias vezes ao dia, e (8) a busca por um casamento com um
homem nobre. As discussões, envolvendo adultos e crianças, podem aprofundar esses
temas em meio a atividades lúdicas. Um grande conjunto de contingências pode ser
analisado a partir da história No Reino das Aguas Claras. Entretanto, vale ressaltar que os
educadores e terapeutas deverão selecionar as contingências relacionadas aos interesses
de cada criança ou de cada grupo em atendimento. A transcrição da história e uma análise
completa de todas as contingências é apresenta em Vasconcelos (2005).

K\ciiti» antecedente * ('o m po rta m e n lo s-jilvo # ConseqiiOncias


Férias escolares de * Viajar para o Sítio do * Hrinear no rio e
tios campos.
Pcdriulu)... Picapau Amarelo. brincar com a
prima, conversar
com a vovó.

4 14* reimpressão da 4fí* ediçào O Sitio do Picapau Amarelo foi criado em 1921 Reinações de Narizinho è
uma obra de 1931, na qual Lobato reuniu vários de seus textos infantis (Ribeiro, 2002)

Sobre (.'omport.imentoe (‘oflniviUt 47


O menino Pedrinho, diante de suas férias escolares, sonha acordado com o Sítio
do Picapau Amarelo. Brincar no Ribeirão, correr e inventar brincadeiras ganha um colorido
especial com a participação de sua prima - Narizinho, a menina do nariz arrebitado - além
da contribuição dos adultos. Tio Barnabé divide seus causos com as crianças; Tia Nastácia
ô capaz de parar seu serviço doméstico para ouvi-las, além de cozinhar os mais gostosos
quitutes e confeccionar uma boneca de pano muito especial - a Emília. Vovó Benta apresenta
o mundo dos livros às crianças com muito entusiasmo e amor. As conseqüências para os
comportamentos de Narizinho e Pedrinho no Sítio do Picapau Amarelo são, em geral,
fundamentadas no reforçamento positivo.
A contingência que descreve a relação entre as férias escolares de Pedrinho, a sua
viagem para o Sítio e as conseqüências ali experimentadas pelo menino pode tornar-se uma
ocasião para discutir diferentes temas com as crianças. Entre eles está a participação dos
adultos significativos para a criança em seu mundo do faz-de-conta. Brincando os adultos
poderão transmitir conhecimento à criança e corrigir os comportamentos inapropriados por
ela emitidos. Dona Benta se interpõe à fala de sua neta, quando esta reclamava da
desobediência de sua boneca Emília, a qual não seguia suas instruções, dizendo que ela
também conhecia alguém que parecia não ouvir os pedidos de uma avó. A genuína presença
de um adulto na vida da criança é aqui apresentada. Eles respondem às necessidades
criadas pelas crianças em seu mundo da fantasia. Eles preparam até uma festa de casamento
para a boneca Emília, a Condessa das Três Estrelinhas, que se tornaria a Marquesa de
Rabicó ao casar-se com o porquinho comilão Rabicó.

Kvento antecedente * C om portam entos-alvo #


Conseqüências
Diante do tema casamento # A busca nor um noivo nobre *

Noções sobre o casamento, a felicidade conjugal, podem também ser abordadas


com as crianças e os jovens. Narizinho aceita o pedido de casamento do Príncipe Escamado
e Emília busca constantemente por títulos de nobreza. No texto original de Lobato observa-
se de forma mais clara os objetivos de Emilia - Ser princesa era o seu sonho dourado e se
para ser princesa fosse preciso casar-se com o fogâo ou a lata de lixo, ela o faria sem
vacilar um momento (Lobato, 1993/2003, p. 46). Emília casou-se com um porco porque as
crianças contaram-lhe que se tratava de um Marquês que fora enfeitiçado. A boneca dizia
que no Sítio não havia ninguém que a merecesse e que, embora se casasse com o porco,
não viveria ao seu lado.
O sonho de um casamento apenas para tornar-se uma Marquesa terminou em
uma grande decepção por parte da boneca, ao descobrir que tudo não passava de uma
invenção de Narizinho. A menina do nariz arrebitado, por sua vez, entristeceu-se ao perceber
que perdera, temporariamente, a parceria e o carinho de Emília. O dizer inverdades e suas
conseqüências pode ser explorado com as crianças. A contingência envolvendo o
casamento pode ocasionar a formulação de perguntas reflexivas às crianças: será que
vale a pena se casar com um porquinho apenas para se tornar uma Marquesa? Quando a
Emilia diz que não há ninguém que a mereça ao seu redor, ela poderá deixar aqueles que
a ouvem tristes? Por que as pessoas se casam? Um casal pode manter seu casamento
não vivendo um ao lado do outro? É importante sabermos respeitar as diferentes opiniões
das pessoas? O que um amigo pode sentir ao descobrir que lhe dissemos inverdades?

48 I <i£rihi A b reu V .iscoiueloí, f llene M o rvlr.i Curtido, M .irlli.i d.i C\»sí«i A rru d .i,
Ao comparar as histórias infantis de Lobato com alguns clássicos infantis como
Branca de Neve e os Sete Anões, Pinóquio e Peter Pan, observa-se na obra de Lobato
uma menor freqüência de comportamentos inapropriados apresentados às crianças leitoras
ou espectadoras, além de um maior número de temas potencialmente educativos tratados
na história. Ademais, grande parte dos comportamentos inapropriados sào emitidos pela
irreverente boneca Emllia. A franqueza, a recombinação de palavras e idéias de forma
original, a liberdade para ousar são permitidos no estatuto de boneca (Pereira, 2002), a
qual nunca viveu em sociedade e ainda não sabe mentir (Távola, 1998/2002). Emília
surpreende a todos com suas intervenções nào-usuais. Emília usa também de forma
descontraída a í/ngua portuguesa. Lobato enfatiza que a gramática é a criada da lingua e
o povo é o seu verdadeiro dono. Em sua obra de 1934 - Emília no País da Gramática -
Lobato encontra formas lúdicas de ensinar a língua portuguesa (Pereira, 2002).
Narizinho admira as criações inesperadas de sua Emllia em uma diversidade de
situações, embora, em alguns momentos, a menina ordene que a boneca se cale - "Emília,
feche sua torneirinha de asneiras". Observações casuais mostram a não-confirmação da
hipótese de alguns autores de que os comportamentos de personagens não-humanos não
se tornarão modelos para as crianças.

Quom leva a sério o comportamento do uma boneca, de um gato ou de um


macaco? A ótica foi feita apenas para os homens, portanto pais e educadores
podem ficar tranqüilos, nenhuma criança, por mais apaixonada que soja pola
boneca Emília, toma seu comportamento malcriado como modelo Este particular,
no entanto, ficou prejudicado na TV, pois lá Emília é uma pessoa que parece uma
boneca, o contrário do que ocorria nos livros. (Pereira, 2002, p. 101).

I!v e n to antecedente D C o m p o rta m c n to s -a lv o D


C o nseq üê ncia s
Idéias de novas brincadeiras 0 Recuperar ou confeccionar □ Brincar

A construção de brinquedos e a invenção de novas brincadeiras representa um


aspecto de extremo valor da história. Tia Nastácia costura uma boneca de pano, a Emília,
para Narizinho. A menina valoriza de tal forma o brinquedo que não aceita trocá-lo por nada
no mundo, afirmando, ainda, não ser possível viver sem a sua companhia. Em outra
brincadeira das crianças, na qual foi inventado um Marquês na tentativa de convencer
Emília a se casar, o sábio Visconde de Sabugosa tornou-se um parente do noivo que iria
interceder por ele junto à noiva. O Visconde nasceu na biblioteca de Dona Benta com
seus livros maravilhosos - da culinária francesa à física de Einstein.
Visconde é um personagem muito bem informado e cortês. Emília e o Visconde
de Sabugosa tornam-se valorizados por todos os outros personagens da história. Os dois
bonecos contribuem de forma significativa para o enriquecimento de várias passagens:
enquanto Emília fala tudo o que pensa e sente, recombinando os fatos e as palavras de
forma inovadora, Visconde é cauteloso e introduz o conhecimento científico. De um lado
há manifestação do puro sentimento sem rodeios e de outro lado a manifestação da
ciência. Esse contraponto pode ser também um tema de discussão. Questões tais como:
devemos esconder nossos sentimentos quando se tratar de raiva e tristeza ou podemos
expressá-los sem ofender o outro? O conhecimento adquirido no dia-a-dia de alguns

Sobre (.'omporljmenlo c (*(>Rniv<lo 49


habitantes do Sítio do Picapau Amarelo, como os tios Nastácia e Barnabé, tem valor ou
devemos considerar apenas o conhecimento científico? Os brinquedos sofisticados como
robôs são os que permitem brincadeiras inovadoras ou podemos sempre criar algo diferente?
É necessário comprar muitos brinquedos para a criação de brincadeiras diferentes? Construir
brinquedos pode ser uma brincadeira legal, que nos faça pensar diferente?
A música oferece um rico contexto para se falar sobre o Sítio do Picapau Amarelo.
As canções dos personagens do Sítio podem ser utilizadas, estimulando o desenvolvimento
do comportamento verbal vocal e do ritmo. Ao comer sua fruta predileta, Narizinho morde
as jabuticabas, retira o doce da fruta e passa a casca para o porquinho Rabicó se deliciar.
Esta cena é apresentada com a música que a descreve graciosamente. Assim,
dramatizações podem ser planejadas nas quais as crianças criam diálogos para os
personagens e cenas construídas num contexto musical. Pesquisas planejadas para as
crianças sobre o escritor podem também contribuir para uma ampla visão da história, ao
identificarem as principais características dos personagens e os objetivos de Monteiro
Lobato. Os livros de Lajolo (2000) e de Carvalho (1982), assim como o artigo de Ribeiro
(2002) são textos que enriquecerão a investigação sobre um grande escritor brasileiro que
ainda não foi merecidamente reconhecido no Brasil. As múltiplas facetas do escritor ainda
não foram todas e completamente desveladas (Pereira, 2002, p.75).

K vcnto antecedente * (o m p o rta n ic n to s -a lv o #


Conseqüências
Diante de: desconhecidos, * Cumprimentar, agradecer, * l acilitaçào de

Ao terminarem a confecção do sábio Visconde de Sabugosa, Narizinho e Pedrinho


deram início às apresentações. Narizinho, ao saber que a esposa do Visconde havia sido
comida pela vaca mocha, a partir de uma história criada pelo menino Pedrinho, diz ao
boneco: O mundo é isso mesmo, Visconde. Um come o outro. A vaca mocha come as
donas Palhas e a gente come as vacas. A vida é um come-come danado!(Lobato, 1993/
2003, p. 47). Às margens do ribeirão, ao conhecer o Príncipe Escamado e ser convidada
a conhecer o seu reino, a menina concorda alegremente e agradece. Entretanto, foi
necessário explicar a expressão no rosto de Emília, porque o Princípe havia interpretado o
silêncio da boneca como sendo uma negativa ao seu convite. Narizinho explicou que
Emília era muda de nascença e que sua expressão não significava estar emburrada.
A discriminação de expressões faciais é um comportamento necessário nas
interações sociais, o que pode ser tema de brincadeiras apresentado às crianças. No
Reino das Águas Claras, alóm de toda a cerimônia de apresentação, com festa preparada
pelo Príncipe para recepcionar Narizinho, tem-se a presença de comportamentos anti­
sociais introduzidos pela Dona Carochinha - a baratinha escritora que chegara a procura
de mais um personagem de suas histórias que havia fugido. Ao emitir tais comportamentos,
Dona Carochinha se expõe também a comportamentos anti-sociais que lhe são dirigidos
por Narizinho e Emília, quando esta ganha vida no fundo do mar. O contra-controle envolvido
em comportamentos anti-sociais pode ser considerado por meio de questões reflexivas: é
necessário tratarmos todas as pessoas, sejam elas nobres ou não, com comportamentos
que envolvam carinho e respeito? O que sentimos quando somos tratados por meio de

50 I .léril.i A b reu Viisconcrlos, M icnc M o rcir.i C'ur>uio, M .iríli.i d<i A rru d t,


xingamentos, gritos ou ordens dadas em meio a esses comportamentos? Devemos ser
cuidadosos com as pessoas - pedindo licença, desculpa ou agradecendo - apenas quando
não as conhecemos ou devemos incluir também nossos amigos e familiares?

Kvcnto antcccdcntc * ( om porliim cntns-H lvo + Conseqüências


Preparando a reecpçào * ( ) comportamento de comer * Kiseos para a
saúde diante: ( I ) de
de Pedrinho - vários a lodo momento do menino um número de
releiçoes maior
tipos de doces e os Pedrinho. do i|ue seis ao dm; (2 ) tio alto
quitutes da Tia Nashicia... consumo de
rm u

Uma outra contingência abordada No Reino das Águas Claras envolve o


comportamento de Pedrinho de comer a todo momento, várias vezes ao dia, para espanto
de sua prima Narizinho! Tia Nastácia prepara várias tortas e compotas, além de seus
famosos bolinhos, com os quais Tio Barnabó recebe o menino na pequena cidade, vizinha
ao Sítio do Picapau Amarelo. Em várias regiões do Brasil, como em Minas Gerais e
Goiás, é comum as famílias disponibilizarem para as crianças uma mesa de refeição
sempre recheada de alternativas de lanches entre as principais refeições. Assim, em uma
roda de discussão poderíamos apresentar às crianças informações sobre a alimentação
típica dos diferentes estados brasileiros. Apesar dos valores próprios de cada região e de
cada família, a ênfase em uma dieta balanceada, de alto valor nutritivo, pode ser introduzida
pelos educadores ou terapeutas. O alto índice de obesidade infantil, registrado também no
Brasil e em todas as classes sociais justifica investimentos nessa área temática.
As contingências programadas pelas diferentes lanchonetes para atrair o consumo
de crianças podem também ser um alvo de brincadeira e reflexão: uma lanchonete que
apresenta brindes associados a alguns lanches /E Comprar um determinado sanduíche
/E Ganhar os Incríveis ou a Hello Kitty ou um kit de magia. As crianças podem aprender
que se trata de uma estratégia de mercado diante da qual devemos pensar em alguns
pontos: eu devo lanchar freqüentemente nestes locais para formar toda a minha coleção
ou não é necessário consumir tudo o que está na propaganda? Posso brincar e me divertir
sem ter que comprar todos os últimos lançamentos? Para os educadores vale a pena
refletir sobre a não-associação de passeio a consumo de alimentos. Uma criança pode
sair com seus pais ou outros familiares sem decidirem a priori que estão saindo para
lanchar. O comer fora de casa não necessita ser uma parte integrante dos passeios de
uma criança. Uma estratégia educativa poderia envolver um pequeno lanche em casa,
antes de um passeio, para que se possa aguardar o horário do almoço ou do jantar em
casa. Comentários dos pais sobre os alimentos que estão à mesa, elogiando o sabor e o
aspecto podem ter a função de modelo para o comportamento alimentar das crianças.
Portanto, a história No Reino das Águas Claras possibilita a introdução gradual de
informações de grande valor para o desenvolvimento do repertório comportamental de uma
criança. O conteúdo das disciplinas do ensino regular, os preceitos éticos de uma sociedade
ou família, o folclore, a música poderão ser abordados a partir de uma história infantil.
Brincar é coisa séria para um povo que se interessa pela sobrevivência de suas futuras
gerações.

Sol>rc Compoit.imcnto c Co^ni^lo 51


Referências
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Carvalho, B.V. (1982). A literatura infantil. Sáo Paulo: Edart.
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Mondez, E.G. & Costa, A.C.G. (1994), Das necessidades aos direitos. São Paulo: Malhoiros.
Peroira, M.T.G. (2002). Monteiro Lobato: saber sentir, saber ver, saber dizer. Em M.Z. Turchi &
V.M.T. Silva (Orgs.), Literatura infanto-juvenil: Leituras criticas (pp. 65-77). Goiânia: UFG.
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Em M.Z. Turchi & V.M.T. Silva (Orgs.), Literatura infanto-juvenil: Leituras criticas (pp.79-
91). Goiânia: UFG.
Távola, A, (1998/2002). TV, criança e imaginário. Em E.D. Pacheco (Org.), Televisão, criança,
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Vasconcelos, L.A. (2005). Histórias infantis: interpretações analitico-comportamentais para uso
lúdico-educacional. Santo André: ESETEC.

I a ó rd a A b r e u V asc o n c e lo s, H ie n c M o r e ira C u r a d o , M a r l lia da 1'o s la A r r u d a


Capítulo 6

Avaliação por competência:


Instalando a cultura de avaliação
M /n v li l cdl Cdldia'

Sindrd /.cd/ Cd/di/

A Gestão de Pessoas sempre variou de acordo com a situação econômica vigente, ou


seja, sempre esteve funcionalmente ligada às necessidades de mercado. Ao longo de décadas
observam-se diferentes modelos de gestão como, por exemplo, os baseados no controle,
autoritarismo, focado em tarefas, padronização, baseado em cargos, em requisitos, entre tantos.
Na época de 30, quando houve a grande crise econômica no mundo, com a quebra da Bolsa de
Valores de Nova Iorque, as idéias da Escola de Relações Humanas passaram a ser valorizadas
e investiu-se mais no seu desenvolvimento. Os dirigentes das organizações, buscando reerguê-
las após a falência do sistema financeiro-econômico, começaram a se preocupar com as relações
entre as pessoas que trabalhavam em suas empresas. Essa preocupação direcionou para a
busca de algo novo, um sistema de gestão diferente, e, nesse momento, a produção da Escola
de Relações Humanas passou a ser requerida (Mota, 1987).
Nos dias de hoje, com a globalização e o neoliberalismo, a competição entre
empresas e nações foi modificada, o que acabou por criar nessas mesmas empresas e
nações novas formas de atuação estratégica que atendessem ás necessidades do mundo
globalizado, e, ao mesmo tempo, fossem mais particulares, pessoais e específicas.
Nesse movimento, as empresas precisam permanecer atentas ao macro sem
jamais perder o micro de vista. Isso significa estar revendo constantemente toda a atuação
estratégica frente ao mercado e, concomitantemente, conhecer e pensar a importância
de ter recursos humanos adequados às necessidades da companhia e reforçando sua
estratégia (Trasatti e Costa, 2005). O mercado passa a exigir um perfil de alta
competitividade, qualidade e inovação constante. As empresas que não estão buscando

' Psicóloga pela Unesp - Bauru; pós-graduada em Psicologia do Desenvolvimento pela Unesp- Bauru.
Coordenadora de RH. Endereço: R João Andreolll, 2-103 Jd Samambaia -B auru-S P cep 17018-090., e-mail:
maüalaisffl?hQtmail.cüm
2 Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PucCampinas); Docente da
Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Bauru/SP Endereço - Av. Edmundo Carrljo Coube s/n° - Vargem
Limpa -Bauru - CEP 17 083-300, e.mail: scalaisfd)fc.uneso.br

Sobre C om portiim ento e Coflniçilo 53


isso tendem a perder espaço no mercado futuro e podem simplesmente deixar de existir
ou serem compradas por outras maiores e mais fortes, que provavelmente estiveram atentas
à qualidade, inovação e baixo custo.
A partir de exigências de mercado tão diferentes, surgem diferentes escolas de
gestão de pessoas. Essas novas escolas vêm buscar atender às novas necessidades do
mercado e fornecer modelos de gestão de pessoas que subsidiem melhores performances
para as empresas.
O modelo de gestão por competências surge, assim, em resposta à necessidade
de traduzir as questões estratégicas das empresas, que nesse momento se tornam cruciais
para sua sobrevivência, para os profissionais que nela atuam. O objetivo dessa ação é
para que estes profissionais atuem em direção ao lugar onde a empresa pretende estar
posicionada. O antigo perfil do trabalhador, executor de tarefa, com atribuições e
responsabilidades definidas, passou a ser substituído por outro, de pessoas mais
independentes e dinâmicas (Dutra, 2004). A partir desse novo perfil é que se espera alcançar
os objetivos estratégicos da empresa.
O termo competência foi definido primeiramente por um agregado de
conhecimentos, habilidades e atitudes. A premissa era que se uma pessoa possuísse o
conhecimento, as habilidades e as atitudes para desempenhar determinada função então
teria a competência necessária para tal. Porém, essa definição inicial acabou evoluindo
para uma definição mais focada no comportamento manifesto permeado pelos resultados
que isso trará para a empresa. Fleury e Fleury (2001) trazem uma nova proposta mais
atual e abrangente: "Um saber responsável e reconhecido, que implica mobilizar, integrar,
transferir conhecimentos, recursos, habilidade, que agreguem valor econômico à
organização e valor social ao indivíduo" (p. 21).
O sistema de gestão de pessoas por competências é caracterizado por trazer o
indivíduo, focando o seu comportamento, sua entrega, à frente de outras necessidades da
empresa. Dá ênfase ao comportamento emitido e não ao conhecimento necessário para
efetuar uma atividade. Compreende que não basta apenas o saber e sim, o saber colocado
em ação: a entrega. Há a necessidade do comprometimento das pessoas para que as
empresas possam com esse material humano fazer frente à competição do mundo do
trabalho, inovando e criando novas estratégias (Dutra, 2004).
A avaliação de funcionários baseada no modelo de gestão por competência
possibilita a este profissional mensurar seu desenvolvimento e realizar a comparação de
seu nível com padrões esperados. Conhecendo o nível em que se encontra, ele pode
orientar seu desenvolvimento na direção esperada e agregar conhecimento e crescimento
a ele mesmo. A partir do momento em que o trabalhador atua em um determinado parâmetro
de qualidade, não haverá retrocesso para parâmetros inferiores, ou seja, o desenvolvimento
só tem uma direção. Por exemplo, um funcionário atende a um nível de competência e
após uma avaliação passa a conhecer isso e se desenvolve para alcançar um nível posterior.
Numa próxima avaliação estará atendendo a um nlvel superior e permanecerá nesse até
que siga para outro mais elevado. Assim, a avaliação por competência permite, segundo
Dutra (2004), os seguintes desdobramentos:

Análise das pessoas com base em sua individualidade. O modelo possibilita a


observação de ações efetivas do indivíduo.

Marcela Leal Calais, Sü/ h /m I c j í C',//,//<>


Análise das deficiências individuais. Assim como possibilita avaliar o que de fato o
profissional apresenta de entrega, também permite vislumbrar as competências nas
quais a entrega deixa a desejar.
Efetividade das ações de desenvolvimento. Por permitir conhecer onde se está e o
que se espera, possibilita verificar, nas avaliações subseqüentes onde, de fato, o
desenvolvimento ocorreu.
Adequação das ações de desenvolvimento. Os profissionais costumam estar sempre
em desenvolvimento, mas nem sempre a direção desse desenvolvimento é a direção
esperada pela empresa. Com o modelo de Gestão por Competências, a direção
esperada para o seu desenvolvimento passa a ser conhecida por ele e possibilita um
crescimento na direção esperada.
O desenvolvimento do profissional, dentro da linha estratégica da organização é
que vai garantir a existência dessa empresa no mercado. Se os profissionais de uma
determinada empresa desconhecem a direção que esta pretende seguir, podem estar
trabalhando bastante numa direção divergente da esperada. Como exemplo, podemos
pensar em atletas remando uma canoa: é como se os dirigentes esperassem a canoa do
lado A do rio e os atletas suassem muito, depositando todo seu esforço para ir rapidamente
para o lado B.
Considerando a importância do exposto acima, este trabalho teve por objetivo
instalar a cultura de avaliação numa organização por meio da estruturação de um sistema
de Gestão por Competências e implantação do subsistema de Avaliação por Competência.
O programa foi realizado em uma empresa de origem americana, que está no
Brasil há aproximadamente quatro anos. Sua localização é na Grande São Paulo,
apresentando um quadro total de 65 funcionários, sendo 2/3 do sexo masculino e faixa
etária na média de 34 anos. A empresa é alocada em três andares de um edifício. Sua
atividade está ligada à prestação de serviços na área de treinamento.
Desde sua instalação no Brasil, a empresa nunca tinha realizado uma avaliação
de seus profissionais. Havia um modelo de avaliação de performance utilizado pela matriz
norte americana que foi traduzido para o português e que se pretendia implantar como
modelo de avaliação.
Todavia, depois de feita a verificação desse material considerou-se que este era
elaborado de forma muito aberta e que, para se implantar uma primeira avaliação, permitia
uma margem muito grande de erro no preenchimento e no resultado que se queria alcançar.
Esse material era composto por duas colunas com os títulos: objetivos do desenvolvimento
e plano de ação. O gestor deveria em conjunto com seu funcionário preencher esses
campos. Por se tratar de perguntas abertas que poderiam suscitar preenchimentos os
mais diversos possíveis e por não possibilitar qualquer direcionamento ao gestor, considerou-
se que havia a necessidade de um material mais adequado e estruturado, pertinente à
necessidade daquele momento.
A partir dessa necessidade, buscou-se uma Consultoria externa que pudesse auxiliar
na implantação de um modelo de Gestão por Competências. A estruturação desse modelo
foi iniciada pela identificação das competências essenciais da companhia. Segundo Milioni
(2003), entende-se por competências essenciais aquelas que são críticas para a empresa,
ou seja, são aquelas que traduzem a posição em que a empresa está ou pretende estar no
mercado. As competências essenciais costumam ser definidas pelas pessoas de maior

Sobre Comportamento e Cognato 55


nível hierárquico da organização e devem ser estipuladas visando o futuro estratégico, o que
se projeta da empresa para o que está por vir. Ferreira (2005) comenta que elas estão
ligadas ao objeto de trabalho da empresa, ao mercado, aos clientes, ao ambiente político-
social, aos concorrentes. O modelo proposto busca traduzir fatores estratégicos para todos
os níveis da organização, por isso, propõe-se que seja realizado de cima, dos escalões
mais altos, para baixo, Mello (2005) lembra que a competência organizacional passa pela
escolha da estratégia de competição em relação às empresas concorrentes.
No programa aqui exposto, após as competências essenciais terem sido definidas,
estruturou-se um cronograma de trabalho envolvendo os dois profissionais do departamento
de Recursos Humanos, dois consultores externos e cinco gestores. Por se tratar de um
quadro de funcionários pequeno foi possível envolver todos os gestores da empresa na
estruturação do modelo. Empresas maiores costumam envolver alguns representantes
dos gestores. Esse envolvimento é imprescindível para a validação do sistema e o
comprometimento dos gestores com a implantação do modelo.
Para desenvolver e estruturar todo o sistema de competências da empresa foram
realizadas seis reuniões de oito horas cada uma, que aconteceram a cada quinze dias,
fora da empresa e seguindo a estrutura proposta pela consultoria parceira. Esta iniciou
aprofundando as questões sobre o sistema de gestão de pessoas por competências e
todas as suas implicações, visando equilibrar o conhecimento do grupo acerca do tema.
Foram, então, apresentados desde uma série de modelos de estruturas de eixos de carreira
até descrições e definições de competências (todas ligadas às competências essenciais)
para que os participantes pudessem analisar e escolher aquelas que estivessem mais
próximas e adequadas à realidade de sua empresa e a sua projeção para o futuro.
Os eixos de carreira, os níveis de atendimento (régua), a alocação dos cargos, cada
competência e sua descrição foram desenhados e estruturados pelo grupo de trabalho. Foram
definidos cinco eixos de carreira, sendo que o Gerencial tinha três níveis de complexidade e o
administrativo, o mercadológico, a produção e o apoio-operacional, quatro níveis cada.
Quanto às competências para cada carreira, o Eixo Administrativo continha:
Organização, Atendimento aos clientes, Cultura da Qualidade, Multitarefa, Gestão de
Recursos e Prazos e Orientação para Resultados. Já o Eixo Mercadológico era composto
pelas seguintes competências: Atendimento aos clientes, Orientação para Resultados,
Visão do Negócio, Negociação, Articulação de Relacionamentos e Organização e
Planejamento. O Eixo de Produção abarcava: Planejamento e Organização, Atendimento
aos clientes, Cultura da qualidade, Multifuncionalidade, Gestão de Recursos e Prazos,
Trabalho em Equipe, Orientação para Resultados, Gestão Integrada de Processos e
Inovação de Produtos. Quanto ao Eixo Apoio-operacional: Organização, Atendimento aos
clientes, Cultura da Qualidade, Versatilidade, Gestão de Recursos e Prazos, Trabalho em
Equipe e Gestão Integrada de Processos. Finalizando, para o Eixo Gerencial foram definidas
as seguintes competências: Orientação para Resultados, Visão do Negócio, Planejamento
Estratégico, Negociação, Articulação de Relacionamentos, Orientação para clientes,
Gestão de Inovação e Mudança e Liderança.
Embora algumas competências sejam comuns entre os eixos, suas descrições
são diferentes, já que são customizadas para as necessidades específicas de cada carreira.
Ou seja, a competência Atendimento aos clientes está compreendida tanto dentro da
carreira administrativa quanto da carreira de produção, todavia, a carreira administrativa
agrupava funções que atendiam ao cliente interno enquanto a produção estava totalmente

56 Marcela leal Calais, S j/fJrj l <•,//Cj /j /s'


voltada para o cliente externo, o cliente final. Desse modo, as descrições das definições
dessa competência são diferentes entre as carreiras.
Além das competências e suas descrições, o material era composto também por
requisitos relativos á formação, experiência, conhecimentos de informática e idiomas e
conhecimentos gerais: de mercado, organizacionais e de gestão. Então, o questionário
de avaliação continha itens com as competências requeridas para determinada carreira,
requisitos exigidos e conhecimentos gerais esperados. Cada item deveria ser avaliado
escolhendo-se quatro graus de atendimento às competências, requisitos e conhecimentos:
não atendimento ao fator, fator em desenvolvimento, atendimento ao fator e superação
(atendimento ao fator em nível superior de complexidade).
Ao lado do material de avaliação foi estruturado um outro material que foi chamado
de Plano de Ação. Esse material era composto por campos de preenchimento de pontos
fortes, metas de curto prazo e metas de longo prazo, objetivos de desenvolvimento e plano
de ação. Esse material foi elaborado com o objetivo de formalizar as ações de
desenvolvimento / aprendizagem que deveriam ser tomadas com base no resultado da
avaliação por competências. Enquanto a avaliação indicava o momento de desenvolvimento
em que o profissional estava, o Plano de Ação explicitava a direção em que as ações de
desenvolvimento deveriam ser tomadas.
Com o material finalizado, foi realizado um Workshop de quatro horas de duração
apresentado pela consultoria parceira com todos os funcionários da empresa para exibir o
novo modelo e explicar como seria a implantação da primeira avaliação.
Esta primeira avaliação foi unilateral, ou seja, o gestor, de posse do material,
avaliou sua equipe. Então num momento posterior, cada funcionário reuniu-se com seu
gestor para que esse apresentasse a avaliação realizada, e juntos chegassem a um
consenso sobre as notas atribuídas e elaborassem o plano de ação. Um funcionário do
departamento de Recursos Humanos acompanhou todas as avaliações visando uniformidade
no uso do material e minimizando possíveis distorções na situação crítica de implantação
de um sistema. A primeira experiência levou cerca de um mês para ser concluída.
No geral, todos os profissionais tiveram uma boa avaliação e cerca de 90% concordou
integralmente com a avaliação que seu gestor fez sobre seu desempenho. Os 10% que
discordaram, geralmente foram divergências sobre um ou outro item e, na maioria, ligados
aos requisitos. Isso indica que, embora o gestor não conhecesse profundamente a formação,
experiência, conhecimentos em idiomas e informática, soube avaliar as competências, ou
seja, estava atento à entrega, aos comportamentos manifestos de sua equipe.
Com a implantação do sistema de avaliação por competências, os profissionais
passaram a ter conhecimento real sobre seu desempenho. A questão da organização não
ter até aquele momento qualquer índice de avaliação dos profissionais permitiu que os
funcionários se colocassem extremamente receptivos à implantação desse subsistema da
gestão por competência. Compreende-se que, nesse primeiro momento, a absorção da
complexidade do sistema e de todas as suas possibilidades foi muito pequena porque, a
princípio, quando se instala um novo sistema, seu funcionamento é apreendido primeiramente
pelos gestores. No segundo ano é que passa a ser absorvido pelas pessoas da empresa,
mesmo que tenha havido um bom treinamento e divulgação das informações (Dutra, 2004).
Mesmo assim, a primeira avaliação possibilitou um ponto de partida sobre a
performance do profissional, uma linha de base que oferece subsídios para comparação
numa próxima avaliação. Sentimentos de medo e insegurança antes muito verbalizados

Sobre C om portiim cnlo e C'o#niyJo 57


deixaram de ser apresentados. Atribui-se isso ao fato de o profissional ter recebido feedback
durante o processo de avaliação e estruturar, com seu gestor, seu plano de açào de
desenvolvimento.
Outro resultado positivo foi o fato de perceb©r-se um aumento da motivação por
parte dos funcionários, também atribuído ao fato de passar a ter indicativos da direção e
possibilidades de crescimento na organização. Segundo Dutra (2004), a organização,
através do sistema de gestão de pessoas, passa a permitir que elas possam identificar
seu desenvolvimento e avaliar suas contribuições para que empresa e funcionários tenham
anseios que coincidam.
Também se observou que o gestor passou a se preocupar com o desenvolvimento
da sua habilidade de dar feedbacks e a estar mais atento ao desempenho da equipe. Uma
administração que antes era baseada na experiência individual do gestor passou a ser
norteada por um instrumento moderno e adequado do qual ele participou da construção. A
avaliação por competência foi um primeiro passo para o gestor iniciar a administração de
sua equipe baseada em competências e alinhada à estratégia da organização.
Conclui-se com esse trabalho que a avaliação formal é imprescindível para a
gestão de pessoas nas organizações.
A Avaliação por Competências permite que o profissional tenha maior clareza dos
comportamentos gerais esperados pela organização e direciona o seu desenvolvimento.
A Gestão por Competência possibilita a Gestão de Pessoas de maneira mais
global e alinhada com as estratégias da empresa, focando sempre a entrega efetiva. Além
disso, esta forma de gestão leva a uma forma mais transparente de se conviver
profissionalmente, acarretando ganhos para ambos os lados, funcionários e empresa.

Referências

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gestão do novo contrato entre pessoas o ompresas do terceiro milênio. In Nori, A. (Org.),
Gestão de RH por competências e a empregabilidade. (pp. 13-26). Campinas, SP: Papirus.

58 Marcela I .cal Calais, S /n Jrj /.<’«//C<//<//>•


Capítulo 7

Competência Social, técnicas de


avaliação e de intervenção em
treinamento de habilidades sociais: a
integração necessária
Maria /ú/ia hcrrcira Xavier Ribeiro'

Ma/vos Rogério L os/t?


t/vira Aparecida Simòes i/e Araújo '

As Habilidades Sociais (HS) são comportamentos emitidos em situações


interpessoais. São aprendidas e variam culturalmente. Por isto, e por vivermos
simultaneamente papéis diversos em grupos de diferentes formações, somos forçados a
aprender formas muito variadas de comportamento socialmente habilidoso, e a discriminar
quando cada uma delas deverá ser emitida.
Comportamento social refere-se ao comportamento de duas ou mais pessoas, uma
em relação a outra, ou em conjunto em relação ao ambiente comum (Skinner, 1970, p. 171).
Del Prette e Del Prette (2001) distinguem o comportamento social (desempenho)
de Habilidade Social, definida como a classe de comportamentos existentes no repertório
individual que ocorrem em contextos interpessoais, e ambos de Competência Social, que
diz respeito ao valor que tais comportamentos têm para o grupo.
As definições de Competência e Habilidade Social devem colocar em evidência o
contexto cultural determinado em que o comportamento ocorre, considerando que há mudança
de padrões de comunicação dentro de uma mesma cultura, dependendo de fatores diversos
como sexo, idade, classe social e escolaridade, dentre outros (Caballo, 2003).
Esses conceitos ganham grande expressão na escola. Estar na escola oportuniza
a vivência coletiva, que inclui enorme variabilidade de repertórios, constituídos anteriormente
a ela.

1 Universidade de Taubaté - Emall julia@unltau br


2 UNIPÊ - Ernail mroge@terra.com br
3 Universidade de Taubaté - eiviraraujo(0)uol com br

Sobre Com portam ento e Coflnlvflo 59


Assim, cada aluno ingressa na escola com um repertório de HS aprendido em
sua família e nos demais grupos com que conviveu (não esquecendo a importância de sua
exposição à mídia). O mesmo ocorre com cada professor.
A tarefa de construção do conhecimento, proposta pela escola como tarefa social,
requererá de todos comportamentos socialmente habilidosos.
Do aluno espera-se que responda às solicitações do professor e que faça perguntas,
que inicie e mantenha conversações, lide com críticas, dentre outros comportamentos.
Complementarmente espera-se do professor que solicite respostas e atenda às solicitações
dos alunos, que crie situações de interação verbai e não verbal com ele e entre alunos.
Porém, para serem entendidos como competentes, os comportamentos de alunos e de
professor devem atingir critérios de desejabilidade social.
Então, se HS de alunos e professores são ferramentas para construção do
conhecimento escolar, desenvolvê-las deve ser objetivo de ensino das agências
educacionais, não apenas pela sua importância no plano das relações interpessoais, mas
como fundamentais para a realização acadêmica.
Huffman, Mehlinger e Kerivan (2000), numa revisão de estudos, apontam para a
correlação entre sucesso escolar e competência social. Latham (1999) constatou que as
condutas de interação positiva dos professores na direção dos alunos como aprovar, sorrir,
atender estão altamente correlacionadas com cumprimento de tarefas, atenção, seguimento
de instruções e participação apropriada dos alunos.
Desenvolver HS implica, antes de tudo, reconhecer que são aprendidas e que
esta aprendizagem ocorre na interação. Ao atuar em uma relação interpessoal, o sujeito
não apenas modifica o outro: modifica-se também, em função das conseqüências que seu
comportamento gerou.
Assim, chega-se à imagem dialética do sujeito (Álvarez, 1996). Se o
comportamento do sujeito afeta o ambiente, o ambiente, reciprocamente, afeta o sujeito.
Descrever a topografia do comportamento é só o começo, explicá-lo requer a análise
funcional do contexto no qual o comportamento ocorre. A análise funcional requer observar as
variáveis das quais o comportamento é função, ensinou-nos Skinner (1953/1970,1957/1992).
Isso implica descrever a ocasião em que a resposta ocorre (os antecedentes, que
contemplam as variáveis do contexto situacional, tanto do ambientes quanto da história
do indivíduo), a própria resposta (“é aquilo que um organismo está fazendo (...), é aquela
parte do funcionamento de um organismo envolvido em agir sobre, ou em interação com o
mundo externo". (Skinner, 1938, p. 6), e as conseqüências reforçadoras (internas - reações
da pessoa ao seu próprio comportamento e externos - reações da audiência).
A mera descrição do comportamento, sem referência a seus antecedentes e
conseqüentes, será sempre insuficiente. Pior ainda: impedirá intervenções efetivas para
melhoria das condições de aprendizagem escolar.
Assim, intervenções efetivas dependem de um planejamento que considere a
seleção de técnicas à luz da análise funcional realizada acerca do evento sobre o qual se
quer intervir. Tal planejamento exige o conhecimento de um conjunto de técnicas que
podem ser classificadas por sua função, por sua capacidade de generalização, ou pelo
emprego individual ou grupai, conforme indicados por Caballo (2003).
A classificação pela função refere-se á categorias de operações como: aquisição
de resposta (procedimentos de modelação e instruções), reprodução de resposta

M .iriit Júllti I errcin i X .iv le r R lb d ro ,M iirv o s K o tftrio (.‘o sl.i, I Ivlra A p .im )< l.i S im d c* tk* A r.u ijo
(procedimentos do tipo ensaio de comportamento), modelagem e fortalecimento de resposta
(como retroalimentação, ensino por parte do terapeuta ou reforço pelo grupo), reestruturação
cognitiva (manipulação de cognições desadaptativas) e transferência da resposta (como
as tarefas de casa).
Quanto a capacidade de generalização refere-se a possibilidade de execução de
respostas efetivas em contextos de vida real e pode ser considerado em relação ao tempo
(período posterior a aprendizagem), ao contexto (das condições reais a que o sujeito é submetido
fora da situação de treinamento), às situações interpessoais (ao conjunto de situações de interação
sujeito - sujeito ou sujeito - grupo que extrapolem as situações experimentadas em treinamento),
às respostas (como o treinamento afeta as habilidades similares a aquelas aprendidas) e a
pessoas (ao conjunto de outras pessoas diferentes daquelas que participaram do treinamento).
Quanto ao emprego pode ser individual ou grupai, dependendo dos objetivos
esperados e ainda dos recursos e espaços disponíveis para sua realização.

Objetivo
O presente trabalho teve como objetivo analisar, do ponto de vista das Habilidades
Sociais, as interações entre professor e alunos observadas durante a etapa inicial de um
contexto de estágio de Psicologia Escolar, através das falas dos professores e estagiários
e dos desenhos dos alunos. Buscou-se também mostrar como a descrição da topografia
do desempenho social, separada da análise de contingências, constitui obstáculo para a
formação de repertório social competente.

Método

A queixa
Durante o estágio supervisionado do Curso de Formação de Psicólogos, três
estagiárias da área de Psicologia Escolar foram solicitadas a desenvolver um trabalho em
uma turma de sexta série de uma escola estadual, apontada como "a mais problemática"
da escola. A queixa era que nesta classe estavam concentrados os alunos mais agressivos
e desinteressados pelo processo escolar.

Observações iniciais da sala pelas estagiárias de psicologia


As observações feitas em sala confirmaram o que os professores denominavam
desinteresse pelas aulas: os comportamentos dos alunos não pareciam estar sob controle
das tarefas acadêmicas propostas. Quanto às interações agressivas entre os alunos, estas
ocorriam, mas não de forma generalizada. Dois alunos batiam freqüentemente em colegas
menores (com socos, tapas), especialmente após provocações verbais, mas os que batiam
e os que apanhavam continuavam a interagir de forma amistosa, sugerindo que a interação
entendida como agressiva era, de fato, brincadeira turbulenta, ou luta de brincadeira. As
estagiárias também observaram que as intervenções dos professores nesta sala eram
aversivas, pautadas por gritos de xingamento e repreensões, acompanhados ou não de
encaminhamento à secretaria para registro do mau comportamento em um "livro preto".
Cada registro deveria ser assinado pelos pais e cinco registros deflagrariam o processo de
expulsão do aluno. Entretanto, os pais não compareciam para assiná-lo e a expulsão poderia
nem ser cogitada, ainda que com muitos registros.

Sobre C o m p o rtim en lo c Co^niv<lo 61


Mesmo diante de comportamentos como os descritos acima, o professor não
mudava sua forma de agir: não foi observada modificação do ponto de vista dos métodos
empregados para o ensino. Concluíam então as estagiárias que os professores não
possuíam formação adequada e nem comprometimento para o exercício do magistério.

Opiniões de professores e alunos


Neste contexto foi colhido, com professores e alunos, o material que descreveremos,
e que tomamos como base para as reflexões que faremos a seguir.

A ótica do professor - Respostas dos professores ao questionário


Os seis professores que trabalhavam com a turma foram solicitados a responder
um questionário, que perguntava sobre as características da classe: condutas, causas
prováveis das condutas descritas, dificuldades encontradas, aspectos positivos. Pedia
também que sugerisse formas de ação e que explicitasse as expectativas quanto à atuação
das estagiárias.
Descreveremos agora os dados gerados por este instrumento de coleta.
As respostas dos professores aos questionários salientaram a indisciplina do
grupo como um fator preponderante em sua caracterização. ‘Irriquietos’, ‘inquietos',
‘prepotentes’, ‘sem limites’, 'sem noção de padrões de comportamento’ sáo os termos
empregados para descrevê-los. A indisciplina seria causada pela presença de alunos-
problema no grupo, que não apenas perturbariam as aulas, como contaminariam outros
colegas com suas atitudes. À indisciplina se associariam formas de comportamento
agressivo dirigidas a colegas e a objetos.
A análise feita pelos professores incide sobre interações entre os alunos. Omite
qualquer referência quer ao papel do professor nas interações, quer ao processo acadêmico,
nada fala sobre as estratégias de ensino ou sobre os conteúdos. Entretanto, faz referências
a lacunas no repertório anterior ou nas habilidades cognitivas (o que o aluno já deveria
trazer), ficando o aluno como deficitário. Em resumo, uma visão pessimista das
possibilidades de sucesso acadêmico para a turma avaliada.
Conseqüentemente, as sugestões para melhoria da situação restringiram-se a
intervenções sobre os alunos-problema: a) tratamento psicológico, b) remanejamento para
outras turmas ou outra escola. Nenhuma sugestão quanto às interações professor-aluno,
ou ao processo pedagógico.

A ótica do aluno - Respostas dos alunos à Técnica do Par Educativo


Os trinta e três alunos foram solicitados a executar, de acordo com a Técnica do
Par Educativo, o desenho de uma pessoa que ensina e uma pessoa que aprende, permitindo-
nos avaliar aspectos da interação professor-aluno, do ponto de vista destes últimos.
A maioria dos desenhos retrata personagens e situações da vida escolar. Em vários
casos, um dos professores é diretamente nomeado. Aparecem interações sociais bastante
polidas, outras bastante convencionais, que não expressam qualquer tensão nas relações.
Uma aluna atribui uma fala à professora, em seu desenho: '-Você é muito
inteligente!', à qual o aluno responde Muito obrigado.' (Fig. 1).

6 2 Júlid fcrroir.i Xiivier Ribeiro,M.ircos Rogério Cosl.i, Hvim A|xirecid,i SirmVs de Ar«iu)o
Nos desenhos dessa turma, coexistem repertórios verbais bastante diferenciados.

<.^Uy,vr

^ j ~ ^Z J

Figura 1

Como outras formas de comportamento, também a linguagem (e sua versão


encoberta, o pensamento) é aprendida socialmente. Assim, se regulam as descrições e
as autodescrições, como a do aluno que desenhou um porco, que dizia Ai! Deixa eu
comer meu chiclete de boca aberta! Eu sou porco!’ (Fig.2).

O contexto escolar não fica evidente no desenho da fig.2, embora se saiba que o
comportamento sobre o qual o aluno escreve (mascar chiclete) seja geralmente criticado
pelos professores.
A agressão - verbal ou fisica - e a ameaça contidas em oito dos trinta e trôs
desenhos constituiu outro aspecto saliente.
Um dos alunos desenhou uma discussão, com uma professora que, ao dar uma
ordem, dirige-se ao aluno com uma expressão pejorativa (‘Senta no seu lugar, bicudo’), à
qual o aluno reage também agressivamente (‘É a mãe') (Fig.3). Este ó o único caso em
que o professor faz um comportamento classificável como agressivo.

Sobre Comport.imento e Cotfmção 63


Exceção feita a este caso, em todos os outros a agressão ou ameaça representadas
são unidirecionais.
Dois dos desenhos (Fig.4 e Fig.5)
mostram agressão do aluno em relação ao
professor. Nestes dois casos, a agressão
é física, e não há evidência de precursores
na conduta do professor ou de reação deste
à agressão.
Desperta a atenção também o
papel dos pares: num dos casos (Fig.4),
omitem-se enquanto o colega atira um
objeto no professor. No outro (Fig. 5), pedem
a intensificação da conduta agressiva.

Figura 4

64 M a ria lúltii Ferreira X a vier Ri beiro, M arcos Rogtrio Costa, H vira Aparecida SlnuVs de A raú jo
Os pares não colocam limites, nem há quem os coloque.
Comportamentos do professor classificáveis como agressão ffsica não aparecem.
Atribuídos ao professor, são verbais (Fig.3) ou ainda sinalizam potencial aversivo do repertório
do professor, diante do qual aparecem comportamentos de esquiva do aluno: na Fig.6, a
súplica verbal e na Fig.7, o comportamento "angelical'’.

Sobre C om porlitm cnlo c Cogniftio 65


A integração das visóes
Assim, a "classe problemática" emerge a partir de três visões: a dos estagiários,
a dos professores e a dos alunos.
Nossos três grupos de atores (professores, alunos e estagiários) vêem as relações
sociais que ocorrem na escola de forma parcial. Além de considerarem-nas unidirecionais
e estanques, não levam em conta sua relevância para o desenvolvimento das habilidades
acadêmicas. Por isto, não há menção ao papel da escola no desenvolvimento dos repertórios
necessários às HS. A sugestão do professor é que isto seja buscado fora da escola (na
clínica psicológica).
Cada um dos segmentos valorizou a interação, mas avaliou que ela não ocorre
como gostaria que ela fosse. Olhou o grupo não como grupo social, e sim como um rol de
características individuais. Não valorizou o acadêmico, e sim o relacional, mas sua
concepção de relacional ficou restrita a certas formas de interação, não incluindo as
interações que permitiriam o desenvolvimento das habilidades sociais dentro da escola, e
sua utilização como facilitadoras da construção do conhecimento.
Este recorte do cotidiano escolar expôs simultaneamente as características da
situação para a qual se pretendia a mudança, mas também os motivos para que não se
tivesse até então conseguido mudar.
O professor aguardava que o aluno já tivesse ou recebesse "magicamente"
(clinicamente) as habilidades sociais. Não reconhecia as possibilidades que tinha para
ensiná-las, através da criação de arranjos de interação, e que, por sua vez, facultariam
melhores interações, quer no plano pessoal, quer no plano acadêmico.
Tinham razão os professores ao afirmar a ausência ou incompletude do repertório
social do aluno. Faltavam reforçadores para seu próprio comportamento, que poderiam ser
gerados pelos comportamentos dos alunos e portanto naturalmente liberados na interação.
Avaliavam o ambiente provido pelos alunos como aversivo.
Fugiam ou esquivavam, mandando os alunos para fora da sala ou da escola,
Cabe aqui apontar os estudos de Áron e Milicic (1994) que ao analisarem a interação
professor - alunos descreve os comportamentos do professor como determinantes na
ocorrência de futuros comportamentos adequados ou disruptivos dos alunos, ao mesmo
tempo em que o professor é afetado pela conduta do aluno.
O aluno também não reconhecia que o comportamento do professor é governado
pelas interações que se estabeleciam na sala de aula, entre todos os participantes. Assim,
nada faziam para alterar o quadro percebido de hostilidade.
De sua parte, os alunos percebiam eventos aversivos potenciais. Conseqüentemente,
esquivavam-se ou fugiam, não participando e mesmo criando situações que culminavam na
expulsão.
Assim, controlavam-se mutuamente, sem se dar conta disto.
Mais que isto, perpetuavam condições aversivas para todos, inviabilizando o
desenvolvimento acadêmico.
Existe considerável diversidade de habilidades e condutas nos alunos, que
provavelmente inclui a interação agressiva e desordenada relatada pelos professores, e
também interações adaptadas, que passam desapercebidas a eles quando contrapostas
á indisciplina.

66 M a ria lúlia Frrreira X avier Rlbclro, Marcos Rogério Costa, H vir.i Aparecida Simücs de A raú jo
A percepção dos processos interacionais como fundamentais para a constituição
do ambiente escolar é infreqüente, embora seja mais vívida para os alunos que para os
professores. Ás estagiárias, os processos interacionais são mais nítidos, detendo-se, no
entanto, em sua relevância no plano interpessoal, sem evidenciar seu valor para a vida
acadêmica. Ao retratarem um professor deficiente, assumem a defesa dos alunos e assim
reproduzem a concepção do professor sobre os alunos.
As estagiárias inicialmente também não reconheceram as forças interacionais,
esperando do professor uma formação anterior que os habilitasse. Não identificaram que
aí poderia estar o seu papel: prover oportunidades para o desenvolvimento da habilidade do
professor.
Coube, então, remeter os estagiários a uma compreensão dialética, que possibilitasse
a eles interferir nas relações escolares, partilhando com os outros atores esta nova
compreensão, alicerçada na análise de variáveis das quais o comportamento é função.
Bernal (1998), em estudo sobre habilidades sociais no contexto escolar critica a
posição da escola em valorizar o desenvolvimento de habilidades cognitivas e técnicas em
detrimento das habilidades sociais, considerando-as fundamentais para o bom rendimento
acadêmico e para uma boa adaptação social.
Na identificação da falta de habilidades do professor ao rol de análises aqui
requeridas é que se insere a intervenção do psicólogo - neste trabalho, das estagiárias de
Psicologia Escolar; na direção de capacitar o professor para a efetivação de uma análise
que compreenda a dinâmica de interações da qual também é parto e dai intervir eficazmente
na mudança de comportamento de seus alunos.
Compreende-se aqui o professor como gestor das interações que ocorrem em
classe, planejando suas interações com os alunos, com a classe e entre os alunos,
atuando como modelo de condutas sociais e controlando os reforçadores sociais.
Compete ao professor fortalecer os comportamentos mais socialmente habilidosos.
Isto implica reconhecer nos demais, formas de comportamento que podem ser relevantes
para outras situações que não as escolares, e criar condições para que se façam as
discriminações necessárias. Implica também em reconhecer quando os comportamentos
emitidos são formas menos elaboradas, que podem ser modeladas em direção ao
comportamento socialmente competente, cooperando assim para a construção de um
sujeito modificado, com novas possibilidades de experimentar e atuar futuramente.
Contempla-se aqui a identificação da situação social específica na qual a resposta
é requerida, as próprias respostas dos sujeitos, os fatores antecedentes e conseqüentes
às respostas sociais. Este conjunto corresponde aos passos de uma análise funcional do
comportamento social, e sua aplicação em diversos contextos, como na escola, tem valor
preventivo na ocorrência de problemas futuros.
Postas as condições de avaliação, a intervenção deve, então, incidir no
gerenciamento dos eventos antecedentes e conseqüentes da situação escolar e em sua
contínua análise.
Moraleda (1995) propõe um procedimento que prevê intervenções sobre os fatores
antecedentes e conseqüentes às respostas sociais, eficaz tanto para controle educativo
adequado quanto para aprendizagem de respostas sociais hábeis.
A intervenção sobre os fatores antecedentes inclui trabalhar sobre aspectos da
situação escolar como: clima educativo estável e seguro, comunicação positiva, modelo
de comportamentos adequados, trabalho com pares e revisão de metas.

Sobre Comportamento e CogniçAo 67


Clima educativo estável abrange elementos como a constituição de normas do
convivência compartilhadas, seqüenciadas e controláveis, isto é que não sejam facilmente
burláveis. A comunicação positiva prevê a correspondência entre a comunicação verbal e
não verbal, clareza e a completude, a manutenção dos combinados estabelecidos, a
escuta ativa e a paráfrase. O professor como modelo de comportamento adequado
apresenta no seu desempenho informação sobre comportamentos relevantes e desejados,
podendo ser então imitados, deve ainda promover relações de tutoria que favoreçam
comportamentos de cooperação (Moraleda, 1995).
O estabelecimento destas condições deve ser acompanhado de continua revisão
das metas estabelecidas, avaliando sua exiguidade, recorrendo a esquemas de modelagem
e encadeamento para seu atingimento.
Sobre os conseqüentes deve incidir o fortalecimento de comportamentos sociais
desejáveis, com o planejamento de esquemas de reforçamento positivo e a extinção de
comportamentos inadequados, com uso de reforço diferencial de condutas alternativas e
reparação de danos (Moraleda. 1995).
O mesmo autor ainda aponta para a pouca ou nenhuma efetividade em longo
prazo do castigo e de outros controles aversivos para a supressão de condutas sociais
inábeis ou para o desenvolvimento de condutas sociais eficazes.
Assim, fazer uma leitura que reconheça a contínua construção dos sujeitos nas
interações cria a possibilidade de intervir nas relações escolares, democratizando as
relações de poder.
Deste modo, avança-se de uma compreensão de um mundo de relações fixas e
determinadas, para um mundo determinado pelos sujeitos, em permanente desenvolvimento.
Favorece, ainda, as ações de prevenção de condutas sociais inadequadas pois,
ao dar acesso ao professor de instrumentos de análise e de intervenção salta-se do exercício
da mera técnica para o desenvolvimento de habilidades de intervenção sólida e precisa
sobre os variados eventos que ocorrem no contexto da sala de aula.
Preconiza-se, portanto que intervenções realizadas nos diversos contextos de
atuação do psicólogo considerem sempre a interdependência entre a definição de
competência social, de técnica de avaliação e de técnica de intervenção.

Referências
Alvarez, M.P. (1996) O sujeito na modificação do comportamento: uma análise comportamental.
In V. E. Caballo (Org.) Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento.
(pp. 61-79). S.P.: Santos.
Aron, A.M., & Mílicic, N. (1994) Viver com os outros-programa de desenvolvimento de habilidades
sociais. Campinas; Editorial Psy.
Bernal, A.O, Las habilidades sociales y su entrenamiento em ei âmbito escolar. In: Gil, F.; León,
J.M. (eds). (1998) Habilidades sociales: teoria, investigación e intervención. Madrid,
Síntesis.
Caballo, V.E. (2003) Manual de avaliação e treinamento das Habilidades Sociais. S.P.: Santos.
Del Prette, A., & Del Prette, Z.A.P. (2001) Psicologia das relações interpessoais: vivências para o
trabalho em grupo. Petrópolis: Vozes.

6 8 M .iri.i lúli.i ferreira X a vier Ribeiro,Marcos Rotfírio Cosia, llv ira Aparecida Simde* de A rau jo
Huffman, L.C., Mehlinger, S.L., & Kerivan, A.S. Risk factors for academic and behavioral problems
at the beginning of school. 2000. Disponível em: <http://www.nimh.nih.gov/childhp/
huffman.pdf>. Acesso em: 30 out. 2001.
Latham, G. Management styles in the classroom. Concord: Cambridge Center for Behavioral
Studies, 1999. D isp on ível em : <h ttp ://w w w .be ha vior.org /colu m n us/la th a m 2 .cfm >. A cesso
em: 7 jun 2001.
Moraleda, M. (1995) Comportamientos sociales hábiles em la infancia y adolescencia. Valencia:
Promolibro,
Skinner, B. F. (1938) The behavior of organisms. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B.F. (1953/1970) Ciência e comportamento humano. Brasilia: Editora Universidade de
Brasilia.
Skinner, B.F. (1957/1992) Verbal Behavior. Acton: Copley Publishing Group.

Sobre Comport.imcnto e CotfniçJo


=====_ _ =;;„„ Capítulo 8

O papel da seleção cultural na


construção das emoções e
sentimentos ou de sua representação,
filtrados pela memória - Relatos de
Vida

Mtiribd Mestre '

1. Introdução
Skinner (1984) ensina que a compreensão sobre os seres humanos só ó possível
quando se tem acesso à história que selecionou seu repertório comportamental: filogenética,
ontogenética e culturalmente. E acreditando nisso que a autora buscou em um doutorado
em história, um conhecimento que a psicologia apenas apontava. Portanto, o presente
trabalho trata de uma análise - sob a ótica da psicologia comportamental - de sua tese,
intitulada Mulheres do sóculo XX: memórias de trajetórias de vida, suas representações
(1936-2000). A pesquisadora buscou investigar como os sentimentos e as vivências de
modo geral, foram representados, ao longo de parte do século XX, apostando que mesmo
em um período tão curto - 64 anos - seria possível encontrar mudanças significativas no
modo de ser e ou se representar como pessoas. Como método de estudo optou-se por
realizar uma pesquisa ancorada em entrevistas com mulheres, de diversas idades e

1. CPPAM - Centro Psl: tratamento o pesquisa sobre o pânico, ansiedade e medos; FEPAR - Faculdade
Evangélica do Paraná , curso de Psicologia; UTP - Universidade Tuluti do Paraná, curso de Psicologia
Psicóloga clinica (UFPR-1980); Mestre em psicologia (USPSP-199b); Doutora em história (UFPR-2004);
professora de psicologia na UTP e FEPAR. Pesquisa parcialmente subvencionada pela UTP. Fone: (41) 222
3017; (41) 84160984, e-mail: cpuamrllza@vahoo.cQm.br

70 M d rilA i M e s tr e
categorias sociais, e, assim, utilizou-se como fio condutor a trajetória de vida de 18 delas,
nascidas entre 1920 a 1980.
Para tanto, tomou-se a forma como essas depoentes resgataram lembranças,
ativaram reminiscências e rememoraram suas experiências, como objeto de trabalho. Além
dos depoimentos utilizou-se, como fonte de análise, fotos e artigos obtidos em periódicos
da época e ou retratos cedidos pelas entrevistadas.
A cronologia das trajetórias de vida dessas mulheres, variou de 83 a 23 anos, tendo
sido considerada a idade no momento da entrevista e mantidos intervalos de cinco a dois
anos, entre cada depoente. A amostra global abrangeu ampla diversificação social e profissional
das depoentes, com dezoito diferentes ocupações, declaradas por elas como sendo as
suas profissões, quer estivessem exercendo-as no momento da entrevista, quer as tivessem
exercido no passado, tais como faxineira, operária, dona de casa, empresária, professora e
estudante. Evidentemente que, ao denominarem-se como sendo ou desempenhando
determinada função, elas não deixaram de estar incluídas numa multiplicidade de outras
atividades simultâneas.
A análise concentrou-se no relato de suas vidas a partir do período adulto,
considerando-se como marco de início os vinte anos, ou por volta disso, ou ainda a ocasião
do casamento, independente da idade com que casaram.
Foi considerado, também, o estado civil declarado no momento da entrevista
(cinco casadas; cinco viúvas; três solteiras; três divorciadas; uma separada e uma vivendo
união estável) Quanto à religião, apesar de não ter sido uma exigência de inclusão ou não
na amostra, foi considerada para análise e observou-se uma ampla variação professional,
além das que diziam crer em Deus, mas não seguirem religião formal. No que tange á
questão de escolaridade, apresentaram-se os cursos (completos ou não): superior, pós-
módio, médio e o fundamental, havendo uma depoente analfabeta.
Foi estabelecido como parâmetro, para estudo, a divisão da amostra global em
três subgrupos geracionais (cada qual com seis entrevistadas), denominados como
primeira, segunda e terceira geração, por data de nascimento em períodos compreendidos
de vinte em vinte anos. O critério de entendimento do que corresponderia a cada uma
dessas gerações seguiu o proposto por Ariés, 1997, (p. 353) que estabelece o período de
25 a 20 anos para uma nova gênese.
O pesquisar com um grupo tão heterogêneo, longe de prejudicar a análise, permitiu
vislumbrar uma série de possibilidades de compreensão destes grupos, que se constituíram
assim por viés metodológico. O que significa que uma jovem do terceiro grupo, por exemplo,
poderia perfeitamente estar mais alinhada em valores com uma mulher do primeiro ou do
segundo grupo em determinada área do comportamento humano e com outra faixa etária,
para outro tipo de valor. Sabendo-se, é claro, que não se está lidando com amostra,
quantitativa e estatisticamente representativa de uma época, mas com mulheres que viveram
um mesmo tempo: o século XX.
Foi usado como fio condutor a trajetória de vida de três mulheres, uma de cada
subgrupo (Branca - 83 anos, Raquel - 49 anos e, Áurea - 37 anos, respectivamente).
Com base nos depoimentos, transcritos, foi colhida a ênfase nos momentos em que os
sentimentos e valores, adquiridos ao longo de suas vivências, mais afloravam reconstruídos
pela memória que surgia durante as entrevistas.
Mas também, utilizou-se retalho das vidas de outras cinco depoentes, de cada
grupo geracional, que somaram suas vozes às da narradora e serviram como "guia" da

Sobre Com|H»(1«imenlo c (.'ognifilo 71


trama tecida entre essas falas e as dos autores que apoiaram teoricamente o trabalho, e
com quem a autora dialogou.
A partir dessa síntese e pela análise e interpretação das seis entrevistas, de cada
geração, foram pensados tópicos de estudo. Apesar da relativa unidade dos relatos, buscou-
se identificar as particularidades de cada um em relação ao assunto em pauta para aquele
item, levando-se em conta o testemunho ou fluxo de lembranças (re)organizados pela
pesquisadora.
Ao se tomar como parâmetro o subgrupo geracional, uma leitura acurada de cada
entrevista em feita, a começar da entrevista da depoente que havia sido escolhida para emprestar
sua história à biografia inicial. Os temas a que ela dava ênfase no seu relato e que
recorrentemente apareciam no seu e nos depoimentos de suas contemporâneas, foram
entendidos como aqueles que mais contribuíram para moldá-las como mulheres de uma dada
época. Ou, melhor dizendo, o modo como elas conseguiam representar essa construção que
chegavam ao tempo presente atravessando ao menos dois filtros dectados: o dos conceitos
que haviam construído tais identidades e o de suas memórias no momento do relato.
O critério usado para a seleção de suas falas foi a freqüência com que experiências
descritivas de vivências ou sentimentos a elas correlacionadas apareceu dentro de cada
entrevista e no conjunto delas, ou a própria narrativa que poderia estar verbalizando esses
fatos explicitamente. A escolha da seqüência dos tópicos dentro de cada capítulo foi
diversa, pois, apesar de estarem presentes em todas as seis entrevistas, para cada uma
delas a ordem de importância diferia. Metodologicamente, optou-se por seguir a hierarquia
atribuída pela depoente cuja biografia dava abertura a cada um dos capítulos. Conseguiu-
se apreender os tópicos principais, comuns a todas as moças que desvelaram suas
história ou trajetórias de vida, e aqui, se pôde perceber a mudança - a cada geração - da
importância daquilo que elas trazem como fundantes de suas identidades, mas também
alguns valores que permaneceram ao longo do tempo, como produto e produtores de
mudanças sócio-culturais. Além disso, alguns deles se revelaram na fala das depoentes
independente da geração a qual pertenciam.

2.1.PRIMEIRA GERAÇAO : mulheres nascidas entre 1920 a 1940 o adultas


entre 1936 a 1950.

2.1.a. contexto histórico:


Branca (83 anos, costureira em fábrica de sapatos) é a moça que irá "emprestar"
sua história como fio condutor da análise desse período. Casou-se aos 16 anos e separou-
se aos 26, tendo - àquela época - um filho de dez anos. Tornou a casar com 28 anos -
com um rapaz onze anos mais jovem - e com ele teve outro filho. Filha do dono da
fábrica, estudou o primeiro grau completo em colégios religiosos, lendo e falando francês.
Ela iniciou sua vida adulta por volta de 1936, quando se casou pela primeira vez.
Era o período entre as duas Grandes Guerras, com toda sua carga de tensões e
autoritarismos.
O Estado do Paraná - onde a família de Branca percorrera, itinerante, um grande
número de cidades - era, então, uma unidade que se afirmava no cenário brasileiro, no
momento em que o país atravessava uma fase de modernização, sob o viés ditatorial do

7 2 M .ir il/.i M e * f r r
governo Vargas. Alóm disso, era uma fase de intensa política de povoamento do território
paranaense (bem como no sul do Brasil, como um todo), o que facilitava o processo
migratório e o surgimento de novos municípios, onde a indústria e o comércio abriam
campo aos que desejassem estabelecer-se. Foi o caso do pai de Branca com suas lojas
e fábricas de calçados. A política de migração para o Paraná veio a ter uma importância
crucial na vida das depoentes desse grupo geracional e, concomitantemente, para suas
descendentes. Na fala de muitas delas vai ser observado relato disso: Socorro (75 anos,
faxineira) migrou do Rio Grande do Sul; Sara (65 anos, professora de história que veio de
Santa Catarina; Lina (79 anos, tricoteira curitibana) traz informações sobre a migração
polonesa no período entre e pós segunda guerra. Fátima (68 anos, dona de casa do
interior do Paraná) foi ela mesma uma desbravadora do norte e oeste paranaense em
busca de novos espaços de trabalho para o marido. Heide (71 anos, escriturária curitibana)
relata sobre um dos irmãos ter ido buscar trabalho no norte paranaense. Ou seja, a totalidade
dessa amostra viveu ou observou em seus familiares tal experiência. Até ao final da década
de 1950 sendo especialmente maior esse movimento.
Dentro do Estado paternalista e autoritário de Vargas, com suas reformas
trabalhistas e sociais, as mulheres brasileiras haviam aberto um espaço que possibilitou,
entre outros ganhos, os direitos ao voto (Linhares, 1990) e ao trabalho regulamentado
legalmente. Pollak (1992) alerta, no entanto, que apesar de afirmações tácitas que as
fontes (escritas ou orais) façam, o pesquisador precisa estar atento à leitura de subliminares
que possam estar acrescentando informações que podem corroborar ou confrontar os
dados. No presente caso, o relato da entrevistadas contrapõe-se à proposta do governo,
quanto aos direitos trabalhistas iguais para homens e mulheres, uma vez que algumas
relataram que trabalharam fora, sim, mas nem mencionaram questões sobre amparo
legal, quanto mais reconhecerem-nos como seu direito.
Se as mulheres (das décadas de 1936-1950) vinham, teoricamente, conquistando
igualdade de direitos sociais, era-lhes cobrada, na prática, uma série de comportamentos
bem pouco condizentes com as aspirações do feminismo. Em revista da época, textos
acompanhados de ilustrações sugestivas evidenciam quais eram as representações do
que se entendia como papel e função das mulheres na família: ser dócil ao que delas
esperava a sociedade e responsáveis pela constituição, manutenção e aderência dos
membros ao seu núcleo central: pai-mãe, como cuidadores da prole. Isto para uma camada
social média (Trindade, 1996).

2.1.b. BRANCA (83 anos) e suas contemporâneas: Lina (79); Socorro (75); Heide
(71); Fátima (68) e Sara (65)
No Paraná, algumas variáveis parecem ter colaborado com alterações nesses
modelos de ser mulher. Entre elas as políticas sociais, de migração intensa, aliada às
propostas trabalhistas - de Vargas - favorecendo “trocas” sociais, de valores culturais
(Cardoso, 1986). Um exemplo foi o ocorrido com Branca. Criada em colégios de cultura
francesa e filha de empresário - mesmo que falido , ela confraternizava com a cunhada,
uma operária pobre e sem instrução formal, mas dona de "saberes" vivenciais que faltavam
à Branca. Para ambas uma forma de ascensão social: para a jovem burguesa o
conhecimento político permitido às operárias, que ouviam “pregações" dos sindicatos pró-
reformas trabalhistas que emergiam no governo de Getúlio Vargas (Liinhares, 1990), para

Sobre Comportamento t Co«niv«lo 73


a operária os refinamentos que a convivência com uma moça "letrada" oferecia, a ponto de
poder casar com o irmão de Branca. Aliás, esta parece ser uma prática possível nesse
momento, pois, bem mais tarde, Branca também acabou casando com um operário da
fábrica dopai.
É notável a presentificação das emoções e dos sentimentos recordados durante
as entrevistas. Em suas falas, à medida que relembram ou suas reminiscências afloram,
perpassam choro, suspiros, pausas envergonhadas; toda uma gama de vestígios que lhes
provocam reações no tempo presente. Pois, como esclarece Lucena (1998), a memória
reescreve o passado vivido pelo indivíduo e seus grupos, e as reações às lembranças são,
em verdade, respostas ao vivido e transformado em representações do passado, às
identidades antigas que por um instante se tornam presentes.
As mulheres dessa primeira geração trazem no seu relato a memória de suas
histórias individuais. Mas também, formam, de certo modo, um conjunto de pessoas que
vivenciaram um mesmo contexto cultural. Assim, revivem com suas falas não apenas as
suas experiências e seus sentimentos como, possivelmente, os de um grupo geracional,
apesar das diferenças étnicas, culturais e educacionais que fazem delas indivíduos diversos
e únicos. O que confirma aquilo que Skinner esclarecia sobre o conjunto de ações dos
três processos de seieção (1984), isto é, somos uma interação de histórias: a nossa
pessoal, a do nosso grupo cultural e a da espécie a qual pertencemos.
Lina afirma ter enfrentado filas para obtenção de ração alimentícia, no pós Segunda
Guerra. No entanto, isso não é uma realidade da cidade de Curitiba daquela época. Porém,
o fato é que ela ajudou moças ipolonesas, na fase de adaptação daquelas ao processo
migratório. Muito provavelmente é delas esse referencial que - na sua memória - passa a
ser dela. Pollak, (1992), alerta para o fenômeno da seletividade da memória e seus filtros.
Ele diz que as pessoas tendem a tomar como seus os fatos vividos por sua comunidade.
A explicação possivel diz respeito a arranjos que permitam ao individuo "pertencer" ao
grupo com o qual se identifica. Portanto, se faz necessário ter isso em conta ao analisar
o relato contado em terapia. Bem como, se ter em vista os valores tidos como importantes
para cada época. Lina está viúva, os filhos cada qual têm sua vida. Seus amigos, pais e
irmãos estão mortos. O que lhe sobra é recordar um grupo, uma história, na qual ela
possuia pertencimento e poder (Skinner, 1978).
No Brasil, ainda vigoravam os preceitos do século anterior, que pediam que as
muiheres esquecessem as próprias necessidades e exercessem suas funções sociais de
esposas devotadas e mães cuidadosas, cabendo-lhes serem as responsáveis "...pela
administração da casa e pela construção de um lar estruturado e feliz..." (Trindade, 1996).
As rememorações das entrevistadas configuram a aceitação de tais preceitos e revelam
de que forma conseguiram adaptar-se a eles, quer por aceitá-los na integra, quer por
rejeitá-los, muitas vezes de forma sutil, para atender suas demandas. Cada qual, à sua
maneira, trouxe reminiscências, particulares sem dúvida, mas reveladoras de representações
sociais comuns que nortearam seu modo de ser mulher.
Dentre os depoimentos obtidos, a grande tônica recaiu sobre as figuras parentais.
Pai e mãe exerceram sobre a vida dessas mulheres um grande poder. A expressão jurídica
do “pátrio poder" foi e é, para elas, um retrato da realidade. Obedeciam ao que lhes era
imposto, embora nem sempre falado. Nesse caso, as regras deviam ser sabidas e vividas,
nunca faladas e menos ainda questionadas, e isso acabou por gerar sentimentos tanto
em relação aos comportamentos que pudessem ser contrários aos permitidos quanto às

74 M .ir il/ d M « l r c
pessoas que exerciam controle sobre suas vidas. Uma vez que “...as emoções permitem
ao indivíduo atribuir valor bom ou mau às situações, aos objetos e a suas ações”, (Lobrot,
1997) e as que sentiam - como culpa, raiva e vergonha - tinham cunho social negativo,
então deveriam ser escondidas, negadas até para elas mesmas (Sídman, 1995). São, no
entanto, trazidas e (re)vividas, com intensidade, no ato de lembrar, tanto quanto as de
cunho positivo como a saudade, amizade e orgulho (Pollak, 1989).
As relações com o sexo oposto não parecem ter tido a mesma importância que
os contatos com a família de origem; o casamento era, simplesmente, uma das etapas de
suas vidas. Aqui, também, não havia questionamentos, pelo menos não de modo consciente
ou explicito, apenas obedeciam ou pareciam fazê-lo quando isso lhes favoreciam. Para
esse grupo geracional, a união ocorria dentro do que era esperado pela sociedade
(Andreazza, 1995). Para muitas, casar apresentava-se como saída para situações difíceis,
trazendo consigo a crença em uma felicidade futura. O cônjuge, muitas vezes, assumia o
papel daquele que as libertaria do jugo parental; daí o mito romântico. As mulheres dessa
geração acreditavam, ou se convenceram disto, que o fato de estarem apaixonadas seria
suficiente para resolver qualquer problema.
Contudo, o amor experimentado no início, ao longo das decepções ia, por vezes,
se acabando ou mudando de forma: raiva, frustração, tristeza. Mas, a crença na
indissolubilidade do matrimônio manteve-as casadas, para a maioria delas; para outras,
ficar na relação era apenas um arranjo que evitava a solidão ou a desaprovação social.
Mas, na narrativa das cinco que foram casadas, permanecia a saudade ou nostalgia de
um tempo que julgaram felizes. Claro, isto poderia ser efeito das construções que a
passagem do tempo pode fazer com as lembranças (Pollak, 1989). Para a solteira sobrou
a mágoa de não ter casado, daquilo que ela só pôde conhecer pelo imaginário. A julgar por
suas falas, elas realmente incorporaram a imagem de felicidade como sinônimo de
casamento - uma vez que este era o que lhes permitia ampliar laços de pertencimento, e
ao modo delas, conseguiram construí-la.
A união carnal, pelo discurso oficial, deveria ser parte das obrigações matrimoniais,
e para muitas, existia apenas para reprodução e/ou dar prazer aos maridos (Ribeiro, 1989)
, pois a religião católica (professada pela maioria das mulheres da amostra e também da
população brasileira, desse período, 1936/1950) pregava o sexo como algo escuso e oculto.
Porém, a sociedade que vedava a sexualidade e mesmo a sensualidade, para as mulheres,
ao mesmo tempo induzia a submeterem-se aos desejos do cônjuge (Corbin, 1991). De
modo geral, fazer sexo, para elas, continuou sendo um tabu - pois o amor seria "um
sentimento grosseiro reservado aos homens e que as mulheres decentes não devem
conhecer" (Beauvoir, 1980).
Apesar dessas restrições, algumas conseguiram vivenciar plenamente sua vida
sexual. Para as mulheres da amostra em questão, o sexo foi vivido com prazer. Este foi o
caso de Branca, Fátima, Lina, Socorro e Sara; no que tocou a Heide sobrou o desejo do
que nunca experimentou, mas relata adivinhar ter perdido tal vivência.
As diretrizes do código social vigente colocavam outras interdições, como, por
exemplo, trabalhar fora de casa. As jovens da primeira geração (1936/1950), embora tendo
vivido no mesmo período em que as feministas estavam pleiteando por direitos à liberdade
de pelo menos serem reconhecidas como cidadãs (Roncaglio, 1994), não conseguiram
perceber que isso era um direito e que podia ser exercido, remunerado e respeitado, do
mesmo modo que o dos homens. A realidade mostrada por estudos, como o realizado por

Sobre Com port.im cnlo e Coflniç.lo 75


Boschilia (1996), ó de que a maioria das mulheres que trabalhavam fora de casa tinha
família, poróm permanecia no serviço apenas até o casamento, ou seja, quando mudavam
da tutela do pai para a do marido. O progenitor autorizava-as a trabalhar para reforçar o
sustento da casa, desde que entregassem todo o salário para a família - quando muito
podiam ficar com o suficiente para fazer o enxoval; já quanto ao segundo, estava dado que
ou não trabalhariam fora do lar ou só o fariam até o nascimento do primeiro filho. O que
transparecia era a pouca valorização, por elas mesmas, a esse período de suas vidas em
que exerceram profissão (Boschilia, 1996).
No entanto, nesta amostra, ao contarem sobre suas experiências laborais, externa
ou internamente ao lar, elas traíram fortes sentimentos, o que quer dizer que, de alguma
forma, nem que fosse durante o lembrar, detiveram um olhar critico sobre suas vidas e
estabeleceram julgamentos sobre a possibilidade de romper com o estabelecido, o que
em verdade,-foi o que fizeram, uma vez que à exceção de Fátima - que nunca exerceu
profissão - e de Branca, que parou de trabalhar quando o marido se aposentou, todas
continuaram trabalhando, mesmo na velhice. O que se pode supor é que embora a fala do
governo, da Igreja e também, dos médicos, fosse de que deveriam ficar em casa e cuidar
de filhos e netos, essa geração fez diferente, soube reverter o que delas foi esperado e
conquistou um espaço, embora não declarassem, ou até nem percebessem desta forma.
Então, as regras, embora controlem comportamentos, não possuem a força que as
contingências têm sobre a aquisição e manutenção comportamental, pois essas mulheres
tiveram seus "destinos" construídos por suas experiências, muito mais do que pelas normas
de sua época. (Skinner, 1984).
Nessa geração os parentes fizeram parte constante dessas conquistas, ajudando-
as a produzirem as próprias histórias. Descreveram convívios, em que a “grande família"
lhes permitiu resolver inúmeros problemas e, entre esses, o de exercer uma profissão. Era
a parentela que as ajudava a cumprir com as tarefas domésticas e os cuidados com os
filhos, (Casey, 1989).
Todas elas tiveram uma relação de afeto e cumplicidade com a prole, de modo
geral Porém recordam mais freqüentemente de um filho em especial. Pelo menos, são
explicitamente declarados como os preferidos entre todos, ou nomeados um maior número
de vezes. Branca recorda do caçula que, junto com o segundo marido, foi "sua salvação e
felicidade!" Para Socorro, também o caçula era o preferido, confidente e amigo. Então, os
filhos destas mulheres - a próxima geração foram assimilando uma prática desconhecida
ou pouco usada até então entre pais e filhos, o diálogo. O que implicou mudanças sociais
para as futuras gerações.
Para cada uma dessas mulheres a ênfase dada, durante o relato, ficou em um
dos itens abordados nas entrevistas; a relação com os genitores, o casamento, sexo,
trabalho, convivência com os parentes. Poróm, para todo o grupo, o poder paterno foi a
tônica que permaneceu ao longo da vida, sendo eles, e outras figuras de autoridade, que
acabaram por determinar suas escolhas e a tomada de atitudes, o que produziu histórias
nem sempre afortunadas.
Se houve permanência de crenças da juventude, que não se apagaram com a
passagem do tempo, também é verdade que aconteceram transformações na sua maneira
de ver o mundo e nele agir. A identidade destas mulheres, mostrada por suas memórias,
aparece como algo em contínua transformação. (Pollack, 1992). E os valores juvenis,
mesmo que tenham, ou não, sido contestados na época, ao permanecerem deram

76 M .ir ll/d M es tre


segurança e referência de pertencimento a um contexto. No caso, se como atesta a frase
que elas repetiram inúmeras vezes: "naquele tempo as coisas eram...", e a autora
complementa: eram como eram e à luz das lembranças tomaram novo sentido no presente.
Ao darem as entrevistas, elas tiveram contato com parte do seu todo, discriminado sua
história. Puderam reconstruir seu “eu" e com isso se tornaram, de novo, atores (ou autoras)
de suas próprias histórias e - por que não? - da história de sua comunidade.

2.2. SEGUNDA GERAÇAO : mulheres nascidas entre 1941 a 1960, adultas entre
1960 a 1970.
2.2. a.contexto histórico
Vinte anos depois do anterior, esse grupo geracional retrata a conjuntura de
um mundo globalizado por um neocolonialismo tecnológico e financeiro, e fruto de uma
educação voltada ao consumismo de bens perecíveis, que davam a ilusão de conforto e
igualdade de direitos; a juventude delas foi orquestrada pelo rock'n rolldos Beatles e dos
Rolling Stonese pelo uso de b lue jea ns-calça L e e -o u das minissaias que, divulgados
pelo cinema e pela televisão, as uniformizava (Thèbaud, 1991).
A grande maioria parecia inconsciente do momento vivido pela nação, ou seja,
era como se as dissensões sociopollticas que culminaram numa ditadura militar (Linhares,
1990), que perdurou por mais vinte anos, não lhes dissesse respeito ou como se tais
fatos fossem naturais ao processo da vida.
Ao som do iê-iê-iê ou de MPB, as jovens dessa geração freqüentavam festinhas
de garagem e, enquanto bebiam coca-cola, cogitavam sobre o rumo de vida que iriam
seguir. Já era comum mulher estudar em faculdade; o que não significava, necessariamente,
seguir uma carreira. O feminismo (Martins, 1992), estava em expansão e as ativistas
acadêmicas transformavam suas teses de conclusão de curso em bandeiras, em "defesa"
das mulheres. Porém, como suas mães, continuavam a casar e cuidar do lar e dos filhos.
Vivia-se um mundo ambivalente: de um lado a igualdade de direitos entre os
gêneros, de outro o tradicionalismo machista. Não estaria fora de propósito afirmar que a
maioria que dizia estar lendo Simone de Beauvoir (1980), muitas vezes - escondida -
sonhava em ser Miss Brasil e encontrar um "bom rapaz".
O movimento feminista já tinha conseguido mudar algumas antigas noções,
tornando-as mulheres divididas entre "quereres e deveres"; mas nem sempre o que elas
desejavam para si eram entendidos por elas ou por sua comunidade como um direito seu
(Tronto, 1997). São pessoas que viveram num tempo específico, debaixo de uma
organização sóciopolítico repressora (a ditadura Militar de 1964), contraposta por
movimentos - no mundo todo - de libertação contra instituições controladoras. E, é
nesse tempo de contradições, que elas se dividiram entre aquilo que a sociedade lhe
dizia estar correto para o "ser mulher" e aquilo que percebiam estar mudando e que vinha
ao encontro dos seus anseios como indivíduos.
Tendo vivido seu amadurecimento como pessoas adultas, cronologicamente,
entre as décadas de 1960 e 1970, esta é uma geração que oscila entre novos conceitos
e velhas posturas. É um grupo de mulheres que experimentou a extrema velocidade e a
complexidade de mutações que as transportaram da condição de indivíduos tutelados
para seres independentes ou quase isto (Thèbaud, 1991).

Sobre Com portiim rnto c CoRtiiváo 77


2.2.b. RAQUEL (49 anos) e contemporâneas: Esmeralda (61); Dolores(57); Ângela
(53); Marisa (44) e Marta (42)
Esse é o contexto de Raquel (coordenadora de eventos médicos), a entrevistada
que "norteou" a análise do segundo grupo e que atingiu, tecnicamente, a maturidade aos
16 anos, em 1968, ao casar-se. Raquel casou-se com um homem 13 anos mais velho e
viveu o "conto de fadas" completo para sua época: festas, dirigir o próprio carro, ter eletros
domésticos. Possuir uma casa enorme, administrar muitos empregados e viver a solidão
de dias e noites preenchidos cuidando de filhos, das festas de recepção para o meio
social do marido e a espera dele voltar do trabalho. Raquel estudou até a primeira série da
escola "normal" e ansiava ser jornalista, sonho que sua mãe proibiu dizendo: “filha minha
não estuda uma profissão pior do que ser prostituta". Raquel se dobrou, casou adolescente
e teve trés filhos. Separou, viveu uma nova relação, a paixão de sua vida se transformou
em um enorme "sapo" que a deixou traída e frustrada.
E foi, então, no período entre 1960 aos fins de 1970, onde segundo suas palavras
"brincava de casinha", que suas contemporâneas atingiram, também, a vida adulta.
Não é de estranhar que as emoções que mais transparecem em suas falas estejam
voltadas para o romantismo do encontro do "príncipe encantado", permeadas pela decepção
de conviver com um simples mortal. As relações de gênero são, então, a tônica que
"salta" dos seus discursos.
As rememorações destas seis entrevistadas demonstraram uma geração de
mulheres que já se questionava e que. parece, têm hoje, consciência da sua importância
na construção de novas maneiras de conduzir a vida, pois duas delas afirmaram ter aberto
novos caminhos para a geração atual.
A amizade com o gênero oposto, por exemplo, vivida por elas na juventude, apesar
de não ter perdurado na vida adulta, fez sua marca no modo de pensarem e sentirem. Ter
partilhado, com homens, espaço e tempo de lazer deu-lhes a possibilidade de ver que era
possível o amor fraterno (Zeldin, 1999).
Além disso, estar em "pé" de igualdade com o gênero masculino quase as liberou
em relação ao desempenho sexual. A pílula lhes permitiu experimentar o sexo como algo
legitimo. Talvez uma das provas dessa liberação seja verificável no modo como relataram,
livremente, suas experiências amorosas. Contudo, para esse grupo, o sexo ainda fazia
parte do amor romântico. Mas algumas delas já conseguiram aventurar-se a viver relações
fortuitas, ainda que de modo velado, escondido da sociedade.
Em conseqüência, as relações de gênero foram o ponto principal na vida dessa
geração. Elas e eles viveram, porém, nesse período, mais do que relações homem-mulher.
Experimentaram uma verdadeira "guerra dos sexos" (Zeldin, 1999). As maiores manifestações
de sentimentos por elas descritos, neste tipo de relacionamento, foram o de raiva e
frustração, freqüente na fala de Ângela, (costureira) que abandonou concurso público para
cuidar de filho e de Esmeralda, (manicuro) que casou três vezes para fugir do jugo paterno.
De certa forma era como se sentissem que foram logradas pelo mito de que eram princesas
que iriam encontrar seus príncipes protetores. No entanto, na prática sentiram-se magoadas
por algo ou alguém que mal conseguiam definir, quanto mais identificar (Silva, 1963). E
julgaram que quem as desiludia foram os homens. Portanto, estes foram considerados
como o "inimigo" e, assim, instalou-se uma competição entre homens e mulheres, que
acompanhou esta geração (Vincent, 1992).

78 M .ir il/ d M e s tr e
De todo modo, o que a memória pôde (re)construir o foi trazido em seus relatos ó
que puderam fazer escolhas e as fizeram; mesmo que no relato contem - e, aparentemente,
acreditem nisto - que “obedeceram” aos pais e ou maridos, elas foram e são donas da
própria vida. Ao pensarem-se como “obedientes", elas integraram uma representação do
que acreditaram ser seu papel “feminino" e sentem-se inclusas, deste modo, em um grupo
com “papóis" predefinidos (Scott, 1990).
Ainda que voltadas para suas relações afetivas, para a busca do parceiro perfeito,
estas mulheres guardavam respeito ao que foi o mote da geração anterior; a dependência
das figuras paternas (Durham, 1983). Esse tipo de controle estabelecia um conflito baseado
em sentimentos concorrentes: autonomia e subserviência (Tronto, 1997). De qualquer forma,
tal dubiedade teve seu saldo positivo, pois produziu o questionamento dos valores sociais
e dos próprios conceitos sobre a vida, e isto possibilitou autoconhecimento.
Porém, estar consciente não ó pré-requisito suficiente para alterar comportamentos.
Para operar mudanças, elas teriam de romper com valores que lhes haviam dito serem
legítimos, e elas ainda não estavam preparadas para tanto, pelo menos não de forma
explícita. Talvez por isso educaram os seus filhos, homens e mulheres, tal como o fizeram
suas mães. Na falta de vivências que as guiassem, ainda se apegavam aos Sdôs que os
antigos valores lhes mostravam com sendo os mais “certos". (Skinner, 1984)
Por outro lado, trabalhando por opção ou por necessidade de sustentar seus
filhos - como mães separadas (Marta, policial militar) ou solteiras (Marisa, operária) -
novo conflito surgia: a necessidade de contar com a ajuda de outros para cuidar deles e a
aversão de escutar reclamações dos familiares ou vizinhos, criando nelas, a incorporação
da necessidade de que teriam que fazer tudo de modo perfeito.
Essa geração sofreu a construção de uma nova identidade para o gênero feminino.
Teve que tomar contato com questões antes não experimentadas pelas suas mães e
avós, que já não podiam servir de modelos ou dar pistas para seus problemas. Tiveram
que criar soluções, que nem sempre foram bem-sucedidas, mas ao serem testadas as
fizeram vivendaruma nova imagem de si e do mundo (Amorim, 2000).
Se até a década de 1950, apenas uma minoria teve noção de sofrer controle
e nenhuma ousou romper, abertamente, com o que se desejava para si. Estas mulheres -
de 1960/1970, embora se adaptando aos ditames paternos, foram capazes de driblar a
autoridade e até puderam empreender a busca de suas aspirações. Seus relatos foram
plenos de emoções que revelaram, ás vezes de modo subliminar, que já havia um principio
de consciência de estarem sendo feridas na sua individualidade. E aí, os sentimentos
predominantes foram os de revolta e frustração; embora, na maior parte do tempo,
aparecessem comportamentos passivos.
Elias explicita que muitas vezes o civilizar-se exige adaptação das pessoas ao
seu meio:

...O que possibilita o processo civilizador é a singular adaptabilidade e


transformabilidado dessas funções auto-roguladoras. Ele é acionado e mantido
em movimento por mudanças específicas no convívio humano, por uma
transformação das relações humanas que atua num sentido muito definido, por
um movimento autônomo da rede de indivíduos humanos interdependentes.
(1994, p. 60)

Sobro Comport.imcnto c Co^nivAo 79


O comportamento manifesto, não raro, foi de aparente obediência, mas o processo
de individualização dessas mulheres lhes possibilitou viver e praticar mudanças que foram,
paulatinamente, transformando a sociedade.
Sem dúvida, a maior novidade para as mulheres dessa época foi conquistar a
liberdade financeira aliada ao prazer de produzir, de escolher o que fazer, de criar.
Autovalorizadas pelo trabalho, no espaço público, descobriam poder decidir sobre o próprio
destino. No entanto, continuaram em busca do que foi o mote de suas emoções: um
príncipe encantado que as protegesse - embora não soubessem do que - e que fosse
para elas companheiros de conversas e prazeres, coisa que a maioria não encontrou. E,
isto foi explicitado por Raquel:

...vocé podo imaginar o desastre que foi minha ‘lua de mel’? Achei muito sem
graça esso tal de sexo. (...) eu nào achava ruim transar, mas eu achava que
estava faltando algo. (...) Faltava conversa,..
Prazeres que podiam sim ser sexuais, mas iam além deste. Como Raquel descobriu
anos depois: “...Pude ver que mulher eu podia ser junto com outros homens. Muita conversa,
muito bate-papo, muita sedução pela palavra. Descobri esse talento de seduzir pela
mente...”. O que Raquel parece não perceber que os homens com quem ela" bateu-papo"
alem de transar foram - todos - mais novos do que ela.
Assim são estas mulheres desta segunda amostra. Mais livres em atitudes, mas
com sentimentos oscilantes entre os que suas mães tinham vivido e novas experiências,
e Dolores (que tornou-se empresária ao enviuvar) diz: “...foi um grande desafio, saber
tomar conta da minha vida".
Aparentemente, mais conscientes das transformações sociais, estas mulheres
descobriram que são ou estão, finalmente, responsáveis por suas próprias vidas e, portanto,
é sua a tarefa de se manter na velhice. E foram mulheres como estas depoentes que
criaram aquelas que fariam parte da terceira geração.

2.3.TERCEIRA GERAÇAO : mulheres nascidas entre 1961 a 1980 e adultas entre


1980 a 2000.

2.3.a. contexto histórico


O século XX, de acordo com Hobsbawm (1995) acabou em 1989, embora pelo
calendário oficial tenha terminado apenas em 2000. De qualquer modo, a idade adulta
delas aconteceu na última vintena do século em que mais ocorreram mudanças na história
da humanidade - tanto do ponto de vista tecnológico como do social.
A mais velha deste grupo geracional nasceu em plena instalação da ditadura
(1964) e a caçula ainda dentro da última gestão militar (1980). Concomitante à suas
infâncias ou adolescências, no mundo ocorria o apogeu ou declínio da Guerra Fria e no
Brasil, começava a abertura política, que levaria ao fim de um período de “calar e temer"
criado durante a “ditadura" (Linhares, 1990).
Algumas das contemporâneas de Áurea (esportista, medalha de ouro - internacional
- solteira e sem filhos), enquanto adolescentes, talvez tenham estado nas ruas pedindo por
"Diretas Já!", durante o ano de 1984. E outras delas, depois, em 1994, poderiam estar entre
os "caras-pintadas" com o rosto tingido de preto, pedindo o impeachment do Presidente.

8 0 M « íril/a M e s tr e
Esta geração aprendeu nas escolas a calcular juros melhor do que suas
antecessoras, para poder entender as trocas de moeda, incessantes, que ocorreram neste
período. E viram os pais aliviarem-se com o surgimento do Real, que permitiu um esboço
de estabilidade social ao país (Linhares, 1991).
A década de 1980 presenciou, também, a consolidação de grupos feministas no
país, quer pelo regresso ao Brasil, de algumas mulheres que haviam sido exiladas pela
ditadura, quer pela afirmação na academia de algumas das que permaneceram no país.
Os anos de 90, porém, observaram a fragmentação de tais grupos, (alguns transformados
em ONGs), mas o mercado editorial presenciou a explosão de publicações ligadas ao
tema gênero (Sarti, 2001).
As mães destas moças - pertencentes à segunda geração estudada, (1960/
1970) - eram advindas de uma “liberação" conquistada pela pílula anticoncepcional e pelo
alcance às instâncias do ensino universitário e ou do trabalho de dia inteiro, e, assim,
muitas nem sempre estiveram presentes no processo de suas criações. E, por serem
filhas dessas mulheres, elas participaram de novos tipos de relações.
Esta geração recebeu o apelido de superwoman, (Thèbaud, 1991), pois as mulheres
são emancipadas, responsáveis pelo próprio “destino", no que diz respeito à independência
financeira, que acaba por ocupar o maior tempo de suas vidas. Entre os vários sentimentos
e valores, os que mais aparecem em seus relatos, os que tomam maior alcance, são
aqueles que dizem respeito à preparação ou escolha profissional, quando não ao próprio
exercício de suas carreiras.

2.3.b. ÁUREA (37 anos) e suas contemporâneas: Lia (35); Simone (32); Magali (29);
Helena (26) e Dulce (23).

A última vintena do século XX, com suas constantes inovações: -tecnológicas,


científicas e, portanto, empresariais - , criou situações de mudanças, também, no mercado
de trabalho. O desemprego e as crises econômicas, no mundo todo e, é claro, no Brasil,
estabeleceram ou refletiram, alterações nas relações sociais.
A análise da trajetória da vida das seis moças deste período (1980/2000) mostra
que, de todos os aspectos de suas jovens vidas, a educação, e nesta, a preparação para
exercer profissões, tomou a maior parte de seu tempo e um alto custo de energia. E isto,
em última instância, revela a importância dada por elas e por sua sociedade ao trabalho.
(Guimarães, 1998).
Suas antecessoras, as mulheres do segundo grupo (1960/1970), ao se divorciarem
ou por outras razões, ingressando ou retornando ao mercado de trabalho competiram, desse
modo, com os homens aumentando as taxas de desemprego masculino. E, este grande
“inimigo" - o desemprego -desestabilizador de economias e reflexo de instabilidade social,
pode ter feito com que esta mesma sociedade tratasse de criar comportamentos de adesão
ao estudo intensivo para seus jovens, e entre estes um número cada vez maior de mulheres.
Elas, hoje, acham-se polarizadas entre dois extremos: jovens bem pagas no
conjunto social, que possuem emprego e ou serviço remunerado, conhecidas como
"profissões executivas e ou intelectuais superiores": engenheiras, médicas, juízas,
executivas com chefia etc., ou trabalhadoras de "baixa" remuneração ou nos serviços

Sobre Comportiimento o t'oflniv>1o 81


informais, com trabalhos precários e ou temporários, sem perspectiva de carreiras (Hirata,
2001/ 2002 ).
Na amostra em estudo, o que se percebeu foi, realmente, uma supervalorização
do preparo profissional via estudo. Lia (vendedora em boutique de shopping, dois filhos,
um de cada casamento, em ambos está separada) e Magali (copeira em universidade,
viúva de um alcoólatra, vive uma segunda união, desta vez consensual, e tem dois filhos
do primeiro casamento), as moças que estudaram em colégios públicos e que chegaram
"só até o segundo grau" anseiam por seguir adiante nos estudos e dizem, claramente, que
desejam "subir". Para isto trabalham de dia e estudam de noite, cuidam de filhos e das
casas nos fins de semana, não tendo lazer ou descanso e, ainda assim, creditam-se
como felizes pela chance de poder estudar. Falam de "dar estudo" para os filhos e que
para isto vale qualquer sacrifício (Bruschini e Lombardi, 2001/2002).
No Brasil, até o fim da década de 1990, havia mais de 31 milhões de brasileiras
trabalhando extracasa, registradas pelo IBGE. As taxas de emprego masculinas, em
decréscimo desde as décadas de 1970, continuam caindo. Ainda segundo Bruschini e
Lombardi, esse diferencial de gênero é constatado também pela escolaridade, que, visivelmente
maior entre as mulheres, tem impacto sobre a população economicamente ativa.
Mas há o que se pensar dos rapazes que tiveram e têm, acesso ao mesmo
patamar educacional, provêm de mesmas famílias - camada média alta - e se mantêm
ociosos. Uma das reclamações de Áurea contra os irmãos é que eles vivem na ociosidade.
E estes - como outros de sua geração - estudaram em bons colégios, freqüentaram
universidade, tiveram acesso a bons empregos e, de repente, pararam. Ao ponto de se
sujeitarem a ser financeiramente amparados pela irmã.
Não se trata de uma realidade vivida só pelos irmãos de Áurea. Ela, inclusive, se
queixa de que nos últimos namoros teve que "carregar" a relação, tanto do ponto de vista
afetivo como financeiro. Este foi um fator de reclamação também de Simone (cantora,
casada há três anos, sem filhos). Quase desistiu de seu casamento e teve que se dispor
a "reeducar" o marido: “ensinando-o" a dividir tarefas e “comparecer” financeiramente dentro
de casa. Segundo ela, o rapaz estava "mal-educado". Mas, quando viu que podia perdê-la,
ele mudou e buscou emprego, se estabeleceu e agora cuida da própria vida. Pelo menos
esta é a interpretação que Simone fez.
Áurea, Lia, Simone, Magali, Helena (pedagoga, casada há um ano e sem filhos) e
Dulce (estudante universitária.casada há um ano, sem filhos) por sua vez, trazem ao relato
um aspecto importante sobre uma aparente necessidade de ter controlabilidade ou ao menos
previsibilidade: o perfeccionismo desta geração de mulheres. O que, ao final, faz delas uma
geração estressada. Todas elas fazem várias atividades paralelas (desde crianças). Moldadas
pelas normas construídas por uma sociedade do mundo público, até então essencialmente
masculina, esta geração se compara entre si e aos outros por uma perspectiva única: ser a
melhor! Ou pelo menos estar entre eles. Parece que o próprio foco ficou um tanto perdido. É
o que, parece para Áurea, que concluiu:: "...parece que não precisava provar mais nada,
para ninguém, nem pra mim, tinha conseguido!”. E, se ela não tivesse conseguido? Teria
pensado desta forma acerca de si e dos outros? Como estaria sua auto-imagem?
A trajetória destas moças traz consigo um pouco da história de seu tempo, daquilo
que experimentaram em comum. A maior tolerância, por parte da sociedade, em relação
ao divórcio, vem reduzindo a obrigação das pessoas permanecerem em casamentos
insatisfatórios. Assim, os casais tendem a construir relações com mais simetria ou

82 M iir ll/.i M estre


romperem. Magali e Lia fizeram isto. Áurea namorou um divorciado. Simone quase separou
e só permaneceu no casamento porque o marido se dispôs à mudança.
Mas se o divórcio não assusta mais e se houve liberdade de viver os prazeres
sexuais (até mesmo uma obrigatoriedade a isto, como aponta Rago,(1991), a maternidade
ainda ó um ponto de alternância entre: a) os velhos modelos de suas mães; b) a radical
recusa a ter filhos ou c) a criação de novos padrões, pois aqui não há novos modelos a
seguir, o que existe são soluções individualizadas.
E, por falar em modelos o próprio casar, para estas moças, não teve o mesmo
significado que para suas mães. Pelos relatos, obra de interpretação do vivido ou realidade,
(Zeldin, 1990), as que casaram o fizeram por insistência do marido. Helena e Simone
contam como os noivos as “cercaram" até elas concordarem em casar, no caso da segunda
em oficializar a união que já havia. Estas jovens falam de mudança nos costumes sociais.
Até a geração de suas mães, eram as moças que ‘‘queriam" casar. Áurea no primeiro
namoro só não casou porque não quis abrir mão de seus valores, por ele teriam casado. O
segundo namorado, também mais velho que ela - portanto, provavelmente tendo
compartilhado com valores da segunda geração - "fugiu" de unir-se a ela. Mas o noivo de
Dulce, queria casar.
A segurança, a estabilidade financeira e a liberação sexual poderiam ter algo a ver
com esta mudança. Ou ainda elas poderiam estar sendo movidas ou pelos exemplos
observados em casa, às vezes dúbios. Áurea fala de "...pratos voando na hora das
refeições..." quando lembra do casamento dos pais. Por outro lado, tem o exemplo da
relação da mãe com o padrasto, aparentemente baseada em “simetria" (respeito às
diferenças que permite "parcerias" equilibradas) e que ela anseia por encontrar alguém
assim. Simone, como Áurea, traz reminiscências de brigas, discussões e desrespeito
entre seus pais. No entanto, Helena que presenciou uma relação onde tudo era dialogado
e em que pai e mãe se respeitavam, relutou em casar. Mas agora que o fez pensa que,
quando tiver filhos pretende fazer como a mãe fez: trabalhar meio expediente para poder
cuidar da prole. Aparentemente ela acredita que e os filhos “precisam" da mãe. Mas...
aparecem também novos valores: ela não pretende abrir mão de seus sonhos, só postergá-
los.
Zeldin, 1999, propõe um pensamento que, talvez, expresse o que estas moças
estiveram contando: "ao longo dos séculos, houve tão pouco progresso na tentativa de
tornar as famílias mais estáveis e fontes mais confiáveis de virtudes, que chegou a hora de
pensar como utilizar melhor toda a incerteza contida na sua história".
Nesta fala Zeldin se referia às incertezas da individualidade dos membros da
família e, como isto vem tornando as pessoas solitárias e cada vez mais egoístas, voltadas
para seus próprios interesses. Como analisado, esta poderia ser uma das insatisfações
dos jovens, na busca da espiritualidade.
Ao adentrar para um grupo que, apresenta coesão, real ou fictícia e criada pelas
representações que o grupo faz de si mesmo, os indivíduos resgatam, pelo menos uma
parcela, do poder de controle que julgam precisar para "bem" viver. E isto as novas religiões
oferecem: solidariedade, compreensão e pertencimento; portanto, proteção. Claro, para
aqueles que seguirem os preceitos.
Elias afirma que:

0
Sobre (.'omportiim enlo e (* Rniç<lo 83
"o poder não passa, na verdade, de uma expressão um tanto rígida e indiferenciada
para designar (..) influenciar a auto-regulação e o destino de outras pessoas. (...)
mas o que quer que [alguém] decida o alia a alguns e o afastam de outros. Tanto
nas grandes questões como nas pequenas." (1994, p. 51).
E, estas moças buscam, aparentemente, na investigação pela leitura ou pelo
seguimento de várias doutrinas religiosas, um conceito de eu que lhes certifique quem
são, não só como mulheres, mas antes como indivíduos.
Este grupo trouxe como característica a mesma garra do primeiro, para fazer e
não desistir daquilo que desejavam. Mas diferente daquelas mulhereo - que eram de certo
modo, ingênuas - esta moças têm consciência de suas limitações e de suas qualidades.

3. Considerações finais
A experiência constrói formas de viver e de contar o vivido (Skinner, 1989). Então, se
as depoentes selecionaram - conscientes ou inconscientemente - o que relatar, assim também
o pesquisador o fez. Há aqui, portanto, uma construção conjunta, operada pela memória das
entrevistadas, por seus imaginários e desejos, por aquilo que conheciam e puderam usar
como código narrativo, sem dúvida, mas também pelos da autora que fez igualmente uma
seleção do que trazer para a análise e narrativa deste trabalho. (Zeldin, 1999). De acordo com
Michaliszyn e Tomasini (2004), o processo, assim, toma-se infinito, “Porque cada um consegue
ler aquilo que compreende e sua interpretação será a partir do mundo que habita".
Pollak (1992),discute a ligação existente entre a memória e a identidade social, e
alerta para que o pesquisador fique atento a isto pois pode-se com isso, ao mesmo tempo
que se estuda um individuo, apreender as experiências do contexto em que a pessoa
viveu. Elias (1990) pressupõe que ao conhecer as pessoas estaremos conhecendo a
sociedade e, vive-versa; portanto, é importante ao pesquisador, dar atenção às diferentes
configurações dos grupos.
A identidade de gênero, que a sociedade propiciou adquirir, apresentou-se na fala das
mulheres entrevistadas. Esta organização, porém, não compôs padrões rígidos e prontamente
identificáveis. Ao se reconstruir as representações do que a sociedade percebia e das práticas
sociais - que são indissociáveis do cultural -, pode-se observar a experiência dos indivíduos
(Pollak, 1989; Elias, 1990). As “marcas", ou signos, que são capazes de identificar períodos
vividos, não ficam apenas nas almas das pessoas, mas se refletem no seu modo de pensar,
sentir e, portanto, de agir. Assim, a memória conta história, de lugares e de pessoas, de
grupos e de culturas, que podem assumir inúmeras configurações (Neves, 2000).
Das representações e seus signos, Sutil diz:

...reprosontar ô fazor-se presente no espírito, na consciência, ó ter e estar no


lugar de. Neste sentido, ó a representação de qualquer objeto, pessoa,
acontecimento, idéia, etc... Porque se assemelha ao signo, ao símbolo o como
ele remete a outra coisa. Não existe representação social que não soja do um
objoto, mítico ou imaginário. (1991, p.239)

Na trajetória de vida da primeira geração pode-se perceber que há quatro momentos


marcantes na construção e (re)construção do "eu" de Branca: 1) até a adolescência, ela
"construiu" uma auto-imagem de alguém que tinha "menos" na vida, diferente das outras
pessoas, pois seus pais não seguiam o modelo que a sociedade ensinou ser o certo;

84
2) como jovem adulta, assumiu uma identidade diversa da de sua mãe que ela culpava por
não seguir o padrão vigente; 3) depois como mulher adulta, assumiu a identidade "proposta"
pelo novo marido, este até lhe deu um novo nome, (com o qual ela viveu por mais de
cinqüenta anos) e pôde "esquecer" o passado dolorido e ser feliz; 4) no ato de contar, ela
diz estar retomando sua identidade e já não ter mais o que esconder e declara: “O meu
nome ó Branca!”.
Parece haver nessas moças, aqui simbolizadas pela vida dessa depoente, uma
maleabilidade para se adaptarem aos seus ambientes e, simultaneamente, conseguirem
que estes se transformassem. O que significa que não “somos, mas assumimos um eu",
no sentido de que a identidade ó continuamente forjada, construída e (re)elaborada pelas
contingências da vida (Skinner, 1990).
O que ficou da primeira geração é que a representação, ou idéia, que a sociedade
lhes passava de felicidade compreendia: ser mãe e, portanto, esposa (Thèbaud, 1991).
A segunda geração (1960/1970), representada por Raquel, mostra jovens, que
não questionavam - declaradamente - o seu modo de viver, mas se ressentiam de não ter
liberdade. A imagem que tinham de si, naquela época, é dada por Ângela, sua
contemporânea, ao falar de abdicar de seus sonhos, por imposição paterna: "...me sentia,
assim... frustrada."
Esta foi a geração que mais sofreu a influência dos movimentos feministas e
passou a se considerar, realmente, uma vítima. A "pobre rainha triste", confinada a estar
em casa, “desperdiçando seus talentos". Esta geração havia perdido algumas "marcas"
sociais do que era ou não permitido, o que era ou não desejável para as mocinhas. Já não
sabiam se deviam ganhar independência profissional ou casar. E, também devido a isso,
estabeleceu-se um conflito entre os gêneros (Martins, 1996).
Pollak (1992), diz que se a memória produz identidade, como foi demonstrado no
relato de Branca e Heide, do primeiro grupo. Mas, há outros fatores de construção de
identidade. Os signos - documentos, fotos, lembranças palpáveis de um passado, que
não se vão com o tempo, que se pode tocar, ver, cheirar. Poróm, da mesma maneira que
uma identidade pode ser construída, ela pode perder suas características. Ângela
testemunha a falta, quase física, que tem de sua “identidade" levada pelo fogo, quando sua
casa (em solteira) queimou:

...como a mãe dizia, acho que se ela tivesse morrido, talvez ola não tivesso
perdido tanta identidade como ela perdeu, com a queima a da casa. (...) você vai
procurar um documento, vocô vai procurar uma foto, você vai procurar uma roupa
quo você não acha, porque... porque não tem. Então ó uma porda de identidade...
Este grupo trouxe mulheres angustiadas com a própria história e só agora, na
maturidade, elas conseguem ou tentam se encontrar. Porém, de todo modo, estas mulheres
acabaram por se descobrir mais resolvidas, à medida que o tempo passou. Raquel
expressou um pensamento que de certo modo passou pela fala das outras de sua geração:
"...não invejo o homem em nada. Descobri os poderes que eu tenho como mulher...".
Essa frase revela como todas foram se construindo ao longo das contingências e
revendo suas regras, seus valores. Mas, também, aquilo que permaneceu como o rumo
de suas vidas, os homens. A relação com o "príncipe encantado", que elas continuaram a
achar que existe. Apesar dessa crença irracional, esse grupo foi o que mais mudanças

Sobre 1'om po rt.im ailo e CogiiivAo 85


produziu nos códigos e normas de relações de gênero, ao longo do século XX, porém são
poucas as mulheres entrevistadas que nomearam a percepção do quanto construíram.
Áurea, a moça que representa o terceiro grupo é simples, prática e honesta com
suas convicções e também o são as outras moças de sua geração que foram entrevistadas.
A mesma “garra" da geração de Branca, embora com maior determinação e algumas
certezas a sinalizar o caminho. Elas sabem "o que não querem!". Ainda sem muito saber
o que querem, mas, mesmo assim, sabendo como conseguir ou onde aprender a fazê-lo.
Dulce, fala de como ela se percebe:

...até estos dias aconteceu algo que dá um exemplo. Eu estava conversando


com umas pessoas da Igroja, sobre a oferta, esta segunda (fala do dois convites
do emprogo que tovo no estágio que está fazendo], o ai, o quo perguntaram?: ‘Foi
o sou marido quo consoguiu?’ me deu raiva, mas dopois ri o disso: 'Não! Foi o
mou trabalho que conseguiu! A partir do estágio que eu faço agora.' Isto dá uma
medida do que seria trabalhar com ele (que sendo módico já tom uma infra-
ostrutura que talvez facilitase a vida da jovem psicologia). Os outros não iriam mo
onxorgar. ...seria nâo ser a Dulce. Não tor vida própria. Seria ser menor...
E nessa crença aparece sua necessidade de autonomia, típica deste grupo. E
Rocha-Coutinho (199??) alerta que esta é uma geração que deseja abrir o próprio caminho.
Há permanências e mudanças, também, no que tange a como estas mulheres,
ao longo de seis décadas, lidaram com sua sexualidade, namoro e casamento, estudo e
profissão.
A primeira geração namorava “à janela", e as escolhas eram feitas, na maior parte
das vezes, pela família. O sexo era algo passível de ser "suportado" pelas mulheres, após
o casamento, com vistas à procriação. Mas, se esta era o que se pretendia do
comportamento feminino deste período, não foi o que esta amostra descreveu. Elas
gostavam sim de fazer sexo, embora sentissem vergonha e culpa em sentir e pensar
desta forma. Contudo, publicamente mantinham a representação.
O segundo grupo já podia namorar, com mais intimidades físicas, porém escondido
dos pais. A escolha ainda era determinada, implicitamente, pela família, ou recaía nas
possibilidades de conhecimentos do seu grupo social. A procriação já não foi mais a única
possibilidade ao sexo, isto devido à descoberta da pílula anticoncepcional.
No terceiro grupo surge a geração dos "ficantes". Para este, o sexo ficou mais
livre e dentro da escolha dos interessados. Mas, apesar de toda esta liberdade, algo
surgiu e diminuiu tais atividades: a AIDS (Parker e col. 1995). Apesar de difundida, a partir
de 1984, até hoje as pessoas ainda não se previnem como deviam e o uso da "camisinha"
passa a ser uma preocupação dos pais (segunda geração) em relação aos filhos (terceira
geração). É importante mostrar também que, se agora elas falam de sexo com as mães,
também o fazem com alguns dos pais. Para estas moças, o sexo já era sinônimo de
prazer compartilhado e Prost e Vincent (1992) acreditam que, se para a primeira e para a
segunda geração, a exigência da "virgindade" estava ligada ao impedimento de comparação
entre as experiências sexuais vividas e o controle sexual se re-introduziu, substituindo “o
dever conjugal” pelo "direito ao orgasmo", para a terceira geração isso se constitui em
"dever do orgasmo".
E Áurea deu um exempk) disto, falando de seu primeiro namorado, aos 18 anos: “...Era
dificil a gente não chegar no orgasmo juntos, era uma cumplicidade sexual enorme, imensa!"

86 M .irll/«! M es tre
No entanto, permanece, ainda, para estas jovens, a necessidade de unir procriação
a casamento.(Silva, J., 1992). Uma permanência que desde o tempo de Branca aparece
como questionamento. No grupo de Raquel não deveria haver desculpas para engravidar
sem querer. A geração da “pílula" (os anticoncepcionais em pílulas, foram industrializados
a partir da década de 1950), porém, se viu grávida, muitas vezes contra sua vontade.
Raquel traz sua versão do que elas pensavam: “Mas eu não sabia que eu podia não ter
filhos. Eu nunca soube que eu podia ter essa opção de não ser mãe." Continuava a imagem
de que à mulher sobrava ser mãe. Mas, ó nesta geração que surgem alguns "pães",
(Papousek e Papousek, 1989) isto é, pais com função de mãe. Ou seja, aqueles que,
excepcionalmente, puderam participar mais ativamente da educação dos filhos, apoiados,
ou incentivados, ou ainda "cobrados" por suas parceiras.
Um signo que foi importante para as duas gerações mais velhas, parece ter perdido
seu significado para o grupo mais jovem. Três delas contaram que, ao casar, não fizeram
questão do “vestido branco". Por certo há uma ruptura, neste aspecto. Elas não esclarecem
por que pensam assim. De qualquer modo, este discurso fala de mudanças sociais e,
portanto, culturais, no contexto, em que elas se inserem. Da mesma forma que em outros
campos do conhecimento e da experiência humana, há que se prestar atenção à forma
como se obedece ou desobedece às leis, à linguagem usada, aos símbolos empregados e
nos quais se acredita: tem valor descritivo e elucidativo das relações sociais (Pollak, 1989).
A interligação das categorias de construção identitária perfez um leque de
personalidades que tanto podem ter semelhanças e diferenças de grupo para grupo ou
intragrupos. Não se pode esquecer que o Brasil é um país com muitas culturas, diversas
etnias e religiões, portanto, valores diferentes constituíram a sua população.
A necessidade que o humano tem de dar sentido aos problemas de sua existência
ó analisado por Prost e Vincent, (1992) e poderia ser aplicada a como aconteceram os
fechos das entrevistas. Com as seis senhoras, do primeiro grupo, cujos depoimentos
foram feitos nas suas residências, ficava difícil terminar a entrevista. Todas, literalmente,
"prendiam" a entrevistadora à porta por mais uns dez minutos. A maior parte oferecendo
fotos ou outros documentos que pudessem ajudar na pesquisa e trazendo assuntos os
mais diversos. Algumas se dizendo honradas com a oportunidade, e, todas elas declararam
que era bom falar de si. A solidão, como afirma Duby (2000) e também Zeldin, (1999) esta
grande vilã, parecia estar assustando a elas todas. Como diz Branca:

Mas sempre pensei que ele sondo mais novo quo ou, ia ter ole ató o fim, não ia
tor ficado assim tão sozinha. Eu já estou pronta para ir, não ó quo ou quoira
morror, ninguém quer. Mas eu não tenho medo, só tenho do ficar assim, som ter
com quem falar. Venha mais vozes.
Aqui caberia uma análise a respeito daquilo que Michaliszyn e Tomasini (2004)
discutem sobre uma das características essenciais dos seres humanos - sua capacidade
de consciência de si e sua temporalidade. Como seres históricos que são, os humanos
sabem de sua finitude e se declarações" a fazer e que já “não tem medo de ir" e Socorro
afirmou que tem que "transmitir" seus conhecimentos de "benzedeira". É como se elas
"adivinhassem" que seu tempo está acabando.
Com o segundo grupo, a finalização da entrevista se deu de forma um pouco
diferente. Algumas foram entrevistadas em casa, outras no trabalho delas. Mas, de modo
geral, também se demoravam nas despedidas, agradecendo a oportunidade de falar. Nos

Sobre C om potliim enlo e Coftnifílo 87


anos 2000, essas mulheres foram encontradas em plena atividade profissional, estivessem
suas vidas pessoais preenchidas ou não. Raquel, símbolo do segundo grupo, se despede
com um verso, que recebeu da irmã, ao se separar e que, ela diz, sempre a acompanha:

Tenha paciôncia com as coisas mal rosolvidas no seu coração. Tenha paciência
com as questões que existem na sua vida. Procure amar estas quostões, como
livros fechados, escritos numa língua que você não entendo. Porque na vida, ó
importante viver tudo. Viva hojo as questões, porque vocô não está proparado
ainda para viver as rospostas.
As mais jovens obedeceram ao projeto de tempo proposto. Ao finalizar a entrevista
já estavam saindo para alguma outra atividade. A exceção foi Áurea, que alongou a entrevista
e também se disse honrada em dá-la, porém estava em vésperas de sair de férias. Áurea,
a moça que simbolizou essa geração, lembra que a garra de viver produz alegria, a mesma
que suas contemporâneas demonstraram, e deixa esta mensagem:

A alegria de viver vocô não pode porder nunca. Isso eu acho primordial pra mim
e pra qualquer ser humano. Acroditar sempre, ter energia sempre, pra não desistir.
Que isso to leva para frente...

Quanto às questões iniciais, que se colocaram à medida que o trabalho foi sendo
construído, percebe-se mediante a análise que a memória trouxe de suas vivências aquilo
que ficou de suas representações acerca de si e do mundo: o que permaneceu, ou foi
transformado ao longo do tempo, ou sofreu influência daquilo que estão experimentando
no tempo presente, pelas contingências atuais e do passado Pollak, (1992) e Scott (1992),
recomendam que o pesquisador esteja atento aos signos expressos de muitas formas e
descritivos de relações sociais, símbolos de representações. Talvez uma mulher como a
Major Iracema, uma oficial militar que cedeu fotos e documentos para análise, seja parecida
com aquelas descritas por Martins (1996). Uma foto de seu casamento, suas colegas
militares aparecem uniformizadas ao seu lado. Elas tanto poderiam simbolizar as
tradicionais "damas de honra", quanto uma "guarda de honra" de vanguarda. Ela veste tule
“branco", (que traz, ainda hoje, o significado da feminilidade expressa pela fragilidade do
tecido), traz na cabeça o "quepe" militar e nas mãos contrastam o buquê e a espada.
Estos simbolos evidenciam, com certeza, um novo momento na história. Um rompimento
com estereótipos de como e o que é ser mulher, para um novo conceito: uma multiplicidade
de funções e de valores, tantos quantas mulheres houver.

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Sobro t'om porf.im enlo o Coflnlv.lo 91


Capítulo 9

Valor reforçador: conceito, medida e


componentes centrais.
M i rum C/iHviihMijtircs*

M .iriii /cn's\i Aniu/oSilv,t*

Na origem deste trabalho está o fato de que estudamos drogas psicoativas com
animais de laboratório. Ao lidar com drogas, nos deparamos com um problema: uma
variável que afeta a fisiologia do organismo - a droga - modifica a relação desse organismo
com estímulos do ambiente. Um caso particular dessa modificação é o indivíduo que se
mostrar desinteressado por coisas que normalmente o engajariam, como quando alguém
fuma maconha: ou interessado por coisas que de outra forma desprezaria, como quando
alguém toma um estimulante. Como estudar essa mudança dentro do quadro conceituai
do behaviorismo? Por inclinação teórica, sentimo-nos afinados com os pesquisadores
que usam o conceito de valor do reforço para analisar essas mudanças, e este trabalho se
originou da necessidade de aprofundar esse conceito.
Mas não só no nosso mundo restrito do laboratório o conceito de valor reforçador
é importante. Pois ele tem a ver com o problema da motivação, que nos afeta a todos
pois, como já notava Skinner, na "lida com os amigos na vida diária, e na clínica e no
laboratório, precisamos saber o quão reforçador um determinado evento é", e a "aplicação
prática do condicionamento operante requer freqüentemente um levantamento dos eventos
que reforçam um dado indivíduo." (Skinner, 1953/1978, p. 80-81). Seria fácil falar em drive,
impulso ou motivo, mas o uso do conceito de valor reforçador desloca o foco da mente
para o ambiente. Estuda-se a mudança quantitativa da função reforçadora em sua relação
com o comportamento.

‘ Departamento de Psicologia Experimental, Instituto de Psicologia da USP

M lr la m t/o rc i.i-M Ijiirv ’*, M .irl«i lcres<i A r.iu jo Sjlv.i


Não são as propriedades físicas que determinam se um estímulo terá ou não
função reforçadora. Discutindo que eventos são reforçadores, Skinner usa o termo poder
reforçador; "Só ó possível conseguir um certo êxito adivinhando poderes reforçadores apenas
porque em certo sentido realizamos uma pesquisa informal, medimos o efeito reforçador
de um estímulo sobre nós mesmos e presumimos que tem o mesmo efeito sobre os
outros".Ou mais adiante: “Uma explanação biológica do poder reforçador será talvez o
mais longe que se possa ir, ao dizer porque um evento é reforçador". (Skinner, 1953/1978,
pp. 81,91). Além do termo "poder", Skinner fala também em força e eficácia de eventos
reforçadores. Já está presente portanto, qualitativamente, a noção de que a eficácia de um
estímulo como reforçador pode variar consideravelmente.
Esse conceito de eficácia do estímulo como reforçador é tratado de forma análoga
à noção de força da resposta em Skinner, que por sua vez é emprestada da área do
reflexo, onde aparece o conceito de "força do reflexo". A força do reflexo nunca ó medida
diretamente, ó um termo arbitrariamente atribuído a ele a partir da variação conjunta dos
valores de todas suas propriedades (como latência, limiar, magnitude). Assim também, o
poder reforçador é um valor atribuído ao estímulo a partir da variação conjunta de vários
índices do comportamento, observada em função de operações ambientais.
Millenson (1969/1975) apresentou didaticamente essa definição. No seu exemplo,
para dizer que um indivíduo está mais motivado a beber água, podem ser usados vários
índices de observação de seu comportamento: maior taxa de respostas em VI, maior
resistência á extinção, maior resistência à saciação, maior preferência pelo reforçador
etc. Conjuntamente esses índices mostram que naquele momento a água ó um reforçador
poderoso. Por outro lado, esses comportamentos são função de certas operações
ambientais como privação, ingestão de sal, excreção forçada etc. Se mudarmos o sinal
dessas operações, mudaremos também o sinal das observações. Portanto, pode-se dizer
que, sendo as contingências de reforço constantes, o poder reforçador do estímulo água é
função de tais operações. São as chamadas operações estabelecedoras do reforço. Mais
ainda, quando ocorre uma dessas operações no ambiente, esses comportamentos variam
conjuntamente, ainda que não em correlação perfeita. Essa covariação permite falar no
conceito de valor do reforço, que resume e denomina essa covariação.
Portanto, o conceito de valor do reforço é um conceito abstrato, em que o índice de
comportamento observado ó tomado como índice do poder reforçador do estímulo. Nessa
perspectiva, que é uma perspectiva de estudos motivacionais, as contingências de reforço são
mantidas constantes enquanto variam-se as operações estabelecedoras, e avalia-se a força
do estímulo. Já quando as contingências do reforço são manipuladas, enquanto as operações
estabelecedoras são mantidas constantes, avalia-se pela freqüência do comportamento a
força da resposta. Fugimos, assim, de causas fictídas ou fisiológicas para explicar a motivação,
e substituímos causas internas como sede ou impulso por uma propriedade do estímulo que
ó definida pelo comportamento. São os efeitos sobre a resposta que levam à classificação do
estímulo como reforçador ou não, e como mais ou menos reforçador. É um critério empírico,
objetivo, em que não se atribui causalidade: não se diz que um comportamento é forte porque
o estímulo reforçador é forte. Antes, o que se faz é uma classificação: o estímulo é avaliado
como forte, em razão de seu efeito sobre o comportamento.
Até aqui estamos considerando esse poder principalmente em termos de tudo ou
nada, reforça ou não reforça. Na melhor das hipóteses estamos classificando esse poder
nas categorias forte ou fraco. Porém, quereríamos saber também quanto um reforçador
reforça, isto é, gostaríamos que a força do estímulo como reforçador fosse quantificada.

Sobre Comportamento e Co#nlv«lo 93


Queremos poder comparar estímulos na sua capacidade de reforçar determinada resposta,
criar uma escala de valor reforçador. Essa escala, note-se, não terá um zero absoluto,
dado que o valor reforçador não ó uma propriedade absoluta do estímulo, mas sim relativa;
mas terá um significado ordinal.
Vô-se que não é por acaso que o conceito de valor reforçador está intimamente
ligado ao nome de Herrnstein, o formulador da mais ousada tentativa de quantificação do
comportamento, a lei da igualação (matching law). É nos estudos de quantificação da lei
do efeito que o termo "valor" aparece pela primeira vez, já indicando que será dada maior
ênfase ao valor quantitativo. A relação direta entre freqüência de reforço e força da resposta
vislumbrada por Skinner não se concretizou. Mas o uso dos esquemas concorrentes, em
que a relação envolve escolha entre alternativas de resposta que podem ter conseqüências
diferentes, desvendou uma relação ordenada. Tão ordenada que, para Herrnstein, a igualação
refletiria o reforço efetivo total para cada resposta, levando em conta todas as características
relevantes do reforçador - sua taxa, quantidade, rapidez e, claro, sua qualidade. A relação
de igualação foi estendida posteriormente ao esquema operante simples.
A seguir, serão discutidos aspectos dessa quantificação, quando serão analisadas
algumas maneiras de medir o valor reforçador do estímulo e, por inferência, a motivação.

Medida do valor reforçador


Como visto, o valor reforçador é um parâmetro relativo, derivado da relação resposta-
estímulo reforçador. Nesse sentido qualquer medida de valor do estímulo reforçador supõe
uma comparação, e só faz sentido se relacionada ao valor reforçador de outro estímulo ou
de outra magnitude do mesmo estímulo.
Uma primeira aproximação ao problema de medir o valor reforçador seria apresentar a
um organismo os dois estímulos que se deseja estudar e observar qual deles o organismo
escolhe. Por exemplo, pode-se apresentar um chocolate e uma maçã a uma criança e observar
qual deles ó escolhido, isto é, qual deles é preferido. Se a criança escolher o chocolate pode-
se dizer que o chocolate teve maior valor reforçador que a maçã no momento da escolha.
Infelizmente esse episódio é pouco informativo, já que apenas nos diz que o chocolate tem
maior valor reforçador que a maçã naquele momento determinado, e portanto, nos dá apenas
uma noção ordinal da relação. Mas não informa quanto o chocolate é mais reforçador que a
maçã, ou quantas maçãs deveriam ser oferecidas para mudara escolha, por exemplo.
Vários paradigmas são usados para medir mais acuradamente o valor reforçador de
estímulos, e o objetivo das pesquisas que usam esses paradigmas é estabelecer relações
funcionais, entre as respostas e os estímulos reforçadores, que informem que estímulo ou
que quantidade de um mesmo estímulo tem maior controle sobre o comportamento, e em
quanto esse controle é superior. Nesses paradigmas vários parâmetros do reforço são usados:
quantidade, qualidade, taxa, atraso do reforço etc. Igualmente, vários parâmetros do
comportamento são estudados, principalmente a taxa e o tempo de resposta.
Dentre os paradigmas utilizados para medir valor do reforço temos:
Extinção: Nesse paradigma ó medida a resistência à extinção (quantificada como taxa de
respostas durante a extinção, tempo de extinção etc.) como um indicador do valor do estímulo
reforçador associado à privação. Espera-se que quanto maior a privação, maior será o valor
do reforço, expresso por uma maior resistência à extinção. O uso desse procedimento para

94 M ir U m M .iri.» I m M A r.iu )o S ilv .i


medir o valor reforçador levanta perguntas interessantes. Por exemplo, sob condições
similares de privação e esquema de reforço, porém sob reforçadores diferentes, seria a
resistência à extinção um bom índice para representar o valor reforçador desses estímulos?
A resposta a essa pergunta encontra-se condicionada aos aspectos de validade e fidedignidade
dessa medida, pois, seriam as predições derivadas desse paradigma consistentes com as
formuladas por outras medidas de valor reforçador, e teriam sido os resultados obtidos com
esse paradigma replicados? Outra pergunta advém do conhecido fato de que esquemas
Intermitentes mostram maior resistência à extinção que esquemas contínuos. Em esquemas
intermitentes o valor reforçador de um estímulo seria então maior do que em esquemas
contínuos? A resposta a essa pergunta depende de uma resposta afirmativa à primeira
pergunta. Se futuras pesquisas mostrassem que a resistência à extinção é uma medida
válida e confiável de valor reforçador, então seria possível afirmar que o valor reforçador de um
estímulo é maior em esquemas intermitentes do que em esquemas contínuos.
Preferência Condicionada de Lugar (PCL); muito usado, especialmente dentro do estudo
de drogas e comportamento, esse modelo tem se mostrado bastante sensível a diferentes
estímulos, e seu procedimento é relativamente simples (Swerdlow, Gilbert e Koob, 1989).
Dois procedimentos são freqüentemente usados na PCL, o "viesado" e o "sem viés". Como
o "viesado" tem mostrado várias limitações metodológicas e interpretativas1, apenas será
descrito aqui o procedimento “sem viés". Três fases caracterizam esse paradigma: a) Pré-
exposição: o animal é colocado em uma caixa dividida em dois compartimentos iguais por
uma passagem de livre acesso, e mede-se o tempo que permanece em cada um dos
compartimentos; b) condicionamento: um dos compartimentos é pareado espacial e
temporalmente com um estímulo incondicionado (sacarose, droga etc.) e o outro
compartimento é pareado com outro estímulo incondicionado (sacarina, salina etc.); c) teste:
é repetida a situação da pré-exposiçào e o mede-se o tempo despendido em cada
compartimento. Essas medidas são comparadas com as obtidas na fase de pré-exposição,
e o resultado usado como índice do valor reforçador de cada estímulo incondicionado. É de
notar que a PCL é um paradigma de reforço condicionado, já que o ambiente passa a ser um
reforçador condicionado do comportamento, adquirido por procedimento respondente, de
ficarem um determinado compartimento. Como bem apontam Gonçalves e Silva (1999), as
principais vantagens do uso de reforçadores condicionados para avaliar o valor do reforço
são permitir controlar as diferentes dimensões que geralmente acompanham os reforçadores
primários, como sabor, cor e outros, e evitar o problema da saciação. A principal limitação é
que as medidas obtidas com reforços condicionados são indiretas, o que limita sua validade
da forma explicada para resistência à extinção. Outros problemas relativos ao uso de
paradigmas de reforço condicionado para medida do valor reforçador são a impossibilidade
de manipular a freqüência de reforço e a impossibilidade de estudar valor do reforço em
relação a mudanças na tarefa. Mais duas limitações relativas à PCL são apontadas por
Swerdlow, Gilbert e Koob (1989): nem sempre os resultados são semelhantes aos obtidos
com outros paradigmas, e aparentemente ela não é muito sensível como medida do valor
reforçador quando diferentes magnitude de um mesmo estímulo são testadas. Em especial
mostrou-se limitada na obtenção de curvas dose-resposta e do curso de ação têmporaJ de
drogas, em trabalhos de psicofarmacologia.
Reforço condicionado: como seu nome indica, e tal como a PCL, esse paradigma tem
sido usado para medir o valor do reforço através da força de reforçadores condicionados

' Para uma revisáo das limitações do método "viesado" revisar Swerdlow et al (1989)

Sobre (.'omport.im enlo e ('o#níçi1o 95


(Gonçalves e Silva, 1999). O procedimento também consta de três fases: a) Pré-exposição:
os animais são colocados por varias sessões em uma caixa de Skinner com duas barras,
sendo que a pressão em uma das barras produz um estímulo (geralmente um som) e na
outra um estimulo diferente (geralmente desligamento de duas luzes colocadas cada uma
acima de cada barra). É registrado o número de respostas que são dadas em cada barra;
b) Fase de condicionamento: as barras são removidas da caixa de Skinner, e o desligamento
da luz é seguido pela administração de um estímulo incondicionado (comida, água etc.);
c) Teste: as barras são novamente colocadas, sendo que a pressão agora tem as mesmas
conseqüências que as estabelecidas na fase 1, e novamente é medido o número de
respostas em cada barra. Dessas medidas é obtido um índice que diz respeito ao valor
reforçador do estímulo incondicionado.
As vantagens e limitações do uso desse modelo para medir valor do reforço são
as mesmas que foram enunciadas para a PCL em relação ao uso de reforçadores
condicionados. Porém, o paradigma de Reforço Condicionado apresenta várias vantagens
em relação à PCL, a principal da quais é permitir diferenciar mudanças relativas ao valor
reforçador de estímulos de mudanças relativas apenas à atividade motora.
Lei da Igualação (Matching Law): a lei da igualação não é um procedimento mas uma
teoria, proposta inicialmente por Herrnstein em 1961. Encontra-se inserida aqui porque é
uma teoria quantitativa que diz respeito ao valor reforçador de um estímulo e especifica a
função para calculá-lo: a taxa relativa de resposta de um comportamento vai ser igual à
taxa relativa do reforço contingente a esse comportamento. Em esquemas concorrentes
essa função resposta/reforço seria:

«I _ *,
Equação 1
« .+ « 1

onde B1 é a freqüência de respostas na alternativa 1, B2 a freqüência de respostas na


alternativa 2, R1 a freqüência de reforço na alternativa 1 e R2 a freqüência de reforço na
alternativa 2.
Herrnstein (1970) derivou uma extensão da função original para situações nas
quais os organismos são submetidos aos procedimentos de resposta única, de forma que
a relação entre a taxa absoluta de respostas e a taxa absoluta de reforços, em situações
operantes livres, pudesse ser estudada quantitativamente. Essa extensão é atualmente
denominada por vários autores como “hipérbole de Herrnstein" (McDowelI, 1988). A hipérbole
de Herrnstein deriva da premissa de que toda resposta é resultado de uma escolha. Dessa
forma, a freqüência de uma resposta é uma medida que não diz apenas da relação entre
essa resposta e o reforço a ela contingente, mas também de sua relação com outras
possíveis respostas que são controladas por outras fontes de reforço. Matematicamente a
hipérbole de Herrnstein é notada:

Equação 2

M ír ia m C /a rc ia -M IJ a rc s, M a r i a le rc sa A r a ú jo S ilv a
onde B é a taxa de respostas do comportamento observado, R é a taxa de reforços para
esse comportamento e k é uma constante derivada da relação resposta-reforço que
representa o número de respostas na ausência de reforçadores competitivos, isto é, qual
seria a taxa de respostas, se nào existissem outras fontes de reforço no meio. R, é o
reforço agregado desconhecido para as outras alternativas.
Na Figura 1 é representada uma distribuição hipotética da relação resposta-reforço
tal como é predita pela equação hiperbólica. Empiricamente, utilizam-se para chegar a
essa função vários valores de freqüência de reforço, tipicamente em esquemas múltiplos
de intervalo variável. Observa-se que, no início da curva, o aumento na taxa de reforço é
acompanhado do aumento na taxa de resposta de forma aproximadamente linear. Com
maiores aumentos da taxa de reforços o aumento do número de respostas vai desacelerando
até chegar um ponto (assíntota) no qual, por mais reforço que seja administrado, a taxa de
respostas não varia. A partir desse ponto a taxa de respostas ó constante porque, entre
outras coisas, o organismo tem limites biológicos que o impedem de dar um número
infinito de respostas em um determinado lapso de tempo. Esse limite, representado pela
assíntota, é k e geralmente interpretado como um índice de "capacidade motora”. Esse
parâmetro é medido em respostas por minuto.
A informação relacionada ao valor reforçador é obtida da análise da inclinação da
curva hiperbólica, e informa quanto reforço é preciso administrar para manter determinada
quantidade de respostas. Na função desenvolvida por Hermstein, o valor do reforço ó representado
por R(i e refere-se à quantidade de reforço (medida em reforços por hora) que mantém a taxa de
respostas em metade da assíntota. Dessa forma, aumentos em Rb indicam diminuição do
vaíor do reforço, enquanto que a diminuição de taí parâmetro significa o contrário.
Através da análise dos parâmetros k e Rft derivados da hipérbole, é possível obter
medidas diretas e relativamente
independentes de desempenho motor
e do valor reforçador. Diferentes
pesquisas já mostraram que essas
medidas são sensíveis a mudanças
na topogratia, na qualidade do reforço,
ou no estado do organismo. Por
exemplo, várias pesquisas mostraram
que o valor de k, mas não o de R(l, é
afetado por manipulações na
exigência motora da resposta, mas
quando variáveis relacionadas com o
valor do reforço, como privação,
qualidade ou quantidade do reforçador
etc., são manipuladas, R, é alterado Haura 1. Curva hipotética da distribuição de respostas
enquanto que k permanece constante. em uma situação de esquema nào concorrente, tal como
pmdlto pela lei de Igualação (hipérbole do Hermstein)
Re (Bradshaw, Szabadi e Ruddle,
k re p rese n ta a a s s ín to ta da d istrib u içã o e R0 a
1983, Bradshaw, Szabadi, Ruddle e quantidade de reforço associado à metade da assíntota.
Pears, 1983; Heyman e Monaghan
1994; Willner, Sampson, Phillips e
Muscat, 1990).
Um exemplo de como a
função hiperbólica pode ser usada para

Sobre C'omport.imcnlo c Coflnlç.lo 97


medir e comparar o valor reforçador de diferentes estímulos ó ilustrado na Figura 2. As
curvas representam a distribuição de respostas de ratos treinados em um esquema múltiplo
de sete componentes em VI, em nosso laboratório. A curva “a" foi obtida de um grupo
reforçado com leite condensado e a curva “b" de um grupo reforçado com pelotas de alimento.
Observa-se que ambas as curvas tôm iguais assíntotas, porém inclinações diferentes: o
número de reforços para manter a metade da assíntota das respostas ó menor na curva "a"
que na “b". Assim, o leite condensado tem maior controle sobre o comportamento que as
pelotas de alimento. Nessas
condições ó possivel afirmar que
o valor reforçador do leite
condensado ó maior que o das
pelotas de alimento. E não
apenas pode-se afirmar que o
valor reforçador de um ó maior
que o do outro, mas também
quão maior. Podemos assim
concluir que Re ó, ate agora,
uma das melhores medidas que
se tem de valor reforçador, por
sua generalidade, alcance e R e fo rç o s /h o ra
embasamento teórico. Figura 2. Taxa de resposta (rps/mln) como função da taxa de
reforço (rf/h) em dois grupos de ratos sob um esquema
Falávamos de como múltiplo de sete componentes em VI. O grupo representado
medir o valor reforçador de um pela curva "a" recebeu leite condensado como reforço e o
estímulo. Entretanto, quando grupo representado pela curva "b" recebeu pelotas de raçâo
como reforço. Cada curva é resultado do ajuste dos dados à
dizemos que mudou o valor
hipérbole de Herrnstein para cada grupo.
reforçador, não foi o estímulo que
mudou. Mudaram as operações
ambientais, e mudou o organismo. Será por isso apresentada a seguir uma síntese de
descobertas sobre mudanças no sistema nervoso central que correspondem a mudanças no
valor reforçador.

Sistema Nervoso Central e Valor Reforçador


Em 1954 Olds e Milner descobriram que a estimulação elétrica de certas áreas do
cérebro do rato era um potente reforçador: o animal executaria um operante em função de
ser estimulado nessas áreas, em detrimento de outros comportamentos básicos como
comer, dormir e beber. A partir desse achado, muitos pesquisadores se dedicaram à tarefa
de estudar os processos neurofisblógicos associados ao reforço, sobre os quais se formularam
várias hipóteses. A mais aceita, devido a sua evidência empírica, é aquela que aponta o
sistema dopaminérgico e suas interconexões como principal via associada ao reforço.
Especificamente, acredita-se que o sistema dopaminérgico que se projeta desde o tegumento
ventral ao núcleo accumbens e a áreas do prosencéfalo, incluindo o estriado dorsal, seja o
principal circuito associado ao reforço, incluindo o reforço por drogas de abuso.
Freqüentemente esse circuito é denominado de "circuito da motivação" ou “circuito do reforço".
A presença desse circuito no cérebro da maioria dos vertebrados indica sua
antiguidade evolutiva. Em diferentes espécies vertebradas esse sistema está associado a
mecanismos de aprendizagem, alimentação, comportamento sexual, entre outros (Nesse e

98 M iri.im t /.iril.i-M lj.irc s , M .irl.i krc& i A r.iu jo Silv.i


Berridge, 1997), ou seja, a comportamentos essenciais para a sobrevivência do indivíduo e
da espécie. De fato, vários trabalhos experimentais mostram que estímulos que agem como
reforçadores “naturais" alteram o funcionamento das células dopaminérgicas do circuito do
reforço, e que o contexto em que o reforçador é obtido determina o tipo de mudança que a
célula terá. Por exemplo, Schultz e colaboradores (Apicella, Ljungberg, Scarnati, e Schultz,
1991; Schultz, 1997,1998; Schultz, Apicella, Scarnati, e Ljungberg, 1992; Schultz, Tremblay,
e Hollerman, 2003, Fiorillo, Tobler, e Schultz, 2003) demonstraram que os neurônios de DA
no mesencéfalo de macacos respondem diferencialmente a um reforçador natural dependendo
da experiência com o reforçador. Assim, a apresentação de um estímulo novo, mas não
associado a outros estímulos ou comportamentos, ocasiona um aumento no disparo das
células dopaminérgicas, que decai rapidamente com apresentações subseqüentes. Quando
essa apresentação é associada repetidamente a estímulos ambientais no condicionamento
respondente, o aumento de atividade desses neurônios, inicialmente correlacionado à
apresentação do estímulo incondicionado (US), passa a ser correlacionado ao estimulo
condicionado (CS), em sintonia com o observado no comportamento do sujeito. Se o
procedimento é de condicionamento operante, a mudança na resposta de disparo desses
neurônios é similar à observada no condicionamento respondente, ou seja, essas células
inicialmente aumentam sua atividade quando o estímulo reforçador (SR) é apresentado, mas
posteriormente esse aumento é observado em correlação com o estímulo discriminativo
(SD). Em processos de extinção, ou seja, quando o CS (ou SD) deixa de ser pareado com o
US (ou SH), a resposta basal dos neurônios de DA se deprime. De interesse para a nossa
discussão é o dado de que, quando o valor reforçador é mudado por aumentos ou diminuição
da magnitude do SR, a atividade de disparo das células muda em função dessas mudanças.
Além do mais, os neurônios respondem diferencialmente a CSs associados a diferentes
probabilidades de apresentação do US.
Os dados de Schultz e colaboradores indicam que a aquisição de estímulos
condicionados e mudanças na magnitude do reforçador são acompanhadas de mudanças
no sistema dopaminérgico. Outra linha de pesquisa evidencia que o inverso também ocorre:
mudanças nesse sistema alteram o valor reforçador dos estímulos. Assim, estudos
funcionais mostram que a administração de agonistas indiretos de dopamina (por exemplo,
cocaína e anfetamina), que têm entre seus efeitos principais aumentar a neurotransmissão
desse sistema, aumenta a taxa de resposta mantida por reforçadores naturais como água
e comida, e por estimulação intracraniana (Jaszyna, Gasior, Shoaib, Yasar e Goldberg,
1998. Beninger, e Ranaldi, 1992; Chu e Kelly ,1992; Nakajíma e 0'Regan, 1991, Broekkamp,
Pijnenburg, Cools e Van Rossum, 1975). Alem do mais, quando paradigmas voltados para
a medição do valor reforçador de estímulos são usados, a administração desses agonistas
indiretos aumenta o valor desses reforçadores. Por exemplo, várias pesquisas mostram
que a anfetamina, o metilfenidato e a fencanfamina diminuem o parâmetro Re da hipérbole
de Herrnstein quando a resposta é mantida por reforçadores naturais (Garcia-Mijares e
Silva, 2004; Heyman, 1992; Heyman e Seiden, 1985; Heyman, 1983), indicando com isso
aumento do valor reforçador desses estímulos.
Trabalhos com agonistas diretos de dopamina fornecem resultados similares aos
obtidos com os agonistas indiretos: o valor reforçador dos estímulos é maior quando quinpirol
e bromocriptina sào administrados. (Beninger e Ranaldi, 1992; Ranaldi e Beninger, 1993).
Por outro lado, antagonistas de dopamina têm efeito oposto. Por exemplo, temos o efeito
de antagonistas D1 (ex. SCH 23390) e D2 (ex. pimozida), que bloqueiam de forma dose-
dependente a aprendizagem e manutenção de comportamentos reforçados por estimulação

Sobre Comportamento e Coflní\-.lo 99


intracraniana e por água ou comida. Existem também relatos que mostram que esses
antagonistas aumentam Re, diminuem o valor reforçador de estímulos condicionados e
produzem aversão condicionada de lugar (Willner, 1990, Acquas, Carboni, Leone e Di
Chiara, 1989; Beninger et al., 1987; Wise, Spindler, deWit e Gerberg, 1978)
Em resumo, esse conjunto de pesquisas indica que o sistema dopaminérgico
encontra-se associado ao reforço e ao valor reforçador dos estímulos. Contudo, cabe
ressaltar que estas breves notas são apenas uma pequena porção da vasta literatura
existente a respeito. Por exemplo, não foram abordados os outros sistemas que interagem
com o sistema dopaminérgico, como o noradrenérgico, o glutamatórgico e o gabaérgico,
que participam também do processo do reforço e cuja atividade, morfoiogia e plasticidade
são modificadas por reforçadores.
Para finalizar, cremos que esses dados sobre os processos neurais do reforço
enriquecem o estudos de conceitos e medidas comportamentais de valor reforçador, já
que permitem responder questões relevantes sobre o controle do comportamento por
estímulos e permitem compreender as variáveis internas associadas ao reforço. Assim,
concordamos com Nestler (2001) quando afirma que:

"... os problomas-chavG no estudo da adicção e da aprendizagem e memória são


equivalentes. Que mudanças moleculares e celulares estão na base de
adaptações relativamente pormanentes do comportamento? ... De que forma
circuitos neurais são altorados por essas adaptações moleculares e celulares
que ao final resultam em mudanças no comportamento complexo? Apenas
através de uma abordagem integrada que estabeleça laços causais entre os
níveis de moléculas, de células, de circuitos e de comportamento será possível
compreender as bases da plasticidade neural e comportamental” (Nestler, 2001,
p.126-127).

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1 0 2 M ir ia m (./circ iii-M Ijtirrs, M a r i a fcrcsa A r a u jo S ilv a


Capítulo 10

Atendimento psicopedagógico de
crianças que apresentam déficit de
atenção
M m d n i M itrin o U i

O atendimento psicopedagógico como, aliás, qualquer intervenção terapêutica realizada


com crianças, envolve uma multiplicidade de recursos e procedimentos, bem como a inclusão
de outros elementos, além da própria chança, no processo: pais, professores etc.
Contudo, dada a proposta do presente trabalho, limitar-nos-emos a abordar a
elaboração das atividades a serem utilizadas no atendimento psicopedagógico, ressaltando
que tal recorte tem caráter meramente didático e ilustrativo.
Ou seja, a proposição destas atividades ocorre dentro de um contexto de
atendimento mais amplo em que são trabalhados outros repertórios comportameritais da
criança, bom como de pessoas que com ela interagem, cujo envolvimento direto no processo
se mostre relevante e/ou viável. Tal contexto fornecerá os referenciais para tomada de
decisão em relação a quais atividades adotar, em que momento, com quo tipo de adaptações
etc. Da mesma forma, é o processo como um todo que fornecerá indícios para avaliação
dos resultados obtidos através das atividades programadas.
Também nos parece indicado ressalvar que, novamente, a fim de atender aos
requisitos desta apresentação, a exposição subseqüente enfatiza aspectos importantes
de serem incluídos em atividades psicopedagógicas realizadas com crianças que
apresentam alguns ou vários dos comportamentos descritos sob o rótulo de Transtorno de
Déficit de Atenção1, a saber; desatenção, impulsividade, hiperatividade e comportamento
opositor. Entretanto, sua aplicação não se restringe a crianças assim diagnosticadas,

1 A utilização do rótulo psiquiátrico cumpre aqui a única função de facilitar a identificação da população referida
com base em aspectos topográficos do comportamento. A análise que se segue, entretanto, nâo depende da
atribuição ou nâo de um rótulo às crianças, nom tampouco do fato de estas estarem ou nAo medicadas. A
elaboração ou adaptação dos procedimentos a serem utilizados com a criança deverá sempre ser derivada da
análise funcional do caso e, em especial, do repertório apresentado pelo cliente. Para uma análise mais
especifica relativa aos usos e limitações de rótulos diagnósticos ver Hübner, M.M. e Marinotti, M,, 2004.

Sobre Com porl.im enlo c (.'otfniçdo 103


mas pode ser estendida a outras populações de escolares que apresentam dificuldades
acadêmicas segundo critérios que, esperamos, fiquem claros no texto.

Terapia (emocional) X Atendimento Psicopedagógico


A observação das práticas de intervenção clinica adotadas por abordagens
tradicionais tem evidenciado uma fragmentação que merece ser discutida: a mesma
criança pode ser encaminhada à psicomotricidade, para desenvolver repertórios motores;
à ludoterapia que trataria dos problemas emocionais e dificuldades motivacionais desta
criança, e ao atendimento psicopedagógico, o qual se restingiria aqueles aspectos mais
diretamente relacionados ao desempenho acadêmico'.
Alguns casos, efetivamente, apresentam peculiaridades tais que a criar.ça pode
vir a se beneficiar de um atendimento nestes moldes, ou seja, que diferentes profissionais
e/ou contextos se dediquem aJ sejam prioritariamende direcionados para o desenvolvimento
de diferentes repertórios. Entretanto, na maioria das vezes isto parece ser mais uma
necessidade do(s) profissional(is) do que uma exigência do caso: cada um faz aquilo de
que gosta mais ou se sente mais preparado para fazer.
Pensamos que, sempre que possível, devemos reduzir a quantidade de atendimentos
aos quais a criança é exposta, o que poderá lhe trazer benefícios de diferentes naturezas.
1. Crianças que apresentam comprometimento em seu desempenho escolar via-de*
regra apresentam também dificuldades de ordem motivacional, social e emocional
decorrentes de seu fraco desempenho. Fatores como história contínua de fracasso
e punição; frustração freqüente de expectativas suas e de seus pais; acúmulo de
atividades voltadas para a escola e para a melhora de desempenho; percepção de si
próprio como "diferente" das demais crianças, dentre outros, estendem as dificuldades
para outras esferas que não a estritamente acadêmica. Como exemplo de dificuldades
sócio-emocionais podemos citar: elevada ansiedade frente a tarefas acadêmicas e
provas; auto-conceito desfavorável; comportamentos inadequados ("indisciplina") em
sala de aula; eventualmente, agressividade e/ou submissão frente aos colegas ou,
por outro lado, isolamento social; problemas na interação familiar; dependência
excessiva dos pais para a realização de tarefas escolares e para estudo etc.
Apenas a análise criteriosa de cada caso poderá indicar o melhor encaminhamento.
Entretanto, a experiência tem mostrado que muitas vezes é possível - e desejável -
englobar os aspectos sócio-emocionais no próprio trabalho psicopedagógico.
Pretendemos que os critérios para elaboração de atividades, sugeridos no próximo
item, constituam exemplos de como a própria atividade pedagógica pode ser planejada
de forma a envolver aspectos motivacionais e emocionais3

2Adicionalmente, multas crianças têm outros tratamentos ou atividades, além dos psicológicos: como por exemplo:
acompanhamento médico (com neurologista ou psiquiatra), acompanhamento fonoaudlológlco, fisloterápico,
aulas de apoio na própria escola e/ou aulas particulares. Não nos dedicaremos à questão da artificialidade
envolvida em tal fragmentação, mas nos concentraremos em algumas implicações práticas dela oriundas.
1 Evidentemente, este não é o único recurso com que o psicólogo pode contar. No que tange ao trabalho com
a criança, o profissional deverá lançar mão do arsenal de recursos de que dispõe para lidar com as dificuldades
emocionais apresentadas pela criança. Alóm disso, a atuação do profissional junto à família e à escola deverá
ocorrer de tal forma que facilite / propicie mudanças nas contingências vigentes nestes ambientes que sejam
coerentes com a superação das dificuldades observadas (ex.: agressividade, dispersão) e promoção dos
repertórios desejáveis (ex.: elevação da resistência à frustração; maior segurança por parte da criança etc).
Todavia, estes aspectos da intervenção não serão abordados aqui, dado o tema que nos foi proposto.

1 0 4 M íria m M .irfn o tti


A expectativa é de que este trabalho integrado acelere os progressos desejados e
facilite a manutenção e generalização dos resultados obtidos.
2. Além disso, a redução de atendimentos aos quais a criança ó submetida redunda em
economia financeira, para a família, e em economia de tempo, para a criança (que, em
geral já têm muito de seu tempo tomado por atividades de alguma forma relacionadas
à escola e às suas dificuldades), conferindo-lhe tempo extra, inclusive, para brincar e
descansar. A família, também, tenderá a se beneficiar com a redução de atividades da
criança uma vez que, na maioria dos casos, são os familiares que arcam com a
responsabilidade de levar a criança a algumas (ou todas) as atividades de que participa.
Observa-se, na prática, que o acúmulo de atividades pode ser contraproducente,
gerando fadiga excessiva para a criança. Pode ser contraproducente também porque
a relação "custo de resposta - resultados obtidos" se mantém muito alta, até que as
melhoras possam ser sentidas na escola (que é, em última análise, o critério de
progresso mais poderoso para pais, professores e para as próprias crianças). Ou
seja, a criança precisa trabalhar muito, por um tempo relativamente longo, antes
que modificações significativas sejam sentidas em seu desempenho escolar.
3. A parcimônia na quantidade de atendimentos pode, ainda, facilitar a delimitação de
papéis, visto que há menos pessoas envolvidas, bem como propiciar uma melhor
integração do trabalho entre elas. É comum observarmos dificuldades por parte da
família e da criança para distinguir "quem trata do que". Naqueles casos em que a
comunicação e integração entre os diferentes profissionais é deficitária, esta dificuldade
tende a aparecer também entre eles..
4. Finalmente, quanto maior o número de profissionais e atividades impostos à criança,
maior a probabilidade de que ela se veja como um "caso perdido" ou, ao menos, "um
caso muito difícil". Tal percepção não apenas deteriora, ainda mais, sua auto-estima
como pode facilitar um quadro de acomodação e dependência, por um lado, ou de
desamparo, por outro.
lendo cntno:
a) argumentado a favor de um trabalho que abarque diferentes aspectos do
desenvolvimento infantil (cognitivo, sócio-emocional, acadêmico) e
b) situado as atividades dentro de um contexto que é muito mais amplo, a saber, o
processo de atendimento psicopedagógico,
acreditamos poder nos restringir, doravante, à análise de atividades psicopedagógicas,
sem correr o risco de que o leitor interprete tal análise como representativa de um
processo que é muito mais complexo e dinâmico.

Quem é a criança com quem vamos trabalhar?


Embora haja inúmeras variações e peculiaridades em cada caso que atendemos,
algumas características tendem a ser comuns à maioria das crianças que apresentam
déficit de atenção e baixo rendimento acadêmico. Em geral, ao lado das particularidades
apresentadas por cada caso, estaremos frente a uma criança que exibe muitas das
características listada abaixo.
Raramente conclui as atividades (não só acadêmicas) e, quando o faz, tende a
apresentar produtos de qualidade insatisfatória. Ou seja, o controle predominante é
aversivo e o comportamento resultante constitui-se em esquiva: a tarefa é realizada

Sobre Comportamento c Co^nlvAo 105


para evitar as conseqüências de "deixar de fazer"; porém, a qualidade do produto não
constitui variável que controla o comportamento da criança.
Apresenta um conjunto de comportamentos inadequados e que geram punição e/ou
isolamento social, tais como: impulsividade, agitação motora, vocalizações freqüentes,
distração freqüente, desorganização com materiais e manejo do tempo, eventualmente
comportamento opositor, provocativo e agressividade, comportamentos estes que
tendem a ter sua freqüência aumentada à medida que as dificuldades sociais e
acadêmicas vão se acentuando.
Tem uma história de punição e insucessos bastante freqüentes.
Além disso, a liberação de conseqüências para seu comportamento tende a ser
bastante assistemática: por um lado, as pessoas ‘‘tentam de tudo" (punição física,
punição verbal, castigos e retiradas de privilégios; eventualmente, extinção; observa-
se baixa densidade de reforçamento positivo o qual tende a ser não contingente e a
ocorrer como "compensação" pelas brigas e punições). Entretanto, tais tentativas
não surtem efeitos pelas mais variadas razões, dentre as quais citaremos apenas
algumas: exigências muito elevadas frente ao que a criança pode realizar, no momento;
utilização quase que exclusiva de conseqüências aversivas para controle do
comportamento e pouca persistência, por parte dos adultos, nas estratégias adotadas.
Outra razão pela qual a liberação de conseqüências tende a ser inconsistente é que,
devido ao desgaste provocado pelo convívio com a criança, as pessoas reagem aos
comportamentos dela mais em função de suas (dos que com ela interagem)
condições emocionais no momento do que em função de eventuais objetivos educativos
ou corretivos.
Desta forma, as relações interpessoais vão se deteriorando e as pessoas passam a
ficar sob controle quase que exclusivo dos comportamentos inadequados, tornando-
se insensíveis para observarem eventuais comportamentos adequados ou progressos
e indisponíveis para conseqüenciar positivamente a criança, mesmo quando identificam
instâncias desejáveis em seu comportamento.Tal reação agrava ainda mais a situação
pois os eventuais (embora raros) comportamentos adequados são colocados em
extinção, ou mesmo, punidos, inviabilizando qualquer processo de modelagem que
pudesse vira ser útil.
Como conseqüência, sua persistência nas tarefas ou tentativas de superar as
dificuldades com que se defronta vão, cada vez mais, enfraquecendo e seu
comportamento, também, fica sob controle basicamente aversivo, o que gera niveis
aumentados de ansiedade, maior tendência a contra-controle sob a forma de
comportamentos provocativos ou agressivos. O desenvolvimento global da criança
vai sendo progressivamente prejudicado, gerando déficits nas mais diversas áreas
(motora, cognitiva, "lingüística", acadêmica, social etc). Conseqüentemente, sua auto-
estima vai progressivamente se deteriorando e sentimentos de insegurança e
indecisão tendem a prevalecer.
O quadro acima descrito faz com que os comportamentos da criança que constituíram,
aparentemente, a origem do problema aumentem ainda mais de freqüência, devido à
falta de condições adequadas para o desenvolvimento de repertórios mais produtivos.
Por outro lado observa-se sofisticação crescente em estratégias para burlar regras,
provocar as pessoas e esquivar-se de qualquer demanda. Está instalado um círculo
vicioso que deverá ser o primeiro alvo da intervenção, seja no trabalho direto com a
criança, seja nas orientações dadas á família e à escola.

106 M lri.im M .irin o H I


Alguns critérios para elaboração de atividades psicopedagógicas para
crianças que apresentam déficit de atenção
De um modo bastante esquemático poderíamos dizer que as atividades
psicopedagógicas devem cumprir uma função tripla:
a) desenvolver habilidades cognitivas, motoras ou favorecer a aprendizagem do conteúdo
pedagógico propriamente dito;
b) trabalhar outros repertórios relevantes para a criança em questão;
c) trabalhar aspectos motívacíonaís e emocionais.
Passaremos, abaixo, a expor alguns critérios para elaboração das atividades que
nos parecem atender às funções citadas acima. Ao final do capítulo, encontram se exemplos
de atividades que ilustram o que é discutido nesta seção..
Dadas as condições expostas no item anterior, o terapeuta deverá implementar
duas mudanças logo no início do atendimento: a) conseguir que a criança se engaje nas
atividades propostas (reduzindo o comportamento opositor, esquivas e ansiedade) e b)
propiciar condições para que reforçamento positivo passe a ocorrer em abundância e
contingente a comportamentos desejáveis.
Seguem-se algumas sugestões visando aumentar a probabilidade de a criança
engajar-se na atividade.
§ Iniciar por atividades que a criança aprecie - como, de início, é imperativo reduzir as
recusas da criança em seguir regras e obedecer limites, o tipo de atividade escolhida
não é tão relevante. Neste momento, o que se pretende é conseguir a adesão da
criança à atividade e que ela seja reforçada por fazê-lo. Jogos, dramatizações,
atividades plásticas ou qualquer outra atividade lúdica são alternativas a serem
consideradas. Conversar com a criança acerca de assuntos de que ela goste (por
exemplo, videogame, desenhos de televisão etc) também pode se encarada como
uma atividade coerente com os objetivos propostos.
Implementar atividades que a criança tenha condições de terminar (graduar dificuldade
da tarefa; tempo necessário para sua realização etc)
Manter a atividade por um período de tempo algo inferior aquele que a criança costuma
tolerar, a fim de evitar que o término da atividade ocorra em seqüência a algum
comportamento de birra ou esquiva por parte dela.
Utilizar materiais e procedimentos que facilitem a obtenção de um produto de qualidade
satisfatória, visto que esta experiência é bastante rara em seu cotidiano. Atividades
realizadas com tinta plástica são um exemplo disto pois, dada à natureza do material,
o produto tem alta probabilidade de ficar atraente, mesmo quando a criança apresenta
dificuldades motoras.
À medida em que a criança começa a se engajar nas atividades propostas,
podemos, gradualmente, ir introduzindo outro tipo de ‘‘tarefas”, mais diretamente relacionadas
às dificuldades acadêmicas que apresenta.
Aqui, novamente, o planejamento cuidadoso das tarefas e do momento de sua
introdução é fundamental para que a criança consiga concluí-las corretamente e,
progressivamente, aprimorar a qualidade de seu produto.

Sobre ComporKimonlo c (.'oRníyílo


Muitas habilidades requeridas nas tarefas acadêmicas podem ser desenvolvidas
através de uma variedade de estratégias, algumas mais semelhantes às estratégias
usadas na escola e outras bastante distantes delas. Sempre que possível, então,
opta-ser por iniciar o trabalho com atividades distintas daquelas utilizadas no dia-a-
dia escolar, pois estas, provavelmente terão adquirido funções aversivas dado o
histórico da criança descrito anteriormente. As atividades 1 e 2 apresentadas ao
final do capítulo constituem exemplos de como trabalhar "raciocínio* dedutivo" a
partir de atividades pouco semelhantes às de sala de aula. Tal cuidado aumenta a
probabilidade de a criança engajar-se na atividade e de obter um bom desempenho
na mesma, sendo então reforçada por isto. A constatação de que pode ser bem
sucedida deve ser ressaltada pelo terapeuta. Tais sucessos também podem ser
usados para mostrar à criança que muitas atividades de seu cotidiano - incluindo,
algumas atividades escolares - requerem comportamentos semelhantes aos que
ela exibiu na consecução da tareta presente; coloca-se então a questão: "por que
aqui você conseguiu fazer e na escola / liçào não consegue?”. A partir desta discussão,
baseada, agora, em experiências de sucesso e não apenas de fracasso, o terapeuta
buscará, juntamente com a criança, identificar o controle de estímulos presente em
cada uma das situações (clínica x escola ou lição de casa) e sugerir formas de
aprimorar o controle em situação natural de forma que os comportamentos observados
em sessão possam, também, serem emitidos em outros contextos.Por exemplo,
pode-se mostrar para a criança a importância de realizar a atividade de forma
planejada: ler cada uma das pistas, interpretá-la e derivar conseqüências lógicas a
partir de cada uma delas. Assim, na atividade 1., a informação “A criança cujo nome
tem menos letras mora na casa de número maior" requer a) a identificação de qual
nome possui menos letras e b) a identificação de qual das casas possui número
maior. De posse destas informações - que já exigiram atenção e estabelecimento
de relações por parte da criança - é possível concluir-se que Ana mora na casa 8.
A despeito das dificuldades ou déficits que a criança possa apresentar, o terapeuta
deve tentar identificar repertórios mais desenvolvidos e utilizá-los nas atividades que
propuser.
Crianças que apresentam déficit de atenção podem, não obstante, apresentar
algumas habilidades bem desenvolvidas., por exemplo, habilidades referentes a
raciocínio lógico (levantar hipóteses a partir de informações; estabelecer relações
entre informações; derivar conclusões a partir dos dados disponíveis etc). Contudo,
tais repertórios mais desenvolvidos raramente são percebidos e/ou adequadamente
conseqüenciados no dia-a-dia escolar, por diversas razões,como as descritas a seguir.
a)Características do professor ou condições de sala-de-aula que dificultam a
avaliação individualizada e pormenorizada dos alunos (classes numerosas,
deficiências na formação do professor etc).

* A fim de evitar que ao termo “raciocínio'’ seja atribuído qualquer caráter mentalista, cumpre esclarecer que
seu uso aqui é mantido por facilitar a redação do texto, tornando-a mais económica. Assim, no presente
trabalho este vocábulo deve ser entendido como um termo que se refere a comportamentos (abertos ou
encobertos: verbais ou não), e nâo pressupõe a existência de quaisquer estruturas ou entidades “mentais".
O mesmo vale para outros termos como, por exemplo: "conhecimento" ou habilidades "lingüísticas".

108 Mlri.im M.irlnottl


b) Práticas de correção que não detalham, para o aluno, seu desempenho nos
diferentes aspectos envolvidos na tarefa. Por exemplo, em problemas
matemáticos seu raciocínio pode ter sido correto e ele ter errado na notação
matemática (números, símbolos etc) ou na execução das operações. Ou, numa
redaçáo, o aluno pode tor apresentado encadeamento adequado do conteúdo e
falhado em aspectos ortográficos ou gramaticais. Situações deste tipo são,
freqüentemente, conseqüenciadas "em bloco": o aluno recebe uma nota ou
conceito pela atividade sem que esta (e) seja acompanhada(o) de referentes
concretos acerca do que “acertou" e “errou”.
Este tipo de feedback não apenas é falho por não fornecer elementos que
propiciem a auto-avaliação e, conseqüentemente, indiquem o que deve ser
aprimorado, como também levam o aluno a formulações genéricas, imprecisas
ou mesmo, incorretas, de seu conhecimento ou possibilidades: "sou ruim em
Matemática"; “não sei fazer redações" etc.
Para alterar este padrão é importante que as atividades psicopedagógicas ressaltem
os repertórios mais desenvolvidos que a criança apresente e que os utilizem para
o aprimoramento de repertórios mais comprometidos.
As atividades 3. e 4. constituem exemplos desta proposta. O objetivo principal
destas atividades seria trabalhar dificuldades ortográficas, no caso, o uso de M ss".
Treino ortográfico, na escola, baseia-se, principalmente, em dois tipos de
atividades: cópia ou exercicios do tipo “complete com....(g/j), (x/ch),...M.A eficácia
de atividades de cópia é largamente questionada (por razões que não nos cabe
discutir aqui), e o segundo tipo de exercício citado constitui, na melhor das
hipóteses, uma estratégia para avaliação - e não para ensino - e, da forma
como usualmente é empregado, tende a dificultar ainda mais a discriminação
que se pretende promover.
Os exemplos 3. e 4., por outro lado, pretendem trabalhar a dificuldade ortográfica
em questão - “ss" - valendo-se, para Isto, de um repertório também
relevante - o de s o lu c io n a r problem as; tais exercícios podem ser
particularmente úteis para aquelas crianças que, a despeito das dificuldades
acadêmicas exibidas, apresentam boas habilidades de raciocínio. Tal proposta
aumenta a chance de a criança acertar, pois fornece outros tipos de pistas
(semânticas, gramaticais etc) que, aliadas à informação prévia - "esta palavra
tem ss" - facilitam a identificação do vocábulo em questão.
Tais atividades podem ser transformadas em "desafios" ou "jogos" entre a criança
e o terapeuta (no atendimento individual) ou entre as próprias crianças (em
atendimentos grupais). Esta dinâmica requer que as crianças também elaborem
"adivinhas" ( e não apenas respondam a elas) para que sejam decifradas por
outros; evidentemente, uma variedade maior de comportamentos são
fortalecidos, neste procedimento.
Por outro lado, ao conferir à atividade um caráter lúdico espera-se diminuir
a aversividade comumente associada a tarefas acadêmicas e/ou a dificuldades
específicas que a criança apresente5.
Além disso, estas atividades facilitam a identificação de quais componentes
da tarefa constituíram (ou não) dificuldades para a criança. Assim,

* Caso o leitor se interesse, outros exemplos de atividades sôo fornecidos em trabalhos anteriores: Marinottl,
M. 2002; Miriam, M. ,2001.

Sobre Comportamento c Copniç.lo 109


podemos identificar; leitura das pistas (comportamento textual e compreensão);
raciocínio lógico (estabelecimento de relações; derivação de conclusões);
conhecimentos gramaticais (conceitos de sílabas, palavras primitivas e derivadas)
além da grafia da palavra propriamente dita. Assim decomposto o desempenho,
o terapeuta poderá identificar áreas que necessitam ser mais trabalhadas e a
criança poderá identificar sucessos (mesmo que parciais) obtidos nesta tarefa.
A exp o siçü o a a tivid ad es co n ce b id a s de aco rd o com esles crité rio s, e que e n v o lv e m
conteúdos e hab ilid ad es acad êm ica s d iversificad o s, perm itirão A cria n ça ir substituindo,
gradativam ente, a v a lia çõ e s gen éricas do tipo “ sou ru im em m atem ática"; “ n;\o sei fazer
re d a çõ e s" po r d e sc riçõ e s m ais realistas e m ais úteis, tais co m o : "q u a n d o le io d eva gar
e detalhadam ente o en u n cia d o do prob lem a, c o n sig o acertar” ou "te nho boas id éias
para red ação e sei ord en á-las; porém , p re ciso apre nd er m e lh o r a pontuar o texto para
que possa ser m elh o r co m p re e n d id o ".
O leito r pod erá argu m en tar que as fo rm u la çõ e s acim a sào m u ito so fis tica d a s e, por
isso, im p ro v á v e is de serem feitas por um a cria n ça . T u Ive z isto possa ser ve rd a d e iro
para m uitas cria n ça s, m as apenas no que tange ao aspecto Ib rm a l das d e sc riçõ e s; ou
seja, talvez elas nào elab orem frases tão a rticu la d a s co m o as m en cio n ad as acim a.
Porém , certam ente, passarão a d isc rim in a r m e lh o r entre o que sabem e a q u ilo em que
p re cisa m m elh o rar e a p rim o rarã o a d e sc riçã o corre spon d ente .
Kspora-se (lue o aprim oram ento no* critérios do (auto) avaliação apresente, além dos
efeitos p e da gó g icos, o u tro s de n a tu re z a e m o c io n a l ( r c d u ç à o de a n sie d a d e ,
“ in seg ura n ça "; auto-coneeito m ais positivo; rcd uçà o de reações em o cio n a is a situaçõ es
de IVustraçüo etc) e m o t iv a c io n a l (m a io r p e rsistê n cia nas tarefas; que a q u a lid a d e do
produto passe a e xe rcer algum co n tro le so bre o com portam ento da c ria n ça etc).
Conforme mencionado anteriormente, crianças que apresentam déficit de atenção
com freqüência apresentam,também, comportamentos impulsivos. A redução da
impulsividade e promoção de auto-controle envolve vários procedimentos e re-arranjo
de contingências, tanto no setting terapêutico, como em situações naturais.
Adicionalmente, pode-se programar atividades voltadas, simultaneamente, para o
desenvolvimento de algum repertório acadêmico, motor ou cognitivo relevante e para
a redução da impulsividade. Consideramos que a atividade 5., apresentada ao final
do capítulo, seja um exemplo disto: respostas impulsivas não são aceitas e fazem
com que a criança não consiga pontos quando elas ocorrem. Por outro lado, a
pontuação é contingente a um conjunto encadeado de respostas que, para serem
emitidas requerem inibição de respostas impulsivas, aprimoramento no controle de
estímulos e na habilidade de estabelecer relações entre as figuras (ou objetos por
elas representados).
Quando nos referimos a déficit de atenção estamos, entre outras coisas,
reconhecendo uma dificuldade da criança em discriminar entre dimensões relevantes
e irrelevantes da situação-estímulo ou ficar sob controle de das primeiras. Tal
dificuldade, aliada à habilidade precária de organizar as informações disponíveis,
prejudicam seu desempenho mesmo em atividades para as quais apresenta todos
os pré-requisitos (exceto os acima mencionados). Por exemplo, poderá errar
problemas matemáticos quando os realiza sozinha, porém acertar os mesmos
problemas ou outros de maior dificuldade se a leitura do enunciado for orientada
pela professora, mãe ou terapeuta. Portanto, o déficit não está no conhecimento
matemático propriamente dito, mas em habilidades de organizar informações e

110 Miri.im M.irmolti


deficiências no controle de estímulos, comprometimentos estes que tendem a ser
generalizados envolvendo as diferentes disciplinas escolares e , também, atividades
não acadêmicas.
Assim sendo, o atendimento a estas crianças deve enfatizar estes aspectos sempre
que possível, inclusive através de atividades especialmente planejadas para este
fim. Os exemplos 6. e 7. constituem atividades voltadas para o aprimoramento do
controle de estímulos frente à leitura de enunciados matemáticos. Nestes exemplos
a criança, basicamente, terá que separar as informações que são necessárias para
a resolução dos problema daquelas que são acessórias ou que, se variassem não
implicariam em alteração nas estratégias matemáticas requeridas. A expectativa é
que a supressão do conteúdo desnecessário aumente a probabilidade de a criança
ficar sob controle daqueles dados que são relevantes do ponto de vista lógico-
matemático.
O segundo exemplo (atividade 7.) introduz uma questão - Ele ganhou ou perdeu a
corrida? - que não é possível responder, pois não há informações suficientes no
enunciado. Novamente, trata-se de um treino que deverá levar a criança a reunir e
relacionar as Informações disponíveis e tirar conclusões compatíveis com elas,
identificando não apenas o que se pode concluir a partir dos dados, mas também o
que eles não permitem deduzir.

Considerações finais
Conforme exposto no início do texto, as atividades aqui descritas constituem
meros exemplos decorrentes da análise feita do repertório e necessidades da criança
com quem estamos trabalhando. Dito de outra forma, o leitor não deve se prender às
atividades em si, mas atentar para os critérios que foram utilizados em seu planejamento.
Além disso, se admitimos, como analistas do comportamento que o mais relevante
é a função das respostas e não sua topografia, torna*se evidente que a utilidade das
atividades a serem empregadas com a criança depende da forma como são conduzidas e
dos controles de estímulos presentes durante sua realização, bem como de uma análise
detalhada do repertório disponível e dos resultados que se pretende obter. Ou seja, nenhum
procedimento ou estratégia ó "bom por si mesmo", nem de utilidade universal; portanto,
nenhum procedimento ou estratégia deverá ser seguido como se fosso uma receita que,
infalivelmente, levará ao resultado desejado.
De fato, grande parte o trabalho daqueles que atuam junto a crianças que
apresentam dificuldades acadêmicas e/ou déficit de atenção consiste na criação e
elaboração de novas atividades e procedimentos que constituam condições efetivas para
a aprendizagem: envolvam habilidades relevantes, maximizem a chance de acerto e
obedeçam a uma cuidadosa progressão em seus níveis de dificuldade de forma que o
repertório da criança vá sendo, paulatinamente, ampliado e refinado.

Atividades
Nas atividades 1. e 2. a criança deverá chegar à resposta a partir das pistas
fornecidas. A quantidade de pistas e de aspectos a serem relacionados deverá ser compatível
com o repertório da criança. De um modo geral, quanto mais pistas e maior a quantidade
de relações possíveis, maior a dificuldade da tarefa. Nas atividades que se seguem as

Sobre Com porldinenlo e CoRniy«lo 111


relações envolvem apenas dois elementos (atv.1: uma criança - uma casa; atv. 2: uma
pessoa - um presente). Um exemplo de maior complexidade seria descobrir a casa em
que mora cada criança e sua idade. Obviamente, as pistas também seriam outras.
À medida que a criança progride, a dificuldade das atividades deve ir aumentando
gradualmente (mais pistas; relações envolvendo maior número de elementos; retirada de
apoio visual - embora a criança possa, ela própria, representar graficamente a situação;
complexidade e configuração do enunciado: no exemplos abaixo a disposição das pistas
favorece a leitura individualizada de cada uma, o que seria dificultado se o enunciado
fosse apresentado de forma continua, sem os parágrafos etc).
Por outro lado, o nível e tipo de ajuda fornecidos pelo terapeuta devem ir sendo
minimizados, até que a criança consiga realizar a atividade independentemente. O tipo de
ajuda fornecido variará bastante de acordo com o repertório da criança podendo envolver,
por exemplo, direcionamento para que a criança não passe para o parágrafo seguinte sem
que tenha compreendido o anterior (por exemplo, apresentando uma resposta que evidencie
a(s) conclusão(ões) correta(s) permitida(s) por uma dica), identificação de erros de leitura
e intervenção para que sejam corrigidos etc. Entretanto, a ajuda não deverá fornecer respostas
á criança ou acrescentar novas informações; é importante que a criança perceba que as
ajudas fornecidas restringiram-se á organização dos passos a serem dados por ela e
que a resposta foi conseqüência de seu próprio raciocínio. Muitas vezes é indicado que se
aborde esta questão diretamente com a criança. Por exemplo:

- Que logal! Você descobriu..........

Você conseguiu descobrir sozinha ou eu precisei to ajudar?........

Na verdade eu só te a se organizar, fazendo com que vocô lesso


uma pista por vez e não passasse para a seguinte se não tivesse
entendido esta. Mas as conclusões a partir das pistas foi sempre
você que tirou....

íméu. f f l l 1) J°ã°. Paulo, Cláudia e Ana são amigos e moram na mesma


rua.

D escu b ra cm qual d as ca sas ab a ix o m ora cada cria n ça , sabendo


que:

I
a) A criança cujo nome tem menos letras mora na casa de
número maior.
b) As meninas não são vizinhas.
c) A criança da casa 2 é aquela cujo nome vem em terceiro lugar, se você colocar os
nomes delas em ordem alfabética.

2) O tá v io foi v ia ja r c trouxe presentes para seus quatro so b rin h o s: B ru n o , d c 7 anos; C a io ,


de y anos; José, de 12 e M á rcia , de 16. O s presentes eram : um jo g o , um a agenda, uma
cam iseta e um reló g io . D e scu b ra o que cada um gan hou sa b end o que:

112 M iria m M .irin o tti


- o re ló g io c m a scu lin o ;
- quem gan hou a cam iseta tem d o is an os a m a is d o que quem ganhou o jo go.

A s ativid ad es 3. e 4. fazem parte de um co n ju n to de estratégias para trabalhar d ificu ld ad es


orto g ráficas, no caso, o uso d os "v.v ”, L m am has a c ria n ça d everá d e sc o b rir o vocáb ulo , seguindo
as pistas. A ativid a d e 4. e n vo lv e , m a is diretam ente, h a b ilid a d e s de a n á lise e síntese as quais süo
fun d am en tais para a escrita e leitu ra corre tas de q u a lq u e r p a la vra lend o, entào, im portante papel
para p ro m o ve r gen eraliza ção .

3)Descubra quem eu sou seguindo as pistas.


Às vezes sou secreta.
Levo de um lugar para outro.
Sou uma palavra derivada do verbo PASSAR.

4)Descubra as palavras seguindo as pistas e sabendo que:


- todas "têm" ss
- a cada tracinho corresponde uma letra

a) Posso voar.
Sou um diminutivo.

b) Sou uma fruta.


Meu nome leva acento circunflexo na primeira sílaba.
Posso ser comido ao natural ou em calda.

5) Descubra em qual figura eu pensei.


O terapeuta apresenta à criança um conjunto de figuras e diz que escolherá uma
delas e que a criança deverá adivinhar qual é, no menor número de tentativas possível..
Deixa as figuras expostas e anota a figura escolhida num papel, a fim de mostrá-lo depois
à criança para que esta possa conferir sua resposta. Para tanto: a) a criança deverá
formular questões, ao terapeuta, que só poderão ser respondidas com "sim" ou "não",
perguntas estas que levem à exclusão de uma ou mais figuras - por ex., uma pergunta
apropriada na seqüência 1. seria "É um animal? "; b) não vale "chutar", a menos que
restem apenas duas figuras - caso a criança "chute" quando houver mais de duas figuras,
o terapeuta não responde à pergunta, porém esta é contabilizada no total de tentativas
feitas (ou seja, pelas regras do jogo, a criança não fará pontos nesta tentativa). Pode-se,
evidentemente, alternar os papéis cabendo, sucessivamente, à criança ou ao terapeuta a

Sobrr Comportamento c CoHniçJo 113


descoberta da figura escolhida.
Uma vez que esta atividade estará inserida num atendimento psicopedagógico, o
critério de agrupamento das figuras pode e deve variar. Por exemplo, as figuras podem ser
semelhantes devido a características visuais (cor, forma, tamanho), constituir categorias
semânticas (animais, transportes, alimentos) ou sub-categorias (transportes terrestres,
aéreos, aquáticos), envolver semelhanças ortográficas ou gramaticais (figuras cujos nomes
comecem ou terminem pelo mesmo som / sílaba; palavras grafadas com ç) etc.
Além disso, a quantidade de figuras pode variar e ir aumentando à medida que a
criança melhora seu desempenho. A depender da quantidade de figuras, o número mínimo
de tentativas que conduzem à resposta correta também variará. No exemplo dado, com
quatro figuras, é importante que o terapeuta planeje os conjuntos de figuras de tal forma
que possibilitem, sempre, a eliminação de duas delas na primeira tentativa; isto é, duas
figuras deverão ter algo em comum. As outras duas poderão ou não serem agrupadas
entre si, mas não com as duas primeiras. Desta forma o número mínimo de perguntas
necessárias para chegar à resposta correta será de duas questões (uma vez que a criança
não poderá chutar quando houver mais de 2 figuras).
Obviamente, deve-se variar a posição das figuras a serem agrupadas para evitar
que a criança fique sob controle da disposição espacial.

As atividades 6 e 7 requerem que a criança "limpe" os enunciados fornecidos, re­


escrevendo-os (ou ditando para que o terapeuta escreva) de tal forma que contenham
apenas as informações necessárias para a resolução do problema.
6) Enunciado original
Marcelo foi á floricultura comprar rosas para sua namorada porque era aniversário
dela. Ficou em dúvida se levava rosas amarelas ou vermelhas. Acabou escolhendo as vermelhas.

114 Miriiim M.iriiiolli


Comprou duas dúzias de rosas que custavam R$6,00 a dúzia. Tirou o dinheiro de dentro do
bolso esquerdo de sua calça e pagou com uma nota de R$20,00. Quanto recebeu de troco?
Exemplo de um enunciado mais “enxuto"
Marcelo comprou duas dúzias de rosas para sua namorada. Cada dúzia custava
R$6,00. Pagou com uma nota de R$20,00. Quanto recebeu de troco?
7) Enunciado original
Carlos gosta muito de esportes, por isso resolveu participar de um circuito ciclistico.
No primeiro dia, usou uma camiseta amarela e andou 25 km; no segundo dia, mudou de
tênis porque o outro estava machucando seu pé e pedalou mais 23 km. Finalmente, no
terceiro e último dia, percorreu 29 km com sua bicicleta vermelha. Quantos quilômetros
ele andou no total? Ele ganhou ou perdeu a corrida?

Referências
Associação Americana de Psiquiatria (1995) DSM-IV Manual Estatistico Diagnóstico de
Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artos Médicas.
Hübner, M.M. e Marinotti, M. (2004) Revisitando diagnósticos clássicos relativos às dificuldades
de aprendizagom. In Hübner, M.M. e Marinotti, M. (orgs.) Análise do Comportamento para
a Educação - contribuições recentes, pp. 307-317. Santo André: ESETec.
Knapp, P., Rohde, L.A., Lyszkowski, L. e Johannpeter, J. (2002) Terapia Cognitivo -
Comportamental no Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade. São Paulo: ARTMED
Editora.
Marinotti, M (2001) Dificuldades Ortográficas: análise de algumas variáveis relevantes para o
aprimoramento do controle de estímulos. In H.J. Guilhardi e cols. (orgs.) Sobre
Comportamento e Cognição, vol. 7, pp.71-82. Santo André: ESETec - Eds. Associados.
Marinotti, M. (2002) Resolução de problemas e raciocinio lógico como foco da intervenção
psicopedagóglca. In In H.J. Guilhardi e cols.(orgs.) Sobre Comportamento e Cognição,
vol. 9, pp.293-302. Santo André: ESETec - Eds. Associados.

Sobre Comportamento e Cognição 115


Capítulo 11

Violência e omissão: como fica o


behaviorista?
Mónii\i C/cniltfr Vakntim*, **

Freqüentemente nos deparamos com episódios de violência que geram sentimentos


de insegurança e fazem os cidadãos cobrarem soluções de seus governantes. A devida
punição dos culpados pelos atos de violência parece ser o objetivo maior da população:
esta é vista como uma forma de educação, que se destina tanto a quem está sendo
punido quanto para servir de exemplo para que outros não se envolvam em ações
semelhantes. Quando, então, um criminoso é preso, há um certo resgate da ordem social
que parece produzir, ao mesmo tempo, um relativo recobrar da paz e da tranqüilidade.
No senso comum, é bastante usual a atribuição dos comportamentos a causas
mentalistas: o comportamento violento é visto, em geral, como resultante da maldade
intrínseca ao infrator. Esse posicionamento pode, de certa forma, justificar as práticas que
são adotadas em nossa sociedade para controle da violência, e que são apoiadas pela
maioria da população. Assumir que um assassino matou alguém porque é mau, de alguma
forma, nos isenta de maiores responsabilidades sobre tais ações. Não há muito que fazer a
respeito, a não ser aplicar-lhe uma pena e proteger o resto da população do indivíduo delituoso.
Afinal, foi ele que "escolheu" o caminho errado. É devido ao seu caráter que agiu assim.
Segundo Baum (1999),

Afora considerações filosóficas e estéticas, os resultados do políticas públicas


baseadas na presunção de livre-arbítrio vão de pífios a desastrosos. A presunção

‘ Laboratório de Psicologia Experimental da Universidade do Sagrado Coração - Bauru (SP) e Faculdade de


M edicina da UNESP Botucatu (SP) R: Irmâ A rm inda, 10-50 - Bauru (SP) - CEP; 17011-160.
mo vHleiAtim@hotmall.com
“ Agradeço ao Prof. Dr. Kester Carrara pela leitura e sugestões para este trabalho.

1 1 6 M ó n ic u C /cr,ild i V .ilc n tim


é muitas vezes utilizada como justificativa para não fazer nada. Se dependentes
de cocaína são livres para optar por não usar a droga, então a dependência é
culpa dos dependentes, eles deveriam “criar vergonha" e nenhuma ajuda lhes
deveria ser dispensada (p. 178)
Para um behaviorista, no entanto, a maldade não se constitui em causa do
comportamento delinqüente. Dizer que um indivíduo é "mau” equivale a dizer que ele apresenta
comportamentos que contrariam as regras sociais. Mas, não diz nada a respeito das
contingências que produzem e mantêm tais comportamentos. Não explica, por exemplo, o
porquê de algumas pessoas serem mais propensas ao seguimento de regras e outras não.
Outra causa mentalista popularmente atribuída ao comportamento delinqüente é
a agressividade. Para o behaviorista, no entanto, a agressividade seria não mais que o
rótulo de uma classe de comportamentos que inclui diversas topografias. Além das
determinações filogenóticas, o comportamento agressivo pode se instalar no repertório do
indivíduo por ser uma estratégia que soluciona problemas em curto prazo, mesmo que as
conseqüências em longo prazo sejam punitivas. O agir agressivo ó, na maior parte das
vezes, negativamente reforçado. Como a conseqüência imediata de tais comportamentos
costuma ser a fuga da situação aversiva pela intimidação do outro, essas ações acabam
sendo selecionadas.
Desse modo, tanto a maldade quanto a agressividade, enquanto classes de
comportamentos, são produtos de contingências às quais o indivíduo está exposto. £ se
entendermos que, de alguma forma, também produzimos e mantemos essas contingências
- na medida que não vivemos apartados da sociedade, mas fazemos parte dela - podemos
inferir que somos co-produtores do comportamento delinqüente.
Nessa linha de raciocínio, a inquietação é inevitável. Uma escolha indevida não é
resposta suficiente para explicar o comportamento do infrator. Segundo Baum (1999, p.32),
"livre-arbítrio é simplesmente um nome para a ignorância dos determinantes do
comportamento". Falar da maldade e da agressividade som buscar seus determinantes
não nos indica o caminho para uma real solução. Um descontentamento ainda maior
surge quando observamos que o que tem sido feito em termos de se tentar controlar a
violência tem-se mostrado, muitas vezes, ineficaz. Seriam os métodos adotados em
nossa sociedade os ideais?
Quando o objetivo é a redução de um comportamento inadequado, a punição é
uma das técnicas mais utilizadas nas mais variadas culturas. Sua eficácia, no entanto, é
bastante questionável. Sem dúvida, a punição produz resultados relativamente imediatos
de redução na tendência a se comportar de determinada maneira, o que, por sua vez,
reforça o comportamento do punidor. No entanto, a supressão dos comportamentos é
apenas temporária. Assim que a prática punitiva é cessada, a freqüência de respostas não
é diferente do que seria se não houvesse acontecido punição alguma (Skinner, 1998).

Uma pessoa quo foi punida, por essa razão, não estará menos inclinada
simplesmente a agir de outro modo; na molhor das hipóteses, aprendo como
evitar a punição. Algumas formas de fazer isso são inadequadas ou neuróticas,
como se diz nos denominados 'dinamismos freudianos’. Outros meios Incluem
evitar situações nas quais comportamentos sujeitos a punição têm possibilidade
de ocorrer ou fazer coisas que são incompatíveis com o comportamento passível
de punição (Skinner, 1983, p 63).

Sobre ('om pott.im cnto e CottnivAo 117


Esses dados são bastante óbvios quando voltamos a atenção para o funcionamento
atual do sistema penitenciário. Ao punir o comportamento de um indivíduo com o
encarceramento, acreditamos estar evitando possibilidades futuras de uma nova ocorrência
do comportamento criminoso. Entretanto, basta observar as taxas de reincidência criminal
para perceber o quanto esse esquema é falho e não produz as modificações desejadas no
comportamento do indivíduo. As FEBEMs são palcos constantes de rebeliões e fugas,
além de se mostrarem como o ambiente ideal para que o repertório de respostas anti­
sociais seja aprimorado cada vez mais. A disciplina coercitiva só incita o surgimento de
episódios assustadores de violência. Nas penitenciárias, a situação não é diferente.

Uma criança castigada sevoramonte por brincadeiras sexuais não ficará


necessariamente desestimulada de continuar, e da mesma forma um homem
preso por assalto violento não terá necessariamente diminuída sua tendência à
violência. Comportamentos sujeitos a punições tendom a se repetir assim quo
as contingências punitivas forem removidas (Skinner, 1983, p. 50)
De fato, a punição indica o que não deve ser feito, mas não ensina o que deveria
ser feito. Ao deixar de prover estratégias mais adequadas, permite que os comportamentos
anteriormente selecionados continuem persistindo, por serem os que estão disponíveis no
repertório do sujeito que procura se adaptar às contingências às quais está exposto.
A punição também deixa lamentáveis subprodutos: sentimentos de raiva, ansiedade
e comportamentos agressivos são decorrências comuns. O controle aversivo, além disso,
torna o contra-controle mais provável. A tentativa de livrar-se de contatos prejudiciais, de
lutar e procurar se libertar quando se sentem aprisionados, é uma característica de quase
todos os seres vivos. Por isso não é raro acontecerem fugas e rebeliões nos presídios. Em
outras palavras, o encarceramento apresenta-se muito mais como um atestado da ineficácia
do controle social do que como a solução para o problema da violência.
A despeito de tudo isso, a punição ainda é o procedimento padrão em quase
todas as sociedades. Em primeiro lugar, pouco se faz em termos de divulgação de práticas
mais eficientes. Segundo Skinner (1983),

(...) a fim de manter a posição de que todo controle ó ruim, foi necessário dissimular
ou ocultar a natureza de práticas vantajosas, dar preferência a práticas inadequadas,
exatamente por poderem ser dissimuladas ou encobertas, e - o resultado realmente
mais extraordinário! - para perpetuar medidas punitivas (p.35)
Além disso, as práticas educativas demandam tempo e dedicação. Mas, somente
a ampliação do repertório de respostas competitivas pode promover a mudança que
desejamos. Práticas que visem ao desenvolvimento de comportamentos voltados para o
bem-estar do grupo podem ser alternativas mais eficazes no combate á violência.
Comportamentos de solidariedade, por exemplo, são passíveis de aprendizagem, tanto
quanto qualquer outro comportamento. Ao nos acomodarmos diante da incapacidade de
alguns sujeitos em emitir comportamentos desse tipo, creditando ao seu caráter esse
déficit comportamental, deixamos de vislumbrar as possibilidades de se modelar respostas
fundamentais à sobrevivência da espécie.
Outra questão que talvez esteja associada à aceitação e incentivo de práticas
punitivas em nossa sociedade pode ter origens culturais bastante antigas. Na Bíblia, Jonas
é enviado a Nínive para anunciar que essa cidade será destruída em razão de sua iniqüidade.
Depois de muito relutar, acaba cumprindo sua missão e percorre um longo trajeto levando

1 1 8 M ô n ic .i (,/ c m I iü V.tlcn tim


a mensagem que lhe foi confiada. Quando, no entanto, Deus tem misericórdia daquele
povo e decide poupá-lo da destruição, Jonas fica indignado e irritado. A despeito do caráter
não histórico do livro, uma mensagem interessante emerge de sua leitura: ficamos contentes
com a atribuição de mérito às pessoas que têm bom comportamento e, da mesma forma,
com a devida condenação dos que se desviam da norma.
Em outras palavras, quando punições não são devidamente aplicadas a quem
descumpre as regras sociais, sentimo-nos injustiçados. Assim também, se reforçadores
positivos são ‘‘desperdiçados’’ com pessoas que “não merecem", experimentamos
indignação. Outra estória igualmente antiga e presente na Biblia, que envolve as duas
conseqüências (não punição e reforço positivo), é a parábola do Filho Pródigo. O filho mais
moço de um homem pediu a antecipação de sua herança e gastou tudo de maneira
inconseqüente. Depois de esbanjar sua fortuna, começou a passar muita dificuldade.
Voltou pra casa, pedindo perdão ao pai e implorando que o tratasse como a um de seus
empregados. O pai mandou trazer-lhe as melhores vestes, calçados e um anel para pôr no
dedo, além de encomendar-lhe um banquete para festejar sua volta. A reação do pai irritou
o filho mais velho que nunca havia transgredido ordem alguma, e reclamou de jamais ter
recebido uma festa assim.
Em resumo, pessoas assistem a execuções de prisioneiros e comemoram sua
morte "merecida". Mas, poucos ficam felizes quando, a alguém que cometeu erros, é dada
uma segunda chance. É-nos ensinado desde cedo que criança que faz coisa errada
apanha e o papai e a mamãe gostam de criança que se comporta.
Pode-se questionar, nesta altura, por que então algumas pessoas cometem delitos
enquanto tantas outras levam uma vida totalmente de acordo com as leis'? Não estariam
esses indivíduos escolhendo viver uma vida de transgressão?
É difícil acreditar que alguém escolha, deliberadamente, agir de forma que poderá vir
a produzir conseqüências tão aversivas como a prisão, por exemplo. O que podemos conjeturar
é que essas pessoas estão envolvidas em contingências-armadilha: o reforço positivo que é
liberado em curto prazo, muitas vezes, leva as pessoas a sacrificarem o bem-estar em longo
prazo. A punição, nesses casos, acontece com muito atraso em relação ao comportamcnto
e pode, inclusive, não acontecer. O autocontrole depende essencialmente do arranjo de
contingências favoráveis que são mantidas pela comunidade verbal através de regras.
A sociedade provê uma série de estímulos discriminativos que descrevem - mesmo
que às vezes de forma implícita - contingências: "não roube", ‘‘seja bonzinho" e assim por
diante. Essas regras descrevem contingências de reforço que ocorrem com atraso. Quando
a criança segue a regra colocada pelos pais, a aprovação que se segue imediatamente é
um reforçador importante para que esse comportamento se repita.
O cumprimento da lei depende de contingências que reforcem o comportamento de
seguir regras. Há ambientes, no entanto, que não favorecem a instaJaçâo desses
comportamentos. Seja por falta de modelos adequados, seja por falta de reforço contingente
ao seguimento de regras, muitos indivíduos crescem à mercê de estímulos que tendem a
selecionar ações que contrariam a norma social. Se considerarmos o ambiente em que se
desenvolve o comportamento infrator, veremos que talvez essa seja a única alternativa possível.

É mai9 provável que uma pessoa roube quando pouco ou nada possui; so sua
educação nflo a preparou para conseguir e manter um emprego, para que possa
comprar o que precisa; ou se nào há empregos disponíveis e se não lhe foi

Sobre Com|H)f1.im cnlo c Coiiniftlo


ensinado a cumprir a lei, ou se freqüentemente vô outros transgredirem as leis
impunemente. Nessas condições, o comportamento delinqüente ó poderosamente
reforçado, e dificilmente eliminado por sanções legais (Skinner, 1983, p. 58)
Comportamentos de solidariedade, de compaixão e de cooperação não são seguidos
de reforço imediato no ambiente natural. Ao colocar o comportamento sob o controle de uma
regra, possibilita-se a exposição a contingências de longo prazo que irão ajudar a manter o
comportamento. Mas, para que isso aconteça, o reforço contingente ao seguimento da
regra é essencial e primário. Em outras palavras, "uma boa parte do que chamamos de
'socialização' consiste em colocar o comportamento em contato com conseqüências do
longo prazo que reforçam a bondade e a generosidade" (Baum, 1999, p. 236).
Segundo Baum,

As pessoas freqüentemente se comportam de forma egoísta porque o reforço


para o egoismo é relativamente imediato. As pessoas mentem, trapaceiam,
roubam e matam porque esses comportamentos compensam em curto prazo
(Baum, 1999, p. 236).
Assim, elas não se comportam de forma egoísta porque são más:

O mal existe porque as regras e o reforço social talvez sejam ineficiontes, quando
nào totalmente ausentes no ambiente do indivíduo. Na medida em que as
pessoas se comportam bem, entretanto, o treinamento social funciona (Baum,
1999, p. 236)

Nesse sentido, a atuação do behaviorista parece, muitas vezes contraditória. A


maioria de nós está ainda muito pouco envolvida em práticas preventivas. Menos ainda se
encontram em atividades de planejamento cultural. Destacam-se como exceções os
trabalhos que vêm sendo realizados no campo das Habilidades Sociais (Del Prette e Del
Prette, 2004) e com o Treinamento e Orientação de Estilos Parentais (Gomide, 2004). Os
primeiros autores estão envolvidos em vivências com crianças como um recurso para o
desenvolvimento de estratégias alternativas à violência e á agressividade. A segunda
apresenta um trabalho de detecção de práticas parentais negativas, que se relacionam a
comportamentos anti-sociais, permitindo uma intervenção precoce. Apesar dessas iniciativas
indiscutivelmente coerentes, a tecnologia do comportamento, de maneira geral, vem sendo
utilizada muito mais em tentativas de se remediar o mal causado por práticas ineficientes
de controle. Até quando deixaremos o controle ao acaso?
Quando escreveu Walden II, Skinner (1978) foi bastante criticado e incompreendido.
Embora não estivesse dando uma receita da sociedade ideal, mas sim apontando alguns
caminhos para que, através da experimentação, pudéssemos tentar construir um lugar
melhor para se viver, sua proposta foi rechaçada sob o argumento de que estaríamos
colocando em risco valores como a liberdade e a dignidade das pessoas. Ao deslocar o
olhar para as causas verdadeiras do comportamento, entenderam erroneamente que ele
estivesse desconsiderando a importância dos sentimentos. Para encerrar este capítulo,
então, deixamos as palavras do mestre:

O que está além da liberdade e da dignidade ó o futuro de um mundo em que


esses e outros valiosos sentimentos ainda possam ser desfrutados (Skinner,
1991, p. 152).

1 20 Mftnifii C/prdKli Vdlentim


Referências
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apresentado no XIII Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia o Medicina
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Skinner, B.F. (1991) Quostões recentes na análise comportamental. Campinas, SP: Papirus.

Sobre t'om ptirt.im cnto c Cognição


Capítulo 12

Burnout, Ansiedade e Sono


N m cy luhc/j Inocente'

lininc lulietii Inocente*

Ratons RdmJo'

StiniJhi LcüI Ciiltiis*

M j kihm Nunes Ihptistf

Estudos atuais apontam para uma denominada Síndrome de Burnout que consiste
em um estresse laborai crônico específico de algumas profissões, cujos principais sintomas
são: exaustão emocional, despersonalização e reduzida realização profissional (Guimarães
e Cardoso, 2004; Campos, Inocente, Guimarães e Areias, 2004; Baptista, Morais, Calais
e Inocente, 2004; Morais,Baptista, Calais e Inocente, 2004; Inocente, 2005).
A ansiedade ó uma preocupação excessiva acompanhada de pelo menos três
sintomas adicionais de uma lista que inclui inquietação, fadiga, dificuldade em concentrar-

1 Doutora em Saúde Mental pela Faculdade de Ciências Médicas (UNICAMP) Docente na Universidade de
Taubatè e Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do Hospital das Clinicas da
USP(HCFMUSP).
2.Cirurgià-Dentlsta Master Recherche Psycologie de la Santé pela Unlverslté Victor Segalon - Bordeaux 2-
França. Doutoranda em Psychologie de la Santé -U niversitè Victor Segalen • Bordeaux (France) Pesquisadora
do Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do Hospital das Clinicas da ÜSP (HCFMUSP)
3.Livre-Docente da Divisão de Clinica Neurológica do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da IJSP.
Presidente do Departamento de Neurologia da Associação Paulista de Medicina Pesquisador (Llder) do
Grupo de Pesquisa Avançada em Medicina do Sono do Hospital das Clínicas da USP (HCFMUSP)
4 Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCampinas), Docente da
Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Bauru/SP e.mail: scalais@fc unesp br
'5 Doutor pelo Departamento de Psiquiatria e Psicologia da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP); Docente
e Pesquisador do Programa de Pós-Graduaçáo Stricto-Sensu em Psicologia da Universidade Srio Francisco
(USF) - ilatlba/SP e.mail: makilim baptista@saofrancisco edu.br

N .im y J. Inocente, l.m lne I. Inocente, Rubens Keim Jo, S.imlr.i I.. C.ilals, M .ik ilim N . H.i|)lisl.i
se, irritabilidade, tensão muscular e perturbação do sono (DSM-IV, APA, 2002). É
caracterizada por alterações do comportamento interno como sentimentos de mal-estar,
preocupação, hipervigilância, tensão, temor, insegurança, sensação de perda de controle,
fortes mudanças fisiológicas (cardiológicas, respiratórias). Ainda, ocorre a ativação de
diferentes sistemas, principalmente o Sistema Nervoso Autônomo e o Sistema Nervoso
Motor e também, o Sistema Nervoso Central, o Sistema Endócrino e o Sistema Imune. A
persistência das mudanças fisiológicas podem acarretar uma série de desordens
psicofisiológicas transitórias como dores de cabeça, disfunção sexual, disfunção gástrica,
dores musculares e insônia. No comportamento externo observa-se hiperatividade,
dificuldades verbais, evitação de situações ansiógenas, maior consumo de substâncias
(comida, bebida e cigarros).
Estudos epidemiológicos recentes têm estabelecido o nexo entre ansiedade e a
síndrome de Burnout (Beaton, 1998; Sociedade Espanhola para o Estudo da Ansiedade e
Estresse, 2005) com a elaboração das seguintes conclusões a respeito da influência da
ansiedade:
1. Os transtornos de ansiedade se consolidam como o transtorno de maior incidência
mundial, estimando-se que uma de cada sete pessoas desenvolverá ao longo de sua
vida um transtorno deste tipo, existindo grandes diferenças devido a idade e sexo,
em função do transtorno.
2. Os problemas derivados da ansiedade e estresse mostram um notável avanço nas
sociedades desenvolvidas.
3. A ansiedade e o estresse aparecem cada vez mais claramente associados aos
transtornos psicofisiológico ou psicossomático, destacando os transtornos
cardiovasculares e digestivos, afetando praticamente todos os sistemas orgânicos.
4. Os tratamentos psicológicos e farmacológicos para abordar estes transtornos
aumentaram sua eficácia nos últimos anos, sendo cada vez mais freqüente a
combinação de ambos tipos de tratamento naqueles casos que o requerem e
considerando-se menos recomendável a opção exclusiva de tratamento farmacológico.
5. Os problemas derivados da ansiedade mostram uma grande repercussão no âmbito
educativo, podendo produzir uma diminuição do rendimento acadêmico em torno de
15-20% dos estudantes, afetando igualmente uma boa parte do professorado,
especialmente as professoras do grau primário e secundário. Em casos mais severos
a ansiedade pode ser a causa do fracasso escolar e abandono dos estudos com
sérios problemas no desenvolvimento pessoal e desajustes no âmbito familiar.
6. Os programas terapêuticos de base psicológica desenvolvidos nos últimos anos
mostram uma (grande) eficácia ao redor de 85 a 90% na redução da ansiedade ante
os exames e na melhora do rendimento acadêmico.
7. O estresse laborai é a causa de importantes perdas econômicas nos países
desenvolvidos, ocasionadas pelo aumento da propensão a contrair enfermidades,
absentismo laborai, diminuição do rendimento no trabalho, aumento de conflitos
interpessoais e a diminuição da qualidade de vida dos afetados.
8. Os trabalhadores dedicados à atenção e cuidado de outras pessoas se mostram
especialmente propensos a desenvolver a síndrome de Burnout.
9. Os transtornos de ansiedade e problemas derivados constituem a primeira causa
das consultas psicológicas e psiquiátricas, convertendo-se em um problema crescente

Sobro Comportamento c CoRnlçJo 1 23


devido ao aumento de pessoas afetadas que procuram consultas médicas (urgências,
medicina de família, pediatria, cardiologia, neurologia).
10. Faz-se cada vez mais necessária a formação especializada de profissionais altamente
qualificados para abordar esta problemática sob uma perspectiva multidisciplinar.

Gallego e Riós (1991) distinguem três momentos para a manifestação da Síndrome


de Burnout, relacionando-a ao estresse e ansiedade:
1. Num primeiro momento, as demandas de trabalho são maiores que os recursos
materiais e humanos, o que gera estresse laborai no indivíduo. Nesse momento, é
característica a percepção de uma sobrecarga de trabalho, tanto qualitativa quanto
quantitativa.
2. No segundo momento, evidencia-se o esforço do indivíduo em adaptar-se e produzir
uma resposta emocional ao desajuste percebido. Aparecem, então, sinais de fadiga,
tensão, irritabilidade, e até (de) mesmo ansiedade. Essa etapa exige adaptação
psicológica do sujeito, pois irá refletir-se no trabalho, reduzindo seu interesse e
responsabilidade pela função que exerce.
3. E, finalmente, num terceiro momento, ocorre o enfrentamento defensivo, ou seja, o
sujeito produz troca de atitudes e condutas com a finalidade de defender-se das
tensões experimentadas, o que ocasiona comportamentos de distanciamento
emocional, retirada, cinismo e rigidez.
O modelo de estresse denominado Demanda-controle (Karasek e Theorell, 1990)
prediz que os trabalhadores que desempenham tarefas com escasso controle pessoal e
elevados níveis de demanda psicológica seriam os mais expostos a sofrer os transtornos
de ansiedade.
Amorim e Turbay (1998) afirmam que a Síndrome de Burnout agrupa alterações,
problemas e disfunções psicofisiológicas com conseqüências nocivas para a pessoa e a
organização, sendo que esta afeta diretamente a qualidade de vida do indivíduo.
Benevides-Pereira (2002) relaciona vários sintomas físicos decorrentes do Burnout
como: fadiga constante e progressiva: dores musculares ou osteomsculares; cefaléias;
perturbações gastrointestinais; imunodeficiência; transtornos cardiovasculares; distúrbios
do sistema respiratório; disfunções sexuais; alterações menstruais nas mulheres e
distúrbios do sono.
Segundo Inocente (2004), algumas pessoas são ansiosas e agitadas no trabalho,
dando a impressão de que precisam obter sempre os melhores resultados, provocando
sentimentos de inquietude e insegurança. Ao longo do tempo, tomam-se ineficazes no trabalho,
elevando cada vez mais a ansiedade, tomando-se suscetíveis ao desenvolvimento do Burnout.

Pesquisas sobre Burnout, Ansiedade e Sono


Os transtornos de ansiedade, associados com a insônia parecem mostrar uma
prevalência cada vez maior nos centros de trabalho a partir de 1990. As restruturações e
fusões de empresas têm provocado a sensação de insegurança laborai e contribuído para
criar uma ansiedade relacionada com o trabalho. No entanto, a sua mensuração ó difícil e
parece provável que exista uma mútua influência dos fatores organizacionais relacionados

N .in c y I. Inocente, J.mine J. Inocente, Rubens Reiniilo, Sdiidr.i L. C'.il«ils, M .ik lllm N , H.iptlst.i
com o trabalho e os pessoais, e que esta interação determina a aparição, progressão e
evolução destes transtornos.
A expressão ansiedade relacionada com o trabalho implica em que há situações,
tarefas e demandas laborais ou fatores estressantes profissionais relacionados que se associam
no desencadear ou na cronicidade da ansiedade Estes fatores podem ser: sobrecarga de
trabalho, ritmo de trabalho, os prazos e uma falta percebida de controle pessoal.
Turnipseed (1998) avaliou Burnout e ansiedade em enfermeiros e concluiu que o
estado de ansiedade foi uma variável significativa em cada uma das três dimensões do
Burnout, apresentando uma ligação mais forte com a Exaustão Emocional.
Souza e Silva (2002) investigaram a relação de fatores de personalidade e de
fatores ligados à organização do trabalho no Burnout em profissionais de saúde e a
síndrome se correlacionou com a insônia, aumento do uso de álcool e drogas.
Morafes et al. (2004), pesquisando o Burnout em Assistentes Sociais, afirmam
que esses profissionais estão expostos a fatores intimamente relacionados às experiências
de estresse, o que provoca respostas fisiológicas, cognitivo-afetivas e comportamentais,
as quais se mantêm ao longo do tempo, ocasionando alterações em sua adaptação laborai
e pessoal, com altos níveis de ansiedade e sentimento de não saber obter alívio.
Santi e Oliveira (2004) estudaram a qualidade de sono, índice de ansiedade e a
qualidade de vida em 150 professores universitários de uma universidade da cidade de São
Paulo. Os resultados obtidos indicaram a prevalência de transtorno de sono em 67% da
amostra: quanto ao transtorno de ansiedade, apareceu em 73% da amostra; e, insatisfação
com a qualidade de vida. Os autores concluíram que os transtornos de sono e de ansiedade
comprometem a qualidade de vida, trazendo conseqüências graves para a vida pessoal,
familiar, profissional e social.
Inocente (2004) avaliou 96 cirurgiões-dentistas franceses e detectou que 37,14%
apresentavam ansiedade. Inocente, Rascle, Inocente e Reimão (2004) estudaram a
qualidade de sono em cirurgiões-dentistas franceses. Os resultados encontrados foram
que 20% relataram má qualidade de sono (roncos fortes = 43%; pausas respiratórias =
11%; agitação = 16%; puxão no joelho = 45%). Os autores concluíram que a variável
ansiedade e distúrbios do sono poderão interferir na síndrome de Burnout.
O melhor método de investigar o campo e a causa de um possível problema em
uma organização depende em parte do tamanho da organização e dos recursos disponíveis.
Discussões entre diretores e representantes de trabalhadores podem ser ricas fontes de
informações sobre as condições estressantes. Recomendam-se medidas de prevenção
como: a melhora do posto de trabalho, por meio de intervenções e um novo desenho dos
locais de trabalho. Além da mudança da organização, existe a responsabilidade pessoal
do trabalhador em manejar seu próprio estresse e ansiedade, separando atividades laborais
das não laborais, ter um repouso suficiente, praticar exercícios, utilizar (de) técnicas de
relaxamento.

Referências
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VII Encontro Regional Sul da ABRAPSO. Curitiba, 18-20 de setembro, p. 70.

Sobre Comportamento e (.'ofliiiv'.lo 125


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IÍÊ Ô N .im y J. Irtoccnle, J.inme I. Inocente, Rubens Reim .lo, S,imlr.i L. M .ik ilim N . Hapfist.i
Capítulo 13

A coerência entre o controle de


estímulos planejado e obtido em
discriminações condicionais
interrelacionadas e a previsão de
relações emergentes
Ohivo ifc Fiiriti C/íilvth* **

Entender a capacidade dos organismos de se comportar em situações novas ou


se comportar de formas novas ó um desafio para uma ciência do comportamento.
Apresentamos aqui aspectos atuais do modelo experimental da geratividade
comportamental que está em desenvolvimento desde a primeira verificação em laboratório,
por Sidman e Tailby (1982), da emergência de relações novas a partir de discriminações
condicionais interrelacionadas ensinadas.
Ao preparar esta apresentação achamos conveniente lembrar alguns pressupostos
que governam nosso comportamento de pesquisadores.
A análise do comportamento através das contingências do reforço permitiu a
identificação de um conjunto de processos básicos que descrevem a interação entre o
organismo e o ambiente.
Tais processos básicos são funções simples relacionando dimensões do
comportamento a aspectos do ambiente.
O reforço e seu corolário, a extinção, o reforço condicionado, a discriminação de
estímulos, a diferenciação de respostas e a discriminação condicional seriam esses
processos básicos que, atuando em um organismo em constante mudança, seriam
responsáveis pela complexidade comportamental atingida pelos organismos.

* Universidade Federal do Pará


" N A : Este trabalho foi apresentado na XXXIII Reuniào Anual De Psicologia, Belo Horizonle/MG, na Mesa
Redonda "O Debate Da Equivalência: Novos Caminhos", Coordenada por Sônia Maria Mello Neves, em 25 de
Outubro de 2003. Contato com o autor' ofg@cpgp ufpa.br.

Sobre Comport.im onlo c (Jopniçílo 127


Noutras palavras, a análise do comportamento entende a complexidade
comportamental como resultante da ação de processos simples sobre uma base de
repertório cuja complexidade evolui (Donahoe & Palmer, 1994).
A análise do comportamento se estabeleceu como uma abordagem experimental,
com uma teoria descritiva histórica e relacional, sempre buscando interpretar a realidade
complexa reduzindo-a à complexa interação de funções simples, evitando a teorização ad
hoce a proposição de processos complexos para fenômenos comportamentais complexos.
A característica definidora do ser humano, a cognição e a linguagem, foi abordada
de forma especulativa, sui generis, por Skinner (1957), descrevendo não a linguagem
diretamente, mas o comportamento verbal através da análise de contingências.
Afora esse trabalho de Skinner, e mesmo considerando os avanços da análise do
comportamento em estudos experimentais do comportamento verbal, a análise do
comportamento reconhecidamente vem encontrando dificuldades para lidar com o caráter
gerativo da cognição e da linguagem, apontado pelos lingüistas do desenvolvimento.
Que processos comportamentais já foram identificados como diretamente
relacionados ao desempenho generalizado e criativo?
Aceitando a capacidade de abstração como uma característica distintivamente
humana, tendemos a aceitar também que essa capacidade evoluiu a partir de outras
capacidades preexistentes.
Do ponto de vista paleoantropológico, Deacon (1998) reuniu e discutiu evidências
de que a linguagem oral comunicativa preexiste ao surgimento do ser humano, e que o
desenvolvimento simbólico teve lugar na espécie humana a partir de pressões ecológicas
da vida em grupo e da partição do resultado da caça, vindo, mais tarde, as capacidades
simbólica e oral a se articularem, resultando na linguagem oral simbólica humana atual.
Do ponto de vista da análise de contingências, o modelo básico da abstração é a
discriminação condicional arbitrária, amiúde organizada experimentalmente como escolha
de acordo com o modelo.
Os incontáveis estudos experimentais de discriminações condicionais arbitrárias
em animais demonstraram o comportamento de escolha condicional ao modelo em
apreciável número de espécies de aves e de mamíferos, pelo menos.
Esse fenômeno, largamente demonstrado experimentalmente, pode ser considerado
um rudimento muito simples da capacidade simbólica.
Mas a capacidade simbólica humana vai além da associação arbitrária entre
estímulos, ela abrange a capacidade de reagir a estímulos como membros de classes.
Dois modelos básicos da formação de classes de estímulos, o das mudanças
repetidas de discriminações simples (Vaughan, 1988), e o das discriminações condicionais
relacionadas (Sidman e Tailby, 1982) são de particular relevância no desenvolvimento da
análise comportamental da cognição.
Em termos de complexidade, acima da competência simbólica, demonstrada pela
capacidade de aprender discriminações condicionais arbitrárias isoladas, podemos pensar no
controle do comportamento por um conjunto de símbolos, formando um complexo interrelacionado,
como um modelo de linguagem, que acrescenta relações sintáticas às relações arbitrárias.
Estudos de classes ordinais, a teoria dos quadros relacionais e o ensino de
linguagem artificial a primatas não humanos procuraram criar modelos da sintaxe (Green,
Stromer & Mackay, 1993; Hayes, 1989; Savage-Rumbaugh, 1986).

128 O l<ivo d c f.irú i t/.i lv .lo


Neste texto não discorreremos sobre modelos sintáticos, porque antes de avançar
nesses modelos há uma série de questões experimentais interessantes não respondidas
nos modelos da formação de classes de estímulos, e com essas respostas teremos melhor
compreensão dos problemas do ensino experimentai de uma protolinguagem a animais, e
também das bases do comportamento cognitivo, entendido como capacidade simbólica.
Desde a metade do século XX, o procedimento de escolha condicional por relações
arbitrárias entre modelo e comparações tornou-se uma ferramenta metodológica em estudos
biocomportamentais de processos perceptuais e mnemónicos, enquanto que na análise
experimental do comportamento o próprio procedimento e suas peculiaridades vêm sendo
objeto de estudo.
De fato, a história dos experimentos de escolha com animais é peculiarmente rica
de análises mostrando a importância de diversas variáveis na determinação do comportamento
de escolha em procedimentos de pareamento arbitrário ao modelo, desde o estudo de
Cumming e Berryman (1961) com a análise da substituição do estímulo de comparação
diferente do modelo, passando por uma consistente literatura de pareamento ao modelo em
pombos e primatas, até Barros, Galvão e Mcllvane (2002,2003), com a análise das relações
de controle no procedimento de escolha por identidade entre modelo e comparação.
Revisões da literatura de discriminações condicionais arbitrárias com animais,
como as de Cárter e Werner (1978) e Gadotti (1978) analisam os estudos antes do
surgimento do modelo de equivalência de estímulos.
O surgimento do modelo de equivalência de estímulos trouxe outra aplicação para
o procedimento de pareamento ao modelo com humanos e animais.
Desde 1982, uma literatura apreciável de relatos experimentais se acumulou,
com procedimentos planejados para permitir os chamados testes de equivalência ou de
suas propriedades.
Barros (1998) fez uma revisão da literatura de equivalência com animais, constituída
de relatos de resultados negativos, indícios com ressalvas, e resultados positivos
questionados, concluindo pela necessidade de aperfeiçoamento metodológico para garantir
resultados positivos, em um panorama em que os resultados negativos com animais vinham
sendo tomados como indícios de que equivalência seria um fenômeno humano e dependente
da linguagem.
As análises dos dados experimentais sobre ind/cios de formação de classes com
animais, entretanto, fundamentam-se em bases conceituais heterogêneas; a complexidade
da área se reflete na proposição de teorias não apenas diferentes, mas antagônicas.
Artigos como o de Urcuioli (1996), por exemplo, se interessam pela emergência
de relações indiretamente treinadas, mostrando dados em defesa "... da mediação
generalizada como o processo primário subjacente às equivalências adquiridas em animais
não humanos." (p.67-68).
A facilitação do efeito de equivalência por respostas diferenciais em animais e
pela nomeação dos estímulos em humanos levaram Hayes (1989), Medeiros (2003),
Saunders (1989) e Urcuioli (1996), a refutar o caráter de emergente aos desempenhos
positivos obtidos após treino com respostas diferenciais, particularmente o estudo de
Mclntire, Cleary & Thompson (1987), e concluir que as relações obtidas podem ser atribuídas
ao controle redundante pelas respostas diferenciais, diretamente treinado.

Sobre Comportamento e Cognição 129


Mesmo nos estudos em que não há treino de resposta diferencial essas respostas
poderiam ocorrer espontaneamente, e esse seria o mecanismo da equivalência.
Uma resposta diferencial espontânea serviria de estímulo redundante na situação
de teste. O conceito de emergência seria inútil, e os de transferência mediada ou quadros
relacionais seriam mais adequados.
Na verdade, a hipótese da resposta diferencial, ou nomeação, é irrefutável, a menos
que se conseguisse demonstrar a emergência de equivalência mesmo que a resposta
diferencial não possa ocorrer, o que é uma demonstração difícil (Tomanari, Sidman, Rubio,
& Dube, 2000).
De todo modo, é interessante que haja uma concordância na análise dos resultados
de Mclntire et al (1987), na refutação que eles representem a emergência de equivalência,
já que no teste o sujeito escolhe o estímulo para o qual aprendeu a dar a mesma resposta
emitida diante do modelo.
Em geral os estudos de discriminações condicionais arbitrárias interrelacionadas
com pessoas não incluem respostas diferenciais nas contingências, mas há, entretanto,
acordo de que respostas diferenciais podem emergir, emergem ou são associadas aos
estímulos durante o treino de linha de base (França e Galvão, 2000).
No entanto, nos estudos em que a nomeação pode estar presente, com sujeitos
universitários, é surpreendente que se continue a publicar dados, e referir-se a testes
positivos como documentação de equivalência, sem se deter nessa transferência mediada
como um processo presente, e referir-se a testes negativos ignorando a falta de controle
possivelmente presente na linha de base.
No estudo de discriminações condicionais emergentes com animais, a aceitação
de evidências parciais, dando ênfase à proporção do desempenho que é consistente com
as previsões deixa sem análise as relações de controle, possivelmente imprecisas,
desenvolvidas nos desempenhos de linha de base.
Dessa análise decorre a elaboração de procedimentos de linha de base em que as
relações de controle de interesse são diretamente ensinadas ou favorecidas, e são feitos
testes de verificação dessas relações de controle antes de se passar à aplicação de testes.
Dito de outra forma, é fato que o procedimento de pareamento ao modelo não ó
por si só uma garantia de que o desempenho o seja (Sidman, 1994). Um animal pode
estar, por exemplo, acertando todas as tentativas com base na configuração dos estímulos,
aprendendo na verdade um conjunto de configurações o não um conjunto de relações
entre modelos comparações.
Iversen (1997), Iversen, Sidman & Carrigan (1986), Lionello, & Urcuioli (1998) e
Lionello-DeNolf & Urcuioli (2000), em estudos de pareamento ao modelo em que a posição
dos estímulos era manipulada, demonstraram que o comportamento dos sujeitos não era
controlado pelo estímulo nominal, mas por um conjunto de aspectos da situação da qual
o estímulo é parte, sinalizando a grande distância entre procedimento e desempenho de
pareamento ao modelo.
Esses estudos serviram para explicar porque tantos estudos de discriminações
condicionais interrelacionadas com sujeitos sem competência lingüística produziram
resultados negativos em testes de relações emergentes, e, mais que isso, da maneira
como vemos, dão pistas para explicar resultados negativos com humanos com competência
lingüística.

130 (Uivo ilc l.iri.i C/<ilv<lo


Muito provavelmente o desempenho de linha de base nesses estudos não era de
pareamento ao modelo, e os sujeitos desenvolviam diferentes relações de controle, eficientes
para resolver os problemas de linha de base, mas inconsistentes com a formação das
classes de estímulos planejada.
Embora o modelo experimental do comportamento de escolha seja bastante
simples, os pesquisadores têm se deparado com dificuldades para produzir os resultados
desejados e para entender os resultados obtidos.
Como os organismos entram em contato com um ambiente complexo através de
meios simultâneos: audio, visual, táctil (pressão, consistência, vibração, termia), quimico
(odor/sabor), o aspecto de cada evento que participa de uma contingência resulta de
características biológicas e históricas, e prever qual aspecto de um evento se associará a
outro é uma tarefa também complexa.
A complexidade das classes de estímulo eventualmente formadas pode ser
analisada ainda que o grau de previsão dos resultados esteja muito aquém do ideal. Os
fatores em ação em situações complexas são dificilmente mensuráveis, mas isso não
deveria nos levar à criação de causas teóricas ad hoc.
Uma teoria da coerência entre o controle de estímulos planejado e de fato
desenvolvido permite uma análise e interpretação de desempenhos discriminativos e o
desenho de contingências para a indução de relações de controle específicas que permitam
prever desempenhos generalizados e criativos (Mcllvane, Serna, Dube, & Stromer, 2000).
A aplicação da teoria da coerência de topografia de controle de estímulo ao estudo
da formação de classes de estímulos e desempenhos generalizados de escolha de acordo
com o modelo com Cebus apella tem permitido não apenas a obtenção de desempenhos
emergentes, como a verificação das relações de controle presentes na linha de base que
são preditivas de desempenho consistente nas situações de teste.

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132 O liiv o ilc f-.iri.i C/iilvilo


Capítulo 14

Stress e qualidade de vida na


obesidade
(M um Icitín"

Arc/u&i dos r,issos Racchtoht

Sabe-se que o stress é hoje um elemento complicador em nossas vidas, pois


através de seu estado, poder-se-á desenvolver formas variadas de disfunções físicas e
psíquicas. Seus sintomas são agentes facilitadores para doenças e distúrbios, como a
obesidade que é considerada na área da saúde e afins, como sendo a “Nova Epidemia” da
Era Contemporânea. (Lipp, 1999; Coutinho, 1998)
Segundo Lipp (2003), o stress se desenvolve em nosso cotidiano frente aos
aborrecimentos diários, sobrecargas no trabalho, nas relações, na família, e conforme, as
atitudes e comportamentos elaborados pelo indivíduo frente às situações, estas, poderão
desencadear os mecanismos para ativar este processo. O stress e a obesidade preocupam
órgãos da Saúde e profissionais da área, visto que, acabam afetando e influenciando
consideravelmente a vida das pessoas (Braz, 2002 & Arantes, 2000).
O stress ó uma reação pela qual a pessoa está sujeita, no momento em que se
depara com uma fonte de tensão, ocasionando nesta situação, um longo processo
bioquímico, que se instala no organismo, para fortalecô-lo, capacitando-o para o
enfrentamento, desencadeando uma mobilização hormonal, a qual foi anteriormente
quebrada, interferindo na homeostase orgânica (Lipp, 2003).
A fonte de tensão é um evento estressor, qualquer reação desencadeada por
eventos que confundem, amedrontam ou emocionam as pessoas profundamente.
Entretanto, não se pode dizer que é o estressor que determina se o stress será desenvolvido,
1Acadêmica do 5o Ano do Cureo de Psicologia da UNIDAVI - Universidade para o Desenvolvimento do Alto
Vale do Itajai.
2 Professora supervisora e Mestre em Psicologia Clinica pela Pontifícia Universidade Católica de Campina.

Sobre Comportamento e Coflnlç*lo 133


pois considera-se neste processo, as atividades cognitivas utilizadas pelas pessoas para
interpretar eventos ambientais; as características de personalidade, que podem ser fontes
geradoras de stress, influenciando nas reações frente aos eventos da vida: e também as
fontes externas (lipp, 2003).
Se questionarmos os recursos e habilidades que o indivíduo dispõe em sua vida
para lidar com situações estressantes, verificaremos que está repleta de estressores em
potencial. Dentre estes constam as fontes internas e externas, sendo que as fontes
externas estào relacionadas com mudanças na vida da pessoa, agradáveis ou desagradáveis,
que causam tensão, angústia e ansiedade (Lipp, 2003).
As fontes internas de stress constituem-se nas elaborações que o próprio indivíduo
cria, relacionadas aos padrões comportamentais e o modo como reage à vida. Eventos
ameaçadores, perigosos e desafiadores, quer sejam reais ou imaginários, farão com que
o organismo reaja colocando-se em estado de alerta, provocando sintomas orgânicos
como: sudorese excessiva aparecendo nas mãos suadas e frias, tensão muscular, dor de
cabeça, taquicardia, respiração ofegante, boca seca, insônia, irritabilidade e a sensação
de alerta (LIPP, 1998,2003).
A saúde e a qualidade de vida são muito mais, as conseqüências das nossas
atitudes e/ou comportamentos, do que um mero acaso, pois dependem de posicionamento
e determinação, responsabilidade pelo estilo de vida escolhido e construído. Os cuidados
com saúde, alimentação, repouso, lazer, fazer exercícíos físicos, são atribuições
indelegáveis de cada um. Estas atividades por si só, não implicam em uma vida satisfatória
em termos de qualidade de vida, e sim, em aspectos favoráveis, considerando-se que
existem outras variáveis contribuindo para a qualidade de vida, sendo elas, fatores
emocionais e afetivos, os quais, completam-se e não podem ser excluídos, em momento
algum, pois, para se ter qualidade de vida torna-se necessário que o indivíduo conquiste
os quatro quadrantes inter-relacionados: social, afetivo, profissional e saúde (Lipp, 1998;
1999; Lipp & Rocha, 1996).
Segundo Lipp & Rocha (1996), qualidade de vida é atribuída à pessoa que tem
sucesso nas quatro áreas: social, afetivo, profissional e saúde. Se sobressair apenas
uma ou duas, não se considera qualidade de vida.
Encontra-se no dia-a-dia vários fatores que influenciam na qualidade de vida de
um indivíduo como: doenças mentais e físicas, pobreza, perdas de qualquer natureza,
dificuldade em sociabilizar-se, falta de afetividade, angústia, ansiedade, entre outras
(Baechtold, 2002).
Para Ades & Kerbauy (2002), obesidade ó uma doença crônica, multifatorial que
pode ser causa de sofrimento, depressão e comportamento de esquiva social, prejudicando
a qualidade de vida. Um dos fatores primordiais para o crescimento explosivo da obesidade
no mundo contemporâneo ó a redução do gasto calórico nas atividades humanas cotidianas.
Pode-se conceituar obesidade como um estado físico no qual há um depósito excessivo
de gordura no organismo, ocasionando um aumento de cerca de 10% ou mais, acima do
peso ideal. Para se obter este índice desenvolveu-se uma fórmula utilizada para o cálculo
do IMC (índice de Massa Corporal), que divide o peso pela altura elevada ao quadrado,
chamado de Indice de Quetelet.
O obeso é definido como sendo 30% acima do peso desejável,; sobrepeso, o
indivíduo que tem 25% acima do peso desejável; severamente obeso, como sendo 40%
acima do peso desejável.

134 O ri.in .i I d lls , A r r t u í d tio? P .isso s M .icdilolii


Sob o olhar da medicina, a obesidade é considerada uma doença, ou uma situação
propiciadora de doenças. No olhar da psicologia, vê-se da mesma forma, mas as orientações
privilegiam os aspectos psicossociais: diminuição da auto-estima, comportamentos
compulsivos e elementos mórbidos da obesidade (Braz, 2002).
Na referência a obesidade, é indispensável pensar em aspectos sociais e culturais
incidentes, que envolvem uma ocorrência complexa e numerosa. Dentre estes aspectos,
destaca-se a grande oferta e consumo de produtos supérfluos, os quais, consumidos
pelas pessoas em grande quantidade realizam uma mudança de hábito na alimentação,
automaticamente substituindo refeições naturais por alimentos práticos e rápidos, tipo
fast food, e às mudanças no mundo do trabalho, com o acréscimo de recursos técnicos e
facilidades decorrentes da evolução da tecnologia (Braz, 2002; Gaspar, 2003).
Conforme este pensamento deve-se atender ao fato de que, todas estas mudanças
afetam as pessoas, pois mudando hábitos e alimentos, consegue-se mais tempo para
outras opções de atividades, incorrendo no sedentarismo, estimulado pela evolução da
tecnologia que instituiu novos conceitos de diversão e lazer. Enfim, na vida contemporânea,
a praticidade condena as pessoas à imobilidade, contribuindo com o stress e a obesidade.
A “Nova Epidemia", como já é considerada a obesidade, tem em sua raiz um
agente externo, o qual está dentro das pessoas, e consiste no modelo de comportamento
adotado por elas, que resume-se em: sedentarismo, alimentação excessiva e stress
(Arantes, 2000).
Estes comportamentos desenvolveram-se a partir da globalização, onde
naturalmente acontece uma inatividade física, consumo excessivo de alimentos frente à
televisão ou computador, os quais estão cada vez mais açucarados e gordurosos, dispondo
as pessoas a vários níveis de tensão psicológica (Arantes, 2000).
Conforme Steiner (2003), já é bastante claro para as pessoas o conceito de que,
a saúde, depende de adotar um hábito de vida saudável, onde as escolhas alimentares do
dia-a-dia beneficiem melhorando a qualidade de vida e fornecendo bem-estar físico e
psicológico.
Para tanto, toma-se necessário à conscientização de que praticar exercícios físicos
e manter cuidados com a alimentação, para que esta seja balanceada de acordo com seu
gasto calórico, faz parte de um hábito diário saudável, podendo aumentar sua qualidade
de vida e produtividade.

Objetivo
Esta pesquisa teve como objetivo verificar a relação entre a incidência de stress
e o nível de qualidade de vida na obesidade. Surgiu da necessidade de responder questões
referentes ao stress e a qualidade de vida em seus quatro quadrantes, segundo
classificação de Lipp & Rocha (1996), e como os aspectos sociais, afetivos, profissionais
e saúde podem influenciar, ou não, no desenvolvimento da obesidade, e nas suas vidas
em âmbito geral.

Método
Participantes: 38 pessoas com idades entre 21 à 58 anos, ambos os sexos, estado civis
variados, residentes em Rio do Sul - SC e cidades circunvizinhas, participantes de

Soba* Comport<imi*nlo c CoflnivJo 135


atendimento particular em Clínica de Medicina, estabelecida na referida cidade, objetivando
proporcionar tratamento para obesidade.
Instrumentos: Para a coleta de dados e informações utilizou-se dos seguintes instrumentos
de coleta de dados: 1)Questionário de Identificação; 2) Inventário de Sintomas de Stress
para Adultos- ISSL (Lipp, 2000); 3) Inventário de Qualidade de Vida (Lipp & Rocha, 1994);
e 4)Termo de Consentimento.
Procedimentos: Iniciou-se com o contato prévio com a Clínica de Medicina Estética,
buscando conhecer o contexto, a fim de solicitar o consentimento módico para acesso as
pacientes participantes. Posteriormente efetuou-se a coleta de dados pessoais através de
entrevista individual, durante a qual foi apresentado aos pacientes participantes o
questionário de identificação, e em sua fase final realizou-se à aplicação dos Inventários e
escalas.

Resultados
A amostra constituída de 38 pacientes participantes apresentou a média geral
referente à classificação da obesidade da seguinte forma: Normal (18%), Sobrepeso com
(50%), Obesidade grau I com (30%) e Obesidade grau II com (2%) entre os participantes,
considerando-se a categoria do IMC como: normal, sobrepeso, obesidade de grau I,
obesidade de grau II, e obesidade de grau III, o que demonstra a Figura n 1.
De acordo com os dados obtidos, a
O B E S II amostra apresentou incidência de stress em
« 0/ , NORMAL (66%) dos participantes que distribuídos
3/0 1 18% globalmente demonstraram que: (58%)
encontravam-se na fase de resistência; (5%)
OBES
na fase de quase-exaustão e (3%) na fase de
29% exaustão. Deve-se registrar que a fase de alerta
não apresentou indicador e (34%) da amostra
não apresentou reação ao stress. Levando-se
em conta as fases patológicas do stress a
0 incidência modificou vertiginosamente para o
SOBREP
percentual de (8%) da amostra.
50% Numa análise detalhada das
respostas dadas aos vários itens do ISSL, a
Figura 1. Distribuição conforme classificação da
Obesidade. amostra demonstrou que os dois sintomas
físicos mais predominantes foram: mudança
de apetite (60%) da amostra selecionada, e o percentual de (53%) para tensão muscular.
Quanto aos sintomas psicológicos, (66%) da amostra tem perda do senso de humor e
(55%) pensa constantemente em um só assunto, e tem angustia / ansiedade diária.
No que se refere ao nível de qualidade de vida da amostra pesquisada detectou-se
que apenas três participantes obtiveram qualidade nos quatro quadrantes, isto é, 8% de
qualidade de vida global. O quadrante afetivo foi o que obteve mais sucesso, 89%; seguido
do quadrante social com 84%; em terceiro está o quadrante profissional com sucesso em
66% da amostra e por último está o quadrante que se refere á saúde com apenas 8% de
sucesso, estes dados podem ser verificados na Tabela 1.

136 O riiin d l.c itis, A re tu M do< l\is s o s [i.ic ch to k l


Tabela 1: Análise percentual do nlvel de qualidade de vida.
___________________ SUCESSO %
QUADRANTE SOCIAL ” “ " 32 84
QUADRANTE AFETIVO 34 89
QUADRANTE PROFISSIONAL 25 66
QUADRANTE SAÚDE__________________ 3 8

No que se refere ao quadrante profissional da qualidade de vida(66%), da amostra


distribuída, acusou um percentual satisfatório quanto a atuação no trabalho quando inseridas
questões referentes a ser competente no trabalho (97%); ter metas quanto ao seu desempenho
(82%) e sentir que contribui para o sucesso da empresa (87%), demonstrando que quanto
maior o nível de satisfação no quadrante profissional da qualidade de vida, maior a qualidade
de vida no quadrante afetivo (r=0,323).
Observou-se que a qualidade de vida no quadrante afetivo decrescia á medida que
aumentavam os sintomas da fase de alerta (r= -0,413), resistência e quase-exaustão (r= -
0,441) e exaustão (r= -0,377). Da mesma forma, o quadrante profissional estabeleceu
correlação negativa com as fases de alerta (r=-0349), resistência e quase-exaustão (r= -
0,384) e exaustão (r= '0,379). Já a qualidade de vida no quadrante referente a saúde apresentou
prejuízos quando correlacionadas com as fases de resistência e quase-exaustão (r= -0,409)
e exaustão (r= -0,453). O resultado de maior impacto diz respeito ao fato da correlação
negativa estabelecida entre Indice de Massa Corporal - IMC e qualidade de vida no quadrante
profissional dos participantes desta pesquisa. Ou seja, quanto maior o IMC menor a qualidade
de vida no quadrante profissional destes sujeitos (r= -0,402).

Discussão
A distribuição da amostra referente ao stress, apontou-nos, encontrar-se
diretamente relacionada com a qualidade de vida à que o indivíduo está exposto, segundo
descrição das participantes no ISSL e no inventário de qualidade de vida, expondo que o
indivíduo quando sob efeitos do stress pode ter a sua qualidade de vida nos quadrantes
afetivo, profissional e saúde diminuída, reafirmando o que se verificou anteriormente de
que o indivíduo tem seu processo de atividades cognitivas, interpretação de eventos
ambientais e características da personalidade influenciando nas reações frente aos eventos
da vida (Lipp, 2003).
Observou-se que no quadrante afetivo da qualidade de vida, os dados indicaram
que quanto maior o stress é menor o desempenho no quadrante profissional, fatores que
devem ser considerados uma vez que, o indivíduo quando não está bem consigo mesmo,
ou com suas relações acaba comprometendo-se em seu trabalho, sua produtividade e
obrigações. Dependendo do nível de stress ao qual está sujeito, variará sua condição
física e psíquica podendo sofrer conseqüências mais graves com o desenvolvimento de
patologias ou doenças como ansiedade excessiva ou obesidade. (Lark, 1996)
Pode-se dizer que como esta amostra aponta (66%) dos participantes afetados
com sentimentos de ansiedade e (58%) estressados, prejudicando sua qualidade de vida
e predispondo-se a desenvolver outras doenças como a obesidade, a qual, apresentou-se
com percentual de (82%) da amostra, indicando que os participantes por sentirem-se
ansiosos, estressados, auto gratificam-se, para compensar seus fracassos e frustrações,
juntamente com sentimentos de diminuição da auto-estima, processo de vida descontrolado,

Sobre Comporf.im cnfo c t'oflnlç.lo 137


agitado, afetando as relações interpessoais destes indivíduos, assim sendo, entende-se a
correlação de que, quanto maior o IMC (índice de Massa Corporal), menor a qualidade de
vida no quadrante profissional (r= -0,4% e p=0,005), caracterizando que o indivíduo obeso
de grau I e II, ou com sobrepeso, compromete-se profissionalmente.

Considerações finais
Verificou-se que o questionamento referente á obesidade inter-relacionar-se com
o stress e a qualidade de vida conduziu a respostas afirmativas, reafirmando a preocupação
quanto as causas de doenças ou patologias em pacientes que trazem esta queixa, para o
atendimento em Clínica que visa o tratamento para obesidade.
Considerando-se que os resultados obtidos nesta pesquisa, efetuam, um pequeno
início para fundamentar cientificamente uma questão tão diversa e ampla como ó o caso
da influência da obesidade na vida das pessoas e sua inter-relação com outros sintomas,
pode-se apontar através desta pesquisa, índices em níveis e graus de afetação, importantes,
comprovando a realidade de que mesmo morando-se em uma cidade de pequeno porte,
com qualidade de vida e pouca violência, os vários aspectos, culturais, biológicos, sociais
e psicológicos exercem diferenciação, considerando-os fatores influenciadores na produção
de stress, ansiedade e obesidade, conseqüentemente afetando e diminuindo a qualidade
de vida das pessoas.
Sabe-se que a obesidade atinge milhões de pessoas em todo o mundo e repercute
em seu aspecto mais agravante que é a saúde, mediante, quadros de hipertensão arterial e
diabetes desenvolvidos pós-obesidade, para tanto, cabe aqui ressaltara importância de suscitar
ações e programas sociais e de saúde com a finalidade de prevenção e informação ao público
em parceria com instituições de saúde, secretarias municipais e estaduais da saúde e afins.
Concluindo, esta pesquisa, procurou demonstrar um campo de abordagem aberto
a novos questionamentos que surgirão em outros segmentos da população, e para qual,
não se têm respostas conclusivas, considerando-se o aspecto multifatorial que influencia
na resposta ao tratamento. Desta forma, a informação e prevenção demonstram
efetivamente serem uma das soluções a serem tomadas como urgência na questão social.

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Sobre Com porl.im cnto e Co«iiiç*lo 139


Capítulo 15

Enurese e encoprese infantil: a


importância da família no processo
de intervenção clínica infantil
Vtincssd M arm cntini'

Patrida Cristina N o v a k f

Este artigo tem como objetivo relatar a intervenção comportamental realizada


com uma criança de seis anos e sua família, bem como descrever uma breve síntese da
problemática envolvida no caso clinico a ser relatado.
Na intervenção comportamental infantil, assim como na intervenção com clientes
adultos, o instrumento de trabalho do terapeuta comportamental (tanto na avaliação quanto
na intervenção) é a analise funcional. Para se proceder a uma analise funcional, o terapeuta
comportamental infantil normalmente começa com uma identificação do problema junto
aos pais, tentando definir operacionalmente as muitas queixas trazidas por eles, de modo
que se possa selecionar qual o problema a ser trabalhado. Os pais não são ouvidos
apenas como pais, o terapeuta procura vê-los como pessoas com suas próprias dificuldades
pessoais, as quais, normalmente possuem alguma relação com o problema que eles
atribuem a criança (Conte, 1993).
Segundo Conte (1993) apud Moura e Conte (s/a) ó interessante que o terapeuta
tambóm tenha contanto com a escola, os professores, e outros profissionais para o
levantamento complementar de dados sobre a criança, mas a interação terapeuta-criança
é fundamental, para se compreender o que realmente está acontecendo com ela.
Por meio da relação com a criança, o terapeuta pode agir quebrando possíveis
relações entre eventos e oportunizando a criança vivenciar novas interações mais

1Acadômlca-terapeuta do 5o. Ano do curso de Psicologia da Universidade Paranaense, Campus Cascavel.


1 Psicóloga clinica, docente e supervisora do curso de Psicologia da Universidade Paranaense, Campus
Cascavel. Contato: onovaki<a)unÍDar.br ou tel (45)3035-2439.

V.mcss.i M <irm cn tl» l, Patrlci.i C ristina N o v .ik i


restauradoras, tendo observado as conseqüências que ocorrem no ambiente natural a
partir da percepçáo e representação da criança (Conte, 1993).
O psicólogo infantil pode dispor de muitos recursos artificiais para reforçar a criança,
porém Kohlenberg, citado por Moura e Conte (s/a), ressalta que reforçadores naturais
(ações, reações espontâneas entre cliente e terapeuta) normalmente são potencialmente
mais poderosos para gerar mudanças de comportamento mais significativas. Por exemplo,
se a expressão de afeto por parte da criança, for um comportamento-alvo e o terapeuta
tiver uma reação espontânea afetiva quando ela o emitir, o reforçamento será natural.
Para Kohlenberg o terapeuta deve ficar atento para os comportamentos que o
cliente emite durante a interação que estabelece com este, pois quando mais próximo do
tempo e espaço estiver o comportamento de interesse da intervenção, mais efetiva essa
deverá ser. De acordo com Conte e Moura (s/a) os comportamentos que o terapeuta deve
apresentar, segundo Kohlenberg, podem ser aplicados a intervenção infantil da seguinte
forma:
Desenvolvimento de um bom repertório de observação: para que o terapeuta identifique
possíveis instâncias de CRB’s (comportamentos clinicamente relevantes) que
acontecem durante a sessão. A observação pode aumentar a probabilidade de que
os progressos sejam reforçados e os comportamentos inadequados extintos ou
punidos.
Construção de um ambiente terapêutico favorável à evocação de CRB’s: por considerar
que com crianças é muito mais complexo trabalhar apenas a nível verbal, e torna-se
necessário utilizar-se da linguagem lúdica, própria da criança.
Utilizar reforçamento positivo dos CRB’s: o reforçamento que está próximo, no espaço
e no tempo do comportamento-problema pode ser detectado e trabalhado dentro do
setting terapêutico, assim presume-se que as melhoras podem e devem ser
valorizadas e fortalecidas pelo terapeuta. O terapeuta deve ter clareza de qual
comportamento incompatível ao comportamento-problema deve ser reforçado para
poder estar sensível às pequenas alterações comportamentais rumo a melhora
desejada.
Desenvolvimento da empatia do terapeuta, ou seja. que ele seja capaz de reforçar
naturalmente as melhoras do cliente pôr se sentir reforçado por elas. Para Kohlenberg
é importante que o terapeuta desenvolva um repertório de observações das
propriedades potencialmente reforçadoras de seu comportamento que são
contingentes às ocorrências do comportamento clinicamente relevante do cliente.
Esta atitude prescreve um bom repertório de autoconhecimento e auto-observação
do terapeuta para que este possa discriminar durante o processo quais reações
suas evocam o comportamento-problema da criança, e quais reações reforçam o
desenvolvimento dos comportamentos-alvo. Esta estratégia aumenta a probabilidade
de que o terapeuta utilize seus recursos pessoais de forma mais consciente e
terapêutica, tendo sempre claro que uma relação reforçadora entre cliente e terapeuta
é fundamental para o processo.
Desenvolvimento de repertório de descrição das relações funcionais, entre as variáveis
controladoras e o comportamento da criança, comportamento oste prioritário a uma
boa atuação terapêutica, pois seria incongruente intervir e ajudar o outro a desenvolver
autoconsciência quando não se compreendem as interações e determinações.
Necessita-se entender as relações estabelecidas entre a criança e sua família,
membros da escola, amigos e agentes de outras instituições sociais para o

SobreComfwrlamenloeCoRnifSo 141
planejamento de uma intervenção mais abrangente e que traga resultados positivos
o mais cedo possível.
Seja qual for à condição que a criança enfrenta, a terapia comportamental infantil,
tem o objetivo de diminuir o padrão de comportamento desadaptalivo da mesma e o aumento
de seu bem-estar e de padrões mais adequados de comportamento em seu ambiente. A
terapia tem como finalidade contribuir não apenas para a redução do transtorno, de
comportamento que a criança apresenta a família ou demais instituições, mas também do
impacto quo o transtorno familiar gera sobre a criança. Aspectos importantes merecem
consideração neste sentido e refere-se à participação dos pais no processo da criança.
Quanto à temática da cliente à que este trabalho se refere, faz-se necessário
conceituar os termos aos quais o comportamento-queixa da mesma se remete;
comportamentos de enurese e encoprese.

Enurese e encoprese infantil


O termo Encoprese é utilizado para denominar a situação de defecação inadequada,
em qualquer quantidade e consistência nas roupas ou em locais impróprios, quando tem
idade para fazô-lo em locais próprios, na ausência de patologia estrutural, trazendo
conseqüências emocionais negativas para a criança (Ingberman, 2000).
Segundo o DSM APA (2002) na maioria das vezes a encoprese ó involuntária. Ao
caracterizar o quadro, o manual considera que o evento deve estar ocorrendo pelo menos
uma vez por mês. por no mínimo três meses, e que a criança deve ter idade acima de três
anos. Além disso, a incontinência fecal, não deve decorrer exclusivamente de fatores
fisiológicos ou de efeitos diretos de substancias como, por exemplo, laxantes.
A incontinência pode se desenvolver por razões psicológicas e/ou fisiológicas. No
primeiro caso, a ansiedade em defecar em algum lugar em particular está associada a um
padrão mais generalizado de comportamento ansioso ou de oposição, e se deve a
mecanismos da esquiva da defecação. No segundo caso, predisposições fisiológicas podem
ser complicadas por fissuras anais, pânicos quanto á defecação e manutenção da retenção.
Em ambos os casos a consistência das fezes varia, sendo que em alguns indivíduos, é de
consistência normal, em outros casos pode ser líquida (Ingberman, 2000).
Já a Enurese é uma descarga involuntária de urina, durante o dia ou à noite, em
crianças com idade escolar, na ausência de defeitos congênitos ou adquiridos do sistema
nervoso ou do trato urinário. Pode ser compreendida, portanto, como um déficit
comportamental na aquisição e na manutenção do controle do ato de urinar (Oliveira,
Santos e Silvares, 2000).
De acordo com o DSM IV a enurese primária caracteriza-se pelo fato da criança
jamais ter estabelecido a continência urinária (que se inicia aos cinco anos), já a enurese
secundária caracteriza-se pelo desenvolvimento da perturbação após um período de
continência urinária estabelecida, que se inicia mais freqüentemente entre cinco e oito
anos de idade. Quanto ao momento do dia em que os episódios acontecem, ela tem sido
classificada em diurna ou em vigília (ocorre durante o dia, quando a criança está acordada)
e Noturna ou durante o sono (ocorre á noite, enquanto a criança está dormindo) (Oliveira,
Santos e Silvares, 2000).
Dados da literatura têm apresentado a enurese como um problema relativamente
comum entre crianças, sobretudo por volta da idade pré-escolar. Apesar disso Doleys, (1977)
apud Oliveira, Santos e Silvares (2000) afirma que a enurese é em vários sentidos uma

V.moss«! M .irm c n lln l, P.itriri.i C rislin.i N o v.iki


desordem muito diferente e interessante, na qual a criança e sua familia sofrem geralmente
em silêncio, pois muitas vezes, os pais hesitam em levar o problema ao conhecimento
médico. Há uma tendência a atribuir as causas da enurese, a má educação por parte dos
pais ou a comprometimento psicopatológicos severos da criança. Talvez por isso a busca
de ajuda profissional seja adiada, na esperança de que a enurese se resolva sozinha.
Assim, para esses autores, tanto os quadros de enurese como os de encoprese
requerem tratamento, pois podem ter efeitos significativos no desenvolvimento psicológico
da criança, pelos efeitos negativos sobre a convivência dela com outras crianças e com a
própria familia, repercutindo na auto-estima, no desempenho escolar, no relacionamento
com professores e pares, causando isolamento social e à restrição de atividades.
Sobre os determinantes dessas problemáticas, Silvares (2002) relata que podem
existir variáveis familiares envolvidas e que interferem na recuperação do cliente. Assim,
uma das primeiras atitudes do terapeuta infantil seria buscar o esclarecimento com a
família sobre a falta de culpa da criança com relação a seu descontrole vesical ou anal.
Todo o empenho é feito para desmistificar idéias errôneas e pró-concebidas contra a criança.
Desta forma, combatem-se os principais comentários derrogatórios contra ela, sejam estes
realizados pelos pais ou por outras pessoas. Deseja-se com isso combater os comentários
familiares que contribuem para a auto-estima da criança continuar baixa.

A criança que se valoriza por certo terá melhores condições de colaborar em


etapas supostas pelo tratamento além de se tornar mais feliz por não ser
discriminada dos demais de seu grupo (SILVARFS 2002, p.85)
Outra variável seria o grau de controle da família sobre a criança, especialmente
no que diz respeito ao seguimento, pela criança, das instruções a ela fornecidas, pois, é
obvio que haja uma correspondência entre o grau de aceitação de regras por uma criança
e a possibilidade de seu sucesso em um programa visando à obtenção do controle vesical/
anal (Silvares, 2002).
Para a autora mencionada, a concepção dos pais quanto ao papel da familia na
definição dos problemas das crianças, é outra variável. Alguns pais acham que o problema
deve ser resolvido entre a criança e o terapeuta, porém se este chegar a conclusão de que
esta é a concepção da família, eíe deverá primeiramente tentar esclarecer o papei e o
auxilio da família para um bom resultado do tratamento da criança que apresente enurese
e/ou encoprese.
A capacidade de compreensão da racional do tratamento é ponto essenciaí para a
participação da família no processo. Para que se possa dar andamento a todas as etapas
do tratamento há que se ter por parte dos pais, muita disciplina e empenho. Os pais que
entendem o racional do tratamento estão naturalmente mais predispostos a colocar com o
terapeuta até que o controle vesical/anal desejável seja alcançado. Neste sentido, são claros
os dados bibliográficos, em forma de pesquisar, que afirmam que pais de nível socioeconômico
menor, conseqüentemente possuem menor compreensão da racional dos procedimentos,
ou seja, estes são mais prováveis que vão desistir do tratamento (Silvares, 2002).
E a última variável, de acordo com a mesma autora, seria o grau de discórdia da
dlade conjugal com relação aos problemas da criança e a outros aspectos. Assim como a
criança que não atende as instruções de seus pais não pode ser bem sucedida na superação
de seus problemas de descontrole vesical, também pais que estão muito infelizes com o
casamento não têm condições de participar de maneira efetiva de um trabalho conjugal

Sobre Comporl.imcnlo e Cognlçdo 143


com o terapeuta visando obtenção do controle vesical/anal de seu filho. Assim possivelmente
as dificuldades de interação pelas quais a dlade passa no momento que trouxe a criança
para o atendimento psicológico a impeçam de cumprir as várias etapas implícitas no
processo de treino da criança enurótica e/ou encoprética, ou de qualquer outra ajuda que
por ventura o terapeuta solicite. Nestes casos primeiramente deve-se trabalhar com os
pais, para depois procurar auxiliar a criança.
Percebe-se desta forma, como a participação dos pais no processo terapêutico é
importante, pois, quando os pais procuram atendimento para seu filho, geralmente
apresentam queixas variadas, e centralizadas na criança, estes acreditam que a criança
é a única detentora de dificuldades e a qual deve ser o alvo da intervenção.
Contudo o atendimento clinico infantil deve considerar a participação da família
no processo. Para Silvares (1998) a participação da família é fundamentada a partir de três
princípios básicos, que são:
O comportamento infantil é resultado da intersecção de seu organismo com variáveis
histórias e ambientes;
O comportamento da criança é mantido pelas contingências ambientais - familiares
Os pais geralmente estão a maior parte do tempo com as crianças e dispõem das
contingências reforçadoras que são fundamentais para a mudança do comportamento
dos filhos.
Acredita-se que o comportamento ó função de variáveis ambientais, que podem ser
identificadas e manipuladas e que o cliente adulto ou criança deve aprender a reconhecer e a
manejar os antecedentes e conseqüentes de seu comportamento, assim explica-se á atuação
terapêutica simultânea com pais e criança, beneficiando o desenvolvimento do caso.
Para Silvares (2000) trabalhar com os pais para alterar os comportamentos dos
filhos é o esperado quando se acredita que as contingências ambientais, ou seja, familiares
são o que mantém o comportamento-problema. E pelo fato dos pais estarem a maior parte
do tempo com os filhos, são eles que tem maiores condições de alterar as contingências
controladoras de tais comportamentos. Assim percebe-se que a participação dos pais no
processo terapêutico e fundamental para a eficácia do tratamento.

Descrição do caso

Identificação
A cliente ó uma menina, Nadia3com seis anos de idade, esta na 1a. série de uma
escola municipal da cidade no oeste do Paraná. É filha de um casal que não mora junto.
A cliente mora com o pai I., e com a madrasta E. sendo que quem procurou atendimento
foi à madrasta da menina, devido os comportamentos de enurese e encoprese apresentados
pela criança.

QUEIXA
A queixa inicial apresentada por E., madrasta de Nadia, foi de que a criança
regredia, apresentando comportamentos de enurese e encoprese, sempre que conversa
por telefone com a mãe G., que hoje mora em outro estado. Porém, mais tarde através dos

3 Todos os dados pessoais da cliente e dos familiares foram alterados para sua Identidade ser preservada.

Vanes«,! M iirm e n lin i, Ptifricla C iistind N o vd ki


registros comportamentais notou-se que a ocorrência do comportamento-problema não
era só apenas quando a mãe da cliente ligava e sim todos os dias podendo ou não acontecer
mais de uma vez por dia. Faz-se importante ressaltar que a cliente possuía controle de
esfíncter, ou seja, aprendeu em idade normal, poróm após um determinado período
apresentou comportamento-problema com ocorrências de enurese e encoprese.

História de vida da ciíente


Quanto à história de vida da cliente, E. relatou que a mãe de Nadia, morou com seu
pai I. por pouco tempo. Quando se separaram, o pai da cliente voltou a morar com sua mãe.
Quando a cliente tinha aproximadamente dois anos sua mãe sentiu-se impossibilitada de
cuidar da filha e deixou-a com a avó paterna e foi para uma cidade do Sudoeste do Paraná.
Nadia ó a quinta filha de G. e não mantém contato com os outros irmãos. Segundo
informações do pai da cliente, sua filha tinha uma irmã gêmea que nem chegou a nascer,
segundo ele ocorreu um aborto natural, depois de uma tentativa de aborto feita pela G. “Ela
foi à farmácia comprar um remédio abortivo, só que o vendedor era meu amigo e sabia o
que estava acontecendo e deu pra ela tomar uma vitamina, daí não aconteceu nada, por
que era só uma vitamina
Há algum tempo o pai da cliente está morando com E. e a pedido dele, Nadia
continuou morando com a avó, e só passava os finais de semana com eles. Essa situação
se arrastou por algum tempo, mas atualmente cliente mora com E e o pai., pois, a avó não
quis mais cuidar da menina, pois segundo E., a cliente não obedecia a avó.
Segundo E: "Nadia parece ter medo de ficar sozinha, pois me acompanha em
tudo, até para ir ao banheiro ela fica me esperando na porta do lado de fora. Se estou
lavando roupa ela está junto, se eu pergunto o que há com ela, ela me pede se falta muito
pra mim terminar o serviço. Algumas vezes fala que está triste que tem vontade de chorar
mas, nào quer morar com a mãe.” A mãe visita a filha mais ou menos uma vez por ano.
Liga para ela em datas especiais, porém promete que vem vê-la, mas não cumpre suas
promessas.
A opinião do pai sobre o problema da filha é que "é falta de chinelada", acredita
que não é necessário o tratamento terapêutico. "A Nadia é sem vergonha ela não larga os
brinquedos e não vai ao banheiro para não perder tempo de brincar".
Quanto aos relacionamentos da cliente, E. relatou ser normal, disse que a cliente
tem vários amigos, e que esta bem nas atividades escolares.

Observações da terapeuta sobre a cliente


Notou-se que Nadia é uma criança que exige muita atenção e carinho das pessoas
que a rodeia. Nas interações com a terapeuta Nadia demonstrava ser muito carinhosa.
Apontou durante as sessões, e até mesmo verbalizava que se sentia rejeitada pelas pessoas
de sua convivência. Em uma sessão Nadia verbalizou: "Uma vez quando eu respondi minha
vó ela me mandou embora da casa dela" e outra vez se referindo a sua mãe disse: “ela me
abandonou, eu era bem pequeninha, e ela me deixou sozinha, eu fiquei sozinha, sozinhaI"
Nadia demonstrava constantemente medo do abandono, tanto do pai como da E.
Também demonstrava que tinha medo e que não gostaria de ir morar com a mãe G. em
outra cidade. Em uma sessão realizada com a avó da cliente esta relatou que no início da
vida escolar de Nadia, esta chorava muito e que eles acharam melhor retirá-la da escolinha,
"Parecia que ela tinha medo que nós esqueceríamos ela lá

Sobre Comportamento c Cognição 145


Relação da cliente com as pessoas significativas em sua vida
Relacionamento com o pai: Nadia demonstrou gostar do pai, porém, ele não possui
muita interação com ela. Em algumas situações verbalizou que amava seu pai,
contando às atividades que realizavam juntos. Também relatou durante as sessões
que em casa exigia muita atenção do pai, porém nem sempre recebia.
Relacionamento com E.: percebeu-se durante as sessões, que a cliente, às vezes
demonstrava, de forma muito sutil ter ciúmes do pai quando este, dava atenção para
E. Porém em outras vezes verbalizava que gostava de morar com E. e que tinha
medo que ela fosse embora, assim percebe-se que existia uma sentimento
ambivalente.
Relacionamento com a mãe: a cliente possui pouco contato com a mãe, quando se
comunicava era por telefone, e em datas especiais a mãe mandava-lhe presentes.
Em alguns momentos falava com mais freqüência da mãe, em outros passava longos
periodos sem mencioná-la. Às vezes queixava-se que a mãe não vinha vê-la, dizendo
que sentia saudades.
Relacionamento com a terapeuta: em sessão a cliente mostrou-se carente, apegando-
se facilmente quando esta dava-lhe atenção. O vinculo terapêutico estabelecido foi
muito bom, desde o inicio do tratamento, a cliente foi sempre muito amorosa,
entregando cartinhas, cartões e bilhetinhos que confeccionava em casa para a
terapeuta.
Relacionamento com os amigos/escola: segundo E. a cliente tem vários amigos, e
que vai bem nas atividades escolares. Nadia apresentou em seus relatos ter um bom
relacionamento com os colegas na escola e ter amigos fora da escola também.

Análise e discussão do caso


Primeiramente realizou-se uma entrevista inicial com os pais para determinar e
descrever as circunstâncias e as contingências que mantém o quadro, incluindo a
severidade e os fatores potenciais, a história familiar e médica, os problemas recorrentes,
a história de treino e tratamento, obtendo dados da competência emocional e
comportamental dos pais.
Após esta entrevista inicial foi descartada a hipótese de existir algum problema
orgânico, pois o pediatra após uma consulta, devido o intestino preso da cliente, encaminhou
a cliente para atendimento psicológico.
Faz*se importante ressaltar neste momento, que a cliente possuía controle de
esfíncter, ou seja, aprendeu em idade normal, porém a avó paterna da cliente relatou que
percebe que a ocorrência do comportamento problema iniciou, e continua associada a
perdas, como o abandono da mãe e a também periodos de mudanças em sua vida, como:
a mudança do pai quando este foi morar sozinho com E., a mudança dela da casa da avó
para a casa do pai, atualmente quando entra em contato com a mãe, o casamento do seu
pai com E. o também a possibilidade de ganhar um irmãozinho. Notou-se que nestas
circunstâncias a ocorrência do comportamento problema aumenta.
Durante as sessões lúdicas foi-se levantando hipótese pelas quais o comportamento
problema poderia estar aparecendo, como:
Apresentar o comportamento problema para chamar a atenção dos pais, já que
estes não tinham muita interação com a menina.

V.mcss .1
M .irm rn fín i, P.itrici.i C m tiiw N o vd ki
Mesmo o pai brincando com a filha, ole não brinca do que ela gosta e também é
apenas o pai quem ganha nos jogos, então para ela isto não é brincadeira, nem
interação- Ex: ficar sentada ao lado do paj vendo o mesmo jogar game no computador.
O comportamonto-problema poderia estar associado a situações de mudanças, como
por exemplo, o casamento do pai, com a E; saída da casa da avó; ganhar um
irmáozinho.
Sentimento de baixa auto-estima, de inferioridade, por sentir falta da mãe (abandonada
pela mãe) e por ser ridicularizada pelos familiares quando não consegue ter o controle
do xixi e/ou do cocô.
O fato de não conseguir chegar ao banheiro a tempo, e de talvez ter vergonha devido
aos comentários pejorativos que o pai fazia a respeito do ato de evacuar.
Com base nos dados obtidos e das hipóteses levantadas, realizou-se a intervenção
clínica com a cliente, com o objetivo de enfatizar formas mais adequadas se sinalizar as
pessoas que ela necessitava de carinho, afeto e atenção. Fez se isso, trabalhando com
comportamentos encobertos por meio de jogos, família de bonecos e de animais, estórias,
modelagem em massinha, utilizou-se ainda o registro no calendário de xixi e cocô4, aonde
a cliente, com supervisão dos responsáveis, marcava, com um X, na nuvem, quando
apresentava comportamento de enurese, no sol triste comportamento de encoprese, e no
sol feliz quando fazia cocô no vazo sanitário.
Os atendimentos aconteciam duas vezes por semana, uma sessão com a cliente
e outra sessão com sua responsável, no caso E.. Durante as intervenções clínicas,
percebeu-se outros comportamentos que necessitavam ser trabalhados com a cliente,
como comportamentos de agressividade, de mentira, orientação sexual e expressão de
sentimentos, pois a cliente apresentava estes comportamentos (mentir, agressão) com
os outros em função de não saber expressar que queria atenção, de forma mais adequada.
Abaixo segue a relação detalhada dos conteúdos mais significativos que foram
trabalhados com a cliente e sua família, visto que o comportamento-problema envolvia
toda a interação familiar. Para Silvares (2000) trabalhar com os pais para alterar os
comportamentos dos filhos ó o esperado quando se acredita que as contingências
ambientais, ou seja, familiares são o que mantém o comportamento-problema. E peio fato
dos pais estarem a maior parte do tempo com os filhos, são eles que têm maiores condições
de alterar as contingências controladoras de tais comportamentos. Assim percebe-se que
a participação dos pais no processo terapêutico e fundamental para a eficácia do tratamento.
Quanto ao quadro seguinte, é importante ressaltar que em todas as sessões
(mesmo nas que enfocavam outros comportamentos, como a mentira, agressividade...) o
comportamento-problema era relembrado e se conversava com a cliente fazendo as
intervenções pertinentes, e verificando as anotações nos calendários controle.
Segundo a analise funcional, verificou-se que a variável que mantinha este
comportamento era a atenção que a cliente recebe do pai e das outras pessoas significativas
a ela, ou seja, Nadia apresentava o comportamento-problema pois era reforçada com a atenção,
do pai em especial, e das outras pessoas também, como, por exemplo, a E. e a sua avó,
incluindo também a mãe, que ligava para saber como estava a filha. E ainda, o comportamento-
problema ocorria também associado a situações de mudanças diversas, e não apenas quando

4 O modelo do Calendário Controle oncontra-se no anexo II.

Sobrr Comportamento c C ojjnlçío 147


Objetivo Procedimento
Tomar conhecimento sobre a queixa, a história de Pelas entrevistas realizadas com o pai, E. e a avó
vida da cliente e seus relacionamentos que teve participação nos primeiros anos de vida
significativos. da criança.
Formar o vinculo terapêutico com a cliente. Por meio de jogos (dominó. Quebra-cabeças, jogo
do mico...), brincadeiras, desenho, pintura com
tinta guache, e a leitura do livrinho infantil: "0
Primeiro livro da criança sobre psicoterapia". (ver
em anexos 1).
Fortalecer o Vinculo Terapêutico. Pela apresentação do sigilo profissional, de como
se desenvolve o processo terapêutico e falar
sobre o papel do terapeuta com auxilio do livrinho
supracitado, e pintura do uma gravura do livro.
Fazer orientações com os pais sobre a Pela discussão do cap. 5 do livro: Domando sua
importância do reforçamento positivo dos Ferinha (ver em anexo l).lnformando os pais que
comportamentos adequados da cliente. apenas os comportamentos positivos da cliente
devem ser reforçados.
Investigar com a cliente a dinâmica familiar. Brincadeiras com a familia de animais.
Investigar dados sobre o relacionamento da Brincadeira com a familia de bonecos, branca e
cliente com sua mãe, com o pai, com a E, e negra e também com acessórios como
também com os amlgulnhos. panelinhas...
Fazer instruções para E. sobre as observações Através de uma conversa formal no consultório.
realizadas e também verificar como estão os
comportamentos da cliente em casa.
Questionar a ocorrência do comportamento Com o auxilio da familia de bonecos branca e
problema com a cliente verificando se ela negra, e também com panelinhas e outros
roconhece que tem algum problema a ser brinquedinhos.
resolvido^ _
Planejamento de uma sessão sobre orientação Através de uma entrevista verificar o que a
sexual a pedido da responsável. responsável gostaria que fosse trabalhado com a
cliente dentro de suas dúvidas.
Realização da sessão sobre sexualidade. Com boneco que possuem órgãos sexuais e
pranchas do livro; "Papai, mamãe e eu" (ver em
anexo 1)
Observar a interação da cliente com o paL_ Por meio de jogos diversos.
Dar instruções para a responsável a respeito da Através das observações realizadas na última
interação familiar adequada.._______________ sessão, via conversa formal.
Trabalhar com o comportamento de mentir da Pelo livrinho "Lições de vida", a estória “Papos de
cliente a pedido da responsável. Raquel" (ver em anexo 1) e confecção de
desenho.
Trabalhar com os comportamentos agressivos da Pelo livrinho “Rita não gritai" (ver em anexo 1) e
cliente a pedido da responsável. também confecção dos personagens em
massinha de modelar. _
Coletar dados sobre a ocorrência do Com conversa com a responsável.
comportamento problema, e a freqüência que está
ocorrendo.
Retomar os conteúdos trabalhados como mentira Através da modelagem e desenhos realizados.
e agressividade.
Fazer intervenções com a responsável sobre a Por meio de uma conversa formal com a
melhor forma de lidar com os comportamentos da responsável.
cliente que a incomodam.
Verificar se a cliente parou de mentir. Por meio do livrinho Tildas Mentirinha" (ver em
anexo 1).
Trabalhar com a expressão de sentimentos. Pela escrita de uma carta para sua mãe, que foi
enviada para a mãe da cliente.

Víincisü M itrm c n tm i, Patrícia C ristina N o v .ik i


Levar a cliente a expressar seus sentimentos de Por meio da confecção de um cartão de dia dos
forma mais clara para com o pai. pais.
Trabalhar com a expressão dos sentimentos da Através do livrinho "Se ligue em Você" (ver anexo
cliente. 1) e confecção de desenho.
Continuar o trabalho com a expressão de Através da pintura de uma gravura do livrinho.
sentimentos.
Investigar dados sobre os comportamentos da Por meio da confecção de fantoches de varetas
cliente dentro da dinâmica familiar dos personagens do livrinho “Se ligue em Você”
(ver anexo 1).
Trabalhar sentimento de triste/a. Através da modelaaem em massinha.
Investigar o relacionamento da cliente com os Pela brincadeira e confecção de estória com
colegas. animaizinhos de pelúcia diversos.
Trabalhar com o tema Bagunça que surgiu na Com o livrinho “Bagunça ó bom, mas tem hora",
última sessão. (ver anexo 1) e confeocâo e Dlntura de desenho.
Coletar dados sobre os sentimentos e Através da modelagem em massinha.
comportamentos da cliente fazendo intervenções.
Iniciar o processo de desligamento devido a data Pela leitura do livrinho sobre "Psicoterapla Infantil"
do fim do estÔQio. (ver anexo 1)
Avaliação do processo terapêutico. Atravós da modelagem em massinha com o tema
"0 que aprendi na terapia".
Finalizar o processo terapêutico. Com a confecção de um cartão.

a mãe ligava, sendo por tanto uma forma da cliente sinalizar para o ambiente que não estava
bem frente estas contingências, uma vez que sua história de vida é marcada por mudanças
que foram acompanhadas de estímulos aversivos, sendo assim reforçada negativamente.
Verificou-se que o pai, e as demais pessoas nunca brincavam com a criança e
quase nunca lhe dirigia atenção particular. Assim a cliente apresentava o comportamento
problema, pois, recebia atenção do pai mesmo sendo por meio de broncas ou palmadas,
ou seja, punindo*a.
Para a abordagem comportamental, o reforço positivo consiste na apresentação de
um reforçador positivo, ou seja, qualquer, recompensa, ganho ou acréscimo de algo que seja
considerado bom para o sujeito, fornecido logo após este apresentar um comportamento
determinado. Ou seja, após apresentar um comportamento qualquer, a pessoa tem como
conseqüência algo que considera bom para si. Neste caso a cliente era reforçada positivamente
com a atenção que recebia do pai e das pessoas que se relacionavam com ela obtendo
atençào logo após apresentar o comportamento problema (enurese e/ou encoprese).
Canaan-Oliveira, et al (2002) afirmam que a punição é entendida, dentro da abordagem
comportamental como o acréscimo de um estímulo aversivo, como um castigo corporal com
beliscão, palmadas, puxões de cabelo ou de orelha, ou a retirada de um estímulo reforçador
corno por exemplo a sobremesa, a mesada, o carinho e afeto dos pais.
Entretanto a punição é concebida como um procedimento no qual uma conseqüência
ruim segue determinado comportamento, fazendo com que este desapareça ou reduza de
freqüência. Assim qualquer evento que faz com que o comportamento diminua é considerado
um evento punitivo e o procedimento geral chamado de punição requer a ocorrência de um
comportamento seguido de uma conseqüência que diminua esse comportamento.
Porém no caso relatado, o uso da punição pelo pai da cliente não fez a freqüência
deste comportamento diminuir, pelo contrário, aumentou confirmando que o uso muito
freqüente e indeterminado da punição pode acabar com a sua eficácia, podendo até aumentar
o comportamento indesejado, ao invés de elimina-lo. Pois para Canaan-Oliveira, et al
(2002) seria como se a criança se acostumasse com aquela conseqüência e assim, ela

Sobre Comportamento e Co^niç.lo


perde o efeito. Foi o que aconteceu com a cliente, que mesmo apanhando do pai continuava
apresentando o comportamento de enurese e encoprese, pois, era a única maneira que
ela conhecia de receber atenção dos pais e evitar a sensação de abandono.
Concomitante as intervenções com a criança foram realizadas orientações aos
pais de como lidar com os comportamentos apresentados pela filha, mostrando-lhes formas
mais eficazes de impor limites para com a menina e de reduzir a ocorrência de seus
comportamentos-problema.
Pela intervenção foi possível orientar os pais sobre como favorecer uma interação
adequada com a criança sem, contudo fortalecer a conduta inadequada da mesma,
enfocando também o estabelecimento de limites, e o reforçamento de comportamentos
adequados. Percebeu-se também que os comportamentos de enurese e encoprese
apresentados pela cliente indicavam a única maneira que ela sabia para receber atenção,
e de agir frente ao ambiente que ela estava inserida. A terapeuta ajudou a cliente a expressar
seus sentimentos de forma mais adequada, sem que ela tivesse prejuízos, como broncas
e palmada. Trabalhou-se com o objetivo de enfatizar formas mais adequadas de sinalizar
que necessita de afeto e atenção. As ocorrências de xixi e cocô diminuíram gradualmente.

Resultados
Na avaliação observou-se através dos procedimentos de coleta de dados, pelo
calendário controle, e intervenção, que o comportamento-problema, apresentado pela criança
surgia como forma de obter atenção dos pais (reforçamento positivo), uma vez que esses
demonstraram ter pouca interação com a criança em outros momentos que não aqueles
relacionados aos episódios de xixi/cocô e reforço negativo, evitando a sensação de abandono.
Através do calendário controle notou-se que as ocorrências do comportamento
problema diminuíram muito, pois no início do tratamento, por volta da segunda semana do
mês de Abril a cliente apresentou 21 vezes o comportamento-problema durante uma
semana, já nos meses de Agosto, Setembro e Outubro, foram poucas às vezes que o
comportamento-problema surgiu, passando várias semanas sem nenhuma ocorrência.
Os resultados podem ser visualizados no seguinte gráfico:

Frequência do Comportamento-
problema Apresentado pela Cliente no
Período do Atendimento Terapeutico

50
!* m s sM Pt t rs & T '
40
30
*
20 & wmwts* •• .«•»' w a ** ■
:-rf: ' - . r : ’• ...' < . v ;* :* ?v v ; r - , ;*;•
10
0 .’mi m'. '*.•:• • ’• V• ’ JVÜu‘

V«tncss.i M .irm rn tin l, Palrlci.i Cristin<i N o va kí


Observa-se no Gráfico, que a ocorrência dos comportamentos-problema diminuída
gradativa, de 49 ocorrências no final de Março e Abril, (meses em que a cliente iniciou a
utilização do calendário controle), diminuíram para apenas uma ocorrência em Outubro,
porém no último mês de atendimento clínico, percebeu-se que a cliente voltou a apresentar
o comportamento problema, aumentando de uma ocorrência om Outubro para quatro em
Novembro, hipotetiza-se que este comportamento provavelmente tenha ocorrido em função
do atendimento terapêutico estar terminando, ou seja, a cliente se submeteu a uma
mudança, e poderia estar se sentindo abandonada pela terapeuta, já que o tratamento
terapêutico terminaria em função do calendário da instituição, pois a cliente não estava
em per iodo de alta e foi encaminhada para continuar seu atendimento individualizado.
Pela intervenção foi possível orientar os pais sobre como favorecer uma interação
adequada com a criança sem, contudo fortalecer a conduta inadequada da mesma,
enfocando também o estabelecimento de limites. Orientou-se os pais para aplicarem
extinção nos comportamentos inadequados da filha. Para Bock, Furtado e Teixeira (1999),
extinção é um procedimento no qual uma resposta deixa de ser reforçada. Neste caso os
pais pararam de reforçar os comportamentos inadequados de xixi e cocô, não utilizando
reforço positivo de atenção ou mesmo broncas para o comportamento de enurese e
encoprese da filha e reforçando comportamentos incompatíveis a função que aqueles tinham.
Enfim, com a criança trabalharam-se formas mais adequadas de sinalizar que
necessita de afeto e atenção, a discriminar suas reações frente ao ambiente, isto é,
perceber seu comportamento e as conseqüências que o mesmo produzia, além de auxiliar
na identificação de situações de eliminação mais adequadas e controle de estímulos
físicos e ambientais. As ocorrências de xixi e cocô diminuíram muito, porém não
desapareceram totalmente, assim, a cliente não teve alta, pois necessita trabalhar outros
conteúdos como a chegada do um irmãozinho, a questão dos ciúmes, e o tipo de
relacionamento que ela tem com a mãe, devido à distância.

Referências
Bock, A. M. B., Furtado. O. E., Teixeira, M.L. (1999). Psicologias; Uma introdução ao estudo de
psicologia. São Paulo: Saraiva.
Canaan-Oliveira, S. et al. (2002). Compreendendo seu Filho: Uma analise do comportamento
da criança. Belóm: Paka-tatu.
Conte, F.C,S e Moura, C.B (s/a). A Psicoterapia Analítico Funcional Aplicada à Terapia
Comportamental Infantil: a Participação da Criança. Universidade Estadual de Londrina,
texto avulso.
Faóiman, J. E Frager, R. (1986). Teorias da Personalidade. São Pauio: Harbra.
Ingberman, I .K. (2000) A encoprese infantil. In E.F.M.Silvares (org.) Estudos de Caso em Psicologia
Clinica Comportamental Infantil. Campinas: Papirus.
Oliveira, D.S.; Santos, G.T. e Silvares, E. F de M. (2000). A enurese infantil e o uso de alarme no
seu controle.In E.F.M.Silvares (org.) Estudos de Caso em Psicologia Clinica
Comportamental Infantil. Campinas: Papirus.
Silvares, E.F de M. (2002). Família, enurese e intervenção clínica comportamental. In H.J.
Guilhardi (et al) Sobre Comportamento e Cognição: Contribuições para a construção da
Teoria do Comportamento, Vo1.10. (1* ed) Santo André: ESETEC.

Sobre Comporldmenlo e CofjnivJo 151


Capítulo 16

Diabetes tipo 1: práticas educativas


maternas e adesão infantil ao
tratamento
P.itrícú C/uillon Ribeiro *

Su/iinc Schmn/lin l.õhr **

“Os homens agem sobre o mundo modificam-no e, por sua vez sâo modificados
pelas conseqüências de sua ação.” (Skinner, 1957/1978, p. 15)

Skinner aponta para a influência reciproca entre o meio e o indivíduo. Assim como
o contexto exerce forte influência na determinação das condutas da pessoa, esta ao
comportar-se modifica o meio ao seu redor. A doença grave e crônica na infância é uma
variável importante que incide sobre a criança podendo estender sua ação aos familiares
e pessoas do círculo de relacionamento da mesma e interferir nas relações e
comportamentos dos envolvidos. Ao agir sobre a criança doente e seus familiares, a
doença provoca respostas destes, os quais modificam novamente o ambiente. A doença
e o seu tratamento exigem novo conjunto de habilidades, que interferem no ajustamento
familiar anterior e quando a criança e a família não sabem administrá-la com propriedade,
podem gerar o que Starling (2001) denomina enfermidade, que é o componente psicológico
muitas vezes associado a doenças físicas.
Rlbes (1990) delineia um modelo psicológico da saúde. Mostra, com tal modelo,
que os comportamentos que favorecem a saúde ou que dificultam a cura e impossibilitam
a construção de ações preventivas são, em grande parte, fruto do aprendizado. A
constatação de que podemos aprender a administrar situações complexas, como uma
doença grave, desenvolvendo novas habilidades apropriadas ao momento e evitando a
instalação de um quadro de enfermidade além da doença física, justifica a realização de
estudos psicológicos dirigidos à interação da criança doente com seus familiares.
*(UFPR)
**(UFPR/UnlcenP)

152 l\itrici«i C/uillon Ribeiro, Su/ane Schmiiilm l.õhr


O desenvolvimento de novos comportamentos, assim como o aprimoramento de
habilidades, está associado às conseqüências de cada ação. Os pais têm grande influência
neste processo. Ao gerenciar a disponibilidade de reforços e punições, auxiliam a criança a
construir seu repertório comportamental (Ingberman, 2001). É sabido que todo comportamento,
apropriado ou inapropriado, é decorrente da ação dos mesmos princípios da aprendizagem.
Assim, analisar que práticas educativas adotam os pais de crianças com diabetes tipo 1, e
que conseqüências são percebidas no comportamento dos filhos com relação ao manejo da
doença, pode constituir uma contribuição importante para o futuro destas crianças.
É através da maneira como educam os filhos que os pais os preparam, ou não,
para que adquiram comportamentos relacionados com a autonomia e a responsabilidade.
O diabetes tipo 1 è uma doença que não tem cura e acompanhará a criança por toda a sua
vida, exigindo que esta desenvolva habilidades de manejo do seu quadro, assim como de
autocontrole. Muitas vezes a criança terá que escolher entre o prazer imediato que pode
ser seguido de conseqüências nocivas à sua saúde, gerando desconforto e sofrimento
físico, ou adotar comportamentos mais comedidos, que impliquem em abrir mão deste
prazer, mas que impliquem na preservação de seu bem-estar. Esta atitude nem sempre é
fáciJ, principalmente quando se trata da infância.
As trocas que a criança estabelece com os familiares, favorecem a construção de seu
repertório comportamental, o qual capacita-a no manejo das contingências sociais mais amplas.
Conforme Banaco e Martone (2001), a família é uma das mais importantes agências controladoras
do comportamento do ser humano. Cabe a ela aplicar os procedimentos de punição e reforço à
pessoa de acordo com os criténos estabelecidos culturalmente. É função da família estabelecer
valores para que cada um de seus membros possa se relacionar com o meio mais amplo. A
família influencia e é influenciada já que seus valores também são determinados pela cultura na
qual está inserida. Os valores e princípios que pautam as ações de cada criança estão inscritos
no que a família lhe passou, refletem o que vigora na sociedade da qual tanto a criança quanto a
família fazem parte e constituem algumas variáveis que interferem na forma com a criança
administrará as situações relacionadas à doença e ao seu tratamento.
Dos membros que integram a família de uma criança, na maioria das vezes, os
que têm maior ascendência sobre ela são os pais. São eles os principais responsáveis
pelo estabelecimento das contingências para o comportamento infantil, o que torna muito
difícil trabalhar para a modificação do comportamento de uma criança sem o envolvimento
dos pais, conforme cita Ingberman (2001).
Uma das funções do sistema familiar ó cuidar e garantir que as interações entre a
criança e os outros membros se estabeleçam e se generalizem para outros sistemas
como a relação com os pares e os professores na escola, dentre outros (Novak, 1996).
Quando uma criança tem uma doença grave, que requer cuidados não apenas no âmbito
restrito de seus lares, mas em todos os contextos que convive, o processo de generalização
das orientações do lar para os outros ambientes, é de fundamental importância e favorece
a independência da criança.

Implicações da doença crônica no desenvolvimento infantil


As doenças crônicas são patologias para as quais não se conhece a cura e o
principal objetivo no tratamento das mesmas é a busca pela qualidade de vida dos pacientes.
Para que isso seja possível, é necessário o desenvolvimento de novas habilidades que

Sobre ComportdmcDlo c Cofiniçdo 153


permitam o manejo adequado dos cuidados com o tratamento. É fundamental que o paciente
compreenda a importância dos cuidados com a doença para a manutenção de seu bem-
estar e se dedique no aprendizado de novas estratégias para administrar as situações do
seu dia-a-dia modificando os padrões comportamentais previamente estabelecidos.
A preocupação com a doença crônica infantil é, em termos de evolução histórica
da ciôncia, um assunto bastante recente. Não faz muito tempo, era comum que as crianças
morressem em decorrência de doenças que hoje têm cura ou têm possibilidade conhecida
de tratamento (Thompson & Gustafson, 1996). É necessário frisar que os avanços no
tratamento de inúmeras doenças graves e crônicas ao mesmo tempo em que afastam o
fantasma da morte iminente, geram outras dificuldades como a necessidade de adaptação
a uma nova realidade. Em outras palavras, ó preciso lidar com as crianças que se vêem
diante de uma patologia que precisa ser controlada continuamente e, pelo resto de suas
vidas. Trata-se de uma tarefa difícil, que mobiliza e modifica o ambiente infantil, além de
exigir "maiores esforços adaptativos pessoais" (Lõhr, 1998).
O modo como a doença vai alterar a estrutura da familia depende das idiossincrasias
de cada sistema: crenças, valores e a própria história prévia de aprendizagem dos membros
do sistema familiar (Lõhr, 1998). A capacidade do ser humano de se adaptar ás diferentes
situações vivenciadas é, reconhecidamente, grande, porém o impacto de situações
estressantes como a doença grave pode desencadear importantes respostas emocionais
e influenciar no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento.
Os pais são, habitualmente, os maiores atingidos pelo diagnóstico da doença na
criança. O manejo diário do tratamento de uma doença crônica é uma tarefa cansativa e
desgastante, além de ser dispendiosa (Lima & Enumo, 2001). Fazendo uma avaliação
cuidadosa da doença grave e crônica infantil, é possível perceber que além de influenciar
diretamente o comportamento dos pais na interação com os filhos, esse fator é determinante
no processo de desenvolvimento da criança. Em doenças como o câncer, por exemplo, o
grande número de hospitalizações impede que a criança mantenha o processo normal de
escolarização. A socialização da criança também sofre modificações e, em casos como o
Diabetes, exige do paciente o desenvolvimento de novas estratégias de interação com seus
pares. A doença impõe, portanto, readaptações frente à nova realidade (Vieira & Lima, 2002).

O Diabetes
O diabetes é causado por uma deficiência no pâncreas que é o órgão que produz
insulina, um hormônio responsável pelo metabolismo da glicose. Esta é absorvida pelo
organismo através da ingestão de alimentos ricos em carboidratos e açúcar e é essencial
para a nutrição das células (Zagury & Zagury, 1998).
Quando a insulina do organismo é insuficiente ou a ingestão de alimentos ricos
em carboidratos foi exagerada, o nível de glicose no sangue pode ultrapassar o índice
adequado de 120mg gerando o que se chama de hiperglicemia. Entretanto, se a
concentração de açúcar no sangue for pequena, abaixo de 70mg, tem-se o quadro oposto,
o de hipoglicemia (Zagury & Zagury,1998).
As duas formas mais comuns de manifestação do diabetes são conhecidas como
tipo 1 (DM1) e tipo 2 (DM2). O diagnóstico de DM1 ocorre, habitualmente, em crianças em
idade escolar ou adolescentes. Nesse caso, não há produção de insulina pelo pâncreas e a

154 l\ilrki.i C/uillon Ribeiro, Su/.inc Scbmidlin Lõhr


criança se toma um insulinodependente o que, em outras palavras, significa que ela depende
da insulina produzida em laboratório para viver. Esse medicamento precisa ser aplicado pelo
menos três vezes ao dia, conforme as orientações médicas, por toda a vida do paciente. Além
disso, a criança deve fazer uma dieta que tem por objetivo principal o controle da ingestão de
carboidratos, e deve praticar exercícios físicos regularmente (Zimmerman & Walker, 2002).
A evolução do diabetes depende do manejo do paciente relativo ao seu tratamento.
Se houver um bom controle das taxas glicêmicas, o risco de existirem seqüelas no futuro
é pequeno. Contudo, a oscilação dos níveis glicêmicos pode levar a complicações a curto
e a longo prazo, inclusive podendo haver riscos de vida. (Zimmerman & Walker, 2002)
O tratamento do diabetes tipo 1 implica em alguns cuidados fundamentais: a)
aplicação diária da insulina e monitorização (teste de glicemia), b) dieta alimentar e c)
prática regular de atividade física. Poucas doenças crônicas exigem um rigor tão grande
no manejo do tratamento, e poucas são aquelas que exigem um controle tão difícil de ser
atingido. Os pacientes diabéticos devem observar, com muito cuidado, as flutuações de
seus níveis glicêmicos e aprender a discriminá-las de forma a tomar providências para
normalizá-las (Malerbi, 2001).

Adesão ao tratamento e desenvolvimento de novas habilidades


A adesão ao tratamento de uma doença crônica infantil envolve o estabelecimento
de regras, limites e disciplina para que a criança possa afastar os sintomas, ou ao menos
manter o quadro estável, além de evitar complicações futuras. A doença determina mudanças
também na interação entre pais e filhos e estas mudanças, associadas ao padrão anterior
de relacionamento entre pais e filhos, podem influenciar na determinação de como a criança
vai reagir e lidar com essa nova realidade (Leone de Souza, 2004; Martin, Kitzmann,
Johnson, Emery, 1998; Sullivan, Knafl, Deatrick & Grey, 2003).
A aprendizagem de novos comportamentos pode se dar através da observação de
modelos, da experiência direta com as conseqüências da própria ação (comportamento modelado
por contingências) ou através do que é orientado verbalmente (comportamento governado por
regras). No manejo de uma doença grave e crônica os pais não tôm condições de deixar que a
criança aprenda pelas conseqüências de sua própria ação, uma vez que tal aprendizado pode
colocarem risco a vida de seu filho. Assim, ganha significància o aprendizado que se faz através
do que os pais dizem para a criança, ou seja, comportamento governado por regras.
Habitualmente, a aprendizagem de novas respostas se dá por meio do estabelecimento
de regras que, então, passam a ser modeladas pelas conseqüências do próprio comportamento
quando estão próximas de sua forma final. Porém, Castanheira (2002 p.44) nos mostra que
somente o aprendizado por regras não mantém o novo comportamento: "mesmo com um
conjunto de regras, a maioria de nossos comportamentos só adquire eficiência após um longo
período de prática quando ocorre essa experiência direta com as conseqüências".
Guedes (2001) segue na mesma linha de raciocínio ao afirmar que "regras não
ensinam para a vida" (p. 140). A autora mostra que, se em algum momento da história do
indivíduo não houver conseqüências que não envolvam a participação do emissor da regra
para o comportamento emitido, ele deixará de ser emitido tão logo desapareçam as
contingências arbitrárias:"(...) arbitrárias porque o reforçador (negativo ou positivo) estava
nas mãos do falante que ditava a regra, podendo ou não ocorrer algum reforçador intrínseco,
diretamente ligado ao comportamento emitido"(Guedes, 2001 p. 139).

Sobre Comportamento c C'ojjniç.1o 155


0 comportamento modelado pelas contingências implica na experiência direta
com o ambiente: o comportamento foi modelado por suas conseqüências (Catania, 1999).
O desenvolvimento de uma classe de comportamentos que são modelados pela própria
experiência implica em um processo de aprendizagem mais lento. O comportamento tem
por característica ser inais flexível, sensível às mudanças ocasionadas pelo ambiente: "o
comportamento modelado por contingências coincide com o conhecimento operacional e
exprime o 'saber como"’ (Castanheira, 2001 p.42).
O comportamento governado essencialmente por regras pode vir a se tornar insensível
às contingências impedindo a observação apropriada do ambiente por parte do ouvinte. A
pessoa que tem seu comportamento sob controle excessivo das regras torna-se dependente
das contingências sociais e de regras que determinem como agir (Guedes, 2001).
O tratamento de uma doença crônica como o Diabetes, envolve o estabelecimento
de regras que devem ser seguidas para a manutenção do bom controle da glicemia. O
comportamento sob controle das regras para ser mantido precisa ter contato com as
contingências características da realidade determinada pela doença que são o controle
glicêmico e a prevenção dos sintomas aversivos característicos do descontrole da glicemia.
Em outras palavras, os pais são elementos fundamentais para que a criança desenvolva
habilidades para o manejo adequado do Diabetes. As práticas educativas parentais envolvem
a associação de diversos processos de aprendizado.
Através do comportamento governado por regras a criança recebe orientações de
como lidar com a doença. Ao observar como os pais manejam situações relativas à doença
e ao tratamento, eía pode desenvolver seu repertório comportamental com a aquisição de
novas habilidades via aprendizado vicário (Bandura,1979). A emissão dos comportamentos
de auto-cuidado seguindo regras ou o aprendizado pela apresentação de modelo acarretará,
por sua vez, conseqüências naturais ou sociais que provocarão então, novos
comportamentos. Ao auxiliar a criança na análise e compreensão de todo este processo,
os pais estarão viabilizando o desenvolvimento do autocontrole, conduta essencial para a
adesão ao tratamento de qualquer doença grave e crônica.
O tratamento de qualquer doença crônica envolve a necessidade de mudança nos
hábitos de vida do paciente e da família. Habitualmente, os pais são os principais
responsáveis pela orientação, supervisão e condução quanto às exigências impostas para
o bom controle glicêmico, entretanto, é fundamental a participação da criança nos cuidados
com o Diabetes e o desenvolvimento de repertório de independência para que ela possa
desenvolver auto-estima e segurança em relação a si mesma e à doença.
As variáveis ambientais presentes no meio familiar e as características da interação
entre a criança e os pais são importantes fatores de moderação e mediação no processo
de adaptação da criança diabética à nova realidade (Arruda & Zannon, 2002). Conforme
Arruda e Zannon (2002), o padrão de organização, o relacionamento familiar e o
comportamento paterno em relação ao cuidado com a saúde são fatores determinantes
para o estabelecimento do padrão comportamental infantil de adesão ao tratamento.
Cabe aos pais, como cuidadores primários da criança, desenvolver habilidades
que permitam o cuidado adequado à doença crônica infantil. No caso do diabetes, essa
também é uma tarefa especialmente estressante, já quo exige cuidadosa e constante
observação do comportamento infantil, monitoração rigorosa das atividades diárias da
criança, precisa administração das medicações e resposta rápida aos episódios de hipo
ou hiperglicemia (Sullivan et al, 2003).

156 Q u illo n Ribriro, Su/dne Schmidlin l.olir


Como característica da interação dos pais com as cnanças, as práticas educativas
utilizadas por aqueles sào determinantes no desenvolvimento de novas habilidades e na
determinação da autonomia infantil. A adesáo infantil ao tratamento do Diabetes depende,
em larga escala, da prática comportamental que os pais adotam no manejo dos cuidados
com o tratamento e com o próprio paciente.
O diagnóstico de Diabetes na criança e a iminência dos eventos de hiper ou
hipoglicemia são importantes estressores para os pais, agindo como estímulos aversivos.
Segundo Piccinini, Castro, Alvarenga, Vargas e Oliveira (2003), os cuidados diários com a
doença assim como a fragilidade emocional e física da criança, podem afetar as práticas
educativas paternas.
O comportamento dos pais, especialmente daquele que é o responsável direto
pela criança, pode ficar sob forte controle das circunstâncias geradas pela doença crônica,
como o Diabetes (Piccinini et al, 2003). Conforme estudo bibliográfico realizado por Piccinini
et al (2003), ó comum que os pais apresentem dificuldades na interação com a criança
portadora de alguma doença crônica. As dificuldades identificadas são: comportamentos
de extrema preocupação, irresponsívídade ás necessidades da criança, superproteção,
comportamentos ansiosos e defensivos.
Maccoby & Martin (1983), a partir dos estudos realizados por Baumrind (1966),
estabeleceram duas dimensões presentes, segundo eles, nos estilos parentais:
responsividade e exigência. Conforme Gomide (2003), as Práticas Educativas incluem as
estratégias (técnicas) utilizadas pelos pais com o objetivo de orientar o comportamento da
criança. Por sua vez, o conjunto de Práticas Educativas é definido como Estilos Parentais
os quais envolvem aspectos mais globais das interações entre pais e filhos levando em
consideração o contexto afetivo no qual as mencionadas estratégias ocorrem.
Pode*se dizer que a responsividade refere-se à relação contingencial entre o
comportamento infantil e o comportamento paterno. Essa dimensão engloba
comportamentos que se caracterizam por buscar o favorecimento da autonomia e da auto-
afirmação infantil, contribuindo para a construção da auto-estima adequada. As
características essenciais dos pais responsivos são a comunicação, a reciprocidade, a
afetividade, o apoio e o respeito à individualidade da criança. (Lordelo, 2000).
A exigência, por sua vez, refere-se á disponibilidade dos pais para estabelecer
limites e disciplina favorecendo, assim, a socialização da criança. Caracteriza-se pela
supervisão e monitoramento da conduta infantil de forma contingente e consistente.
Leone de Souza (2004) aponta a dimensão exigência como refletindo práticas
caracterizadas pelo controle do comportamento infantil. A conduta paterna de exigência
se caracteriza pelo estabelecimento de limites ou regras a partir das necessidades dos
pais e não da criança, pelo menos no momento em que a conduta é emitida. O fato de
levar em consideração somente a necessidade paterna não quer dizer que uma conduta
exigente não seja eficaz e necessária. Em determinados momentos, é importante que os
pais sejam capazes de estabelecer limites ao comportamento infantil para o próprio bem-
estar da criança. Contudo, é necessário que haja certo equilíbrio no uso de práticas
exigentes. Elas são necessárias para o desenvolvimento infantil, mas podem acarretar
também dificuldades se não forem manejadas de maneira adequada. A alta expectativa
quanto ao comportamento infantil, o controle excessivo e o estabelecimento de limites
(regras) de forma indiscriminada pode não ser produtivo para a criança.
Segundo Gomide (2003), as práticas educativas podem ser determinantes no
desenvolvimento do comportamento infantil dependendo da freqüência e intensidade com

Sobrr Comportamento c Cofiniçío 157


que são utilizadas pelos pais no manejo das condutas da criança. A autora identifica oito
variáveis presentes nas estratégias educativas utilizadas pelos pais e as divide em duas
categorias: Práticas Educativas Positivas (Monitoria positiva e Comportamento Moral) e
Práticas Educativas Negativas (Abuso Físico, Abuso Psicológico, Disciplina Relaxada,
Monitoria Negativa, Negligência e Punição Inconsistente).
A prática educativa negativa relevante para o presente trabalho é a Monitoria
Negativa, também denominada por Supervisão Estressante. Essa prática ó caracterizada
pela fiscalização e emissão de ordens para os filhos de maneira excessiva. O controle
exagerado do comportamento infantil mantém a dependência em relação aos pais e,
conseqüentemente, inibe e interfere no desenvolvimento "de independência e
autodirecionamento da criança (...)" (Gomide, 2003 p.38).
A fim de verificar a conduta materna junto á criança diabética no que se refere ao
manejo dos cuidados exigidos para o tratamento da doença, além de identificar se há ou não
relação entre o grau de controle materno e o comportamento infantil de adesão ao tratamento
foi realizado um estudo com crianças diabéticas acompanhadas por suas mães.

O estudo
Seis díades formadas por crianças diabéticas e suas respectivas mães após uma
seleção prévia participaram do estudo. As crianças foram selecionadas a partir da avaliação
dos prontuários de uma clínica particular de Curitiba especializada no tratamento do
Diabetes. Os critérios adotados para seleção foram: a) idade entre 7 e 11 anos, b) tempo
de diagnóstico superior a um ano e c) os exames de Hemoglobina Glicosilada estavam
registrados no prontuário. As três crianças com os maiores índices de Hemoglobina, e as
três com os menores índices, indicando controle glicêmico ruim e bom controle glicêmico
respectivamente, compuseram o grupo a ser estudado.
Para a realização do estudo foram utilizados três instrumentos:
a) o JAT (Jogo de Adesão ao Tratamento), um jogo de blocos ilustrados construído
pelas pesquisadoras para ser trabalhado com as crianças e que tinha como objetivo
possibilitar a identificação dos comportamentos infantis relacionados com o
tratamento da doença. Caracterizou-se a classe de comportamentos relatados pelas
crianças entrevistadas como adesão, adesão parcial e não adesão, conforme o relato
de seguimento das regras impostas pelo tratamento.
b) o QPM (Questionário de Práticas educativas Maternas), um questionário dirigido às
mães com o objetivo de identificar as práticas educativas utilizadas por elas no
manejo dos cuidados com o tratamento do Diabetes e com as crianças. O
comportamento materno foi caracterizado conforme o grau de controle que a mesma
relatava em relação ao comportamento do filho.
c) Lição de Casa (Leone de Souza, 2004), atividade composta por uma historia em
quadrinhos e foi utilizada para observar a interação entre as mães e as crianças em
uma situação que não envolvesse o manejo do Diabetes.

Discussão
Dentre as relações que têm sua origem no interior do sistema familiar, talvez a
mais estudada seja a interação entre pais e filhos e suas conseqüências na vida de
ambos (Reppold, Pacheco, Bardagi e Hutz, 2002). Cabe aos pais a função de educar e

158 l\ifriu.i C/uillun Ribeiro, Su/dite Scbmiillm I ohr


preparar a criança para o manejo das outras relações que se estabelecerão com o ambiente
além do âmbito familiar à medida que ela for crescendo (Hübner, 2002). As práticas
educativas parentais produtivas, têm por objetivo principal auxiliar a criança no
desenvolvimento de autonomia, independência e responsabilidade para manejar de maneira
adequada o contexto no qual está inserida (Reppold et al, 2002). No grupo selecionado
para o presente estudo, foi possível observar que, provavelmente, coube às mães a
responsabilidade de controle dos cuidados com a doença e com as crianças. São as
mães as principais atingidas pela condição crônica dos filhos e, em comparação com
mães de crianças que não são portadoras de doenças crônicas, aquelas apresentam
mais sinais de estresse emocional do que estas (Thompson & Gustafson, 1996).
Levando-se em consideração o papel da familia, a importância dos pais no
desenvolvimento infantil, o impacto da descoberta do Diabetes no funcionamento familiar e
a importância do desenvolvimento de condutas infantis de adesão ao tratamento, procurou-
se, através do presente trabalho, verificar se há relação entre as práticas educativas parentais
e o padrão comportamental infantil de adesão ao tratamento do diabetes. Em outras palavras,
verificar se o comportamento materno na interação com a criança diabética interfere na
forma como essa lida com a doença.
O grupo de crianças e mâes selecionado para participar da pesquisa foi dividido
em dois grupos menores para que fosse possível verificar a existência de diferenças entre
o comportamento das díades com bom controle glicêmíco e das com controle glicêmico
ruim, além de identificar a presença ou não de influência do comportamento das mães no
padrão comportamental infantil de adesão ao tratamento.
A partir da análise dos dados obtidos na presente pesquisa, observou-se que
quatro mães apresentaram diferença de padrão comportamental quando a situação era
relacionada com o tratamento do Diabetes, ou envolvia atividade neutra, evidenciada na
proposta de Lição de Casa que se relacionava, no estudo, com uma característica da
rotina infantil nâo ligada ao manejo da doença. Analisando funcionalmente os dados obtidos,
cria-se a hipótese de que em ambos os grupos, a realidade do Diabetes parece ser o
determinante na construção das condutas maternas que se apresentam na interação com
a criança diabética. Observou-se, então, que o comportamento dessas mães pode estar
sob forte controle do ambiente gerado pela presença da doença o que vem confirmar os
dados encontrados na literatura (Martin et al 1998; Sullivan-Bolyai et al 2003)
De todas as modificações que o Diabetes provoca na estrutura de uma família, as
práticas educativas parentais são, talvez, as que geram um número maior de conseqüências
para o tratamento da criança, já que o papel dos pais é fundamental para o desenvolvimento
infantil. Em pesquisa realizada através da entrevista com pais de crianças com diabetes,
Heller e Guillon (2002), observaram que a maioria dos relatos dos pais mencionava a
percepção de mudanças no próprio comportamento quando em interação com os filhos,
depois da descoberta da doença. É comum que os pais alterem suas rotinas para participar
ativamente do tratamento, principalmente, se o paciente for uma criança (Arruda e Zannon,
2002), além de se observarem como mais preocupados, mais atentos e até superprotetores
por causa da doença (Heller & Guillon, 2002)
É dentro do contexto familiar e das relações entre pais e filhos que se inserem as
mudanças provocadas pela descoberta de uma doença crônica como o Diabetes. O impacto
gerado pelo diagnóstico atinge e modifica todo o funcionamento da família, o estilo de vida.
As mudanças atingem inclusive o modo como os pais passam a perceber seu filho e o

Sobre Comport.imcnlo e C'oj?nív»lo 159


comportamento dos mesmos em relação à criança e aos cuidados que devem, entáo, ser
tomados para o controle da doença. A nova realidade traz consigo novas preocupações
com o bem-estar infantil, novos comportamentos a serem aprendidos e uma gama enorme
de reações emocionais que influenciam as relações entre os pais e a criança diabética.
Segundo relato das mães incluídas nos dois grupos da pesquisa, a manutenção
dos cuidados com o diabetes, como a alimentação, pode gerar nas mãos uma resposta
de controle do comportamento infantil ainda maior. Será que a conduta materna que está
sob o controle da doença exerce a função de esquiva ou de reforço negativo? Conforme
Lundin (1974), eventos estressantes dão origem a comportamentos emocionais como a
ansiedade. O comportamento de esquiva pode exercer função redutora da ansiedade. No
caso das mães das crianças diabéticas, será que o comportamento de controle do
comportamento infantil não está exercendo a função de esquiva por afastar o estímulo
aversivo gerado pelo descontrole das glicemias?
No estudo que foi realizado por Arruda e Zannon (2002) com pais de crianças com
diabetes e febre reumática, as pesquisadoras observaram que a dificuldade mais relatada
pelos pais no manejo do Diabetes foi o controle da dieta alimentar das crianças. Dados
semelhantes foram encontrados no presente estudo: metade das mães relataram
dificuldades em relação ao controle da alimentação dos filhos. Essas mães foram unânimes
em dizer que não é uma tarefa fácil fazer com que os filhos compreendam que o descontrole
da dieta está diretamente relacionado com o descontrole da glicemia e que a contagem de
carboidratos é essencial.
Observou-se que todas as mães do grupo de controle glicêmico ruim,
apresentaram condutas predominantes de alto controle em resposta ao QPM, apesar das
crianças indicarem, em suas respostas ao JAT, comportamentos compatíveis com o padrão
comportamental de adesão parcial ao tratamento. É possível que as mães desse grupo
não tenham percebido as habilidades desenvolvidas pelos filhos no manejo do Diabetes e
a possível prontidão das crianças em assumir algumas responsabilidades quanto aos
cuidados com o tratamento, ou que, por estarem sob controle de situações aversivas
como a iminência do coma, acabem por assumir um controle excessivo da conduta infantil.
Dessa forma, elas deixam pouco espaço para que a criança possa aprender a lidar com a
doença e o tratamento.
Para que a criança tenha possibilidades para desenvolver repertório comportamental
de autonomia e assuma algumas responsabilidades, ó importante que se forneça a ela
condições. Cabe aos pais a preocupação para que isso ocorra e cabe a eles também
comportar-se de forma a fornecer reforços para modelar o comportamento infantil (Reppold
et al, 2002; Rocha & Brandão, 2001). Na análise das respostas das mães do grupo de
controle glicômico ruim, apontou a possibilidade de que as crianças estavam sendo
reforçadas no sentido de manter o comportamento de dependência em relação às mães
no manejo do Diabetes, o que as impedia de desenvolverem repertório de autonomia e de
participarem ativamente de seu tratamento.
Observou-se que as mães do grupo de controle glicêmico ruim realizam algumas
tarefas quanto ao cuidado com o tratamento, que as crianças mostraram-se capazes de
realizar sozinhas como a escolha dos alimentos conforme a contagem de carboidratos.
Nenhum comportamento surge simplesmente no organismo do indivíduo: um
operante é sempre resultado de um processo de aprendizagem (Skinner, 1953). As crianças,
possivelmente, aprenderam o manejo adequado dos cuidados com o Diabetes, conforme

160 Pcilrkl .1
C/uillon Ribeiro, Suzdnr Schmiillin l.òlu
indicam as respostas ao JAT, a partir da observação do comportamento materno (Catania,
1999). Entretanto, o comportamento de controle do Diabetes não se mantém porque ela
não ó reforçada pela mãe. No lugar de reforço dessa resposta operante, a mãe age no
lugar da criança o que pode estar fornecendo à criança o indicativo de que o que ela faz
não está correto e, portanto, mantém a dependência das condutas maternas.
Provavelmente, a expectativa das mães do grupo de controle glicêmico ruim
quanto ao comportamento infantil no controle do Diabetes é muito alta. As màes não
permitem a participação das crianças no manejo do Diabetes, possivelmente, por receio
de que essas expectativas não sejam correspondidas e acarretem o descontrole da
glicemia. Entretanto, ó recomendado que a criança participe ativamente das atividades do
tratamento já que isso possibilita o alcance do bom controle das glicemias (Zimmerman &
Walker, 2002).
No caso das mães do grupo de bom controle glicêmico, as respostas ao QPM
associadas aos resultados do exame de Hemoglobina Glícosílada indicam que,
provavelmente, elas estabelecem as regras e limites necessários ao tratamento e atendem
tanto às suas próprias necessidades, quanto às necessidades da criança. Além disso,
deve haver disponibilidade de reforço para as condutas infantis já que o controle das
glicemias é mantido.
Traçando-se uma comparação entre os resultados obtidos pelo JAT nos dois
grupos, observa-se que o comportamento da maioria das crianças está sob controle das
regras impostas pelo tratamento. Quando o controle glicêmico é bom, as crianças
apresentam respostas que não correspondem com o que é indicado pelo exame de
Hemoglobina e quando o controle glicêmico é ruim, as respostas infantis indicam o
conhecimento das regras, mas não o cumprimento das mesmas. Este paradoxo leva ao
questionamento se a educação em Diabetes está sendo focada nos pais ou nas crianças.
Talvez fosse necessário que os pais ficassem mais atentos em esclarecer as regras do
tratamento para a criança e disponibilizar com mais freqüência reforços que possam
estimular o desenvolvimento da autonomia e do autocontrole infantil.
Para que um comportamento seja aprendido ó necessário que as condutas
próximas do resultado final sejam reforçadas até que se obtenha o objetivo esperado. É
assim que uma criança desenvolve os repertórios desde os mais simples como andar,
segurar objetos e mais tarde, falar, cantar, jogar, etc (Skinner, 1953). Em se tratando de
comportamentos que têm início a partir da descrição das regras, é importante que o
organismo possa ter contato com os reforçadores do ambiente para que o comportamento
possa ser estabelecido e mantido (Castanheira, 2001), conforme já mencionado. Se o
operante não tem a possibilidade de entrar em contato com o reforço do ambiente, ele não
se mantém. É importante, portanto, que as mães estejam atentas às condutas das crianças
em relação ao tratamento para que possam reforçá-las e corrigi-las, ajudando-as a buscar
um controle glicêmico cada vez mais estável.

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Sobre Comportamento e Cotfnlvdo 163


Capítulo 17

Terapia Comportamental Aplicada ao


Tratamento da Obesidade
!\tuU VityínM Olivcini Mas*

A obesidade atualmente apresenta-se como um problema tanto para a saúde


pública quanto para o próprio indivíduo, afetando grande parte da população mundial,
principalmente no ocidente. No Brasil a obesidade já atinge 10 % de toda a população e
outros 30% estão bem acima do peso ideal. Segundo Heller e cols. (2004), estima-se que
15% das crianças e 20% dos adolescentes sejam obesos. Nos EUA esta marca sobe
para 25% e o problema, de forma geral já é tratado como epidemia. Há custos físicos,
relacionados aos problemas de saúde desencadeados, custos comportamentais, em
função da aparência ou estética corporal versus exigência social, e custos financeiros.
O que caracteriza o problema é o acúmulo excessivo de tecido adiposo (gordura
corporal) no organismo. Uma pessoa considerada dentro dos padrões normais apresenta
aproximadamente 20% do seu peso, em massa gorda, e 80% do seu peso em massa
corporal magra, formada pelos órgãos, músculos, ossos e água. O excesso de massa
gorda relaciona-se com ingestão calórica maior do que a queima calórica. Pode estar
relacionada a fatores genéticos, a certas doenças e ao comportamento de alimentar-se
inadequadamente. Nos últimos anos há o reconhecimento de que múltiplos fatores
contribuem para o surgimento da obesidade e que há diferentes combinações de fatores
específicos acarretando o problema entre os indivíduos. Assim, pessoas que apresentam
índices elevados de gordura corporal podem ter razões diferentes para tal.
De acordo com Danon e Polini (2002), o índice para cálculo do limite de peso
adequado em relação á estatura é relativamente simples. Este método indica o índice de

* Universidade Católica de Goiás, Faculdade Ávila

1 6 4 P j u I.i V irp ln ld O llve lr.i í li.u


Massa Corporal (IMC). Entretanto, deve ser observado que este é apenas um parâmetro,
pois pode haver o resultado falso positivo, em função das diferenças constitucionais de
cada pessoa. O cálculo ó feito dividindo o peso (em kg) pela altura elevada ao quadrado.
Os resultados abaixo de 18,5 indicam magreza, entre 18,5 e 25 indicam peso saudável,
de 25 a 30 significa sobrepeso ou pré-obesidade. Já os valores entre 30 e 35, 35 e 40 e
acima de 40, indicam, respectivamente, obesidade em grau 1,2 e 3.
Considerando fatores culturais, percebe-se uma pressão social por apresentar-se
magro. Há um significado social excessivo sobre peso e forma corporal, gerando inclusive
a estereotipia em relação às pessoas obesas. Isto leva a atribuições do senso comum
sobre a relação entre obesidade e fatores explicativos muitas vezes inadequados. O obeso
é estigmatizado socialmente.
Com relação à etiologia do problema, houve mudanças de foco relevantes com o
passar dos anos e dos estudos realizados. Nos anos 50, a obesidade era considerada um
problema psicológico, pois os conceitos freudianos dominavam a psicologia e a psiquiatria.
No início dos anos 60 a Terapia Comportamental começou a se desenvolver e a obesidade
foi avaliada como o resultado de hábitos alimentares mal-adaptativos. Os anos 80
constituíram a década biológica, sendo dada ênfase às medicações para obesidade. E,
finalmente, nos anos 90 ficaram caracterizados múltiplos fatores para as explicações dos
fatores determinantes do excesso de peso corporal. Tornou-se claro que fatores genéticos,
culturais, comportamento pessoal, entre outros, são influentes e, provavelmente, atuam
em diferentes combinações entre indivíduos (Bjomtorp & Brodoff, 1992; Brownell & Wadden,
1992 citados por Brownell & O’Neil, 1999).
Há algumas publicações contra o hábito de fazer dietas, que vêm sugerindo
alternativas à restrição alimentar básica. Uma alternativa que vêm sendo destacada e
utilizada terapeuticamente na atualidade é a reeducação alimentar, onde os hábitos são
alterados de forma substancial. Uma das vantagens de tal método é a maior probabilidade
de manutenção posterior do peso adequado, que é a meta principal da pessoa que deseja
emagrecer. Isto não significa que não haja a necessidade de constante auto-monitoraçâo
no dia-a-dia. No mundo atual, há alta disponibilidade de alimentos incentivada pela indústria
alimentícia, que utiliza recursos publicitários poderosos para aumentar a freqüência e
intensidade do consumo de certos tipos de alimentos. Pode ser facilmente observada a
quantidade de anúncios sobre comida e bebida, o número crescente de programas
televisivos gastronômicos e de fast foods abrindo as portas nos dias de hoje.
Outro fator que pode funcionar como favorecedor da ingestão alimentar excessiva
é a qualidade das programações sociais estabelecidas. Por exemplo, como pretexto para
encontrar um amigo, fazer comemorações, conquistar alguém e se divertir nos finais de
semana, as pessoas normalmente fazem convites do tipo: "vamos tomar um lanche?",
"vamos comprar uns salgadinhos e refrigerantes pra comemorar?", vamos jantar fora?",
vamos fazer um churrasquinho?", "vamos comprar uma pipoca e algumas balas antes de
começar o filme?" etc. Os convites, em grande parte das vezes, envolvem contextos
alimentares. Há um sério problema relacionado aos maus hábitos sociais.
Diante desta contingência, vários recursos são utilizados por grande parte da
população para remediar e, em alguns casos, prevenir a obesidade. Dentre os recursos
destinados à perda de peso propriamente dita, há uma variedade de dietas restritivas,
medicamentos direcionados ao controle do apetite, tratamentos nutricionais e
comportamentaís, internação em spas, chegando até a utilização de cirurgias para redução

Sobre C om portam ento e C o r d IvíI o 165


da cavidade estomacal, em casos mais graves. Os tratamentos são difíceis e requerem,
além da atenção inicial, o acompanhamento posterior.
A prevalência da obesidade aumenta com a idade e acarreta risco para doenças,
como os diabetes, hipertensão e doença cardiovascular. Entretanto, o problema pode
instalar-se em qualquer idade, sendo que, no caso das meninas, é freqüente o
desenvolvimento da obesidade na época da puberdade. Estima-se que dois terços dos
casos de obesidade tenham início na vida adulta. O sedentarismo é a principal variável
associada ao ganho de peso na sociedade atual.

Quadro 1 - Fatores de risco que provavelmente contribuem para a qônese da obesidade

Disponibilidade de Alimentos Ricos em Gordura


Altos nlveiB de gordura na dietn
Niveis decrescentes de atividade flsicn
Padrftes alimentares que estimulam a obesidade
RISCOS PARA INDIVÍDUOS: FATORES BIOLÓGICOS
GenAtica
Baixa taxa metabólica em repouso (basal)
Número elevado de células adiposas
RISCOS PARA INDIVÍDUOS: FATORES COMPORTAMENTAIS
Alto consumo de energia
Padrões alimentares específicos (ex. compulsão alimentar)
Falta de exercício

Fonte: Brownell & Wadden (1992, citados por Brownell & O'Neil, 1999).

Nos dias de hoje, há menor propensão ao gasto calórico, e a tecnologia auxiliou


bastante para tal acontecimento a partir das escadas rolantes, dos aparelhos de TV com
controle remoto, dos telefones sem fio, entre outros. O dispêndio energético decorrente da
atividade física chamada informal tem merecido atenção crescente. Há relatos, por exemplo,
de que uma extensão telefônica instalada em uma residência pode contribuir para o acúmulo
de aproximadamente 1 kg por ano. O vidro elétrico da janela do automóvel leva seu
proprietário a poupar, em média, cerca de 30 Kcal diariamente (Coutinho, 1998).
Outro fator que não deve ser descartado durante a análise dos riscos da obesidade
refere-se à localização da gordura corporal. A adiposidade distribuída na porção superior do
corpo, especialmente a gordura localizada na cavidade intra-abdominal, traz maior risoo do que
a depositada na parte interior do corpo (Sjostrom, 1992, citado por Brownell & O'Neil, 1999).
Considerando os fatores descritos acima, este capítulo descreve resumidamente
a aplicação de procedimentos terapêuticos utilizados pela abordagem comportamental
para o tratamento da obesidade, com o intuito de demonstrar a eficácia dos resultados
deste tipo de intervenção, associada ao acompanhamento de profissionais da área de
nutrição e educação física.
A escolha das estratégias adequadas de tratamento deve levar em conta as
condições clínicas da pessoa e a análise funcional do caso, posto que a obesidade pode
ser considerada como uma enfermidade comportamental. Realizando a análise funcional

1 6 6 IViul.i V irg in ia O live ir.i Hi,is


observa-se que a comida ó um estímulo discriminativo para o comportamento de comer,
que tem como conseqüência mais provável o ganho de peso. Entào estar acima do peso,
se dá, na maior parte dos casos, pela via comportamento, isto é, comer em excesso.
A proposta apresentada ó de reeducação alimentar. Para que a reeducação funcione
adequadamente deve haver modificações no estilo de vida e, conseqüentemente, alterações
nos padrões de comportamento relacionados a alimentação. Devem ser desenvolvidos
padrões regulares duradouros de comportamento que sustentem a consecução e a
manutenção de um peso mais baixo. A mudança deve perdurar em longo prazo. A ênfase
deve ser na manutenção do peso e não apenas em sua perda. Segundo Heller e cols.
(2004), a manutenção dos resultados do tratamento da obesidade em longo prazo, na vida
adulta, gira em torno de, em média, 30% apenas. Estes dados apontam para o fato de que
se torna fundamental que o problema seja prevenido desde a infância.
É evidente que o estabelecimento de uma relação terapêutica empática é fator
relevante, de acordo com vários estudos, para a implementação das estratégias
terapêuticas. Um dos fatores determinantes para a boa relação é que o cliente se sinta
aceito, compreendido e confortável. Ele deve perceber que o terapeuta ó confiável, que
tem condições profissionais para ajudá-lo, que seus sintomas têm chance de serem tratados
com sucesso e que há um real interesse do terapeuta em fazê-lo (Duchesne, 1998).

Caso Clinico
A cliente atendida ó do sexo feminino, 39 anos de idade, casada, mãe de duas
filhas, terceiro grau completo, professora, 1,55cm de altura, 75 kg, IMC 31, que significa
obesidade em primeiro grau, A cliente relatou à terapeuta freqüentes sensações corporais
alteradas, compatíveis com estados ansiogênicos; perda do auto-controle, a ponto de se
irritar freqüentemente com pessoas com as quais convive; sentir-se gorda e feia e sem
motivação para cuidar de si mesma. Relatou ainda problemas conjugais, cansar-se
facilmente após realizar pequenas tarefas diárias e, ultimamente, o agravamento de suas
sensações corporais a ponto de perder o controle sobre si, apresentando ataques de
ataques de pânico esporádicos1.
Apresentava o problema desde a adolescência, enfrentando críticas e comentários
de familiares e amigos em função do peso. Foi observado que toda a família possuía hábitos
alimentares inadequados. Antes do tratamento terapêutico houve cinco tentativas de
emagrecimento e manutenção do peso, desde a adolescência, por meio de tratamentos
com medicamentos. Entretanto, todos os tratamentos foram interrompidos por dificuldades
para manutenção do peso.
Para iniciar a intervenção comportamental foi realizada uma avaliação clínica, incluído
a entrevista para coleta de dados sobre o problema e formulação do caso, bem como
identificação das variáveis das quais o comportamento alimentar estava sob função. Para
complementação dos dados da entrevista a cliente foi solicitada a responder, como tarefa de
casa, o Questionário de História Vital (Lázarus, 1980). Durante esta fase inicial do atendimento
foi realizado, também, o processo educacional incluindo informações sobre a terapia.

' Os procedimentos necessários para o tratamento dos Ataques de Pânico, como Hiperventílação e Exposição
Sistemática Gradual ao Vivo, foram utilizados, de Inicio, paralelamente ao processo de intervenção relacionado
á obesidade A partir da décima sessão a cliente já apresentava melhoras consideráveis com relação a
este problema.

Sobre Comportamento e Cognifil» 167


A busca por profissionais da área de nutrição e educação física (academia de
ginástica) foi indicada á cliente, para adequar o tratamento ao necessário acompanhamento
multidisciplinar. Inicialmente, não houve adesão à indicação, alegando que já havia se
submetido a consultas nutricionais sem bons resultados e que já havia se matriculado em
várias academias, também sem o sucesso esperado, pois não continuava a freqüentá-las.
Entretanto, após um período com resultados iniciais satisfatórios nas sessões
terapêuticas, seguido por um período de estagnação destes resultados, novamente, foi
discutida a função do trabalho de equipe, em vista das metas estipuladas em terapia. Com
alguma relutância a cliente buscou o auxílio dos profissionais solicitados. Foi explicado a
ela que os resultados do trabalho de equipe é totalmente diferente dos resultados do
trabalho de cada profissional isoladamente.

Linha de Base, Intervenções e Follou-up


Durante o tratamento foi elaborado um Formulário de Acompanhamento para Perda
de Peso, com a função de acompanhar a evolução do tratamento e auxiliar na manutenção
dos resultados. Neste formulário constavam informações básicas sobre quatro fases do
tratamento. Foram definidos campos específicos para preenchimento de cada um dos
itens descritos abaixo. As fases do tratamento foram subdivididas, conforme se segue:
Período de Linha de Base: com relação à quantidade e qualidade de alimentos
ingeridos inicialmente.
Período de Adaptação: com as evoluções e dificuldades da cliente para se adaptar a
nova rotina alimentar proposta.
Período de Perda de Peso: com as dificuldades encontradas até o momento e datas
para conferência dos resultados por meio da pesagem.
Período de Acompanhamento e Manutenção dos Resultados: com anotações sobre
a pesagem periódica, as dificuldades encontradas neste período e datas para retorno
às consultas seguintes.

Antes do início do processo foram anotados, neste mesmo formulário, o peso,


altura, sobrepeso apresentado e IMC na data de início do programa de intervenção. Houve,
também, a definição de metas em curto, médio e longo prazo, ou seja, metas diárias,
semanais, quinzenais, mensais e provável duração do tratamento. Outros dados
considerados relevantes também foram anotados, como os comportamentos alimentares
Inadequados emitidos pela cliente até então, bem como os comportamentos adequados
exigidos para a conquista da proposta.
Durante a fase de Linha de Base, para verificação dos comportamentos emitidos
pela cliente antes de qualquer intervenção terapêutica, foi solicitado o preenchimento da
Folha de Registro Alimentar, formulada pela terapeuta, como mostra a Figura 2. Esta
Folha de Registro continuou a acompanhar a cliente durante todo o processo, para a
realização da auto-monitoração do comportamento de comer na ausência da terapeuta.
Para estimulá-la a preencher as Folhas de Registro Alimentar diariamente foi
necessária a aquisição de algumas habilidades específicas e a demonstração da
importância da auto-monitoração como fator facilitador do auto-conhecimento e,

1 6 8 Pciiila V lrflín i .1
O live ira Llidt
conseqüentemente, da manutenção do peso. Isto foi feito levando a cliente a perceber que
o registro diário favorece o aprendizado sobre calorias, o conhecimento do que é ingerido,
o aumento do controle sobre a alimentação, a discriminação dos padrões de alimentação,
auxiliando na "economia" da quantidade de calorias ingeridas diariamente.
Os dados da Linha de Base demonstraram que os hábitos alimentares
apresentavam-se irregulares, no que se refere à quantidade de alimentos ingeridos, qualidade
dos alimentos habituais, horários de consumo, locais para alimentação e atividades durante
a ingestão. Esta contingência alimentar estava presente em sua vida cotidiana a anos,
desde a infância. Após o casamento o quadro havia se agravado bastante devido ao
sedentarismo, programações sociais e fatores associados à gravidez.
A cliente consumia cerca de 3500 Kcal diárias, quando, considerando sua estatura,
deveriam ser consumidas, aproximadamente, 2000 Kcal. Por meio das Folhas de Registro
Alimentar preenchidas por ela diariamente, tornou-se visível que em situações de estresse
com o marido, os filhos e a família - a cliente tinha descontentamentos com o
comportamento de alguns dos familiares - a ingestão de alimentos era maior, ou seja, na
falta de reforçadores sociais ela buscava a compensação por meio de reforçadores
alimentares.

Figura 1 - Análise funcional do comportamento da cliente durante


situações envolvendo problemas com o marido.

Situação Antecedente Comportamento Conseqüência


Mnrido havia chegado do Discutiu com ele. Disse que Comeu em excesso e sem
trabalho mais tarde que o ele ndo a valorizava e que necessidade no periodo
habitual. Estava reclamando só sabia reclamar. noturno, posto que havia
da bagunça da casa e da Deslocou-se até a cozinha, jantado antes do marido
falta de iniciativa dela. para evitar brigas, tez um chegar.
sanduíche e foi comô-lo
assistindo TV no quarto.

A Figura 2 a seguir mostra o Modelo de Folha de Registro Alimentar utilizado. Os


horários sugeridos correspondem aos horários das refeições habituais da cliente em
atendimento. As linhas abaixo dos horários sugeridos têm a função de facilitar a adaptação
das anotações, caso a cliente tenha consumido as refeições em outros momentos.
A coluna sobre número de calorias ingeridas tem o objetivo de auxiliar na
discriminação sobre quantidade de calorias de cada refeição. Com relação ao tempo gasto
com a alimentação, a meta foi levar a cliente a investir mais na mastigação e no ritual
alimentar (sentar-se á mesa, observar o que estava colocando no prato, observar o que
estava levando à boca e a quantidade de alimento numa mesma garfada).
Por fim, a coluna destinada a anotações sobre o local da alimentação e atividades
desempenhadas enquanto se alimenta, aparece com o intuito levar à discriminação e à
evitação, se necessário, de locais e atividades impróprias durante a alimentação como,
por exemplo, comer no quarto - é necessário instituir locais na casa destinados a
alimentação, como a cozinha e a mesa - assistindo a TV, lendo, digitando, conversando
sobre assuntos ansiogênicos, entre outros. Todas essas observações foram feitas para
que a cliente se colocasse atenta para o comportamento de comer e não desviasse sua
atenção desta atividade, nào consumindo uma quantidade de alimento maior que a

Sobre Comportamento e Cojjnlvflo 169


necessária. O espaço para preenchimento das conclusões sobre a alimentação do dia
estava destinado à reflexão sobre a conduta alimentar, considerando se comeu
adequadamente ou excessivamente, quais os prováveis motivos que levaram a isto,
dificuldades encontradas e conquistas realizadas no dia.

Figura 2 - Modelo do Folha de Registro Alimentar

Alimentos Sólidos • Liquido» Consumido» N* d* Tempo Locale


Horário»
(Qualldado e Quantldads) Calorias Gasto Ativldado
7r3o_

10:00^

12:30

15:30

18:30

^ 2 0 :3 0 ^ " --------------- ---------------- ------- ------ - - ----


Conclusões Sobre a Allm sntaçio do Dia

Outros procedimentos de intervenção educacional utilizados foram à reeducação


para a situação de ingestão alimentar, para o comportamento de comer e para as
conseqüências deste encadeamento de fatores. Isto é, foi ensinada a seqüência para análise
dos eventos presentes numa contingência e a relação estabelecida entre eles, ou seja, o
processo de análise funcional, no caso, do comportamento de comer.
Também foi realizada a reeducação quanto aos fatores influenciadores, que
dificultam ou facilitam a perda ou ganho de peso. As questões relacionadas abaixo foram
comentadas durante a sessão:
(1) elasticidade do tecido estomacal, (2) metabolismo basal, (3) tempo gasto pelo
cérebro para reconhecimento do nível de saciação após ingestão de alimentos, (4) atividades
e distrações durante alimentação, (5) ambiente apropriado para alimentação, (6) respostas
fisiológicas e psicológicas frente aos estímulos alimentares, (7) auto-instruções e controle
de impulso, (8) tempo destinado a mastigação, (9) quantidade e qualidade dos alimentos
ingeridos, (10) horários da alimentação, (11) número de refeições diárias, (12) tempo gasto
com cada refeição, (13) necessidades alimentares do organismo x desejo de comer, (14)
histórico sobre a necessidade alimentar dos seres humanos, (15) indústria de alimentos e
comerciais televisivos, (16) pretexto para encontros sociais, (17) hábitos familiares e culturais,
(18) reação dos amigos quanto a fazer dieta, (19) regularidade dos exercícios físicos, (20)
compras de alimentos, (21) calorias dos alimentos, (22) funções da auto-monitoração, (23)
função orgânica e psicológica da alimentação, (24) construção interna do corpo e, em especial,
do aparelho digestivo, (25) conseqüências dos hábitos alimentares para a saúde.
Além do processo educacional, técnicas respondentes, operantes e cognitivas
foram aplicadas durante a intervenção. O Treino Respiratório, bem como o Relaxamento

170 Tiiulti V irflln lii O llv c lr .i M ias


Muscular Progressivo foram utilizados para que a cliente, com histórico de ataques de
pânico, pudesse adquirir maior controle sobre as reações fisiológicas do próprio organismo.
Estas técnicas têm o intuito de regularizar o desencadeamento de reações de
responsabilidade do Sistema Nervoso Autônomo Simpático e Parassimpático.
Outro procedimento considerado relevante foi o Treino de Habilidades Sociais, por
meio do Treinamento em Assertividade, reconhecimento da lista de Direitos Humanos
Básicos (Caballo, 1999, p.371) e Ensaio Comportamental. A cliente apresentava grandes
dificuldades de contato tanto familiar quanto social. Foi verificada a relação entre fracassos
nesta área, com o desencadeamento de ingestão excessiva de alimentos calóricos.
Favorecendo o Treino de Habilidades Sociais, foi solicitada à cliente a escrita de
duas "cartas não-enviadas” para pessoas da família, com as quais ela estabelecia um contato
problemático. Tais cartas foram revisadas em consultório e, posteriormente, solicitada à
cliente a escrita da resposta provável que estas pessoas emitiriam ao lerem o conteúdo das
cartas. Este processo desencadeou a discriminação de fatores relevantes da relação no
contexto social, levando a respostas emocionais que auxiliaram na resolução do problema.
Com a técnica da Escrita Terapêutica, também houve a oportunidade para que ela redigisse
uma "carta” endereçada a sua obesidade. Isto favoreceu o estabelecimento de auto-instruções
quanto aos comportamentos adaptativos necessários para lidar com o problema.
As falas para si mesma’ ou auto-regras com relação ao comportamento diante de
situações alimentares foram acessadas durante as sessões e realizada, quando necessário,
a reeleboração de tais auto-regras. Isto foi feito por meio do Questionamento Socrático e
Confrontação de Idéias, levando a cliente a reverás próprias conclusões sobre determinados
eventos.
Durante o início do tratamento, por um período de um mês e meio (12 sessões), os
atendimentos foram realizados duas vezes por semana, em função, também, da necessidade
de realizar intervenções específicas para os ataques de pânico. Após este momento, os
atendimentos passaram a ocorrer semanalmente durante seis meses (24 sessões),
posteriormente, de quinze em quinze dias (10 sessões) e, por fim, o acompanhamento
passou a ocorrer de forma mensal, durante os três meses subseqüentes. No restante da
fase de acompanhamento foram realizadas duas sessões num período de seis meses, para
assegurar o cumprimento das propostas e, conseqüente, manutenção dos resultados.

Resultados
O peso atual da cliente é de 59 kg, ou seja, 16 kg a menos do que o inicial, e o
IMC é 24, que significa peso saudável. Ela realiza cinco refeições diárias na quantidade
estabelecida e com a qualidade adequada, diferentemente do início do processo, onde
fazia duas ou três refeições maiores e “beliscava" durante o dia todo, principalmente à
noite. Alterou os locais impróprios para alimentação substituindo-os por ambientes mais
apropriados, eliminando atividades inadequadas e distrações durante ingestão dos
alimentos. Adquiriu habilidades para lidar com situações de estresse familiar sem
necessidade de recorrer ao alimento como fonte de reforço momentâneo. O tempo gasto
com refeições e mastigação aumentou, pois antes utilizava menos que 10 minutos para
almoçar e atualmente utiliza entre 20 e 25 minutos para tal atividade.
O gráfico abaixo apresenta o peso, o nível de ansiedade e o IMC da cliente durante
o período de Linha de Base, Intervenção e Follou-up, isto é, nove meses após as

Sobre Comportamento c Cogitlfjio 171


intervenções. Observa-se, além da perda de peso, a manutenção dos resultados após
estes nove meses. Verifica-se, também, uma diminuição considerável na intensidade dos
níveis de ansiedade apresentados, em função das habilidades e novos hábitos adquiridos,
de 60 durante a Linha de Base houve diminuição da ansiedade para o nível 10, após as
Intervenções. Este índice permaneceu estável durante o período de acompanhamento
(follou-up). Assim também ocorreu com o IMC, que era de 31 inicialmente, e após as
intervenções diminuiu para 24, ficando constante durante o período subseqüente.

Peto, Nível de Ansiedade e IMC durante a Unha de Base,


após as Intervenções e durante o Folow-up

H Peso
B Nivel de Ansiedade
□ IMC

h u b
INT Follow-up

Como conseqüência da intervenção houve mudança em seus relatos verbais sobre


si mesma, sobre como se alimentava e, ainda, relatos sobre seu bem estar emocional. A
cliente passou a realizar o planejamento e execução de metas antes não planejadas e/ou
interrompidas. Apesar disto, após três meses do encerramento das sessões, houve dois
episódios de recaídas alimentares em grau leve. A cliente foi orientada a realizar os
acompanhamentos terapêuticos e nutricionais de forma esporádica com o intuito de prevenir
o problema. Estas consultas esporádicas, de aproximadamente três em três meses, estão
sendo realizadas até o presente momento.
Os resultados, além do emagrecimento e manutenção do peso, demonstraram
aquisição de habilidades sociais referentes a assertividade, melhora na solução de
problemas e tomada de decisões, redução dos níveis gerais de ansiedade e irritabilidade.

Relato da Cliente:
"Antes de passar por este tratamento eu não via saída. Achava que nunca
conseguiria emagrecer. Não sabia que o psicólogo trabalhava com este tipo de problema.
Eu vim para o tratamento dos ataques de pânico e acabei descobrindo outro benefício
enorme. Por que é que vocês não divulgam isto para as pessoas? Eu, por exemplo, passei
por tantos tratamentos antes... sem saber que poderia ter, aqui, estes resultados!!! Como
isso é importante!
Nesta semana estava conversando com um amigo do meu marido que está
insatisfeito com o peso e inclusive tendo problemas de saúde. Tentei ensinar o que estou
aprendendo. Disse pra que ele procurasse ajuda terapêutica e ele comentou que não tinha

172 Piiul.i Virginia Oliveira Hi<i*


dinheiro pra essas coisas. Que pena que ele pensa assim! Quero te agradecer, porque a
terapia mudou a minha vida!"

Conclusões
Observa-se que as funções dos comportamentos problemáticos devem ser
corretamente avaliadas, caso contrário, os métodos de tratamento apenas diminuem o
comportamento-problema temporariamente e podem precipitar novos padrões problemáticos.
A Terapia Comportamental eficaz depende claramente da especificação precisa
das variáveis funcionais de desenvolvimento e manutenção dos comportamentos em questão,
sendo o procedimento de modificação ditado por elas. E, a habilidade do clínico em conduzir
a análise e modificação comportamental depende do conhecimento profissional, da coleta
de dados suficientes, para que não haja intervenções aleatórias e arbitrárias, bem como
da relação terapêutica estabelecida com o cliente.
É perceptível, por meio da análise do contexto alimentar e comportamentos habituais
da sociedade atual, que a obesidade é um problema complexo, apesar de estar relacionado
a fatores claramente definidos. Assim, são necessárias intervenções de diferentes
profissionais, concomitantemente, para a obtenção dos resultados desejados. Considerando
as diferenças individuais, familiares e culturais, bem como os objetivos de cada pessoa que
busca o tratamento. Em muitos momentos o trabalho deve ser direcionado a auto-aceitação.
O apoio da terapia para a mudança comportamental e estilo de vida - que em
alguns tratamentos é fator dificultador da adesão do cliente - mostra-se relevante e, em
alguns casos, determinante para a perda e controle de peso. Várias ações, decorrentes
de mudanças ambientais propostas em terapia, protegem a pessoa contra o
desencadeamento do comer em excesso, evitando assim, o sobrepeso.

Referências

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Transtornos Psicológicos . Cap. 8 (pp. 355 - 403). Porto Alegro: Artes Módicas.
Caballo, V. E. (1999). Treinamento de Habilidades Sociais. Em: V. E. Caballo (org) Manual de
Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. Cap. 18 (pp. 359 - 398). São
Paulo: Santos.
Coutinho, W. (1998). Obesidade: Conceitos e Classificação. Em: M. A. A. Nunes, J. C. Appolinário,
A. L. G. Abuchaim, W. Coutinho & Cols. Transtornos Alimentares e Obesidade. Cap. 20
(pp. 197 - 202). Porto Alegre: Artes Módicas.
Danon, J. & Polini, L. (2002). Guia de Calorias de A aZ. Sâo Paulo: Estação Liberdade.
Duchese, M, (1998). Abordagem Cognitivo-Comportamental. Em: M. A. A. Nunes, J. C. Appolinário,
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Hellor, D. C. L. (org.); Souza, D. P.; Scur, E. M. A.; Pinto,, M. S. & Castilho, S. (2004). Obesidade
Infantil: manual de prevenção e tratamento. Santo André: ESETec.
Lazarus, A. (1980). Terapia Multimodal do Comportamento. Atualização em Terapia do
Comportamento (Vol. 1). São Paulo: Manole.

Sobrf (.'omportiim cnlo c CojjniçJo 173


Capítulo 18

Prevenção Primária e Secundária do


Abuso Sexual Infantil
fcic/icf ife fti/iti lirino*
Lúcia CtiVdlCiinti dc Albuquerque Willhims*

Durante a década de 1990, foi registrado, nos Estados Unidos, um declínio de


40% nos casos registrados de abuso sexual comprovados pelas agências de proteção à
criança (Jones, Finkelhor & Kopiec, 2001). Esse dado evidencia, possivelmente, que o
investimento em programas de prevenção durante as décadas de 1980 e 1990 podem ter
efetivamente protegido a criança da ocorrência de abuso sexual (Jones & Finkelhor, 2003).
Há ainda outros países (Canadá, Grã-Bretanha, Suécia, Austrália, Nova Zelândia, Espanha
e Israel) desenvolvendo e investindo em programas de prevenção que também apresentaram
declinio substancial nos casos de abuso sexual. No Canadá esse declínio foi de 49%
entre os anos de 1993 e 1998 (Troemé, Fallon, MacLurin & Copp, 2002).
O abuso sexual infantil pode ser prevenido a partir de ações que enfoquem os três
níveis de prevenção: primário, secundário e terciário (Wolfe, 1998).
Um enfoque primário tem como objetivo a eliminação ou redução dos fatores
sociais, culturais e ambientais que propiciam os atos agressivos. As ações envolvidas
podem ser capacitações de profissionais e pessoas envolvidas diretamente com a criança,
tais como pais e professores. Além disso, pode-se atuar junto à população de risco,
educando as crianças sobre riscos de abuso sexual.
Já um enfoque secundário tem como objetivo a detecção precoce de crianças em
situação de risco, impedindo a repetição dos atos agressivos, sendo que os esforços são
no sentido de reduzir o stress causado pelo sistema legal que a criança enfrenta,

‘ Laboratório de Análise e Prevenção da Violência - Universidade Federal de São Carlos.

Riichcf lic f iititi Urino, Lúcu Cdvtik,mU de Albuquerque W illu im


considerando que a postura dos profissionais que lidam com a criança pode produzir ou
amenizar danos psicológicos à vitima.
Por fim, o enfoque terciário que tem como objetivo o acompanhamento da vitima e
do agressor por profissionais adequados e capacitados, a fim de amenizar ou evitar seqüelas
do abuso sexual e conseqüências em longo prazo.
Os programas de prevenção primária do abuso sexual tiveram início na década de
1970 nos Estados Unidos e continuam crescendo, mesmo considerando as críticas de
que eles não têm demonstrado atingir sua meta (Gibson e Leitenberg, 2000). Em contraste,
são raras as publicações de relatos brasileiros de pesquisa na área de prevenção primária
de abuso sexual, sendo encontrados alguns estudos referentes à prevenção secundária e
terciária (Padilha & Gomide, 2004; Brino & Williams, 2003a; Brino & Williams, 2003b).
Brino (2005) vem desenvolvendo como parte de seu doutorado um programa de prevenção
primária do abuso sexual infantil, que envolve professores, familiares e crianças.
Paralelamente, outro trabalho com enfoque na prevenção primária do abuso sexual vem
sendo desenvolvido vinculado por Padilha (2005), sendo ambos projetos vinculados ao
LAPREV (Laboratório de Análise e Prevenção da Violência).
Segundo o relatório da ISPCAN1 do ano de 2000, após uma pesquisa em 37
países, foram apontadas como as estratégias mais efetivas na prevenção de maus-tratos
as intervenções educativas, em contraposição às intervenções clínicas (Benetti, 2002).
Finkelhor (1984a), um dos autores mais envolvidos e citados em investigações acerca
do combate e prevenção do abuso sexual infantil (Finkelhor & Jones, 2004; Jones & Finkelhor,
2003; Jones, Finkelhor & Kopiec, 2001; Finkelhor, 1994; Finkelhor, Hotaling, Lewis & Smith,
1990; Finkelhor & Baron, 1986; Finkelhor & Araji, 1986; Finkelhor & Russel, 1984; Finkelhor,
1984a; Finkelhor, 1984b; Finkelhor, 1979) propôs um modelo de fatores pré-condicionantes
para a ocorrência de abuso sexual. O autor, neste modelo, considera não só os aspectos
individuais, como os sociais e culturais. Tal modelo apresenta quatro pré-condições para a
ocorrência do abuso sexual: 1) fatores relacionados à motivação do agressor para concretizar
o abuso sexual; 2) fatores de pré-disposição que superam ou se sobrepõem à inibição interna;
3) fatores de pré-disposição que superam ou se sobrepõem à inibição externa e 4) fatores de
pré-disposição que superam ou se sobrepõem à resistência da criança.
Os quatro fatores englobam tanto aspectos individuais, como sociais e culturais,
que serão descritos a seguir:
1) Motivação: Individuais (congruência emocional - desenvolvimento emocional
bloqueado, necessidade de sentir-se poderoso e controlador, reativação de um trauma
de infância; excitação sexual - experiência sexual na infância que foi traumática,
modelação de interesse sexual em crianças por um adulto na infância, atribuição
errada de insinuações de excitação; bloqueio emocional - medo de mulheres adultas,
experiência traumática com adultos, habilidades sociais inadequadas, problemas
conjugais,). Sócio-culturais(congruência emocional-exigência masculina para ser
dominante e poderoso nos relacionamentos sexuais; excitação sexual - exposição
erótica de crianças em publicidade; bloqueio emocional - normas repressivas sobre
masturbação e sexo extraconjugal).
2) Inibição interna: Individuais (abuso de álcool, transtorno do impulso, senilidade, falha
no mecanismo de inibição do incesto na dinâmica familiar); Sócio-culturais (tolerância

' International Society for Prevention of Child Abuse and Neglect

1
Sobrc ‘omportcimeulo c Coflnlv'ilo
social pelo interesse sexual em crianças, sanções criminais fracas para o agressor
sexual, ideologia da família “sagrada", tolerância social para o comportamento
desviante cometido quando sob efeito de álcool/drogas, pornografia infantil).
3) Inibição externa: Individuais (mãe que está ausente ou doente, mãe que não está
perto para proteger a criança, mãe que é dominada ou sofre agressões do pai da
criança, isolamento social da família, oportunidades não usuais para estar a sós
com a criança, falta de supervisão da criança); Sócio-culturais (falta de suporte social
à mãe, barreiras para a igualdade das mulheres, erosão das redes sociais, ideologia
da santidade da família).
4) Resistência da criança; Individuais (criança emocionalmente insegura ou em privação,
criança com falta de conhecimento sobre abuso sexual; situação de confiança não
usual entre criança e o agressor, coerção); Sócio-culturais (indisponibilidade de
educação sexual para crianças, desenpoderamento social da criança).
Segundo tal modelo, se todas as pré-condições estiverem presentes, na forma de
um ou mais fenômenos descritos, possivelmente o abuso sexual ocorrerá. O modelo
apresentado por Finkelhor (1984a) possibilita planejar diferentes formas de atuação que
se concretizariam em ações de prevenção primária, secundária e/ou terciária.
Levando-se em conta os avanços mencionados em relação ao declínio dos casos
de abuso sexual em diversos países, declínio possivelmente atribuído aos programas de
prevenção de abuso sexual, pode-se questionar quais as formas mais adequadas de se
intervir preventivamente junto às crianças.
Atuando-se juntamente aos responsáveis pela criança e/ou à própria criança,
pode-se planejar intervenções que visem à prevenção primária e/ou secundária. A efetividade
dos programas que envolvem pais como instrutores depende da inclusão de estratégias
como exposição comportamental e demonstração de modelos de autoproteção, A
apresentação aos pais de modelos de autoproteção por profissionais treinados parece
garantir maior efetividade aos programas (Wurtele, Gillispie, Currier & Franklin, 1992;
Wurtele, Kast& Melzer, 1992; Wurtele, Currier, Gillispie & Franklin, 1991;).
As mães, por exemplo, parecem ter um papel crucial na proteção das crianças do
abuso sexual. Quando essas são incapazes de reconhecer a ocorrência de abuso sexual e
de proteção, a criança pode se tornar mais vulnerável ao abuso. Sendo assim, pode-se
perguntar que formas de se informar mães acerca de abuso sexual são mais eficazes em
torná-las capazes de reconhecer e de proteger a criança da ocorrência desse tipo de abuso.
As crianças podem sucumbir ao abuso sexual por serem jovens, ingênuas e por
falta de informação (Finkelhor, 1984a). Que informações seriam importantes de serem
passadas às crianças para protegê-las? Pode-se pensar em informar as crianças a respeito
de comportamentos sexuais relacionados à possibilidade de aproximação do agressor, ou
seja, habilitá-las a se autoprotegerem de uma possível ocorrência de abuso sexual.
Estudos demonstraram que quando são usadas aproximações comportamentais
tais como modelos, exposição e reforçamento social, as crianças pró-escolares podem
aprender habilidades de defesa pessoal (Harvey, Forehand, Brown & Holmes, 1988; Stiwell,
Lutzker & Greene, 1988; Kraizer, S., Witte & Fryer, 1989; Wurtele, Kast, Miller-Perrin &
Kondrick, 1989; Wurtele, 1990).
O que se questiona a partir disso ó como planejar meios adequados de se promover
aprendizado eficaz de autoproteção. Agindo em algum dos fatores citados no modelo de

Riichcldchürid fírino, Lúcid Cdvdlcdnti de Albuquerque WiílUms


Finkelhor (1984a), pode-se evitar a ocorrência e/ou repetições de abuso sexual. Planejar
um programa com as estratégias apontadas pelos estudos anteriores parece ser um
caminho possivel para se avaliar a eficácia de se capacitar crianças a se protegerem da
ocorrência de abuso sexual.
Capacitar màes e crianças a reconhecerem sinais de ocorrência de abuso sexual
pode ser uma prática efetiva na interrupção da ocorrência de abuso sexual. Às crianças,
tal prática envolveria reconhecer sinais de aproximação de um agressor, além de identificar
comportamentos sexuais inadequados. Às mães, o programa envolveria o reconhecimento
de indicadores comportamentais da ocorrência de abuso sexual.
Há comportamentos relacionados especificamente à sexualidade, que são
decisivos na confirmação de uma suspeita de abuso sexual (Williams, 2002) e que podem
ser incluídos em programas para profissionais que trabalham com crianças.
Um dado que confirma a necessidade de se capacitar mães consiste no fato de que
em 42% dos casos a criança recorre à figura materna quando sofre um episódio de abuso
sexual e em 38% dos casos a mãe é a pessoa responsável pela denúncia (Braun, 2002). Em
levantamento realizado no município de São Carlos, referente ao ano de 2002, encontrou-se
que em 73% dos casos a mãe é a denunciante (Williams & Brino, 2004; Brino & Williams,
2003c). Há de se considerar também que a maioria dos agressores sexuais são homens
(Meichenbaum, 1994). Portanto, a mãe deve estar suficientemente apta a reconhecer que seu
filho pode estar sendo vítima de abuso sexual e proceder a medidas adequadas de proteção.
Como aponta Padilha (2002), o comportamento da mãe parece ser determinante na ocorrência
do abuso sexual da criança, é ela que poderá discriminar sinais de perigo de abuso, é ela que
vai ou não impedir que o abuso continue ocorrendo dentro de casa. Como e qual a melhor
maneira de torná-la apta a lidar com esses aspectos são questões pertinentes a essa área.
A questão do abuso sexual infantil pode, portanto, ser tratada sob várias
perspectivas distintas, sendo que estas podem ser consideradas como diferentes formas
de prevenção. Quando se considera que o objetivo da ação seria a detecção de crianças
e adolescentes em situação de risco ao seu desenvolvimento, impedindo os atos violentos
e/ou suas repetições, atuando em situações já existentes e prevenindo possíveis seqüelas,
tal perspectiva constitui-se como prevenção secundária, ou em alguns casos até terciária.
Brino e Williams (2003b) abordaram a questão do abuso sexual infantil sob o ponto
de vista da prevenção secundária e/ou terciária. Em tal estudo, educadoras eram capacitadas
a identificar crianças que estivessem sofrendo abuso sexual e proceder à denúncia do caso.
Após o treinamento, as educadoras passaram a identificar casos e também a denunciá-los.
No entanto, após a denúncia, a criança, em alguns casos, mudava da cidade ou mesmo a
suspeita de abuso sexual não era comprovada por falta de provas ou de testemunhas. Desta
maneira, a denúncia da suspeita de abuso sexual não garantia que a ocorrência de atos
violentos não se repetiria, sendo comprometida a prevenção de possíveis seqüelas.
Considerando-se tal estudo e as informações provenientes da literatura
analisada parece ser necessário refletir sobre a questão do abuso sexual sob outra
perspectiva - a da prevenção primária e, em alguns casos secundária, ou seja, buscar
impedir a ocorrência do ato violento, o abuso sexual propriamente dito, ou impedir a
repetição do ato, atuando no início da ocorrência do ato abusivo.
No Brasil não há dados epidemiológicos globais da real incidência do abuso sexual,
no entanto, segundo estimativas da ABRAPIA (2004) há cerca de 165 crianças ou
adolescentes sendo vítimas de abuso sexual a cada dia, e tal número pode ainda não ser

Sobre Comportamento c Cognlfáo


condizente com a realidade, uma vez que grande parte dos casos não é notificada.
Considerando-se essa estimativa e em função da gravidade das seqüelas para o
desenvolvimento da criança, deve-se priorizar a implantação de intervenções preventivas
de ações abusivas, alóm da identificação e encaminhamentos dos casos de abusos contra
crianças. Prevenir situações abusivas é uma estratégia fundamental para, primeiramente,
tentar evitar a ocorrência de abusos e, em segundo lugar, minimizar as conseqüências
negativas ao desenvolvimento da criança (Wolfe, 1999).
As estratégias de prevenção devem considerar as inúmeras variáveis que podem
estar envolvidas no abuso sexual, evitando-se simplificar o fenômeno.
Um dos aspectos a serem considerados ó o fenômeno da intergeracionalidade, em
que pessoas que passaram por situações de abuso podem tornar-se abusadores ou vir a
permitir situações de abuso (Widom, 1989; Williams, 2002). Sendo assim, atuando-se com
a identificação de possíveis ocorrências de abuso sexual e evitando-as, ou seja, promovendo
prevenção primária, além de garantir um desenvolvimento saudável da criança, contribui-se
para evitar que essa possa tomar-se no futuro, um possível agressor ou facilitador do abuso.
Outro aspecto a ser considerado em uma intervenção primária refere-se aos "mitos"
acerca do abuso sexual, que impedem uma avaliação objetiva da situação de risco. Em
um programa de prevenção primária parece ser necessário desmistificar informações
errôneas sobre abuso sexual, tais como uo abuso sexual é um assunto familiar, a professora
não deve se envolver" (Brino & Williams, 2003c), ou então “o agressor sexual é alguém
desconhecido á criança", para que os responsáveis pela criança possam perceber uma
situação objetivamente, avaliando-se o risco real de abuso sexual.
A prevenção e a diminuição do impacto do abuso, caso ele tenha ocorrido são
benefícios da identificação dos riscos (Padilha, 2001).
Em uma intervenção envolvendo os responsáveis e profissionais que trabalham
diretamente com a criança, uma possível forma de habilitá-los a evitar a ocorrência de
abuso sexual seria capacitá-los a conseguir discriminar os fatores que iniciam as cadeias
de comportamento que levam ao abuso sexual, além de sinais apresentados pela criança
que podem estar ligados á ocorrência do abuso. Nestes casos, o reconhecimento do perfil
do agressor pode auxiliar, embora há que se recomendar cautela quanto a esse aspecto.
A cautela refere-se ao fato de que há diferentes categorias de perfis do agressor
sexual (Perrone e Nannini, 1998): uma é do indivíduo reservado, inócuo, suave, pouco viril,
aparentemente pudico e moralista. Tal indivíduo pode ser solitário, com aversão à
sexualidade adulta. A outra categoria é do indivíduo agressivo e violento, sendo que sua
atitude tende à conquista e ao desprezo pelo meio social. A violência verbal, física e
psicológica aparece em forma de injúrias e humilhações, com desdém pelas mulheres e
pelos fracos. Alóm de duas categorias distintas, a cautela se deve ao fato de que o julgamento
pode náo ser adequado e não corresponder à verdade. Há de se considerar ainda que a
mulher pode ser a agressora sexual, embora seja bastante rara esta ocorrência (Hopper,
2003; Miletski, 1995; Meichenbaum, 1994; Bachmann & Bossi, 1993; Krug, 1989).
Segundo o modelo proposto por Finkelhor (1984a), há adicionalmente necessidade
de se considerar e atuar sobre o modelo social, como forma de se reduzir a prevalência do
abuso. Alguns componentes sociais, tais como pornografia infantil, tolerância social pelo
interesse sexual em crianças, entre outros parece ser um forte indício de que regras
sociais equivocadamente podem contribuir para a perpetuação do abuso sexual infantil.
Neste sentido há esforços bastante sérios, tais como um estudo da vitimização on-line de

RiichcldcFiirúi /f/mo, Lúcid C\ i v < il C i i n l i dc Albuquerque WiUhum


crianças, que discute e analisa a necessidade de ações envolvendo todos os setores da
sociedade para essa problemática (Finkelhor, Mitchell & Wolak, 2000).
A violência contra crianças e adolescentes impõe uma reavaliação dos valores,
sendo que a sociedade precisa garantir às crianças as condições necessárias para que
possam alcançar o pleno desenvolvimento (Braun, 2002).
O envolvimento de educadores como agentes de prevenção parece ser outro aspecto
importante. Devido às dificuldades de a criança revelar a ocorrência do abuso sexual para
os membros da família e considerando-se que a maioria dos casos de abuso sexual
infantil são intrafamiliares (Reppold,Pacheco, Bardagi & Hutz, 2002), muitas vítimas podem
recorrer à ajuda ou suporte fora da família. Professores, em virtude de sua acessibilidade
ás crianças podem ser capacitados a serem instrutores de identificação e estratégias de
intervenção com crianças vítimas de abuso (Kleemeier, Webb Hazzard, 1988).
É importante a capacitação de profissionais em programas de prevenção do abuso
sexual, habilitando-os a detectar e avaliar casos adequadamente, sendo esta uma etapa
fundamental das metodologias gorais nos trabalhos de prevenção (Goicoechea, 2001).
A realização de capacitação para se defender da ocorrência de abuso sexual nas
escolas engloba uma larga faixa etária de crianças, além de um grande número de possíveis
vítimas.
Programas de prevenção de grande alcance que promovem aquisição de habilidades
necessárias para se proteger de possíveis ocorrências de abuso parecem atingir muitas
crianças e possibilitar a redução da possibilidade de abuso (Wurtele, 1987).
Além desse fato, a proximidade e confiança das crianças em relação à professora
parecem garantir uma eficácia maior tanto na adesão ao curso, como nos resultados obtidos.
O abuso sexual pode ser prevenido se as crianças forem capazes de reconhecer
comportamento inapropriado do adulto, reagir rapidamente, deixar a situação e dizer para
alguém sobre o ocorrido. Tais programas para crianças têm sido usados na América do
Norte em escolas, envolvendo todas as idades, incluindo o jardim da infância (Wolfe, 1998).
Esses programas diferem em formato e estilo, variando de uma a 12 sessões,
utilizando livros, filmes, teatros, discussões em classe, role-play e representações. Eles
geralmente tratam de conceitos sobre o domínio do corpo, o toque, dizer “não” e procurar
ajuda, contando para alguém. Alguns programas focam a auto-estima e a autoproteção,
evitando direcionar para a discussão da sexualidade (Wolfe, 1998).
Entretanto, instruções explícitas sobre aspectos sexuais do abuso sexual são
defendidas por alguns autores, considerando que a autoproteção requer que as crianças
sejam hábeis em reconhecer situações abusivas (Finkelhor, 1986).
Parece ser importante ensinar o que é comportamento abusivo e como se proteger
de aproximações abusivas com outros, incluindo pessoas conhecidas e não somente
estranhos, além das conseqüências de se levar outras crianças a se engajarem em
comportamentos sexuais (Gordon e Schroeder, 1995). Parece fundamental, também, ensinar
a criança a ser assertiva e tomar decisões adequadas no contexto das relações sexuais e
sociais, assim como seguir regras simples e concretas (Fryer, Kraizer e Miyoshi, 1987).
Wurtele (1987) apontou características necessárias a um programa de prevenção
que incluiriam materiais impressos, dramatizações, leituras e discussões, além de material
audiovisual.

Sobre ('o inport.im enio c CogniçJo


Antes da intervenção, deve-se considerar os conhecimentos e habilidades prévias
das crianças, além da faixa etária. Outro aspecto importante ó considerar que não ó suficiente
que a criança saiba reconhecer apenas que um estranho não pode tocar suas partes privadas,
uma vez que há uma alta ocorrência de abuso sexual intrafamiliar (Wolfe, 1998).
Um dos aspectos mais cruciais de programas voltados para a criança é a
constatação de que apenas obter informações não é o mesmo que ter habilidades para se
proteger. As habilidades necessárias à criança envolveriam respostas às seguintes
perguntas: como avaliar respostas comportamentais e verbais que sinalizam a possibilidade
de abuso sexual? Como responder em diferentes situações abusivas? Como resistir a
requisições inapropriadas dos adultos? (Wolfe, 1998).
A mesma autora (1998) aponta que os programas relatados na literatura,
geralmente, aumentam o conhecimento sobre segurança, mas são menos consistentes
em demonstrar a aquisição de habilidades. Sendo assim, como planejar programas para
se promover a aquisição de habilidades? ,
Programas que abordam conceitos concretos e envolvem exposição
comportamental, adicionado ao uso de modelos parecem ser os mais efetivos no sentido
de assegurarem a aquisição de habilidades e conhecimentos, além de posterior manutenção
destes. A exposição comportamental parece ser particularmente essencial para um
treinamento efetivo (Wolfe, 1998).
Wurtele e Saslawsky (1986) avaliaram quatro tipos diferentes de programas: no
primeiro era apenas utilizado um filme, no segundo eram usados um programa de
treinamento de habilidades comportamentais, exposição comportamental e reforçamento
social, no terceiro as duas técnicas eram combinadas e no quarto não houve apresentação
de treinamento. O segundo programa em combinação com o primeiro, ou mesmo sozinho,
foi mais eficaz do que o primeiro ou o quarto.
A última recomendação considera que os pais devem ser envolvidos na capacitação,
pois podem aumentar a efetividade do programa, particularmente se as crianças forem
mais jovens. Neste caso, pais e escola devem trabalhar conceitos similares.
Elroad e Rubin (1993) assinalam o que os pais desejam saber sobre abuso sexual:
como identificar abuso sexual, como reagir aos sinais de abuso sexual e como conseguir
informações precisas da criança sem ocasionar falsas alegações.
Os pais podem efetivamente ensinar pré-escolares habilidades necessárias, além
de reconhecer e responder a gestos sexuais inapropriados. Entretanto, pais de crianças
pré-escolares precisam de consultoria e encorajamento por profissionais para terem uma
instrução completa (Wurtele e Saslawsky, 1986). Adicionalmente ao envolvimento da pré-
escola, programas envolvendo a “família" também precisam ser desenvolvidos e avaliados
(Wurtele, Kast & Melzer, 1992). Programas que combinem a instrução de professores e
dos pais, incluindo as estratégias de exposição comportamental e modelos parecem
demonstrar maior efetividade (Wurtele, Currier, Gillispie & Franklin, 1991; Wurtele, Kast &
Melzer, 1992).
Como benefícios de programas, há a ocorrência da auto-revelação do abuso pela
criança. Algumas variáveis são apontadas como intervenientes na revelação: percepção de
que os pais podem não acreditar, medo do efeito na família, medo de punição, culpa, lealdade
ao agressor, vergonha e desamparo (Sas e Cunningham, 1995). Já as crianças que revelam
imediatamente indicam como um dos fatores para que isso ocorra, o treinamento prévio, ou

Radiei de Fdrui Urino, Lúeu C\tvàlumti de Albuquerque W illum s


soja, a participação em programas de prevenção do abuso sexual. As próprias crianças
declararam que a participação prévia foi responsável pela auto-revelação (Wolfe, 1998).
Esforços no sentido de se planejar programas para prevenir a ocorrência ou recorrência
dos atos de abuso sexual contra crianças constituem se como ações importantes para
amenizar o impacto das conseqüências de tais atos para as crianças, evitando tragédias a
desfechos assustadores como os diversos casos que temos acompanhado na mldia nos
últimos tempos.
Tais esforços devem envolver profissionais que trabalham com a criança, a família
e a própria criança, enfim a comunidade em geral.
Se forem implementados em larga escala programas de prevenção que envolvam
a aprendizagem de comportamentos adequados diante de uma suspeita de abuso sexual,
tais como a identificação da suspeita a partir do comportamento da vitima e do agressor,
além de procedimentos adequados relacionados com a denúncia e encaminhamento da
criança, o panorama brasileiro acerca dos casos de abuso sexual pode começara apresentar
mudanças e talvez, futuramente alcançar os resultados obtidos em outros palses e
sinalizados nas pesquisas.

Referências

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184 Rtuhcl i/c h i rid Brino, l. úcid C d vdkdnfi de Albuquerque W ill idms
Capítulo 19

Sobre questões de pesquisa e


estratégias para aplicação
R.iihd Rodrigues KcrlMuy*

Organizamos este simpósio, com as mesmas preocupações dos anos anteriores,


centrado na melhora do desempenho do profissional, decorrente da formulação de questões
de pesquisas, respondidas na situação de aplicação e de pesquisa.
Os componentes da mesa são professores universitários, com doutorado concluido
ou em fase final, mas que mantém atendimento, além de aulas e orientação de trabalhos
É importante salientar essas atividades, pois, cada uma delas, contribui, como condições
estabelecedoras, para que se mantenham fazendo questões sobre procedimentos, avaliação
e produção de conhecimento. Com efeito, essas atividades interligadas, propiciam análises,
em detalhe, de seu desempenho e das pessoas que se beneficiam com os programas
implantados.
Como a população atendida pela Dra. Tânia Moron Saes Braga é além de deficiente
visual, com diferentes graus de escolaridade e ambiente familiar, os testes tradicionais
não se adaptam a avaliação inicial e continua. Por isso apresentará casos, nos quais
estuda o uso da linguagem por deficientes visuais. A avaliação de como usam a linguagem
e como ó possivel introduzir mudanças é um desafio, em cada sessão. Como os
procedimentos padronizados, são inadequados, é a observação continuada do pesquisador
e a capacidade de discriminar diferenças sutis que permitem avançar no conhecimento
necessário. Precisamos estar atentos que, como salientaram Donald Baer, Wolf e Risley
(1968) em suas analises clássicas, sobre analise do comportamento aplicada, o atender
as necessidades dos pacientes é fundamental. Existe sempre um objetivo social a ser

•Pesquisadora e Palestrante

Sobre Com porl.im eiilo c Cognição


alcançado. Decorro portanto, a urgência do aprimoramento de procedimentos de avaliação
e intervenção, uma vez que estão muitas vezes mesclados.
Maria José Carli Gomes, tem desenvolvido trabalhos com guagueira, atuando só
ou em equipes multidisciplinares, especialmente com fonoaudiólogas. Reforçamonto social
diferencial e treinamento de falas especificas, tem propiciado a descoberta de maneiras do
medir o desenvolvimento da fala fluente. É análise detalhada, de pequenos elos e de descoberta
de situações amedrontadoras e falta de desempenho verbal e muitas vezes social.
Sonia Enumo, também enfrentando os mesmos problemas, na avaliação do
desenvolvimento infantil, pois há controvérsias sobre as definições de comportamentos
cognitivos-lingüisticos e impedimentos perceptuais, como no caso de deficiência visual,
mantêm-se avaliando os resultados. Tendo atendido 264 casos de dificuldade de
aprendizagem escolar, encontrou, de problemas genéticos e neurológicos a problemas
emocionais, do comunicação e autocuidado. Os dados estão se acumulando e as soluções
encontradas, dependendo muitas vezes da aplicação de baterias de testes otimizados na
literatura internacional, especialmente para normatizar a comparação de pares, em pesquisa.
Cristiana Scala. também analista de comportamento, que atua na área de
esporte,persegue os delineamentos experimentais de linha de base múltipla, e além de
analisar o contexto da situação esportiva, e a interação do esportista com ela,dedica-se ao
emprego da autofala, adaptada a cada atleta e esporte. O desafio da área é,conseguir um
excelente desempenho, medido muitas vezes em milésimos de segundos. Cabe ainda ao
psicólogo, manter esse desempenho em alto nivel, independente de alterações do ambiente,
ou fazer essas alterações, beneficiar o atleta, porque este conseguiu libertação psicológica.
É ainda fundamental aprender negociar e conviver com o atleta, o psicólogo e o técnico.
Esses pesquisadores, também cientistas práticos, estão procurando respostas,
a perguntas que surgiram em seu trabalho.Focalizam sua atenção na avaliação
comportamental e tratamento, tanto no ambiente de pesquisa quanto no que acontece
fora, no ambiente natural Na realidade, fazem a passagem necessária entre a prática,
com os princípios comportamentais, que permitem inovações seguras, com respaldo teórico.
As pesquisas realizadas por esse grupo, tem implicação imediata para melhorar o
desempenho dos profissionais e seus clientes. Atende ainda, o que tenho observado, em
congressos e trabalhos submetidos a revistas: os profissionais estão querendo encontrar
maneiras de mostrar seu trabalho e inovações descobertas em sua prática.
De fato, aqui no Brasil, provavelmente por influência da ABPMC, e das publicações
que vem organizando: a coleção comportamento e cognição, já no 14°. volume, e a Revista
Brasileira de terapia comportamental e cognitiva, em seu sexto ano, há publicação de artigos,
que demonstram o interesse por sistematizar e produzir conhecimentos. Também, embora
todas as atividades exercidas por profissionais, sejam valorizadas, a pesquisa pelo desafio
permanente que propicia e conhecimentos que desvenda,é francamente favorecida e prestigiada.
Certamente há necessidade de ver as questões produzidas por essa ênfase, entre elas, á
proliferação de pesquisas e revistas especialidade, com qualidade sofrível. Como o psicólogo
trabalha com o comportamento, especialmente o verbal, em diversos contextos, ele está
permanentemente discutindo e atualizando suas concepções sobre esses temas.

Algumas semelhanças entre pesquisa aplicada e intervenção


Há geralmente uma sobreposição entre análise do comportamento aplicada e
intervenções. No entanto, elas podem ser deferentes. A história da psicologia mostra que seu

186 R. icIjcI Roilritfueí Keriniuy


inicio foi um olhar de inveja ou admiração para as ciências exatas existentes o que levou a
incorporar o laboratório e a experimentação, com procedimentos descritos e padronizados.
Nos currículos de graduação e pós-graduação em psicologia, aqui no Brasil, vimos os cursos
com laboratório e pesquisa de campo e os demais, de aplicação e teóricos. Posteriormente
os cursos com estágios foram valorizados pelas necessidades do currículo minimo e a exigência
de estágios. Nas sucessivas reformas de currículos, vemos cada vez especificações de créditos
para trabalho e aula,estas teóricas e práticas. Aos poucos, parece que a palavra experimentação
vai mudando, e atendendo o desenvolvimento e necessidades da área. No entanto, nota-se
sempre a influência do referencial teórico nas mutações. De fato, aquelas teorias que se
iniciaram com a experimentação, como o caso da análise do comportamento; com Skinner
(1938), definindo no titulo do livro, sua posição: comportamento dos organismos: uma análise
experimental, se mantém, procurando conciliar o método experimental e as necessidades de
descobertas e atendimento dos problemas do cotidiano . Um exemplo ó, Bijou, Peterson e
Ault (1968) com as propostas dos delineamentos experimentais.
Considero possível, fazer pesquisa como na literatura médica, em que as pessoas
são designadas para tratamentos diferentes (geralmente medicamentos) e esses
comparados. Mas como salienta Dinsmoor (2003) na psicologia duas medidas de
comportamento podem co-variar em nivel de significância estatística, mas não ó claro qual
o fator que e causa e qual é o efeito ou se a relação entre eles não é produto de um terceiro
fator, com os quais os dois podem covariar. O controle da situação, e'fruto da restrição de
variáveis, ou seja, da escolha daquelas que parecem mais plausíveis. É um desafio.
O controle, como o método experimental preconiza, é factível em laboratório com
um fator alterado de cada vez. Tem sido a forma de trabalhar da análise do comportamento.
No entanto, questões permanecem.
A análise do comportamento aplicada começou em 1960 quando se demonstrava
como os princípios de análise do comportamento, podiam ser aplicados na resolução de
problemas cotidianos. Os experimentadores que iniciaram essas aplicações, tinham
experiência em pesquisa básica com animais, e nos deliciamos com livros como o de
Krasnere Ullman (1965/1972) mostrando possibilidades
Cinqüenta anos após, continuamos com o mesmo problema. Gostaríamos
possivelmente de viver em Walden II (1948/1972) sociedade experimental, em que tudo era
feito como um experimento. Modificações possíveis, em práticas sociais, após analise dos
resultados obtidos. Provavelmente não gostaríamos de ser muito ricos e não veríamos índios
brasileiros morrendo de inanição, ou pessoas se destratando e mentindo em seus
relacionamentos, aparentemente cordiais e afetivos. Não veríamos também pessoas odiando
e lutando por poder. Lista infindável. Mas mostra a necessidade de pesquisarmos com problemas
do cotidiano e os problemas que existem, para encontrar metodologia que possa ser
experimental, mas passível de ser feita no dia a dia do profíssíonaí da psícologia.Provaveímente
uma nova forma de ser experimental 'pela exigência representada pelo comportamento verbal
e complexidade de variáveis que se isoladas podem perder a complexidade.
Vimos o desenvolvimento das terapias comportamentais e cognitivas como
tratamentos eficazes para inúmeros problemas, e vimos á descrição de sintomas para
serem minorados .passar cada vez mais, a salientar o processo e o resultado clinico.
Parece que voltamos a necessidade dos estudos do caso único, com tratamentos aplicados
em situação natural, em casos complexos, e descobrir porque funcionam ou falham com
determinados clientes. Os dados culturais considerados nos tratamentos, não em pesquisa,

Sobre Comporliimento c 187


mas no mundo real, tem demonstrado em relatos informais, como são importantes para
os resultados.
Os trabalhos apresentados neste simpósio, levam essas considerações, a sério.
Os comportamentos são registrados, antes e apôs a intervenção, esses dados analisados
na sessão e no contexto de vida, permitem a elaboração de procedimentos ou modificações
de existentes para adaptar-se as necessidades especificas verificadas. Realmente, a
preocupação ô resolução de problemas, com pessoas que buscam solução de problemas,
e cuidado com a generalização dos resultados.Essa generalização ó planejada e incorporada
no procedimento, pois se duvida que aconteça por acaso. O envolvimento teórico justifica
as soluções adotadas, mas nem sempre os procedimentos são pensados como detalhados
para serem replicados.Talvez aqui seja o ponto crucial para debate. Se considerarmos como
pesquisa, deverá existir uma preocupação teórica e de sistematização de dados anterior.
Isto explica talvez, a busca atual, em varias áreas, inclusive a psicologia, de construção de
prontuários e protocolos e de anotações detalhadas de qualquer alteração introduzida.
Moore e Cooper (2003) fizeram uma análise das relações entre os campos da
analise de comportamento. Detalharam os critérios obedecidos e o nivel de cada um, para
a analise experimental do comportamento, analise do comportamento aplicada e prestação
de serviços. Incluíram também a concepção teórica e filosófica do behaviorismo radical
como outra atividade que conduz as outras. Embora vejam um continuum, alertam para
os perigos que a escolha da contribuição que cada domínio terá, em um programa de
treinamento, e a conseqüência para a pesquisa e o desenvolvimento dos serviços.
Concluindo, vejo que este simpósio e suas preocupações, são de todos:psicólogos,
pesquisadores e professores em vários paises. Os caminhos são muitos, pois as soluções
só depois de testadas e ponderadas, com resultados analisados, é que mostrarão diretrizes.
Cautela é necessária, para que não entremos em um periodo de caça as bruxas com
idéias disseminadas pelos caminhos da fofoca.

Referências

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Analysis.6,'\75-J\9'\.
Dinsmoor, J.A. (2003) Experimental. The behavior Analyst ,26, 151-153.
Krasner, I., & Ullman,I.P.(1965/1972) Pesquisas sobre modificação de comportamento.( Trad.
Carolina Martuscelli Bori). São Paulo: Herder.
Moore,J. e Cooper, J.O.(2003) Some proposed relations among the domains of Behaior
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Skinner, B.F. (1938/1972) Walden II,{{Tad. Raquel Moreno e Nelson Raul Saraiva). São Paulo:
Herder.

1 8 « R t iih d R o d rig u e s K rr b iiu y


Capítulo 20

Terapeuta e cliente em confronto:


manejo clínico da aversividade na
sessão
Rcgind ChristiiM Wiricnskd*

Algumas investigações sobre a relação terapeuta-cliente, realizadas através da


supervisão clinica e da análise do comportamento verbal de terapeuta e cliente nas sessões
(por exemplo, Wielenska, 1989 e 2002), sugerem que a negligência do terapeuta quanto
ao papel de eventos aversivos, relatados ou ocorridos nas sessões, pode dificultar a adesão
do cliente às propostas terapêuticas, e levar até ao abandono precoce do tratamento.
Como sera possível compreender ao longo deste trabalho, parece correto afirmar que a
aversividade surge, na sessão, sob diferentes formas, com possibilidades de manejo
específico para cada episódio. O artigo se propõe a discutir principalmente a presença da
estimulação aversiva, para cliente e terapeuta, durante seu relacionamento. Entretanto, a
aversividade faz parte da terapia sob outras formas.
A primeira, e mais óbvia de todas as formas de aversividade na sessão, decorre da
constatação de que o cliente não conseguiu solucionar seus problemas sozinho, e então
buscou auxílio do terapeuta, supondo ser este um profissional qualificado a atender pessoas
em sofrimento. Neste contexto, sofrimento é o estado subjetivo produzido pelo contato
com contingências de controle aversivo. Em termos gerais, pode*se afirmar que o cliente
e terapeuta estariam sob controle de uma contingência de esquiva, abaixo especificada:

Aversividade — interação entre terapeuta e cliente — redução da aversividade


(antecedente) (comportamentos complexos) (conseqüência)

Para o cliente, até o momento em que escolhe fazer terapia, a principal fonte de
aversividade reside no relacionamento insatisfatório estabelecido com seu ambiente físico
e social. E, para o terapeuta, o sofrimento apresentado pelo cliente é um estímulo aversivo,

‘ consultório particular

Sobre C'omport.imcnlo c Cotfnifáo


algo a ser removido ou minimizado polo intervenção do profissional. Com a análiso de
contingências, procedimentos fundamentados nos princípios da aprendizagem e avaliação
continua dos resultados, o terapeuta provê seu sustento material, como tambóm recebe a
apreciação do cliente pelo trabalho que executa, além de observar o próprio sucesso ao
atender o caso (o cliente aprendeu a funcionar sob o controle de contingências positivas).
Problemas diversos produzem a demanda por terapia: um cotidiano pleno de sentimentos
depressivos, dificuldades de comunicação com parceiros, amigos ou chefe, queixas de
insatisfação sexual, fracassos acadêmicos ou profissionais, violência doméstica, etc. Uma
infinidade de problemas comportamentais pode ser alvo da ação terapêutica (vale lembrar,
que comportamento é aqui entendido como o que o indivíduo pensa, sente e faz, em um
dado contexto, na relação com o mundo) e para muitos destes problemas a ciência do
comportamento tem procurado respostas. Na ausência da aversividade, a terapia perde
sua função como prática cultural; poucos buscam o terapeuta na ausência de estimulação
aversiva. O terapeuta reage à queixa do cliente demonstrando solidariedade ao problema
e reafirmando a possibilidade de formar uma parceria, para descobrir como o problema se
mantém e transformá-lo em outras possibilidades. Esta forma de aversividade que acomete
o cliente antecede a relação terapêutica, Provavelmente, será através do contato terapeuta-
cliente que os problemas do cliente (vividos no ambiente extra-muros do consultório) poderão
des atenuados ou solucionados.
No entanto, há casos nos quais aspectos da própria relação terapêutica constituem-
se como aversivos para um ou ambos os participantes da sessão. Por exemplo, o processo
de coleta de dados para formulação comportamental dos problemas pode eliciar, no cliente,
respondentes de medo, desconforto, raiva, vergonha, etc. O trecho reproduzido abaixo
ilustra um caso deste tipo. Trata-se da oitava sessão, na qual a terapeuta pergunta á
cliente sobre as brigas que teve com o marido (cliente com 40 anos por ocasião da consulta,
fora diagnosticada como portadora de transtorno bipolar do humor alguns anos antes):

Cliente (C): Sabe, meu marido parece um santo, mas eu fico doida com ele. Se não fosse
pelo mou esforço, não teríamos nossa casa e nem as coisas que eu coloquei lá
dentro. Tem TV, som, microondas, video, tudo. Ele diz que ganha pouco e não se
esforça para melhorar, conta com meu dinheiro para tudo. Outro dia pediu dinheiro
para a condução, disse que foi comprar peça para um freguês e que o dinheiro tinha
acabado.
Terapeuta (T): E o que v. já fez a este respeito?
(a conversa evolui, até que alguns minutos depois ela é conduzida por T, através de
perguntas, a descrever melhor os dois lados da briga, revelando que os problemas
no casamento eram mais complexos, e que marido e mulher contribuíam para os
desacertos, com conseqüências graves)
C: Eu desisti de tentar, gastei saliva, fiquei nervosa um monte de vezes... Um dia, só de
raiva, eu não segurei a língua e falei que até para ter o nosso filho (o mais moço) eu
precisei de outro homem, que nem prá isso ele prestava mais.
T: Você está me dizendo que seu filho não foi gerado com teu marido, e que v. se relacionou
com alguém mais naquela época do casamento, é isso?
C: (parece desconcertada por ter feito a auto-revelação para T, e apenas acena com a
cabeça).

190 Rcnln .1
C liristin.i W ie lr n s k i
T: Devia estar tudo muito difícil para vocês já naquela fase em que v. ficou grávida. E
depois desta briga imagino que a coisa só piorou. Isto acontece com muitas famílias,
o relacionamento desanda, as pessoas buscam apoio fora de casa, com alguém
que as compreenda. Depois, ou mesmo hoje, a gente pode conversar sobre este
caso que v. teve, tá bom? Mas vamos falar dos conflitos de agora... na hora que v.
falou da paternidade para ele, qual a reação?
A cliente, ao apresentar suas queixas, e ser extensivamente questionada pela
terapeuta sobre vários aspectos do relato, foi íevada a abordar temas que mostravam que C
contribuia para a formação e crescimento dos conflitos, tanto quanto seu marido. Desse
modo, C vivenciou, na sessão, algum desconforto: saiu do papel de vítima passiva e foi posta
por T como participante do problema. Tal revelação, induzida pelo questionamento de T,
tornaria mais provável que C emitisse respostas de esquiva ou fuga da terapia. Certas
formas de esquiva, como ir embora mais cedo da sessão, faltar na sessão seguinte, ficar
calada ou reticente, mudar de tema e comentar sobre banalidades, sugerem ao terapeuta a
hipótese de que na vida da cliente haveria uma história de reforçamento da esquiva ou fuga
de problemas: para a cliente, problemas seriam apenas tangenciados, ocasionalmente sob
a forma de reclamações, sem que se buscasse formas de resolvê-los efetivamente. Neste
caso específico, a terapeuta precisou atenuar o eventual peso social da infidelidade
"acidentalmente confessada na sessão", sugerindo a explicação de que a traição é fruto de
contingências em vigor na vida do casal, e que isso ocorre com muitas famílias. A terapeuta,
então, retoma o episódio da briga e continua a analisar o ocorrido. Em sessão posterior, C.
conseguiu trazer outro dado importante, desta vez sem maior questionamento de T. A cliente
relatou ter perfurado o olho direito do marido durante uma briga no passado (com perda total
da visão), explicou que ele não brigava, apenas tentava se explicar quando ela se exaltava.
Mesmo quando agredido com as palavras da esposa e ferido no olho, não retribuiu o ataque.
Essa revelação parece sugerir que T conseguiu atenuar a aversividade da revelação inicial e
propiciou o surgimento de verbalizações adicionais acerca do comportamento belicoso de
C, ocorrido especialmente em fases de humor maníaco e irritável. Uma das funções da
relação terapêutica é facilitar ao cliente a auto-revelaçáo, por meio de uma postura de
aceitação e não-julgamento do terapeuta frente às verbalizações do cliente. Explicar, numa
linguagem acessível, que o comportamento ó um fenômeno multideterminado por variáveis
(de natureza biológica e sócio-cultural) também ajuda o cliente a se sentir mais confortável
para falar sobre seus problemas.
A aversividade não se manifesta na relação terapeuta-cliente apenas durante a coleta
de dados. Não é raro, por exemplo, que algum procedimento, proposto pelo terapeuta ao
cliente, transforme-se, inadvertidamente, em um estímulo aversivo, mesmo que o objetivo
primordial fosse, a médio ou longo prazo, minorar o sofrimento. Por exemplo, como parte do
tratamento de transtorno obsessivo-compulsivo, pode-se utilizar uma técnica de exposição
a estímulos ansíogônícos (geralmente acompanhada da prevenção de respostas rítualístícas
e de neutralização). O cliente geralmente expressa relutância, há o risco da recusa tornar-
se irreversível. Nos casos mais extremos, aos olhos do cliente, o terapeuta vira um inimigo,
capaz de "forçar a barra e se mostrar insensível ao sofrimento alheio". Algo parecido ocorre
quando o terapeuta sugere ser conveniente que determinada tarefa fosse realizada no intervalo
entre as sessões (algo como a observação de eventos públicos ou privados, a prática de um
ensaio comportamental, etc.). Algumas das atividades eliciam medo ("se eu conseguisse
fazer a lição, não precisava de terapia", “por que tenho que sofrer tanto para ficar bom?", "se
eu não conseguir, ele vai se decepcionar comigo, vou levar bronca") ou raiva ("eu não sou

Sobre Comporftim cnlti e CoRniçJo 191


criança para ter lição de casa", "já não basta meu problema e ele quer dificultar mais...”), o
que também contribui para o surgimento de hostilidade no relacionamento terapeuta-cliente
e risco de abandono da terapia. Propostas de condutas terapêuticas aversivas são melhor
aceitas quando o terapeuta deixa o papel de prescritor ou aplicador de procedimentos e se
preocupa em levar o cliente a entender a lógica do tratamento, conhecer as alternativas
disponíveis e se compremeter a experimentar uma delas. A controlabilidade que o cliente
passa a sentir com esta forma de trabalho tende a reduzir a aversividade da interação e
desenvolve a tolerância do cliente aos procediementos.
Ainda com referência à aversividade experienciada pelo cliente na sessão, certas
características físicas ou comportamentais do terapeuta podem eliciar emoções como
medo, ansiedade ou raiva. Uma terapeuta com excesso de peso seria, para uma cliente
anoréxica, o retrato do que mais teme e odeia, o ganho de peso. Como construir a relação
de confiança o entendimento recíprocos se a cliente estaria sob controle da regra “se a
terapeuta é gorda não deve nem se importar se virar uma baleia". Um outro exemplo seria
o do terapeuta que ocasionalmente está cansado ou indisposto no dia em que precisou
atender e o cliente reage como se o terapeuta estivesse "emocionalmente distante,
indiferente aos problemas ou entediado na sessão". Uma interpretação assim pode eliciar
emoções desconfortáveis no cliente e nele evocar reações agressivas ou de defesa, muitas
vezes difíceis para o terapeuta. Na fase de início da terapia, não temos acesso ao tipo de
controle de estímulos que opera sobre cada cliente. Se, por acaso, o cliente aprendeu a
reagir a pessoas mais caladas como se estivesse sendo rejeitado ou atacado por elas, o
modo "sério ou mais quieto" do terapeuta interagir naquele dia pode ser compreendido
pelo cliente como certamente mais uma rejeição ou ataque, algo que sempre lhe fez sofrer
ao longo da vida. O terapeuta precisa lembrar-se de que ele funciona, para o cliente, nada
mais como um conjunto de estímulos cujas funções dependem da história passada da
pessoa atendida. Assim, um cliente pode reagir de modo extremamente rude frente a um
comportamento que o terapeuta julgaria afetivo e cordial. Nestecontexto, ocorre um
encadeamento de eventos aversivos: a atitude de cansaço do terapeuta funciona como um
ataque ao cliente, que reage com hostilidade. O terapeuta pode não entender a hostilidade,
chega até a irritar-se e com sua atitude confirma para o cliente a suposição inicial. Seria
um desatroso episódio de relacionamento aversivo entre terapeuta a cliente. O terapeuta,
tão logo perceba o tom aversivo da interação, pode se pergunatr sobre os motivos do
problema. No mesmo dia, ou depois, pode ser também benéfico que o terapeuta divida
suas percepções com o cliente, ensinando-lhe uma nova forma de gerenciar desacertos
interpessoais similares ao ocorrido na sessão. Esclarecidos os controles atuantes sobre
a interação, o terapeuta pode até se desculpar com o cliente por apresentar-se ao trabalho
em condições não tão ideais de disposção e descanso. E também pode ensinar ao cliente
que uma reação estranha do interlocutar nem sempre se configura como uma agressão ou
rejeição. Enfim, terapeuta e cliente teriam muito a extrair deste episódio, no sentido de
aperfeiçoar a comunicação entre as partes.
Como se pode ver pelo exemplo acima, também o terapeuta está exposto a eventos
aversivos na interação com seu cliente. Há outra manifestação de aversividade a considerar:
o efeito das características do cliente sobre os limites pessoais do terapeuta. Por exemplo:
como reagir ao forte impacto causado pelo relato do cliente sobre os sucessivos abusos
infantis que cometeu ao longo da vida? Ou como ajudar uma cliente enlutada pela morte
do marido, quando a própria terapeuta não se considera refeita da dor de uma perda
recente? Neste caso o manejo depende da capacidade do terapeuta ser capaz de reconhecer

1n Redimi t'hri*lin,i W itirntkd


seus limites de tolerância, dentro e fora da sessão. Por exemplo, se o repúdio do terapeuta
ao abuso contra menores o impedir de se colocar na posição do cliente abusador, convém
encaminhar o caso para quem esteja em melhor condição de prover um auxílio efetivo. O
terapeuta precisa conhecer seus limites e possibilidades, delimitir suas fronteiras da
tolerância à diversidade de crenças, valores e formas de agir vigentes na sociedade atual
e lutar por uma atuação profissional que lhe faça sentido técnico, ético, teórico e pessoal.
Discutir com os colegas os casos que atende e submeter-se à terapia (para conhecer o
que lhe controla e distinguir seus problemas daqueles trazidos pelos clientes) pode reduzir
a aversividade do cliente sobre seu terapeuta. Tal como o cliente não é obrigado a permancer
em terapia, um terapeuta pode abdicar de atender casos que escapam da sua capacidade
de acolhimento e compreensão. Recomenda-se detectar precocemente a incompatibilidade,
explicar ao cliente que sua formação e treinamento não lhe qualificam para atendê-lo à
altura do necessário e, se possível, encaminhar o cliente a um profissional habilitado.
Há também clientes que, portadores de transtornos psiquiátricos, sinalizam (com
diferentes graus de clareza) a probabilidade de hostilizar, perseguir, atacar ou ameaçar o
terapeuta. Um indivíduo com sintomas psicóticos pode acreditar que o terapeuta faça
parle de um complô, que tenha esxcutas no consultório, etc.. Infelizmente, já se conhece
casos de homicídio do terapeuta cometidos pelo cliente. Um outro cliente, em fase de
mania, pode falar ou cantar alto demais na sla de espera ou no consultório, vestir-se
inconvenientemente para a sessão, querer beijar ou abraçar o terapeuta de modo íntimo,
telefonar para o consultório ou residência do terapeuta um infinito número de vezes para
discutir planos mirabolantes, brigar com a secretária na recepção, entre outras
possibilidades. Certamente são situações de constrangimento impostas involuntariamente
pelo cliente, mas que acabam por dificultar o contato profissional e afetam a qualidade do
trabalho do terapeuta. O repertório do terapeuta pode ser ampliado, em termos de buscar
novas formas de interação, comportamentos ainda não emitidas ao longo daquele
atendimento. Trabalhar em equipe é indispensável nestes casos, seria essencial trocar
idéias com o psiquiatra e planejar condutas uniformes, colher dados com familiares e
orientá-los de acordo, além de procurar tomar a situação de terapia mais segura e confortável
para terapeuta e cliente. Por exemplo, fazer sessões mais breves, atender no domicílio,
proceder ao atendimento na companhia de outro profissional ou familiar são algumas das
medidas que podem ser adotadas temporariamente até o cliente estar melhor, sem oferecer
tantos riscos ou constrangimentos a si próprio ou a terceiros melhor (em casos deste
tipo,costuma ocorrer em paralelo um ajuste na farmacoterapia). Passado o episódio, pode-
se conversar com o cliente sobre o ocorrido, mostrando a ele que a quebra do tipo de
atendimento estava sob controle das condições temporariamente alteradas do cliente.
Ocasionalmente, terapeutas são "abalroados" f>ela aversividade imposta pela condição
do cliente quando esta é de tal forma grave, incontrolável, irreversível e dolorida que o terapeuta
pode se sentir, ou estar mesmo, incapacitado para proporcionar qualquer efeito positivo
sobre o cliente. Um paciente terminal, sem perspectiva de cura, respondendo modestamente
aos cuidados paliativos, pode ser auxiliado por nós? Em que, de qual forma? Como avaliar a
intervenção com o cliente com este perfil? Qual o impacto desta situação aversiva do cliente
sobre o terapeuta? A solução razoável neste caso seria avaliar a extensão e natureza da
controlabilidade que cliente e terapeuta possam realisticamente exercer sobre a situação-
problema. A morte ou a pressão que um tumor exerce sobre os órgãos adjacentes escapam
ao controle direto do terapeuta e cliente. Mas, por exemplo, este pode ser ensinado a
conversar com o médico sobre alternativas para manejo da dor e o terapeuta pode lhe treinar

Sobre Comporl.imenlo c Cognifdo 19 3


para adoçáo de tócnicas de relaxamento e distração nas ocasiões de dor leve ou moderada.
Fracionar o problema maior em porções menores facilira a identificação dos focos de atenção
comportamental. A tarefa seguinte seria aceitar as emoções inevitáveis geradas pela face
incontrolávet da aversividade, um exercício relevante para o terapeuta desenvolver com e
para seu cliente, mas também sozinho, visando sua formação profissional.
Outro modo da aversividade afetar o terapeuta seria por condições de trabalho
insalubres (jornadas extensas, salas inadequadas, quantidade excessiva de clientes, vários
casos graves simultaneamente, pouca oportunidade de reciclagem, estudo e repouso),
restrições arbitrárias impostas por falhas da lei ou de seus agentes (uma criança interrompe
abruptamente um tratamento por imposição da lei devido a um litígio entre os pais), ou até
por convênios de saúde com cobertura restrita de sessões. Este conglomerado de eventos
aversivos, ainda que relevantes, extrapola o foco do presente trabalho, que incide sobre a
aversividade gerada principalmente pela interação entre terapeuta e cliente e não será, a
despeito de sua relevância, discutido aqui. Caso estas variáveis aversivas sejam trazidas
pelo cliente à sessão, então caberia ao terapeuta discutir o tema, avaliar eventuais
encaminhamentos e validar a percepção acurada do cliente.
Provavelmente, as manifestações de aversividade passíveis de manifestação na
relação terapêutica não se esgotam naquelas aqui descritas, ainda que possam esbarrar
em algumas das modalidades abordadas neste artigo. Do mesmo modo, outras formas de
manejo da aversividade podem se mostrar mais eficazes e menos custosas. Espera-se da
comunidade de terapeutas e pesquisadores da prática clínica comportamental a
disponibilidade de proceder á partilha das experiências individuais, ampliando o repertório
de todos nós e beneficiando os clientes.

Referências

Wielonska, R.C. (2002) Tese de Doutorado "Adesào e Mudança do Comportamento, efeitos das
interações verbais terapauta-diente nas primeiras sessões", defendida no Instituto de
Psicologia da Universidade de Sào Paulo, sob orientação da Prof, Dra. Rachel Rodrigues
Kerbauy.

Wielenska, R C. (1989) Dissertação de Mestrado "A Investigação de Alguns Aspectos da Relação


Terapeuta-Cliente em Sessões de Supervisão", defendida no Instituto do Psicologia da
Universidade de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Luís Cláudio Mendonça
Figueiredo.

194 R e g in a t'l> rís(m .i W ic lr n s k .i


Capítulo 21

Relações entre Estilos de apego,


Assertividade e Auto-estima
Ren,i/,i Rolim Stikiy<inhi'
/ iilh) Pobrümkyj Weber*

O estilo de apego e a auto-estima podem afetar o jeito com que as pessoas se


relacionam umas com as outras, principalmente quando se trata da comunicação nas
relações. Uma relação de amor, ou qualquer outra, não existe sem que haja comunicação,
ou seja, uma relação necessita de interação, envolvendo um falar que afeta um ouvir e
vice-versa (Guerrelhas e Otero, 2003). Portanto, o comportamento assertivo se faz presente
nas relações humanas, já que está relacionado com a maneira de se expressar, comunicar
e enfrentar situações cotidianas.
Os autores (GuerTelhas e Otero, 2003) também falam que muitos dos problemas vividos
por um casal, por exemplo, são desencadeados por dificuldades na qualidade de comunicação.
A literatura demonstra que as pessoas que procuram psicoterapia são, geralmente, pessoas
com auto-estima baixa, dificuldades nos relacionamentos, dificuldades de expressar-se,
depressão, entre outros distúrbios. Colaborando com isso, Lima (2000) aponta que "Os déficits
de comportamentos assertivos adequados de modo geral se fazem presentes no repertório das
pessoas que procuram o consultório psicoterápico” (Lima, 2000, p.290).

Apego
A teoria do apego foi inicialmente formulada pelo psiquiatra britânico Jonh BowJby,
o qual tinha o intuito de estudar e explicar o desenvolvimento dos vínculos afetivos no ser
humano. Bowlby (1990) inicia seus estudos a partir da observação e registro sobre o modo
como crianças pequenas reagem à experiência de separação e subseqüente reencontro

1Graduada em Psicologia pela UFPR.


2 Professora do Departamento de Psicologia da UFPR e do Programa de Pós Graduação em Educação da
UFPR. hltu://lidiaw.sits.uol.com.br: lldiatffiufuriií

Sobre Comportamento c CoflnlçJo 195


com a mãe. As crianças eram observadas antes, durante e depois de um período fora do
lar e o que foi observado foi a intensidade da aflição e desolação dessas crianças na
ausência da mãe e no reencontro com esta. A partir disso, Bowlby (1990) se interessou
em compreender como se originam e desenvolvem os processos de formação e rompimento
de vínculos afetivos e qual a relação destes com as diversas formas de perturbação
emocional, tais como raiva, ansiedade, depressão e desligamento emocional, a que a
separação e perda involuntárias dão origem.
Bowlby (1990) formula sua teoria de apego a partir de bases psicanaliticas e
etológicas, sendo esta de fundamental importância, pois a utilização das pesquisas e dos
conceitos em etologia trouxe fundamentos do valor adaptativo do apego, de suas condições
ontogenéticas e da rede afetiva humana básica (Bussab, 2000).
A teoria de apego é definida por Bowlby (1990) como “(...) um modo de conceituar
a propensão dos seres humanos a estabelecerem fortes vínculos afetivos com alguns
outros" (Bowlby, 1990, p. 120). Bussab (1998) indica que os bebês já nascem com tendência
a formar vínculos - "predisposição dos bebês para a iniciação cultural" - chamando a
atenção ao fato destes já responderem ao olhar e fala carinhosa de um adulto.
Ao estudar o vínculo entre mãe e filho, Bowlby (1990) concluiu que este faz parto
de um sistema de comportamento que serve à proteção da espécie, já que os bebês
humanos nascem indefesos e incapazes de sobreviverem sozinhos por um longo período
de tempo. Dessa maneira, o apego é considerado um forte componente básico da natureza
humana, sendo uma classe diferente de comportamento social e tão importante quanto à
do comportamento de acasalamento e do parental.
Para Bowlby (1990) o apego é uma necessidade primária, não sendo necessário,
para seu estabelecimento, a satisfação de outras necessidades básicas, como por exemplo,
a amamentação. “Até então, os dados observacionais tinham apoiado a sustentação da
hipótese da necessidade de satisfação de outras necessidades básicas, principalmente a
da alimentação/amamentação, como essenciais ao desenvolvimento do apego." (Bussab,
2000). Entretanto, quando a pessoa que cuida não é a mesma que interage afetuosamente,
percebe-se que para o estabelecimento do vínculo o que predomina são as trocas
significativas para o bebê, ou seja, a qualidade e a intensidade com que ocorre a interação.
(Bowlby, 1990; Bussab, 2000). Os trabalhos de Lorenz sobre estampagem (Bowlby, 1990)
demonstram muito bem que o comportamento de apego é capaz de desenvolver-se em
patinhos sem que estes recebam alimento das figuras as quais se apegaram.
Dessa forma, o apego ó considerado como inerente ao ser humano, servindo
assim, a alguma função de sobrevivência que não a da satisfação física. Bowlby (1990)
assinala que os vínculos afetivos entre os bebês e seus cuidadores têm uma base biológica,
tendo que ser avaliada dentro de um contexto evolucionista. A partir disso, a função defendida
por Bowlby (1990) ó a de proteção contra predadores, esta é retirada do fato de que a
probabilidade de um animal ser atacado quando está sozinho é muito maior do que quando
está junto de outros da sua espécie. Sendo observado também que o comportamento de
apego é facilmente emitido em situações de alarme ou perigo, comuns quando se pressente
a existência de um predador. Sendo assim, o sistema comportamental de apego é um
sistema que tem como objetivo a promoção da segurança e proteção no bebê e/ou na
criança através da relação deste com uma figura de apego, ou seja, seu cuidador.
O comportamento de apego, portanto, é caracterizado pela finalidade de propiciar e
manter proximidade com a figura de apego, já que na presença deste existe uma sensação de

Renata Rolim Sakiyama, Lidia Natalia Dobrianskyj Webcr


segurança. Dizer que uma criança é apegada ou tem um apego por alguém, significa que ela
está fortemente disposta a buscar proximidade e contato com a figura especifica, principalmente
quando está assustada, cansada ou doente e, muitas vezes, quando está com medo.
A existência do apego ó demonstrada pelos comportamentos que permitem uma
criança ou adulto buscar e manter a proximidade da pessoa a quem está apegada, ou seja, à
figura específica. Geralmente a primeira figura de apego ó a mãe. O vinculo da “(...) criança
com sua mãe é um produto da atividade de um certo número de sistemas comportamentais
que têm a proximidade com a mãe como resultado previsível". (Bowlby, 1990, p.193). Dessa
maneira, o apego ó mediado por muitos tipos de comportamentos tais como, chorar, sorrir,
balbuciar, olhar, tocar e agarrar. Bowlby (1990) subdivido as formas de comportamento de
apego em duas classes principais: o comportamento de assinalamento, que tem como efeito
levar a mãe até a criança e o comportamento de abordagem, cujo efeito é levar a criança até
a mãe. Dentre os comportamentos de assinalamento estão o chorar, o sorrir e balbuciar e
mais tarde, chamar e fazer gestos (como por exemplo, erguer os braços). Estes comportamentos
são facilmente identificáveis como sinais sociais e têm como resultado a proximidade da mãe.
Bowlby (1990) assinala que bebês de três meses já respondem à mãe de modo diferente em
comparação com outras pessoas, entretanto, nessa idade, o choro, a balbuciação e o sorriso
não são dirigidos para uma meta, eles são emitidos e serão respondidos ou não pela mãe. Já
por volta dos seis meses de idade, o comportamento de apego é mais nitidamente perceptível,
pois o bebê já é capaz de distinguir a mãe e orientar sua atenção para a figura desta. Dos oito/
nove meses em diante a criança começa a apresentar os comportamentos de abordagem,
tais como, aproximar-se da mãe, buscando-a e seguindo-a e agarrando-se a ela. Com isso, a
criança possui uma meta, a proximidade com a mãe, e se utiliza de todos os recursos de
locomoção que possui para atingi-la (engatinhar, caminhar e outros).
Entretanto, o que é essencial é o desenvolvimento desses comportamentos na interação
entre pais e filhos. O bebé sinaliza suas necessidades através do choro ou do sorriso, acalma-
se quando está no colo e responde com olhares quando os pais olham para ele. Já os pais,
como cuidadores, respondem a esses sinais atendendo ao choro, ao olhar, acolhendo, ou
seja, mantendo e reforçando algumas respostas. Dessa maneira, a intensidade e a qualidade
da interação, incluindo a segurança, determinam, por um lado, a própria possibilidade de
estabelecer o vínculo, e, por outro, o tipo de apego (Bussab, 2000).
Ainsworth (1972) desenvolveu um estudo, denominado “Situação Estranha", para
identificar padrões de apego em crianças entre 12 e 18 meses. O que possibilitou a classificação
de três diferentes estilos de apego: seguro, ansioso-ambivalente e evitante.
O apego seguro foi observado nas crianças que demonstraram serem ativas nas
brincadeiras, buscando contato com a mãe após uma separação breve, sendo facilmente
confortadas e voltando a se envolver em suas brincadeiras.
No apego ansioso-ambivalente as crianças demonstraram uma oscilação entre a
busca de contato com sua mãe e a resistência ao contato com ela. O que caracteriza um
sentimento de incerteza quanto a disponibilidade daquele que cuida.
O terceiro estilo de apego - ansioso evitante - foi demonstrado por crianças que após
uma breve separação da mãe, evitaram se reunir a ela quando de sua volta. Representando o
indivíduo que não possui nenhuma confiança básica de que terá uma resposta satisfatória
quando necessitar de ajuda. Essa pessoa traz como característica principal o fato de procurar
viver de forma independente, ou seja, sem nenhuma ajuda do outro, tentando assim, conquistar
uma auto-suficiência emocional.

Sobre Comportamento c Cognição 197


As repetidas interaçõos com os pais vão desenvolver nas crianças diferentes
representações de si e do outro, caracterizando um Modelo Funcional Interno de apego,
uma lente a partir da qual o indivíduo vai ver o mundo e a si próprio. Para Bowlby (1990) a
criança que tiver pais que reconhecem e respeitem o desejo e a necessidade da criança
em ter uma base segura, sendo responsivos aos sinais do bebê e disponíveis, formará um
estilo de apego seguro. Essa criança vai desenvolver expectativas positivas em relaçáo a
si e ao mundo, acreditando na possibilidade de satisfação de suas necessidades.
Geralmente, essas crianças mostram-se confiantes, prestativas e cooperativas umas com
as outras. Bowlby (1990) coloca que “Nos termos da teoria da ligação, a pessoa é descrita
como tendo construído um modelo representacional de si mesma como sendo capaz de
se ajudar e merecedora de ser ajudada se surgirem dificuldades” (Bowlby, 1990, p. 128).
Já uma outra criança que teve como figuras de apego pessoas com comportamentos
pouco responsivos, imprevisíveis, ausentes e inseguros acaba formando um modelo menos
seguro e poderá desenvolver em relação a si e ao mundo expectativas menos positivas.
Essa criança poderá, por exemplo, apresentar comportamentos de exigir muita atenção e
cuidado dos outros (Fraley e Shaver, 2000).
Os modelos de funcionamento interno de apego tendem a se repetir durante toda
a vida, com comportamentos que indicam maior ou menor segurança em si própria e no
outro. Entretanto, apesar de menos freqüente, o comportamento de apego constitui, ainda,
uma parte importante do comportamento, sendo observado até a idade adulta. "Embora
seja especialmente evidente durante os primeiros anos da infância, sustenta-se que o
comportamento de ligação caracteriza os seres humanos do berço á sepultura" (Bowlby,
1990, p. 122). O comportamento de apego no adulto é uma continuação direta do
comportamento na infância e torna-se evidente nas situações de doença, calamidade,
medo e perigo; uma pessoa, nessas situações, certamente irá procurar proximidade com
alguém conhecido e que lhe transmita segurança. Bowlby (1990) ainda coloca que a teoria
de apego é aplicável aos adultos e a quem quer que esteja atuando para eles como figura
de ligação (geralmente um cônjuge e algumas vezes um dos pais ou até mesmo o filho).

Apego e Relações Amorosas


De acordo com a teoria de apego, o vinculo emocional que o bebê forma com seu
cuidador serve como uma lente para o jeito como a pessoa percebe a si e ao outro,
afetando também o jeito como uma pessoa se comporta em seus relacionamentos,
principalmente, os amorosos. O próprio Bowlby (1990) traz que os vínculos afetivos e os
estados subjetivos de forte emoção tendem a ocorrer juntos, colocando que as mais
intensas emoções humanas surgem durante a formação, manutenção, rompimento e
renovação de vínculos emocionais.
Sendo assim, alguns pesquisadores começaram a utilizar a teoria do apego para
entender a natureza e etiologia da solidão e do amor nos adultos. Investigações e entrevistas
com pessoas solitárias e com dificuldades em relacionamento amoroso reportaram
problemas na infância com os pais, corroborando com a hipótese de que a história de
apego influencia os relacionamentos amorosos nos adultos (Fraley e Shaver, 2000).
Estudiosos e investigadores dessa área concordam que o amor como um processo
de apego, possui características similares aos observados nas crianças com seus pais.
Hazan e Shaver (1987) citado em Fraley e Shaver (2000) foram os que inicialmente
formularam a teoria do apego em relações amorosas e descreveram essas características.

Kcndtd Rolim Sdkiydmd, Udid Ndldlid Dobridnskyj Weber


Eles observaram que dentro de uma relação amorosa, adultos tambóm se sentem mais
seguros quando seus parceiros estão perto, acessíveis e/ou respondendo de forma a
transmitir confiança. Os parceiros, em algumas situações, são usados como "base segura”
através da qual ó possível explorar o meio ambiente.
Hazan e Shaver (1987) citado em Fraley e Shaver (2000) também colocam que nos
relacionamentos amorosos e na relação mãe e filho a interação ocorre em forma de “baby-talk"
(fala infantilizada), trocas de olhares e carícias, trocas de experiências e interesse em descobrir
e conhecer o outro. Pessoas apaixonadas parecem fascinadas com as características físicas
do parceiro, querendo explorar o corpo deste. O bebê também fica fascinado com o corpo da
mãe ou figura de apego, querendo tocar o nariz, os olhos e as orelhas.
Assim, os comportamentos de apego exibidos por uma criança são também os
exibidos no amor romântico: sorrir, olhar, chorar, abraçar, agarrar e ir atrás da figura de apego,
querer ficar com o parceiro, tocar, beijar, entre outros. O adulto exibe esses comportamentos
de apego, principalmente em situações que deseja proximidade da figura de apego devido a
algum medo, ansiedade, situações de perigo e mal-estar. Além disso, como os sentimentos
de amor estão relacionados com um intenso desejo pelo interesse e reciprocidade da figura de
amor, esses comportamentos são emitidos com o intuito de alcançar esse interesse e
reciprocidade do parceiro. Por exemplo: quando há o encontro com a figura de amor, a pessoa
sorri, busca o olhar e estende os braços para a pessoa.
Uma outra situação na qual uma pessoa pode exibir sinais na busca de proximidade
é a situação de flerte. Na tentativa de aproximação, diversos comportamentos são emitidos,
dentre os quais, muitos deles podem ser comparados aos comportamentos de apego: olhar,
sorrir, orientar-se em direção à pessoa, balançar o corpo, fazer gestos bruscos para chamar a
atenção, mudança de voz etc. Weber (1998) assinala que a aproximação no flerte é facilitada
por uma postura infantilizada (de "submissão") de ambas as partes, a qual indicaria que o
cortejador pode se aproximar sem medo. Além disso, Weber (1998) acrescenta outra finalidade
indicada por pesquisas: a finalidade desses sinais de submissão no comportamento de flerte
é a de criar, consolidar e manter vínculos de apego.
Outros comportamentos que podem ser percebidos tanto no rolacionamonto entre
bebê e cuidador quanto em adultos é quando ocorre a separação ou perda da figura de apego
ou amor. Tanto o bebê quanto o adulto apresentam angústia, choro, tentativa de encontro com
a figura e tristeza. Antes mesmo da separação ou perda, quando o relacionamento não está
indo bem ou não se tornou seguro ainda, a pessoa ou o bebê ficam ansiosos, hipervigilantes
aos sinais de aprovação e desaprovação da figura em questão. Tanto o bebê quanto uma
pessoa no início do relacionamento obtêm alegria e prazer quando recebem atenção e aprovação
da pessoa que ama ou do cuidador.
Outra constatação entre os dois tipos de vínculos é a de que os estilos de amor
apresentados nos adultos são similares aos estilos de apego observados em crianças. Diversos
estudos e pesquisas colaboraram com essa hipótese (Fraley & Shaver, 2000). Em 1987,
Hazan e Shaver adotaram a tipologia de Ainsworth dos diferentes padrões de apego (ansioso-
evitante, seguro e ansioso-ambivalente) para organizar as diferenças individuais relacionadas
com os pensamentos, sentimentos e comportamentos dos adultos nas relações amorosas
(Fraley e Shaver, 2000). Entretanto, nos últimos anos, novas formas de medir padrões de
apego romântico foram construídas, no centro destes esforços está a canadense Bartholomew.
Bartholomew (1990) conclui que existem duas dimensões subjacentes às medições do apego
adulto: a ansiedade (frente ao abandono e ao amor insuficiente) e a esquiva (da intimidade e da

Sobre Comport.tmcnlo r Cotfniy.lo


expressão emocional). Estas podem se organizar em relação a outras duas dimensões
relacionadas com as representações de si e do outro: modelo de si positivo (merecedor de
amor e de atenção) versus negativo (não merecedor) e modelo de outros positivo (os outros
são vistos como disponíveis e protetores) versus negativo (os outros são pouco confiáveis).
Bartholomew (1990) traz que a partir dessas dimensões surgem quatro tipos de estilos de
apego: seguro, preocupado (ou ansioso-ambivalente de Ainsworth), evitante e receoso (que
foram subdivididos do estilo evitante de Ainsworth).
O estilo seguro rnantóm uma percepção positiva de si e dos outros, mostrando
predisposição para envolver-se afetivamente com os outros, sentindo-se confortável em manter
intimidade e possuindo autonomia.
O estilo preocupado é caracterizado pela preocupação intensa se o parceiro o ama e
deseja ficar com ele devido a um modelo negativo de si. Geralmente exagera na forma como
demonstra seu amor, querendo e buscando estar em completa intimidade com os outros, o
que acaba assustando o parceiro.
O estilo receoso adota uma atitude de esquiva com relação aos outros por medo de
ser desvalorizado e abandonado. Possui um modelo de si negativo e alta ansiedade.
Já as pessoas que tendem ao estilo evitante são caracterizadas pela negação de um
desejo ou necessidade de envolvimento, caracterizando também uma atitude de esquiva.
Entretanto, essa esquiva ocorre como uma forma de se manter a autoconfiança e a
independência. Dessa maneira, a importância maior é dada á realização pessoal do que à
intimidade com os outros, desvalorizando os vínculos afetivos.
Hazan e Shaver (1987) e Bartholomew (1990) concordam que as diferenças individuais
de comportamento no relacionamento amoroso, devido ao apego, são reflexos das expectativas
e crenças que as pessoas formam de si e dos outros quando crianças. O modelo de apego
continua guiando e estabelecendo os comportamentos nas relações amorosas, a disponibilidade
e responsividade que existiu ou não r*o vínculo bebê e cuidador são generalizados para modelos
internos de relacionamento. Conforme as pessoas constróem novas relações, elas contam,
em parte, com expectativas prévias sobre como o parceiro irá se comportar e sentir em relação
a elas. Assim, as pessoas utilizam o modelo funcional interno de apego na interpretação das
atitudes e intenções do parceiro.

Comportamento assertivo - Breve histórico


A assertividade teve sua origem com Salter, um dos chamados pais da terapia
comportamental, e seu livro Conditioned Reflex Therapy. Salter (1949) fala de modos de
comportamento para aumentar a expressividade emocional dos indivíduos: falar de
sentimentos; expressão facial das emoções; o uso da primeira pessoa ao falar; expressar
concordância quando é elogiado; expressar desacordo e atuação espontânea (Wolpe,
1976). Entretanto, as idéias de Salter não tiveram difusão na época. Assim, algumas
décadas depois, Wolpe (1976) retoma suas idéias e utiliza pela primeira vez o termo
"comportamento assertivo" Já o Treinamento Assertivo é elaborado por Wolpe (1976) e
Lazarus (1977), os quais começaram a utilizá-lo na prática clínica, e é popularizado por
Alberti e Emmons (1978) pelo livro Your Perfect Right (Comportamento Assertivo: um guia
de auto-expressão) (Caballo, 1996; Del Prettee Del Prette, 2001).
Atualmente o Treinamento Assertivo parece ser considerado como um dos
procedimentos dentro do Treinamento em Habilidades Sociais (THS). Entretanto existe
uma discordância entre os autores com relação ao conceito de habilidades sociais e

Renata Rolim Sakiyama, Lídia Nalalia Pobrianskyj Webcr


assertividade. Alguns consideram a assertividade como um sinônimo de habilidade social,
já outros sustentam que as habilidades sociais possuem um repertório mais amplo de
respostas (Falcone, 2001). Caballo (1996) coloca, em seu livro Manual de técnicas de
terapia e modificação de comportamento, o Treinamento Assertivo como um procedimento
do THS, afirmando que durante o THS é necessário que o paciente faça a distinção entre
respostas assertivas, nào assertivas e agressivas. Del Prette e Del Prette (2001) também
sustentam isso ao incluir dentro das classes de habilidades sociais as habilidades
assertivas, denominadas de “Habilidades sociais assertivas de enfrentamento: direitos e
cidadanias" (Del Prette & Del Prette, 2001, p. 73).
Portanto, esses autores defendem que a assertividade seria uma classe de
comportamento diferente e menor dentro das habilidades sociais. restringindo>se à expressão
de pensamentos, sentimentos e desejos de forma a exercitar seus direitos, respeitando
os direitos alheios. Já a habilidade social ó tratada não somente como a comunicação de
sentimentos e opiniões verdadeiros, mas também como uma disposição para abrir mão
dos próprios interesses, sentimentos e desejos no sentido de se dedicar a ouvir e
compreender o que o outro sente, pensa e deseja (Falcone 2001).
Entretanto, esses autores concordam que o Treinamento Assertivo ó uma alternativa
terapêutica de grande prestígio, sendo que se mantém até hoje tanto na prática clínica
quanto como tema de pesquisas (Del Prette & Del Prette, 2003).
O trabalho aqui apresentado não tem por objetivo a discussão dessas divergências,
propondo apenas definir e discutir o comportamento assertivo dentro do que existe na
literatura, para isso utiliza-se tanto de autores que defendem a assertividade como sinônimo
de habilidades sociais quanto de autores que discordam disso.

Comportamento assertivo - Definição e descrição


O comportamento assertivo é definido por Alberti e Emmons (1978) como: “O
comportamento que torna a pessoa capaz de agir em seus próprios interesses, a se afirmar
sem ansiedade indevida, a expressar sentimentos sinceros sem constrangimento, ou a
exercitar seus próprios direitos sem negar os alheios" (Alberti & Emmons, 1978, p. 18).
Brandão e Derdyk (2003) trazem que as pessoas consideradas assertivas defendem
suas opiniões respeitando a dos outros, pensam coisas boas de si, sendo mais
autoconfiantes, não tendo receio de encarar as atividades e se relacionando melhor com
os outros. Os indivíduos assertivos sabem que têm direitos e deveres iguais a todos e
comunicam-se de forma a atingir os próprios objetivos sem hostilidade.
O comportamento assertivo é comparado com os comportamentos não assertivo ou
passivo e agressivo. Del Prette e Del Prette (2003) classificam o comportamento interpessoal
nesses três estilos: assertivo, nào assertivo/passivo e agressivo. Colocando que "a noção de
estilos de comportamento refere-se ao padráo predominante nos relacionamentos de uma
determinada pessoa com as demais. Isso não significa que, em todas as situações e ocasiões,
ela manterá um único estilo. Além disso, esses padrões não são permanentes ou imutáveis."
(Del Prette & Del Prette, 2003, p. 144). As comparações e diferenças entre esses três
comportamentos ocorrem tanto com relação aos componentes verbais quanto os não-verbais.
As principais características de uma pessoa nào assertiva/passiva se concentram na
dificuldade de expressão de emoções e opiniões. O comportamento passivo ou não assertivo
é caracterizado pela desconsideração dos próprios interesses, facilitando a obtenção dos
desejos de outros. Alóm disso, quando uma pessoa com esse estilo se expressa, o faz de

Sobre Comportamento c Cogni(ilo 201


maneira inadequada, apagada, emitindo em seguida muitas justificativas e desculpas. Caballo
(1996) cita alguns exemplos de comportamento não-verbal e verbal que caracterizam cada
estilo. O não assertivo/passivo inclui verbalizações como: “Talvez", “Suponho", “Realmente,
não ó importante", “Não se incomode". Dentre os comportamentos não verbais, inclui: "olhos
que fitam para baixo”, "voz baixa” , “postura abatida”, "vacilações”, “pode evitar totalmente à
situação", "risadinhas falsas" (Caballo, 1996, p.372). Geralmente, o não assertivo não se acha
capaz de afirmar seus direitos ou agir de acordo com seus sentimentos, tendo como
conseqüências, uma auto-estima baixa, dificuldades interpessoais, ansiedade, depressão,
pensamentos auto-recriminatórios, perda de oportunidades, entre outros (Caballo, 1996; Del
Prette e Del Prette, 2003).
O estilo agressivo de comportamento se caracteriza por um baixo autocontrole do
comportamento e das emoções, desconsiderando os desejos dos outros, tentado alcançar os
seus próprios à custa dos outros. Além disso, costuma ser socialmente inadequado, já que
suas respostas resultam em coerção e intransigência. Em geral pode aparentar autoconfiança
e controle da situação, conseguindo atingir seus objetivos e obter respostas imediatas do
ambiente. Entretanto, a médio e longo prazo, há alta probabilidade de conseqüências negativas
ocorrerem, pois essas pessoas são mais temidas do que respeitadas, prejudicando a qualidade
da relação e sendo evitadas pelos demais. Além disso, o comportamento agressivo gera perda
de oportunidades, auto-imagem negativa, culpa, frustração e tensão. As verbalizações desse
estilo consistem em: "Faria melhor em", "Deve estar brincando", “Se não o fizer", "Não sabe",
“Deveria", caracterizando uma postura ameaçadora, manipulativa, em que a fala pode ser
repleta de ironia e desprezo. Os comportamentos não-verbais incluem: “olhar fixo", “voz alta",
“fala rápida", “enfrentamento", "postura intimidativa", mensagens impessoais", "expressão severa"
(Alberti e Emmons, 1978; Caballo, 1996; Del Prette e Del Prette, 2003).
Já o estilo assertivo de comportamento, como foi mencionado acima, se caracteriza
pela defesa de seus próprios direitos e expressão dos pensamentos de maneira direta e
respeitosa. Portanto, o comportamento assertivo pode trazer conseqüências muito positivas
tanto para a relação com as demais pessoas quanto para a própria pessoa que o exerce.
Essas conseqüências são confirmadas através dos efeitos do Treinamento Assertivo na
população clínica, tais como: aumento da autoconfiança e da realização pessoal (Falcone,
2001). Da mesma forma, comportamentos agressivos ou passivos podem trazer, a médio e a
longo prazo, conseqüências negativas.
Com base nisso, os estudos identificaram muitos componentes do comportamento
assertivo que são necessários e importantes nas diversas relações do ser humano, tais como:
“(...) recusar pedidos abusivos, expressar desagrado e raiva, fazer pedidos, emitir opiniões,
discordar, elogiar, solicitar mudança de comportamento, lidar com críticas" (Del Prette & Del
Prette, 2003, p. 148). Com relação aos comportamentos não-verbais, o assertivo inclui: olhar
nos olhos, manter uma postura do corpo adequada e direcionada para a pessoa, emitir gestos
apropriados e firmes, uso do eu, mãos soltas, tom de voz natural de conversa, ou seja,
comportamentos que caracterizem uma certa segurança de que sabe seus direitos e respeita
os do outro. Um outro componente do comportamento assertivo é a escolha apropriada do
momento em que a expressão/comunicação deve ocorrer,"(...) o assertivo é alguém que tem
sensibilidade às mudanças das pessoas e do ambiente" (Brandão & Conte, 2003, p.7),
permitindo um comportamento socialmente adequado (Alberti e Emmons, 1978; Caballo, 1996;
Del Prette e Del Prette, 2003).
Dessa maneira, ser assertivo, muitas vezes é não ser assertivo, ou seja, é necessário
que o indivíduo seja sensível à situação, pois um comportamento assertivo produz diferentes
efeitos sobre as pessoas. Lazarus (1977) afirma que existem situações em que fica difícil decidir

Rcruilii Rolim Sdkiydma, Lklid Ndtdlid ÍJobrianskyj Weber


se os direitos de uma pessoa estào ou não sendo desrespeitados, principalmente nas interações
de casamento e família. Neno e Tourinho (2003) também apresentam exemplos de que nem
sempre declarar amor por alguém pode trazer conseqüências positivas, assim como discordar
de alguém não traz necessariamente conseqüências positivas. Existem contextos em que a
expressão positiva de sentimentos é bem recebida socialmente, entretanto “(...) o que está em
jogo não é propriamente a ação de ‘declarar o sentimento’, mas a relação entre essa ação, o
contexto em que ela ocorre e as conseqüências que produz" (Neno & Tourinho, 2003, p. 65).
Delitti e Groberman (2003) discutindo sobre a difícil decisão de “falar ou calaf oolocam
que é fundamental conhecer os próprios limites, analisar as situações e identificar os
comportamentos possíveis e suas conseqüências prováveis para que o respeito mútuo exista,
facilitando um relacionamento interpessoal mais prazeroso e gratificante. Complementando
isso, Brandão e Meyer (2003), além de colocar que a capacidade de demonstrar sentimentos
e emoções de forma adequada é um dos requisitos para o comportamento assertivo, afirmam
que para decidir se um comportamento é assertivo ou não,"(...) é necessário observar as
conseqüências imediatas e em longo prazo que esse comportamento pode oferecer" (Brandão
& Meyer, 2003, p. 237-238). Portanto, o comportamento assertivo possui uma função, a qual
dependerá da história dos indivíduos, do contexto e da relação entre os interlocutores.

Auto-estima
A auto-estima é definida como a avaliação que um indivíduo faz de si mesmo ou,
como Bee (1996) coloca: “ (...) avaliação global do próprio valor" (Bee, 19$6, p. 295). Expressa
um sentimento ou atitude de aprovação ou repulsa de si, indicando até que ponto o sujeito se
considera capaz, valioso, significativo e bem-sucedido. É um juízo de valor que se expressa
através das atitudes que o indivíduo mantém consigo mesmo. É uma experiência subjetiva
que o indivíduo expõe aos outros por relatos verbais e comportamentos observáveis
(Coopersmith, 1967; Assis; Avanci, Silva, Malaquias, Santos e Oliveira, 2003).
Segundo Rosenberg (2003) a auto-estima é uma orientação positiva ou negativa em
direção a si, uma avaliação global de seu próprio valor. Rosenberg (2003) coloca que as
pessoas motivadas a terem uma alta auto-estima possuem indícios de uma autoconsideração
positiva,o que não é egotismo. A auto-estima é considerada como um componente do
autoconceito, o qual o autor define como totalidade de pensamentos e sentimentos individuais
tendo como referência a própria pessoa como um objeto. Ao lado da auto-estima, a auto-
eficácia ou autodomínio e a auto-identidade também são partes importantes do autoconceito.
Oliveira (1994) citado em Costa (2002) diferencia autoconceito, auto-imagem e auto-
estima, dizendo que o primeiro apresenta-se como uma atitude que a pessoa tem de si
mesmo decorrente da maneira como ela se percebe, a auto-imagem é considerada como um
sinônimo do autoconceito só que possui uma ênfase no social e a auto-estima se refere a uma
atitude valorativa do indivíduo com relação a si mesmo.
Dessa maneira, a auto-estima é um fator importante na relação do indivíduo consigo
mesmo e com os outros, exercendo influência na percepção dos acontecimentos e das pessoas
e, conseqüentemente, no comportamento e nas vivências do índívíduo. Portanto, apesar do
tema da auto-estima estar popularizado na mídia, pelos livros de auto-ajuda, e estar tão
psicologizado, a auto-estima é um tema importante dentro da comunidade científica, e como
defendem >4ss/s e cols. (2003) a auto-estima, como base da representação social de si, se
coloca no campo da saúde pública, pois envolve o bem-estar individual e social.
Acrescentando-se a isso, Coopersmith (1967) citado por Gobitta e Guzzo (2002)
considera que crianças com auto-estima rebaixada possuem menor probabilidade de serem

Sobre Comport.im cnlo c Cognlçilo m


realistas e eficazes no seu dia-a-dia, tendo maior probabilidade de manifestar padrões de
comportamento não convencionais. Além disso, o autor atentou para o fato de que muitas
pessoas que procuram terapia, freqüentemente, se percebem como impotentes e inferiores ou
ainda incapazes de melhorar a situação. Esses e outros aspectos tornam importante a
compreensão da auto-estima.
Mruk (1995) citado por Assis e cols. (2003) sugere no mínimo cinco razões fundamentais
para a necessidade de um enfoque científico da auto-estima: 1) é um fenômeno muito mais
complexo do que parece, já que está fortemente associado a outros oonstrutos da personalidade;
2) está implicada na vida cotidiana, já que se relaciona à saúde mental ou bem-estar psicológico;
3) pode ser um valor depreciativo de si mesmo, que se relaciona com graves fenômenos
mentais como depressão, suicídio, sentimentos de inadequação e ansiedade; 4) a auto-estima
parece ter se tornado um conceito indispensável às ciências sociais, uma vez que aborda a
percepção das pessoas sobre si mesmas, tendo uma interlocução direta com a experiência
das condições sociais básicas, estruturais e relacionais vividas na sociedade; 5) esta temática
nunca alcançou o significado social como o obtido no momento atual.
A auto-estima ó um atributo individual moldado nas e pelas relações cotidianas.
Skinner (2002) coloca a auto-estima como "(...) uma condição corporal resultante do
reconhecimento alheio ou de auto-reconhecimento aprendido dos outros." (Skinner, 2002, p.
51). Sendo assim, o desenvolvimento da auto-estima depende da maneira com que a pessoa
recebeu dos outros, afeto, elogios e atenção, além da transmissão de confiança e segurança.
Coopersmith (1967) encontrou, em estudos, cinco condições que contribuem para
a melhora da auto-estima na criança, sendo que a maioria delas envolve as experiências
da criança com seus pais e conhecidos: 1) experimentar total aceitação de seus
pensamentos, sentimentos e valores pessoais; 2) estar inserida num contexto com limites
claramente definidos, sendo estes justos e não opressores; 3) os pais não usarem de
autoritarismo e violência para controlar e manipular a criança, bem como não humilhar,
nem a ridicularizar; 4) os pais devem manter altos padrões e altas expectativas com
relação aos comportamentos e desempenhos da criança; e, 5) os pais devem apresentar
um alto nível de auto-estima, pois eles são os modelos e exemplos do que a criança
precisa aprender. O autor ainda considera que crianças sob condição de rejeição, dominação
e punição tendem a ter auto-estima rebaixada, apresentando submissão e passividade
ou, indo ao extremo disso, apresentando agressão e dominação.
Dessa maneira, pesquisas buscam correlacionar estilos de apego e formas de
comunicação, demonstrando relação entre estilos de apego e alguns aspectos da
comunicação entre casais e entre estilos de apego e expressões de raiva, tristeza,
intimidade e comportamento não-verbal (Guerrero, 1996; Guerrero e Burgoon, 1996;
Fitzpatrick, Fey, Segrin e Schiff, 1993 citados em Bachman e Zakahi, 2000). A presente
pesquisa objetivou buscar o respaldo teórico sobre a teoria de apego, o amor como apego,
a teoria sobre comportamento assertivo e a auto-estima.

Método
Participantes: 129 estudantes universitários de diversos cursos de graduação da cidade
de Curitiba - PR, sendo 93 pessoas (72,1 %) do sexo feminino e 36 pessoas do sexo masculino
(27,9%). A idade média foi de 21,09 anos com desvio padrão de 2,933. As idades dos participantes
variaram de 17 anos (2,3%) a 43 anos (0,8%), sendo que a maioria das pessoas têm idade de
22 anos (23,3%). Com relação à opção sexual, verificou-se que 96,8% da amostra são

Rendta Rolim Sdkiydrrid, Lidid Ndtdlid Dobrianskyj Webcr


heterossexuais, 1,6% são homossexuais e 1,6% bissexuais. A proporção significante das
religiões verificadas na amostra foi de 50,4% de católioos e 26,4% de entrevistados que afirmaram
não ter nenhuma religião. A média de número de namorados/as que as pessoas afirmaram ter
tido ao longo da vida foi de 2,44 namorados/as com desvio padrão de 1,494. A maioria, 63,4%
dos indivíduos, teve relação sexual com 0 a 2 parceiros, sendo que a porcentagem para cada
um desses números foi igual (21,1%). Sobre a situação amorosa atual, 50,4% das pessoas
afirmaram estar namorando e 45% responderam estar sozinhos.

Instrumentos:
Os instrumentos utilizados foram (anexo):
1. Escala de Auto-Estima de Rosenberg (Rosenberg Self-Esteem Scale), que contêm
10 questões avaliadas pelo sistema Likert de 5 pontos, que varia de ‘Discordo
totalmente" a "Concordo totalmente";
2. Questionário de Relações Amorosas e Apego (Relationship Scales Questionnaire -
Griffin e Bartholomew, 1994), que contém 30 questões retiradas da medida de apego
de Hazan e Shaver (1987), do Questionário de Relações Amorosas (Relationship
Questionnaire) de Bartholomew e Horowitz (1991), e da Escala de Apego Adulto de
Collins e Read (1990) citados por Rosenberg (2003). As questões são apresentadas
de forma que os participantes escolhem o que melhor descreve seu estilo de apego
em uma escala Likert de 5 pontos, que varia entre ‘‘Nada a ver comigo" a "Tudo a ver
comigo". Cinco questões são relativas aos estilos de apego seguro e evitativo e
quatro questões aos estilos preocupado e receoso;
3. Inventário Assertivo Alberto & Emmons, 1987), que possui 35 questões avaliadas
pelo escore total do sujeito.

Procedimentos: Os instrumentos foram aplicados de duas maneiras: coletivamente, nas


dependências da Universidade Federal do Paraná após consentimento dos professores e
dos alunos e via e-mail.
Análise dos dados: foi usado o Programa SPSS com o teste de Qui-quadrado. A Escala
de Auto-Estima de Rosenberg foi analisada pelo escore total, sendo que este foi dividido
em três categorias através dos quartiles 25 e 75 (1=baixa auto-estima; 2=média auto-
estima; 3=alta auto-estima). O Questionário de Relações Amorosas e Apego foi avaliado
pelo escore total de cada estilo de apego, os participantes receberam um escore para
cada estilo de apego sendo que cada estilo foi dividido em três categorias através da
média e desvio padrão:
Estilo Seguro: 1=pouco seguro; 2=médio seguro; 3=muito seguro;
Estilo Receoso: 1=pouco receoso; 2=médio receoso; 3=muito receoso;
Estilo Preocupado: 1=pouco preocupado; 2=médio preocupado; 3=muito preocupado;
Estilo Evitativo: 1=pouco evitativo; 2=médio evitativo; 3=muito evitativo.
O Inventário Assertivo foi analisado pelo escore total e dividido em três categorias
(1 = não assertivo; 2=médio assertivo; 3=assertivo) através da média (11,84) e desvio padrão
(6,68). Após cada questionário ter sido analisado, as variáveis categorizadas foram cruzadas
entre si: auto-estima com assertividade, auto-estima com cada estilo de apego e assertividade
com cada estilo para verificação da existência ou não de relação estatisticamente significativa
entre elas.

Sobrf Comportumcnto c (.'ognlfào 205


Resultados e discussão
Os dados encontrados mostram relações estatisticamente significativas entre a
maior parte das variáveis, exceto entre o estilo de apego seguro e a auto-estima (X2=
5,645; gl=4; p>0,05) e o estilo de apego evitante e a assertividade (X ^ 8,219; gl=4; p>0,05).
A relaçào entre o estilo de apego seguro e assertividade foi significativa (X ^ 12,830;
gl=4; p<0,05), podendo-se observar que dentre os indivíduos considerados assertivos 3,4%
são pouco seguros, 44,8% médio seguros e 51,7% são muito seguros, ou seja, a maioria
das pessoas assertivas tem o estilo de apego seguro, como mostra a Tabela 1.

Tabela 1 Porcentagens do estilo seguro cruzadas com as porcentagens da assertividade obtidas


através do teste qui-quadrado.
pouco assertivo médio assertivo assertivo total
pouco seguro % ostilo seguro ..... .... 31.8% ..........63,6%.............. 4,5% 100,0%
% assertiv idade 30,4% 18,2% 3,4% 17,1%
% Total 5,4% 10,9% .8% 17,1%
mAdio seguro % estilo seguro 15,9% 65,2% 18,8% 100,0%
% nssertividtide 47,8% 58,4% 44,8% 53,5%
% Total 8,5% 34,9% 10,1% 53,5%
multo soguro % »stilo seguro 13,2% 47,4% 39,5% 100,0%
% assertividade 21,7% 23,4% 51,7% 29,5%
% Total 3,9% 14,0% 11.6% 29,5%
Total % «»tilo seguro 17,8% 59,7% 22,5% 100,0%
% assertividade 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
% Total 17.8% 59,7% 22.5% 100,0%

O estilo de apego seguro é caracterizado por comportamentos no qual a pessoa


ó mais confiante para explorar o mundo e para agir neste, conseguindo assim, ter mais
iniciativa. Como colocam Fraley e Shaver (2000), pessoas com esse estilo nâo possuem
dificuldades em aproximar-se dos outros e deixar que os outros se aproximem, não tendo
medo de ser abandonadas por seus parceiros. A assertividade envolve a habilidade de
expressar adequadamente sentimentos e opiniões sem ferir os direitos dos outros, o que
parece tranqüilo para uma pessoa com estilo de apego seguro, já que esta possui uma
base segura na qual aprendeu a se valorizar e a confiar nos outros. Uma pesquisa realizada
por Bachman e Zakahi (2000) demonstra a correlação entre estilos de apego e escolha de
estratégias utilizadas para iniciar relacionamentos amorosos, indicando que pessoas com
estilos mais seguros, sendo confortáveis em ter intimidade, tendem a escolher estratégias
de comunicação mais claras, já que estão mais confiantes em si e no outro. Hatfield e
Rapson (1996) citados em Bachman e Zakahi (2000) também descrevem que o estilo
seguro quando está prestes a ter um compromisso sério com o parceiro/a tende a ficar
calmo, confiante e dizer para este seus verdadeiros sentimentos. Esses estudos também
sugerem que uma pessoa segura tèm maior propensão a desenvolver a assertividade.
Outros estudos (por exemplo, Simpson e cols, 1992; Fraley e Shaver, 1998; Pistole,
1989; Gaines e cols, 1997; Scharfe e Bartholomew, 1995 citados em Crowell, Fraley e
Shaver, 2000) referentes a estilos de apego demonstram que tanto homens quanto mulheres
seguras, mesmo diante uma situação estressante ou conflito, tendem a apoiar e a confortar
seus parceiros. Em uma situação de conflito, os adultos seguros acabam utilizando estratégias
de resolução do problema que envolvem compromisso e integração, e não estratégias
defensivas e destrutivas. A respeito disso, Guerrelhas e Otero (2003) afirmam que em uma
relação conjugal a assertividade torna mais fácil a prática da cumplicidade, da amizade, do
respeito e da admiração, componentes estes que definem uma relação entre casais.

Renata Rolim Sakiyama, Lidia Natalia Pobrianskyj Wcbcr


A partir disso pode-se supor que as pessoas sentem-se mais seguras quando,
em seus relacionamentos, podem expressar suas preocupações e sentimentos e ainda
receber suporte e reafirmação. Assim, o comportamento assertivo pode ser praticado e
desenvolvido devido às conseqüências positivas tanto na resolução de um problema quanto
na possibilidade de autoconfiança (Conte e Brandão, 2003).
Outra relação que se mostrou estatisticamente significativa foi a do estilo de
apego receoso com a assertividade (X2=41,462; gl=4; p<0,001) e com a auto-estima
(X ^20 ,170; gl=4; p<0,05). A relação mais significativa foi entre o estilo de apego receoso
e a assertividade. As freqüências encontradas estão demonstradas na Tabela 2.

Tabela 2: Porcentagens do estilo receoso cruzadas com as porcentagens da assertividade obtidas


através do teste qui-quadrado.

pouco assertivo médio assertivo assertivo Total


pouco receoso % estilo receoso 0% 51,9% 48,1% 100,0%
% assertividade 0% 18,2% 44,8% 20,9%
% Total 0% 10,9% 10,1% 20,9%
médio receoso % estilo receoso 11,0% 67,1% 21,9% 100,0%
% assertiv idade 34,8% 63,6% 55,?% 56,6%
% Total 6.2% 38,0% 12,4% 56,6%
muito mcfíOBo % estilo receoso 51,7% 48,3% 0% 100,0%
% assertividade 65,2% 18,2% 0% 22,5%
% Total 11,6% 10,9% 0% 22,5%
Total % estilo receoso 17.8% 59,7% 22,5% 100,0%
% assertividade 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
% Total 17,8% 59.7% 22.5% 100,0%

É interessante notar que dos considerados muito receosos, nenhum é assertivo e


51,7% são pouco assertivos. E, dos pouco receosos, nenhum é pouco assertivo e 48,1 %
são assertivos. Quando se observam as colunas relativas à assertividade, dos pouco
assertivos, 65,2% são muito receoso e dos assertivos nenhum é muito receoso.
A relação encontrada entre baixa auto-estima e alto escore de estilo receoso pode ser
atribuída à própria definição desse estilo. Para Bartholomew (1990) o estilo de apego receoso
é aquele que adota uma atitude de esquiva devido ao medo de ser abandonado e desvalorizado
peíos outros caso permita muita intimidade pessoaí, não confiando nas outras pessoas e nem
em si mesmo. Sendo bastante ansioso nas relações devido a isso. Portanto, esse estilo
possui um modelo representacional de si negativo, uma avaliação global inadequada de si
mesmo, o que leva uma preocupação de que as pessoas irão abandoná-lo ou desvalorizá-lo.
Da mesma maneira, essa pessoa pode ter dificuldades em se expressar devido ao medo de
que os outros o rejeitem e acabar desenvolvendo comportamentos não assertivos em diversas
situações. A auto-estima baixa afasta as pessoas, podendo produzir um isolamento e,
conseqüentemente, reduzindo seu círculo de relações, porque a pessoa não se sente confortável
com os demais e capaz de construir relações profundas e significativas.
Brandão e Conte (2003) apontam que se na experiência passada a pessoa aprendeu
que falar pode ter conseqüências negativas, tais como levar “alguns tapas", ser negligenciado
ou desvalorizado, a pessoa pode desenvolver comportamentos não assertivos, tendo
dificuldades em expressar-se, em abordar alguém, esquivando-se de situações que podem
ser aversivas, como ser desrespeitado ou negligenciado. A definição de Wolpe (1976) para
assertividade é “ (...) expressão de emoções que não a ansiedade de maneira socialmente
aceitável" (Wolpe, 1976, p. 106). Para este autor, o comportamento não assertivo está
altamente relacionado com a ansiedade, presente no estilo de apego receoso.

Sobre Comport.im cnto e C'oflniv<1o 207


Pesquisas (Dutton, Saunders, Starzomski e Bartholomew, 1994; Bookwala e
Zdaniuk, 1998 citados em Crowell e cols, 1999) encontraram alta incidência de homens
receosos e preocupados em uma amostra de indivíduos que estavam em tratamento por
violência à mulher, além de encontrarem que homens receosos e preocupados tendem a
se envolver em relacionamentos agressivos. Essas pesquisas ainda dizem que a raiva que
acompanha esses homens também ó direcionada para a maneira como cuidam dos filhos,
podendo resultar em abuso infantil. Bussab (2000) também aponta um estudo realizado
com crianças pró-escolares, o qual verificou que meninos inseguros eram mais agressivos
e meninas inseguras, mais boazinhas. Para a presente discussão esse estudo sugere
que meninos inseguros podem desenvolver uma agressividade enquanto que meninas
uma passividade com relação à assertividade.
As pesquisas citadas acima também se referem a homens com estilo preocupado,
portanto, contribuem para a discussão da relação significativa encontrada entre o estilo
preocupado de apego e a assertividade (X2= 11,911; gl=4; p<0,05) e deste estilo com a
auto-estima (X2= 11,004; gl=4; p<0,05). Pela definição de Bartholomew (1990) o estilo de
apego preocupado é caracterizado pela preocupação intensa se o parceiro o ama e quer
ficar com ele. Geralmente demonstra o seu amor de forma exagerada, querendo e buscando
estar em completa intimidade com os outros, o que acaba assustando o parceiro. Uma
pessoa caracterizada com esse estilo apresenta alta ansiedade e modelo representacional
de si negativo, o que explica a relação significativa com a auto-estima, sendo que das
pessoas muito preocupadas, apenas 17,8% apresentam auto-estima elevada. Hazan e
Shaver (1987), Bartholomew (1980) e Bowlby (1990), afirmam que os estilos de apego são
desenvolvidos através das expectativas e crenças que cada um forma de si e do outro e
são com essas expectativas e crenças que as pessoas se relacionam. Para ilustrar esse
aspecto do modelo interno, alguns estudiosos (Collins, 1996; Mikulincer, 1998 citados em
Crowell e cols, 1999) observaram que pessoas com estilo preocupado fazem inferências
hostis e de rejeição sobre as intenções dos parceiros, atribuindo também hipotéticos
eventos de violação de confiança às intenções desses. Conseqüentemente, isso realmente
diminui a confiança entre os parceiros e acaba reforçando o modelo representacional
negativo que o indivíduo preocupado tem de si mesmo.
Outra pesquisa realizada por Simpson (1996) citado em Fraley e Shaver (2000),
instruiu casais a discutirem e resolverem um assunto de seu relacionamento, o resultado
encontrado foi que indivíduos preocupados (altamente ansiosos) tendiam a ver seus
parceiros de forma negativa após a discussão, sentindo raiva e hostilidade contra os
parceiros, chegando a pensar que em seu relacionamento não existe compromisso, respeito
mútuo e amor. Quando se trata de relacionamento conjugal, Guerrelhas e Otero (2003)
apontam o quão importante é a comunicação e, conseqüentemente, a assertividade, já
que um casamento exige respeito mútuo, intimidade, compreensão, amizade e admiração.
Diante da relação significativa entre o estilo preocupado e a assertividade, observa-se que
dos pouco assertivos 43,5% dos participantes são muito preocupados e nenhum é pouco
preocupado. Os resultados obtidos na presente pesquisa e no da pesquisa citada acima
(Simpson, 1996 citado em Fraley e Shaver, 2000) demonstram que boa parte das pessoas
que se apresentam não assertivas ou agressivas também apresentam estilos de apego
preocupado. Uma definição de comportamento assertivo é a : “(...) capacidade de defender
os direitos pessoais e de expressar pensamentos, sentimentos e crenças de forma honesta,
direta e apropriada, sem violar os direitos da outra pessoa" (Lange & Jakubowski, 1976
citado por Falcone, 2001). Pode-se supor que uma pessoa com estilo preocupado não

Rcndfd Rolim Sdkiydmd, l idi.i Ndtdlid Dobridnskyj Weber


desenvolve essa habilidade por não possuir um modelo de si positivo, o que dificulta a
expressão de sentimentos e opiniões. O estilo preocupado acaba tendo comportamentos
para agradar o outro por medo de perdê-lo e isso leva a pessoa a não defender os seus
direitos e/ou não enfrentar o outro, o que caracteriza o comportamento não assertivo.
Usualmente aplicada às situações que envolvem algum risco de conseqüências
negativas, caracteriza um tipo de enfrentamento que requer o autocontrole de sentimentos
negativos despertados pela ação do outro ou a expressão apropriada desses sentimentos.
Entre as habilidades dessa classe podem ser destacadas as de: defender os próprios
direitos e os de outrem, recusar pedidos, lidar com críticas, expressar sentimentos negativos
de raiva, desagrado, desconforto, discordar e solicitar mudança de comportamento (Del
Prette e Del Prette (2001) afirmam que, para o estabelecimento de uma relação afetiva é
necessário o autocontrole da ansiedade e o automonitoramento das próprias ações e de
seus efeitos sobre o possível parceiro. Dessa forma, uma pessoa preocupada que anseia
em ter intimidade com o outro e se preocupa muito em ser amada, tem grande dificuldade
em exercer o autocontrole e automonitoramento, sendo difícil agir assertivamente nessas
situações. Alóm disso, Bowlby (1990) afirma que o desenvolvimento do indivíduo se processa
através da interação, do contato social e do vínculo, assim, a maneira como uma pessoa
se relaciona é mediada pelo estilo de apego que ela formou, o que pode afetar a expressão
de sentimentos de afeto e de raiva.
O último estilo de apego a ser discutido é o evitante, caracterizado por adotar uma
atitude de esquiva (apresentada como um não envolvimento e não permissão da intimidade)
que funciona como uma defesa para a manutenção da independência e da autoconfiança. O
indivíduo com esse estilo se preocupa mais com sua realização pessoal do que em relacionar-
se com outras pessoas. A única relação significativa encontrada nesse estilo foi com a
variável auto-estima. Os resultados demonstram que dos participantes com alto escore
‘‘muito evitantes", 40% apresentam alta auto-estima, 46% média auto-estima e 13,3% baixa
auto-estima. O que denota que o estilo evitante possui escore maior para auto-estima elevada.
Com relação a isso, supõe-se que uma pessoa com estilo evitante tende a se preocupar
mais com sua própria imagem e com seus próprios talentos, o que pode levar a uma maior
auto-estima. Porém, Bowlby (1990) coloca que algumas pessoas podem inibir o sentimento
e o comportamento de apego, negando qualquer desejo de relações com qualquer um que
pudesse dar-lhe carinho, entretanto, elas também desconfiam das relações íntimas e têm
medo de confiar e depender de alguém por medo de serem rejeitadas ou de serem submetidas
a terem que cuidar de alguém. Parece que uma pessoa assim aprendeu que não pode
confiar em ninguém, somente em si mesmo. Outro aspecto a ser considerado é encontrado
por Brennan e Morris (1997) citados por Crowell e cols (1999), seus estudos revelam, que
tanto os seguros quanto os evitantes relatam auto-estima elevada, entretanto, enquanto a
auto>estima dos seguros é proveniente do modelo internalizado de estima e respeito que os
outros lhe transmitiram, a auto-estima dos evitantes acaba sendo mais derivada das
competências e habilidades apresentadas por eles mesmo. A partir disso supõe-se que os
evitantes enfatizam suas habilidades e competências no momento de fazer uma avaliação
de si. Já que estão mais preocupados com a realização profissional e pessoal selecionam
esses aspectos no momento de avaliarem sua satisfação.
A última relação estatisticamente significativa foi a encontrada entre auto-estima
e assertividade (X2=21,097; gl=4; p<0,001).

Sobre Comportamenfo c Co#niç<lo


Tabela 3: Porcentagens da assertividade cruzadas com as porcentagens da auto-estlma obtidas
atravós do teste qui-quadrado.

baixa auto estima média auto estlmn alta auto etitima 1OtHl
pouco assertivo % assertividade HO, 9% 30,4% 8,7% 100,0%
% auto estima 35,9% 12,1% 6.3% 17,8%
% Total 10,9% 5,4% 1,6% 17,8%
rtièdio assertivo % assertividade 31,2% 41,6% 27,37o 100,0%
% auto-estlma 61,5% 55,2% 65,6% 59,7%
% Total 18,6% 24,8% 16,3% 59,7%
assertivo % asHortivIdad« 3.4% 65,5% 31,0% 100,0%
% auto-estlma 2.6% 32, B% 28,1% 22,6%
% Total ,tt% 14,7% 7,0% 22,5%
Total % assortivldade 30,2% 45,0% 24,8% 100,0%
% auto-estima 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%
% Total 30,2% 45,0% 24,8% 100,0%

Como observado na Tabela 3, dentre os participantes considerados como pouco


assertivos, 60,9% têm baixa auto-estima, 30,4% média auto-estima e 8,7% alta auto-
estima, enquanto que dos muito assertivos, 3,4% tem baixa auto-estima, 66,5% média
auto-estima e 31,1% auto-estima elevada.
Os resultados observados demonstram que indivíduos considerados pouco assertivos
têm menor auto-estima e que os assertivos possuem alta auto-estima. A literatura sobre
Treinamento Assertivo apóia esse treinamento justamente para pessoas com auto-estima
baixa (entre outros distúrbios), Alberti e Emmons (1978), por exemplo, colocam que quando
a pessoa se torna capaz de expressar-se e fazer coisas por iniciativa própria ela pode ter
sua ansiedade reduzida e aumento do senso de valor como pessoa. Esse autor ainda
afirma que um comportamento assertivo emitido em uma situação apropriada aumenta a
auto-apreciação do emissor, o qual tende a atingir seus objetivos, tendo escolhido como
agir por si mesmo. “(...) uma transação envolvendo asserção aumenta os sentimentos de
autovalorização e permite expressão total de si mesmo. Além disso, enquanto o emissor
atinge seus objetivos, os objetivos do indivíduo ao qual o comportamento é dirigido também
podem ser atingidos” (Alberti & Emmons, 1978, p. 28).
Sendo assim, saber falar sobre opiniões e sentimentos torna-se importante na
medida em que se expressa quem realmente é, entretanto, para isso é preciso ter tido
interação com seres humanos que puderam ouvir, aprovar, dar atenção, carinho ou satisfazer
as necessidades básicas de alimentação e proteção. Se uma pessoa que se expressa é
sempre punida ou ignorada pelas pessoas ao seu redor, ela começa a acreditar que não
possui espaço para se afirmar, e até a duvidar de suas opiniões e sentimentos. Uma
pessoa agressiva, que acha que possui o controle total da situação, bloqueando a expressão
do outro, acaba sentindo mais raiva e frustração, afastando e sendo também agredido pelo
outro, o que reforça a agressividade. Voltando ao Treinamento Assertivo, ele é utilizado com
o intuito de inserir novos padrões de comportamento, quebrando com esse círculo de não
asserção, retomo negativo, atitude de autodepreciação e comportamento inadequado (Alberti
e Emmons, 1978). Completando, Brandão e Conte (2003) colocam que o relacionamento
pessoal vai ser influenciado diretamente pelas conseqüências desses comportamentos e
também pela experiência anterior de aprendizagem e formação do ‘eu’. “É que nós, como
seres humanos, somos muito sensíveis aos contatos sociais, e a falta persistente de
aprovação dos outros pode comprometer nossa auto-estima e nos fazer evitar o
relacionamento com os demais" (Brandão & Conte, 2003, p.9).
Coopersmith (1967) citado por Gobitta e Guzzo (2002) refere-se a estudos que indicam
que uma pessoa com auto-estima alta mantém uma imagem bastante constante das suas

Renata Rolim Sakiyama, Lídia Natalia Pobrianskyj Wcber


capacidades e de sua distinção como pessoa. Pessoas com auto-estima alta também tôm
maior probabilidade de assumir papéis ativos em grupos sociais e efetivamente expressam
as suas visões. Estas pessoas estào menos preocupadas com seus medos e ambivalências
e, aparentemente se orientam mais diretivamente e realisticamente ás suas metas pessoais.
Como descrito em Del Prette e Del Prette (2003), o pesquisador Rakos (1991) encontrou
que as pessoas assertivas tinham o dobro de auto-afirmações positivas em relação às
negativas, sugerindo que as auto-afirmações positivas são um dos componentes para o
bom desempenho da assertividade. Portanto, Lima (2000) aponta que o desenvolvimento
da assertividade ó mais eficaz quando se explora os pensamentos que inibem a expressão
efetiva, sendo os medos de perda ou previsão de danos, medo da opinião das outras
pessoas e medo de seus próprios sentimentos e da incontrolabilidade, os mais freqüentes.
Além disso, as crenças a respeito dos direitos interpessoais também são muito
importantes para o desempenho assertivo, principalmente as noções sobre direitos, justiça,
bem-estar, pois uma pessoa que tenha internalizado que possui direitos como qualquer
ser humano sente-se confiante em defendê-los e expressá-los. Brandão e Derdyk (2003)
falam que aqueles que pensam e sentem coisas positivas sobre si, se relacionam melhor
com todo mundo, sabem que têm direitos e deveres iguais a todos, sendo mais confiantes
e menos presos às opiniões dos outros.
Conclusões
A pesquisa indica que tanto a auto-estima quanto o comportamento assertivo estão
relacionados com o desenvolvimento dos vínculos, pois o desenvolvimento de ambos
depende da maneira que o indivíduo aprendeu a se relacionar, ou seja, o estilo de apego
desenvolvido durante a infância afeta o jeito com que as pessoas se relacionam umas
com as outras (como se comunicam) e consigo mesmo (auto-estima).
Quando uma pessoa, durante a infância, formou uma auto-estima baixa devido a uma
não responsividade dos pais, não demonstração de carinho e disposição para dispor-lhe de
uma base segura, aspectos fundamentais para a formação do vínculo seguro, ela tende a
desenvolver comportamentos de agressividade e passividade com relação aos outros. A base
segura proporcionada pelos pais durante o desenvolvimento do apego acaba formando as
expectativas do indivíduo frente aos outros e a si mesmo, sendo a partir dessa base que a
pessoa se relaciona com o mundo externo e interno. Como definido por Bee (1996), o apego
consiste em propiciar e manter proximidade com a figura de apego, para que na presença
desta exista uma sensação de segurança, possibilitando a formação de uma base segura a
partir da qual se é capaz de explorar o mundo e experimentar outras relações.
Portanto, a partir de uma base segura, o indivíduo tem a possibilidade de expressar
suas opiniões, sentimentos e de defendê-las, além disso, ele tem a capacidade de desenvolver
outras habilidades assertivas como: fazer, aceitar e recusar pedidos, discordar e concordar de
opiniões, desculpar-se e admitir falhas, estabelecer relacionamento afetivo/sexual, encerrar
relacionamento, pedir mudança de comportamento, interagir com autoridades e lidar com
críticas (habilidades assertivas descritas em Del Prette e Del Prette, 2001). Muitas dessas
habilidades são importantes no estabelecimento e desenvolvimento de uma relação afetiva,
uma vez que ter a capacidade de expressar-se livremente, tendo auto-estima adequada para
saber de seus direitos e dos direitos alheios contribui para a qualidade da relação (Falcone,
2001). Em uma relação de afeto (ou qualquer outra) a existência da oomunicação é fundamental,
uma relação amorosa necessita de interação e conversa expressos tanto em comportamentos
verbais, quanto não-verbais (Guenrelhas e Otero, 2003). Entretanto, para que a pessoa possa

Sobre Com portam ento e CoflnivJo 211


expressar-se verbalmente ou não-verbalmente de forma assertiva ela necessita estar tranqüila
com relação aos outros e a si mesma.
Dessa maneira, no presente estudo pôde-se observar que quanto melhor a qualidade
do vínculo estabelecido durante a infância e utilizado no relacionamento amoroso, melhor é o
desenvolvimento do comportamento assertivo e menor a chance de auto-estima baixa. Portanto,
percebe-se a importância de uma interação familiar, na qual os pais possam proporcionar
segurança e afeto aos seus filhos, para que futuramente esses possam desenvolver
comportamentos assertivos e relações baseadas na segurança, não na ansiedade.
Uma intervenção com pais seria uma possibilidade de transmitir conhecimentos
relacionados à importância do apego e de ajudá-los a terem habilidades para favorecer o
desenvolvimento de auto-estima positiva e assertividade em seus filhos, assim como neles
próprios. Contribuindo, assim, com o desenvolvimento dos filhos (que também serão futuros
pais), com a relação entre esses pais e até com a própria sociedade, a qual teria famílias e
pessoas mais saudáveis.
Com relação ao papel do psicólogo, a este cabe o oonhedmento de que a aprendizagem
e formação de vínculos estão relacionadas tanto com a auto-estima e assertividade para que
possa intervir de modo a contemplar essas três variáveis, ou seja, intervir favorecendo o
estabelecimento de uma avaliação positiva e do comportamento assertivo, que é muitas vezes
inexistente devido a crenças negativas a respeito de si e, conseqüentemente, auxiliar nos
relacionamentos com os outros.
Dessa forma, os objetivos do trabalho foram alcançados, ou seja, pôde-se encontrar
relações significativas entre as variáveis e compreender suas relações, exceto entre as categorias
estilo de apego seguro e auto-estima e estilo de apego evitante e assertividade, as quais
precisam ser melhor estudadas; além de poder contribuir com a comunidade científica através
de uma pesquisa que auxilia no conhecimento dos aspectos que precisam ser melhorados
durante o desenvolvimento de um indivíduo com relação aos vínculos, auto-estima e assertividade.

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Rcnatii Rolim Siikiydma, l uiw NtiUilia Pobrwnskyj Wcbcr


Capítulo 22

Avanços da terapia cognitivo-


comportamental no tratamento do
transtorno de estresse pós-
traumátíco.
Remito M . Ctiminha'

Simonc Roesr/t Schreinef

Diferentemente dos outros transtornos psiquiátricos descritos no Manual


Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (American Psychiatric Association, 2002),
o Transtorno de Estresse Pós-Traumático ó o único no qual conseguimos identificar uma
relação causal entre uma situação ocorrida e o desenvolvimento do transtorno.
Nem todas as pessoas que vivenciam uma situação traumática desenvolvem o
TEPT, porém, ó comum que qualquer pessoa exposta a um evento estressante desenvolva
sintomas característicos do Transtorno de Estresse Agudo. A não ser que os sintomas
tenham uma diminuição ou uma remissão com o passar do tempo, pode-se fazer o
diagnóstico de Transtorno de Estresse Pós-Traumático.
Alguns critérios para o tratamento eficaz do TEPT devem estar presentes, antes
que se inicie a terapia. O aspecto primário ó a absoluta certeza de que o paciente não
está mais exposto ao evento estressor. Sem isto, ó impossível iniciar qualquer trabalho
psicoterápico. Também é essencial que o vínculo entre terapeuta e paciente esteja bem
cristalizado, pois se verifica que pacientes vítimas de eventos traumáticos tendem a não
querer contar todos os detalhes da situação vivida. A avaliação quanto a comorbidades e
quanto à disponibilidade de apoio social para o paciente apresentam igual importância no
resultado do tratamento.

1Coordenador da Especiall/açâo em Psicoterapias Cognitivo-Comportomentals da Universidade do Vale do


Rio dos Sinos, Unisinos - RS.
1 Psicóloga clinica, aluna do curso de especialização em Psicoterapias Cognitivo-Comportamenlals da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos - RS

Sobre Comportamento e Co#»iv'<lo 215


A seguir, serão descritas algumas das técnicas mais eficazes no tratamento do
Transtorno de Estresse Pós-Traumático.
A terapia cognitivo-comportamental é, atualmente, a abordagem com maior suporte
empírico para o tratamento de Estresse Pós-Traumático. Ela tem como principal objetivo
uma reestruturação cognitiva a respeito da situação traumática bem como uma
reorganização e modificação das memórias relacionadas ao trauma (Malagris, 2003).
Diversas técnicas (principalmente o conjunto de técnicas cognitivas e
comportamentais) podem ser utilizadas para o tratamento do transtorno e apresentam um
resultado eficaz. Entre elas, podemos citar como consenso na literatura específica, o Treino
de Inoculação de Estresse, a Teoria do Processamento Emocional de Lang, Treinamento de
Auto-lnstrução e técnicas derivadas da Terapia de Processamento Cognitivo, Técnicas de
Exposição e Dessensibilização Sistemática.
Considerando-se que um dos sintomas do Transtorno de Estresse Pós-Traumático
é a esquiva de situações ou de ambientes relacionados ao trauma, a técnica comportamental
de exposição desempenha uma função importante no tratamento. Duas etapas fazem
parte da exposição: a exposição imagística e a exposição in vivo. A primeira consiste no
sujeito, gradualmente, contara situação traumática, na primeira pessoa do singular, com
o maior número de detalhes a respeito da cena, incluindo aí memória auditivas, olfativas,
visuais, táteis e gustativas, o que foi sentido no momento, o que significou, como reagiu,
etc. Este relato deve ser gravado em fita cassete e entregue ao paciente para ser ouvida
em casa. O registro escrito também pode ser feito (Resick, Nishith, Weaver, Astin e
Feuer, 2002). Através destes relatos é possível também identificar as generalizações (a
transformação de outros estímulos neutros em estímulos condicionados) que geram
respostas condicionadas de ansiedade e a reforçam (Caminha e Lessinger, 2003).
A segunda etapa é a exposição in vivo, na qual o paciente, quando já não mais sente
ansiedade importante ao relatar o evento, irá se expor a situações das quais se esquivava após
o evento traumático. Esta é feita através da hierarquização das situações de esquiva, a partir da
menos ansíogônda até a mais. Inida-se a exposição oom a situação que provoca menor ansiedade
e só se passa para a próxima situação quando a anterior não mais gerar sintomas (Tumer, 2002).
Marks, Lovell, Noshirvani, LivanoueThrasher(1998) afirmam que a exposição altera, gradualmente,
comportamento, fisiologia e cognições através da habituação. Ao término do tratamento, o paciente
deverá estar habituado às situações que anteriormente geravam ansiedade. Com a diminuição
da valência emocional das memórias traumáticas espera-se que os sintomas do transtorno
também diminuam (Stubenbort, Donnely e Cohen, 2001).
As duas técnicas de exposição, conjuntamente, mostram-se eficazes na redução
da severidade do TEPT, ansiedade, depressão bem como na evitação de situações
relacionadas ao trauma (Feeny, Foa, Treadwell e March, 2004).
A confrontação das crenças e dos esquemas do indivíduo, geralmente, ocorre
após a experiência de um evento traumático. Uma crença positiva, referente à capacidade
de se defender pode ser modificada para uma idéia de extrema vulnerabilidade após o
trauma. Por outro lado, os esquemas negativos e disfuncionais pré-existentes acabam
sendo reforçados por um evento traumático. Desta maneira, a reestruturação cognitiva
tem como principal objetivo identificar e modificar os esquemas e as emoções disfuncionais
adquiridos após o evento traumático (Tarrier, Sommerfield, et al.,1999).
Para atingir uma reestruturação cognitiva, os pacientes são ensinados a identificar
pensamentos disfuncionais e catastróficos, gerar pensamentos alternativos racionais através

Rc/hito M . ( jm in /w Simonc Rocsch Schrcincr


de questionamento de evidências, questionamento socrático, argumentação e avaliação de
prós e contras. Isso irá fazer com que ele consiga reestimar crenças sobre si, sobre o evento
traumátioo e sobre o mundo (Dobson e Franche, 2002). A psicoeducação quanto à reestruturação
cognitiva deve ser feita na primeira sessão (Feeny, Foa, Treadwell e March, 2004).
A Terapia de Processamento Cognitivo, uma combinação de técnicas de exposição
com reestruturação cognitiva, focaliza-se nos temas de segurança, credibilidade, poder,
estima e intimidade que se acredita serem os temas de maior dificuldade nas vitimas de
abuso sexual (Foa e Meadows, 1997). Resumidamente, ela pode ser descrita através dos
seguintes passos: inicialmente a psicoeducação quanto ao modelo do tratamento e quanto
ao TEPT é realizada. Como tarefa de casa, o paciente é solicitado a escrever sobre o
impacto do evento. Após o trabalho quanto ao significado, o paciente deverá descrever o
episódio, rico em detalhes e é encorajado a reexperienciar suas emoções enquanto escreve
o relato e após reler para si mesmo. A seguir, esta leitura é feita também para o terapeuta
que, a partir daí, inicia com o questionamento socrático relacionado à culpa e a outras
distorções quanto ao evento. O paciente é ensinado a questionar e modificar suas crenças
sobre o significado do evento e as implicações do trauma na sua vida. O registro de
pensamentos disfuncionais e a criação de respostas alternativas para eles são utilizados
aqui. A parti deste momento, o sujeito deve se focalizar em um tema a cada semana
(segurança, credibilidade, poder, estima e intimidade) e corrigir cognições errôneas a respeito
dos mesmos. Ao final do tratamento, o paciente reescreve o relato sobre o trauma a fim de
refletir sobre suas crenças atuais e este manuscrito é utilizado ao final da sessão para
avaliar os ganhos com o tratamento e identificar os aspectos que o paciente ainda deseja
trabalhar (Resick, Nishith, Weaver, Astin e Feuer, 2002). A utilização deste programa
apresenta evidências científicas de melhora quanto às cognições relacionadas à culpa e
tem eficácia comprovada no tratamento do TEPT.
Além destas técnicas, diversos autores (Range e Mascí, 2001; Dancu e Foa,
1998; Calhoun e Resick, 1999) apontam a eficácia do Treino de Inoculação de Estresse
(TIE) como importante para a ressignificação da memória traumática e aquisição de
habilidades de manejo.
Descrito inicialmente na década de 70, o TIE foi desenvolvido como tratamento
para as fobias, tendo sido mais tarde adaptado para o tratamento de estresse e transtornos
de ansiedade (Deffenbacher, 2002).
O Treino de Inoculação de Estresse enfatiza as complexas relações
interdependentes entre os fatores afetivos, cognitivos, comportamentais, fisiológicos e
sociais/ambientais. O modelo proposto por Deffenbacher (2002) envolve três fases
sobrepostas; 1) reconceitualizaçào, 2) aquisição e ensaio de habilidades e 3) aplicação e
consolidação. Na fase de reconceitualizaçào, o terapeuta deve desenvolver uma relação
colaborativa com o paciente para que juntos possam realizar uma detalhada avaliação
clínica para compreender conjuntamente as preocupações do paciente. Nesta fase, é
importante conhecer a percepção e a definição do problema pelo paciente. Em seguida
deve ser realizado um mapeamento da gravidade e impacto do problema, considerando a
freqüência da resposta, sua magnitude, duração, amplitude, conseqüências e resultados.
Também é necessária uma compreensão situacional do problema, assim como dos
aspectos comuns e padrões envolvidos. O auto-registro e a recordação através da
imaginação são importantes instrumentos que viabilizam a reconceitualizaçào. Neste
processo o paciente recorda a experiência relevante, delineando os detalhes da cena de

Sobre Comportamento t Cognição 217


forma gradual. A segunda fase desenvolve habilidades de afrontamento necessárias. As
intervenções podem incluir a reestruturação cognitiva para o diálogo disfuncional consigo
mesmo, o treinamento em relaxamento para ativação emocional e fisiológica, o treinamento
comportamental para os dóficits em habilidades, o treinamento em resolução de problemas,
o treinamento de auto-eficácia e auto-reforço entre outros. As habilidades e as estratégias
são ensaiadas, revisadas e aperfeiçoadas. A última fase garante a aplicação às situações-
problema e sua transferência ao mundo externo. À medida que a atuação em vivo desenvolve-
se satisfatoriamente, o esforço ó dirigido à manutenção e à prevenção de recaída.
A utilização desta técnica pode ser escolhida como opção única para o tratamento
do TEPT tendo se mostrado eficaz. Ela ó capaz de promover a reestruturação cognitiva
bem como uma melhora nos sintomas de ansiedade através do uso de habilidades de
enfrentamento (Foa, Dancu, Hembree, Jaycox, Meadows e Street, 1999).
Caminha (2004), após mais de uma década de prática com pacientes
diagnosticados com TEPT, desenvolveu um modelo integrado, que se constitui de um
mosaico de técnicas, experimentalmente testadas e escolhidas conforme suas capacidades
de reduzir o tempo de tratamento e operacionalizar a reestruturação cognitiva. Estratégias
diferenciadas, como um software de memória desenvolvido pelo autor, afetivogramas e
brincadeiras e jogos específicos para crianças são utilizados neste modelo.
Os sentimentos são as manifestações mais observáveis e mais intensas no TEPT,
por isso, a abordagem inicial no modelo integrado, se dá através da modulação afetiva. As
demais funções (cognições, comportamentos e reações fisiológicas) são introduzidas
gradativamente a partir dos registros emocionais.
Assim como em qualquer tratamento formulado para o TEPT, o terapeuta precisa
certificar-se de que o paciente não está mais exposto ao evento ou na iminência de estar
exposto. Com a certeza de que o paciente não mantém mais contato com o abusador, o
tratamento pode ter início. A verificação de crenças disfuncionais, erros de generalização
devem ser avaliados e confrontados. O terapeuta deve ensinar, durante a psicoeducação,
que a maioria dos adultos não são abusadores e que relações afetivas entre crianças e
adultos são possíveis.
Entretanto, o terapeuta deverá se preocupar com comportamentos de novas
exposições, comuns em crianças vítimas de abusos sexuais. Neste caso a criança deverá
aprender que pessoas estranhas podem não ser confiáveis e que situações de intimidade
devem ser, portanto, evitadas. Os comportamentos de reconstituição, aqueles que o paciente
desenvolve como uma tentativa de entender e resolver cognitiva e comportamentalmente o
trauma, são os mais plausíveis na tentativa de explicação de atitudes assim.
Nessa lógica, crianças abusadas se expõem sexualmente, se deixam abusar, se
oferecem aos homens, através de comportamentos hipersexualizados, numa lógica inversa
entendem que o mundo é bom, todas as pessoas são boas, produzem desenhos lindos
onde tudo é bonito e não há nada de errado. Comportamentos opostos, de desenhar
apenas tragédias ou coisas horríveis e interpretar toda e qualquer situação como momento
de pânico são igualmente comuns e também pertencem ao espectro dos comportamentos
de reconstituição Terapeutas que trabalham com TEPT devem estar atentos a estes padrões
discriminativos distorcidos apresentados pelos pacientes e mediá-los ao longo do processo
terapêutico visando à reestruturação cognitiva e adequação do processamento de informação.
É bastante comum que vítimas de eventos traumáticos não queiram falar
detalhadamente sobre o ocorrido, mesmo que seja para um profissional. Nestes casos,

Renato M . Cdmm/hi Simonc Kocsdt Schrcincr


as técnicas de Entrevista Motivacional, desenvolvidas por Miller e Rollnick (2001), a fim de
manter ou aumentar a motivação para a mudança são utilizadas. Relatar casos de outras
pessoas que também passaram por situações traumáticas, retomar projetos deixados
para trás por causa do TEPT e incluir pessoas significativas no tratamento também podem
servir como motivação para a mudança.
Ainda nas sessões iniciais, após uma aliança terapêutica forte estabelecida, as
perguntas "como eu era antes do ocorrido?", “como estou agora?", "o que perdi?", "o que
ganhei?" e "como posso e quero estar no futuro?" fazem parte do modelo integrado. As
respostas podem fornecer elementos que favorecem a adesão ao tratamento e que facilitam
o próximo passo: a psicoeducação. Durante esta etapa, o terapeuta deve mostrar-se empático
e, de maneira alguma, reforçar o papel de "digno de pena", normalmente auto-imposto pelo
paciente. Manifestações de cordialidade, demonstrações de atenção e de interesse pela
história do paciente, colocar-se disponível a ser encontrado pelo paciente ou seus familiares
fora do horário das sessões, estar disponível para uma possível visita domiciliar quando da
impossibilidade do paciente em sair devido a forte esquiva, estar disponível para telefonar
para o paciente na véspera ou no dia de sessões as quais a dificuldade de abordar o tema
está ativando esquemas de esquiva e evitação, são elementos que fortalecem a aliança
terapêutica favorecendo o desenvolvimento de uma boa condução clínica.
O próximo passo, após a consolidação da aliança terapêutica é a educação quanto
ao TEPT e quanto ao modelo cognitivo. A psicoeducação deve ser fornecida tanto ao
paciente quanto aos membros da família e tem como um dos objetivos, desmistificar a
idéia de que as reações ao trauma não são normais ou esperadas. A educação quanto ao
transtorno deve clarear e detalhar os efeitos de situações traumáticas e as reações
apresentadas pelo paciente. A educação quanto ao modelo cognitivo é essencial a qualquer
tratamento cognitivo-comportamental e faz parte do mesmo.
A próxima etapa consiste na utilização de afetivogramas, ou seja, ensinar o paciente
a monitorar quando há percepções de modulação emocional. Para os adultos, o mais
comum é a utilização de RPDs (registros de pensamentos disfuncionais). Já as crianças
podem monitorar suas emoções com carinhas, cores, notas, termômetros ou desenhos
representativos.
O monitoramento objetiva:
estabelecer uma conexão entre a variação emocional e um disparo de ativação pós-
traumática perceptível ou não pela consciência do paciente, compreendendo desse
modo, o modelo cognitivo e integrando conhecimentos adquiridos na educação quanto
ao transtorno;
estabelecer o mapeamento dos principais estímulos capazes de ativar disparos pós-
traumáticos no paciente;
construir o mapa de memória indicativo dos principais estímulos de risco para o
paciente bem como facilitar o uso da mediação cognitiva destas situações e futuro
enfrentamento de esquivas.
O trabalho iniciado com o afetivograma e que resulta num RPD completo intensifica
as informações proporcionadas pelo terapeuta referente à educação quanto ao transtorno
e quanto ao modelo possibilitando o avanço terapêutico e a agregação de várias técnicas
auxiliares no manejo das ativações pós-traumáticas.
O RPD funciona, em suma, como uma espécie de radiografia do funcionamento
afetivo, cognitivo, comportamental e fisiológico do paciente.

Sobro C'ompt*r1.imenfo e ('ofliilyJo 219


A partir dos registros de pensamentos disfuncionais e com o andamento da terapia,
conseguimos acessar as crenças predominantes para cada paciente. O conhecimento
das crenças prévias e atuais do paciente sobre o evento traumático são indicadores ao
terapeuta do grau de dificuldade ou de flexibilidade cognitiva do paciente em elaborar o
processo traumático. Pacientes que possuem crenças mais dramáticas e arrebatadoras
sobre determinados eventos se mostram mais vulneráveis diante da ocorrência deste evento,
por sua vez, pacientes que flexibilizam mais uma situação drástica elaboram mais
facilmente eventos traumáticos.
As idéias prévias quanto a determinado incidente traumático e as crenças sobre o
mesmo incidente após ele ter ocorrido deve ser questionadas e avaliadas pelo terapeuta,
pois são elas que mantém os esquemas negativos atuando. As técnicas mais apropriadas
para a mediação destas crenças e a conseqüente estabilização do humor são o
questionamento socrático, a técnica das duas colunas (fatores que comprovam e que não
comprovam a crença), modelação (através de outras pessoas que também passaram por
situações similares) e a flecha descendente.
Com todos os dados coletados pelo terapeuta até este momento da terapia, ele
poderá formar as tríades cognitivas do paciente antes e depois do trauma.
A culpa e a raiva são sentimentos experienciados por todos os pacientes que
desenvolvem o transtorno de estresse pós-traumático e devem ser abordadas e avaliadas.
Como são aspectos muito íntimos e difíceis para o paciente, o terapeuta deve ser deveras
cauteloso quando trabalha com elas, mas também deverá conseguir quantificar o nível de
crença na culpa e na raiva, acompanhar o nível de flexibilização das mesmas e monitorar
os sentimentos despertados durante os relatos.

Abordagem de memórias traumáticas


A memória possui um papel chave na avaliação e no tratamento dos pacientes
com TEPT. Para que se consiga um tratamento eficiente, é necessário que as lembranças
traumáticas e as situações do evento sejam rememoradas. Ainda dentro do modelo de
técnicas integradas, Caminha e Lessinger (2003) desenvolveram o “Mapa da Memória",
como um sistema de avaliação da memória traumática.
Esta técnica objetiva abordar o sistema semântico envolvido na configuração da
memória traumática, é o que chamamos de abordagem multisensorial da memória.
O paciente deverá relatar, com uma riqueza de detalhes, repetidamente, o evento
e as memórias traumáticas sobre ele. O terapeuta, durante os relatos, monitora as reações
afetivas, comportamentais e fisiológicas do paciente (memória multisensorial). O
levantamento completo das reações multisensoriais tem como objetivo mapear quais os
estímulos capazes de ativar disparos pós-traumáticos.
O objetivo destes relatos alóm da inoculação do estresse e do processamento
emocional (Lang, 1977) visa, conforme Caminha (2002), o desenvolvimento de estratégias
metacognitivas desenvolvidas através de treinos de auto-instrução. O objetivo da atitude
metacognitiva de auto-instrução é o de desassociar as generalizações que a memória
produziu e emparelhou pelo estresse. Funciona como se estivéssemos através da atitude
metacognitiva corrigindo “erros de linhas de programa" emitidas no processamento de
informação (Caminha & Lessinger, 2003).
O Mapa da Memória é construído com base nos RPDs e nas narrativas
multisensoriais e objetiva a identificação do tipo de pareamento feito pelo paciente. Os

RcruitoM. Cdnnnlhi, Simonc Rocsch Sc/mvncr


níveis de pareamento são divididos em EP1 (estímulos pareados em nível 1); EP2 (estímulos
pareados em nível 2) e EP3 (estímulos pareados em nível 3).
Os EP1 são os estímulos que remetem a memória do paciente diretamente ao
evento traumático. São os tipos de reativadores pós-traumáticos que a consciência ó
capaz de perceber, ou seja, eles ocorrem ao nivel do processamento central de informação,
embora em alguns momentos também possam estar operando ao nível do processamento
em paralelo, portanto, imperceptível à consciência do paciente.
Os EP2 são todos os estímulos que foram pareados pela capacidade associativa
da memória e estão relacionados ao evento traumático sem que a consciência, o
processamento central seja capaz de percebê-los como reativadores pós-traumáticos.
Os EP3, por fim. são decorrentes da mesma capacidade associativa descrita
anteriormente só que o pareamento começa a ocorrer em paralelo alheio ao reconhecimento
consciente do paciente.
Vejamos um caso ilustrativo para demonstrar o pareamento de memórias. Uma
menina de 12 anos, abusada pelo padrasto, nas noites em que a máe, enfermeira, estava
de plantão, relata que era obrigada a tirar sua camisola e a sentar no colo do padrasto, que
a tocava. Conta ainda que as noites eram sempre terças e quintas-feiras, durante o inverno,
que sentia muito frio e que sentia o cheiro de bebida e cigarro no homem que a molestava.
Neste caso, os EP1 são ficar sozinha em casa, à noite com o padrasto, noites de terça e
quinta-feira e cheiro de bebida e cigarro no padrasto. Os EP2, desenvolvidos pela menina
são cheiro de cigarro em qualquer ocasião e ficar sozinha com o padrasto e o EP3 é
quando a menina fica sozinha, em qualquer momento do dia.
Numa lógica darwiniana a memória traumática tende a um replay. Ele ocorre com
o propósito de deixar o Esquema Hipervalente (trauma), e suas formações associativas,
em destaque se comparado às outras memórias e demais esquemas visando
exclusivamente à adaptação e a preservação da vida do organismo. É como se o cérebro
ficasse emitindo mensagens do tipo "não esqueça, não esqueça" para não subestimarmos
situações de potencial perigo.
Quando o Esquema Hipervalente está acionado ele dificulta o acesso a outros
arquivos de memória, bem como a mediação metacognitiva. O sujeito sozinho não consegue
identificar que embora ele esteja ansioso por estar em uma determinada situação, a situação
atual é diferente do dia do evento e, portanto, não há nada a temer no momento.
Conhecido o Mapa de Memória do paciente passamos ao passo seguinte de criar
narrativas multisensoriais de memórias com valências positivas a fim de criarmos um
repertório capaz de ser evocado voluntariamente frente a disparos pós-traumáticos, bem
como ser mediado pelo treinamento da Auto-lnstrução. O paciente irá aprender que ele
consegue intervir em suas memórias e mediá-las de modo mais realístico evitando o
catastrofismo comandado pelos esquemas hipervalentes negativos.
Conhecido o Mapa da Memória, o passo seguinte ó intervir na memória, desarticular
esquemas hipervalentes negativos e reativações pós-traumáticas, através da
dessensibilização da memória de valências negativos pelo pareamento e substituição
através de memórias de valência positiva. Assim, o paciente deverá estar equipado para
ativar a memória de valência negativa, produzir narrativas sobre a memória e substituir a
memória de valência negativa por outra de valência positiva, novamente evocando narrativas
sobre a lembrança boa.

Sobre Comportamento e Coflmç.to 221


É importante que o tompo de narrativa da memória negativa seja inferior ao de
narrativa da memória com valência positiva. É igualmente importante que nâo acabemos
uma sessão terapêutica na evocação da memória negativa, a sessão deverá sempre terminar
com narrativas de valência positiva.
Além disto, vale ressaltar que a memória de valência positiva a ser utilizada na
substituição da memória de valência negativa deve ser diferente a cada narrativa. Para
isso criamos um repertório de valência positiva composto de no mínimo cinco situações.
A precaução evita saciaçáo, habituação da memória positiva frente á negativa, evita,
inclusive, que a memória negativa possa produzir associações pós-traumáticas em memórias
de valências positivas.
O Treinamento de Auto-lnstrução é utilizado sempre que há reativação pós-traumática,
seja na sessão, reativação induzida pela narrativa pós-traumática ou fora dela quando o
paciente aprendeu, pelo contexto da terapia, a identificar ativações e disparos pós-traumáticos.
Basicamente, o terapeuta ensina a paciente que a memória traumática brota,
aparece em nossa cabeça sem ser convidada, muitas vezes ela aparece disfarçada através
de outros elementos que não nos fazem lembrar diretamente do assalto, mas que trazem
uma emoção e um desamparo muito parecido ao sentido durante o assalto. Que quando
isso ocorrer novamente o paciente poderá interferir na memória ao se dar conta do
acionamento da memória traumática e da substituição por memórias com valência positiva.
O treino de auto-instrução consiste em fazer com que o paciente atualize seus
processos cognitivos através de mensagens do tipo “não há nada aqui que esteja me
colocando em perigo, não preciso ter medo, não estou no assalto, aqui estou protegido".
Ao longo do processo terapêutico esta técnica permite a inoculação do efeito
aversivo do trauma. O processo terapêutico permite que o paciente transforme a memória
traumática que é uma memória semântica com forte cunho emocional, em memória
episódica, ou seja, o paciente até lembra dos fatos ocorridos, entretanto, sem o forte
conteúdo emocional.
A formulação do Mapa da Memória, no caso do modelo integrado, pode ser considerada
a parte fundamental no tratamento. Quando conseguimos atingir com êxito as substituições
das memórias negativas pelas positivas, estamos chegando ao final do tratamento. Duas
novas estratégias são ensinadas aos pacientes: a generalização e a superaprendizagem.
Neste momento, o terapeuta procura ensinar o paciente a generalizar o aprendizado
de identificação de disparos pós-traumáticos, a mediação, a substituição e a auto-instrução
para todas as outras situações da vida do indivíduo. O domínio absoluto de controle sobre
as ativações pós-traumáticas deverá ocorrer com o tempo e a prática do paciente tanto
nas sessões quanto no cotidiano do paciente. As situações de sucesso deverão sempre
ser reforçadas e estimuladas pelo terapeuta e reforçadas endogenamente pelo próprio
paciente. Os momentos de descontrole devem ser minimizados.
A superaprendizagem se refere à elaboração conjunta, entre paciente e terapeuta,
de exposições mais complexas, á medida que a auto-eficácia do paciente vai aumentando.
Estas exposições deverão ser mais extensas e mais freqüentes durante o processo de
superaprendizagem. A freqüente exposição, mesmo depois de o paciente já ter adquirido
domínio sobre as novas situações deve ser continuada como reforçamento do aprendizado.
Uma aliança como amparo social do paciente, a fim de que eles possam também
reforçar positivamente o controle emocional se faz importante neste ponto. Além de serem

Rcndto M . C\immfhi, Simonc Rocsch Schrcincr


envolvidos na psicoeducação quanto ao transtorno e quanto ao modelo de tratamento, os
familiares ou pessoas importantes são igualmente ensinados a mediar as situações nas
quais o paciente demonstrar reativações pós-traumáticas, similarmente ao papel do
terapeuta no setting.
Por fim, a prevenção à recaída tambóm deve ser utilizada no tratamento do
Transtorno de Estresse Pós-Traumático, assim como nos outros tratamentos cognitivo-
comportamentais.
O paciente e sua família deverão estar instruídos que desaprender, descondicionar
ó muito mais difícil do que aprender, condicionar. As curvas de desaprendizagem são mais
longas e como não somos capazes de apagar eventos significativos na vida das pessoas
de suas memórias é perfeitamente normal que novas situações de descontrole e de
reativação pós-traumática venham a se produzir.
O resultado, entretanto, deve apontar para significativa redução de lapsos com o
passar do tempo, ou seja, à medida que o tempo passa reativações pós-traumáticas se
tornam menos freqüentes e igualmente menos intensas.
O processo terapêutico em si costuma ter resultados bastante eficientes já a
partir das sessões intermediárias quando começamos a abordagem e a substituição das
memórias traumáticas. Em média o tratamento ocorre em 18 sessões, havendo alta quando
o paciente passa aproximadamente 06 semanas sem preencher os critérios diagnósticos
para TEPT, sem manifestações de ansiedade, sem intrusão de memórias aversivas e sem
a presença de comportamentos de esquiva e evitação.
Abaixo, apresentamos um quadro como resumo do modelo integrado e das
principais técnicas utilizadas ao longo do processo:
Roteiro Surnari/ado do Processo de Intervenção em TEPT Aplicável de 18 a 2(^Sessões
Certificar-se que o paciente não está mais diretamente
exposto ao agente estressor.
Aliança Terapêutica com elementos de Entrevista
Sessões Motivacional: como eu era? Como estou agora? 0 que perdi?
Iniciais 0 que ganhei? Como posso e quoro ostar no futuro?
Educação quanto ao TEPT e quanto ao modolo cognitivo.
Avaliação por instrumentos psicomôtricos: escalas de
ansiedade, do estresse, inventários de saúde geral etc., que
possam servir de fator de reavaliação pós-teste ao final do
tratamento.
Uso de RPDs, de “Afetivogramas" visando à conexão entre
lembrança traumáticas diretas e Indiretas com a variação das
emoções.
• Abordagens das Crenças que o paciente possuía o possui pós o
ocorrido (quantificando do 0 a 10 os sentimentos e de 0% a 100% o
nivel de crença no relatado).
• Antes: "a pior coisa que poderia acontecer a alguém"; "algo
insuportável de se conviver".
Sessões • Depois: “nada poderia ter sido pior"; "nunca mais serei o
Intermediárias mesmo".
• Elaboração das tríades pró e pós-trauma.
• Abordagem da culpa o da raiva inerentes ao TEPT (quantificando de
0 a 10 os sentimentos e de 0% a 100% o nível de crença no
relatado):
• Culpa: ‘‘fui descuidado"; "por que fui sair justo naquela hora".
• Raiva de si: “eu sequer reagi...tentei fugir".

Sobre Comportdmcnlo c Cognlfâo 223


• Dos outros: "aquelo desgraçado quase me matou"; “sinto muito
ódio dele".
• Dos fatos: “sempre fui bom, tenho raiva de Deus por isso, ele
me castigou".
• Abordagem da (s) memória (s) traumática (s):
- Elaborar o "Mapa de Memória Traumática" (através de narrativas e de
material provindo de RPDs*), evidenciando os EPI, EPII e possiveis
EPIII
• Aplicar o TIE**, TAI**\ Tócnicas de Respiração e Relaxamento,
Dessensibilização Sistemática (pareando memórias de
diferentes valências).
• Experimentos de exposição a situações ansiogônicas
juntamente com o THS****.

Sessões • Generalização o Superaprendizagem


Finais • Aliança com Amparo Social.
• Prevenção á Recaída.

* RPDs - Registro de pensamentos disfuncionais, continuidade do


afetivograma
** TIE - Treinamento de Inoculação do Estresse
*** TAI - Treinamento de Auto-instrução
___ **** THS - Treinamento de Habilidades Sociais______________________

1. Caso Clínico Resumido de Paciente Adulto

1.1 Dados do Identificação e Informações Pregressas


Caso Rosana: paciente mulher, branca, de vinte e seis anos de idade, nivel superior,
atualmente estudante universitária (segundo curso), mora com a mãe, possui uma irmã
mais velha de vinte e oito anos que não mora mais em casa, os pais se separaram quando
ela tinha quatorze anos de idade.
O evento da separação foi considerado difícil para Rosana. O pai saiu de casa
para ficar em definitivo com sua amante. O fato de o pai ter relações com uma amante já
era de conhecimento da família, entretanto, com sua saída de casa a mãe e a irmã de
Rosana romperam definitivamente qualquer tipo de contato com o pai.
Rosana relata que dos quatorze aos vinte anos tentava mediar relações complicadas
entre o pai e a família. Havia bens em comum e várias outras questões legais a serem
resolvidas. Como o pai não falava mais com a mãe nem com a irmã, Rosana se
responsabilizou por resolver questões de ordem prática entre os pais, alóm de tentar
reaproximar a irmã do pai.
Em torno de dezoito ou dezenove anos de idade Rosana relata ter tido sintomas
de depressão. Conforme ela "a pressão era muito grande e eu me cobrava muito, me
responsabilizava por não conseguir fazer que meus pais e minha irmã tivessem um nível
de diálogo civilizado". Conforme relato da paciente os sintomas de depressão foram
moderados sem grande impacto na sua vida cotidiana, ou seja, ela não deixou de fazer
nenhuma atividade em função da depressão, embora relatasse forte anedonia e falta de
motivação. Segundo ela houve remissão espontânea dos sintomas após dez meses.
Aos vinte e dois anos de idade Rosana estava saindo da aula de dança quando, por
volta das dezenove horas, um homem numa bicicleta a abordou, colocou uma faca na sua
cintura e a levou até um canteiro de obras onde estava sendo construído um viaduto e a estuprou.

Rcruto M . C'dminhd, Simonc Kocsch Schrcincr


No mesmo ano resolveu sair de sua cidade por julgar quo estava impossível de viver
naquele lugar e foi se aventurar numa capital do nordeste brasileiro. Lá chegando, devido sua
alta qualificação, conseguiu um bom emprego, subiu na carreira, comprou carro, apartamento,
estabeleceu uma relação com um rapaz da cidade e lá viveu por dois anos.
Vivia na cidade uma rotina de trabalho realmente muito intensa, "não sobrava
tempo para pensar em nada, chegava em casa tarde e encontrava meu namorado,
namorávamos um pouco e logo em seguida dormia. Ao final de semana, apenas no domingo,
pois trabalhava no sábado, íamos a praia. Assim foram os dois anos que vivi por lá".
Dos vinte e quatro para os vinte e cinco anos sentiu-se na obrigação de voltar a
sua cidade natal devido o diagnóstico de câncer do pai. Rompeu seu relacionamento
afetivo, voltou e não mais conseguiu uma colocação realmente boa no mercado, reviveu o
conflito familiar, tentava controlar memórias pós-traumáticas, sentia-se oprimida e deslocada
na cidade, teve forte perda financeira, enfrentou a doença do pai ató seu falecimento no
mesmo ano. Atualmente namora um rapaz de sua cidade há um ano, embora não considere
a relação como algo realmente importante em sua vida.
Foi encaminhada para tratamento por uma colega no local onde estava trabalhando,
mas que não conseguiu ficar. Apresentava reações típicas de pânico, e quando ficava
sozinha tinha medo de se jogar pela janela. Queixava-se de forte depressão.
Buscou primeiramente tratamento farmacológico com um psiquiatra de seu convênio
que a diagnosticou como depressiva e a medicou, depois buscou psicoterapia tendo sido
reforçada por seu psiquiatra para isso.

1.2 Avaliação Psicopatológica e Cognitiva


Ao chegar para atendimento psicoterápico Rosana estava fazendo uso de fármaco
inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS) por dois meses. A predominância
sintomatológica era de Depressão sendo que nos últimos meses a paciente havia feito
uns dois episódios isolados de pânico, principalmente quando estava sozinha,
Na entrevista clínica detalhada surgiu o episódio do estupro que a paciente havia
sofrido. Na data já contabilizavam quase três anos da ocorrência do fato. Vários sintomas
que a paciente apresentava como esquivas comportamentais e de memórias, sonhos
repetitivos com o estupro, sonhos nos quais não conseguia visualizar o rosto do estuprador,
sonhos nos quais matava o agressor, conduziram o terapeuta ao diagnóstico do TEPT.
Primeiramente, o terapeuta se preocupou com a estabilização do humor deprimido
da paciente para, só então, aplicar o modelo de tratamento específico para o TEPT.

1.2.1 Sessões Incidais:


Verificamos a possibilidade de Rosana continuar exposta a qualquer outro evento
estressante: negativo
Aplicação de elementos de entrevista motivacional no intuito de mobilizar memórias
com valência negativa para a paciente e da importância de aderir ao modelo proposto:
como eu era? "antes eu era mais positiva, achava que minha vida daria certo"; como
estou agora? "sou um poço de problemas, deprimida, pesada"; o que perdi?
"confiança"; o que ganhei? “sucessivas decepções"; como quero estar no futuro?
“adoraria estar livre de tudo o que me incomoda”.

Sobre Comportamento e Cognição 225


Educação quanto ao diagnóstico: atribuir a atual condição ao evento traumático na
vida da paciente. Dimensionar em linguagem acessível todos os aspectos advindos
do estupro em sua vida. Trabalhar a esperança com relação a capacidade de reverter
os problemas descritos peto tratamento.
Uso de afetivograma: num primeiro momento pedido de monitoramento de variações
de humor apresentadas pela paciente ao longo da semana, iniciando o modelo pelo
monitoramento do afoto, a seguir introdução do RPD completo, após a introdução do
modelo cognitivo para a paciente.

Resumo de situações significativas nos RPDs da paciente

Dia e hora Situação 0 que estou 0 que estou 0 que fiz a 0 que senti em
sentindo? pensando seguir? meu corpo?
agora?
Domingo a Conversando Angústia Que droga de Chorei muito Taquicardia
noite com minha intensa nota 9 vida, não
mãe sobre o gosto de viver I
que ocorreu aqui nesta I
comigo cidade
Quinta a tarde Olhando a Pavor nota 9 Pode ser que Chorei Pressão no
novela numa aconteça tudo peito
cena de de novo
agressão de comigo
I um homem
contra uma
mulher í
Sábado a Saindo do Medo 8 Lembrei do t Fui depressa Enjôo
tarde supermercado estupro e do i para casa e
quando quase estuprador não sai mais
esbarrei num naquele dia
homem de
bicicleta
Segunda de Estava com Medo 10 Tenho medo Sai mais cedo Vômitos e
tarde no pouca tarefa de me atirar ' e fui para casa diarréia
trabalho quando me pela janela do chorando
deparei 10° andar
1
sozinha no
escritório
Sábado a Passei de Terror 9 Minha vida Controlei o Mãos geladas
tarde carro com uma ficou choro mas e trêmulas
colega pelo tal estragada quase não
viaduto conseguia falar
Domingo noite Lendo no Tristeza 10 Por que Chorei e fui Cansaço
jornal uma comigo? dormir enorme
matéria sobre Nunca mais
mulheres serei a!
violentadas mesma.
Sexta ao meio Passando por Medo 7 e raiva Os homens Apressei o Taquicardia e
dia uma obra 10 são todos | passo enrijecimento
quando os iguais, muscular
peões insensíveis e
mexeram violentos
comigo

Rcthito M . C\uvinhii Simonc Rvcsch Schrcincr


1.2.2 Sessões Intermediárias:
Abordagem das Crenças que a paciente possuía antes do ocorrido: “algo horroroso
o difícil de se superar". Crenças pós-ocorrido: "acabou com a minha vida".
Abordagem da culpa: "se eu tivesse coragem poderia ter dado uma surra nele. Se
tivesse reagido náo precisaria estar passando por isso hoje. Nâo precisava ter aceito
tão fácil o estupro.". Culpa antes da mediação cognitiva ocorrida na própria sessão
na qual avaliamos este item, nota 8; depois da mediação cognitiva nota 4 (basicamente
utilizamos questionamento de evidências e flecha descendente).
Abordagem da raiva: "tenho muita raiva de homem que vulgariza mulheres (qualquer
olhar ou abordagem que um homem faça para demonstrar seu interesse por uma
mulher, sutil ou de um modo mais explícito era considerado por Rosana como um
modo de vulgarizar as mulheres). Tenho raiva daquele miserável e tenho raiva da vida
pelo que aconteceu comigo".
Avaliação da tríade cognitiva pré e pós-trauma de Rosana

Dados da tríade Triade pró-exposiçào Triade pós-exposiçâo


VisÔo de si: Destemida, segura. Triste, insegura, medrosa.
Visâo de mundo: Bom com pequenos problemas. j Muito inseguro.
Vísâo de futuro: Promissor. j" Incerto.

Elaboração do Mapa de Memória (assalto), estímulos selecionados como aversívos e


desencadeantes de estresse após avaliação multisensorial da memória, estímulos-chave.
o EPI (lembranças diretas do estupro) - sair de noite á rua; medo de pessoas
mal vestidas: medo de pessoas paradas na rua; homens que mexem (vulgarizam)
com as mulheres; ser abordada por pessoas à noite; quando vê a cicatriz
(pequena) do corte produzido pela pressão da faca contra seu corpo; quando
passa pelo local; homens de bicicleta; quando lê ou assiste na tv algo sobre
violência contra a mulher,
o EPII (ativação emocional intensa sem reconhecimento direto da memória) -
facas ou objetos pontiagudos; anoitecer; dias úmidos com temperaturas um
pouco baixas; quando se depara com sucessivos insucessos profissionais.
Memórias avaliadas multisensorialmente com valências positivas:
o Praia: sol, areia, calor, deitar nas piscinas do mar, cheiro de limão, gosto de
caipirinha.
o Dançar: estar suada dançando, as músicas tocadas ao piano, o cheiro de café
vindo da cafeteria no estúdio de dança,
o Almoços de domingo na casa de um tio: união da família, cheiro de churrasco,
cachorros, todos se divertindo e soneca após o almoço,
o Saídas para jantar fora: conhecer restaurantes novos; voltar a bons lugares, fins
de semanas.
o Viajem que fará nas férias ao nordeste onde morava: gosto de caranguejo,
amigas, risadas, por do sol, praia.
A partir da elaboração de um repertório incluindo a memória traumática e cinco

Sobre l*omport<imcnlo e Co#nlv>lo m


situações envolvendo memórias com valências positivas iniciamos o processo de
dessenssibilização sistemática através da substituição de memórias e do treinamento de
auto-instrução.
O terapeuta ensinou a paciente todo o processo anteriormente descrito dos
estímulos pareados com o papel de ativadores pós-traumáticos e o que fazer quando
ocorrer as ativações pós-trauma. O paciente aprendeu sobre a posição ativa que ele
desenvolverá frente as memórias traumáticas.
A partir de então o terapeuta estará utilizando todo o repertório que compõe as
técnicas integradas para o manejo clínico do caso.

1.2.3. Sessões Finais:


Utilização de generalização: generalizar a outras situações as estratégias de controle.
Superaprendizagem: exposição a situações com maior grau de complexidade e de
fator ansiogênico.
Prevenção á Recaída: estratégias de enfrentamento para situações onde futuramente
o medo e a ansiedade voltarão a se manifestar.
Aliança com Amparo Social: aumento de repertório social e utilização do amparo
social como fator de reforçamento positivo do controle emocional.
O caso de Rosana foi apresentado resumidamente no intuito de demonstrarmos
que todos os passos técnicos desenvolvidos no tratamento de crianças servem, levando-
se em conta as adaptações necessárias principalmente de linguagem e instrumentos de
abordagem, para o tratamento de adultos.
Todos os passos anteriores relativos a descrição do tratamento do Transtorno de
Estresse Pós-Traumático (TEPT) foram detalhados ao longo de todos os recortes clínicos
e casos apresentados anteriormente.
É fundamental que o modelo seja adaptado ao paciente e não o contrário, o
paciente ser adaptado ao modelo. A sensibilidade, o bom senso e o conhecimento técnico,
sobremodo, são as principais características que permitem a um terapeuta trabalhar com
um transtorno altamente sofrível e com alto poder de debilitar a vida das pessoas ceifando
seus projetos futuros, como é o Transtorno de Estresse Pós-Traumático.

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Sobrc Comportdmcnlo c Coftnifdo 229


. Capítulo 23
Contribuições da Análise
Comportamental para o ensino de
Matemática para indivíduos com
deficiência mental1
Rosiithi A . s. Rossif“

Celso L/oyos' '

Na prática diária, lida*se com muitos sistemas convencionais relacionados á


matemática como numeração, medidas, tempo, dinheiro etc. Dentre esses, o sistema que
envolve o manuseio de dinheiro é fundamental para muitos aspectos da vida diária e para um
melhor desempenho na comunidade. Se, por um lado, as pessoas que não são deficientes
dominam as habilidades de contagem e fazem pequenas compras na comunidade mesmo
antes de entrarem na escola, pessoas com deficiência mental podem apresentar dificuldades
na aquisição destes comportamentos mesmo quando instruídos através de métodos
acadêmicos tradicionais.
As pessoas com deficiência mental, com freqüência, não aprendem habilidades
complexas, principalmente pelas falhas no processo de ensino e de aprendizagem. Por
não possuir um repertório que possibilite atuar positivamente na comunidade, essas pessoas
encontram diversas barreiras que os impedem ou dificultam o processo de inclusão, quer
seja no ambiente educacional, na comunidade ou na situação de trabalho. Considerando
que o trabalho é uma forma de inclusão dos indivíduos na sociedade, ó importante que as

' Versflo preliminar deste trabalho foi apresentada no Simpósio "Aplicações educacionais do resultados de
pesquisas sobre equivalência de estímulos" no XIII Encontro da Associação Brasileira de Psicoterapia e
Medicina Comportamental e II Conferência Internacional da Association for Behavior Analysis, Campinas - 2004.
Apoio-FAPESP
1 Terapeuta Ocupacional, Mestre e Doutora em Educação Especial pela UFSCar.
1 Professor do Departamento de Psicologia e da Pós-graduaçôo em Educaçao Especial da UFSCar, bolsista
produtividade CNPq.
* UNICEP - Centro Universitário Central Paulista - SP, UFSCar - Universidade Federal do São Carlos - SP

Rotina A . S. Rossit, Celso l/oyos


pessoas com deficiência mental dominem conceitos matemáticos básicos e as habilidades
relacionadas ao manuseio de dinheiro para poderem usufruir do direito à cidadania.
No Brasil, a área de treinamento e preparação da pessoa com deficiência mental
para o trabalho tem progredido lentamente. Esta situação deve-se a alguns fatores, entre
os quais estão a falta de investimento no setor, a falta de qualificação específica dos
profissionais que atuam em serviços desta natureza, a descrença dos educadores e da
população em geral quanto às reais potencialidades da pessoas com deficiência mental
para o aprendizado de tarefas complexas e, sobretudo, a escassez de modelos que se
ajustem à nossa realidade. Entretanto, as maiores falhas encontram-se no processo
educacional que não tem cumprido o seu papel de educar para a vida.
Um olhar cauteloso para o cenário educacional brasileiro permite avaliar que a
população com necessidades especiais tem sido quase sempre tratada com serviços
precários de educação geral, que pouco têm atendido às reais necessidades educacionais.
As instituições responsáveis pelo fornecimento desses serviços vêm transferindo a culpa
pelo insucesso dessas pessoas, ora para a ineficácia da política de inclusão, instituída
quando os educadores e administradores escolares ainda estavam despreparados
profissional e pessoalmente para enfrentar tais mudanças no sistema educacional, ora
transferindo a responsabilidade às características inatas e ambientais da pessoa com
necessidades especiais, considerando-a não apta para freqüentar uma escola regular e
adquirir conteúdos essenciais para a sua vida (Rossit, 2004).
O despreparo dos professores, assim como a falta de conhecimento sobre os
procedimentos eficazes para ensinar habilidades complexas, também contribuem para
agravar a situação da educação da pessoa com deficiência mental.
Conforme descrito por Rossit (2004), para que o ensino, tanto das pessoas com ou
sem deficiência, torne-se efetivo, deve-se priorizar a avaliação do repertório de entrada para
identificar as habilidades presentes, o que irá subsidiar a seleção dos comportamentos alvos
a serem ensinados e dos procedimentos de ensino disponíveis. Esse ó um processo que deve
ser construído cuidadosamente pelo educador, para que os objetivos educacionais possam
sor alcançados. Sendo assim, currículos, planejamentos e planos de aula devem ser adequados
e especificados de acordo com as necessidades individuais dos alunos. Os conteúdos
selecionados para o ensino devem ter a função de aplicabilidade prática que permita ao aluno
enfrentar o período de escolarização e de transição da escola para a comunidade, onde a sua
independência em diferentes atividades e ambientes sociais se faz necessária.
A Análise Experimental do Comportamento (AEC), traz em seu bojo teórico
inúmeras contribuições, dentre elas está o paradigma de equivalência de estímulos. Este
tem sido considerado importante pela análise do comportamento por seu potencial de
compreensão do comportamento humano complexo, principalmente a compreensão do
simbolismo e da linguagem e por suas aplicabilidades práticas. A equivalência de estímulos,
tem produzido procedimentos eficazes para o ensino de habilidades matemáticas para
crianças normais e para pessoas com deficiência mental (Rossit, 2003; Araújo, 2004;
Prado, 1995; Goyos & de León, submetido; Stoddard, Bradley & Mcllvane, 1987). Esses
autores apontam a eficácia da utilização deste paradigma, segundo o qual eventos podem
tornar-se equivalentes uns aos outros como resultado de interações entre eles.
A maneira utilizada pelos estudos sobre equivalência de estímulos para instalar
repertórios acadêmicos acontece através do ensino de discriminações condicionais (Green
& Saunders, 1998). O procedimento utilizado para instalação de discriminações condicionais

Solm* C o m port.im rnlo c Cojjniv«lo 231


é o de escolha de acordo com o modelo (matching-to-sample, ou MTS), um procedimento
padráo em que um estímulo modelo é apresentado inicialmente, seguido da apresentação
de estímulos de comparação. Para cada estimulo modelo, um estímulo de comparação ó
designado como positivo ou discriminativo para reforço (S+) e os outros são apresentados
como negativos (S-), que podem ser designados como positivos para outros estímulos
modelo em outras tentativas. O requisito é que o participante discrimine inicialmente entre
os estímulos modelo apresentados, sucessivamente, ao longo das tentativas e dentre os
estímulos escolha apresentados, simultaneamente, em cada tentativa. Se o participante
se comporta de acordo com as contingências, infere-se que as discriminações condicionais
foram aprendidas e que a relação condicional foi estabelecida entre cada estímulo modelo
e seu estímulo escolha correspondente. Desta maneira, os estímulos condicional e
discriminativo são relacionados através das consequências, daí o termo relação condicional.
Para verificar se as relações estabelecidas em procedimentos de escolha de
acordo com o modelo estabelecem novas relações condicionais além daquelas específicas
do treino4e, também, se há o estabelecimento de pré-requisitos para que os estímulos se
relacionem, é preciso que alguns testes independentes sejam realizados. As propriedades
e testes comportamentais correspondentes que determinam se uma relação condicional
é uma relação de equivalência são de reflexividade, simetria e transitividade. De acordo
com o paradigma de equivalência, estas relações se desenvolvem sem que haja treino
adicional entre os conjuntos de estímulos (Sidman & Tailby, 1982). A formação de classes
de classes de estímulos equivalentes e a emergência de relações derivadas de treinos
anteriores é a principal vantagem deste paradigma.
Com relação ao manuseio de dinheiro, Stoddard, Brown, Hurlbert, Manoli e Mcllvane
(1989) descrevem que as possíveis combinações de moedas equivalentes a outras
combinações de mesmo valor monetário dão origem a uma "explosão combinatorial", na
qual o número de relações entre estímulos e estímulos e entre estímulos e respostas
aumenta tanto que seria impossível ensinar todas diretamente. Os procedimentos de ensino
fundamentados no paradigma de equivalência de estímulos têm demonstrado uma economia
de tempo e percurso, característica que é fundamental para o ensino de habilidades
complexas para pessoas com deficiência mental.
Um outro procedimento, o emparelhamento de componentes, foi delineado por
Stoddard. et al. (1989). para ensinar novas relações entre combinações de moedas. Tais
combinações representam a "quebra" de um valor monetário em componentes de menor
valor, mas monetariamente equivalentes.
Alóm do procedimento de escolha de acordo com o modelo e do emparelhamento
de componentes, descreve-se, também, na literatura o procedimento de escolha de acordo
com o modelo com construção de respostas (Constructed Response Matching to Sample
- CRMTS). Este ocorre quando um estímulo é oferecido como modelo e o participante
deve construir uma resposta selecionando os componentes de um conjunto de estímulos
(Stoddard, et al., 1989; Green & Saunders, 1998; Dube, McDonald, Mcllvane, & Mackay,
1991; Saunders, Drake & Spradlin, 1999 e Saunders & Green, 1999). Segundo os autores,
o CRMTS é um procedimento útil para aplicações práticas, pois os participantes que o
aprendem são capazes de rapidamente aplicar o conhecimento aprendido em outras
situações e ambientes na comunidade.

4 Entende-se por "treinos" as etapas do procedimento de ensino que antecedem a aplicação dos testes para
verificaçôo das relações emergentes de acordo com o paradigma de equivalência de estímulos.

Ro&ind A . S. Rossit, Celso Qoyos


O conhecimento produzido em estudos de equivalência de estímulos representa,
também, o desenvolvimento de procedimentos de ensino promissores, é preciso, no
entanto, considerar a forma como ocorre o ensino fora dos laboratórios para, em seguida,
propor a elaboração de uma tecnologia em potencial. Como um recorte da análise é
necessário, discorre-se, a seguir, sobre o ensino de habilidades monetárias em populações
de pessoas com deficiência mental (Rossit & Ferreira, submetido).
O processo de construção do conhecimento matemático parece estar presente
no repertório infantil bem antes da criança entrar na escola, o que pode ser evidenciado a
partir do desempenho em tarefas que requerem conceitos matemáticos, como no caso de
contar nos dedos da mão a quantidade correspondente à idade ou o uso da contagem nas
brincadeiras infantis. Essa construção e aquisição de conceitos matemáticos continua
tanto no ensino formal, oferecido pela escola, como no ensino informal, que ocorre no
ambiente natural da criança.
Contudo, pessoas com deficiência mental podem passar pelo período de
escolarização sem alcançar o domínio das habilidades matemáticas básicas e podem
chegar à idade adulta sem os pré-requisitos para desempenhar de forma independente
diversas tarefas da vida diária. Tarefas aparentemente menos complexas, como contagem,
podem ser aprendidas de forma inapropriada, ou mesmo, não serem aprendidas.
De acordo com Rossit (2003) a matemática pode ser considerada como uma forma
particular de organizar os objetos. Utilizando-se diferentes maneiras de relacioná-los, como
por exemplo contá-los, medi-los, somá-los ou dividi-los, pode-se verificar resultados distintos
dependendo da forma escolhida. Na prática diária, lida-se com muitos sistemas convencionais
- o sistema de numeração, as medidas, as noções temporais, o dinheiro e etc.
O domínio de habilidades provenientes dos sistemas convencionais, como por exemplo
contagem, noção de quantidade, medidas de volume, comprimento e peso, reconhecimento
das horas, fazer pagamentos e oferecer troco, pode proporcionar graus variados de sucesso
ou fracasso na atuação da pessoa com deficiência mental na comunidade.
Dentre as diversas habilidades que o deficiente mental deve apresentar para
desempenhar-se com sucesso na comunidade, o comportamento matemático è apontado por
Rossit, Goyos, Araújo e Nascimento (2001) como um dos mais importantes. Se, por um lado,
as pessoas que não são deficientes dominam as habilidades de contagem e fazem pequenas
compras na comunidade mesmo antes de entrarem na escola, por outro, pessoas com
deficiência mental podem apresentar dificuldades na aquisição dessas habilidades. Às vezes,
o déficit persiste mesmo tendo o indivíduo recebido inúmeros anos de instrução especial
Parece haver, no ambiente escolar, uma descrença quanto à capacidade de
aprendizagem das pessoas com deficiência mental para executar tarefas complexas.
Uma forte razão para isso parece ser a falta de conhecimento de "como fazer”, a ausência
de sistematização dos procedimentos de ensino, a escassez de pesquisas aplicadas que
explicitem sobre "o que ensinar" e “como ensinar". Observa-se que em geral, o educador
implementa uma diversidade de recursos simultaneamente e, quando a aprendizagem
ocorre, ele nâo tem clareza de qual deles foi o responsável pela mudança no repertório do
aluno. Ainda, quando a aprendizagem não ocorre, o educador fica impossibilitado de
identificar com exatidão “onde” e “porque" ela não aconteceu, elaborando falsas hipóteses
a respeito da não aprendizagem (Rossit, 2003).
Conforme descrito por Weisberg (1990) o currículo de matemática das escolas,
em geral, focaliza o domínio de habilidades como a aplicação dos conceitos matemáticos,

Sobre Compor1.i mento c ConnlyAo 23 3


operações, fatos matemáticos e rosolução de problemas. Embora estas áreas possam
inicialmente aparecer como unidades separadas em um programa de ensino, na prática
elas tornam-se crescentemente interligadas, como resultado da complexidade das tarefas
e da aplicabilidade da matemática. Essa junção pode ser ilustrada, por exemplo, na
análise dos componentes da habilidade de manusear dinheiro.
Aprender sobre o valor de moedas ou notas implica em dominar fatos aparentemente
simples, tais como "uma moeda vale 5 centavos" ou "uma nota vale um real", e o entendimento
do conceito de “valor” e "igual a". Aprender a classificar diferentes moedas de acordo com o
seu valor monetário e fazer comparações entre elas envolve o conhecimento de conceitos de
adição, subtração e seriação. Contar moedas ou notas da mesma denominação requer o uso
da multiplicação, contando de cinco em cinco ou de dez em dez. Tarefas de resolução de
problemas que utilizam adição de moedas, por exemplo, requerem trazer á tona todos os
conceitos anteriormente aprendidos, aspectos particulares de cada unidade monetária e
habilidades de cálculo integradas a outros componentes ou regras matemáticas (Weisberg,
1990). Raciocínio análogo pode ser realizado para outras aplicações complexas, como por
exemplo, aprender a selecionar a quantidade apropriada de dinheiro ou calcular o troco durante
uma situação de compras, "ler" o preço impresso no produto e estabelecer uma relação arbitrária
entre os símbolos (numerais antes e depois da vírgula) com moedas ou notas.
Tendo como fundamentação teórica as contribuições da análise comportamental,
optou-se em utilizar os procedimentos baseados no paradigma de equivalência de estímulos
para o ensino de matemática para pessoas com deficiência mental pois, de acordo com
alguns autores (Spradlin.Cotter, Stevens & Friedman, 1974, Stromer, Mackay & Stoddard,
1992; Green & Saunders, 1998; Saunders, Drake & Spradlin, 1999 e Saunders & Green,
1999), há uma economia de tempo e percurso a partir do momento que algumas relações
são treinadas diretamente e outras emergem sem treino explicito, formando classes de
estímulos que possibilitam, assim, a expansão e generalização de repertórios acadêmicos
funcionais. Além disso, para expandir uma classe de estímulos, inserindo novos membros,
é necessário apenas que o novo estímulo seja associado a um único membro da classe, e
não a cada um de seus elementos. A economia se dá, então, em dois momentos: inicialmente,
no planejamento do ensino e, posteriormente, à formação da classe em sua expansão.
O objetivo deste trabalho foi desenvolver, aplicar e avaliar um currículo, baseado
no paradigma de equivalência de estímulos, para ensinar deficientes mentais a manusear
dinheiro; sistematizar uma seqüência de ensino; instalar uma rede complexa de relações
para ensinar habilidades monetárias funcionalmente e oferecer subsídios para que os
educadores possam utilizar a tecnologia de ensino para proporcionar um repertório que
possibilite maior independência do deficiente mental na comunidade.

Método

Participantes
Participaram desta pesquisa 11 pessoas com deficiência mental, entre nove e 32 anos de
idade, de ambos os sexos, estudantes de uma escola de educação especial e sem
experiência anterior conhecida em pesquisas que utilizavam procedimentos de escolha de
acordo com o modelo. A Tabela 1 apresenta os dados de caracterização dos participantes
no início da pesquisa.

Ros<in<i A . S. Rossit, Celso C/oyos


Tabela 1- Caracterização dos Participantes
Twnpo
Participantes klmlu Se*) Diagnáallco 1Muntnl Q.I.

o O
WISC (**) ClMMlfiCMÇàO Etcolarlzaçlo
DM
n
MRO 32 F DA «D M 10.« 54 Modamda 28,B
PfcD 12,2 M 8 Down 8.1 63 Lwve 12
ACA 21,3 f S. Down 9.1 64 Motiurmlu 17,5
ROT 18.3 M 1) M 9.2 61 MixIoukIn 13
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BKS 12.6 F B Do*n 3.2 Nfcu Sbvwm ÏO
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mvbM voI
JE8 0,10 F S Down 5.1 4« Modtwadu «

* Ano», menos
** Escala Wochsler de Intoligôncia para Crianças aplicado em Agouto de 2000
D A. ■ Deficiência Auditiva
D M. • Deficiência Montai
Q.I. - Quoeficiente do Inteligência
I Montai • Idnde Montai

Inicialmente, adotou-se como critério de participação, a idade cronológica acima de


nove anos, a experiência do aluno com algum tipo de tratamento especializado (fonoaudiologia,
fisioterapia, terapia ocupacional, psicologia, escola especial ou regular) e o consentimento dos
pais oii responsáveis legais. Considerou-se os relatos verbais da professora sobre o desempenho
dos participantes quanto as habilidades para manusear dinheiro (identificar as unidades monetárias,
contar dinheiro, combinar notas ou moedas com preços), a presença de habilidade para comunicar-
se oral ou gestualmente e o interesse em realizar tarefas no computador.

Material e Ambiente Experimental


Foi montado, em uma sala da escola medindo aproximadamente 2,5m X 3,0m,
cedida exclusivamente para o desenvolvimento da pesquisa, o ambiento experimental
contendo um microcomputador com monitor colorido, kit multimídia, programa
computacional Mestre* (Goyos & Almeida, 1994) utilizado para programar, conduzir, registrar
e arquivar os dados. Outros materiais como mesa, cadeira, fichas plásticas, um condutor
plástico para liberação das fichas e um recipiente plástico transparente para armazenamento
das mesmas foram também utilizados. Todas as tarefas de discriminação condicional
foram apresentadas pelo computador.

Estimulos Experimentais
Foram utilizados como estímulos visuais os algarismos ‘‘1", "5”, "10”, “25", ‘‘50" e
“100", formatados em fonte Times, cor preta, cujos tamanhos variavam conforme a cor de
fundo da tela: tamanho 110, algarismos apresentados contra um fundo branco ou tamanho
48 contra o tundo azul. Os preços impressos em valores decimais (“0,01"; "0,05"; "0,10";
"0,25"; "0,50"; "1,00"; “5,00"; "10,00"; "50,00" e "100,00") foram formatados no tamanho 48.
Esses estímulos foram preparados no programa Photoshop, salvos no formato ".pic" e
colocados na pasta de imagens do Mestre*. Esses valores foram escolhidos por

Sobre Comportamento e Coflniç.lo 235


corresponderem às moedas e notas em circulação. As figuras das moedas de 1,5,10,25
e 50 centavos e as figuras das notas de 1,5,10,50 e 100 reais foram digitalizadas através
de scanner, preparadas no programa Photoshop, salvas no formato ".pic" e colocadas na
pasta de imagens do Mestre*. As cores originais foram mantidas tanto para as moedas
como para as notas. Para as moedas, o tamanho original foi conservado e para as notas, o
tamanho foi reduzido nas dimensões de 2,0cm por 4,0cm. Os conjuntos de moedas ou
notas foram preparados com um, dois, très ou cinco elementos, em tamanho reduzido,
organizados dentro do espaço de 4,0cm por 4,0cm. O tamanho aproximado da moeda no
conjunto foi de 1,5cm de diâmetro e para as notas foi de 2,5cm por 1,2cm. Para as situações
de testes, acrescentaram-se outros valores (2,6,11,35,60,75, ora expressos em centavos,
ora em reais) com os respectivos estímulos auditivos e visuais, além de moedas e notas
verdadeiras.
Como estímulos auditivos foram utilizadas as instruções verbais e os nomes dos numerais,
moedas, notas, preços ou conjuntos, correspondentes aos estímulos visuais. As vozes foram
gravadas, pelo experimentador e por uma auxiliar de pesquisa, no equipamento MacRecordex,
através do programa Sound Edit. Os arquivos foram salvos com a extensão H.aif’ e transferidos
para a pasta de sons do Mestre1*. O estímulo auditivo era apresentado simultaneamente com
um quadrado branco medindo 4,0cm por 4,0cm na metade superior da tela do computador.

Procedimentos de Coleta de Dados


Foi aplicado, inicialmente, um procedimento para identificar as preferências
individuais através do levantamento de itens. Em seguida, os pré-testes mapearam o
repertório de entrada dos participantes e um pré-treino de identidade com figuras familiares
foi conduzido, com a finalidade de instalar comportamentos essenciais para responder
condicionalmente (olhar para o estímulo modelo, tocá-lo como uma resposta de observação,
olhar para os estímulos escolha, selecionar um deles em resposta ao modelo e receber
conseqüências para escolhas corretas e incorretas). Quatro estudos foram conduzidos e
cada um deles teve como seqüência: um pré-teste para definição da linha de base, o
treino de relações condicionais e a aplicação de testes imediatos para verificar a emergência
e a generalização de relações para diferentes valores, conjuntos e situações. Testes de
manutenção dos repertórios aprendidos e de linha de base foram aplicados no terceiro e
no sexto mês após o término de cada estudo.

Procodimento de Ensino
O procedimento de ensino de comportamentos matemáticos - especificamente o
manusear dinheiro - foi planejado através de quatro estudos, explicitados a seguir.
No Estudo 1 treinou-se simultânea e funcionalmente as relações entre numerais e
moedas, com o objetivo de ensinar as relações entre numeral ditado e numeral impresso e entre
valor monetário ditado e figura de moeda. A questão permeou o estudo foi se as relações entre
numeral impresso e figura de moeda e sua simétrica, alvos do estudo, poderiam emergir em
função deste treino. A hipótese é que o controle no uso de dinheiro é estabelecido pelo numeral
impresso na unidade monetária. Uma outra questão investigada foi se o ensino da relação entre
componentes numéricos, por exemplo “1+1+1+1+1" e numeral impresso "5" faria emergir a
relação inversa de escolha de acordo com o modelo com construção de respostas (CRMTS),
utilizando moedas verdadeiras. A emergência dessas relações poderia apontar uma economia
de ensino, aspecto de extrema importância quando se planeja instalar repertórios extensos em
populações com deficiência mental. A Figura 1 ilustra a sequência de treino e testes.

Rosana A . S. Rossit, Celso Qoyos


Figura 1. Rede de relações condicionais treinadas e testadas no Estudo 1. As caixas
representam o conjunto de estfmulos. Linhas sólidas indicam as relações treinadas
diretamente; linhas quebradas mostram as relações testadas para emergência, sem treino
direto. Os numerais designam a seqüência do treino e teste.

Como a construção de respostas é a principal relação presente nas situações de


compras, o Estudo 2 foi elaborado a fim de gerar equivalência entre conjunto de moedas e
preço impresso. O estudo foi delineado com o objetivo de verificar se, a partir do treino das
relações condicionais entre conjunto de moedas-preço impresso, emergiriam as relações
de "equivalência monetária" e a construção de respostas com moedas. O termo "equivalência
monetária" foi utilizado por Stoddard et al. (1989) para referir-se, informalmente, às relações
entre estímulos de igual valor monetário. Isso ocorre, por exemplo, quando o participante
emparelha conjuntos de moedas com valor monetário igual, contudo com configurações
diferentes, ou emparelha um determinado conjunto de moedas com uma moeda única, ou
ainda com o preço impresso. A Figura 2 ilustra a sequência de treino e testes.

Figura 2. Rede de relações condicionais treinadas e testadas no Estudo 2. As caixas


representam o conjunto de estímulos ou respostas. As linhas sólidas indicam as relações
treinadas diretamente e as linhas quebradas mostram as relações adicionais testadas para
emergência, sem treino direto. Os numerais designam a seqüôncia de treinos e de testes.

Sobre Comport.imcnto c Cofiniç<1o 237


Alguns autores (Goyos & Freire, 2000; Saunders & Green 1999; Saunders. Drake
& Spradlin. 1999; Green & Saunders, 1998; Stromer, Mackay & Stoddard, 1992; Stoddard,
et al., 1989) afirmam que, para expandir uma classe de estímulos inserindo novos membros,
ó necessário apenas que o novo estímulo seja associado a um único membro da classe,
e não a cada um de seus elementos.
Assim, surgiu a necessidade de se conduzir o Estudo 3, o qual teve como objetivo
verificar se o controle estabelecido através das relações previamente treinadas com moedas
poderia ser transferido para outros estímulos, com notas. Tinha-se como hipótese que os
participantes poderiam transferir o controle estabelecido pelos numerais cunhados nas
moedas também para as notas. Esse é o principal aspecto que o Estudo 3 investigou.
Esse estudo foi delineado para treinar as relações condicionais através do procedimento
de escolha de acordo com o modelo, utilizando conjunto de notas-preço impresso e para
verificar a emergência da construção de respostas (CRMTS) com notas, a partir de valores
monetários ditados ou preço impresso. A Figura 3 ilustra a sequência de treino e testes.

Figura 3. Rede de relações condicionais treinadas e testadas no Estudo 3. As caixas


representam o conjunto de estímulos ou respostas. As linhas sólidas Indicam as relações
treinadas diretamente; linhas quebradas mostram as relações testadas para emergência,
sem treino direto. Os numerais designam a seqüência de treinos e de testes.

Em vista do conceito de classes e da possibilidade de transferência do controle de


respostas e emergência de novas relações, o Estudo 4 foi proposto com o objetivo de expandir
as classes de estímulos equivalentes, estabelecendo relações mais complexas entre estímulos
compostos por conjuntos de notas e moedas, relacionados com preço impresso ou valor
ditado e, ainda, com o objetivo de avaliar o desempenho dos participantes em tarefas de
CRMTS envolvendo valores em reais e centavos juntos. Os estímulos notas e moedas foram
utilizados simultaneamente. Avaliou-se o efeito dos três estudos anteriores sobre a generalização
de valores compostos por reais e centavos, com apresentação simultânea de notas e moedas.
A hipótese examinada no Estudo 4 foi se os participantes poderiam transferir o controle
estabelecido para situações novas que seriam, nesse caso, a apresentação simultânea de
notas e moedas. A Figura 4 ilustra a sequência de treino e testes.

238 Ros«ind A . S. Rossit, Celso C/oyos


Figura 4. Redo de relações condicionais treinadas e testadas no Estudo 4. As caixas
representam o conjunto de estfmulos ou respostas. As linhas sólidas indicum as relações
treinadas diretamente, linhas quebradas mostram as relações testadas para emergência,
sem treino direto. Os numerais designam a seqüAncia de treinos e de testes.

PréAeste. As relações a serem treinadas foram previamente testadas em extinção.


Treino. Cada sessão foi composta por 18 ou 27 tentativas. Durante uma sessão, cada
escolha correta era seguida de uma ficha e de reforço social (elogios). No caso de escolha
incorreta, a tentativa seguinte era imediatamente apresentada. Ao término da sessão, na
qual o critério de 90% foi atingido, as fichas eram trocadas por um dos itens de preferência,
à escolha do participante, dispostos sobre uma mesa num canto da sala. Quando o
critério não era atingido, a mesma sessão era reapresentada. Se após três sessões
consecutivas o participante não atingisse o critério, procedimentos adicionais com o
desmembramento da sessão em passos menores, eram introduzidos.
Treino de escolha sem reforçamento. Após o critério ser atingido nas relações de treino,
uma sessão com probabilidade de reforçamento zero foi apresentada em preparação para
os testes.
Testes. Randomicamente, inseriram-se 30% de tentativas de testes em uma linha de
base com 18 ou 27 tentativas. Tal como a sessão do treino de escolha sem reforçamento,
a probabilidade de reforçamento foi zero. Imediatamente apôs a sessão de teste, condicional
à manutenção do desempenho em linha de base, os participantes recebiam um dos itens
de sua preferência.
Teste de Generalização em Situação de Compra Simulada. Diversos objetos com preços
impressos foram colocados sobre a mesa. Os participantes tinham que identificar os
preços e selecionar, de um conjunto, as moedas ou notas correspondentes para compor
os valores. Os preços poderiam ser de 1,2, 5,6,10,11,15, 20, 25, 30 ou 50 em reais e/
ou centavos. Após a construção da resposta, o participante entregava ao experimentador
as notas e/ou moedas correspondentes ao valor do item escolhido. Três itens poderiam
ser escolhidos para a compra. Se as três respostas estivessem corretas, o participante
escolhia apenas um dos itens para levar consigo. Se nenhuma estivesse correta, nenhum
item era levado.

Resultados e discussão
No Estudo 1, constatou-se o insucesso dos participantes em tarefas de CRMTS,
que pode ser explicado pela ausência, em seu repertório inicial, da habilidade de contar ou
adicionar moedas para compor um valor monetário específico e pela falta de familiaridade
com a tarefa de CRMTS. Além disso, o treino com os componentes numéricos intercalados

Sobre C'ont(tor(,imcnl<> cCognição 239


com o sinal da adiçáo (1+1 +1+1+1), apresentados como um estímulo complexo, ó uma
tarefa diferente do encadeamento de respostas de CRMTS necessário para se chegar ao
valor solicitado. O procedimento utilizado não possibilitou a aquisição e a transferência do
controle numérico para o monetário, e a tarefa de CRMTS mostrou-se muito complexa
nesse primeiro momento. Sugere-se, então, que se incluam nesse currículo inicial, tarefas
mais simples como, por exemplo, estabelecer relações não arbitrárias de identidade entre
os estímulos compostos.
Inicialmente, algumas classes não se formaram para todos os participantes,
principalmente aquelas relacionadas a valores maiores ou terminadas com o dígito cinco
(por exemplo, 35,60 e 75 centavos). Esses resultados fornecem dicas quanto à seleção de
valores a serem ensinados. Uma alteração no currículo, iniciando-se com valores menores e
inteiros, que parecem ser mais fáceis podem facilitar o agrupamento de moedas para compor
o valor requerido, e evitar a ocorrência de erros, na medida em que quantidades menores de
moedas devem ser selecionadas para compor um valor específico. Nesse contexto, Stith e
Fishbein (1996) afirmam que a quantidade e complexidade dos passos envolvidos em tarefas
de contagem e comparação de somas de dinheiro é o maior obstáculo para as pessoas com
deficiência mental. Quanto maior o valor, mais moedas devem ser selecionadas para compor
o valor, o que aumenta as possibilidades para a ocorrência de erros.
No Estudo 2, constatou-se o sucesso em tarefas de CRMTS após treino para todos
os participantes, à exceção de JES e BRS. As respostas construídas com valores iguais
aos estímulos apresentados como modelo ou escolhas foram mais fáceis, possivelmente
pelo efeito do treino direto das relações BA, CA, C’A e C"A, ou seja, conjuntos de uma,
duas, três e cinco moedas para o preço impresso, respectivamente. O teste de CRMTS,
nesse caso, seria similar à "simetria" das relações treinadas através da tarefa de escolhas
de acordo com o modelo; por exemplo, o treino da relação CA e o teste A CRMTS. A tarefa
de CRMT S pode ter correspondido à construção de um estímulo complexo com discriminação
pouco refinada dos estímulos constituintes. Embora a construção de respostas tenha
emergido, ela não ocorreu de forma consistente entre os participantes e entre os diferentes
valores testados. Os acertos estiveram relacionados à construção de respostas para valores
inteiros e menores, como 10 e 20 centavos. Para os valores maiores e terminados em cinco,
por exemplo, 35 e 75 centavos, as dificuldades foram maiores. No entanto, talvez como um
efeito cumulativo do erisino, o desempenho em CRMTS foi gradativamente sendo instalado
e, ao final do Estudo 3, já se podia evidenciar desempenhos de 100% de respostas corretas
para todos os participantes e valores.
Quando as tarefas foram apresentadas com moedas ou notas únicas, os
participantes discriminaram e fizeram comparações baseadas no seu valor monetário.
Entretanto, quando foram apresentadas com conjuntos contendo múltiplas moedas e,
portanto, mais complexos tanto no processo de contagem, como na modalidade visual,
erros foram cometidos. As dificuldades com o manuseio de quantidades maiores de
informações conduziram a escolhas incorretas, como, por exemplo, quando confundiam o
valor monetário do conjunto de moedas com a quantidade de moedas dentro de cada conjunto.
Essa característica pode ter interferido na aquisição de relações condicionais envolvendo
grupos de moedas. O significado de valor é um conceito abstrato e complexo que depende
da história de aprendizagem e do conhecimento (Zentall, Galizio & Critchfield, 2002).
No Estudo 3, constatou-se que MRO e DUD não precisaram de treino direto, PED
precisou de treino para algumas relações, já ROT e GBF precisaram para todas as relações.

Rofcinii A . S. Rossit, Celso C/oyos


PED, ROT e GBF apresentaram peculiaridades no desempenho do tipo: ao olhar um conjunto
com duas notas de 10 reais e uma de cinco reais, diziam espontaneamente "vinte.. .cinco",
tratavam as duas notas de 10 reais como vinte reais e somavam o cinco restante "vinte... e
cinco", o que ocasionava a escolha correta. Para o valor de quinze reais, estratégia semelhante
foi utilizada ocasionando, no entanto, a escolha incorreta. Diziam "dez...cinco" e escolhiam
o estímulo cinco reais. MRO e DUD ficaram sob o controle da característica relevante do
estímulo (abstração), como no Estudo 2. PED, ROT e GBF ficaram sob o controle de
"nomeações" incorretas dos estímulos, embora tenham obtido desempenho satisfatório no
Estudo 2. Possivelmente, isso se deve ao fato de que a nomeaçáo de moedas tenha sido
estabelecida já no Estudo 1, enquanto a nomeação de conjunto de notas não tenha sido
estabelecida antes do treino do Estudo 3.
Embora a diferença de desempenho dos participantes no Estudo 3 náo possa ser
diretamente deduzida do procedimento, que foi rigorosamente o mesmo para todos, é possível
inferir que o procedimento tenha gerado formas diferentes de controle nos comportamentos
dos participantes PED, ROT e GBF. Isso sugere a necessidade de novas medidas de controle
de variáveis relevantes no estabelecimento de habilidades matemáticas em estudos futuros,
dentre outras, que enfatizem o papel da verbalização e nomeação nas tarefas de CRMTS.
No Estudo 4, constatou-se a emergência do desempenho de CRMTS para todos os
participantes. A emergência de relações tendo como conjuntos as notas e moedas
apresentadas simultaneamente, compostos por classes de estímulos diferentes e que foram
ensinadas prévia e separadamente, reitera a principal característica do paradigma de
equivalência de estímulos, que é a economia do tempo e do percurso no ensino de novas
relações. Neste caso, foi necessário apenas incluir um novo membro à classe de estímulos-
respostas já existente e constatou-se a sua integração com os demais membros. O êxito
na relação de C_CRMTS, construção de respostas a partir do conjunto de notas e moedas,
pode ser explicado pela similaridade das características físicas dos estímulos, ou seja, uma
tarefa de identidade com o estímulo modelo apresentado e mantido na tela do computador,
seguida da seleção de notas e moedas verdadeiras e da construção da resposta sobre a
mesa. É possível mostrar que, nos Estudos 2 e 3, o CRMTS foi estabelecido via o preço
impresso ora em centavos, ora em reais, o que pode justificar o sucesso na relação B_CRMTS,
sendo "B" o preço impresso. Para explicar o êxito na relação A_CRMTS, sendo "A" o valor
ditado, podemos nos reportar ao fato de que a nomeação de moedas e notas individuais já
estavam parcialmente presentes antes do Estudo 1, de que a nomeação de conjunto de
moedas foi estabelecida no Estudo 2 e que a nomeação de conjunto de notas foi estabelecida
no Estudo 3. A nomeação de combinações provavelmente derivou-se desses "pré-requisitos".
Quanto ás relações BC e CB, elas vêm da combinação dos Estudos 2 e 3. Pode ter havido
também o desempenho controlado de forma complexa por relações modelos-escolhas. Por
exemplo, tendo como modelo "10,25", o participante pode ter escolhido a nota de 10 reais
sob controle de "10" e a moeda de 25 centavos sob controle de “25". O controle poderia ter
se estabelecido a partir de unidades menores do que o preço total. Isso talvez explique
grande parte do controle responsável peto desempenho em tarefas com novas combinações.
As relações BD e CD, respectivamente nomeação do preço impresso e do conjunto de
notas e moedas, podem ter emergido de AB e AC (Sidman, 1971).
Unidades mínimas correspondem ao repertório mínimo de comportamentos
relativamente independentes que podem fazer parte de emissões mais complexas, incluindo
algumas legitimamente novas, através da sua combinação (Skinner, 1957). Os presentes
estudos sugerem que a instalação de um repertório sistematicamente interligado através de

Sobre ( ’ om/wrtomrHfo c CoguJfüo


uma rede de relações (Estudos 1, 2 e 3) subsidiaram a emissão de comportamentos
complexos, adaptados em novas situações (Estudo 4).
Uma interpretação para os resultados ó apontada por Matos, Hübner e Peres (1997)
e Hübner (1990) na análise de comportamentos acadêmicos de leitura e escrita. Estudos
foram conduzidos numa tentativa de estabelecer controle sobre o operante textual com
unidades verbais menores que a palavra e, a partir daí, testar a ocorrência de leitura
generalizada, empregando novas palavras oonstruJdas com aquelas mesmas unidades verbais.
O que fundamentou essa proposta foram dados mostrando que elementos ou dimensão de
estímulos, envolvidos em um treino discriminativo com estímulos compostos, também
exerciam controle sobre o comportamento.
Relaciona-se a essa questão a afirmativa de Skinner (1957) sobre a aquisição de
controle por unidades verbais menores ser instalada durante a aquisição de controle sobre o
comportamento verbal por unidades verbais extensas. Se a rede de relações entre estímulos-
estímulos e entre estímulos-respostas, que se estabelece durante um treino de
desenvolvimento de classes de equivalência, permitisse também o controle de respostas
textuais por estímulos verbais menores que a palavra, então, a leitura de novas palavras,
geradas pela recombinação daquelas unidades menores seria possível (Stromer, Mackay &
Stoddard, 1992).
Constatou-se, através dos quatro estudos, que os participantes ficaram sob o controle
do numeral impresso, o qual foi generalizado para diferentes unidades monetárias. Neste
caso, o numeral presente nas unidades monetárias poderia ser equivalente às unidades
menores da palavra escrita, os quais têm o mesmo significado, independentemente de
outras características como, por exemplo, tipo, tamanho, coloração ou textura. A
recombinatividade de unidades menores foi evidenciada no Estudo 4 com a emergência de
relações envolvendo valores em reais e centavos, que foram aprendidos separadamente nos
Estudos 2 e 3.
Um outro aspecto a ser ressaltado refere-se ao aumento das porcentagens de
respostas corretas em tarefas de CRMTS, evidenciado no período de três e seis meses
após o treino. A suposição de que o treirvo das relações de componentes numéricos-numeral
impresso e de conjunto de moedas-preço impresso pudesse interferir na construção de
respostas parece ter se confirmado, pois foi constatado que, a partir do Estudo 2, o CRMTS
emergiu e se manteve no repertório dos participantes. O desempenho dos participantes ao
longo dos estudos mostrou que, apesar das diferenças marcantes evidenciadas no repertório
de entrada, as relações foram adquiridas e mantidas, mesmo que para isso tivesse sido
necessário introduzir modificações no procedimento que resultassem em maior tempo de
instrução para alguns participantes. Entretanto, constatou-se que os efeitos do treino sobre
o comportamento dos participantes foram notáveis.
Tendo como informação que os participantes freqüentaram escolas, regular ou
especial, por diversos anos consecutivos e, que os testes preliminares indicaram a ausência
das habilidades de manusear dinheiro, como explicar então, a rápida aquisição e manutenção
de relações complexas no repertório dessas pessoas, quando comparadas com o tempo de
escolarização e de vida? A seleção e a seqüência das relações propostas seriam as
responsáveis pela aquisição das habilidades monetárias? Com certeza, poderíamos afirmar
que a avaliação cuidadosa do repertório de entrada subsidiou o delineamento dos quatro
estudos e o encadeamento das relações de estudo para estudo, o que possibilitou a
instalação de pré-requisitos importantes para que a aprendizagem ocorresse. Acredita-se,

Rotina A . S. R ü s s íI, Celso Çoyos


com base nos resultados obtidos, que o caminho sugerido interferiu positivamente na aquisição
de tais habilidades.
A Tabela 2 ilustra a quantidade de sessões e o tempo de instrução necessária para
a aquisição das relações condicionais. Comparando-se o tempo de vida dos participantes,
que variou de nove a 32 anos de idade, o tempo de escolarização, que variou de dez a 28
anos e o tempo de instrução, que variou de cinco a 40 horas no Estudo 1, de uma a 30 horas
no Estudo 2, de zero a cinco horas no Estudo 3 e de nenhuma hora de instrução direta para
o Estudo 4, pode-se afirmar que o ensino com base no paradigma de equivalência de estímulos
aparece como uma solução viável para a instalação de repertórios complexos em pessoas
com deficiência mental que apresentam atrasos significativos a serem trabalhados na
aquisição de habilidades. Um outro aspecto que os presentes dados apontam é a variação
do tempo necessário para a aprendizagem: as primeiras relações demoraram mais para
serem instaladas, apesar de sua natureza mais simples, ainda mais se comparadas aos
repertórios adquiridos posteriormente, que eram dotados de um maior grau de dificuldade.

Tabela 2 Quantidade de Sessões e Tempo de Instrução

Uliiclc K scoliiri/nçA o N° scssò c s / I n s t r u t o ( h s)


I «iiticip.intcs (anos. mcscs) Ksüido I Kstudo2 listudi>3 líN t u d o 4

MRO 32 28.5 23/5; 15 10/1 0/0 0/0

ra > 12,2 12 24/5:30 11/1 4/50* 0/0

ACA 21.3 17.5 23/5:15

ROT 18,3 13 23/5:15 13/1:30 9/1:30 0/0

DHL) 14.8 12 23/5:15 10/1 0/0 0/0

<iHF 19.6 15 22/5:15 34/12 15/4:30 0/0

( illA 16 12 64/30
ROA 17.1 14.5 75/40

HRS 12.5 10 74/40 80/30

1*01. 18,3 16 22/10

JHS y .io 6 70/25

A proposta do ensino através de rede de relações entre estímulos e entre estímulos


e respostas descrita por Stromer, Mackay e Stoddard (1992) possibilita a aquisição de
conhecimentos passo a passo e a possibilidade de detectar precocemente as dificuldades
na aprendizagem. Essa ó uma característica importante que permite intervir pontualmente
através de procedimentos apropriados.
Os participantes GBF, JES e BRS foram casos ilustrativos dessa questão. Quando
a dificuldade em estabelecer determinada relação ocorria, procedimentos adicionais foram
introduzidos, desmembrando-se a tarefa em passos mais simples e reduzindo-se a
quantidade de estímulos escolha; gradativamente, as outras variáveis, o aumento na
quantidade de estímulos de escolha e a randomização do estímulo modelo foram sendo

Sobre Comport.imeiilo e CoflniÇtlo


introduzidas até chegar à apresentação da tarefa de escolha de acordo com o modelo
padrão. Esses procedimentos descritos por Saunders e Spradlin (1989) e Mcllvane, Dube,
Kledaras, lennaco e Stoddard (1990) mostraram-se como uma ferramenta útil e viável no
ensino de pessoas com deficiência mental. Esses procedimentos fornecem o embasamento
necessário para que os educadores possam instituir, em sua rotina, a prática da avaliação
contínua do aprendizado do aluno. Além disso, de acordo com os autores, as adaptações
ou modificações nos procedimentos devem ser aplicadas imediatamente à detecção da
dificuldade.
LeBlanc (1998), ao descrever as características de um currículo, afirma que o
educador deve ter o conhecimento de procedimentos eficientes, comprovados e disponíveis
para o ensino de populações especiais. Acrescenta que os objetivos de um currículo
devem contemplar três categorias de comportamentos: 1) aqueles que podem ser
generalizados para todos os ambientes e que podem ser utilizados para aprender outras
habilidades, tais como seguir instruções, atender e imitar outras pessoas, 2) aqueles que
são utilizados em uma variedade, mas não em todas as atividades nas quais a pessoa
está inserida e que compreende os conceitos, tais como ordenar, selecionar, separar e
limpar, e 3) aqueles que estão relacionados às seqüências de uma tarefa específica como,
por exemplo, vestir-se, comer, 1er, escrever, fazer compras etc. Essas habilidades
específicas da tarefa são sub-categorizadas em áreas gerais de operação, tais como:
social, comunidade, auto-cuidados, segurança, acadêmicas, etc. Essa ênfase na
funcionalidade induz ao planejamento de atividades que garantam a oportunidade da
aplicabilidade em outros contextos, diferentes do ambiente experimental. Essa é uma
característica importante para as pessoas com deficiência mental, pois viabiliza a
manutenção do aprendizado ao longo do tempo. A seleção da habilidade a ser ensinada
deve respeitar, também, a idade cronológica dos alunos.
A nomeação foi um outro comportamento não treinado diretamente, porém, a
partir do desempenho nos testes, pôde-se comprovar a sua emergência. Um comportamento
espontâneo evidenciado em alguns participantes durante as sessões de treino foi a repetição
em voz alta do estímulo modelo auditivo emitido pelo computador antes de selecionar o
estímulo escolha correspondente.
Dentro do contexto de equivalência, há uma polêmica acerca do papel da linguagem
na determinação do comportamento. Conforme discutido por Goyos (1996), o
comportamento verbal ó imprescindível em estudos que incluam aplicações práticas de
equivalência, no entanto, freqüentemente os dados verbais dos participantes não são
avaliados a contento. Horne e Lowe (1996), propõem que o sucesso em testes de
equivalência de estímulos pode ser atribuído, em grande parte, à nomeação e a outros
comportamentos verbais. O trabalho de Sidman (1971), demonstrou que a aprendizagem
auditivo-visual ó uma condição oportuna para a emergência da leitura oral ou da leitura
com compreensão, mas desnecessária para a equivalência visual-visual, já que foi
evidenciada a ausência de nomeação de palavras escritas e das figuras em voz alta durante
provas de leitura com compreensão. Sidman (1990) afirmou, contudo, que são frágeis as
bases experimentais para que o comportamento verbal possa ser considerado
desnecessário e insuficiente para a formação de equivalência.
Apoiados nos resultados obtidos na presente pesquisa, pode-se inferir que o
comportamento verbal, explícito através da nomeação ou encoberto, teve um papel
importante na aquisição de comportamentos matemáticos relacionados ao manuseio de
dinheiro. Alguns participantes verbalizaram suas ações nomeando em voz alta os estímulos

Rosana A . S. Rossit, Celso lyoyos


discriminados, entretanto, essas medidas não foram tomadas com controle suficiente de
modo a permitir a tomada de posição a respeito do assunto.
Segundo o paradigma de equivalência de estímulos, a formação de classes envolve,
tipicamente, o treino de discriminações condicionais e o teste de relações emergentes. O
comportamento matemático envolve um número ilimitado de classes e de relações entre
os diferentes conjuntos de estímulos. As pesquisas na área de equivalência de estímulos
(Sidman & Tailby, 1982; Sidman, Kirk & Willson-Morris, 1985) têm mostrado a formação
de classes, utilizando-se de três a quatro relações condicionais, com indivíduos com e
sem atraso de desenvolvimento.
Na presente pesquisa, entretanto, demonstrou-se a formação de classes extensas
entre estfmulos-estímulos e estímulos-respostas no comportamento matemático para
pessoas com deficiência mental. A Figura 5 ilustra a rede de relações formada ao final dos
quatro estudos. Doze relações foram treinadas diretamente e 58 relações emergiram entre
simetria, transitividade e equivalência, assim como a generalização para estímulos, valores
e situação diferentes. Os participantes que concluíram os quatro estudos demonstraram a
formação de seis classes de equivalência (1,5, 10, 25, 50 e 100) com 11 conjuntos de
estímulos (palavras ditadas, numerais impressos, componentes numéricos, valores ditados,
moedas, conjunto de moedas, preços, moedas novas, notas, conjunto de notas e conjunto
de notas e moedas).

Figura 5. Rede de relações formada ao final dos quatro estudos.

Sobre Comportamento c Coflnlçflo 245


Além da ampla rede de relações treinadas diretamente, a rede foi expandida para
valores e arranjos diferentes dos utilizados durante os treinos, exemplificados por conjuntos
com duas, três ou cinco moedas e/ou notas que eram monetariamente equivalentes. A
expansão da rede foi demonstrada, também, para outras formas de representação (moeda
ou nota única ou conjuntos compostos por quantidades diferentes de elementos) e para a
situação de compra simulada.
A rede de relações, proposta através dos treinos e testes, nos quatro estudos,
mostrou-se viável e promissora para a aplicação com pessoas com deficiência mental. A
seqüência de objetivos comportamentais, sugerida na forma de um currículo, foi eficiente
para a aquisição e manutenção das relações diretamente treinadas e de outras, que
emergiram em função do treino.
A manutenção dos resultados obtidos ao longo do tempo poderia ser explicada pela
aplicabilidade do conhecimento previamente adquirido em outras situações cotidianas e/ou
pelo efeito cumulativo dos quatro estudos. Considerando a idade cronológica dos participantes,
o tempo de escolarização e os desempenhos evidenciados por ocasião da aplicação dos
testes preliminares, pode-se inferir que grande parte dos resultados obtidos se devem à proposta
de ensino aqui desenvolvida e avaliada. Os históricos de vida das pessoas com deficiência
mental, que participaram desta pesquisa, indicam a eficiência dos procedimentos utilizados,
que permitiram o estabelecimento de relações condicionais complexas e a instalação de um
repertório matemático que possibilitou aos participantes maior assertividade e independência
em tarefas na comunidade.
Os resultados obtidos refletem a eficiência e eficácia da proposta sugerida, originada
no ensino de relações utilizando os numerais como estímulo e depois introduzindo as moedas,
notas e conjuntos derivados desses estímulos, dos procedimentos utilizados e do uso do
computador como um instrumento para intermediar o aprendizado de pessoas com deficiência
mental.
Algumas vantagens foram identificadas por Dube e Mcllvane (1989) e Rossit o Ferreira
(submetido) para a utilização de procedimentos informatizados como a precisão, a eficiência
na programação, o registro automático das respostas e a impressão imediata dos resultados,
os quais facilitam a análise e interpretação dos dados e eliminam as variáveis interferentes,
permitindo que o aluno fique sob o controle, quase estrito, do conteúdo da tarefa. Nesse
sentido, a informatização do ensino, aliada à tecnologia comportamental desenvolvida em
estudos de equivalência de estímulos, pode agilizar o processo de ensino-aprendizagem,
aumentar a confiabilidade dos dados, controlar otimamente as contingências de forma a ensinar
"exatamente" o planejado e, ainda, potencializar a instalação de repertórios complexos em
populações de indivíduos com alta demanda, como a de portadores de deficiência mental.
O desenvolvimento dos quatro estudos com a aplicação de procedimentos
fundamentados no paradigma de equivalência de estímulos apontam para a economia de
tempo e percurso no ensino de pessoas com deficiência mental. Os resultados apontaram o
aumento do desempenho dos participantes, tanto nas tarefas conduzidas no computador,
como naquelas realizadas com material concreto sobre a mesa.

C onside raçõ es Finais


A realização deste trabalho propiciou algumas verificações que serão comentadas
com o intuito de proporcionar ao leitor uma visão do contexto resultante dessa investigação.
Trata-se da condição atual referente ao repertório comportamental das pessoas adolescentes

Rosana A . S. Rossit, Celso C/oyos


e adultas, com deficiência mental. Após terem freqüentado escolas por várbs anos, constatou-
se um déficit comportamental matemático acentuado, sendo que esse déficit, geralmente, é
atribuído às características inatas da pessoa. Entretanto, para os analistas do comportamento,
a responsabilidade pelo fracasso ou pela nâo aprendizagem deve ser atribuída aos procedimentos
de ensino utilizados.
Nas escolas regulares, há exigências de instâncias superiores e preocupação dos
educadores com relação ao cumprimento dos planejamentos e dos programas de ensino. Os
planejamentos, ao invés de terem oomo fundamentação as observações e avaliações da clientela
a ser atendida são geralmente elaborados a partir de modelos ou “cópias" aplicados em anos
anteriores. Sendo assim, como esperar que os alunos aprendam se as necessidades e interesses
se alteram de pessoa para pessoa e de ano a para ano? Ouve-se dos educadores que um
repertório extenso de conteúdos foi ‘'ensinado" mas que, no entanto, nem sempre o aluno “aprendeu"
o suficiente para demonstrar a capacidade para solucionar problemas atuais ou novos.
Frente às dificuldades na aquisição de novos repertórios, os educadores, em geral,
persistem no ensino baseado em metodologias tradicionais e, muitas vezes, ultrapassadas.
Os programas de ensino, geralmente, contemplam um "pacote" de objetivos, os quais são
aplicados simultaneamente. Parece não haver a preocupação em isolar as unidades de ensino,
garantir a aprendizagem, para depois introduzir novos conteúdos. Por exemplo, ao ensinar
uma palavra, o educador apresenta a figura correspondente, a palavra impressa e pede para a
criança nomeá-la e copiá-la. As relações são apresentadas simultaneamente e, quando a
aprendizagem não ocorre, o educador tem dificuldades em identificar qual a relação
problemática. Ao dar prosseguimento à aplicação do programa de ensino a lacuna permanece,
o que pode interferir em aprendizagens futuras.
De acordo com Barros (2001), o método de ensino, fundamentado nos princípios
desenvolvidos pela Análise Experimental do Comportamento, deve partir da noção de que o
repertório de conhecimentos de cada aluno que chega à escola é único. O educador, então,
deve programar etapas de ensino a partir dos elementos mais simples e mais próximos do
aluno, aumentando a complexidade em etapas posteriores, as quais cada aluno cumpre de
acordo com o seu ritmo. A decisão do educador a respeito do aumento da complexidade entre
uma etapa e outra deve apoiar-se nas condições concretas apresentadas pelo aluno. Dentro
dessa perspectiva, "o planejamento não é feito às cegas" e sua execução requer uma constante
avaliação das atividades realizadas, a fim de que se possa tomar decisões acerca da continuidade
ou redirecionamento do ensino.
Para os analistas do comportamento, as eventuais dificuldades devem ser atribuídas
à inadequação dos procedimentos de ensino utilizados e não às características intrínsecas da
pessoa. Sidman (1985) afirma que “quando o aluno erra, o educador deve reformular o
procedimento de ensino e considerar que o ensino oferecido é que é deficiente, não a criança"
(p.4). Esta afirmativa nos faz refletir sobre o papel do educador no processo de ensino-
aprendizagem e sobre as possíveis causas das dificuldades de aprendizagem das pessoas
com deficiência mental.
Na abordagem comportamental, parte-se do seguinte princípio: para se instalar um
novo comportamento deve-se, primeiramente, analisar as condições atuais e avaliar as
habilidades presentes e necessárias. Assim, um planejamento de ensino não poderá ser
proposto sem que se tenha conhecimento preciso do repertório de entrada do aluno. A
implementação de um planejamento requer uma avaliação contínua do desempenho, a qual irá
subsidiar a tomada de decisões a respeito dos comportamentos a serem ensinados, da
introdução de procedimentos eficazes para a aprendizagem, do redirecionamento e

Sobre Com portamento c Cognição 247


redimensionamento do ensino, caso haja manifestações de dificuldades. Desta forma, as
possibilidades de suoesso no processo de ensino-aprendizagem estão diretamente relacionadas
à efetividade da avaliação e do planejamento de ensino, os quais se impõem como medidas
básicas (Rossit, submetido).
O currículo desenvolvido neste estudo para o ensino do comportamento matemático
de manusear dinheiro contribuiu para que os participantes pudessem conquistar o
reconhecimento de terceiros, ao notarem o desempenho visível e o interesse pelo dinheiro, o
qual podia ser utilizado para a aquisição de itens desejados. O ambiente experimental de
aprendizagem foi extremamente reforçador, visto que o sucesso no desempenho dava-lhes a
garantia da aquisição do produto desejado, comestível ou de uso pessoal. O levantamento de
itens realizado para identificar os níveis de preferência, foi essencial para garantir a permanência
dos participantes durante os dois anos e meio de coleta de dados para o desenvolvimento dos
quatro estudos.
Pode-se, portanto, afirmar que o ensino de comportamentos matemáticos foi importante
para que as pessoas com deficiência mental pudessem ter uma vida mais independente e a
oportunidade de desfrutar do processo de inclusão, tanto na escola, como na comunidade. A
instalação de repertórios com habilidades funcionais como o manuseio de dinheiro, pode
permitir ainda, a possibilidade de assumir um posto de trabalho e mantê-lo.
Entretanto, para que o deficiente mental possa usufruir o seu direito de cidadão e para
que a aquisição de comportamentos complexos seja viável, é preciso que as escolas e os
educadores atentem para a questão do ensino e da aprendizagem dessas pessoas com olhares
mais otimistas, com vistas às suas potencialidades, interesses e necessidades. Que assumam
a responsabilidade de educá-los e prepará-los para a vida, pois esse é o papel da escola: formar
pessoas que possam exercer o seu direito de cidadania, que possam gozar das mesmas
oportunidades garantidas ao restante da população e, que, quando adultos estejam aptos para
o trabalho. Se o deficiente mental adulto atingir essas metas, com certeza a sociedade irá olhá-
los com outros olhos, pois a pessoa só se torna reconhecida pelas suas capacidades quando
lhe é oferecida a oportunidade para aprender e aplicar o conhecimento adquirido.
O presente trabalho atingiu o seu objetivo de desenvolver, aplicar e avaliar um currículo
para ensinar comportamentos matemáticos de manusear dinheiro para pessoas com deficiência
mental, entretanto, permanece uma lacuna no ambiente educacional, regular e/ou especial,
que se refere à preparação dos educadores para atuarem positivamente no processo de ensino-
aprendizagem, ensinando efetivamente o conteúdo necessário e planejando com base nas
características individuais do aluno.
De acordo com Sidman (1985), a metodologia existente disponível na Análise
Experimental do Comportamento tem-se mostrado eficiente para ensinar o deficiente mental,
entretanto, a prática tem ficado atrás das possibilidades, pois educadores continuam sendo
formados sem que tenham conhecimento das metodologias e das novas concepções a respeito
do ensino de pessoas com dificuldades de aprendizagem.

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Rosana A . S. Rossil, Cclso C/oyos


Capítulo 24

História da Pesquisa Sobre Punição1

KuasclIM, Church*, *

Estou muito contente por ter sido convidado para falar com vocês sobre a história
da pesquisa sobre punição. Como estudante de doutorado no início da década de 50, eu
li quase todos os experimentos em aprendizagem aversiva que foram realizados na primeira
metade do século 20. Logo após, estive engajado em pesquisa sobre aprendizagem aversiva
por aproximadamente 20 anos. No entanto, isto foi há muito tempo atrás - de meados dos
anos 50 até meados dos anos 70.
Já não mais me considero um especialista nesta área, mas posso lhes falar
algumas coisas sobre sua história. Espero que vocês não se importem que esta palestra
seja um depoimento pessoal no qual eu lhes falarei sobre minha própria investigação
sobre punição e aprendizagem aversiva. Considerem esta descrição como um estudo de
caso - ela é representativa do trabalho de muitos outros pesquisadores que são muito
bem conhecidos por muitos de vocês.
Comecei a pesquisar sobre comportamento aversivo durante o programa de
doutorado, devido ao carisma de meu mentor, Richard L. Solomon. A Figura 1 mostra uma
foto do Professor Solomon á direita, comigo como seu anfitrião, na ocasião em que ele
recebeu o título honorário de doutor em ciências pela Brown University em junho de 1990.

•Brown University
1 Traduzido por Paulo Guilhardl
2 N A O aulor expressa seu agradecimento a Paulo Gullhardi que nâo apenas traduziu esta apresentação,
como também preparou as figuras e, mais importunte, fez comentários criteriosos sobre o estilo e conteúdo
deste artigo. A maioria das pesquisas descritas neste trabalho foi financiada pelo National Institute of Mental
Health de 1964 a 1974 (MH-08123 e MH-19794)

Sobre Comportamento e t!o«nivúo 251


Figura 1 Richard Solomon (à direita)
na ocasião em que recebeu o titulo
honorário da Brown University em
1990. O autor está à esquerda.

Dick Solomon teve um impacto enorme em minha vida e carreira profissional.


Quando comecei o programa de pós-graduação, eu possuía interesses muito genéricos e
desfocados em psicologia social, interações em grupos pequenos, comportamento animal,
teoria social e xadrez. Solomon estava conduzindo um projeto de pesquisa em aprendizagem
de esquiva traumática em cachorros. Ele me ofereceu uma bolsa de pesquisa a qual, se
me lembro corretamente, me pagava US$800 por ano. Eu estava entusiasmado por ter a
oportunidade de interagir com Dick Solomon, em fazer pesquisa em um laboratório e por
ter algum dinheiro para comida e para o aluguel.
Ele foi um mentor excepcional. Ele foi um orientador em pesquisa que orientou
seus alunos essencialmente com muito encorajamento e com muitos exemplos concretos.
Enquanto trabalhei com ele, o foco de sua pesquisa foi aprendizagem de esquiva traumática
em cachorros. Os experimentos tinham duas características distintas - estudo de choque
muito intenso, utilizando um animal com uma enorme gama de emoções.
Não seria possível exagerar o grau de minha ingenuidade quando comecei a fazer
pesquisa em seu laboratório. A primeira vez em que falei com ele sobre a possibilidade de
realizar conduzindo um experimento, ele me perguntou se eu estava interessado em conduzir
um experimento sobre o efeito do atraso do reforço em aprendizagem de esquiva. O atraso
do reforço ó o intervalo entre a resposta e suas conseqüências. A Figura 2 mostra um
procedimento de aprendizagem utilizando comida como reforço no qual não há atraso do
reforçamento, se a comida for apresentada imediatamente após a resposta, e no qual há
atraso do reforçamento, se houver um intervalo entre a resposta e a apresentação da comida.

Sem A traso G m i nfrttso


Al hino
Kcsposta
Disponibilidíuk da Comida

Figura 2. Atraso do roforço se refere ao intervalo entro uma rosposta e um reforço, como
a apresentação de comida. Há um atraso do reforço no procedimento da direita, mas
não há atraso no procedimento da esquerda.

Russell M . Church
Solomon me falou da existência de um vasto conhecimento sobre o efeito do
atraso do reforço em aprendizagem utilizando comida como reforço, mas que havia muito
pouco conhecimento sobre seu efeito em esquiva. Ele me disse ainda que eu, facilmente,
poderia me tornar um especialista mundial nos efeitos do atraso do reforço em aprendizagem
de esquiva. Eu fiquei entusiasmado para seguir esta linha. Mas quando eu sal de sua sala,
senti uma forte pontada de medo - o que é "atraso de reforçamento" em aprendizagem de
esquiva? Eu achava que o reforçamento da esquiva teria de ser a não ocorrência do choque,
mas como alguém pode atrasar o que não ocorre? Felizmente, não precisei revelar minha
ignorância para o meu mentor. Expliquei meu problema para um estudante de doutorado
mais experiente (Leo Kamin), que me alertou para a presença de dois reforçadores na
aprendizagem da esquiva (o término do choque e o término do estímulo) e que, tanto um
deles como ambos, poderiam ocorrer no momento da resposta ou após um atraso. Isto
culminou num artigo sobre o atraso do término do choque em aprendizagem de esquiva,
meu primeiro artigo publicado (Church & Solomon, 1956).

Tabela 1 Alguns dos psicólogos mala conhecidos no corpo docente da dois dos departamentos da
Harvard University em 1952.
Harvard (1952)

Departamento de Psicologia Departamento de Relações Sociais

B. F. Skinner (Aprendizagem) R. L. Solomon (Experimental)

S. S Stevens (Psicoflaica) R Bush & F Mostellor (Matemática)

E Bonng (História) J. Bruner (Cognitiva)

F. Ratliff (Visão) G. Allport (Social e Personalidade)

G. Bekesy (Audiçôo) H. Murray (Clinica)

W Verplanck (Aprendi/agem) R Brown (Social e Desevolvimento)

Devo falar alguma coisa a respeito da relação entre a pesquisa do Dick Solomon
e Fred Skinner. Ambos estavam na Harvard enquanto eu estava no progama de
doutoramento, mas no entanto, em departamentos diferentes. O Departamento de Relações
Sociais foi desenvolvido para ser uma unidade multidisciplinar que integraria psicologia
social e da personalidade, antropologia cultural e sociologia. Dick Solomon era um membro
deste departamento e Fred Skinner era um membro do Departamento de Psicologia, cujo
foco era em psicologia experimental. Alguns membros do corpo docente dos dois
departamentos estão listados na Tabela 1. Enquanto estudante de doutoramento, fiz
disciplinas com todos os psicólogos vinculados ao Departamento de Relações Sociais, e
com nenhum dos psicólogos vinculados ao Departamento de Psicologia.
Como vocês sabem, B. F. Skinner exerceu uma enorme influência nos psicólogos
em diversas áreas; a influência de R. L. Solomon foi focada no estudo do comportamento
aversivo. Embora ambos, assim como seus alunos, trabalharem de forma bem
independente, em retrospecto parece-me que as maiores diferenças estavam no estilo de
pesquisa. (Ver Tabela 2).

Sobre Com portam ento e Co#nlv<lo 253


i 2. Uniu comp.m iv'flo do s cstikis de pesquisa tic S o lo m o n e Skinnct.

lixlik) ilc IVsquisM tie S o lo m o n e Skinner

S o lo m o n vt*. Sk inner ( h u r d i * So lo m o n (1 *>5f>)

m icro do iinim .m g n ip o vs. individual ' N IM


linciim cnlo ex perim ental fiH re- vs inlrii-xiyeilos Alniso 0 ,0 5, 2 .5. 5.0 , c 10.0 s,

nmi kI,nit* do dado* |x n aniniiiis p cquena vH. g n in d c 10 icnliiiiviiH/dm pm nntniiil

irtliie do* resultado«, esl.tlislicn vs niki-csliilistK ii A imiIínc d c viiriilncin

plifiiij^cs do c o m p o rtam e n to letSncn vs. d e scn liv a I eoi ia d e d o ts p rotean«*

Fred Skinner defendeu e praticou um estilo de pesquisa que incluiu o uso de


sujeitos individuais, delineamento experimental com sujeitos como próprio controle, uma
enorme quantidade de dados para cada indivíduo e uma apresentação não estatística e
descritiva dos resultados. Dick Solomon
defendeu e praticou o oposto. Este fato
Tabola 3 Alguns psicólogos que foram provavelmente refletiu em meu primeiro artigo
influenciados por Solomon e Skinner
publicado, já mencionado, que envolveu o teste
Alguns dos Psicólogos Influenciados por R L de 114 cachorros em um delineamento
experimental no qual diferentes grupos de
Solomon e B. F. Skinnor
sujeitos tiveram um atraso no término do choque
Solomon Skinner de 0, 0.5, 2.5, 5.0, e 10.0 segundos. Cada
cachorro foi testado em 10 tentativas por dia;
A Black N. Azrin
os dados foram analisados usando uma análise
R Brush D Blough de variância e tentam os explicar o
R Church J. Brady
comportamento em termos de uma teoria de
aprendizagem de dois processos (two-process
L Kamin C Catania theory), a qual descreverei posteriormente. Sem
S Maior E Hearst dúvida, vocês ficarão satisfeitos em perceber
que eu não usei este estilo de pesquisa de forma
B. Ovormier R. Herrnstein exclusiva.
R Roscorla P Hlnellne Na coluna da esquerda da Tabela 3,
M. Seligman
listei alguns psicólogos que foram treinados por
F. Keller
Dick Solomon. Os quatro primeiros estavam na
F Mechner Harvard com ele quando eu cheguei em 1952;
H. Rachlin
os quatro seguintes estavam na University of
Pennsylvania com ele, no período em que eu
N Schoenfeld estava no meu período sabático naquela
B. Schneider universidade em 1963. Na coluna da esquerda
eu listei alguns dos importantes psicólogos que
M Sidman foram muito influenciados por Fred Skinner.
J Gibbon Muitos destes, estavam na Harvard ou na
Columbia University, mas sua infiuôncia foi muito
mais extensa. Através de Fred Keller, Charlie

Russell M . Church
Catania e outros, as contribuições de Skinner para a psicologia são muito bem conhecidas
e muito bem apreciadas no Brasil.
Agora ó hora de deixar de lado pessoas e instituições e começar a comentar
sobre a história de algumas idéias referentes ao comportamento aversivo e punição. Um
livro editado, intitulado "Punishment and aversive behavioi” (Campbell & Church, 1969)
baseado em um congresso em 1967, fornece uma maneira conveniente de acessar o
status da área em meados de 1960. Por meados de 1970, os métodos de pesquisa em
comportamento aversivo estavam bem desenvolvidos. Entre eles, procedimento de fuga,
de esquiva (que em algumas ocasiões era chamado de esquiva ativa), de punição (que em
algumas ocasiões era chamado de esquiva passiva), contingente à resposta (que em
algumas ocasiões era chamado de instrumental), independente da resposta (que em
algumas ocasiões era chamado de clássico) e de escolha. Muitas relações funcionais
entre um nível quantitativo de uma variável independente e um nível quantitativo de uma
variável dependente foram bem estabelecidas. Esta pesquisa estabeleceu uma base para
a integração dos estudos entre fuga, esquiva e punição e uma integração entre tais tópicos
e condicionamento aversivo clássico. Ela também estabeleceu maneiras de integrar o
estudo de condicionamento aversivo, com condicionamento que usava comida como reforço
e discriminação temporal. A deficiência principal desta pesquisa foi que ela não gerou uma
teoria quantitativa de condicionamento aversivo simples, geral e bem desenvolvida. Somente
posso fazer uma especulação agora do porquê após, aproximadamente 20 anos, eu parei
de fazer pesquisa sobe comportamento aversivo: pode ter sido por razões científicas e
políticas. Cientificamente, acreditei que os problemas que gostaria de estudar poderiam
ser investigados sem o uso de estimulação aversiva; e politicamente, eu acreditei que
esta decisão reduziria o conflito com o movimento de direitos dos animais.

Procedimentos de Condicionamento Aversivo

A pesquisa sobre punição não pode ser entendida independentemente da pesquisa


sobre outros procedimentos de aprendizagem aversiva. Estes incluem condicionamento
clássico, treino de fuga e aprendizagem de esquiva.
Proecdim enlos ilc ( ’oiulicionaim cnto A ve rsivo K n vo lvcm lu
Som ente C h o q u e
| l ’li.H|iir
KcvpoMii
Procedimento lite ilo d » Kcsposta

C lá s s ic o N e n h u m e le ito

I ugu Icrimim o cIkhjuc

r.squivn Alni.su o choque

1'uniçAo IVodii/ o ch(H|iic

Figura 3. Procedimontos do condicionamento aversivo onvolvendo um


choque e uma resposta.

Sobre Comportiim cnfo c C'o«nlv<lo 255


A Figura 3 mostra quatro procedimentos padrões de condicionamento aversivo nos
quais somente o choque ó apresentado: clássico, fuga, esquiva e punição. Imagine um rato
em uma caixa com uma barra, sobre uma grade metálica, através da qual o choque pode ser
apresentado. Os quatro procedimentos diferem somente no efeito da resposta sobre a
apresentação do choque. Durante um condicionamento clássico, uma resposta não tem efeito
algum sobre a apresentação do choque; durante um treino de fuga, uma resposta termina o
choque; durante um condicionamento da esquiva ela adia o choque e durante um procedimento
de punição ela produz o choque. Os procedimentos estão representados nas quatro linhas
indicando a passagem do tempo, sobre as quais os retângulos pretos indicam quando o
choque ocorreu e as pequenas linhas verticais indicam quando as respostas efetivas ocorreram.
Outras respostas, as quais não tiveram efeito algum sobre o choque, não são mostradas.
Proeedinientos de Co n d icio n am en to A versivo En v o lv e n d o
K stím ulo e C h o qu e
[ = □ l.sliinulti
m rituelle
Procedim ento lile ilo da Kcsposla I Kctposlu

( 'l á t l i c n

lujlil Ic rm in u o c h o q u e c
te rm in n o e s tím u lo

Lsquiva Atr.iNH u c Ih h | uc e
tc n n in n o e s tim u lo

Punição P ro d u z o c h o q u e

Figura 4. Procedimentos de condicionamento aversivo envolvendo um


estimulo, um choque e uma resposta.
A Figura 4 mostra os mesmos quatro procedimentos padrões de condicionamento
aversivo em que ambos, estímulo e choque, são usados. O estímulo está representado
pelos retângulos vazios, o choque pelos retângulos cheios e a resposta efetiva pela pequena
linha vertical. Durante um condicionamento clássico; as respostas não têm efeito sobre o
estímulo; durante um treino de fuga, as respostas desligam o choque e o estímulo; durante
um treino de esquiva, as respostas adiam o choque e desligam o estímulo; e durante um
procedimento de punição, uma resposta liga o choque.
Uma teoria de dois processos de esquiva (e punição) tem sido extensivamente
usada para explicar os resultados gerados por procedimentos envolvendo condicionamento
aversivo. Esta teoria é uma combinação das idéias centrais de Pavlov e Thorndike. Pavlov
enfatizou a contingência do reforçador sobre um estímulo. Este pode ser chamado de
condicionamento Pavfoviano, clássico ou (no caso do choque como reforço) condicionamento
de medo. Em contraste, Thorndike enfatizou a contingência do reforço sobre uma resposta.
Este pode ser chamado de condicionamento Thorndikiano, instrumental ou operante. As
idéias sobre os dois processos foram desenvolvidos por Konorski & Miller (1937), Skinner
(1935), Scholosberg (1937) e Mowrer (1947). Uma revisão definitiva da teoria de
aprendizagem por dois processos foi escrita por Rescorla & Solomon (1967).

Russell M . Church
Fuga C n i c e ly & C lm r c li (1976)

Procedimento: Quatro ratos foram


treinados em um procedimento de fuga em
caixas com barras (Gracely & Church, 1976).
Após um intervalo de 20 seg, um choque foi
apresentado, o qual podia ser interrompido
por uma única resposta de pressào à barra
(ou após 30 seg se nenhuma resposta de
pressão ocorresse). Após o treino inicial de
27 sessões de 2 horas, com choques tanto
de intensidade baixa (choques de 0.25 mA)
como de intensidade alta (0.50 mA), os ratos
foram testados por 16 sessões em um
procedimento no qual blocos de 30 choques
de intensidade baixa foram alternados com
blocos de 30 choques de intensidade alta.
Resultados: A figura 5 mostra o
ajuste da iatôncia da resposta durante estes
blocos de 30 tentativas. O ajuste foi rápido
para os choques de intensidade alta e mais
gradual para os choques de intensidade baixa.
Figura 5. Fuga. Média geométrica da latência
Explicação: Um modelo operador de fuga de quatro ratos dentro dos blocos de
linear simples (Bush & Mosteller, 1955) 30 tentativas de intensidade alta e intensidade
forneceu uma boa descrição do ajuste da baixa. (Extraído de Graceley & Church, 1976.)
latência. Um único choque de intensidade
alta gerou aproximadamente um ajuste de 87% e um único choque de intensidade baixa
gerou um ajuste de aproximadamente 10%.

Aprendizagem de esquiva
C hurch, Hrush, & Solomon (1956)

1
u
©
s
£

Figura 6. Esquiva Painel da esquerda: tentativa média do último choque, uma medida de taxa de aprendizagem, em
tunçào do intervalo CS-US, em um procedimento de condicionamento atrasado e traço Painel da direita' latência
média do critério de 5 respostas, em função do intervalo CS-US, em um procedimento de condicionamento
atrasado e traço (Extraído de Church, Brush & Solomon, 1956.)

Sobrr Comport.im cnfo c Coqniçilo 25 7


Procedimento: Vinte e um cachorros foram treinados em um procedimento de esquiva
em uma caixa com compartimentos (Church, Brush & Solomon, 1956). Eles foram divididos
de forma aleatória em três grupos e cada um teve um intervalo de 5 seg, 10 seg ou 20 seg
entre o estimulo condicionado e o estímulo incondicionado (o intervalo CS-US). Após um
intervalo variável de 3 minutos em módia, um som era ligado. No procedimento de atraso, se
o cachorro pulasse sobre a barreira que separava os dois compartimentos da caixa, dentro
do intervalo CS-US, o som era desligado e o choque não era apresentado (esta resposta era
chamada de "esquiva"). Se o cachorro não pulasse sobre a barreira antes do final do intervalo
CS-US, o som continuava ligado e o choque era apresentado; e quando o cachorro pulava
sobre a barreira, o som e o choque eram terminados (esta resposta era chamada de ‘ fuga’’).
O procedimento de traço era semelhante, com a exceção de que o estímulo era apresentado
somente por 2 seg e não era terminado por uma resposta.
Resultados: O painel da esquerda da Figura 6 mostra uma diferença grande entre
os procedimentos de atraso e traço. A velocidade de aprendizagem (a média da tentativa
em que o último choque ocorreu) foi inversamente relacionada ao intervalo entre o estímulo
som (CS) e o choque elétrico (US) na condição de atraso, mas relativamente constante na
condição traço.
O painel da direita, no entanto, mostra uma notável semelhança entre os procedimentos
de atrasado e traço. A latência módia de resposta teve aproximadamente a mesma função
linear do intervalo CS-US para ambos os procedimentos de atraso e traço. Os cachorros
pularam sobre a barreira aproximadamente na metade do intervalo entre o som e o choque.
Explicação: Explicamos estes resultados em termos da teoria dos dois processos
de aprendizagem de esquiva. O processo de condicionamento clássico era responsável
pelo desenvolvimento de medo do som e os processos de treino operante (instrumental)
foram responsáveis pelo desenvolvimento das respostas de fuga (com reforçamento pelo
término do choque) e respostas de esquiva (pela redução do medo). Este argumento
lógico foi elaborado em três páginas. Ainda acho difícil entender o que nós escrevemos e
não sei se o argumento forneceu ou não uma explicação do que foi observado ou nos
forneceu uma base para a previsão de novos resultados.
Um aspecto importante deste experimento foi que procedimentos de
condicionamento afetam ambos, probabilidade de resposta e o período em que a resposta
ocorre; outro aspecto importante foi que procedimentos de condicionamento muitas vezes
envolvem a aprendizagem de múltiplos intervalos de tempo, tais como o intervalo da
apresentação do estímulo ao reforço, do estímulo à resposta e da resposta ao reforço.
Procedimento: Em um procedimento de fuga não sinalizada de Sidman, três ratos
foram treinados sob condições que atrasaram o início da apresentação do próximo choque
por 10, 20 ou 40 seg (Libby & Church, 1974).
Resultados: A Figura 7 mostra a probabilidade de uma resposta em função do
tempo a partir da resposta anterior. É uma função crescente na qual o crescimento foi
maior para os intervalos mais curtos do que para os intervalos mais longos.
Quando os mesmos dados são mostrados como taxa relativa de respostas em
função da proporção do intervalo, as funções para os intervalos de 10 seg, 20 seg e 40 seg
foram aproximadamente semelhantes.
Explicação: Isto forneceu mais evidências de que os princípios básicos da teoria
de discriminação temporal escalar, desenvolvida por Gibbon (1971), são aplicáveis à
aprendizagem de esquiva.

Russell M . Church
Libby & < lin rc li (t<>74>

Figura 7 Esquiva Probabilidade condicional de uma resposta (por segundo) dada uma
oportunidade para resposta, em função do tempo desde a resposta anterior Os dados são
mostrados para cada um dos trés sujeitos e para a média dos trôs sujeitos nos intervalos de 10,
20 e 40 seg entre a resposta e o choque (Extraído de Libby 8. Church, 1974 )

U bbv & C h u rc h (1974)

Figura 8 Esquiva. Taxa de respostas relativa á taxa de respostas máxima dos sujeitos, em
funçáo da proporçáo do intervalo desde a emissão da resposta até o choque. Os pontos
Indicam a média e as linhas indicam a dispersão dos três sujeitos. (Extraído de Libby & Church,
1974.)

Sobrr Comportamento c Cofjniçâo 259


Punição
Como vimos anteriormente, a punição pode ser considerada o oposto da fuga. Em
um procedimento de fuga, uma resposta desliga o choque; em um procedimento de punição,
uma resposta liga o choque. Alóm disso, a punição pode ser considerada como sendo o
oposto da esquiva. Em um procedimento de esquiva, uma resposta pode evitar ou pospor
a apresentação de um choque (ou outro estímulo aversivo); em um procedimento de punição,
a resposta pode reduzir o período até o choque subseqüente (ou outro estímulo aversivo).
Uma revisão da literatura experimental relevante enfatizou os vários efeitos da punição no
comportamento (Church, 1963).

Hoe & Oiurcl» (1967)

Figura 9 Punição. Porcentagem


média cum ulativa de respostas
durante extinção. A punição foi
co n tin g e n te A pressSo à barra
durante os minutos 5 a 20 da primeira
sessão de extinção (rotulada P).
(Extraido de Boe & Church, 1967.)
ScmtAe* th* K u in o l»
Baseado nos resultados encontrados por Skinner (1938) de que a punição suprime
comportamento, mas que existe uma recuperação completa quando o comportamento
deixa de ser punido, tornou-se comum acreditar que a punição não funciona. O procedimento
utilizado por Skinner foi treinar um rato em um esquema de reforçamento positivo, introduzir
a punição (uma pancada vinda da barra) no início de um período de extinção e ele observou
que este procedimento não reduziu o número total de respostas à extinção.
Procedimento: Ed Boe e eu usamos um procedimento similar, mas com muitas
intensidades diferentes de punição, variando de um choque brando de 35v, até uma
intensidade bem alta de 220 v (Boe & Church, 1967).
Resultados: Observamos que a intensidade do choque afetou tanto o número de
respostas durante a sessão de 15 min de punição, como o número de respostas durante
as 9 sessões de 60 min de extinção. Um choque bem brando teve um efeito de duração
mínima, mas com um choque de intensidade muito forte, os ratos emitiram uma taxa
muito baixa de respostas, como mostrado na Figura 10.
Existe a possibildade de que a supressão do responder ocorreu devido à
administração do choque e não devido â contingência entre a resposta e o choque. Quando
a comparação entre a punição (choques contingentes às respostas) e choques não
contingentes foi feita, ficou claro que a contingência da resposta foi crítica para a magnitude
da redução do número de respostas durante a extinção. (Ver Figura 10).

Russell M . Church
H w St C liiir r h (1 % ? )

Figura 10. Puniçâo.


Porcentagem módia
cumulativa de respostas
duranto oxtinção. A punição
foi contingente à pressão à
barra durante os minutos 5
a 20 nos primeiros 20 min
de extinção. (Extraído de
Boe & Church, 1967.)

Camp, Raymond, & C lm rcli (1%7)

Figura 11. Punição. Porcentagem


módia de respostas em função das
sessões para os grupos com
atraso da punição de 0.0, 2.0, 7.5 e
30.0 seg, com choque não-
contingento e grupo controle sem
punição. (A ausôncia de resposta
de pressão à barra dentro de 10
sog após o inicio do estimulo foi
definida como nào-resposta.).
(Extraído de Camp, Raymond &
Church, 1967.)

A maioria dos estudos sobre punição diz respeito ao seu efeito no comportamento
mantido por reforço positivo enquanto a administração do reforço está em vigor (em vez de
seus efeitos durante a extinção). Por exemplo, a taxa relativa de respostas é afetada pelo
atraso da punição - o intervalo entre uma resposta e o choque. A Figura 11 mostra os
efeitos dos intervalos de atraso variando entre 0 e 30 seg e um grupo de controle não
contingente, no qual o choque ocorreu independente das respostas (Camp, Raymond &
Church, 1967).

Sobre 1'omport.imcnfo e Coflniçtio 261


< amp, Kiivntorxf, & Clmrvh (l% 7) < Imrch, Kuviuoml, (!%?}

Sv**á<> (k t'uNK'i*! Nv»níU*


Figura 12. Punição. Razão de suprossão Figura 13. Punição. Razão de supressão módia
média em função das sessões para os grupos ern função das sossões de treino em punição
com atraso da punição do 0 0 e 30.0 seg em para os grupos com duração da punição de
intensidades de 0.3, 0.5, 2.0 mA o grupo 0.0, 0.15, 0.30, 0.50, 1 0 e 3.0 seg durante o
controle som punição. (Extraido do Camp, Experimento 1. (Extraído de Church, Raymond
Raymond & Church, 1967.) & Beauchamp, 1967.)

A Figura 12 mostra que a razão de supressão módia em função tanto do atraso da


punição (0 versus 30 seg) quanto da
intensidade da punição (.03, .05 e 2.0 mA). < hmvh, Itavinomi, & Hi-uiuhninp ( I
A duração do choque usado em
um procedimento de punição ó também
relevante (Church, Raymond S
Beauchamp, 1967). Com choques que I*..V&0
variavam em durações entre 0.15 seg e
3.0 seg, quanto maior a duração, maior a •""O I.Q

supressão de respostas como mostrado • *St>


na Figura 13.

Figura 14, Punição. Razão de supressão


média durante as 10 sessões de treino
em punição em função do produto da
intensidade (em mA) e duração (em seg)
da punição. (Extraído do Church, Raymond
& Boauchamp, 1967.) luUmuliMl«’ |<m A) V <*H)

Russell M . Church
( liurcli & Raymoml (1%7)

Figura 15. Módia do número do


respostas por minuto em
função das sessões para os
sujeitos experim entais que
receberam punição o sujeitos
controles quo não recoberam
punição durante dois
esquemas de roforçarnonto (VI
1/5 o VI 5). Sessões 1 a 5
consistiram de treino normal,
sessões 6 a 15 consistiram de
troino om punição e sessões 16
a 25 consistiram de extinção
normal. (Extraído de Church &
Raymond, 1967.)

Aparentemente, a eficácia de uma punição está relacionada com o produto de


sua intensidade e duração. A Figura 14 mostra a razão de supressão média em função do
produto da intensidade (em mA) e duração (em segundos) em uma escala logarítimica. A
função ó muito próxima a uma função linear.
Na Figura 15, podemos observar que a taxa de respostas não só foi função das
condições de punição, mas também das condições de reforçamento positivo (Church &
Raymond, 1967). Respostas de pressão à barra de 24 ratos foram reforçadas em um
esquema de reforçamento de intervalo variável de 5 min; e pressões a barra de outros 24
ratos foram reforçadas em um esquema de reforçamento de intervalo variável de 1/,( de min.
No painel central, podemos observar que a taxa de respostas foi afetada por ambas, as
condições de punição (denominada "Expt”) e as condições de reforçamento.
Vocês devem ter notado que eu descrevi procedimentos e resultados destas
pesquisas de punição, mas não descrevi nada relativo à explicação. Tipicamente não
havia explicação alguma, ou meramente uma redescrição das observações de uma forma
generalizada (Church, 1964). Em uma revisão de uma aplicação para o financiamento de
projetos de pesquisa, a comissão concluiu que eu havia promovido uma importante
contribuição empírica para o estudo de punição, mas que minhas contribuições teóricas
foram mínimas. Eu coloquei esta crítica em um painel em minha sala de trabalho e a usei
como motivação.

Sobre (.'omportiim ento e Cofluiv.lo 2 6 3


Contingência da Resposta

( 'l iu r c l i, W o o te n , & M a M liew s ( 14>(»7)

I’ulllV.Vl c A Mcs^vwa t iMtdKX>4Vukl

£
í
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a
O.
■r.
Figura 16. Punição e condicionamento
clássico. Razão de supressão média
em função das sessões nas
condições de punição discriminativa
s

(PUN) e resposta emocional


3
condicionada (CER). (Extraído de
Church, Wooten & Matthews, 1970.)

Procedimento: Respostas de pressão à barra de 30 ratos foram reforçadas em um


esquema de reforçamento variável randomizado de 1 min, quando então, os ratos foram
divididos aleatoriamente em dois grupos de 15 ratos para comparar o efeito de dois métodos
de supressão de respostas: procedimento de condicionamento de resposta emocional
(CER) e um procedimento de punição discriminativa (PUN) (Church, Wooten & Matthews,
1970). Em ambos os procedimentos, havia dois estímulos de 3 min de duração e o choque
foi programado segundo um esquema de intervalo randomizado de 1 min. No procedimento
CER, o choque foi administrado segundo o que foi programado: no procedimento de PUN,
o choque foi administrado logo após a primeira resposta de pressão à barra após o choque
estar programado.
Resultados: A figura 16 mostra que a razão de supressão média da condição de
PUN foi menor do que a condição CER.
Church(1964)

Raapoata do
Sujalto
Experimental
Caao Experimental Control»

Eficaz Eflcu
Raapoata do
Sujalto Eflcai
Control« Ineficaz Eflcu

Figura 17 Contingência da resposta Representação esquemática do delineamento de controle pareado.


Embora tanto os sujeitos experimentais, como os de controle, tivessem recebido o mesmo número e a
mesma distribuição temporal de eventos, somente os sujeitos experimentais produ/iam os eventos. Assume-
se que qualquer diferença entre os comportamentos dos sujeitos experimentais e de controle ó resultado
desta diferença (Extraído de Church, 1964 )

264 Russell M . Church


Explicação: Nas duas condições a contingência do estímulo com o choque estava
presente. No entanto, na condição de PUN também havia a contingência da resposta
com choque. Esta contingência adicional foi, sem dúvida, responsável pela maior supressão
observada na condição de PUN.
Para igualar o número de estímulos aversivos e os momentos em que eles ocorrem,
muitos investigadores têm usado um delineamento de controle pareado (yoked) ilustrado
na figura. Por exemplo, quando uma resposta do sujeito experimental em uma condição
de punição é seguida pelo choque, um choque deve também ser administrado para o
sujeito de controle pareado (yoked). Assim como eu tentei demonstrar em um artigo na
revista Psychological Bulletin (Church, 1964) e em outros artigos em uma taxa de
aproximadamente um por década (Church & Lerner, 1976; Church, 1989), este é um
delineamento experimental com falhas sérias.
A tabela mostra a base para a falha - diferenças individuais na eficácia do choque
produzem diferenças sistemáticas assimétricas entre as condições experimental e de
controle. Até mesmo flutuações na eficácia do choque produziram diferenças assimétricas
entre as condícões exDerimental e de controle.

to

Figura 18. Contingência da resposta.


Probabilidade de que um sujeito no
grupo experimental e seu sujeito
controle pareado nâo estão com
respostas suprimidas em função do
choques sucessivos. A probabilidade
do que qualquer choque produzirá
uma supressão permanente foi
ajustada em 0.5 para ambos os
grupos. (Extraido de Church & Getty,
Mnmvw ilr C 1972.)

Em 1972 já éramos capazes de simular diferenças entre uma condição


experimental e uma condição de controle pareado (yoked) mesmo sem quaisquer diferenças
entre ou intra sujeitos na eficácia do choque, como mostrado na Figura 18 (Church &
Getty, 1972).

Condicionamento Clássico
Três ratos foram treinados a pressionar a barra em um esquema de reforçamento
com intervalo randomizado de 1-min (LaBarbera & Church, 1974). Em seguida, choques
foram administrados em intervalos fixos de 1 min ou 2 min. Observamos que a taxa de
respostas média foi reduzida em função da proporção do intervalo e que esta função foi a

Sobre Comportamento e CoflnlvJo 265


LaB arlnm & Church (1974)

h ill'm ill» ÍVjM ^ClM MpH*


Figura 19. Clássico. Taxa de resposta módia de cada um dos três sujoitos om função da
ptoporçào do intervalo fixo entre choques sucessivos. Painéis da esquerda: o intorvalo ontro
choques foi fixo de 1 min ou 2 min. Painéis da direita: os intervalos ontre choques foram
randomizados com uma módia de 1 min. (Extraído de LaBarbora & Church, 1974.)

mesma para os intervalos de 1 ou 2 minutos. Os painéis da esquerda da Figura 19 mostram


as funções para os três ratos.
Quando os choques foram
I ililn & ( administrados em intervalos randomizados
com tempo módio de 1 minuto, a taxa
média de respostas foi relativamente
constante em função do intervalo desde o
choque anterior, como mostrado nos
painéis da direita na Figura 19. Isto sugere
que um esquema objetivamente
randomizado de choques ó percebido
como aleatório.

Figura 20. Clássico. Razão módia de medo


om função do tempo após o início do
estímulo para os grupos com duração fixa
do ostímulo de 1 min. (Extraído de Libby &
Church, 1975.)

^66 Russell M . Church


Procedimento: Em um procedimento de resposta emocional condicional, uma
resposta de pressão à barra foi reforçada em um esquema de reforçamento de intervalo
randomizado de 1 min (Libby & Church, 1975). Após um intervalo médio de cerca de 4 min,
uma luz foi apresentada por 1 min. Para metade dos ratos um choque breve foi administrado
ao final do período com luz e para a outra metade, o choque ocorreu em intervalos aleatórios
durante a luz, a uma taxa média de 1 por minuto.
Resultados: A Figura 20 mostra a razão de medo em função do período desde o
inicio do estímulo. Com a apresentação do choque ao final do período de luz, o medo
cresceu em função do tempo desde o início do estímulo (círculos cheios); com a ocorrência
do choque em intervalos aleatórios durante o período de luz, o medo decresceu em função
do período desde o início do estímulo (círculos vazios).
Explicação: Porque o medo foi reduzido quando o choque foi administrado de
forma randomizada? A explicação mais aceita era de que a magnitude da resposta emocional
condicionada estava relacionada com a probabilidade instantânea de um choque. Este
experimento sugere, por outro lado, que a magnitude da resposta emocional condicionada
está relacionada com a expectativa do período até o próximo choque.

( Itiirch & Black (1958)

TcittativM»

Figura 21. Clássico. Painol da osquorda - condicionamonto e oxtinção da taxa dü batimonto


cardíaco dos ratos: aumento módio da taxa do batimonto cardíaco orn função das tontativas do
treino e oxtinção. Painol da direita • inibição por atraso: taxa de batimonto cardíaco instantânea
(intervalo ontre batimentos) em função do tompo para a primoira tentativa do oxtinção de um
cachorro representativo treinado om intervalo um CS-US do 5 seg o para um cachorro
ropresentativo treinado om um intervalo CS-US do 20 sog. (Extraído do Church & Block, 1958.)

Sol>re e Co#nlvJ» 267


Procedimento: Durante o condicionamento clássico de batimento cardíaco, 28
cachorros foram treinados com um intervalo de 5 seg ou 20 seg entre um som e um
choque (Church & Black, 1958).
Resultados'O painél da esquerda da Figura 21 mostra a magnitude do aumento
da taxa cardíaca em funçào das tentativas de treinamento e extinção. Os painéis da
direita mostram o intervalo entre batimentos cardíacos em função do número de segundos
após o início do estímulo para um cachorro representativo com o intervalo de 5 seg entre
estímulo e choque (painel superior) e com o intervalo de 20 seg (painel inferior) durante
extinção. Note que o intervalo mínimo entre batimentos cardíacos ocorreu muito mais
cedo para o cachorro treinado no intervalo de 5 seg entre o estímulo e o choque do que
para o cachorro trainado no intervalo de 20 seg.
Explicação: O princípio de inibição de atraso em condicionamento clássico pode
ser usado para explicar estes resultados (Pavlov, 1927).

Escolha
Dclul) & Church (1978)

Figura 22. Escolha. Tempo relativo gasto


no Componente 1 em função do número
relativo de punições recebidas no
Componente 2. A diagonal indica
emparelhamento (matching) perfeito; a
linha pontilhada é a linha de regressão
que minimiza a soma dos quadrados.

pt +p,

Procedimento: Três ratos foram introduzidos em uma caixa na qual uma pressão à
barra alternava o estado de um som entre ligado e desligado. Uma taxa randomizada de choques
nos dois estados poderia ser de 0,0.25,0.50 ou 2 por minuto (Deluty & Church, 1978).
Resultados: A Figura 22 mostra o tempo gasto em cada um dos estados em
função da proporção de choques recebidos em cada estado. Este fato é bem caracterizado
por uma função linear com uma inclinação de aproximadamente 1.0.
Explicação: Os resultados deste experimento podem ser descritos pelo princípio
da lei do emparelhamento (matching law) em condicionamento instrumental e pode ser
explicado pela escolha da alternativa que minimiza o período de expectativa para a
ocorrência do choque.

268 Russell M . Church


Conclusões

Concluirei com uma breve revisão do que se sabia a respeito dos efeitos da punição
sobre o comportamento em meados de 1970. Todos os procedimentos padrões para o
estudo da punição e de condicionamento aversivo haviam sido desenvolvidos. Os
procedimentos de fuga, esquiva, punição e condicionamento clássico haviam todos sido
reconhecidos com sendo variações das contingências entre estímulos, resposta e choques.
O equipamento padrão para o estudo da punição e de outros procedimentos de
condicionamento aversivo havia sido desenvolvido. Havia dois tipos, a caixa com barras
para pressão e a caixa com compartimentos e barreiras. Muitos dos determinantes
importantes dos efeitos da punição e outros procedimentos de condicionamento aversivo
eram conhecidos. Entre estes, a intensidade e duração do choque, o esquema de
reforçamento positivo, as relações temporais entre o estímulo e o choque e a contingência
da resposta e o choque.
As relações funcionais entre os níveis destes fatores e o comportamento foram
descritas e duas conclusões gerais emergiram: os resultados de punição, fuga, esquiva e
condicionamento clássico foram relacionados, e o condicionamento aversivo afeta tanto o
comportamento que é emitido, como quando o comportamento é emitido. Isto sugere que
existem importantes interrelações entre condicionamento e discriminação de quando
responder (timing).
As explicações dos efeitos da punição e outros procedimentos de condicionamento
aversivo, não foram bem desenvolvidas em meados de 1970. Os quatro tipos mais influentes
de explicação foram (a) a teoria de dois processos de aprendizagem aversiva, (b) modelos
com operador linear (Bush & Mosteller, 1955), (c) princípios gerais de aprendizagem e (d)
uma re-descrição dos resultados em termos mais abstratos. O valor explicativo de cada
uma delas foi limitado e não houve nenhuma teoria de processo quantitativo em punição.
Escrevi um capítulo sobre comportamento aversivo (Church, 1971) que terminou
com uma sessão final de alguns pré-requisitos para uma teoria geral sobre o comportamento
aversivo e algumas especulações de como tal teoria poderia evoluir. Estava claro naquela
época que haveria uma crescente integração entre estudos de aprendizagem clássica e
instrumental; entre estudos de esquiva, punição e fuga; e entre estudos de reforçamento
positivo e negativo. Tudo isso ocorreu.
As predições de que uma teoria biológica da aprendizagem aversiva seria
desenvolvida ainda não foi realizada. No entanto, baseado nos grandes avanços do
conhecimento das bases biológicas do comportamento aversivo (neuroanatomia,
neurofisiologia, psicofarmacologia e genética comportamental), os alicerces para o
desenvolvimento de uma teoria biológica da aprendizagem aversiva estão presentes para
tal empreendimento.
As predições de que teorias quantitativas da aprendizagem aversiva seriam
desenvolvidas também não foram ainda realizadas, mas há fortes razões para acreditar que
as mesmas teorias quantitativas que estão sendo desenvolvidas para o condicionamento
usando comida como reforço também se aplicariam. Uma rigorosa aplicação de modelos,
tais como teoria de condicionamento e de discriminação temporal baseados no responder
em pacotes (packet theory of timing and conditioning) exigirá que os investigadores coletem
e arquivem os dados originais contendo dados sobre quando os estímulos, as respostas e
os reforços ocorrem.

Sobre Comportamento e Coftnffilo


Referências

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Sobre (,‘omporl.imeiito e Cotfnlv'ilo 271


....... Capítulo 25

Suicídio: Investigação das respostas


de policiais que trabalham com
situações de risco
Stindm Li\i/ Ciildis 1
M.iki/im Nunca KipftW

N<incy /u/ícfii /mn cnte'

O suicídio costuma ser definido como o ato de por termo à própria vida e está
presente em toda a sociedade humana. Banaco (2001) alerta para as funções que uma
resposta suicida pode ter: desde a busca de reforçadores ou esquiva de punições quando
da tentativa simulada, passando pela ideação suicida que pode fazer parte de alguns
transtornos psiquiátricos até as respostas que efetivamente podem promover a morte do
indivíduo. Sidman (1995) considera que o suicídio pode ser uma resposta de esquiva ou
fuga de situações aversivas. É um fenômeno que possui inúmeras interpretações e suas
causas podem estar relacionadas a fatores genéticos, sociais, psicológicos, culturais
podendo estar associado à depressão ou outros transtornos mentais graves, combinados
com o abuso de drogas ou álcool (Baptista, 2004). No entanto, não é adequado pensar
que o suicídio sempre estará associado a um transtorno mental, já que tal fenômeno,
como visto anteriormente pode ser considerado como fuga de uma situação insuportável
para o indivíduo. É muitas vezes uma solução para um problema que a pessoa considera

'Doutora um Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PucCampInas); Docente da


Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Bauru/SP. Endereço - Av Edmundo Carrijo Coube s/n° - Vargem
Limpa -Bauru - CEP 17 083-300, e.mall: scalais@fc.unesp br

3 Doutor pelo Departamento de Psiquiatria e Psicologia da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP); Docente e
Pesquisador do Programa de Pós-Graduaçào Stricto-Sensu em Psicologia da Universidade sào Francisco
(USF) — Itatiba/SP Endereço -R u a D r MiguelPlerro,61 - CidadeUniversitáriaII- Campinas-C E P 13083-300,
e.mail makilim baptlsta@saofrancisco edu.br.

3Doutora em Saúde Mental pela Unicamp, docente da UNITAU, e-mail: nancyinnocente@dlrect.net corn br

Agradecemos a colaboração dos alunos Nabil Sleimnn Almeida Ali e Rafael Silva Martins Silveira (Unesp- Bauru)

Sandra l eal Calais, M a k ilim N unes Baptista, N a n c y Julicta Inoccnlc


intransponível, como o isolamento social, as dolorosas injustiças relacionadas a perdas
emocionais, materiais e de outras naturezas, ingratidões, maus tratos, violências de vários
níveis, situações altamente traumatizantes que provocam depressão profunda, uma doença
física grave, o desemprego, o envelhecimento que não se aceita.
A probabilidade de tentativa de suicídio é aumentada em pessoas com distúrbios
psiquiátricos como transtornos afetivos, transtorno bipolar, distúrbios de personalidade
anti-social, distúrbio de personalidade esquizóide, transtorno do stress pós-traumático
(Amir, Kaplan, Efroni e Kotler.1999; Hardan e Sahl, 1999; Mazza e Reynolds, 1999).
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (2001), as taxas de suicídio
são elevadas em todo o mundo, com uma incidência anual de cerca de um milhão de
pessoas e com taxas de tentativa de suicídio, no mínimo, 15 vezes maiores. O suicídio
ocorre quatro vezes mais freqüentemente em homens que em mulheres, apresentando
ampla variação de acordo com o grupo ótnico e a região (Vansan, 1999; Silva, Silva, Silva,
Silva e Silva, 1999). Entretanto, as mulheres tentam mais se suicidar, quando comparadas
com os homens, sendo que os últimos, por utilizarem também métodos mais violentos,
conseguem mais o objetivo pretendido.
O risco de suicídio em idosos está bastante presente e pode estar relacionado
com outras doenças. Em um estudo sobre tentativa de suicídio foi encontrado associado
o diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior, além de fatores psicossociais como doença
grave e morte de alguém próximo. O método mais escolhido, segundo o mesmo estudo,
foi o de ingestão de substâncias (Abreu, 2001).
O suicídio pode ser constatado em diferentes faixas etárias, associado a diversos
fatores de risco e executado em situações adversas, além do que diferentes profissionais
atuam diretamente com pessoas que possuem ideação ou mesmo estão passando por
um episódio de crise com tentativa de suicídio. Profissionais como psicólogos, médicos
(mais especificamente psiquiatras) e aqueles que atuam lidando com emergências, como
por exemplo, os policiais militares bombeiros, estão mais sujeitos a se depararem com
situações de suícídío.

Atendimentos de Emergência a Tentativas de Suicídio


Dentre os profissionais que lidam com o suicídio, destaca-se a atuação dos policiais
militares bombeiros. O Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo foi
criado oficialmente em 10 de Março de 1880 e o Sistema de Resgate passou a existir
através da Resolução conjunta entre SS/SSP n° 42, de 22 de maio de 1989 e foi consolidado
pelo Decreto-lei Estadual n° 38432, de 10 de março de 1994.0 Corpo de Bombeiros atua
em diferentes áreas como incêndios, salvamentos, resgates e atividades prevencionistas
sendo que a sua missão é a de preservar a vida, o meio ambiente e o patrimônio, nessa
ordem (Caiais, 2002).
Esses policiais militares bombeiros freqüentemente lidam com ocorrências de
suicídio, na maioria das vezes seguindo o protocolo da corporação para esse tipo de
ocorrência. A instrumentalização desses profissionais deveria, assim, contemplar o máximo
de informações sobre essa temática como as causas psicossociais, orgânicas, culturais
e de outras naturezas com a finalidade de aumentar os resultados positivos nas intervenções
com indivíduos suicidas.

Sobre C om portam ento e Cofliiivilo 2 7 3


0 curso de formação para policiais militares bombeiros oferece treinamentos para
intervenção em situações de risco e dentre elas estão as intervenções em ocorrências de
suicídio. O modo como atuar diante do suicida iminente passa por um protocolo com
instruções, além dos procedimentos de bom-senso adotados pelo bombeiro ou outro
profissional que se encontre mais próximo do indivíduo. Também há um manual do
participante do Curso de Resgate e Emergências Módicas do Corpo de Bombeiros da
Polícia Militar do Estado de São Paulo que todos os bombeiros recebem neste Curso de
Especialização. No uso diário, há instruções básicas no Procedimento Operacional Padrão
(POP) e que servem para consulta rápida. À época deste trabalho (2004), elas eram:
Chegar ao local da ocorrência de forma discreta, com sirenes desligadas e sem criar
tumultos;
Estudar inicialmente o local, verificando riscos potenciais para a equipe de resgate e
para a vítima, neutralizando-os ou minimizando-os;
Isolar o local, impedindo aproximação de curiosos;
Verificar necessidade de apoio material e/ou pessoal e comunicar o Centro de
Operações;
O contato com a vítima deverá ser efetuado por apenas um integrante da equipe, a
fim de estabelecer uma relação de confiança e os outros permanecem à distância
sem interferir no diálogo;
Manter imediatamente diálogo com a vítima, mostrando-se calmo e seguro, procurando
conquistar sua confiança;
Deixara vítima falar;
Manter observação constante da vítima e não deixá-la sozinha por nenhum instante
até o término do atendimento;
Conversar com a vítima de forma pausada, firme, clara, e num tom de voz adequado
à situação;
Não assumir qualquer atitude hostil para com a vítima;
Procurar descobrir qual o principal motivo de sua atitude;
Procurar obter informações sobre seus antecedentes;
Iniciar o trabalho no sentido de dissuadi-la, após ter conquistado sua confiança,
sempre oferecendo segurança e proteção;
Continuar tratando-a com respeito e consideração, conduzindo-a para o hospital.

Nesta situação, os policiais militares bombeiros podem apresentar comportamentos


ansiosos devido ao fato da situação de crise gerar uma forte condição de stress naqueles
que têm por missão preservar vidas. Ocorrências de suicídio costumam desencadear em
alguns integrantes do Corpo de Bombeiros algumas frustrações no sentido de nem sempre
se perceberem preparados psicologicamente para tal desempenho, além do resultado da
operação algumas vezes não ser favorável (Violant, 1999).
Em eventos imprevisíveis e incontroláveis, como as ocorrências envolvendo
suicidas, podem-se diminuir as condições geradoras de ansiedade e desamparo fornecendo
aos profissionais informações sobre agentes que estejam relacionados com a redução ou
eliminação das situações hostis.

Sumira l.cal Calais, Makilim Nunes Hapfista, Nancy lulieta Inocento


Estudo de Levantamento sobre a Percepção de Policiais Militares
Bombeiros em Casos de Tentativas e Suicídios
A partir deste ponto, serão apresentados alguns resultados de uma pesquisa com
delineamento de levantamento. Pretendeu-se, com este trabalho, investigar-se a forma
como os policiais militares bombeiros percebiam o suicidio através da aplicação do um
questionário com perguntas semi-abertas e com alternativas. Este instrumento questionava
os sentimentos e interpretações sobre causas do suicídio, forma de atuaçào na ocorrência
e reações posteriores a situações bem ou mal resolvidas. Após a aplicação foi feita a
categorizaçâo das questões fechadas e análise de conteúdo das abertas.
Almejando maior fidedignidade, um pequeno grupo de bombeiros escolhidos
aleatoriamente (10 indivíduos) participou do projeto-piloto a fim de se corrigir eventuais
distorções de significado, antes da utilização do questionário para o grupo todo composto
de 70 participantes. O trabalho foi executado dentro da própria corporação, em horário de
serviço e todos os cuidados éticos foram tomados, cumprindo a regulamentação que rege
os trabalhos e pesquisas com seres humanos: Resolução 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde e a Resolução CFP 016/2000 de 20 de dezembro de 2000.
Este Grupamento de Bombeiros localiza-se no interior do estado de São Paulo e
agrega 84 municípios. No ano de 2003 seu telefone de emergência (193) recebeu 148
chamadas sobre suicídio sendo que 116 foram atendidas (a diferença fica por conta dos
trotes ou vítimas fatais que foram encaminhadas para outros órgãos ou que foram socorridas
por civis). O resultado dessas ocorrências foi de 35 vítimas ilesas, 71 feridas e 10 fatais.
O questionário abrangeu perguntas com alternativas que justificavam razões
interpessoais, pessoais, materiais, sociais, religiosas e psicobiológicas a fim de identificar
como os bombeiros avaliavam as razões suicidas e foi aplicado a 70 policiais militares -
bombeiros. Na parte do questionário em que era feita uma auto-avaliação da atuação, as
questões permitiam evidenciar se a resposta estava voltada para o comportamento
profissional, se era uma respota emocional, se indicava uma reflexão sobre sua atuação
ou sobre seu sentimento ou ainda se ela evidenciava a esquiva das emoções.
O questionário padrão utilizado na pesquisa ó especificado logo a seguir, a fim de
fornecer ao leitor uma maior possibilidade de compreender o objetivo do estudo.

Questionário sobre intervenção no suicídio


1 .0 que leva uma pessoa a cometer o suicídio?
a) Problemas de relacionamento
b) Dificuldades pessoais
c) Falta de dinheiro
d) Injustiça social
e) Falta de fé
0 Desequilíbrio orgânico / emocional
9) Todas as alternativas
2 .0 que você pensa sobre o indivíduo suicida?
a)lndivíduo decepcionado com as pessoas ao seu redor
b)Pessoa que está com problemas financeiros

Sobre Comportamento c Cngni(<lo 275


c)Pessoa que precisa de ajuda espiritual
d)Pessoa que quer chamar a atenção
e)Vltima da sociedade
f)Pessoa doente
g)Todas as alternativas
3 .0 que você faz diante da situação de suicídio?
a)0 que o manual manda
b)0 que sinto ser importante no momento
c)Procuro não me envolver emocionalmente na situação
d)Penso o que outro bombeiro faria no meu lugar
4.0 que você sente quando vai atender a um suicídio?
a)Fico tranqüilo
b)Fico nervoso
c)Penso como vai ser a minha atuação
d)Procuro pensar somente no POP
e)Procuro pensar em outras coisas
f)Outra resposta
5.Durante a intervenção você se sente
a)Alterado
b)Calmo
c)Apenas faço o meu trabalho de acordo com o POP
d)Ansioso por terminar
e)Procuro entender a vítima e depois agir, pois elas não são todas iguais
f)Outra resposta
6.Como você se sente depois da intervenção quando o resultado não foi positivo?
a)Frustrado
b)Tranqüilo
c)Não penso na ocorrência depois que passou
d)Tento perceber como poderia ter atuado de outra forma
e)Não sinto como fracasso pois agi conforme o POP
f)Outra resposta
7.E em caso de sucesso?
a)Sinto-me bem
b)Analiso a minha atuação
c) Indiferente
d)Apenas fiz o meu trabalho
e)Outra resposta
8.Lidar com situações suicidas provoca prejuízos emocionais/sociais de outra
natureza? Quais?

Sandra Leal Calais, M d k ilim Nunes Baptista, N a n c y lulieta Inocente


9.Vocô acha que possui habilidades/instrumentos para enfrentar esta situação?
Quais?
10.Quais condições poderiam ser melhoradas para os bombeiros lidarem com o
suicídio?

Resultados
As porcentagens expressas nos próximos parágrafos referem-se à freqüência de
respostas, pois os participantes podiam responder a mais de um item da questão.
Quanto às causas do suic/dio (questão 1) 47% atribuíam à injustiça social,
problemas de relacionamento, dificuldades pessoais, falta de dinheiro, desequilíbrio
orgânico/emocional; 17%, só a desequilíbrio.
A forma como encaravam o suicida (questão 2): 31% alguém com problemas
financeiros, que quer chamar a atenção, que precisa de ajuda espiritual, que é doente, que
está decepcionado com o mundo; 20%, um doente e 20%, problemas com falta de dinheiro.
Quanto ao seu comportamento na ocorrência (questão 3), 49% relatavam fazer o
que sentiam ser importante; 39% procuravam não se envolver e 11 % se preocupavam em
seguir o POP.
Ao se encaminharem para a ocorrência (questão 4), 49% relatavam tranqüilidade
e 32% pensavam na atuação. Enquanto que durante a ocorrência (questão 5), 48%
relatavam que procuravam entender a vítima para agir e 32% ficavam calmos.
Ao serem questionados sobre seu sentimento (questão 6) quando havia fracasso
na ocorrência (a vítima conseguia seu intento) 47% pensavam se poderiam ter atuado de
outra forma. No caso de sucesso da ocorrência (questão 7) 53% sentiam-se bem e 35%
analisavam seu desempenho.
Quanto às questões 8,9 e 10,70% acreditavam que necessitam de orientação ou
a presença de psicólogo na ocorrência, 22% achavam não possuir habilidade/instrumento
para lidar com a situação e 52% acusavam prejuízos emocionais como frustração, desgaste,
tristeza, perda de sono, revolta e stress.
Nestes resultados, o que chamou a atenção foi o fato de somente 11 % do grupo
reportarem-se ao manual como instrução para atuação. O POP de atuação dos bombeiros
em suicídio ó um manual de consulta rápida pois resume passo a passo a execução de
procedimentos ou atividades, frente a uma emergência, uma vez que há outros textos bem
mais amplos que são ministrados nos cursos (protocolos, que são uma coletânea de
POPs). No entanto, a ocorrência de suicídio, além de bastante complexa, está sujeita a
muitas variáveis que não estão sob controle dos policiais. Além do mais, o fato de se
tentar negociar com um suicida e este não responder à negociação pode trazer grande
inquietação para o profissional, que passa a julgar que seu conhecimento não é o suficiente
para a atuação, mesmo que a estatística de resultados negativos seja baixa.
Desta forma, programa-se uma nova etapa a partir desses resultados quando,
então, serão feitas palestras e discussões sobre o tema com o grupo e será montado um
folder com informações sobre suicídio, dicas sobre atuação na ocorrência, enfrentamento
das frustrações e manejo da situação de crise. Esse folheto será distribuído e discutido
com os vários grupos.
O objetivo será oferecer informações mais científicas da atuação junto a suicidas
para que esses profissionais que atuam diretamente com a problemática do suicídio se

Sobro Comportamento e CoriiIç.Io 277


sintam mais seguros neste tipo de ocorrência. Procurando-se aumentar o repertório de
informações, objetiva-se também minimizar os eventos estressores presentes nessas
ocorrências trabalhando junto a estes profissionais a manifestação de comportamentos
de ansiedade, depressão ou sentimentos de angústia ou fracasso em caso de insucesso
na atuação com suicidas.
Ao final do trabalho, se reavaliará, então, a mudança de percepção dos participantes,
através da reaplicação do questionário inicial e as mudanças de comportamento serão
analisadas quantitativa e qualitativamente.
Trabalhos de campo devem ser mais estimulados para que se tenha o retrato real
das situações laborais geradoras de stress. O psicólogo pode, neste sentido, auxiliaras
corporações a desempenharem seu trabalho de forma a diminuir situações de risco para
os próprios profissionais e aumentar a eficácia em atendimentos de rotina destas profissões,
já que o profissional de Psicologia possui conhecimentos teórico/prático capazes de
fornecer, implementar, discutir e gerar, em conjunto, conhecimento de aplicação.

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Sandra Leal Calais, Makilim Nunes Haplisla, Nancy lulicta Inocenlc


Capítulo 26

Educação, Ensino e formação de


professores: contribuições da Análise
do Comportamento.
Strgio P/as Ctrino*

Skinner, como bem se sabe, se aventurou na reflexão sobre os mais diversos


assuntos humanos. Assim, religião, cultura, economia educação e outros temas tiveram
lugar nos seus escritos. No campo da educação, fez significativas contribuições e em vários
dos seus livros há reflexões sobre a escola, o ensino e a aprendizagem. Em Ciência e
Comportamento humano, de 1953, por exemplo, a Educação é abordada quando ele trata
das agências controladoras. Naquele texto Skinner enfatiza que a Educação deve se ocupar
do estabelecimento de comportamentos que serão vantajosos para o indivíduo e para o
grupo num tempo futuro. A idéia básica ó preparar o sujeito para situações que ainda não
surgiram. Uma intervenção educativa poderia ser considerada efetiva, então, quando
possibilitasse que operantes discriminativos fossem colocados sob controle de estímulos
que possivelmente estariam presentes nessas situações. A leitura do referido texto nos
possibilita considerar a escola, numa perspectiva Skinneriana, como um lugar privilegiado
no qual tais controles seriam estabelecidos. Tal análise também nos permite vislumbrar o
professor como o ator que deve garantir o efetivo estabelecimento desses controles.
Skinner dedicou atenção especial à Educação em um outro texto alguns anos
mais tarde. O seu livro Tecnologia de Ensino, publicado originalmente em Inglês em 1968
e em português em 1972, continua a mesma linha de argumentação apresentada em
1953. Uma de suas principais teses nesse livro é a concepção de ensino como arranjo de

O autor agradece aos colegas Carlos Cançado, Paulo Guerra e Ernandes Guimarães pela leitura atenta de
uma versílo preliminar do presente texto
* Faculdade de Educação da UFMG
N A ; O presente texto foi escrito a partir da fala proferida pelo autor em 2004 no Simpósio Educação efetiva:
formação de professores no XIII Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental e II International
Conférence of the Association for Behavior Analysis, Campinas/Sâo Paulo-Brasil

Sobre Comportamento c Coflnly,lo 279


contingências. Ao longo do texto são feitas reflexões sobre os diversos aspectos envolvidos
em tal arranjo. Skinner argumenta no primeiro capítulo que “Entregue a si mesmo (...) um
estudante aprenderá, mas nem por isso terá sido ensinado. (...) Ensinar é o ato de facilitar
a aprendizagem”.(pág. 4). Assim, a questão do controle ó apresentada de forma mais
detalhada e a escola é apresentada como o lugar, por excelência, no qual se dào aa
contingências de ensino. Como em 1953, ele reafirma o professor como o principal
responsável pelo efetivo arranjo de tais contingências.
É importante que se esclareça que a questão do controle é amplamente discutida
por Skinner. Para ele o controle pode ser encarado como fruto de uma determinação recíproca
entre o sujeito que se comporta e o ambiente no qual tal comportamento se dá. Mais ainda,
ó importante que se ressalte que a questão do controle não repousa sobre o sujeito que
estabelece o controle ou no ambiente no qual tal controle se dará (no caso específico aqui,
do professor e da sala de aula, respectivamente). A questão principal está na função que o
controle terá no estabelecimento das contingências educacionais pretendidas.
Tanto no texto de 1953 como no de 1968, Skinner se opõe veementemente às
concepções educacionais que abordam a aprendizagem como um processo natural e
espontâneo. Ao contrário, segundo o seu ponto de vista, é preciso que se planeje
cuidadosamente uma situação de aprendizagem para que ela seja eficaz. Assim, tanto o
espaço da escola quanto a figura do professor ganham uma dimensão especial.
A valorização do papel docente pode ser observada em diversos textos. Em 1968,
por exemplo, ele afirma que “Ficar corrigindo exercícios de aritmética (...) está abaixo da
dignidade de qualquer pessoa. Há trabalho mais importante a ser feito". Na mesma direção
ele argumenta em 1987 que "Há muitas coisas que só o professor pode fazer e ele pode
fazê-las na medida em que for liberado de tarefas desnecessárias". Se ele deixar de
executar tarefas desnecessárias como, por exemplo, corrigir problemas de aritmética,
ficaria liberado para fazer outras coisas. Mas que coisas ele poderia fazer? Para Skinner,
também no texto de 1987,"(...) algumas das coisas que o professor pode fazer é falar com
os alunos, ouvi-los e ler o que eles escrevem."
Apesar de verificarmos a ênfase no papel do professor em vários dos seus textos,
é interessante observar que Skinner não se ocupa em fazer reflexões específicas sobre a
sua preparação profissional. Será que uma pessoa aprende '’naturalmente" a ser um
professor? Se formos coerentes com a proposta skinneriana, a resposta é - necessariamente
- não. Assim, o objetivo do presente trabalho é o de refletir sobre o processo de formação
do professor na perspectiva Skinneriana de educação.

O professor na sua prática docente


Ser professor pode ser visto com um conjunto de habilidades que podem ser
ensinadas. Para os objetivos do presente texto, podemos listar três habilidades do professor
que foram apontadas por Skinner como importantes:
1. Explicitar objetivos educacionais em termos comportamentais;
2. Planejar procedimentos educacionais:
3. Executar os procedimentos educacionais planejados.
Para Skinner, explicitar os objetivos educacionais em termos comportamentais pode
ser entendido como o ato de explicitá-los com relação às ações que devem ocorrer. Também
é importante ressaltar que ao explicitar os objetivos em termos de ações, o professor indica

Sérgio Dias Cirino


as conseqüências que tais ações devem produzir no ambiente. Como bem aponta Zanotto
(2000), "Compete ao professor formular os objetivos e dispor as condições necessárias para
que o aluno se comporte em consonância com o que é proposto e de modo a produzir
conseqüências que contribuam para a manutenção do comportamento emitido" (p. 63).
O planejamento dos procedimentos educacionais está diretamente relacionado à
explicitação dos objetivos. Skinner argumenta que "Apenas definindo o comportamento
que queremos ensinar podemos começar a pesquisar as condições das quais ele é função
e a planejar um ensino efetivo." (1968, p. 184). É tarefa do professor decidir sobre os
procedimentos de ensino na situação educacional. Assim, de posse dos objetivos
comportamentalmente definidos, ele poderá escolher a ordem do apresentação dos
conteúdos, os materiais mais apropriados, as estratégias de avaliação etc.
Depois de estabelecidos os objetivos e definido o planejamento, o próximo passo
do professor ó a execução dos procedimentos educacionais. Para tanto, é importante que
seus comportamentos estejam sob controle tanto dos objetivos por ele estabelecidos
quanto das etapas definidas no planejamento.
Podemos discutir cada uma dessas habilidades a partir de um exemplo.

Os alunos têm em média sete anos e são de uma escola pública municipal de
Bolo Horizonte. O tema das aulas na época das observações era "encontros
consonantais”. A professora já havia trabalhado em aulas anteriores encontros
“rr", "ss" e outros. Naquele dia o objetivo era identificar o encontro consonantal
"br. As atividades foram planejadas e executadas da seguinte forma: pediu que
os alunos abrissem seus cadernos o escrevessem palavras com o encontro
"bl". Depois de alguns minutos ela pediu que os alunos falassem as palavras
escritas. O primeiro aluno falou “blusa" e o segundo, "bloco". A professora pediu
a vários outros alunos para falarem, mas todos repetiram as mesmas palavras,
blusa ou bloco. A sala começou ficar agitada até que uma aluna falou "blasfêmia".
A professora - surpresa - logo disse "parabéns" e pergunlou quem sabia o
significado da palavra blasfêmia. Ninguém se apresentou... Ela, então, pediu à
aluna que explicasse para os colegas o significado daquela palavra

A aula continuou e um outro aluno falou, timidamente uma outra palavra, A


professora não entendeu quo palavra havia sido dita e pediu que o aluno a
repetisse... Houve risos desconcertados na sala... O aluno ficou calado... Ela
insistiu... Ele repetiu: beyblade't O aluno foi convidado a escrever no quadro a
palavra. Estava posto! Um outro aluno mostrou à professora o seu beyblade\ Ela
pediu que ele fizesse uma demonstração do brinquedo.

Em seu planejamento a professora não pensou que palavras de outras línguas


poderiam apresentar o encontro BL. Na verdade, ela nem poderia ter incluído a palavra
beyblade em seu planejamento, pois não a conhecia. Beyblade era uma palavra nova para
a professora. A palavra nova "se intrometeu” no seu planejamento. A partir daí podemos
nos perguntar: O que pode e o que deve ser feito? Considerando que seus alunos estão
sendo alfabetizados em português, a palavra beyblade deveria ou não ser aceita na aula
sobre encontros consonantais BL.

' Beyblade ó um brinquedo infantil que pode ser considerado uma versflo moderna do tradicional Peâo. O
leitor interessado pode acessar o seguinte site da Internet para ver uma reprodução do referido brinquedo.
h»tp://www.mujweb.cz/www/beyblader/’zele 2nej% 20beyblade.jpg

Sobre Comportamento c Co#nlf<lo


Os passos apontados anteriormente (explicitar objetivos educacionais em termos
comportamentais, planejar procedimentos educacionais e executar os procedimentos
educacionais planejados) foram criteriosamente seguidos pela professora.
O objetivo da aula era "identificar encontros consonantais bt'. A professora chegou a
este objetivo a partir de urna análise cuidadosa dos PCN de língua portuguesa para o Ensino
Fundamental de primeira à quarta série' (Brasil, 1997). É interessante observar que os PCN
estabelecem objetivos que estão sintonizados com a proposta skinneriana. Na sua grande
maioria, os objetivos dos PCN são apresentados em termos comportamentais como, por
exemplo, observar, registrar, comunicar, estabelecer relações, formular perguntas etc.
Após o estabelecimento do objetivo da aula, a professora se encarregou de preparar
o ambiente educacional para que o objetivo fosse alcançado. Para tanto preparou um
resumo de atividades anteriores com outros encontros consonantais como “rr" e "ss”. Ela
escreveu no quadro várias palavras com os encontros "rr" e "ss" e pediu que os alunos
identificassem tais encontros, que já haviam sido estudados em outras aulas anteriores.
Além de escrever tais palavras no quadro, distribui revistas variadas para que os alunos
procurassem novas palavras com os mesmos encontros consonantais. Assim, a professora
estabeleceu o contexto para a nova aprendizagem que se daria naquele dia com o encontro
consonantal "bt\ Como último passo, ela executou o que havia planejado, como está
descrito no exemplo anteriormente mencionado
Apesar do cuidado da professora no estabelecimento do objetivo, na preparação
das atividades e na sua execução, duas questões fugiram ao seu controle. A primeira foi a
ocorrência da palavra blasfêmia. A palavra falada pela aluna era muito mais sofisticada que
as palavras pensadas pela professora para aquela aula. Ela teve que lidar com o inusitado
da palavra blasfêmia. Neste ponto podemos argumentar que a professora estava bem
preparada para a situação. Ela reconheceu que o controle, como dito anteriormente, era
reciproco. Apesar de não ter planejado tal palavra para o contexto da aula, ela foi capaz de
incorporá-la e de dividir com a aluna parte da tarefa de ensinar. Em aulas posteriores a
professora observou que a referida aluna aumentou consideravelmente a sua participação
na aula e freqüentemente com palavras novas e sofisticadas. Podemos concluir que os
estímulos reforçadores dispostos pela professora na ocasião funcionaram realmente como
reforçadores já que a freqüência das respostas da aluna aumentou.
A segunda questão que fugiu ao controle da professora foi a palavra beyblade. Ela
se deparou com uma situação inusitada para a qual o seu planejamento, por melhor tenha
sido, não previu. Vários comportamentos poderiam ter sido emitidos na situação descrita,
dentre eles. os seguintes:
• Aceitar a palavra "beyblade"
• Recusar a palavra"beybBlade”
No caso de recusar, a professora estará coerente com seus objetivos e com seu
planejamento. Apesar da palavra beyblade conter o encontro bl previsto para a aula, tal palavra
não é uma palavra da língua portuguesa e, portanto, estaria fora das emissões verbais possíveis
a serem reforçadas na ocasião específica. É evidente que tal emissão verbal poderia ser objeto

2 Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), estabelecidos em 1997, sào referências para os Ensinos
Fundamental e Módio de todo o Brasil. O objetivo principal dos PCN é garantir a todas as crianças e jovens
brasileiros, mesmo em locais com condições socioeconômlcas desfavoráveis, o direito de usufruir do
conjunto de conhecimentos reconhecidos como necessários para o exercido da cidadania. Os PCN de 1.*
a 4." série estão divididos em 10 volumes e, dentre eles, o de Língua portuguesa.

Sérgio DidsCirino
de reforçamento em uma outra sltuaçào, por exemplo, numa aula de língua inglesa. Entretanto,
no caso da recusa da referida palavra, a professora correrá o risco de colocar em extinção
vários comportamentos do aluno, dentre eles, o de dar exemplos em sala de aula.
No caso de aceitar a palavra a professora terá a oportunidade de reforçar uma outra
gama de comportamentos que envolvem respostas sofisticadas corno a de ler palavras em
linguas diferentes, o de comparar o que está aprendendo na escola com o que já aprendeu em
outros espaços, estabelecer relações, formular perguntas etc. É interessante observar que
estes comportamentos estão listados como objetivos dos PCN (como apontado anteriormente)
e estavam em acordo com os objetivos da professora nos seus planejamentos educacionais.
Na prática, a professora tinha que tomar uma decisão. Uma decisão difícil. Uma
decisão que não é meramente técnica. Do ponto de vista semântico ou fonético, é evidente
que as palavras “blusa" e "bloco" estão mais coerentes com o planejamento educacional
feito do que beyblade. Mas e do ponto de vista do valor reforçador para os alunos? Ainda
segundo os PCN "A aprendizagem se dá pela ação do aprendiz sobre o que é objeto de
seu conhecimento e é potencializada por ambientes favoráveis"(Brasil, 1997). Assim, de
uma perspectiva comportamental, podemos argumentar que a palavra beyblade pode ter
uma função muito mais reforçadora que as palavras blusa ou bloco. É muito provável que
os alunos, ainda hoje, se lembrem daquela aula em função da palavra beyblade. Aqui, faço
referência ao termo lembrança como um comportamento de lembrar que é indicativo de
aprendizagem, como nos aponta Skinner.
A professora arranjou contingências de ensino, mas os alunos, inadvertidamente,
dispuseram outras contingências. Seria ingênuo pensarmos que a saída, então, seria
abandonar o arranjo das contingências planejado cuidadosamente e ficar à mercê das
contingências dispostas pelos alunos. Contudo, também é ingênuo pensar que a professora
seria capaz de arranjar as contingências mais propícias para que apenas palavras da
lingua portuguesa fossem emitidas.
Numa possível avaliação comportamental, a professora foi eficiente não apenas
por ter sido capaz de arranjar contingências adequadas de ensino do ponto de vista dos
objetivos educacionais, ou seja, do ponto de vista da emissão de palavras com o encontro
"bl". Ela também foi eficiente por ter arranjado tais contingências e, concomitantemente,
ter dado voz aos alunos. Ou seja, um bom planejamento de ensino deve contemplar a
dimensão do aluno ativo que tem voz, que fala, que escreve.
Não há dúvida quanto à validade do estabelecimento de objetivos e do arranjo das
contingências de ensino para uma educação eficaz. Para tanto, é preciso que formemos os
nossos professores para que sejam capazes de tais tarefas. Contudo, este professor será
tanto mais eficaz se também lhe for ensinado a lidar com o inusitado não com o objetivo de
eliminá-lo, mas antes, de iricorporá-ios como parte integrante do seu arranjo de contingências.
Ê importante salientar que a questão do estabelecimento de objetivos educacionais
e o arranjo de contingências devem ser analisados na perspectiva do processo de formação
docente. Se pretendermos uma educação eficaz é necessário que tenhamos professores
eficazes. Para que tenhamos tais professores ô imprescindível que nos ocupemos mais da
sua formação.

A fo rm a ç ã o do p ro fe s s o r
Apesar dos esforços dos analistas do comportamento em discutir questões relativas
á Educação de uma maneira gerai e o Ensino de uma maneira mais específica, observa-

Sobre Com poitam ento c Co|tnlV‘to m


se que a área ainda não se debruçou sobre a importante tarefa de refletir sobre os passos
para a formação do professor.
Vários autores do campo da Educação têm produzido recentemente material
consistente sobre a formação docente (Sacristan e Gómez, 1998; Pozzo, 1999; Tardiff,
Lessard e Lahaye, 2002; Shõn, 1992). Duas concepções do fazer profissional docente
têm sido o foco do debate na área da formação de professores. Shòn, um dos principais
articuladores deste debate argumenta, basicamente, que os professores têm sido formados
a partir de duas perspectivas. Uma delas é a da racionalidade técnica e a outra da
racionalidade prática.
Na perspectiva da racionalidade técnica, o professor ó visto como um profissional
que soluciona os problemas da sala de aula embasados em técnicas consagradas
cientificamente. De certa forma, tais professores são consumidores de pesquisas
educacionais realizadas em contextos diferentes daqueles em que vão atuar. Como aponta
Gómez (1992), tal perspectiva separa os produtores do saber (os cientistas) dos executores
das ações educativas (os professores). Uma das implicações de tal separação é um
distanciamento dos objetivos educacionais estabelecidos cientificamente, daqueles que
poderiam estar sob controle dos professores que conhecem a realidade dos seus alunos,
da dinâmica da sua sala de aula, da escola em que atua etc. O esforço dos cientistas em
identificar objetivos educacionais pode ser considerado legitimo, contudo, o que se questiona
aqui é a forma de incorporação passiva de tais objetivos pelos professores no seu fazer
cotidiano da escola. Um professor formado a partir da perspectiva da racionalidade técnica
poderá ser considerado, por um lado, eficiente por ser capaz de descrever minuciosamente
os passos do seu fazer profissional. Por outro lado, pode ser considerado ineficiente,
justamente, por não estar preparado para a realidade da sala de aula que"(...) é sempre
complexa, incerta,mutante, singular(...)” (Sacristán e Gómez, 1998).
A outra perspectiva de formação docente apontada por Shòn é a da racionalidade
prática. O professor é encarado, então, como um prático autônomo. A idéia básica de tal
proposta de formação é a de legitimar sua autonomia. Um professor visto por esta perspectiva
é aquele que é capaz de agregar tanto os saberes aprendidos no seu processo de formação
quanto os saberes aprendidos na lida diária da sala de aula. Nos termos apontados por
Shòn, este profissional seria um "professor reflexivo". É importante que se afirme que o
termo reflexão é aqui empregado como um termo técnico, em termos de uma prática
metodologicamente definida. Um profissional reflexivo, assim, deve ser capaz de agir, refletir
sobre seu agir no momento da sua ação e, mais tarde. refletir sobre a açáo (no momento em
que ela ocorria) e, também de refletir sobre sua reflexão sobre sua própria ação.
Independentemente das concepções filosóficas que embasam o pensamento de
Shõn, é possível fazer um paralelo de tal perspectiva formativa com a proposta Skinneriana.
Em termos comportamentais é possível argumentar que o professor reflexivo é aquele
capaz de arranjar as contingências de ensino, refletir sobre tal arranjo, ajustá-lo em função
das variáveis de contexto que estão presentes no momento exato da sua prática na sala
de aula e, ao final, ser capaz de refletir sobre os acertos e erros do arranjo de contingências
para que outros procedimentos sejam executados. Desta forma, é possível argumentar
que a professora do nosso exemplo tenha tido uma atuação coerente com os princípios da
Análise do Comportamento (ao estabelecer o objetivo de sua aula, planejar sua execução
e executá-lo em função das contingências dispostas no contexto). Ao mesmo tempo é
possível afirmar que ela também foi, nos termos propostos por Shõn, uma profissional

Sórçio DúisCirino
reflexiva (ao refletir sobre sua açáo e adaptar as contingências náo programadas ás novas
contingências).

Considerações finais
A análise do Comportamento, por mais que tenha produzido conhecimento sobre
o ensinar e o educar, pouco produziu sobre o tema da formação do professor. Contudo, as
reflexões de Skinner podem nos dar pistas para que sejam desenvolvidos modelos de
atuação coerentes com os princípios do Behaviorismo Radical. A análise aqui apresentada
pode, por um lado corroborar a legitimidade das descobertas behavioristas e, ao mesmo
tempo, apontar para aproximações com outras abordagens que permitam um avanço para
a Educação e para o Ensino. Em lugar de fazermos proselitismo desta ou daquela
abordagem, talvez seja mais sensato e produtivo nos apropriarmos de avanços já
alcançados em outras áreas. Desta forma é possível que o efeito final sobre o fenômeno
educacional, objeto de nossa atenção, seja melhor investigado. Se for assim, podemos
vislumbrar intervenções mais eficientes que sejam capazes de atacar problemáticas
complexas como, por exemplo, a da formação do professor.
Verifica-se, recentemente, uma tendência a abandonar os dogmatismos
disciplinares em prol de abordagens transdisciplinares (Morin, 1999). Para tanto é preciso
que continuem sendo feitos esforços no interior das disciplinas para que se conheça,
cada vez mais profundamente, os mecanismos que regulam os fenômenos pesquisados.
Ao mesmo tempo também é preciso que sejam feitos esforços para que os resultados
obtidos pelas disciplinas sejam cotejados com outros obtidos por outras disciplinas. Assim
é possível que resultados de pesquisas realizadas a partir do referencial da Análise do
Comportamento sejam contrapostos a resultados obtidos ern pesquisas a partir de outros
referenciais teóricos e vice-versa. Em última instância, se tal esforço for implementado de
forma colaborativa e não dogmática, poderemos continuar avançando na compreensão
dos assuntos humanos, no caso específico do presente trabalho, da Educação e do Ensino.
Os analistas do comportamento brasileiros têm dado provas contundentes de
promissores intercâmbios disciplinares. Por exemplo, Medeiros e Rocha (2003) apontam
que Skinner"(...) em muitas passagens endossa a pertinência das análises feitas por
Freud da conduta humana" (p. 187). Fazzi e Cirino (2003) apontam para semelhanças
metodológicas e conceituais entre a Análise do Comportamento e a proposta pedagógica
de Paulo Freire. Trabalho seminal foi feito por Pereira (2000) ao investigar aproximações e
distanciamentos no estudo da Linguagem nas propostas Skinneriana e Bakhtiniana. A
construção social do conhecimento nas perspectivas da Psicologia Social e da Análise do
Comportamento é objeto de análise de Souza, Ruas e Cirino (2004). No campo da
Administração, Horta (2004) aproxima Schein, importante teórico da área de cultura
organizacional, com determinados aspectos da perspectiva Skinneriana. Todos esses
diálogos entre a Análise do comportamento e outras áreas podem ser encaradas como
tentativas transdiciplinares de avançar na produção do conhecimento sobre o fazer humano.
O campo da Educação e, mais especificamente, o da formação de professores são
complexos e demandam grande esforço de pesquisa, análise, observação, registro e reflexão.
Acredito que teremos mais sucesso na empreita educativa e na formaçào docente se
tomarmos posições colaborativas cada vez menos dogmáticas e cada vez mais direcionadas
para a solução dos problemas dispostos pelas contingências presentes no nosso cotidiano.
No início do texto afirmei que o objetivo do presente trabalho era o de refletir sobre
o processo de formação do professor na perspectiva Skinneriana de educação. Assim,

Sobre Comportamento e Coflniftlo m


arranjei certas contingências que, a partir de um exemplo concreto de sala de aula, fossem
eficazes para que o tal objetivo fosse atingido. Obviamente eu não pretendia explorar toda
a complexidade do tema. A experiência da professora aqui relatada e analisada pode servir
como balizadora de novas reflexões tanto à luz da Análise do Comportamento quanto de
outras abordagens e, quiçá, funcionem com estimulo discriminativo ou como operação
estabelecedora para novas reflexões sobre o tema que resultem em novas intervenções na
direçào de uma educação mais efetiva.

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São Paulo: EDUC-FAPESP

286 Sérgio D k is Cirino


Capítulo 27

Leitura: uma proposta para


identificação do repertório de alunos
de 5a série do ensino fundamental1
Si/viii S. Qrobcrnnuf

Leitura na Educação: Uma Forma de Autonomia


Muito tem se discutido, atualmente, sobre a importância da autonomia na educação.
Documentos produzidos por educadores, como A Nova Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) colocam este
tema em discussão, propondo formas de se educar para a autonomia ou cidadania.
Entretanto esta concepção já era considerada por Skinner1, em 1968, ao definir
Educação como "... o estabelecimento de comportamento que seja vantapso para o
indivíduo e para outros em um tempo futuro"(p. 402). Isto quer dizer que educar ó preparar
o aluno para lidarcom mudanças, de maneira que ele aprenda a responder adequadamente
às alterações impostas pelo ambiente.
Considerando os aspectos expostos anteriormente, Moroz (1993) complementa
que "... o ensino terá ou nâo sido eficiente em função daquilo que o aluno faz fora da
escola, em outra ocasião e sem a presença de agentes educativos"{p. 34).
Podemos perceber, então, que criar condições para desenvolver a autonomia na
educação é ensinar ao educando comportamentos que no futuro o torne capaz de se

1 Este trabalho está relacionado com a Dissertação de Mestrado da autora, desenvolvida sob a orientação
da Profa. Dra, Melania Moroz, no Programa de Estudos Pós Graduados em Educaçáo: Psicologia da Educação
da PUC/SP.
2 Psicóloga; Mestre em Educaçao: Psicologia da Educação,

Sobro ( omporl<imcnlo c Conuiç<1o m


adaptar às transformações do ambiente. Neste sentido, a escola tem um papel atuante na
formação do aluno autônomo.
De acordo com Leite (1989), a escola forma um aluno autônomo quando ele é capaz de
exercer plenamente direitos e deveres de cidadão numa sociedade democrática, de forrna crítica
e consciente. Dito de outra forma, a escola, enquanto instituição social tem como principal
função, ensinar o aluno a pensar, ou seja, prover bases para que o educando possa posicionar-
se criticamente frente à realidade, ser atuante na sua sociedade e capaz de implementar
mudanças que visem à melhoria da qualidade de vida. É esse objetivo, desenvolver o aluno
autônomo, que os educadores consideram como fundamental na sua atuação profissional.
Partindo deste pressuposto, uma das principais tarefas do professor nas primeiras
séries do ensino fundamental, é ensinar o aluno a ler e escrever.
No que diz respeito à leitura, esta é uma atividade básica para o desenvolvimento
do indivíduo e da sociedade, pelo fato de garantir o acesso às informações que irão
fundamentar princípios e critérios para um posicionamento perante os acontecimentos.
Uma pessoa alfabetizada torna-se apta a buscar informações, selecioná-las e utilizá-las
da maneira que julgar correta ao emitir opiniões.
A leitura tem um importante papel na vida pessoal, social e profissional dos
indivíduos, tornando-se imprescindível para os dias atuais. Isto porque uma parte significativa
do tempo das pessoas letradas ó gasta com a leitura, já que ela está presente nas tarefas
cotidianas: quando trabalhamos, fazemos compras, executamos trabalhos acadêmicos
ou religiosos, ou mesmo quando nos divertimos Ler placas de trânsito, propagandas,
manuais, jornais, livros, revistas, etc. ilustram o uso da leitura para diferentes fins.
Ler é uma forma de comunicação, que propicia ao leitor ampliar o seu conhecimento
sobre o meio em que se encontra, aprimorando as suas relações interpessoais. Nesta
perspectiva, ao aprender a ler, o indivíduo entra em contato com a cultura, o que possibilita
que adquira ensinamentos que no espaço de uma vida não conseguiria aprender.
Embora ensinar a ler seja uma função explícita da educação formal, pesquisas (De
Rose, Souza, Rossito & De Rose, 1989; Medeiros, Monteiro & Silva, 1997 e Maia, Pereira &
Souza, 1999) apontam, particularmente no início da vida acadêmica, as dificuldades dos
alunos na aprendizagem da leitura, quer seja por razões sócio-políticas, deficiências no
método de ensino das próprias escolas ou fatores extra-escolares. O fato é que um
aprendizado deficiente no processo inicial de alfabetização gera conseqüências para o resto
da vida do educando, e em última análise, não garante que ele se torne um cidadão autônomo.
Para lidar com estas dificuldades, órgãos nacionais e internacionais vêm, ao longo
destes últimos anos, criando formas de avaliar o ensino da leitura nas diversas séries
escolares, na tentativa de melhorá-lo.
Partindo desta concepção, o MEC (Ministério da Educação) desenvolveu o SAEB
(Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) em 1990, uma proposta de avaliação
aplicada ao território nacional. Já no Estado de São Paulo, a Secretaria da Educação
criou em 1996 o SARESP, um sistema de avaliação cujo objetivo era fornecer aos professores
subsídios para trabalhar em sala de aula, através do conhecimento do perfil do aluno.

3 B. F. Skinner propõe um modelo de ciência, cujo objeto de estudo é o comportamento. Por comportamento,
compreende-se a relação entre o organismo que se comporta e o ambiente. Esta ciência denomina-se
Análise Experimental do Comportamento, e tem como embasamento filosófico o Behavlorismo Radical.
O Behaviorismo Radical tem como proposta, a construção de uma psicologia cientifica, Isto é, uma Psicologia
como uma ciência do comportamento

288 Silvia S. Qrobcrman


Os resultados obtidos no SAEB, em todos os anos de sua aplicaçáo, demonstraram
que o nível de leitura dos alunos era crítico. O desempenho vinha se agravando ano a ano;
somente em 2003 obteve uma pequena melhora, conforme dados do INEP (Instituto Nacional
de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
Já o SARESP mostrou que o desempenho dos alunos do ensino fundamental em
leitura foi mediano em 2003 (por volta de 70%), conforme dados fornecidos pela Secretaria
da Educação do Estado de São Paulo. No entanto, os meios de comunicação, como os
jornais O Éstado de São Paulo e Folha de São Paulo, ambos de 24/06/1994, e a revista
Caros Amigos de Setembro de 2004, vêm questionando tais resultados, afirmando que os
dados apresentados não retratam a realidade da sala de aula, além de serem antagônicos
aos obtidos pelo SAEB.
No tocante às avaliações criadas por órgãos internacionais, em 2000, foi aplicado
no Brasil o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA). De acordo com dados
do INEP e do Jornal O Estado de São Paulo, de 05/12/2001, participaram desta prova 32
países e o objetivo foi medir a leitura de estudantes de 15 anos, independente da série que
estavam matriculados. Os resultados obtidos não foram muito diferentes dos apresentados
pelo SAEB e SARESP; o Brasil obteve o último lugar, ficando à sua frente o México; em
primeiro ficou a Finlândia, seguida peio Canadá e Holanda.
No Brasil, participaram 4,8 mil alunos de 7“ e 8* série do ensino fundamental e do 1o
e 2' ano do ensino médio. O desempenho obtido no exame revelou que os alunos encontravam-
se no nível um, o mais elementar, sendo considerados analfabetos funcionais, capazes de
identificar letras, palavras e frases sem, no entanto, compreender o sentido do que liam.
A grande maioria dos países avaliados chegou ao nível três, no qual estabelecer
relações entre informações era uma das habilidades necessárias. Este grupo era formado
predominantemente por países desenvolvidos.
O mau desempenho do Brasil deveu-se ao atraso escolar. Segundo o INEP, em
2000,41,7% dos alunos do ensino fundamental estavam atrasados pelo menos dois anos.
Cabe ressaltar ainda, que para combater a repetência, foi adotado o regime de
Progressão Continuada em 1996, no qual as escolas passaram a ser organizadas em ciclos,
em que a retenção só poderia ocorrer na 4- e 8“ série, independente do rendimento escolar
dos estudantes. Este regime priorizava a recuperação contínua e paralela para alunos que
estavam defasados em algum componente curricular, durante o ano letivo, ou mesmo no
recesso escolar. Embora o índice de reprovação diminuiu, estudiosos da área (Camargo,
1997; Demo, 1998; Groberman, 2000; Brito 2001) não garantem que a qualidade do ensino
na escola melhorou, pelo fato de haver a possibilidade dos alunos concluírem os ciclos I e II
apresentando lacunas na aprendizagem. Em outras palavras, pode haver educandos que,
mesmo tendo sido aprovados no ciclo I ou II, apresentem defasagens na leitura.
Retomando, então, o objetivo da escola enquanto agência educativa, de formar
alunos autônomos, é imprescindível que o sistema de ensino/aprendizagem seja reestruturado
de maneira que o educando aprenda a compreender o que leu e não apenas decodifique
letras ou palavras. Em assim procedendo, os educadores garantirão ao aluno o pleno exercício
da cidadania, preparando o jovem para ser atuante na sociedade em que vive.

Como Educar Leitores


Para educar leitores, é fundamental que o professor conheça bem quem são
estes leitores, ou seja, identifique o seu repertório inicial, de forma que possa exercer
adequadamente sua função: ensinar.

Sobre Comporídmmto c Cognição 289


Skinner (1968/1972)4define o ensino como "um arranjo de contingências sob as
quais os alunos aprendem"(p. 72). Arranjar contingências nesta perspectiva significa planejar,
programar as atividades propostas pelo professor. Este procura arranjar contingências
para promover a aprendizagem dos alunos e o aparecimento de comportamentos, que em
ambiente natural, demorariam a ocorrer ou não seriam adquiridos.
Ao planejar, o professor deve identificar, além de outros aspectos, quais
comportamentos devem ser estabelecidos e com que respostas é possível contar. Estes
dois componentes do planejamento - a definição de objetivos e a detecção do repertório de
entrada - são fundamentais para o exercício docente.
Um objetivo de ensino deve ser elaborado de forma clara, de maneira que descreva
precisamente o que se espera do aluno; é isso - clareza do objetivo - que permite ao
professor planejar o conteúdo de suas aulas, as estratégias e recursos a serem utilizados,
além de auxiliá-lo na avaliação do aluno e do seu próprio trabalho.
Não basta, entretanto, ter objetivos claros e não conhecer os alunos que irão
aprender o que será ensinado, ou seja, identificar o seu repertório de entrada. O professor
detecta o repertório inicial do aluno ao identificar o que o aluno já sabe fazer, e que está
relacionado com àquilo que pretende ensinar.
Por mais importante que seja identificar o que um aluno já sabe, nem todos os
professores têm o costume de fazê-lo. Isso traz implicações que podem ser sérias para o
aluno. O aluno que tem conhecimento pode desinteressar-se, enquanto o aluno que não
sabe fazer algo, pode ser desprezado pelo professor. Assim, a diferença de repertório
inicial precisa ser considerada pelo educador no cotidiano de sua prática docente, porque
isso pode relacionar-se ao ritmo de aprendizagem dos educandos. Ao considerar as
características dos alunos, dentre elas seu repertório de entrada, como ponto de partida
para o planejamento dos cursos, o professor estará em melhores condições para possibilitar
aos alunos o aprendizado daquilo que ele se propõe a ensinar.

A Leitura do Ponto de Vista da Análise do Comportamento


O fracasso escolar no ensino fundamental é um dos problemas angustiantes da
educação brasileira, requerendo dos pesquisadores das diferentes abordagens teóricas
propostas efetivas. Considerando-se que uma das atividades mais importantes do ensino
fundamental é a alfabetização, os pesquisadores não podem se furtar a direcionar seus
esforços às questões relacionadas à leitura e à escrita.
Pesquisadores da abordagem comportamental produziram, ao longo dos anos,
importantes trabalhos que geraram resultados bastante expressivos. Este é o caso dos
estudos de Silveira (1978) e Leite (1980,1988) que mostraram o potencial desta abordagem
através do êxito obtido na alfabetização de grandes contingentes de crianças. Estudiosos
como Teixeira (1991) e Rodrigues (1995) também são de suma importância, uma vez que,
analisando a aquisição dos comportamentos de leitura e escrita, propuseram programas
que possibilitaram uma análise minuciosa e completa da situação de ensino.
No caso específico da leitura, foram desenvolvidas pesquisas também com adultos,
como é o caso dos trabalhos de Pereira (1983), Rubano (1987) e Silvestre (2001); as duas

4 Sempre que na referência aparecerem duas datas, a primeira indicará a data do publicação o a segunda,
a data da publicação consultada.

290 Sílvid S. Qroberman


primeiras autoras realizaram estudos sobre leitura no ensino superior, enquanto a última
estudou a alfabetização de jovens e adultos.
Em porlodo recente, os estudos sobre leitura vêm recebendo a contribuição das
pesquisas sobre equivalência de estímulos. É cada vez maior o número de pesquisas
produzidas que utilizam o paradigma da equivalência para analisar a aquisição do repertório
de leitura dos estudantes (De Rose, Souza, Rossito & De Rose, 1989; Hubner, 1997;
Matos, Hubner & Peres, 1997; Baptista, 2000 e 2001).
Para Skinner (1957/1978) e demais analistas do comportamento, ler é um operante'1
verbal que está sob controle de estímulos visuais ou tácteis (no caso dos deficientes
visuais). Portanto, a aquisição da leitura pode ser vista como resultado do processo de
discriminação, peio qual são estabelecidas refações entre estímulos discriminativos (visuais
ou tácteis) e respostas verbais (vocais - de forma audível ou silenciosa). Assim, quando
uma pessoa lê um texto, por exemplo, em voz alta, emite uma seqüência de sons que
correspondem aos estímulos (pa)avras escritas) apresentados. No caso da leitura
silenciosa, a mesma correspondência entre estímulos (palavras escritas) e sons ocorre,
muito embora esses últimos não sejam audíveis por outra pessoa, que não o autor. O
autor se refere a essa relação texto - respostas vocais de comportamento textual.
É possível, entretanto, que uma pessoa possa emitir de forma precisa uma
seqüência de respostas vocais correspondentes a um texto, portanto apresenta
comportamento textual, sem, no entanto, compreender aquilo que leu. Essa pessoa está
emitindo comportamento textual, mas não está lendo de fato, já que leitura envolve também
a compreensão do texto.
Skinner (1957/1978) faz referência à compreensão, sugerindo haver níveis de
compreensão de leitura, sendo o nível mais elementar aquele em que o leitor é capaz de
descrever de maneira precisa o que o autor de um texto diz, isto é, dizer as mesmas
coisas que o autor do texto. Diferentemente, quando o leitor tem condições de dizer o que
o autor diria, diante de determinadas circunstâncias, então o nível de compreensão do
leitor é superior.
Assim, dois aspectos devem ser salientados. Primeiro, a forma como se concebe
a leitura tem implicações educacionais sérias porque considerar a leitura apenas como
comportamento textual é reduzir o ler apenas a um exercício de "reconhecer" estímulos
impressos. Segundo, se para que realmente ocorra a leitura é necessário que a pessoa
apresente em seu repertório o comportamento textual e compreenda aquilo que leu, então,
pode-se dizor que o comportamento textual é uma condição necessária, embora não
suficiente, para a compreensão. Portanto, ao falarmos em leitura, estamos fazendo
referência à ocorrência de comportamento textual juntamente com a compreensão, como
pode ser observado no diagrama a seguir.

" Em 1937, Skinner formula o conceito de operunte, afirmando que, neste tipo de comportamento, o Indivíduo
uge (opera) sobre o meio, mudando-o e sendo por ele modificado. Em outras palavras, a pessoa age
produzindo estímulos conseqüentes (posteriores à emissão da resposta), quo por sua vez determinam a
probabilidade futura de comportamento similar voltar a ocorrer. O comportamento operante ó multidetermlnado,
o que implica dizer que na interação do sujeito com o ambiente, múltiplas variáveis estôo presentes nesta
relação. Cabe ao analista do comportamento realizar a análise funcional, para saber quais as variáveis que
estflo controlando o comportamento em questflo. Assim, a análise funcional mostra a quais aspectos do
ambiente uma pessoa está sensível em determinado momento. Consisto, portanto, na principal ferramenta
que um analista comportamental dove utilizar para explicar o comportamento em termos de relações funcionais.

Sobre Compoit.imcnlo c Cognição 291


Método

Elaboração do Instrumento

Com base no conjunto de considerações realizadas sobre a leitura e a importância


de se identificar o repertório inicial dos alunos, elaboramos um instrumento de avaliação
de repertório, cujo objetivo foi detectar quais os comportamentos de leitura que os educandos
já possuíam ao iniciar a 5asérie do ensino fundamental.
Para a confecção do instrumento, buscamos informações nos PCN'S, que
especificam os objetivos de leitura a serem alcançados pelo aluno que está terminando a
4“ série do ensino fundamental, no SAEB e no SARESP. Ainda, estabelecemos critérios
para a seleção dos textos e elaboração dos exercícios que compõem o instrumento.

1. Compreensão
A seleção dos comportamentos que compõem o repertório de leitura foi feita a
partir da proposta do SAEB, conforme o quadro a seguir:

O QUE É ESPERADO DO
ALUNO
(COMPORTAMENTO)
PRETENDE VERIFICAR r.
PRIORIDADE

j Sa o aluno è capa?
, de retornar au pon-
Localizar informaçfle» . |Q ÓQ
explicita» em um tuxtom encontra a infor­
mação procurada

Se o aluno conatrói a
temática (mgniflcado
Identiflcar o núcleo
global) a partir da
temático do texto
tínleaa de fatos
principais
Se o aluno 6 capa/ da
Estabelecer relação entre organizai fatoa,
acontecimento»,
informações num taxto ou
em diferente» taxto» represantaçflas de
acordo com um cnténo
j único

S* o aluno é capaz de
Inferir informação implícita a partir de Informaçõas
conhecida», chegar a
num texto
nova», nAo explicita» no
texto

Silvúi S. C/robcrm<in
Do acordo com o SAEB, os comportamentos têm diferentes níveis de prioridade,
sendo localizar informações e identificar o núcleo temático os que têm prioridade máxima
(P1), diferentemente dos itens estabelecer relações e inferir informação cujo domínio não
se supõe como primeira prioridade para alunos que terminaram a 4" série do ensino
fundamental. Ao estabelecer dois níveis de prioridade, o SAEB deixa transparecer a noção
de que há diferentes níveis de compreensão de leitura, o que não é incompatível com o
discutido sobre leitura no presente trabalho.
Tomando como base estas informações, diagramamos novamente o que é leitura,
acrescentando, desta vez, o que entendemos ser o repertório de compreensão de texto,
com as suas respectivas prioridades.

2. Instrumento
O instrumento ó composto por textos de diferentes géneros literários (literário,
publicitário, humorístico, jornalístico e epistolar). Em sua maioria, os textos foram retirados
do SARESP de 1998 e 2000, aplicados para a 4* série, e de livros de Língua Portuguesa*
indicados pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo para alunos de 4" série7.

• Os livros utilizados sAo: CÔCCO, M.F. e HAILEK, M.A. (1999). ALPnovo: análise, linguagem epensamento,
FTD; OLIVEIRA, T.A. et al (2001). Linguagem e vivência, IBEP; PONTES, E.M. (1999). Linguagem e interação,
Módulo.
'Apenas um dos textos foi retirado da Internet. O site consultado foi www.turmadamonica.cüm.br. O texto
utilizado (humorístico) faz parte de uma campanha educativa sobre higiene bucal, voltada para crianças do
ciclo I do ensino fundamental. O texto sofreu diminuição de tamanho, por declsôo da pesquisadora.

Sobre ComporUimcnlo e Cojjniçilo m


Para cada gênero literário foram propostos dois textos e seis exercícios, sendo
dois exercícios de localizar informações, dois de identificar o núcleo temático, um de
relacionar informações e um de inferir informação. Optamos por mais exercícios de localizar
informações e identificar o núcleo temático por terem prioridade máxima.
A familiaridade com o tema central e o tamanho do texto também foram critérios
considerados para a escolha dos textos. De acordo com o SAEB, temas familiares e
textos menores podem facilitar significativamente a compreensão do aluno.
Quanto ao formato, o instrumento baseou-se no tipo de avaliação proposta pelo SARESP,
prova esta composta por exercícios e questões de múltipla escolha, só havendo uma alternativa
correta para cada exercício. A única exceção foi nas questões de localizar informação, composta
por exercícios do múltipla escolha e de grifar a informação no próprio texto.

Participantes
Participaram deste estudo 45 alunos da 5* série do ensino fundamental de uma
escola da rede pública de São Paulo.

Procedimento
Pelo fato do instrumento ser formado por um conjunto amplo de textos e questões,
optamos por fazer a aplicação em duas sessões, cujo intervalo foi de 10 dias. Desta
forma, organizamos dois tipos de cadernos de questões - tipo X e Y. O tipo X era formado
pelos gêneros jornalístico, humorístico e literário (poema). No tipo Y estavam presentes
os gêneros epistolar, humorístico e publicitário. Conforme podemos notar, o gênero
humorístico foi comum a ambos os cadernos.
Na primeira sessão, os alunos pares responderam o caderno X, enquanto os
ímpares responderam o caderno Y. Na segunda sessão, houve uma inversão: os alunos
pares responderam o caderno Y e os ímpares responderam o X. Nesta segunda sessão, o
gênero humorístico, que era comum a ambos os cadernos, foi substituído pelo conto
(gênero literário), também comum a ambos os cadernos.
Em ambas as sessões, com duração cada de 90 minutos, a aplicação do instrumento
ocorreu de forma coletiva, em sala de aula, sem nenhuma interferência da pesquisadora.

Resultados e Discussão
Consideramos duas vertentes de análise: desempenho dos alunos e análise do
instrumento.
No que diz respeito ao instrumento, as questões de múltipla escolha foram
analisadas por um programa estatístico denominado ITEMAN8.
O programa revelou que o instrumento obteve um bom índice de discriminação
(somente 6 questões apresentaram índices em intervalos considerados menos satisfatórios,
de um total de 26 questões), índice de fidedignidade satisfatório e seu grau de dificuldade4
foi mediano, tendendo a fácil.

HEste programa fornece dados estatísticos como a média, mediana, desvio padrão, etc., alóm de informações
sobre a fldedlgnldade dos itens do instrumento. O programa também fornece o índice de dificuldade de cada
questão, bem como o seu índice de discriminação.
"Utilizamos a dassificaçõo do nivel de dificuldade adotada peio SARESP, que tem a seguinte distribuição, muito difiai:
menos de 15% de acertos, difícil: 16% - 35%, mediano; 36% - 65%, fácil: 66% • 85%, muito fácil: 86% -100%.

Silvia S. Qrobermdn
No que diz respeito ao desempenho dos alunos, organizamos a análise em dois
conjuntos: os alunos como um todo e o aluno individualmente.
Com relação ao desempenho global dos alunos, constatamos que os gêneros
epistolar e humorístico foram os que tiveram o melhor desempenho por parte dos alunos,
enquanto que os gêneros literário e jornalístico foram considerados os mais difíceis em
relação aos comportamentos avaliados.
No tocante ao desempenho global dos alunos por comportamento, identificar o núcleo
temático foi o que apresentou melhor desempenho por parte dos alunos, enquanto que o pior
desempenho obtido foi em localizar informação grifando o próprio texto e relacionar informação.
Um destaque deve ser feito. Como dito anteriormente, dois tipos de questões
foram feitas para avaliar a localização de informação: escolher entre as alternativas e grifar
a informação no texto. Embora as questões avaliassem o mesmo comportamento, exigiram
respostas diferentes dos alunos: no caso das questões de múltipla escolha, a resposta do
aluno foi escolher a alternativa correta dentre as fornecidas polo examinador; já no outro
caso, o aiuno deveria localizar a resposta no conjunto de informações do texto. O que
podemos supor é que, no segundo caso, a complexidade é maior que no primeiro,
aumentando o nível de dificuldade.
Uma outra hipótese para o desempenho ruim em localizar a informação grifando o
próprio texto, está relacionada á disposição das instruções no instrumento, bem como ao
seu conteúdo. Tal hipótese foi considerada uma vez que um número elevado de alunos não
respondeu às questões que avaliavam esto comportamento, ou fizeram-no circulando a
informação, ao invés de grifa-la.
Diferentemente do desempenho geral dos alunos, a análise do desempenho individual
buscou identificar aqueles alunos que apresentaram escores abaixo da média, bem como
em quais comportamentos tiveram maior dificuldade. A Tabela 1 (vide página seguinte) é um
exemplo de análise individual de desempenho dos alunos por comportamento, que poderia
ajudar o professor a atuar com os alunos, incluindo aqueles cujo desempenho se encontra
acima da média do grupo.
Considerando que o nível de dificuldade do instrumento foi mediano tendendo a
fácil, esperávamos que o desempenho do aluno que soubesse ler fosse, no mínimo, por
volta de 70%, principalmente, nos comportamentos ditos de prioridade máxima para a
série em questão (identificar o núcleo temático e localizar informação).
Observando a Tabela 1, podemos verificar que somente 7 alunos (2,14,26,29,31
e 37) apresentaram o desempenho que esperávamos, sendo que deste conjunto, apenas
5 alunos (2,17,26,29 e 31) obtiveram um desempenho satisfatório também nos demais
comportamentos (inferir informação e relacionar informação). Os alunos 14 e 37 apresentaram
um rendimento abaixo dos 60% em pelo menos um comportamento que não era considerado
de prioridade máxima, fazendo destaque para o desempenho do aluno 37 em relacionar
informação, que foi de 20%.
Mesmo os alunos que obtiveram o desempenho acima da média merecem algumas
considerações, uma vez que olhar o rendimento dos alunos somente pela média, significa
não considerar o seu desempenho individualmente, isto é, por comportamento; e por vezes,
este desempenho pode ser insatisfatório em algum comportamento avaliado. Tal fato mostra
que em nada adianta o professor saber que o seu aluno obteve o desempenho em leitura
acima da média, se este aluno apresentar dificuldades em algum comportamento específico,
pois o professor não saberá de onde partir para ensiná-lo a fer melhor.

Sobre C'ompoMiimenlo e CognivAo 295


Tabela 11: Número de acertos por comportamento
Aluno NT % IF % REL % LI % Li g %
1 7 64% 3 38% 4 80% 1 50% 4 44%
2 *1 10 91% 4 50% 3 60% 2 100% 8 ' 89%
3 5 45% 2 I 25% 2 40% r 50% ' 1 11%
4 10 91% 7 88% 3 60% 2 100% 4 44%
5 10 91% 4 50% 4 80% 2 100% 4 44%
6 8 73% 5 63% 1 20% 1 50% 5 56%
7 7 64% 4 50% 4 80% 1 50% 4 44%
8 7 64% 4 50% 4 80% 2 100% 6 67%
g 6 55% 5 63% 3 60% 2 100% 1 11%
10 8 _ 73% 2 25% 2 40% 1 I 50% 2 22%
7 64% 5 63% 3 60% 2 100% 5 56%
11
12 7 64% 7 88% 2 40% 1 50% 2 22%
13 7 64% 7 88% 2 40% 1 50% 3 33%
14 8 73% 4 50% 3 60% 2 100% 7 78%
15 5 45% 3 38% 3 60% 1 50% 6 67%
16 9 82% 6 75% 2 40% 2 100% 4 ~ 44%
17 8 73% 6 75% 4 80% 2 100% 6 67%
18 4 36% 4 50% 0 0% 2 100% 3 33%
19 7 64% 7 88% 2 40% 2 7oo% 5 56%

20
20 6
6 55%
55%
3
3
38%
38%
1
1
20%
20%
2
2
"100%
100%
2
2
22%
22%
~ 2f '
8 73% 5 63% 4 80% 2 100% 2 22%
22 8 73% 3 38% 1 20% 1 50% 0 0%
23 8 73% 5 63% 3 M60% 1 50% 2 22%
24 10 91% 6 75% 3 60% 1 50% 6 67%
25 8 ' 73% ~ 8 100% 4 80% 1 50% 6 67%
‘ 26 9 82% 7 88% 5 100%, 2 100% 6 67%
27 9 82% 5 63% 4 80% 2 100% 4~ 44%
28 5 45% 3 38% 0 0% 1 50% 2 22% '
29 9 82% 6 75% 5 100%" ' 2 100% 6 67%
30 8 73% 3 38% 5 100% 1 50% 2 22%
31 9 82% 7 88% 4 J3 0% 2 100% 8 89%
32 6 55% 4 50% 2 40% 1 50% 0 0%
33 7 64% 6 75% 2 " 40% 0 0% 7 78%
34 8 73% 7 88% 3 60% 2 100% 3 33%
35 10 91% 4 50% 3 60% 0 0% 6 67%
36 6 55% 6 75% 4 80% 0 0% 4 44%
37 8~‘ 73% 8 100% 1 20% 2 100% 7 78%
38 5 45% 3 i 38% 1 20% 1 50% o‘ * 0%
39 8 73% 5 63% 3 60% 1 50% 5 56%
40 5 45% 2 25% 1 20% L 1 50% 3 ' 33%

1 Legenda: NT - idontlflcar o núdeo temático (total de questões no instrumento: 11), localizar informação (total
de questões no instrumento: 11, sendo 2 de múltipla escolha (LI) e 9 de grifar a resposta no texto (LI g); IF
- inferir Informação (total de questões no instrumento: 8); REL
- relacionar informação (total de questões no instrumento: 5). Desta forma, o número máximo do acertos que
um aluno podia obter era 35, distribuídos de acordo com o total de questões por comportamento

296 Silviti S. Qrobermcin


Considerações Finais
Retomando o problema de pesquisa do presente estudo, buscamos desenvolver
um instrumento que avaliasse o repertório de leitura inicial dos alunos que acabaram o
ciclo I do ensino fundamental.
Consideramos que o aluno deveria ter em seu repertório, ao terminar o ciclo I, pelo
menos os comportamentos ditos de prioridade máxima (identificar o núcleo temático e
localizar informação).
Constatamos que, de fato, os alunos tiveram o desempenho melhor nestes
comportamentos. No entanto, os alunos demonstraram ter dificuldades em localizar
informação grifando a resposta no próprio texto, comportamento que deveria ser alvo de
atuação dos professores. Em relação aos comportamentos não considerados como de
primeira prioridade, os alunos obtiveram um desempenho pior, principalmente no tocante
ao relacionamento de informações.
No que diz respeito aos gêneros de texto utilizados 110 instrumento, os alunos
tiveram melhor desempenho no epistolar e humorístico e pior desempenho no literário. Estes
resultados condizem com os dados do SAEB, que mostram que os alunos têm mais
dificuldade ein ler poemas, devido à sua estrutura e linguagem e mais facilidade em histórias
em quadrinhos, uma vez que têm mais contato com esta forma de texto no seu cotidiano.
O instrumento mostrou-se favorável ao objetivo do trabalho, já que a maioria das
perguntas obteve 0 índice de discriminação satisfatório, conseguindo avaliar os
comportamentos considerados. Além disso, 0 índice de dificuldade foi médio, tendendo a
fácil, e 0 índice de fidedignidade também foi satisfatório, 0 que revelou que se fosse reaplicado
nos mesmos participantes, provavelmente os resultados obtidos seriam iguais.
Ainda, 0 instrumento propiciou uma análise da leitura do grupo de alunos em geral
e de cada aluno em particular, ajudando o professor a identificar as dificuldades de cada
educando. Conforme salienta Luna (2000) "... análises gerais podem mostrar quantos
aprenderam, mas não nos capacita a lidar melhor com os que não aprendem, especialmente
porque não informam em que momento do processo nós perdemos quais alunos. A única
forma de se eliminarem tais problemas è avaliando cada aluno durante todo o curso da
aprendizagem" (p. 154).
Considerando a afirmação de Luna, o professor precisa estar apto a identificar em
qual momento da leitura se encontra 0 seu educando, para propor alternativas individuais
focalizando este momento. Assim, não basta um instrumento identificar quais os alunos
que apresentaram rendimentos acima ou abaixo da média, 0 principal é mostrar que
comportamentos são emitidos pelos alunos de forma adequada e quais não 0 são.
Uma vez identificadas as dificuldades, 0 professor pode trabalhar com diferentes
alternativas em sala de aula: atividades diversificadas individuais ou em pequenos grupos
com dificuldades específicas, ou com a participação dos alunos que têm maior domínio
como “monitores" em algumas atividades, para dar alguns exemplos. Qualquer que seja
a atividade e 0 comportamento alvo, 0 professor deve estar sempre atento à relação entre
a atividade proposta e 0 desempenho do aluno, de modo a avaliar continuamente se 0
aluno está alterando o desempenho na direção esperada.
Em relação aos aspectos constatados na discussão dos resultados 0 considerados
na introdução deste estudo, reforçamos a importância do professor saber quem são os
seus alunos, ou seja, quais os comportamentos que apresentam no seu repertório inicial,

Sobre Comportamento e Cognlfdo 297


para que possam planejar aquilo que desejam ensinar. Conforme afirma Silveira (1978)"...
se conhecermos melhoras habilidades deficientes ou mesmo ausentes apresentadas por
uma criança que vai aprender a ler, estaremos em melhores condições de vlaneiar um
ensino orientado para a sua solução" (p.03. grifos nossos). Carvalho (1990) ainda pontua
que há professores que, ao invés de considerarem aquilo que os alunos já sabem, ao
planejar as suas aulas, partem do pressuposto que eles nào sabem nada, ou seja, que "...
aprendizagem iniciar-se-ia a partir do zero em termos de repertório de cada aluno" (p. 88).
Perante estas considerações, concluimos que o professor que deseja arranjar
contingências para o ensino da leitura aos seus educandos, precisa considerar o repertório
inicial de cada um, além de não pressupor que eles nào têm conhecimento algum sobre
aquilo que será ensinado. Somente assim, o professor poderá arranjar contingências que
propiciem o aparecimento de novos comportamentos no repertório de seus educandos
para que se tornem leitores competentes.

R e fe rê n c ia s
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Sobro C omporl.im cnlo c Coflnlvílo 299


Capítulo 28

Análise comportamental de dados


históricos1
Sôniii dos St!ntos C 'a s U n h a rJ

Há um papel claro para o analista do comportamento no estudo de uma sociedade ou


uma cultura: tentar resolver os problemas analíticos em ambos os níveis: básico e aplicado.
Pierce (1991) afirma que, apesar das pesquisas de laboratório com humanos
contribuírem para a extensão sistemática dos princípios comportamontais, elas "têm
deixado espaço para discussões sobre suas limitações e levantado questões sobre a
validade externa destes resultados de laboratório: as questões mais importantes para a
análise aplicada do comportamento surgem do uso freqüente de atividades triviais, que
são manipuladas por eventos insignificantes, em situações artificiais".
Para reduzir a grande quantidade destas dificuldades individuais e destas ações
inadequadas e preencher a lacuna entre os princípios do comportamento individual e a
análise de sistemas sociais, ató mesmo em larga escala, o analista comportamental
começa a realizar trabalhos com análises estatísticas, estudos observacionais, em
contextos de pequenos grupos e pesquisa quase-experimental (Pierce, 1991 ).
Estas pesquisas enfatizariam atividades que vão do mais simples ao mais complexo,
numa grande variedade de ambientes abertos e controlados, envolvendo indivíduos com
todos os tipos de histórias e características (Kunkel, 1985).

1Trabalho apresentado em Mesa Redonda no XIII Encontro da ABPMC e II Congresso Internacional da ABA,
realizado no período de 12 a 15/08/2004, em Campinas, Sâo Paulo.
3 Psicóloga e Supervisora clinica, Mestre em Psicologia, Professora Assistente do Depto de Psicologia da
FAFICH/UFMG - e-mall: soniacst@terra.com.br
3 Ver também: “Projeto Vico’s: Um teste de proposições psicológicas" do mesmo autor, em Psychological
Record, 1986, 36. 451-466

Sônia dos Sanlos Castanhcira


Em 1985, John H. Kunkel escreveu e publicou um artigo que denominou ‘Vivaldi
em Veneza - um teste histórico de proposições psicológicas". O que ele fez na verdade,
foi uma análise comportamental, retroativa, de dados históricos, que ilustra o uso deste
tipo de pesquisa quase-experimental.3
Neste trabalho, Kunkel analisou dados históricos entre 1650 e 1800, no período
entre o apogeu e o declínio dos desempenhos musicais, na qualidade dos concertos, de
meninas órfãs em Veneza e propõe algumas respostas derivadas de um experimento
histórico de modificação de comportamento, que durou um século e meio e envolveu
atividades que eram cruciais para as vidas dos participantes.
' Para este autor, os testes necessários para medir a validade intercultural dos
princípios comportamentais devem ser tão livre quanto possível de limitações ligadas ao
tempo, situações de laboratório e de artefatos culturais. Os melhores testes são os
experimentos naturais, envolvendo um tempo bastante longo e em ambientes não urbanos
e nào industriais.
O estudo demonstra também como nós, analistas e pesquisadores comportamentais,
podemos organizar os fatos históricos sobre uma sociedade, especificar variáveis
independentes e dependentes, estipular as medidas adequadas e até exercer controíe sobre
fatores espúrios.
Os objetivos de Kunkel, em ‘‘Vivaldi em Veneza...", foram:

(1) demonstrar a relevância dos princípios do comportamento para a aquisição,


manutenção e mudança, não só de ações simples mas, de cadeias complexas de
desempenhos musicais, confirmando a crença de que parece não haver limites para as
atividades que podem ser modificadas tanto em termos de complexidade quanto de
relevância para a pessoa envolvida;
(2) demonstrar que estes princípios são transcuíturais, transituacionais e
atemporais, ou seja, não são limitados a certa época, a certos períodos curtos de tempo
nem para uma cultura particular;
(3) que procedimentos efetivos podem ser utilizados por indivíduos leigos que
desconhecem os princípios subjacentes ao controle de comportamento humano e
(4) que eventos históricos podem ser usados para testar proposições psicológicas
e sua aplicação desde que os dados sejam bem detalhados e possam ser estruturados de
acordo com o paradigma experimental. Para tanto, Kunkel se propôs à analise funcional
de comportamentos, obtidos através de dados históricos.
Uma análise funcional, vista como uma análise das contingências responsáveis
por um comportamento busca, basicamente, responder à seguinte questão (Matos, 1999):
"qual a função deste comportamento para aquela pessoa?" ou
“qual a relação funcional entre este comportamento e seus efeitos?" ou
“que contingências estão mantendo este comportamento para este indivíduo?"
Matos (1999) afirma que ‘‘fazer uma análise funcional é identificar a função, isto é,
o valor de sobrevivência de um determinado comportamento. Ela leva em conta aspectos
do ambiente e a função que o comportamento tem naquele ambiente".
Os métodos experimentais de avaliação funcional envolvem a
manipulação dos antecedentes ou das conseqüências para determinara sua influência no

Sobre Com|M>i1.»mcnto e C\»gniv*lo 301


comportamento-alvo, permitindo que se demonstre a existência de uma relação funcional
entre estes antecedentes, as conseqüências e o comportamento de interesse.
Analisar as contingências responsáveis por um comportamento ou por mudanças
neste comportamento ó identificar a sua função e isto substitui uma análise do
comportamento em termos causais; náo existe um agente iniciador e sim relações funcionais.
0 analista do comportamento leva em conta aspectos do ambiente e a funçáo que o
comportamento tem naquele ambiente.
Para se buscar uma relação ordenada entre as variáveis ambientais e as variáveis
comportamentais relacionadas com este efeito, algumas estratégias são utilizadas: são
os chamados delineamentos experimentais, onde se variam os estímulos antecedentes
presumidos e registram-se as respostas.
Para isto, Kunkel utilizou em seu trabalho um delineamento quase-experimental
com técnica de reversão A-B-A e grupo de controle. Neste tipo de delineamento, as situações
de linha de base e intervenção são revertidas (ou alteradas). Trata-se de delineamento de
aplicação restrita, ou seja, apenas quando os efeitos da intervenção podem ser cancelados,
ou quando o retorno às condições de linha de base representa uma situação socialmente
aceitável para o sujeito.
Os delineamentos quase-experimentais são úteis para realizar pesquisas
aplicadas, em situações em que não é possível atingir o mesmo grau do controle, mas um
grau próximo ao dos delineamentos experimentais, para inferir que dado tratamento teve o
efeito pretendido.
As publicações consultadas pelo autor têm uma fundamentação bem documentada
contêm informação bastante detalhada e forneceram-lhe os dados necessários, requisitos
de Deitz (1982) para uma significativa análise aplicada do comportamento
Este estudo cobre 150 anos da história de Veneza, de 1650 até 1800. Durante
este período, o poder econômico da república declinou bastante, mas as artes e,
principalmente, a música, floresceram por décadas.

1 - C enário
1.1. Os dados apresentados foram colhidos de registros de biógrafos do padre e compositor
Antonio Vivaldi (1678-1741) e de uma análise histórica da música italiana durante o
século XVIII.
Veneza tinha uma população de 140.000 habitantes em 1700 e muitos orfanatos,
fundados no século XIV e mantidos por particulares. Estas instituições aceitavam
órfãos, crianças abandonadas às suas portas, pela cidade e em igrejas, crianças
caçulas de famílias que não podiam sustentá-las, de mães solteiras da nobreza e de
famílias muito pobres.

1.2. O grupo experimental consistiu dos quatro mais conhecidos orfanatos para meninas
em Veneza: I Mendicanti (Os Mendigos); I Incurabili (Os Incuráveis); I Ospedaletto
(O Hospitalzinho) e o mais famoso, La Pietá (Piedade).
Durante o período histórico estudado, diversas escolas e até conservatórios
desenvolveram-se dentro destas instituições e, mais ou menos em 1710, tornaram-
se conhecidos, principalmente, como centros musicais de excelência - embora sua
função primeira fosse cuidar de órfãs carentes.

Sônia dos Santos Caslanhcira


1.3. O grupo de controle consistiu dos vários outros orfanatos de Voneza e de outras
cidades da Itália, identificados por Kunkel. Sua função era educar enjeitados e órfãos
ensinando-lhes habilidades sociais o intelectuais básicas, mas só alguns se
sobressaíram. Essas instituições não exibiam um padrão de desenvolvimento e
declínio musical tão definido como as quatro do grupo experimental.

II- Comportamento de interesse


Os comportamentos analisados eram os conjuntos de atividades, classificados
sob o termo "desempenho musical" e considerado entre os mais complexos que se possa
imaginar.
A música não é uma atividade trivial, exige uma prática considerável e um estorço
substancial do indivíduo. Desempenho musical são cadeias de comportamentos complexos,
envolvidas nos concertos, difíceis de serem adquiridas e mantidas. Segundo autores
pesquisados por Kunkel, o talento musical parece ter algum fator genético, distribuído
mais ou menos de maneira normal em qualquer população mas, sua manifestação, é uma
variável que depende de condições externas.

III- Sujeitos
A amostra estudada por Kunkel era composta de meninas de até 19 anos de
idade, que viviam nos quatro orfanatos do grupo experimental e especialmente aquelas
que viviam no La Pietá. Na sua maioria, eram crianças abandonadas por desconhecidos e
o segundo maior grupo, formado pelas órfãs.
A indicação das crianças para os grupos de controle e experimental pode ser
considerada aleatória, pois a ida para um ou outro orfanato era determinada pelo lugar de
falecimento dos pais ou de nascimento ilegítimo. A única diferença era o sexo, pois metade
destas instituições da Itália recolhia meninas, e bastante novinhas.
Não havia, portanto, seleção sistemática destas crianças com talentos musicais
especiais. Não há motivo para acreditar que fossem mais talentosas que a população em
geral ou que representassem um segmento especialmente pouco dotado.
Nestes quatro orfanatos dava-se uma ênfase especial àquelas habilidades adicionais
que os seus diretores achavam que tornariam as meninas mais desejáveis como esposas
e mais competentes num mercado de empregos muito limitado.
A música passou a ser vista como um aspecto significativo deste desejo e
competência. Por volta de 1710, já havia um grande coro e orquestra, complementados
por diversos solistas vocais e instrumentais. Há muitas indicações de que as meninas do
coro e orquestra eram jovens alegres, pareciam se divertir muito nos intervalos das audições
e se comportavam como adolescentes normais e despreocupadas do sóc. XVIII.
Aos 18, 19 anos estas meninas tinham que deixar os orfanatos. Algumas se
casavam, outras se tornavam freiras e algumas outras se tornavam professoras de música.

IV- Procedimentos
Matos (1999) considera os seguintes passos para realização de uma análise
funcional do comportamento:

Sobro C om p o rta m e n to e C ognição 3 0 3


(1) definir o comportamento de interesse - neste artigo, o desempenho musical;
(2) identificar e descrever o efeito comportamental - aqui, reforçadores primários (frutas,
lenha etc), secundários (dinheiro, status, bons empregos e casamentos, etc);
(3) identificar relações ordenadas entre as variáveis ambientais e o comportamento de
interesse e entre este e outros comportamentos existentes - Kunkel cita a maior
quantidade e qualidade dos concertos, o sucesso entre viajantes, turistas, professores
e conhecedores de música, para as órfãs que cantavam no coro e tocavam na orquestra
(ver item Medidas);
(4) formular predições sobre os efeitos de manipulações dessas variáveis e desses
outros comportamentos sobre o comportamento de interesse - o autor mostra o
apogeu e declínio do desempenho musical quando muda o contexto externo que o
mantinha;
(5) testar essas predições - por se tratar de um estudo histórico, a predição foi apenas
constatada pelo autor.
Os experimentadoreseram os membros dos quatro conselhos de diretores dos orfanatos.
Os procedimentos experimentais consistiam de mudanças nas contingências
arranjadas por estes administradores.
A Vanável Independente era os vários tipos de apoio e ajuda que os coordenadores
dos orfanatos liberavam para as atividades musicais. Eles passaram a dar uma atenção
especial aos membros do coro. aos solistas e à orquestra inteira, encorajando gradualmente
a preparação sistemática para os concertos públicos. Os reforçadores primários (S+) e
secundários (Sr) liberados foram aumentados gradualmente, mantiveram-se num nível alto
por mais ou menos 50 anos (1700-1750) e depois diminuíram (1750-1800).
A Variável Dependente era uma grande variedade de atividades musicais, das práticas
iniciais das meninas de 7 a 10 anos, até execuções de concertos por solistas de 19 anos.
De um modo geral, o esquema de reforçamento envolvia um aumento dos benefícios
que estavam associados à habilidade e desempenho musical. Além dos privilégios especiais
(por ex., frutas e cestas de lenha toda semana durante o inverno), os membros do coro e
orquestra tinham direito a um reforçador secundário muito poderoso: ficavam com parte da
receita do caixa, dos ingressos vendidos para concertos particulares nos palácios da
aristocracia e com o pagamento das aulas dadas a alunos vindos da nobreza.
Como professoras de música, além das gorjetas e salários extras, as alunas
mais velhas tinham a oportunidade de encontrar patrões ricos entre os nobres, banqueiros
e mercadores. Mas, a seleção destes grupos era baseada na competência musical.
Portanto, as meninas que se esforçavam mais estudando música eram as que, com toda
certeza, garantiam os benefícios extras do sistema de reforçamento.
Algumas conseqüências reforçadoras eram para todas - dinheiro, privilégios e estima
de outras pessoas - enquanto outras vinham mais tarde e somente para algumas - as
chances de uma carreira musical bem sucedida e a possibilidade de um bom casamento.
As meninas mais novinhas, que estavam aprendendo a tocar ou cantar e que não
tinham idade para dar concertos públicos, continuavam a estudar com afinco, mas só
recebiam os privilégios institucionais. As outras vantagens permaneciam num futuro distante,
mas eram bem reais e podiam ser observadas nas mais velhas e mais comprometidas
com a música.

304 Sônid j os Santos Cdstanhcira


Nenhuma destas contingências foi manipulada nos orfanatos que participaram do
grupo de controle.
As instituições, e principalmente o La Pietá, gastavam verbas consideráveis para
a aquisição e manutenção de bons instrumentos; para a contratação de mais e melhores
professores de canto e de maestros; para a compra de músicas inéditas de compositores
reconhecidos e para pagamento dos melhores salários dos professores de música da
Itália, na metade do século XVIII.
O padre e compositor Antonio Vivaldi foi contratado em 1703, aos 25 anos, para
preencher o novo cargo criado de professor de violino e lá ficou até 1740, um ano antes de
seu falecimento. Obras complexas como o "Magnificat" e o "Gloria" e a maioria dos 39
concertos para fagote de Vivaldi foram escritos para as meninas do La Pietá.
A partir de 1690 e por muitas décadas, os concertos periódicos se tornaram
meios eficientes de prover recursos financeiros e atender as despesas dos orfanatos. O
dinheiro era obtido diretamente, através dos preços dos ingressos e, indiretamente, pela
publicidade que levava a vários presentes e ricas doações de heranças.

V - Análise das contingências criadas neste contexto


A alta qualidade dos concertos indica que os músicos eram selecionados com
base mais na competência do que em outros fatores, musicalmente irrelevantes.
O uso consistente de critérios tão objetivos estabeleceu uma relação recíproca e
definitiva entre indivíduo e contexto. Deste modo, as meninas eram capazes de exercer
um controle considerável sobre os efeitos positivos que podiam antecipar e este controle
interno contribuiu para a manutenção de suas atividades musicais.
O sistema operou de forma a tornar claro que, quanto mais praticassem e o
fizessem bem, melhores musicistas se tornariam e ganhariam vários benefícios,
institucionais e extras, até o dia que tivessem que deixar o orfanato.
Havia muitos modelos (as musicistas ativas) que recebiam recompensas abstratas,
mas bem reais. A imitação dos comportamentos complexos destes modelos, pelas mais
novas, podia envolver uma escala de duração de no mínimo 8 a 10 anos mas não
desestimulava a aprendizagem.
Através da observação, uma menina de 10 anos percebia, nas vidas das garotas
mais velhas, que as recompensas tangíveis para sua prática de violino ou fagote estava no
m/nimo cinco anos para frente, e que a conseqüência positiva mais significativa, de um
bom casamento, levaria 10 anos para ser obtida, mas duraria a vida toda. Essa menina
mais nova, que lutava com um instrumento complicado, tinha uma expectativa bem realista
de que ela iria, algum dia, tocar um concerto inédito que Vivaldi escreveria para ela
(recompensa com atraso).
A diferença entre observador e modelo era temporária e com certeza desapareceria
- mas somente se o observador continuasse treinando com o instrumento.
Este sistema de contingências positivas tornou óbvio o uso explícito de consequências
expressamente aversivas. Toda menina sabia que. se tocasse ou cantasse de forma inadequada,
não seria membro da orquestra ou coro por muito tempo e então, perderia um punhado de
recompensas, imediatas e de longo prazo (punição negativa).
Entretanto, em meados de 1750, Veneza experimentou uma grande

Sobre Comportomcnlo c CoflniçJo 305


queda econômica que influenciou e reverteu diretamente as contingências que mantinham
a performance musical nas quatro instituições experimentais. O colapso econômico passou
a significar que haveria muito pouco dinheiro para patrocinar os concertos musicais e os
programas de música desses orfanatos.
Por causa disto, todos os Sr’s, incentivos e privilégios que envolviam dinheiro e
que eram dados pelo bom desempenho musical das meninas foram retirados pelos
coordenadores. Não podiam mais pagar um bom salário aos professores, comprar
instrumentos, fazer sua manutenção e pagar por novas partituras musicais, como no
passado. Entre 1782 e 1796, os programa musicais em três dos orfanatos foram
interrompidos. Somente o La Pietá esforçou-se para continuar até o inicio de 1800.
O curso dos eventos históricos, portanto, criou um delineamento de reversão A-
B-A para este grupo experimental. As fases A representaram os períodos onde a performance
musical não era reforçada pelos coordenadores, enquanto a fase B representou o intervalo
quando as contingências específicas mantinham tal comportamento.

VI- Medidas

Kunkel (1985) encontrou mudanças comportamentais nas quatro instituições


experimentais e mediu esta atividade musical ao longo de três dimensões:
a) o número de meninas no coro e orquestra:
b) a quantidade de audições regulares e especiais;
c) a qualidade dos músicos e concertos.
O número de músicos e a quantidade das audições foram determinados pelos
cálculos contemporâneos dos administradores, cidadãos venezianos, por guias de viagem
e roteiros publicados em Veneza, relatos de viajantes (turistas e compositores) de diversos
paises, por um período de 100 anos.
A qualidade dos concertos é mais difícil de se medir. A reputação geral é,
provavelmente, um indicador tão bom quanto as opiniões de críticos particulares. Levam-
se anos para se estabelecer uma reputação de excelência musical e anos para essa
reputação ser perdida, mesmo em face da mediocridade.
De acordo com relatos contemporâneos em Veneza o outros lugares, havia uma
pressão informal considerável para que os visitantes estrangeiros importantes, ou não,
assistissem alguns concertos no La Pietá. Era tão grande a fama dessas audições que,
se não o fizessem, as pessoas de sua terra duvidariam que realmente tivessem estado
em Veneza. Viajantes sofisticados e músicos profissionais chegavam à conclusão que as
apresentações dos orfanatos estavam entre as melhores da Europa e melhores do que a
maioria das organizações profissionais.
O erudito Charles de Brosses escreveu aos amigos que

"...as meninas cantam como anjos e tocam violino, flauta, órgão, oboó, cello e
fagote . N3o há instrumento (..) que possa amedrontá-las (......). O La Piotá ó
também o melhor na perfeição e precisão de execução orquestral...(
Pincherle,1957:19; Kolneder, 1970:123; em Kunkel, J., 1985).

Sônia dos Santos Cdstanhcira


Alguns anos mais tarde, Rousseau assistiu aos concertos no Mendicanti e
escreveu:

“Na minha opinião, a música do tipo da dos orfanatos é muito superior à das
óporas g não tem equivalente em toda Itália e talvez o mundo. Todo domingo...
durante os vesperais, motetos para grande coro com uma grande orquestra, que
sõo compostos e conduzidos pelos maiores mestros da Itália, sào executados,
em galerias gradeadas, somente por garotas das quais a mais velha não tom
ainda 20 anos. Não posso conceber algo mais voluptuoso, tão comovente quanto
esta música...." (Pincherle, 1957:20; em Kunkel, J.,1985).

Baseado nestas afirmações e nas composições escritas para elas, torna-se


evidente que as órfãs músicas eram de fato de primeira ordem, apesar da mudança continua
de elementos da orquestra. Quando as mais velhas e mais experientes se casavam ou
atingiam a idade que as forçava abandonar o orfanato, eram substituídas pelas mais jovens.
Uma variável estranha, que poderia confundir as relações investigadas entre
desempenho musical - conseqüências reforçadoras e a medida de fatores cruciais, foi a
da "beleza" das artistas. Além da suposição que a atração física das órfãs caísse na
mesma faixa que a da população em geral, a avaliação preconceituosa das performances
musicais das meninas (“quanto mais bonitas mais brilhantes musicistas") era muito reduzida
pelo costume dos orfanatos de esconder todos os músicos atrás de telas de madeira ou
treliças de metal que os separavam da audiência.
Os músicos eram usualmente conhecidos pelos instrumentos que tocavam já
que, como crianças abandonadas, não tinham nomes de família. Mesmo Rousseau, que
teve oportunidade de estar, ao vivo, com algumas delas relatou que “.... dificilmente se
encontrava uma sem um defeito físico considerável" (Pincherle, p.20; em Kunkel, 1985).

VII- Resultados
Durante o período investigado por este experimento natural, não houve mudanças
sistemáticas no desempenho musical nos orfanatos do grupo de controle. Mas, Kunkel
encontrou mudanças comportamentais nas quatro instituições experimentais.
Só no La Pietá, o número de musicistas aumentou de zero, antes de 1650, para
40 quando Vivaldi chegou para ensinar em 1703 e para 70, por volta de 1740. Além das
meninas que realmente tocavam e cantavam, havia um número igual (70) de jovens
musicistas treinando para substituírem os membros efetivos quando fizessem 20 anos.
Com a retirada do apoio financeiro, nos 50 anos seguintes, o reforçamento do
desempenho musical diminuiu e também o número de artistas. Kunkel afirma que, por volta
de 1790, havia "apenas um punhado delas, e alguns anos depois, nenhuma mais" (p.452).
O mesmo aconteceu em rolação ao número o qualidade dos concertos. A sua
freqüência aumentou chegando a 70-90 audições por ano, sempre com peças inéditas que
os colocava entre os melhores da Europa. Após 1760, e nos anos subseqüentes, "um
número cada vez maior de visitantes passou a expressar seu desapontamento e no início de
1800, havia poucos concertos e estes eram dados apenas em ocasiões especiais" (p.453).
O grupo de controle, formado pelos outros orfanatos de Veneza e de outras cidades
da Itália, não exibiu um padrão tão definido de desenvolvimento e declínio musical. Além

Sobre Comportdmenlo c C o^nlçío 3 0 7


dos quatro "consorvatórios" venezianos, havia quatro em Nápoles, para meninos. Nenhum,
entretanto, se aproximou da fama dos orfanatos de Veneza e à reputação do La Pietá.
Historiadores não indicam que o conselho de diretores destas outras instituições fizessem
esforços semelhantes para desenvolver os talentos musicais de seus protegidos.

VIII - Discussão
Desde que os grupos, experimental e de controle, eram bastante similares e não
diferiam da população geral em talento ou outras aptidões inatas, segundo Kunkel, a
ascensão e queda de apresentações famosas nos quatro orfanatos do grupo experimental
devem ser atribuídas a outros fatores.
A atmosfera musical de Veneza era conhecida antes de 1650, chegou ao seu
apogeu durante as dócadas de ouro de 1700*1750, mas a música continuou a ser uma
parte importante de sua cultura após 1800.
A principal mudança que ocorreu nos orfanatos durante esses 150 anos (além do
aumento de tamanho) foi o apoio que os diretores das quatro instituições do grupo
experimental deram à educação musical de suas órfãs. Esse apoio teve início em 1660, foi
mantido num alto nível entre 1700-1750 e então retirado, bem rapidamente. Esse esquema
de reforçamento era sistemático e consistente para uma grande variedade de atividades
musicais.
Os programas originais dos dirigentes não incluíam recompensas adicionais como
prestígio, pagamento por aulas e boas oportunidades de casamento, mas se tornaram,
pouco a pouco, conseqüências naturais do sistema de fazer-música que haviam criado.
Pierce (1991) aponta, contudo, algumas limitações percebidas por ele, neste
trabalho de pesquisa retroativa de Kunkel:
(1) a dificuldade para eliminar todas as variáveis estranhas;
(2) a especificação da VI ficou imprecisa pois, segundo ele, Kunkel não investigou qual
das várias contingências estabelecidas pelos administradores controlou realmente o
nível e a qualidade do desempenho musical das alunas (se privilégios, incentivos, ou
imitação, etc);
(3) Kunkel não explora a natureza exata do processo de reforçamento utilizado (se a lei
do efeito, lei de matching, princípio de Premack etc), ou seja, não esclarece os
processos e princípios comportamentais subjacentes à ascensão da performance
musical;
(4) a variabilidade comportamentaJ normalmente cresce durante a extinção experimental
e Kunkel não menciona se houve maior variabilidade na performance musical durante
a retirada dos reforçadores. Para Pierce, é difícil ver a ascensão e queda dos concertos
musicais só como processos de reforçamento/extinção;
(5) uma análise comportamental mais completa deveria incluir, não só a interação entre
comportamento verbal e não-verbal, mas a interação entre esquemas e eventos
reforçadores, o contexto do reforçamento e as inter-relações entre as inúmeras variáveis
de controle de estímulo.
Entretanto, um aspecto importante e que ficou aparente neste trabalho é que as
contingências podem operar dentro de um sistema social e econômico mais amplo, embora
percam algo de sua eficácia quando partes significativas do contexto são alteradas.

308 Sônid dos Siintos Castanheiro


Por exemplo, quando os reforçadores intermediários (dinheiro das entradas e aulas
e outros reforçadores tangíveis, materiais) daqueía longa cadeia de comportamentos - difíceis
e duradouros para um bom desempenho musical - foram reduzidos e, mais tarde, eliminados,
o prestígio e status alcançado, além das possibilidades de bons casamentos, não foram
suficientemente concretos e poderosos para mantê-la. Então, os comportamentos dessa
complexa cadeia foram enfraquecidos e, eventualmente, desapareceram.
Mesmo com estas observações sensatas, não há como negar que experimentos
naturais de sistemas sociais têm um importante papel para testar e clarificar interpretações
comportamentais. Quando a interação entre variáveis de reforçamento for duvidosa, os
quase-experimentos podem ser delineados para detectar estes efeitos.
Se a evidência natural e os resultados de laboratório convergem, as avaliações
comportamentais passam a ter mais credibilidade numa comunidade científica mais
abrangente. O estudo histórico de Kunkel ilustra de forma muito pertinente como, utilizando-
se delineamentos experimentais cuidadosos, o uso criativo de dados de arquivo pode
favorecer a análise comportamental de sistemas sociais, do passado, ou gerar dados
baseados na sociedade contemporânea.

Referências

Deitz, S. M. (1982). Defining applied behavior analysis: An historical analysis. The Behavior
Analyst, 5, 53-65.
Kunkel, J. H. (1985). Vivaldi em Veneza: Um teste histórico de proposições psicológicas. The
Psychological Record, 1985, 35, 445-457
Matos, M. A. (1999). Análise funcional do comportamento .Revista Estudos de Psicologia. PUC.
Campinas, v. 16. n.3. p.8-18
Pierce, W.D. (1991). Culture and Society: The Role of Behavioral Analysis. In: P.A. Lamal(Fd.)
Behavioral Analysis of societies and cultural practices. N.Y. H.P. Corporation.

309
Capítulo 29
Avaliação de crianças com
necessidades educativas especiais em
situação de pesquisa-intervenção:
dificuldades e algumas soluções
Sônm Kcffi/M Horim Inumo*

A avaliação do desenvolvimento infantil, feita no contexto de intervenção psicológica


e ou de pesquisa, tradicionalmente é realizada por meio de um conjunto de técnicas e
provas ou testes, que incluem a aplicação de testes, escalas e inventários de desenvolvimento,
assim como a observação direta de comportamento em ambiente natural (escola, família,
por exempio) e em laboratório ou clínica. Surge da necessidade de investigar e avaliar uma
queixa relativa a uma necessidade ou dificuldade apresentada pelo indivíduo. Variáveis como
sexo, idade, escolaridade, contexto em que o indivíduo está inserido e outras, sugerem ou
direcionam os procedimentos do processo de avaliação. Conforme a necessidade ou
dificuldade, itens de determinadas áreas (cognitiva, comportamental, afetiva e outras) devem
ser verificados e avaliados (Leal, 2004, Soprani, 2004).
Para contribuir na intervenção das dificuldades, ó preciso buscar conhecer o indivíduo,
como ele age ou reage diante de determinadas situações, identificar aspectos afetivos e
cognitivos e relacionar com aspectos sociais e de saúde envolvidos no seu contexto de vida
(Marchesi & Martin, 1995). Assim, um avaliador obtém e registra observações sobre
coi nportamentos (verbais e ou não-verbais) do indivíduo avaliado, buscando informações sobre
seus vários contextos - familiar, social, econômico, religioso e de saúde, por exemplo; conduz

* Professora Doutora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento, Programa de Pós-


Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Espirito Santo.
E-mail: SttniacnumQ<atflrra.CQm.Ür enumosrftanod.ufes.br.
Financiamento: CNPq, CAPES, FACITEC- Prefeitura Municipal de Vitória
Trabalho apresentado no XIII Encontro Brasileiro de Psicoterapia e Medicina Comportamental-ABA 2004,
Campinas, agosto de 2004.

3 1 0 Sôniü Retfin.i Morim I numo


a aplicação de instrumentos, os testes psicológicos, que são compostos de itens a serem
avaliados e permitem a coleta de dados e a observação de ações e comportamentos a respeito
desses itens; analisa dados, informações e respostas coletados; e apresenta um diagnóstico,
sugerindo intervenções adequadas ao problema identificado (Leal, 2004; Soprani, 2004).
Um processo de avaliação pode Incluir a aplicação de instrumentos em vários
momentos da aplicação de um programa de acompanhamento ou intervenção efetuado
com os indivíduos avaliados, como as etapas inicial, intermediária e posterior. Em algumas
modalidades de avaliação psicológica, como na avaliação “assistida" (Linhares, 1995,
1998; Linhares & Enumo, no prelo; Linhares, Escolano & Enumo, no prelo), o processo de
avaliação também pode ser organizado em fases de aplicação do teste, que identificarão
o nível de complexidade da sessão de aplicação quanto ao grau da assistência prestada
pelo avaliador na colocação de um item a ser avaliado. Dependendo da complexidade da
fase da aplicação, o avaliador apresenta ou não uma ajuda proporcional na resolução das
tarefas ou questões colocada pelo teste (Leal, 2004; Soprani, 2004).
Após a aplicação do teste, o avaliador poderá efetuar uma análise das respostas de
cada item avaliado, identificando os resultados obtidos, dentro de uma pré-classificação proposta
para caracterizar ou contextualizar esses resultados (respostas, justificativas e observações,
por exemplo), levando a uma conclusão, que seráo levadas em conta para o diagnóstico.
Para o diagnóstico, são consideradas todas as informações obtidas durante o
processo e as conclusões relatadas proporcionam a sugestão de um processo de intervenção,
ou seja, um processo de acompanhamento a ser efetuado em um examinando ou no ambiente
ou no contexto (por exemplo, na família) em que se encontra o examinando, em determinada
data, com início e fim previstos. Esse processo pode ser compreendido de uma atividade de
intervenção ou de um conjunto de intervenções.
Após e durante os procedimentos de intervenção, os testes psicológicos podem
ser reaplicados para uma nova avaliação, permitindo analisar os efeitos da intervenção.
Informações sobre o examinando individualmente ou em grupos, junto com as
informações obtidas com as aplicações dos testes e classificações efetuadas podem ser
utilizadas em análises estatísticas, que retornam resultados importantes para apoiar a
análise e influenciar no diagnóstico apresentado.
Por fim, ainda segundo Soprani (2004) e Leal (2004), a avaliação é um processo
de coleta de informações a respeito do indivíduo, podendo incluir dados quantitativos
(referentes aos resultados de instrumentos como testes) e qualitativos (referentes ás
informações sobre o desempenho do próprio sujeito para resolução de problemas, por
exemplo), sem privilegiar um tipo de informação (quantitativa) em detrimento de outras
(qualitativas), mas deve-se realizar um processo global, em que seja analisado o grau ou
a eficiência com que o indivíduo atende aos padrões de independência pessoal e
responsabilidade social esperado de sua idade e grupo social. Para tanto, segundo Enumo
e Cunha (2001), o processo de avaliação deve ser continuo, multi e interdisciplinar, incluir
todas as atividades que forneçam dados relevantes, quantitativos ou qualitativos, que
contribuam para identificar os problemas e suas potencialidades do sujeito.
Esta pode ser uma descrição básica do processo geral de um processo avaliativo
em qualquer abordagem teónca (Leal, 2004; Soprani, 2004; Soprani, Leal, Enumo & Menezes,
no prelo), sendo bastante comum no campo do desenvolvimento humano. Neste campo, a
avaliação psicológica é extremamente útil quando se deseja conhecer o desempenho e as
potencialidades do indivíduo; avaliar os progressos ou resultados de programas de intervenção;

Sobre C om porliim enlo e Co^niçAo 311


identificar a fonte de problemas escolares; realizar investigações na área de diagnóstico e
prevenção de distúrbios/atrasos no desenvolvimento, segundo Molfese e Acheson (1997).
A decisão sobre os instrumentos a serem utilizados depende não só dos objetivos
de pesquisa ou da intervenção, mas também do número e tipo de sujeitos ou participantes
envolvidos. Lidando com crianças com necessidades educativas especiais (NEE), por
exemplo, o pesquisador defronta-se com muitas dificuldades para avaliar certas áreas do
desenvolvimento infantil, que envolvem comportamentos não diretamente observáveis e mais
complexos, como a área cognitiva, em contraposição á área motora, por exemplo. Problemas
e controvérsias a respeito de definições de processos envolvidos em comportamentos
cognitivo-lingülsticos somam-se às dificuldades de acessibilidade de avaliação de casos
mais graves ou com impedimentos perceptuais, como ocorre em crianças com deficiência
visual, problemas de comunicação, dificuldades essas que podem ocorrer também nos
casos de dificuldade de aprendizagem escolar.
Com essa população com NEE, é particularmente importante o cuidado no processo
de avaliação das reais limitações e potencialidades dos indivíduos, pois uma avaliação
incorreta pode prejudicar o desenvolvimento psicológico, social e educacional dessas
pessoas, levando à formação de estigmas, que funcionarão como um rótulo imputado aos
indivíduos identificados como desviante ou anormal, os quais passarão a integrar o grupo
minoritário e, conseqüentemente, marginalizado dos deficientes (Amaral, 1995; Enumo,
1998). Assim, no diagnóstico e na classificação dos indivíduos nas diferentes categorias
de excepcionalidade, devem-se considerar os dados num “continuum" e não apenas em
um único momento no processo de avaliação.
Voltado para essa questão do diagnóstico de crianças com NEE, ao longo de 10
anos, um conjunto de pesquisas tem sido realizado um grupo de pesquisa composto por
alunos de pós-graduação e graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito
Santo, com crianças com NEE, tendo em comum também o desafio metodológico de ter
que se avaliar comportamentos cognitivos e lingüísticos em situação natural ou de laboratório.
Nos últimos cinco anos, foram estudadas cerca de 330 crianças, incluindo casos de dificuldade
de aprendizagem escolar, apresentando problemas emocionais e de autocuidado dentário;
casos de problemas de comunicação associados síndromes genéticas, com problemas
neurológicos; casos de deficiência visual (cegueira e baixa visão moderada e grave), de
atraso no desenvolvimento associados a síndromes genéticas incluindo autismo; e crianças
hospitalizadas com câncer (Cunha, 2004; Dias & Enumo, 2004; Dias, Paula, Ferrão &
Enumo, no prelo; Enumo, 1996, 1997; Enumo & Batista, 2000; Enumo, Cunha, Dias &
Paula, 2001; Enumo, Dias, Turini & Ferrão, 2003; Enumo et al., 2003; Enumo & Kerbauy,
1995,2000,2003; Enumo, Santiago & Medeiros, 1999; Motta & Enumo, 2002,2004a, 2004b;
Motta, Enumo & Ferrão, no prelo; Paula, 2004). Nesta situação, o desafio do psicólogo está
em considerar o conjunto de habilidades complexas, relacionado às estratégias de resolução
de problema, a comunicação e conhecimento lingüístico e as habilidades interpessoais
(Reinecke, Dattilio & Freeman, 1999).
Entende-se aqui o termo 'cognição' como mais amplo do que ‘conteúdos cognitivos’-
incluindo-se aqui pensamentos ou auto-afirmações atuais da pessoa, suas percepções,
avaliações, crenças, atitudes, lembranças, objetivos, valores, expectativas e atribuições,
relacionando-se não só à abordagem comportamental, mas também às chamadas terapias
cognitivas ou cognitivo-comportamentais. Estas são apresentadas por Reinecke et al. (1999,
p. 22) como sendo"... coerente com os modelos integrativo e construtivista contemporâneos

3 1 2 Sôni.i Rrflin.i H o rim Lnumo


da mudança comportamental". O comportamento ó visto como adaptativo, um produto da
interação de fatores biológicos, genéticos, interpessoais e ambientais, e existe interação
entre pensamento, sentimentos e condutas do indivíduo, de modo que as cognições
influenciam as emoções e o comportamento (Reinecke et al., 1999). Incluem-se as técnicas
para facilitar o desenvolvimento do pensamento reflexivo, a resolução eficaz de problemas e
a auto-regulação, especialmente em crianças e adolescentes (Ervin, Bankert & Dupaul,
1999; Reinecke ot al., 1999; Shapiro & Bradley, 1999; Shirk & Harter, 1999; Trapani &
Getinger, 1999). Sua aplicação à área das deficiências trouxe um clima mais otimista ao
prognóstico dessas pessoas, por sua crença, cada vez mais comprovada, na capacidade
geral de aprendizagem do ser humano como função de arranjos de contingências (Enumo,
1998). Da mesma forma, o diagnóstico comportamental, descrito por autores como Godoy
(1999), Keepe, Kopel e Gordon (1980), Letner (1995), Pearl e Guarnaccia (1980), Rimm e
Masters (1983), Silvares (1991), ao ser aplicado em pessoas com deficiência, apresenta-se
como uma alternativa que evita a interpretação do comportamento observado como um
"sintoma" de algum processo mórbido subjacente.
Tradicionaímente, na avaliação diagnóstica de crianças com NEE, utiliza-se um
enfoque "comparativo" no qual, as crianças são avaliadas em relação às características de
crianças com a mesma idade cronológica. Assume-se aqui que as difere/iças identificadas
são atribuídas à deficiência em foco. São feitas, assim, comparações entre populações,
baseadas em normas de desenvolvimento. A crítica central desse enfoque está no fato de
que, no geral, essas pesquisas mostram que as crianças com deficiências são atrasadas
em muitos aspectos do desenvolvimento, levando a uma baixa expectativa sobre seu
desempenho por parte de pais e profissionais, segundo Warren (1994), analisando a área
de deficiência visual. Este autor propõe, então, a adoção de um enfoque "diferencial",
menos freqüentemente usado, mas que traria resultados mais positivos para a área, pois
busca diferenças dentro de uma população, questionando a natureza e as causas da
variação dentro de uma mesma população.
Desde a década de 80 do século passado, observa-se um aumento no uso de
testes escolares informais, além das provas referenciadas a critérios (criterion-referenced
tests) e o uso do sujeito como seu próprio controle, assim como a obtenção de informações
com pais e professores, considerando-se que estes últimos estão em melhor posição
para fornecer informações mais válidas do que os resultados em testes (Swallow, 1981).
Há, assim, uma tendência, portanto, de flexibilização da avaliação.
Nesse contexto, surgiu, na década de 70 do século XX, em Israel e nos EUA, uma
modalidade alternativa de avaliação na área cognitiva, baseada na teoria da aprendizagem
mediada de Feuerstein e da zona de desenvolvimento proximal de Vygotsky, a partir dos
trabalhos de Feuerstein, Hamilton e Budoff, Carlson e Wiedl, Brown e Ferrara, Feuerstein,
Rand, Tzuriel e Klein, Tzuriel e Haywood, e de Swanson já na década de 90, segundo
revisão feita por Campione (1989), Linhares (1995,1998) e Sternberg e Grigorenko (2002).
Propõe-se a flexibilização do procedimento de avaliação com qualquer criança, através da
avaliação “assistida", "dinâmica” ou "interativa", de forma a maximizar as possibilidades de
bom desempenho da criança e conhecer seu padrão de desempenho (Lidz, 1987).
Para otimizar o desempenho da criança, a mediação da aprendizagem é proposta
como contexto básico, de forma que ocorra mudança comportamental. Essa mediação
constitui-se de uma mini'Situação de aprendizagem cooperativa entre a criança e o
examinador, a qual pode envolver o fornecimento de pistas para organizar a tarefa, sugestões,

Nobre Comportamento e CüfituçJo 3 1 3


o “feedback" durante e após a solução, instruções passo-a-passo, modelos o demonstrações,
adicionais concreto de memória e tolerância ao erro, permitir novas tentativas e oportunidades
para correção, entre outras possibilidades de ajuda. Quando essa tase de assistência prevê
um gradiente de mediação ou pistas, de modo estruturado em níveis progressivos de ajuda,
é possível identificar a sensibilidade que a criança tem à instrução adicional que recebe;
podendo-se, assim, fazer comparações entre sujeitos ou grupos (Linhares, 1998).
Essa forma de avaliação costuma se organizar em fases - inicial, sem ajuda; fase
de assistência com ajuda do examinador; fase de manutenção sem ajuda, e uma fase de
transferência para verificar a generalização da aprendizagem para novas situações similares,
fase esta opcional, geralmente utilizada em situações de pesquisa. Assim, uma prova
assistida contém itens iniciais sem ajuda, outros intermediários em que o mediador auxilia
a criança com níveis graduais de ajuda, e, na fase final, a criança responde sozinha.
Durante e após a avaliação assistida, são analisadas as respostas da criança não
só em relação aos problemas propostos pela prova, mas também seus comportamentos,
que podem ser classificados em facilitadores e não-facilitadores à execução, afetando
seu desempenho (Ferrão, 2005; Paula, 2004; Tzuriel, 2001).
Em geral, a avaliação assistida complementa a avaliação psicológica feita por provas
"estáticas” (padronizadas), e visa á identificação do desempenho atual e das possibilidades
de aprendizagem em situação de interação com adulto/professor (Campione, 1989; Linhares,
1995,1998; Lidz, 1987). Linhares (1998) destaca que têm sido demonstrados bons resultados
dessa avaliação na área acadêmica, especialmente quando associado com testes
psicométricos como o WISC-III, sendo preditivo para as habilidades de leitura e matemática.
Nestes últimos (testes padronizados), o avaliador apresenta o teste e registra as respostas,
avaliando o repertório já adquirido; a avaliação assistida, por sua vez, procura, com as
orientações do avaliador, possibilitar á criança atingir maiores patamares na capacidade de
solucionar problemas.
Em relação aos testes padronizados, Moltese e Acheson (1997) defendem seu
uso como parte ou base para “baterias de triagem" (screening) usadas para a identificação
prococe de distúrbios no desenvolvimento ou de crianças de risco. Estas, porém, são
geralmente diagnosticadas somente no início da idade escolar. Swallow (1981) considera
que os resultados da avaliação psicológica deveriam ajudar o professor a determinar as
atividades curriculares e as estratégias mais adequadas às necessidades da criança,
além de fornecer dados ou pistas sobre quais habilidades a criança tem, especialmente
aquelas que precisam ser aprendidas ainda.
A seguir, são discutidas algumas soluções encontradas para a avaliação dessas
crianças com NEE, como a aplicação de baterias de testes para "screening" e obtenção
de dados normativos que permitem a comparação com pares, aplicação de provas dinâmicas
ou assistidas de habilidades cognitivas, refinando e afunilando a análise por meio da análise
funcional do comportamento em alguns casos.

Avaliando comportamentos cognitivos e criativos em crianças com


dificuldade de aprendizagem
Essas duas áreas complexas, relacionadas ao comportamento cognitivo e criativo,
têm problemas de definição e de diagnóstico preciso, condição esta que dificulta a tomada
de decisão sobre instrumentos e procedimentos avaliativos quando se buscam suas
relações no contexto de pesquisa.

3 1 4 Sóniti Rotfin.i ( lornn h iu m o


Diante de um grande contingente do alunos para serem avaliados em uma escola
pública de Ensino Fundamental. Dias, Enumo, Turini e Ferrão (2003) optaram por usar um
teste psicométrico brasileiro de desempenho acadêmico - o Teste de Desempenho Escolar
(TDE) - que avalia a Leitura, Escrita e Aritmética (Stein, 1994) - identificando entre 264
aíunos da 2aà 5asérie uma alta freqüência (64,7%) de alunos com indicações de dificuldade
de aprendizagem (Dias & Enumo, 2004, no prelo; Dias, Enumo & Azevedo Jr., 2004; Dias,
Enumo, Silva & Rabbi, no prelo). Dos 144 alunos da 2" e 3* série, 63,3% tiveram desempenho
"inferior" no TDE (63,3%), com pior desempenho no subteste de Escrita (73,1 % da amostra).
Procurando analisar as possibilidades de ensino de comportamentos criativos e
suas relações com comportamento cognitivos nesses alunos com dificuldade de
aprendizagem, foi realizada uma pesquisa experimental por Dias (2004). Para compor os
grupos, foi necessário homogeneizar a amostra em termos de habilidades gerais, sendo
utilizados as escalas do WISC (Wechsler, 1964). Compôs-se, assim, dois grupos de 17
alunos cada, sendo o grupo 1 submetido a um programa de promoção da criatividade por
3 meses. No pré e pós-teste, os grupos foram avaliados polo WISC e pelo Raven -
Matrizes Progressiva Coloridas (Angelini, Alves, Custódio, Duarte & Duarte, 1999), para
análise das habilidades cognitivas desenvolvidas, e pelos Testes Torrance de Pensamento
Criativo - "Torrance Tests of Creative Thinking" (Torrance, 1990), na área da criatividade
Visando a descrever o processo utilizado na resolução de problemas, foi utilizado o Jogo
de Perguntas de Busca com Figuras Diversas - PBFD - , elaborado por Gera e Linhares
(1998), que tem um formato assistido, com aplicação individualizada. A mediação do
experimentador, na fase de assistência da prova assistida, foi analisada segundo cinco
níveis de ajuda: J\-feedback, 2-análise comparativa, 3-exemplo de pergunta relevante, 4-
retirada dos cartões, e 5-demonstração de um modelo de uso da estratégia; calculando-
se sua proporção para cada grupo.
Foi possível, assim, com esse conjunto de instrumentos, identificar a melhora no
desempenho acadêmico e cognitivo do grupo 1, após a intervenção. A prova assistida
(PBFD), em especial, permitiu identificar desempenhos distintos entre os grupos,
inicialmente não percebidos nas outras provas; também possibilitou mostrar as
possibilidades de aprendizagem desses alunos, os níveis de ajuda necessários para a
aprendizagem, considerando-se adequada a utilização desse tipo de prova na avaliação
de programas de intervenção para essa população.

Avaliando comportamentos cognitivos e acadêmicos em crianças com


deficiência visual
Uma questão surge quando se pretende avaliar de crianças com Deficiência Visual
(DV). Tem-se o problema é transpor tarefas visuais para serem tateáveis. A questão crucial
é como conceber a tarefa a ser recebida pela criança por meios alternativos ao material
gráfico tradicional (figuras, quebra-cabeças, palavras e textos impressos de modo
convencional). As soluções devem ser pensadas no sentido de superar as dificuldades
(impossibilidade de ver figuras e material gráfico convencional do cego, dificuldade de
enxergar nas crianças com baixa visão). Uma solução parcial tem sido o uso de somente
os itens verbais do teste, algumas vezes adotado no caso do WISC, mas o material não
pode ser alterado, para não se perder a padronização do teste. Swallow (1981) assim
resume as modificações usadas pelos pesquisadores dessa área: a) mudanças no estímulo
- substituição de objetos concretos por figuras simbólicas ou palavras; ampliação das

Sobro Com pofliim cnlo c Co^nlçAo 315


figuras; transcrições para o braille ou com impressão maior; uso de circuito de TV- CCVT;
leitura oral dos itens para o aluno; e b) mudanças nas respostas - apresentação dos itens
na forma de múltipla escolha ou por respostas "sim" ou "não"; permitir o uso de gestos ou
apontar; responder oralmente; respostas impressas ou em braille; estender o tempo
permitido (regra geral). Contudo, essa autora argumenta que todas essas mudanças
invalidam os resultados de um instrumento formal, além do fato desses sujeitos não terem
composto a população normativa na elaboração do teste. Assim, os procedimentos da
avaliação assistida são uma opção, por serem mais flexíveis e alguns materiais podem
ser especialmente produzidos.
Lembramos que não há no país provas de avaliação cognitiva, padronizadas ou não,
para uso com crianças com DV, pressupondo-se que essas crianças são submetidas a
avaliações informais ou não sistematizadas, após a elaboração do laudo módico-oftalmológico.
Por todas as restrições feitas anteriormente a respeito da avaliação psicométrica e das
adaptações de instrumentos, e considerandos que não se deve postular que pessoas com
deficiência visual tenham diferenças no desenvolvimento cognitivo, Enumo e Batista (2000)
optaram por propor uma forma alternativa de avaliação ao invés de se fazer adaptações de
testes já em uso no exterior. Elaboraram um conjunto de provas assistidas especificas para
pró-escolares e crianças em fase de alfabetização, avaliando aspectos do desempenho
escolar e cognitivo, em material específicos para casos de cegueira (tateável) e baixa visão.
Essa proposta incluiu a aplicação de uma prova psicométrica tradicional (WISC-Verbal),
algumas provas relacionadas á formação de conceito, com procedimento assistido, e algumas
provas específicas ligadas ao desempenho escolar, com conteúdo básico para a alfabetização
- reconhecimento de letras, palavras e números (letra de imprensa e braille) e noção de
quantidade. Foram incluídos também dados gerais sobre o comportamento da criança
frente à situação de avaliação e de interação com adultos, como atenção, concentração,
seguimento de ordens, compreensão de instruções verbais, reação emocional frente à situação
nova e de separação da mãe ou responsável, exploração tátil de objetos, entre outros (Enumo,
Batista & Ferrão, no prelo).
Esta proposta de avaliação foi aplicada em 13 crianças com DV, mostrando-se
útil para vários propósitos: a) dar uma visão geral do funcionamento cognitivo da criança
em relação à população infantil geral; b) indicar focos específicos para o planejamento
individual de estratégias de intervenção; c) fazer uma avaliação sistemática do processo
de educação formal de crianças com DV, identificando aquisições o dificuldades específicas.

Avaliando a mediação materna na interação com filhos com deficiência


visual
Preocupada com as baixas expectativas apresentadas por pais de crianças com
DV sobre o desenvolvimento cognitivo de seus filhos, e considerando que a interação mãe-
criança pode ser direcionada pelas expectativas do mediador, interagindo de modo a não
favorecê-lo, através do conhecido fenômeno da “profecia auto-realizadora", também levando
em conta que a mãe é um dos principais interlocutores da interação com a criança, Cunha
(2004), Cunha, Enumo e Pedroza (2004) verificaram se, ao observar a aplicação de
avaliações assistida e padronizada em seu filho, ocorreria alteração em suas expectativas
sobre o desenvolvimento deste.
A pesquisa foi conduzida no Laboratório de Psicologia do Departamento de Psicologia
Social e do Desenvolvimento da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e no Laboratório

316 Sônid Rctfln.i f lorim hnumo


de Educação Especial do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Doze díades màe-criança (5 a 9 anos de idade) com deficiência
visual (baixa visâo) participaram do estudo. Essas diades foram organizadas em dois grupos:
grupo 1(G1)e grupo 2 (G2). A pesquisa foi conduzida a partir de um design experimental com
delineamento de tratamento múltiplo (A-B-A-C-A) em très etapas: Etapa A (Linha-de-base) -
entrevista com a mâe sobre suas expectativas acerca do desempenho intelectual do filho e
registro em video da interação mãe-criança em situaçáo semi-estruturada de aprendizagem
(jogo de dominó). Havia três tipos de dominó de madeira com figuras coloridas, em relevo, de
frutas, objetos e animais, com níveis crescentes de dificuldade, de forma que cada dominó
integrava as figuras do anterior. Para análise da interação mãe-criança, foi utilizada a Escala
de Avaliação de Experiência de Aprendizagem Mediada, de l.idz (1991), operacionalizada para
esta pesquisa, incluindo as categorias: intencionalidade, significação, transcendência, atenção
partilhada, experiência partilhada, competência/regulação na tarefa, competência/elogiar,
competôncia/desafio, diferenciação psicologia, responsividade contingente, envolvimento afetivo,
mudança e responsividade da criança. Essa Escala tem uma utilidade clínica, por não se
tratar de um simples registro de freqüência, mas sim de uma análise qualitativa ampla, em que
ó avaliada uma variedade de aspectos da mediação. Na Fase B (avaliação psicométrica), foi
filmada a observação das mães durante a aplicação da Escala de Maturidade Mental Columbia
no filho. Na Fase C (avaliação assistida), as mães foram filmadas durante a observação da
aplicação de uma das provas assistidas no filho: 1) PBFG-DV (Jogo de Perguntas de Busca
de Figuras Geométricas para Deficientes Visuais), elaborado por Gera e Linhares (1998),
adaptado para DV por Enumo e Batista (2000), para crianças acima de 7 anos; e 2) CATM
(Children’s Analogical Thinking Modifiability), de Tzuriel e Klein (1990), adaptada para DV,
aplicada nos pré-escolares e nas crianças mais velhas com insucesso no PBFG-DV. A
seqüência de procedimentos foi alternada (A-C-A-B-A) para G2, pelo delineamento cruzado
(crossover design), sendo adotado com objetivo de contrabalançar possíveis efeitos da seqüência
de exposição das mães à condição experimental (interação tipo de tratamento - avaliação
assistida ou tradicional - versus ordem de exposição), sendo também"(...) útil na avaliação de
efeitos mais transitórios e imediatos" de acordo com Meltzoff (2001, p. 90). O conteúdo das
entrevistas com as mães foi categorizado.
Independentemente do desempenho da criança, as provas assistidas foram
consideradas, por 66,6% das mães, como mais adequadas do que os procedimentos de
avaliação tradicional para avaliar cognitivamente a criança com deficiência visual (blocos e
figuras grandes e coloridas, formas legíveis, ensino durante a testagem etc.). A prova
cognitiva psicométrica classificou as crianças numa categoiia ampla - abaixo da idade de
maturidade intelectual - enquanto as provas assistidas mostraram sua sensibilidade para
diferenciação intragrupo, identificando que, exceto uma dessas crianças, as demais são
sensíveis à mediação do aplicador, melhorando e mantendo, após assistência, seu
desempenho em tarefas de raciocínio analógico e na elaboração de perguntas de busca
de informação para restringir alternativas, na situaçáo de solução de problemas.
A ordem de apresentação e o tipo de prova (psicométrica ou assistida) não alteraram
as verbalizações das mães sobre suas expectativas de desempenho intelectual do fiího. Da
mesma forma, pela análise estatística, a mãe observar o filho ser avaliado cognitivamente
pelo método tradicional ou assistido não alterou significativamente seu padrão de interação
com a criança na situação de jogo de dominó, segundo a análise dos padrões de mediação
das mães segundo as categorias de Lidz (1991). Contudo, houve correlação significativa
entre o padrão de mediação das mães e o desempenho cognitivo das crianças nas provas

Sobre C o /rtfx irh tm c n to e C o q n itfo 31 7


assistidas, em termos do número de acertos na fase de manutenção (pós-teste) do CATM e
do PBFG-DV, ao contrário dos resultados das crianças, em termos do desvio de idade, na
avaliação pelo Columbia. Assim, quanto mais baixo foi o desempenho da criança nas provas
assistidas, maior foi o nível de mediação das mães na interação com elas nos jogos de
dominó. Ao contrário, o desempenho das crianças na avaliação tradicional não se correlacionou
fortemente com o padrão de mediação materno nesta amostra. Nesse sentido, a avaliação
assistida forneceu um indicador interessante de correlação com a mediação materna, o
qual não foi fornecido pela avaliação tradicional. Além disso, a análise dessa interação
permitiu identificar que as mães, tanto do G1 quanto do G2, apresentaram nível baixo de
mediação para os critérios "intencionalidade" e '‘transcendência’’, especialmente para o critério
"significação", os três critérios de mediação necessários para que a interação possa ser
considerada como uma experiência de aprendizagem mediada e suporte para a promoção
do desenvolvimento cognitivo (Lidz, 1991; Tzuriel, 2001).

Avaliando o comportamento do examinador em situação de avaliação de


crianças com necessidades educativas especiais
Considerando que uma das necessidades da área da avaliação assistida refere-se
á avaliação qualitativa e quantitativa da mediação entre o mediador e a criança durante a
execução da prova, que inclui as fases sem ajuda, de assistência e manutenção, Enumo,
Cunha, Paula e Dias (2002) definiram e descreveram os comportamentos do mediador e da
criança com deficiência visual, na situação de avaliação assistida de habilidades cognitivas.
A partir do registro em videotape de 11 sessões de 25 minutos, foram descritos os
comportamentos verbais e não-verbais, durante a aplicação da Prova de Exclusão de
Figuras Geométricas (Enumo & Batista, 2000), com 4 crianças pré-escolares, e do Jogo
de Pergunta de Busca de Figuras Geométricas para Deficientes Visuais (PBGF-DV), com
7 crianças em fase de alfabetização.
As categorias propostas mostraram-se adequadas à descrição dos comportamentos
do mediador e das crianças, permitindo identificar as estratégias de ensino utilizadas,
especialmente durante a fase de assistência do aplicador.

Avaliando o desempenho cognitivo e lingüístico em crianças com


problemas de comunicação
Se na avaliação de crianças com deficiência visual (DV) o problema maior de avaliação
está na adaptação das provas, para crianças com problemas de comunicação a maior
dificuldade está justamente na acessibilidade ao sujeito. Nesses casos, a Comunicação
Alternativa e Ampliada (CAA) oferece estratégias para compensar ou apoiar padrões de
inaptidão comunicativa; o sua implementação exige avaliação dos recursos da criança.
Procurando, então, formas alternativas e complementares de avaliação dessas
crianças com problemas de comunicação, uma vez que, assim como aquelas com DV,
tipicamente se saem mal em provas psicométricas tradicionais, Paula (2004) e Paula,
Enumo e Maia (2004) investigaram o uso da avaliação assistida no fornecimento de
indicadores cognitivos, comportamentais e afetivo-motivacionais em 7 crianças (8-11 anos)
com problemas de comunicação, com déficits, de leve a severo, nas habilidades de linguagem
e comunicação, freqüentando escolas regulares (1a à 3" série), pública e particular, em
duas cidades do ES, antes e após a intervenção com sistema computadorizado de CAA.

3 1 8 Sôni«i R otina f iorim h iu m o


Na avaliação inicial e para caracterização da amostra, foram utilizadas entrevistas
com pais e professores e instrumentos de avaliação da comunicação e observação na escola,
como: anamnese, entrevistas com professores e pais, Escala de Comunicação Pré-Verbal,
Inventário de Comunicação, Protocolo de Avaliação da Comunicação, Lista de Avaliação do
Vocabulário Expressivo (LAVE), Protocolo de Observação em Sessão e Sala de Aula.
No pré e pós-teste, foram aplicadas provas tradicionais: Escala Columbia de
Maturidade Menta e Teste de Vocabulário por Imagens Peabody (TVIP) computadorizados,
e o Raven-MPC, além de uma prova assistida ~"Children’s Analogical Thinking Modifiability"
(CATM), especial para avaliação do raciocínio analógico de pré-escolares ou crianças com
NEE durante a resolução de problemas. Foram aplicados protocolos de registro de
comportamento, operações cognitivas e fatores afetivo-motivacionais durante as provas.
Na intervenção, utilizaram-se estratégias de aprendizagem mediada em tarefas
de habilidades comunicativas e cognitivas. O programa de intervenção incluiu o uso do
computador com o sistema ImagoAnaVox, desenvolvido por Capovilla, Macedo e Duduchi,
em 1997, Prova assistida de Exclusão de Objetos (Enumo & Batista, 2000), jogos de
raciocínio lógico, analógico e dedutivo, organização de histórias e narrativas, realizado em
152 sessões (17/criança, em média), durante um período de três a quatro meses.
Foram analisados os comportamentos como facílítadores e não-facílítadores para
a execução da tarefa, indicadores de habilidades lingüística e cognitiva, na avaliação e
intervenção, servindo o sujeito como seu próprio controle para a análise dos dados.
A situação de avaliação - psicométrica e assistida estruturada - mostrou-se exaustiva
para essas crianças, como demonstram as classificações inferiores apontadas pela
literatura. Mesmo a prova assistida (CATM) mostrou limitações de uso, visto que, no pós-
teste, somente duas crianças conseguiram completar a prova. As dificuldades de resolução
dos problemas da prova e os diferentes comportamentos de esquiva apresentados pelo
grupo sugerem que essa prova assistida seja reformulada, com novas adaptações no seu
formato, como tamanho (n.° de cartões com problemas analógicos) e duração da prova
(organização de fases com e sem assistência). Como aspecto positivo, considera-se que
o suporte instrucional foi importante para melhorar o desempenho na tarefa para as crianças
que conseguiram realizá-la até o final.
Frente aos diversos tipos de dados obtidos durante a aplicação da prova assistida,
considerou-se ser esta urna importante ferramenta para o diagnóstico psicológico, sendo
complementará abordagem psicométrica, principalmente por identificar as dificuldades nas
diferentes fases da tarefa, assim como os fatores comportamentais que afetaram as respostas,
compondo um perfil de aprendizagem em crianças com problemas de comunicação.

Avaliando a narrativa em pré-escolares e crianças com câncer


Considerando que crianças hospitalizadas estão em situação de risco para o
desenvolvimento, especialmente das áreas cognitivas, lingüísticas e sociais, e levando
em conta que a linguagem tem um papel central na vida humana, contribuindo justamente
ao desenvolvimento dessas habilidades, Leite, Motta, Orlandi, Enumo e Rodrigues (2004)
e Motta, Enumo, Leite, Orlandi, Maia, Dias e Rodrigues (2005) deparam-se com o desafio
de propor uma situação de avaliação que fosse menos aversiva para essas crianças.
Analisando as diversas formas de avaliação da linguagem, constatou-se que o procedimento
assistido - que inclui ajuda do aplicador durante a avaliação - tem se mostrado apropriado.

Sobre Comportamento e Cugnlfdo


Investigando este procedimento de avaliação nessa população, realizaram uma
pesquisa para analisar a aplicação de um instrumento de avaliação e intervenção assistida
da narrativa - "Dynamic Assessment and Intervention: Improving children's narrative abilities",
elaborado por Miller, Gillan e Pefia (2001). Este instrumento avalia os principais aspectos
da narração de histórias: seus componentes (cenário, informação sobre personagens,
ordem temporal dos eventos e relações causais), idéias e linguagem (complexidade
gramatical, de idéias e de vocabulário, conhecimento do diálogo, e criatividade) e estrutura
do episódio (básico, completo e múltiplo). O material contém informações sobre o processo
de avaliação de modo assistido e da intervenção por meio da aprendizagem mediada:
inclui manual de aplicação, dois livros de história sem palavras, com desenhos coloridos
- “Dois amigos" e "O pássaro e seu anel"- e protocolo de registro. Utilizou-se também um
roteiro de entrevista, com 6 perguntas abertas sobre a adequação gráfica do desenho e a
capacidade de gerar interesse na criança. O instrumento foi aplicado de modo assistido,
que inclui as fases: a) sem ajuda, em que é mostrado o livro 1, solicitando que a criança
conte a história apresentada; b) assistência, em que o aplicador seleciona 2 objetivos
para intervir e aplica as estratégias de mediação; e c) teste, em que é apresentado o livro
2, para que a criança conte a história mostrada.
O instrumento foi aplicado em 2 grupos de crianças; Grupo 1:10 crianças (5 meninos
e 5 meninas) não-portadoras de câncer, freqüentando uma pré-escola pública e Grupo 2: 8
crianças (5 meninas e 3 meninos) com câncer, inscritas no Serviço de Onco-hematologia de
um hospital público infantil de Vitória, ES; ambos com idade entre 5 e 7 anos.
Todas as crianças relataram gostar das histórias e consideraram os desenhos
bonitos, por serem coloridos (G1- 66,7% e G2- 55,5%); ambos os grupos melhoraram a
produtividade da história 1 para a história 2 em pelo menos um dos aspectos avaliados
(componentes da história, idéias e linguagem, e estrutura do episódio). Contudo,
comparando a produtividade dos grupos, verifica-se em G2 (com câncer) um percentual de
melhora inferior.
De um modo geral, o instrumento mostrou-se adequado à avaliação da narrativa
dessas crianças sem e com câncer, cujo tratamento traz efeitos sobre o desenvolvimento
cognitivo e o desempenho escolar. O caráter lúdico do material mostrou ser capaz de
envolver e motivar a participação da criança na pesquisa.

Avaliando o enfrentamento da hospitalização em crianças


Estudos indicam que a hospitalização pode afetar o desenvolvimento da criança,
alterando a qualidade de vida e o desenvolvimento infantil. Para lidar com essa situação, o
brincar tem funcionado como estratégia de enfrentamento. Considerando esse contexto,
Motta e Enumo (2002, 2004b, 2004c) e Motta, Enumo e Ferrão (no prelo) abordaram o
conceito de “coping", apontando questões conceituais pertinentes, bem como dificuldades
metodológicas inerentes ao processo de avaliação desse construto. A ênfase recaiu sobre
o estudo das estratégias de enfrentamento em crianças, particularmente em crianças
com câncer, uma vez que o processo de doença e a hospitalização podem desencadear
reações de “stress" e sofrimento, que exigem da criança a utilização de recursos adequados
para o enfrentamento.
Motta e Enumo (2002,2004b, 2004c) elaboraram, então, uma proposta de avaliação
das estratégias de enfrentamento da hospitalização, procurando-se avaliar a importância

3 2 0 Sôni.i Kcgiitd f iorlm I numo


dada ao brincar pela criança e caracterizar atividades lúdicas possíveis no hospital. Foram
entrevistadas 28 crianças hospitalizadas com câncer (6-12 anos; idade média de 9 anos),
em Vitória, ES, sobre suas estratégias de enfrentamento da hospitalização (pensamentos,
sentimentos e atitudes), o que gostaria de fazer no hospital; e o brincar (definição do brincar,
preferência sobre o quê e com quem brincar no hospital). Responderam também a questão:
“O que você tem feito, pensado ou sentido durante o tempo que você fica no hospital?", por
meio de instrumento especialmente elaborado - (AEH) Avaliação das Estratégias de
Enfrentamento da Hospitalização - Conjunto A: Enfrentamento da hospitalização e Conjunto
B: Brincar no hospital. Com o Conjunto A, procurou-se conhecer as formas pelas quais a
criança vem enfrentando a sua doença e o tratamento no hospital. Contém com 21 cenas
desenhadas em preto e branco sobre temas que retratam possíveis estratégias de
enfrentamento da hospitalização. As cenas desse conjunto foram selecionadas e distribuídas
em duas categorias: respostas facilitadoras e não-facilitadoras. O Conjunto B contém 20
desenhos de brinquedos e brincadeiras, classificados em: (E) jogos de exercício (jogar bola
e tocar instrumentos); (S) jogos simbólicos (fantoches, palhaço, desenhar e médico); (A)
jogos de acoplagem (montagem, modelagem, recorte/colagem e quebra-cabeça); (R) jogos
de regras (baralho, minigame, dominó, bingo e dama); e (AD) atividades recreativas diversas
(assistir TV, ler gibi, ouvir histórias, vários brinquedos e cantar e dançar). O instrumento
proposto não é apenas uma escala que mede valores numéricos do comportamento, uma
vez que usa o inquérito para aprofundar as respostas. Este é um diferencial, juntamente com
o estímulo do desenho para as perguntas a serem feitas para a criança, e também a forma
de registro oferecida, que se assemelha a um jogo.
Utilizando-se o referencial da análise funcional do comportamento (Skinner, 1978/
1953), considerou-se que cada comportamento avaliado poderia acontecer em função de
situações antecedentes que o desencadeavam e/ou em função das conseqüências que o
mesmo poderia trazer para a criança, as quais poderiam justificar suas respostas afirmativas
e negativas. Assim, a partir dos relatos verbais das crianças, foram criadas as categorias
descritas a seguir. 1) Categorias fundamentadas em eventos antecedentes à resposta
analisada, como: a) o ambiente hospitalar (recursos materiais, pessoas, local específico,
rotina do hospital e ociosidade justificavam tanto a ocorrência, quanto a não ocorrência do
comportamento); b) o contexto da doença e do tratamento (efeitos da medicação, adaptação
à doença, avaliação positiva do quadro clínico, procedimentos invasivos, depressão, duração
e/ou persistência e prognóstico da doença, preocupação com o tratamento, rotina do
tratamento); c) as características da criança (características pessoais, crenças, valores e
regras); d) o contexto familiar (atitudes dos familiares, experiências vividas em casa e
restrições à convivência diária com parentes e amigos, ao brincar e a outros aspectos do
seu cotidiano); 2) Categorias fundamentadas em eventos conseqüentes à resposta analisada,
como: a) conseqüências positivas (sensações e sentimentos positivos, aprendizagem,
controle da situação, diminuição e eliminação da aversividade da situação, conhecimento
geral sobre a doença, passar de ano, ganhar o que quer, ter companhia e a atividade por si
só); b) conseqüências negativas (sensações e sentimentos negativos, reprovação social,
mal-estar físico, aumento da aversividade da situação, exposição aos outros e
conseqüências negativas para si próprio e para os outros).
Os resultados indicaram que as escolhas ou não das pranchas relativas a
estratégias de enfrentamento da hospitalização “facilitadoras" decorreram tanto de eventos
antecedentes, relacionados principalmente ao ambiente hospitalar, quanto de eventos
conseqüentes relacionados às conseqüências positivas proporcionadas.

Sobre C om portiimento c (*ognl(<1o 321


A grande maioria das crianças (78,6%) relatou que gostariam de brincar no hospital,
o que é justificado principalmente pela sua função lúdica, e de preferência na companhia
de outras crianças internadas. Não houve diferenças significativas nas escolhas entre as
categorias de brincadeiras. O instrumento mostrou que o brincar pode ser um recurso
adequado para a adaptação da criança hospitalizada, permitindo personalizar a intervenção.
Esse procedimento descrito pode ser visto como um recurso para auxiliar a equipe
de Saúde Mental, uma vez que o material proposto pode subsidiar as técnicas de modificação
de conduta a serem instauradas, no sentido de tornar mai9 positivas e adequadas as
estratégias de enfrentamento utilizadas pelas crianças hospitalizadas.

Avaliando condições de saúde e doença em alunos com e sem dificuldade


de aprendizagem
Em outra pesquisa, Enumo (2002) e Turini, Ferrão, Ribeiro e Enumo (2003) de
propuseram a fazer uma análise integradora de alguns aspectos emocionais relacionados à
educação, considerando variáveis potencialmente relacionadas com a aprendizagem escolar,
de forma a identificar, descrever e analisar as possiveis relações entre emoções relatadas,
relacionadas á ansiedade, depressão, ‘‘stress’’, doenças físicas, queixas somáticas, faltas
escolares, peso e altura de alunos com e sem indicação de dificuldade de aprendizagem
escolar (DA).
Diante do grande número de alunos a serem avaliados, foi proposta uma avaliação
que tivesse a função de “screening”. Assim, 60 alunos (8-14 anos) da 3a e 4a série de uma
escola pública de Vitória, ES, divididos em G1 (desempenho inferior no Teste de Desempenho
Escolar de Stein, 1994) e G2 (superior), responderam o IDATE-C de C. Spielberger (traduzido
e adaptado para a população brasileira por Biaggio em 1983) e a Escala de Stress Infantil -
ESI (Lipp & Lucarelli, 1998). A Escala de Sintomatologia Depressiva para Mestres - ESDM
(Dias, Barbosa, Gaião & Di Lorenzo, 1997) - e questionário sobre doenças e queixas somáticas
dos alunos foram respondidos por 6 professoras.
Não houve diferenças significativas entre dados obtidos nessas escalas, mas
naqueles obtidos com as professoras, identificando-se 23.3% da amostra com indicações
de risco para problemas emocionais e de saúde. Formou-se, então, 2 subgrupos - G1 a (DA)
e G2a - com 14 alunos, entrevistados individualmente sobre seu estado de saúde e a
escola, dados estes submetidos á análise funcional (Skinner, 1978/1953), identificando-se
eventos do contexto escolar e familiar que dificultam o desempenho acadêmico.
O uso concomitante de mais de um instrumento psicométrico, normativo, juntamente
com o questionário, aplicado durante a entrevista, é que permitiu a identificação dos alunos
que apresentaram mais indicadores de problemas emocionais e físicos, os quais constituíram
a segunda amostra analisada nesta pesquisa. Em outros termos, os instrumentos utilizados
inicialmente preencheram sua função desejada - ajudar no “screening", na identificação em
escala maior dos casos de maior risco, independentemente do aluno ter ou não dificuldades
escolares. Os dados das escalas devem ser analisados de modo qualitativo, considerando
as respostas individualizadas, para atingir esse objetivo.
Procurando não considerar apenas os dados quantitativos e sua significância
estatística, como sugere Meltzoff (2001), foram realizadas entrevistas, procurando obter
dados que possibilitassem fazer uma análise funcional das queixas identificadas nos
instrumentos anteriores, juntamente com novos dados fornecidos pelos alunos. Só então as

3¥ü Sòni.i Ivortin.i I lorim I mim o


diferenças entre os dois subgrupos começaram a aparecer, inclusive quantitativamente. Ou
seja, utilizando medidas menores, mais discretas, foi possível identificar todos os indicadores
emocionais e físicos citados na literatura para os alunos com DA. Como previam dados da
literatura, os professores não perceberam tanto problemas quanto comparados com as
informações dadas pelos alunos; em outros termos, a coleta de dados feita diretamente
com o sujeito é mais informativa do que quando feita por fontes indiretas.

Avaliando a saúde bucal de crianças com e sem dificuldade de


aprendizagem
Procurando avaliar outros aspectos comportamentais dessa mesma amostra com
dificuldade de aprendizagem (DA), que estava em risco de apresentar mais problemas de
saúde e de doenças orais, dificuldades de auto-regulação e no seguimento de instruções,
levando a problemas na saúde bucal, Lozer (2003) e Lozer e Enumo (2005) realizaram
uma pesquisa voltada ao autocuídado dentário na prevenção de doenças orais. Procurando
analisar essas relações, as autoras avaliaram 60 alunos (8-14 anos, ambos os sexos) da
3ae 4a série do Ensino Fundamental de uma escola pública de Vitória, ES, separados em
dois grupos - sem (G1) e com (G2) indicação de DA, após aplicação do Teste de
Desempenho Escolar (Stein, 1994). Todos alunos foram submetidos, individualmente, à
verificação da placa bacteriana, antes e após a escovação dos dentes, e a uma entrevista
gravada, com 35 questões abertas sobre o contexto do autocuidado dentário. Os dados
foram submetidos a tratamento estatístico, á análise de conteúdo dos relatos verbais e
análise funcional dos relatos sobre o comportamento de escovar os dentes, incluindo
respostas concorrentes à escovação.
Houve diferenças entre os grupos - significativa para o tempo de escovação, que
foi maior para alunos do G2, que também apresentaram uma história odontológica com
mais experiências negativas, têm menos auto-regras para controle da escovação,
informações menos precisas a respeito da cárie, são mais punidos pelos pais frente à
esquiva ou recusa de escovar os dentes, reagindo mais negativamente à situação. Essas
diferenças sugerem que alunos com DA realizam o autocuidado dentário de forma menos
eficiente, exigindo uma análise mais individualizada das contingências que controlam seu
comportamento de escovar os dentes, para a proposição de programas de intervenção em
saúdo bucal mais eficazes.

Avaliação psicológica informatizada


Durante a execução da pesquisa de Motta e Enumo (2002, 2004a, 2004b),
considerou-se como importante que o instrumento elaborado - AEH- avaliação do
enfrentamento da hospitalização - pudesse fornecer informações mais diretas e com menos
esforço, pois ó grande o trabalho do psicólogo para preparar, aplicar, organizar e cadastrar
as informações coletadas. Ou seja, a aplicação do instrumento apresentava as mesmas
dificuldades de toda avaliação psicológica quando o profissional quer propor algum teste
mais específico para o caso: precisa preparar artesanalmente o material necessário e
garantir a organização e a manutenção do mesmo para a aplicação em cada indivíduo
avaliado; as informações são coletadas em formulários manuais e utilizam recursos
auxiliares, como câmeras e rádio-gravador, para registro da seção de avaliação; a transcrição
dos dados para um computador, normalmente, ocorre em planilhas; não há uma base
única onde os dados são armazenados. Além do tempo gasto, a observação e a obtenção

Sobre Comportamento c Cogniv<lo 3 2 3


de dados e informações podem ficar comprometidas diante de tantas variáveis que precisam
ser controladas.
Considerou-se que a entrada do computador neste cenário poderia contribuir,
reduzindo e agilizando o trabalho do avaliador, organizando o processo de aplicação e
avaliação, permitindo a manutenção de uma base histórica das informações produzidas
no processo; além de trazer atratividade e motivação na participação das crianças e também
viabilizar uma forma do expressão, através de recursos assistivos, no caso das crianças
com alguma dificuldade nesse sentido (Soprani, Leal, Enumo & Menezes, no prelo).
Para facilitar esse processo de avaliação psicológica, foi possível desenvolver um
trabalho conjunto com a área de Informática, através dos trabalhos de Leal (2004) e Soprani
(2004). Nestes, é apresentada uma proposta para utilização do computador como
ferramenta de apoio ao trabalho de psicólogos aplicado à área educacional e clínica.
Para experimentar as possibilidades de uso dessa proposta, está sendo
implementado um protótipo para dar apoio á avaliação das estratégias de enfrentamento
da hospitalização. Assim, uma versão computadorizada do instrumento de avaliação do
enfrentamento da hospitalização (AEH), está em construção e teste, procurando avaliar
seus efeitos em termos de adesão e motivação, além das facilidades de aplicação e
» processamento dos dados para o psicólogo. O uso desse instrumento prevê uma intervenção
psicológica que possibilite a expressão emocional e a mudança de comportamentos a
respeito da hospitalização, da doença e do tratamento, de forma a contribuir com a
adaptação á hospitalização, ao tratamento e à sua readaptação social, procurando prevenir
possíveis prejuízos cognitivos e emocionais em crianças com câncer, submetidas ao
tratamento quimioterápico e a freqüentes hospitalizações. Suas possibilidades de uso na
versão computadorizada para a prescrição de estratégias de intervenção psicológica junto
a crianças hospitalizadas com câncer estão sendo investigadas por Motta (2003).

A título de conclusão
A realização deste conjunto de pesquisas voltadas á questão de como avaliar
problemas de desenvolvimento apresentados por crianças com NEE foi possível graças ao
uso concomitante de diferentes modalidades e instrumentos de avaliação psicológica,
compondo, na maioria das vezes, um "mosaico de indicadores" comportamentais. Segundo
Lidz (1991, p xi), a avaliação é um processo cognitivo em si e que os especialistas em
diagnóstico devem responder à pergunta: "O que nós precisamos saber, e o que irá produzir
a informação apropriada?". Nesse sentido, considera que nenhum dos procedimentos
avaliativos é inerentemente melhor do que outro, nem deve ser usada uma única abordagem
para todas as perguntas. E ao se pretender adotar um modelo ecologicamente válido,
procedimentos adicionais devem ser incluídos para avaliar as contribuições ambientais ao
desempenho observado.
Nos trabalhos aqui apresentadas, para responder às questões de pesquisa
colocadas, foi preciso aplicar baterias de testes para “screening”, obter dados normativos
que permitissem comparar com pares, adaptar e experimentar o uso de provas assistidas,
refinar a análise dos dados por meio da análise funcional do comportamento em alguns
casos, e mesmo informatizar algumas provas, tentando responder particularmente ao desafio
metodológico de resolver questões relacionadas à acessibilidade do sujeito. Neste aspecto,
parece que o uso da avaliação assistida para crianças com NEE permite principalmente
verificar os efeitos da mediação sobre o desempenho da criança e identificar técnicas

324 '•rtniii K cftin.i M o rim f n u m o


eficientes de mediação que produzam mudanças. Quando é oferecida mediação direta
dos princípios básicos de analogia e de estratégias de solução de problemas, por exemplo,
as crianças podem alcançar um nível maior de raciocínio, além de diminuírem as deficiências
cognitivas que interferem no seu desempenho. Apresenta-se, assim, como uma proposta
complementar e mais otimista quando às possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem
dessas crianças com necessidades especiais.

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3 3 0 .1
SAnl licHin.i I iorlm Im im o
Capítulo 30

Estratégias para avaliação da


linguagem de crianças com
deficiências visuais
Moron Sites línifci*
/< ///;;,/ Pinheiro deOlivemi**

A visão é de fundamental importância para a aprendizagem humana e a sua


ausência, principalmente durante a primeira infância, pode ser responsável por alterações
e atrasos no desenvolvimento. Finello, Hanson e Kekelis (1994) ressaltaram que esse
elemento desempenha uma importante função no desenvolvimento de habilidades motoras
que influem diretamente no desenvolvimento cognitivo da criança, sendo que muitas dessas
habilidades são aprendidas por meio da imitação e estimulação visual. A exemplo disso,
pode ser mencionado o processo de aquisição da linguagem, que ocorre por meio da
interação com o ambiente e, portanto, o desenvolvimento lingüístico das crianças com
deficiência visual pode ser alterado quando não é oferecida á criança a oportunidade para
interagir.
É consenso entre os especialistas no assunto a importância das primeiras
relações no processo de aquisição da linguagem dessas crianças. Além disso, são
concordantes também em apontar a importância de diferentes contextos numa análise
fidedigna do desempenho lingüístico infantil (Kekelis & Andersen, 1984; Behl, Akers, Boyce
& Taylor, 1996; Kekelis & Prinz, 1996; Leonhardt, Cantavella & Tarragó, 1999; Pérez-
Pereira & Conti-Ramsnden, 1999). A linguagem pode ser entendida como uma funçãoe

‘ Docente do Departamento de Educação Especial da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade


Estadual Paulista (UNESP), Campus de Marllia, Professora do Programa de Pós-graduaçâo em Educação da
mesma Universidade
“ Docente do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO),
Campus de Iratl/PR, Doutoranda do Programa de Pós-graduaçâo em Educação Especial da Universidade
Federal de Sflo Carlos (UFSCar).

Sobre C om portam ento c Coflnly«to 331


como um aprendizado, isto é, constitui um elemento necessário para todo ser humano e
um aprendizado, por se tratar de um sistema simbólico lingüístico, o qual a criança adquire
de maneira progressiva, por meio do contato com o ambiente (Launay & Borel-Maisonny,
1989). Embora existam outras variáveis que influenciam o desempenho comunicativo infantil,
o funcionamento satisfatório de padrões motores especiais, cognitivos e sensoriais
representa um dos diferenciais em relação à linguagem e os outros aprendizados, pois
sem essa integração poderão ocorrer alterações no desenvolvimento lingüístico.
Especificamente em relação às crianças com alterações, sejam estas físicas,
mentais, sensoriais ou ainda globais, a interação pode ser dificultada em função de uma
baixa ou ausência de responsividade por parte da criança. Quando esta apresenta
comportamentos preditivos, o adulto pode antecipar comportamentos futuros a partir
daqueles que foram manifestados. Nesta seqüência, os sentimentos de eficácia dos pais
também são reforçados, no sentido de saberem decidir sobre suas intervenções (Schermann,
2001). Porém, quando esses pais não conseguem interpretar os comportamentos dos
filhos, pode ocorrer uma quebra na interação e, conseqüentemente, uma sensação de
impotência e incompetência para lidar com o filho. Havendo quebra na interação, é possível
que o processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem sofra também alterações.
Em relação às crianças deficientes visuais, muitos autores atribuem atrasos e até
mesmo défícits ao processo de aquisição e desenvolvimento da linguagem por causa da
ausência de um importante sentido em todo o seu desenvolvimento (Telford & Sawrey,
1984; Warren, 1984; Fraiberg, 1989; Finello, Hanson & Kekelis, 1994; Mills, 2002). Outros,
embora encontrem singularidades no desempenho lingüístico dessas crianças, não o
consideram como deficitário em relação às crianças dotadas de visão (Bigelow, 1987,
1990; Pérez-Pereira & Castro, 1994; Leonhardt, Cantavella & Tarragó, 1999; Pérez-Pereira
& Conti-Ramsnden, 1999).
Nesse processo de desenvolvimento, as variáveis am bientais, como
comportamentos maternos e nível sócio-econômico, tambóm podem exercer forte influência
e, em alguns estudos, tais variáveis foram verificadas, de modo sistemático, em relação
às crianças com deficiência visual (Dote-Kwan, Hugues & Taylor, 1997). Os resultados
permitiram concluir que os comportamentos maternos são fundamentais ao longo do
desenvolvimento, podendo produzir ambientes estimuladores, propiciando avanços
significativos no que se refere à linguagem. Outros estudos enfatizaram também a influência
do ambiente familiar na estimulação desse processo (Rock, Head, Braddley, Whiteside &
Brisby, 1994). O papel fundamental da família, em especial da mãe, é destacado, tanto
no que se refere à sua posição de principal interlocutora, quanto no estabelecimento de
padrões e primeiros modelos que serão fornecidos à criança. Essas primeiras interações
poderão ser decisivas em fases posteriores do desenvolvimento da linguagem.
Outros estudos que investigaram comportamentos pré-lingüísticos indicaram uma
menor freqüência do balbucio por parte dessas crianças, quando comparadas às crianças
com visão normal. Dentre as explicações para tal diferença, está a de que a criança
deficiente visual normalmente fica esperando por estímulos dos adultos para emitir
vocalizações. Por assim ser, esse atraso, segundo alguns autores, poderia ser responsável,
em segunda instância, pela maior freqüência de distúrbios articulatórios em crianças cegas,
se comparadas às crianças com visão normal (Mills, 2002).
Ainda nesse sentido, é possível que a informação visual tenha nítida vantagem
para a criança com visão normal, durante a emissão de padrões fonéticos que são

332 í.ini.i M o r o n S<ie* j.ílm .i P in h e ir o ile O liv c ir.i


observáveis (sons bilabiais, por exemplo), pois elas apresentam um aperfeiçoamento maior
em relação a esses movimentos articulatórios, quando comparadas às crianças com
deficiências visuais. Estas últimas cometem erros com maior freqüência, durante as
emissões, o que por sua vez requer em alguns casos a intervenção específica, não só em
relação aos padrões de fala, mas também com respeito à adequação dos padrões do
sistema sensório motor oral (SSMO) e funções neurovegetativas (FNV), ainda que algumas
alterações possam estar associadas também a hábitos nocivos orais (HNO), como o uso
prolongado de chupeta e mamadeira (Oliveira, Sobrinho e Braga, 2001).
No que se concerne ao aspecto de conteúdo da linguagem, Dimcovic e Tobin
(1995) evidenciaram a importância do desenvolvimento cognitivo e pragmático da linguagem
das crianças deficientes visuais para compreendê-lo. O estudo teve como objetivo analisar
como essas crianças percebiam características importantes, como forma e tamanho de
objetos, como usavam a linguagem e, conseqüentemente, como coordenavam esses dois
processos. O procedimento constou de uma base verbal e de outra figurativa. Os resultados,
segundo os autores, foram abaixo do esperado, pois algumas crianças não compreendiam
as tarefas solicitadas. Dentre as conclusões do estudo, houve destaque para a ligação
entre o uso da linguagem dos participantes do estudo e o conhecimento conceituai que
eles possuíam, bem como a importância do ambiente na sua promoção lexical.
Em relação ao uso da linguagem, a literatura é muito controversa, sendo os debates
ampliados quando o tema tem como foco crianças cegas. Analisando os aspectos
pragmáticos da linguagem em crianças deficientes visuais, com diferentes graus de
comprometimento Andersen, Dunlea e Kekelis (1984) observaram que essas crianças não
produziam muitas variações de conceito e, quando utilizavam expressões para se referirem
a alguma ação, restringiam-se às ações delas mesmas. Essas autoras destacaram
igualmente a dificuldade que tais crianças possuíam para descrever acontecimentos
externos, atribuindo esses comportamentos à falta do componente visual.
Por outro lado, Pérez-Pereira e Castro (1994) analisaram tais aspectos em quatro
crianças no início da aquisição da linguagem, sendo três com deficiência visual com
diferentes graus de comprometimento e uma com visão normal. Os resultados desse
estudo mostraram que houve um elevado uso da linguagem, por parte das crianças cegas
e com baixa visão, para relatarem suas próprias ações, estados, sentimentos e intenções,
fato que os autores atribuíram ao modo pelo qual essas crianças regulam e planejam seus
comportamentos. Houve também uma escassez de categorias que indicassem oferta de
objetos ao interlocutor, ou outra forma de atrair sua atenção, por parte das crianças cegas.
Um outro resultado observado pefos pesquisadores foi o grande uso de categorias descritivas,
por parte do sujeito com baixa visão, utilizando sua linguagem para descrever objetos,
localizá-los e até mesmo citar propriedades dos mesmos. Esse comportamento não ocorreu
com as crianças que não tinham resíduo visual, ou ocorriam de maneira menos significativa,
enquanto era freqüente na linguagem do sujeito com visão normal (Pérez-Pereira & Castro,
1994). Mesmo com as particularidades em relação à criança cega e as duas com baixa
visào, os autores concluíram que o uso da linguagem feito por essas crianças poderia ser
considerado semelhante ao da criança com visào normal, porém, assim como ressalta a
maior parte dos estudos, não era possível a generalização desses dados em função da
pequena amostra do estudo.
Também no que tange aos aspectos pragmáticos da linguagem, Oliveira, Braga e
Silva (2000) encontraram resultados semelhantes, ao analisarem os aspectos pragmáticos

Sobre (.'om port.im rnlo e t ‘o#niv<1o 3 3 3


de uma criança com baixa visão, em diferentes tipos de interação; contudo, em algumas
situações, as autoras observaram o uso de descrições de eventos externos com a ressalva
de que o evento descrito estava relacionado a objetos muito próximos da criança e, portanto,
a presença deles já era de seu conhecimento durante a interação.
Enfim, diante da importância da linguagem como forma de comunicação e
aprendizagem de indivíduos privados de visão; das controvérsias constadas na literatura;
da escassez de trabalhos realizados com a nossa população e das dificuldades
metodológicas, muitas vezes responsáveis pelos resultados encontrados, verifica-se a
importância não só de dar continuidade às investigações, mas também e fundamentalmente
de serem sistematizados procedimentos e até mesmo instrumentos para avaliação da
comunicação de indivíduos com deficiência visual, tendo como base as relações
interpessoais em contextos diferenciados.
Dessa forma, os estudos que serão descritos a seguir buscaram identificar como
o desenvolvimento da linguagem tem sido afetado por condições desfavoráveis ou
deficientes, assim como analisar e aperfeiçoar estratégias e adaptações necessárias para
a avaliação de indivíduos em condições especiais. Além disso, os estudos procuraram
descobrir de que maneira as análises poderiam contribuir para intervenções educacionais
voltadas principalmente para as crianças com deficiência visual.
Os procedimentos, do modo geral, foram os seguintes: para a coleta de dados, foi
utilizada a gravação em vídeo de sessões de atendimentos regulares em clinica
especializada, bem como de sessões previamente planejadas, envolvendo a interação da
criança com um adulto familiar e com colegas. Foram realizadas atividades que propiciavam
a comunicação, como situações para criar histórias com fantoches, brinquedos, livros e
jogos e de treino visomotor. Nas interações entre as crianças, foram feitas atividades
cooperativas, como pintura a dedo de um painel.
Para complementar a avaliação, realizou-se ainda com um dos participantes a aplicação
dos subtestes de recepção auditiva, associação auditiva, memória seqüencial, expressão
verbal e expressão manual do Teste Illinois de Habilidades Psicolingüísticas (ITPA).

Análise dos aspectos pragmáticos da linguagem de uma criança com


baixa visão (S)
Nesse estudo, procurou-se analisar os aspectos pragmáticos da linguagem de
uma criança com baixa visão, durante a interação com a sua mãe e com os profissionais
que a atendiam.
De modo geral, verificou-se que, embora não tenham aparecido défícits significativos
no seu desempenho, alguns dados chamaram atenção, por demonstrarem características
singulares de crianças com deficiência visual. A seguir, serão expostos alguns dados do
estudo.
A categoria atenção/mostrar apareceu de forma significativa nos enunciados da
criança, ainda que se tenha observado a escassez do comportamento verbal de S para
ofereceralgum objeto ao interlocutor. A alta freqüência da primeira categoria, em relação à
segunda, pode ser explicada pelo fato de o resíduo visual que S possui dar condições para
que ele atraia a atenção do interlocutor para eventos que ocorrem próximos dele. Além
disso, mostrar a ocorrência de um evento não requer ação do sujeito, diferentemente de

3 3 4 liinl.i Moron Síics Hr.ip.i, l.iim.i Pinheiro ile Oliveir.i


oferecer algo ao interlocutor. A ação ou mobilidade que essa segunda categoria citada
exige pode ser mais difícil para S, devido à sua dificuldade visual.
Verificou-se também um uso significativo da linguagem de S para referir-se às
suas próprias ações, mas essa freqüência não deve estar relacionada com a dificuldade
de relatar acontecimentos externos, como sugerem os autores Andersen, Dunlea e Kekelis
(1984), pois, no comportamento de S aparecem de forma significativa enunciados
descrevendo eventos externos e propriedades de objetos, comportamentos resultantes,
talvez, da insistente estimulação do sujeito por parte de acompanhamento pedagógico
especial e fonoaudiológico, desde o segundo ano de vida.
Ao contrário dos estudos mostrados por Pérez-Pereira e Castro (1994), S utilizou
poucas expressões de repetição ou imitação, durante a interação. E, mesmo sendo
observadas repetições nas emissões do interlocutor, aquelas emitidas por S sugeriam
uma estratégia utilizada por ele para se auto-instruir, e ocorreram com menor freqüência.
E essa é a hipótese feita pelos autores do referido estudo. Os exemplos que seguem
abaixo poderão dar uma idéia melhor desses diferentes tipos de repetições.

S: "... e foi... e foi embora... e ... e foi na casa... “


S :" ...aí... ai... depois ele subiu e pegou uma escada, e...e pegou...e... e ... pelo telhado..."

Esse comportamento é o que ocorre com maior freqüência nos enunciados de S.


Mesmo assim, existem as expressões verbais de S que sugerem outra idéia, como íoi
dito anteriormente. Os exemplos abaixo mostram-na melhor.

P: “ Como é que abre agora?"


S: "Como é que abre? "

Um outro destaque é a presença da categoria solicitação, no comportamento de


S. Na literatura, essa categoria não aparece com muita freqüência, o que pode ser explicado
pela diferença de idades em relação ao sujeito do nosso estudo ou pelo tipo de atividade
desenvolvida nas sessões. A presença dessa categoria pode sugerir facilidade de estabelecer
contato com o interlocutor e, conseqüentemente, contato social de maneira geral.
Verifica-se, ainda, nos resultados a presença de subcategorias que sugerem essa
mesma hipótese referida, como é o caso de: acordos, explicações e interrupções. Ocorreu
também um freqüente uso de respostas por S que pode ser explicado também pelo tipo de
atividade desenvolvida nas sessões. Uma outra categoria que aparece com uma freqüência
razoável nos enunciados de S é identificações eliciadas, comportamento que pode ser
atribuído à vantagem que o resíduo visual de S permite, visto que a maior parte de tais
identificações se deram em relação aos objetos ou figuras.
Algumas categorias, como expressões de reforço, instrução e sugestão foram
acrescentadas ao estudo pela freqüência com que apareciam no comportamento lingüístico
dos interlocutores: no entanto, elas não aconteceram nos enunciados do sujeito em
nenhuma das sessões. O mesmo ocorreu com subcategorias do tipo vocativos, promessas,
brincadeiras, marcadores de cortesia, reprovações, entre outras.
Em relação à categoria vocativo, a hipótese para sua total ausência pode ser a
falta de estímulo que o sujeito possui, em termos visuais. Sendo assim, ele apenas aguarda
até que alguém estabeleça algum contato com ele. Já quanto à subcategoria promessas,

Sobre 1'om portamcnlo c C o g n itfo 335


também segundo os autores Abbeduto e Benson (1996), não é esse um comportamento
comum na linguagem das crianças em idades escolares, ou por falta de esclarecimento
do termo, ou por falta de um conceito mais detalhado de obrigações e contratos sociais na
linguagem de S, podendo ser uma conseqüência de S não estar vendo o interlocutor e,
portanto, não tendo o estímulo visual, S não se manifesta no sentido de chamar o interlocutor
ou mesmo de fazer referências em tal sentido.

Análise do uso da linguagem em uma criança com múltipla deficiência (S1)


O objetivo desse estudo foi dar continuidade á análise dos aspectos pragmáticos
da linguagem, como forma de aperfeiçoar a metodologia empregada anteriormente,
verificando se esta seria adequada às crianças com deficiência múltipla, no caso deficiência
visual e auditiva. As análises também foram baseadas nas transcrições, em video, das
relações interpessoais em contextos.
Os comportamentos examinados, durante as sessões das atividades planejadas,
mostraram predominância dos comportamentos gestuais nas duas primeiras sessões,
enquanto, nas seguintes, predominaram comportamentos de comunicação oral. A atividade
proposta e o indivíduo que interagiu com a criança podem ter interferido significativamente
nos resultados. Para Pérez-Pereira e Castro (1994), a criança deveria utilizar todas as
categorias descritas em seu protocolo para ter sua linguagem estruturada e contextualizada.
Pudemos constatar que a criança estudada não empregou todas essas categorias, sendo
esse dado constatado apenas na primeira sessão. Entretanto, a análise geral dos
comportamentos mostrou que a linguagem da criança estava contextualizada, tanto durante
a comunicação oral, como na gestual.
Além disso, no decorrer das sessões, houve um aumento significativo da
comunicação oral de S1, muito embora a comunicação gestual continuasse ocorrendo com
maior freqüência. Devemos levar em consideração que, na terceira e quarta sessões, que
foram de atendimentos fonoaudiológicos, houve um favorecimento do uso da linguagem oral
até mesmo pelo fato de a abordagem terapêutica ser oralista, enfatizando, assim, a
comunicação oral. A quinta sessão também propiciou a comunicação oral do sujeito, em
razão da interação com um familiar muito próximo. É possível supor que o aumento na
freqüência da comunicação oral frente ao familiar estava sob controle, devido às condições
favoráveis de compreensão da linguagem oral oferecidas pelo familiar.
A partir dos resultados obtidos, foi possível observar que a análise do uso da
linguagem poderá permitir não só a compreensão de palavras, mas também e
fundamentalmente entender a organização lingüística do indivíduo com deficiência múltipla.

O uso do ITPA como complemento da avaliação da linguagem na criança


deficiente visual
As dificuldades que surgem com a adaptação de testes, no que se refere às
modificações das exigências de estímulo e as respostas, quando se tentam adaptar
instrumentos e principalmente a preocupação com intervenções baseadas em
conhecimentos empíricos, levaram-nos à realização dessa investigação (Oliveira, Braga &
Silva, 2000). O estudo envolveu algumas provas do Teste Illinois de Habilidades
Psicolingüisticas (ITPA), para complementar a avaliação do comportamento linguistico de
uma criança com baixa visão.

336 fiini.i M o r o n Sac* Rrrfgti, Mirrui P in h e ir o ilc O liv c im


Uma das maiores vantagens desse teste, sem dúvida, é a possibilidade de
quantificar o desempenho do indivíduo em relação às habilidades avaliadas. De maneira
gerai, eíe mede a habilidade relativa de uma criança para compreender, processar e
produzir a linguagem verbal e não verbal. Especificamente, o teste avalia os componentes
morfológicos e semânticos da linguagem, habilidades fundamentais para o processo de
comunicação. Nesse sentido, alguns autores enfatizam que falhas na atenção auditiva e
no processamento de informação influenciam de modo significativo na aquisição e
desenvolvimento de elementos sintáticos (Gerber, 1996), habilidades medidas em alguns
dos subtestes do ITPA.
Foram aplicadas as provas de recepção auditiva, associação auditiva, memória
seqüencial auditiva, expressão verbal e expressão manual. A aplicação de tais provas foi
gravada em vídeo e transcrita ortograficamente. As análises dos resultados mostraram um
desempenho lingüístico esperado para a idade, ou seja, vocabulário contextualízado, uso
de frases complexas, compreensão de ordens simples e complexas, solicitação e
resolução de problemas, dentre outros.
Em relação aos resultados das provas do teste, foi possível elucidar duvidas quanto
à existência de dóficits semânticos da linguagem, que não apareceram na avaliação clínica
precedente à aplicação das provas. Dos subtestes aplicados na criança, o único que não
apresentou um resultado satisfatório foi o de associação auditiva, no qual o sujeito obteve
uma idade psícolíngüístíca de 3 anos abaixo da esperada. É importante ressaltar que as
funções, tanto auditivas quanto visuais, englobam um amplo campo, abrangendo provavelmente
muito do que se relaciona ao “pensamento crítico", “solução de problemas" e ‘'raciocínio".
Esses subtestes de associação do ITPA fazem referência à capacidade que a
criança possui de organizar e integrar percepções e conceitos, sendo que, quando essa
inter-relação se dá por meio do canal visual, tem-se a associação visual, enquanto que, se
essa integração for verbal, tem-se a associação auditiva. Talvez nào seja coerente dissociar
esses dois canais, pois, em se tratando do desenvolvimento cognitivo normal, existem muitos
cruzamentos entre tais canais. Daí, a explicação dos resultados do sujeito do estudo.
Os resultados obtidos indicaram que o teste pode auxiliar de forma significativa em tal
análise, o que nos permitiu concluir que esse procedimento pode ser empregado como
complemento de avaliações dos processos comunicativos também da criança deficiente visual.

Considerações Finais
Sem dúvida, a participação da visão, na aquisição, desenvolvimento e
aperfeiçoamento da linguagem, não pode ser negligenciada. Para o deficiente visual, a
linguagem oral ó o principal recurso que viabiliza a comunicação. No caso da criança que
apresenta uma deficiência auditiva associada à visual, as mais valiosas fontes de informação
estão limitadas. É certo que sua habilidade de usar a linguagem de maneira socialmente
adequada estará afetada, o que, por conseqüência, afetará sua socialização, seu
desempenho acadêmico, sua auto-estima e independência.
As estratégias de avaliação utilizadas mostraram-se adequadas para identificar
como a criança se comunica, que uso faz da linguagem para obter e dar informações,
aspectos fundamentais para que o deficiente visual regule e planeje comportamentos.
Esse, sem dúvida, foi um dos principais apontamentos dos estudos realizados, isto é, a
adequação metodológica. Por se tratar de indivíduos com importantes comprometimentos

Sobre Comport,imcnto c l'ognlv'<lo 3 3 7


visuais, a videogravação forneceu dados fidedignos em relação ao comportamento verbal,
principalmente no que se refere aos aspectos não-verbais da interação social.
Há indicação para avaliações funcionais da linguagem, em detrimento das
estruturais, que permitem identificar especificidades no desempenho e desenvolver
procedimentos de intervenção que favoreçam o desempenho social e escolar de crianças
que mostram algum impedimento no processo de comunicação. Portanto, reafirma-se
que a avaliação com ênfase pragmática permite uma análise fidedigna de comportamentos
verbais e não-verbais e da interação em diferentes contextos. O uso da linguagem nesses
indivíduos, além de ter implicações no seu desenvolvimento social, mostrou ser uma
estratégia de análise eficaz, indicando caminhos para futuras investigações.
Adicionalmente, podem ser citadas as implicações educacionais das análises
para o planejamento e execução de procedimentos de intervenção que forneçam condições
para que esses indivíduos ampliem o uso da linguagem e, conseqüentemente, o seu
desempenho social e escolar. Ainda, não se pode esquecer do papel fundamental que a
família, em especial a mãe, pode exercer nessas intervenções, uma vez que sua
participação efetiva, além de relevante no desenvolvimento infantil, poderá ser decisiva
nesse processo (Poehlmann & Fiese, 2001).

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Sobrc t'om porl.im cnlo e CoRniç.lo 3 3 9


Capítulo 31

Intervenções psicoterápicas: algumas


variáveis controladoras
Vem RctfitM l.itfnel/i ( )ferv*

Desde o primeiro encontro com seu cliente, o terapeuta fica exposto a um conjunto
de fatores que o instrumentam a registrar observações e informações que passarão a
controlar o seu atendimento àquele cliente. O aprimoramento da prática clínica requer
constantes reflexões tanto sobre a atuação como sobre as características pessoais do
profissional que a conduz (Otero, 2004). O propósito do presente texto é examinar alguns
dos aspectos que controlam o comportamento do terapeuta durante suas intervenções.
Como estabelece e quais são seus objetivos para cada caso? Quais caminhos ele escolhe
para alcançá-los? Quais são seus ‘filtros’ nas tomadas de decisão quanto às intervenções
de ajuda que serão feitas? Como observa Ló Sónéchal-Machado (2001 ,p. 148), convém
lembrar que “uma ‘relação de ajuda’, delimitada por uma ‘situação psicoterápica', é aquela
em que" pode-se ajudar uma pessoa organizando um ambiente que exerça controle"(...)
“que acentue os interesses da pessoa ajudada” (...) e que leve o terapeuta a "agir de
maneiras que sejam boas para a pessoa a quem está ajudando." (cit. Skinner, 1982,
p.60). Não se pode perder de vista que no processo psicoterapêutico ocorrem, entre cliente
e profissional, controles e contracontroles das mais diferentes ordens, contextos e
naturezas. Enfatizaremos, especialmente, as variáveis ligadas às ações do terapeuta.

Variáveis controladoras do comportamento do terapeuta, nas intervenções clinicas

1) A escuta terapêutica:
O terapeuta, enquanto ouve as palavras proferidas pelo cliente, observa também
outros comportamentos além da fala. Evidentemente, a fala do cliente informa ao terapeuta,

* Clinica ORTEC - Ribeirão PretO-SP vBmotBmffinetsite cotn hr

3 4 0 Vcr .1
Rcflln.i l.lflnclll O lcro
as queixas, o porquê buscou ajuda para as dificuldades, para os sofrimentos relatados.
Através das palavras do cliente o terapeuta identifica o conteúdo, a entonação, as ênfases,
a clareza da fala, as 'certezas* sobre suas explicações dadas ao problema, os sentimentos
explícitos e os implícitos. O profissional observa, ainda, a postura física do cliente, como
este se senta, como é o contato visual com o terapeuta e as expressões faciais, enfim,
todos os movimentos corporais: o que náo foi dito mas foi sentido (0tero,2000). É preciso
estar atento, portanto, durante todo o atendimento, ao contexto de vida do cliente, que
transcende a situação de relação terapêutica’ ou dos 'contextos clinicamente relevantes’
Lé Sénéchal-Machado (2001 ).
Os dados, produtos da observação, vão, gradativamente, ’formando' a compreensão
que o terapeuta tem sobre o caso, assim como determinando as intervenções que serão
realizadas. Todas as informações, 'filtradas* pelo terapeuta através dos substratos teóricos
que fundamentam suas ações clínicas passam, também, pelos 'crivos' das suas próprias
histórias de vida profissional e pessoal. Desse modo, todas essas variáveis imprimem um
controle contínuo sobre o comportamento do terapeuta.
A escuta terapêutica é uma escuta diferente. Ela requer o acolhimento especial
de uma pessoa: observação atenta, expressando respeito e compreensão pelo que está
ouvindo e vendo da pessoa do cliente. Essa escuta particular implica a identificação da
dor e do desconforto evidenciados e sentidos pelo outro. Ao terapeuta cabe perceber o
incorporar, ao seu conjunto de conhecimentos imprescindíveis ao desempenho de sua
função, a idéia (ou fato) de que, freqüentemente, a dor maior de uma pessoa não está
presente na descrição das primeiras queixas, e que, independentemente deste fato o
sofrimento existe. Feldman ( 1996, p. 139) enfatiza: "O profissional precisa observar e escutar
muito bem, para ser capaz de 1er as entrelinhas da fala do paciente - muitas vezes, é
nelas que está seu verdadeiro problema.’’
A sistematização e a explicitação das queixas ouvidas, permitem identificar e
revelar ao cliente: 1) os comportamentos encobertos que o terapeuta identificou em seu
discurso; 2) suas regras de vida; 3) as contingências que o ensinaram a se comportar e a
viver como vive. Mesmo como simples hipóteses, a 'devolução' destas informações ao
cliente constitui um trunfo fundamental para o estabelecimento do vínculo terapêutico, que
está alicerçado na compreensão e na aceitação, incondicional, do cliente.
Ao terapeuta cabe, tentar se colocar no lugar do cliente, buscando conhecer o
significado que as queixas ouvidas têm para ele. expressando, genuinamente, o que encontrou
dentro de si próprio. Precisa explicitar, a si mesmo, seu propósito de ajuda àquele outro que
sofre. Estas variáveis são componentes controladores do repertório do cliente de sentir-se
acolhido, o que, por sua vez, é indispensável ao bom andamento do processo psicoterápico.
Este exercício, de se colocar no lugar do outro, facilita ao terapeuta lembrar-se que, quando
o cliente se sente compreendido e respeitado, a despeito de suas queixas, ele não se sente
julgado. A existência dessa condição facilitadora atrai e dirige a atenção do terapeuta, levando-
o a aprimorar a busca de informações que íhe permitam ampliar o processo de acolhimento
e compreensão apurada do sofrimento relatado pelo cliente.

2) O referencial teórico:
O conjunto de conhecimentos que fundamentam, teoricamente, a atuação do
profissional de saúde mental determina sua prática clínica. Todo este embasamento fornece

Sobre Comporftiincnlo c Cofinlçdo 341


os ’filtros' teóricos através dos quais ele buscará entender o que se passa com seu cliente.
Os conceitos teóricos funcionam como estímulos discriminativos para a seleção das
questões a serem feitas ao cliente, questões estas que permitirão a ampliação e o
aprimoramento da compreensão dos problemas identificados pelo terapeuta e pelo cliente.
Essas intervenções ’dissecam* a fala do cliente e permitem revelar, ao terapeuta (também
ao cliente), quais comportamentos encobertos estão incluídos naquele conjunto de frases
que se constitui o que ó chamado de ‘queixa ‘espontânea’ e que estão sendo trazidos à
tona. O terapeuta, apoiado em seu referencial teórico, buscará os dados necessários para
que sejam feitas as análises funcionais necessárias ao aumento do autoconhecimento,
por parte do cliente. Tornar o cliente consciente do que se passa com ele mesmo prepara-
o para fazer melhores escolhas para sua própria vida.
O referencial teórico permite ao terapeuta, nào só a compreensão do problema do
seu cliente, mas fornece, também, os parâmetros que balizarão a escolha dos caminhos
que, ambos, percorrerão. O fato de existirem caminhos diversos para as intervenções
clínicas indica que o terapeuta responde diferencialmente, não só às suas observações
mas, também, às escolhas discriminativas apresentadas pela teoria.

3) Histórias de vida do terapeuta:

3.1) Vida pessoal


Como já mencionado acima, nos primeiros momentos do atendimento, já se inicia
a construção de um caminho de mão dupla, que, mesmo fortemente determinado pelo
desempenho do profissional está, primordialmente, determinado pelas características
pessoais do clínico. É a pessoa do terapeuta quem exerce a função e o papel de ajudador
e de condutor do processo psicoterápico. Remen (2001, contracapa) ao descrever e analisar
sua experiência profissional enfatiza: ‘‘Aprendi que servimos muito mais com nosso modo
de ser do que com aquilo que sabemos.”
No exercício de sua profissão, o terapeuta traz consigo toda sua história de vida.
Como qualquer outro profissional de qualquer outra área, o psicoterapeuta tem suas próprias
habilidades e dificuldades presentes, o tempo todo, durante o desempenho de sua atividade
profissional.
Assim, como as características pessoais do terapeuta são de grande importância
e se mostram como variáveis determinantes ao seu trabalho, é esperado que evite correr
o risco de embaralhar ou confundir sua história e valores de vida com os de seu cliente.
Dessa maneira reduzirá a chance de contaminar suas análises e comprometer suas
intervenções, minimizando prejuízos decorrentes ao cliente. Muitas vezes, o elenco de
dificuldades apresentadas pelo cliente coincide, total ou parcialmente, com os já vividos,
ou ainda presentes, na vida do terapeuta. Este ’espelhamento' poderá direcionar suas
intervenções. Sua atuação profissional estará, então, dirigida pela sua própria história de
vida e não estará sob o controle da história do cliente, como é o desejável.

3.2) Vida profissional


Outro conjunto de variáveis, que está presente no desempenho profissional, diz respeito
à experiência do terapeuta com o tipo e a natureza dos problemas trazidos pelo cliente. O

342 Vcr.i Rcfliu,! I.ljjnclli Otcro


clinico que já teve oportunidade de atender muitas pessoas, provavelmente lidará com uma
grande gama de problemas de uma maneira mais objetiva e eficiente. É, a partir da experiência
clinica que, o terapeuta irá ‘polir' suas intervenções, de modo a, gradualmente, eliminar os
vieses de suas atuações, permitindo-lhe melhores discriminações e respostas particularizadas,
somente aos dados ‘claramente’ relacionados à natureza do problema examinado.

4) Variáveis ligadas ao cliente:


As características pessoais do cliente também são controladores determinantes
do comportamento do terapeuta: simpatia, maneira de falar e de se comportar, timidez,
arrogância, agressividade, tranqüilidade, insegurança, submissão etc. São relevantes,
também, os dados do cliente que se roferem à motivação para a terapia: se a procura foi
por vontade própria ou de outra pessoa, sugestão ou imposição de alguém, etc. O terapeuta
deve identificar e responder a todas estas questões que, como já sugerido, esbarram nas
características pessoais do próprio terapeuta.
Somente quando o terapeuta está apto para compreender o motivo de todas as
queixas e para identificar a relação entre elas, é que estará, então, preparado para prognosticar
como o cliente reagirá às várias situações do atendimento psicoterápico (Torós, 1997). Uma
coisa é atender a uma pessoa que nos é simpática e outra é atender alguém que é visto por
nós como antipático. Por outro lado, o comportamento do cliente também funciona da mesma
maneira com relação ao terapeuta. A grande diferença é que se o terapeuta não for simpático
ao cliente este poderá trocar de terapeuta, mas o clínico apenas deverá tomar consciência
da interferência que as características pessoais do cliente têm sobre ele e tentar minimizar
estes efeitos, impedindo-os de serem determinantes nas suas intervenções. Fica a pergunta:
há possibilidade de uma psicoterapia ser eficaz sem simpatia mútua?

O que mobiliza o terapeuta?

Critérios de relevância
Os critérios para o estabelecimento do grau de relevância das informações
recolhidas pelo clínico, durante o andamento de uma psicoterapia, são específicos para
cada caso e são estabelecidos considerando-se a fundamentação teórica, as variáveis
ligadas ao terapeuta e as referentes ao cliente.
Estas três fontes de dados favorecem a definição do problema do cliente, assim como
dirigem a escolha das possíveis intervenções. São, ainda, fortes determinantes na busca de
caminhos para se ensinar o cliente a estabelecer metas para a psicoterapia e para a sua vida em
geral. Elas levam o terapeuta a selecionar e eleger procedimentos que ajudarão aquele cliente a
aprender a se observar, a relatar e analisar seus próprios comportamentos e os de outra pessoa.
Estas metas permitem ainda, ao terapeuta, ensinar o seu cliente a identificar a quais controles
ele responde e, como conseqüência, tentar rearranjá-los na direção de seu projeto de vida.

Ajudar a aliviar o sofrimento humano


Todo processo psicoterápico visa ajudar a aliviar o sofrimento humano. Ao aumentar
o autoconhecimento e o repertório de comportamentos adaptativos do cliente, este aprenderá
que pode intervirem sua qualidade de vida, descobrindo que pode se autogovernar: programar
situações de vida que lhe sejam gratificantes e, quando necessário, selecionar os melhores
enfrentamentos, das situações que o desagradam.

Sobre Comportamento c Coflnlçío 3 4 3


Diminuir o sofrimento humano requer que o terapeuta ensine a cada cliente o que
é controle de comportamento, como cada um de nós é o que é, sente o que sente ou se
comporta da maneira que se comporta. Requer também que esclareça o como, através da
nossa história de aprendizagem, que é pessoal e intransferível, construímos a nossa
identidade, nossos autoconceitos, nossas auto imagens, etc. É absolutamente importante
e necessário, que o terapeuta mostre ao cliente que, atributos e características pessoais
são passíveis de mudança, total ou parcialmente.

A que o analista do comportamento responde?


Para atingir os diversos objetivos de uma psicoterapia o profissional necessita
considerar, sempre, que durante todo o atendimento de um cliente estão presentes
processos de modelagem e modelação de comportamentos. Seu comportamento funciona
como modelo para o cliente na maioria das vezes. Como decorrência, ocorrem ajustes na
relação que se estabelece com o cliente, a cada intervenção. Esses ajustes são
fundamentados na teoria e passam pelos 'crivos' das histórias de vida pessoal e profissional
do terapeuta; são filtrados', também, pelas aprendizagens ocorridas na história de vida do
cliente. Nesse sentido, é preciso destacar que a observância aos aspectos teóricos e
técnicos pelo terapeuta é imprescindível; o aperfeiçoamento em um referencial teórico
embora seja indispensável e insubstituível não exclui a importância de se considerar e
dar atenção aos aspectos humanos da relação que se estabelece com o cliente. Métodos
e técnicas só serão efetivos (rendendo eficácia aos resultados positivos), quando - e só
quando - estiverem acrescidos de uma visão de compaixão pelo cliente, de empatia,
respeito e aceitação pelo sofrimento deste.
Dado que os objetivos terapêuticos são estabelecidos por ambos - cliente e
terapeuta - este último deve se manter atento à importância de todas as variáveis que
controlam seu repertório clínico durante todo o atendimento. Por outro lado, vale a pena
salientar que o que 'muda' o comportamento do cliente é a interação pessoa-pessoa que
ocorre no contexto clínico. É a qualidade desta interação que ajuda o cliente a enfrentar
suas dificuldades de uma maneira mais eficiente, e com menos sofrimento. Calligaris
(2004, p. 155) ao resumir suas orientações a jovens terapeutas, que esperam produzir
grandes mudanças em seus clientes, diz:
"(...) mas uma mudança não é coisa que possa ser imposta. Ela não virá da
imposição do rigor abstrato, da técnica que você aprendeu, do 'setting' no qual você se
formou ou da teoria com a qual você escolheu justificar suas palavras e seus atos
terapêuticos. Ao contrário, para que uma mudança aconteça um dia, é preciso que uma
relação comece; e uma relação só pode começar nas condições que são irrenunciáveis
por seu paciente".
Concluindo, a interação é a espinha dorsal da psicoterapia. Ela se alicerça nas
pessoas do terapeuta e do cliente. A teoria é apenas um ‘pano de fundo' para as
intervenções. Portanto, o analista do comportamento deve ter a consciência de que, dentre
todas as variáveis às quais ele responde no desempenho de sua função, as diretamente
ligadas à interação é que controlam a essência e a eficácia de sua atuação profissional,
pois" (...) a diferença entre o profissional e o paciente não está no seu valor como pessoa,
mas no repertório de habilidades de cada um." (Feldman, 1996, p.66).
No exercício da função de terapeuta, o profissional necessita reavaliar,

3 4 4 Vci«i Rc^in.i I iflnelli Olero


constantemente, sua atuação clínica. Esta prática permite que ele identifique as variáveis
que controlam seu próprio comportamento, o que pode ser corroborado pelas palavras de
Velasco e Cirino (2002, p.36) quando observam que "A análise do comportamento do
terapeuta é tão importante quanto a análise que se faz do cliente, pois os comportamentos
abertos e encobertos de ambos, durante a sessão, além de serem função das respectivas
histórias comportamentais estão, também, fortemente sob controle de variáveis presentes
no momento do atendimento, e que são frutos da interação entre os dois."
Seguramente, existem muitas outras variáveis que controlam o comportamento
do terapeuta no exercício de seu ofício de ajudador. As mencionadas e tratadas neste
texto, têm por objetivo oferecer mais um ponto de partida (ou de chegada) às (auto)reflexões
pertinentes, que devem ser constantes durante a atuação do analista do comportamento.

Referências

Calligaris.C. (2004) Cartas a um jovem terapeuta - Reflexões para psicoterapeutas, aspirantes


e curiosos. São Paulo/SP: Elsevier.
Feldman, C. (1996) Atendendo o paciente. Belo Horizonte, MG: Crescer.
Ló Sénóchal-Machado, A. M. (2001) Invalidando e contextualizando a queixa nicial: um modo de
intervenção em psicoterapia breve. Em Guilhardi, H, J., Madi, M B.B.P. , Queiroz, P. B. ,
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comportamental. Em Teixeira, A M. S ., Assunção, M. B., Starling, R. R ., Castanheira, S. S.
(Orgs.): Ciência do comportamento - conhecer e avançar, v. 1, pp.34-42. Santo Andró/SP:
ESETec.

Sobre t'omport,»mcnfo c (.'oflnlváo 345


Capítulo 32

Autocontrole: Aspectos históricos


relevantes para uma análise
psicológica.
Vfvun Mtinlic/ini-L 'i/n/hi*

tmnhinudZd$ury foutinho **

A psicologia constitui um campo de saber que se volta para a compreensão do


homem em suas relações com o mundo, com as outras pessoas e consigo mesmo. Para
dar conta de seu objeto, a psicologia pode usufruir do intercâmbio com outros ‘saberes’, o
que se mostra interessante na medida que esse intercâmbio possibilita o conhecimento a
respeito do homem sob vários aspectos. Se o diálogo entre a psicologia e a fisiologia tem
rendido descobertas importantes para a compreensão da relação entre padrões de
comportamento e processos biológicos, não menos importante é o diálogo entre a psicologia
e as ciências sociais. No momento em que o psicólogo, com a ajuda das ciências sociais,
se volta para aspectos diversos dos fenômenos humanos, ele tem uma visão mais ampla
desses fenômenos e consegue identificar variáveis relevantes para a explicação do
comportamento humano individual - variáveis de ordem cultural. Com essa integração de
saberes ó possível alcançar algum nível de especificação das contingências culturais que
afetam o comportamento individual nos modos explicados por uma ciência (psicológica)
do comportamento. Isto é, é possível ir além da afirmação de que o comportamento humano
é também função de variáveis culturais e descrever algumas dessas variáveis e os modos

Este trabalho é derivado da dissertação de mestrado da primeira autora, apresentada em 2004 ao Programa
d» Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará, sob orientação
do segundo autor Trabalho parcialmente financiado trabalho parcialmente financiado pelo CNPq (Bolsas de
Mestrado e Produtividade em Pesquisa, Processo 520062/90-1)
* Discente do Programa de Pós-Graduaçâo em Teoria e Pesquisa do Comportamento - Universidade Federal
do Pará - :R. Padre W illiam Silva, 39 B airro P lanalto - Belo Horizonte, MG Cep 31720-060
WYiüMüsitíÃvahQO cum hr
“ Universidade Federal do Pará

Vfvl<in M«ircl)c7inl-Cunh.i, hnm.mucl /«i^ury lourinlio


como passam a afetar o comportamento dos membros de um grupo. Na direção de uma
elaboração desse tipo, o presente trabalho tem por objetivo sistematizar algumas
informações das ciências sociais que auxiliam na compreensão de um fenômeno
comportamental específico, o autocontrole.
Na nossa sociedade, o autocontrole como um tipo de relação do homem com os
outros homens é algo bastante refinado e exigido numa dimensão muito maior do que
aquele autocontrole praticado e exigido nas sociedades mais simples, como por exemplo,
na sociedade feudal. O refinamento do autocontrole está ligado às modificações no campo
dos relacionamentos interpessoais, ocorridas em função das novas configurações
socioculturais da sociedade ocidental na transição da Idade Média para a Idade Moderna.
A seguir serão apresentadas informações históricas relevantes acerca da demanda por
autocontrole na sociedade ocidental européia. Será feita uma breve apresentação dos
padrões de comportamento comumente encontrados nas sociedades ocidentais do final
da Idade Média e início da Idade Moderna, assim como uma apresentação dos possíveis
fatores sociais, políticos e econômicos que determinavam tais padrões de comportamento.
0 ‘diálogo’ interdisciplinar aqui terá como principais interlocutores o sociólogo Norbert
Elias e o historiador Philipe Ariès. As informações obtidas podem ajudar-nos a identificar
algumas contingências sociais e culturais que controlam comportamentos de interação
social e expressão de sentimentos e sua origem.

1 - Características e determinantes da heteronomia feudal


Até a transição da Idade Média para a Idade Moderna, as relações interpessoais
na Europa ocidental pautavam-se por uma noção muito forte de interdependência e de
heteronomia, no sentido de que o destino de cada pessoa era determinado por variáveis
externas a ela, prevalecendo a coletividade, a não diferenciação entre indivíduo e sociedade
e entre público e privado. O regime feudal estabelecia uma rígida hierarquia entre os grupos
sociais: “o clero guiava a sociedade de acordo com padrões cristãos; os senhores defendiam
a sociedade cristã contra seus inimigos; os servos, no último grau da ordem social,
trabalhavam para o bem de todos" (Perry, Chase, Jacob, Jacob & Laue, 1981/1985, p.
255). A igreja católica mantinha essa noção de interdependência, explicando com seus
dogmas a localização de cada homem em determinado grupo social: "o homem, na Idade
Média, sabia por que estava na Terra e o que era esperado dele; jamais duvidou de que o
céu seria sua recompensa por levar uma vida cristã” (Perry & cols., p. 255). Além de ter
um status de detentora da verdade, a igreja detinha também muito poder político e
econômico e, efetivamente, controlava a sociedade em todas as esferas, muito além da
espiritualidade.
A noção de interdependência entre os membros da mesma classe era produzida
em grande parte pelas constantes disputas por territórios. Os ataques externos provenientes
das disputas por territórios e as “agressões do poder público" (Duby, 1985/2001 a, p. 504)
tornavam necessário que as pessoas se aglomerassem em casas cujos cômodos se
comunicavam, dificultando a separação física entre seus habitantes, assim todos juntos
poderiam proteger-se mutuamente (cf. Ariès & Chartier, 1986/1991; Duby, 1985/2001 b).
Segundo Ariòs (1986/1991), durante a Idade Média "ninguém tem nada de seu - nem
mesmo o próprio corpo - que não esteja ameaçado ocasionalmente e cuja sobrevivência
não seja assegurada por um vínculo de dependência" (p. 17). Desta forma, a privacidade,
diferentemente da vivida nos dias atuais, era essencialmente coletiva durante a Idade

Nobre Comportamento c Co#nlvJo 3 4 7


Média. Pode-se dizer que havia privacidade em relação ao restante da comunidade, mas
essa privacidade tinha um caráter coletivo por ser vivenciada pela numerosa família como
um todo, e não por cada indivíduo.
O coletivismo e a pouca diferenciação entre os indivíduos (ou uma divisão menos
complexa do que a que existe nas sociedades ocidentais modernas) podiam ser percebidos,
por exemplo, por meio de hábitos como compartilhar utensílios (travessas, copos, talheres)
sem o incômodo que acomete os indivíduos modernos e pelo estranhamento da sociedade
com relação ao isolamento de algumas pessoas (cf. Elias, 1939/1994b). O isolamento, o
mais próximo de privacidade pessoal encontrado na sociedade feudal, era visto como
sintoma de loucura: apenas aqueles que estavam ‘à margem' da sociedade de alguma
forma - os apaixonados, os loucos, os bandidos, os santos - procuravam isolar-se dos
demais.
Os monges e os cavaleiros também se isolavam do restante da comunidade, mas
eram vistos de uma maneira diferente, com um certo respeito da sociedade. A diferença
entre o isolamento dos ‘‘marginais" e o dos monges e cavaleiros talvez estivesse em sua
função e na maneira (antagônica) de lidar com as próprias emoções: enquanto os marginais
se isolavam da comunidade para viver plenamente seus sentimentos e suas emoções, os
monges tinham como propósito exercitar a contenção de impulsos emocionais sob o
controle de preceitos religiosos, começando um processo de privatização pessoal e
individualização. O respeito pelo isolamento dos monges, de um lado, e o tratamento
pejorativo dispensado aos marginais, de outro, demonstram o início de um processo de
valorização do controle sobre o corpo (tanto em relação às suas funções quanto ao aspecto
motor) e sobre os impulsos emocionais. O controle presente no final da Idade Média não
era tão complexo nem tão intenso e difundido entre a população quanto aquele observado
já na Idade Moderna, mas vale ressaltar sua presença uma vez que dá indícios do processo
de privatização do indivíduo, ainda incipiente nos últimos séculos da Idade Média.
Durante a Idade Média exigia-se das classes sociais mais ricas um autocontrole
em menor extensão do que o autocontrole exigido nos dias atuais, mais relacionado às
funções corporais e explicado de acordo com dogmas religiosos. A relação com o próprio
corpo no final da Idade Média era regulada pela sociedade e pela igreja católica. Essas
instituições, a fim de proteger o indivíduo de perigos como pessoas inimigas e “tentações
do corpo", impunham um controle por meio de castigos e de pequenas regras de conduta.
A igreja católica determinava que castigos deveriam ser aplicados e por que motivos,
enquanto a sociedade criava as tais regras de conduta. A concepção dualista de homem
presente na época caracterizava o corpo como um ambiente frágil, vulnerável a todo tipo
de "tentações", com a difícil tarefa de abrigar e proteger a alma, esta considerada pura,
perfeita. Sobre o corpo “se aplicam os castigos purificadores que expulsam o pecado, a
falta" (Duby, 1985/2001 a, pp. 515-516), a fim de garantir somente a manifestação do que
fosse oriundo da alma, o que não era o caso das funções corporais.
As regras de civilidade eram transmitidas oralmente sob a forma de poemas
mnemónicos, que eram "um dos meios usados para gravar na memória da pessoa o que
ela devia e não devia fazer em sociedade, e acima de tudo à mesa" (Elias, 1939/1994b, p.
75).
Os poemas mnemónicos dos séculos XIV e XV eram conhecidos e seguidos
apenas entre a nobreza, e não eram “produtos individuais no sentido moderno, registro
das idéias singulares de determinada pessoa em uma sociedade extensamente

3 4 8 Vlvliin M<irchf7iní-C‘unl)d, hmnanucl 7iiRury lourinho


individualizada" (Elias, 1939/1994b, p. 75). Pelo contrário: as regras dos poemas
mnemónicos eram advindas de tradições coletivas (observando-se que tal coletividade era
restrita à classe social da nobreza), e pareciam ser propostas em função de uma
preocupação da classe como um todo com o bem comum. Mesmo com a existência de
regras de conduta, o controle sobre o corpo no final da Idade Módia ainda não partia do
indivíduo. Elias diz que "o que faltava nesse mundo courtois. ou no mínimo não havia sido
desenvolvido no mesmo grau, era a parede invisível de emoções que parece hoje se erguer
entre um corpo humano e outro, repelindo e separando" (p. 82).
Assim como o controle sobre o próprio corpo foi construído aos poucos ao longo
da Idade Média, só vindo a se consolidar na Idade Moderna, também a maneira de lidar
com as próprias emoções foi se modificando. Por muito tempo, diz Elias (1939/1994b),
“os instintos, as emoções, eram liberados de forma mais livre, mais direta, mais aberta"
(p. 198). Tanta liberdade (ou liberação) visava manter uma estrutura social especifica, o
que, por fim, acabava determinando que comportamento deveria ser emitido, e de que
maneira. A publicidade dada ao ato sexual em ritos após o casamento, por exemplo,
denotava não a valorização do amor ou do prazer, mas sim a valorização da família. O ato
sexual acabava acontecendo cercado por códigos normativos que visavam manter a
procriação como seu único objetivo (cf. Duby, 1985/2001 b). Outro exemplo é a agressividade,
que deveria estar presente de maneira clara numa situação de batalha, pois só assim a
defesa ou luta por território - sinônimo de riqueza durante a Idade Média - teria êxito (cf.
Elias).
A “parede invisível de emoções" (Elias, 1939/1994b, p. 82) começou a ser construída
no final da Idade Média, quando também as relações interpessoais passaram a ser alvo do
maior controle externo. As relações mais íntimas deviam ser evitadas ou mantidas sob
sigilo, assim como as emoções e os impulsos corporais deviam ser contidos. De acordo
com Duby (1985/2001 b), os indivíduos que viveram durante a transição da Idade Média
para a Idade Moderna expressavam seus sentimentos eventualmente por meio de relatos
escritos entre as anotações de contabilidade, orações e inventários. Naquela época, a
igreja era um grande agente de controle das emoções e exercia importante influência
quando pregava a salvação pela transformação de si mesmo. Em busca da “salvação", o
homem começou a utiíizar consigo mesmo "os procedimentos de regulação morai. Lava-
se a mácula pela contrição, pelo desejo de se renovar, por um esforço sobre si, de razão,
de amor” (Duby, 1985/2001 a, p. 506-507, itálico acrescentado).
O silêncio, que começou a ser “praticado" no final da Idade Média por questões
religiosas, foi adquirindo papel importante no processo de autocontrole e autoconhecimento.
Prescrito pela igreja e possibilitado pela mudança na arquitetura das casas (que nessa
época passaram a ter gabinetes e cômodos separados por portas e corredores), o isolamento
levou o homem a considerar seus sentimentos como únicos e diferenciados dos sentimentos
dos outros homens, que como ele não falavam sobre suas emoções. A intimidade, assim,
foi se vinculando mais a imagens, símbolos e sensações do que a palavras.
Até o final do século XIV observava-se a crescente segmentação do coletivo em
células menores, uma maior atenção ao privado e ao íntimo e uma certa percepção de
distinção entre os homens. A necessidade de zelar tão fortemente pela segurança de
todos foi aos poucos se transferindo do indivíduo para o Estado, assim como as funções
sociais do indivíduo começavam a se diversificar, sendo menos determinadas por sua
origem social. Mas a noção de interdependência entre os homens medievais continuava

Sobre Comporl.imcnfo c C or»Iç«ío 3 4 9


forte, e “o citadino permanece, no final da Idade Módia, muito sensível à ideologia do bem
comum" (Braunstein, 1985/2001, p. 529). A individualização, portanto, não era completa,
levando-se em conta que "o indivíduo se define por contraste, ou mesmo por ruptura com
os círculos de vida social" (Braunstein, p. 529).

2 - A Idade Moderna e o desenvolvimento de uma suposta autonomia


O século XV é tido como o auge da transição da Idade Média para a Idade Moderna,
quando se acentuaram as mudanças em todos os aspectos da sociedade e foi possível
perceber com maior nitidez o início do que seria a Idade Moderna. Perry e cols. (1981/
1985) apresentam um panorama das mudanças:

No nível oconômico, o comércio e a indústria tiveram grande expansão, e o


capitalismo substituiu om grande parte as formas mediovais do organização
oconômica. ... No nível religioso, a unidade do mundo cristão fragmentou-se com
a ascensão do protestantismo. No nlvol social, pessoas bem-sucedidas tanto na
cidado quanto no campo ostavam se tornando mais numerosas e mais fortes, e
proparando-so para a liderança política e cultural. No nlvel cultural, o clero perdeu
o monopólio do ensino, e a orientação sobrenatural da Idade Módia deu lugar a
uma perspectiva secular na literatura e nas artes. A teologia, a rainha do
conhecimento na Idade Média, cedeu sua coroa à ciência. A razão, que na Idado
Módia estivera subordinada à revelação, reivindicou a sua independência, (p. 262)
À medida que as mudanças políticas e econômicas foram acontecendo na transição
da Idade Média para a Idade Moderna (com a dissolução dos laços feudais e o advento do
capitalismo) a noção de interdependência, que era tão forte durante a Idade Média, foi aos
poucos sendo substituída pela noção de autonomia (mesmo que a relação de
interdependência não tenha se dissolvido de fato) e as relações sociais passaram a importar
enquanto uma maneira de obter ou manter benefícios pessoais.
Com o advento do capitalismo a partir dos séculos XV e XVI, a mobilidade social
(anteriormente inexistente) passou a ser possível pela realização pessoal. A classe social
de origem - que durante a Idade Média determinava o estilo de vida, a possibilidade ou
impossibilidade de ter uma propriedade privada e a função a ser exercida na sociedade -
perdeu importância e foi substituída, na percepção do “indivíduo” e em muitos aspectos da
vida cotidiana, pelo esforço, pelo talento e pela habilidade do indivíduo em relações
interpessoais. Como ressalta Elias (1987/1994a), a partir desse momento tornaram-se
maiores as oportunidades de ascensão e, na mesma proporção, aumentaram os riscos
de fracasso, o que fez com que o homem atentasse para seus próprios comportamentos
e o impacto que eles teriam nas relações sociais. O comportamento do indivíduo perante
o grupo adquiriu tanta importância para sua sobrevivência na sociedade que as relações
tornaram-se estereotipadas, padronizadas. Valia tudo para mostrar uma possível honra e
alcançar ou manter-se numa classe social privilegiada. Elias (1939/1993) estabelece uma
relação entre a divisão de funções sociais (acentuada com o advento do capitalismo) e a
expressão de sentimentos, dizendo que:

quanto mais aportada se torna a toia de interdependência em que o indivíduo está


emaranhado, com o aumonto da divisão de funções, ... mais amoaçada so torna a
existência social do indivíduo que dá expressão a impulsos e emoções espontâneas,
e maior a vantagem social daqueles capazes do modelar suas paixões (p. 198).

350 Vlvidn Miirci)c/li)l-C'unhii, I mm.inucl /.i#ury lourlnho


A formação dos Estados, com a centralização do poder político nas mãos de
poucos governantes (não mais o poder difuso dos senhores feudais), centralizou também
a força física, reduzindo a probabilidade de ameaças e o medo entre os homens.
Conseqüentemente, reduziu-se também a necessidade de emitir comportamentos
agressivos e estar sempre a postos para lutas, brigas etc. O homem, a partir de então,
teve seu comportamento regulado por essa nova agência de controle - o Estado - e foi
aos poucos desenvolvendo um autocontrole, de forma a "produzir uma transformação de
toda a economia das paixões e afetos rumo a uma regulação mais continua, estável e
uniforme dos mesmos, em todas as áreas de conduta, em todos os setores de sua vida”
(Elias, 1939/1993, p. 202). A literatura da civilidade tomou força nesse momento (séculos
XV, XVI), ditando uma maneira muito mais contida de lidar com o próprio corpo e com o
corpo do outro.
Os códigos de civilidade do século XVI continham regras muito parecidas com as
encontradas nos antigos poemas mnemónicos da Idade Média, mas diferiam num ponto
muito importante, que é o da individualização dos prescritores da regra (cf. Elias, 1939/
1994b). Enquanto as regras medievais vinham de uma tradição coletiva e oral, os códigos
de civilidade eram mais pessoais, “com a ênfase de alguém... que observou tudo isso
pessoalmente, que registra a experiência" (Elias, p. 84). Esse estilo mais individualizado
dos códigos de civilidade indicava (e estimulava) comportamentos de auto-observação,
observação do comportamento das outras pessoas, e imitação do comportamento do
outro, acabando por ter conseqüências no autocontrole e no controle social. A fim de
manter ou alcançar uma posição social privilegiada, era preciso agir de maneira aceitável
(e recomendável) pelos códigos de civilidade, calculando minuciosamente a expressão
das emoções e observando as severas proibições de contato físico. Interagir com o outro
se tornava algo cada vez menos espontâneo, graças â civilidade, que para Chartier (1986/
1991) “é acima de tudo uma arte, sempre controlada, da representação de si mesmo para
os outros, um modo estritamente regulamentado de mostrar a identidade que se deseja
ver reconhecida" (p. 166).
Os códigos de civilidade mudaram não só a maneira de ditar comportamentos
adequados, mas também a maneira de apontar comportamentos inadequados e punir os
indivíduos que os emitissem. Ao invés de prever punições para o indivíduo que não seguisse
as regras descritas, os códigos descreviam como pessoas bem sucedidas procederiam
sob determinadas circunstâncias, como uma forma de modelo, favorecendo o exercícío do
autocontrole e reduzindo a probabilidade de agressividade entre os indivíduos (e todos os
danos à sociedade que comportamentos agressivos implicam). A punição por um ‘'mau"
comportamento passou a ser feita de modo muito mais contido, aumentando a probabilidade
de mudança do comportamento na direção desejada. Segundo Elias (1939/1994b),

torna-se imediatamonto claro quo osto maneira polida, extromarnento gontil e


relativamente atenciosa do corrigir alguém, sobretudo quando exercida por um
superior, ó um meio muito mais forte de controlo social, muito mais oficaz para
inculcar hábitos duradouros do que o insulto, a zombaria ou a ameaça do violência
fisica (p. 93).
Fatores como a diferenciação do indivíduo quanto a sua função social, o aumento
da auto-observação e do autocontrole e a valorização do privado levaram o homem a uma
relação diferenciada consigo mesmo, vivenciando seus sentimentos e emoções como
algo particular, que lhe pertence, sem levar em conta que esses sentimentos e sua
sobrevivência no meio social dependiam de outros indivíduos, os quais faziam parte de

Sobre Comportamento c C o g n a to 351


uma rede de interdependência. Além disso, a maior atenção ao próprio corpo fez com que
o indivíduo acabasse entrando mais em contato com as sensações corporais que
acompanhavam os sentimentos, criando a idéia de que essas sensações seriam os próprios
sentimentos. Dal as noções de autonomia, interioridade e fisicalidade dos sentimentos.
A partir dessas mudanças o homem da Idade Moderna passou a ter uma vida
privada estritamente pessoal, ao contrário do que era observado na Idade Média, quando a
privacidade era vivida coletivamente. Durante o século XVII, alguns indivíduos compartilhavam
o espaço público com “grupos de convivialidade", os quais ocupavam um meio termo entre
a solidão da privacidade recém-constituída e a civilidade do antigo espaço público (cf.
Ariès, 1986/1991). Segundo Ariès, "tais grupos desenvolveram uma verdadeira cultura de
pequenas sociedades dedicadas à conversação e também à correspondência e à leitura
em voz alta" (p. 15).
De acordo com Ariès (1986/1991), no século XVIII os grupos de convivialidade
cresceram, transformando-se em instituições nas quais já não era possível conviver nos
moldes anteriores - por parecerem bastante íntimos - requerendo um outro tipo de
relacionamento entre os membros da instituição. Esconder de alguma forma suas emoções
tornou-se muito importante também nas cidades, onde o grande crescimento populacional
e o aumento na complexidade da "teia" das relações interpessoais impeliam os indivíduos
a se relacionar com “estranhos". Não era possível - ou recomendável - se isolar e não se
relacionar com pessoas que não fossem íntimas, afinal, devido à especialização das funções
sociais e às novas configurações sócio-econômicas a vida de cada indivíduo dependia das
relações interpessoais que ele travava. Para lidar com a necessidade de se relacionar
com estranhos sem parecer ‘distante’ nem íntimo demais, nos momentos em que se
encontrasse no espaço público, o indivíduo devia evitar expor suas emoções abertamente
tal como o fazia em seu espaço privado - onde podia "realizar sua natureza" (cf. Sennett,
1974/1998). Segundo Sennett, "comportar-se com estranhos de um modo emocionalmente
satisfatório, e no entanto permanecer á parte deles, era considerado em meados do século
XVIII como um meio através do qual o animal humano transformava-se em ser social" (p.
33).
De acordo com Sennett (1974/1998), a maneira encontrada pelo indivíduo do século
XVIII para uma convivência entre estranhos sem a exposição de suas emoções foi a
representação de papéis, utilizando o espaço público como um grande palco. A
representação de papéis caracterizava as relações interpessoais no âmbito público como
impessoais. A impessoalidade no lluminismo era exercida por meio de códigos de
credibilidade (o corpo e o discurso eram caracterizados diferentemente, de acordo com a
ocupação social e/ou o espaço - público ou privado - onde ocorriam as interações). Os
indivíduos "despertavam os sentimentos uns dos outros, sem terem de tentar se definir
uns para os outros" (Sennett, p. 88). Havia uma clara separação entre um indivíduo e os
demais e entre o que havia de privado (e seria poupado do conhecimento alheio) e o que
havia de público em sua vida. Ainda assim, o que seria tornado público (e como) também
era meticulosamente escolhido, a fim de não expor sentimentos inadequados nem, por
outro lado, "ferir’’ ou entediar seu interlocutor.
Na Idade Moderna a utilização de certas técnicas teatrais veio facilitar o
estabelecimento e a manutenção de relações sociais na medida que possibilitava ao
indivíduo expressar sentimentos adequados à situação na qual se encontrava. Numa
sociedade em que cada indivíduo precisava batalhar para satisfazer suas necessidades

352 V1vi.in M .irc h e /In l-C u n h d , Im m .m u e l 7 .i#u ry lo urinho


pessoais, uma vez que já não estava mais amparado por uma rígida estrutura hierárquica,
passou a ser interessante manter relações cordiais com outros indivíduos potencialmente
"necessários". Representar emoções requeria do índívíduo habilidades como o conhecimento
acerca do próprio corpo e dos efeitos que ele provocaria no ambiente, autocontrole (no
sentido de esconder ou reduzir a expressão de emoções e mesmo reações corporais que
não fossem apropriadas) e uma grande capacidade de simular algo que não se estava
sentindo no momento. O autocontrole substituiu a máscara das antigas peças teatrais,
mantendo a mesma função (cf. Sennett, 1974/1998). Além de todas essas habilidades, o
indivíduo do século XVIII utilizava também roupas específicas para aparições no espaço
público (tais como os figurinos do teatro), e maquiagem “vermelha ou branca, para dissimular
a cor natural da pele ou qualquer defeito que pudesse ter” (Sennett, p. 95), como o rubor e
a palidez que acompanham reações emocionais. A maquiagem tinha a função de contribuir
com o autocontrole para a perfeita dissimulação de sentimentos. É interessante observar
como nos dias atuais, com o intenso refinamento do autocontrole, a maquiagem é cada
vez mais suave, e agora restrita á população feminina. Outro aspecto interessante refere-
se à utilização de maquiagem somente nos ambientes públicos. Geralmente, em seu
ambiente privado - em família, entre amigas - a mulher não se maquila.
3 - Função do autocontrole para atender a demandas culturais
É importante ressaltar que o autocontrole está presente em maior ou menor grau
de refinamento em todas as sociedades, desde as mais simples até as mais complexas.
Ao resgatar o processo de refinamento do autocontrole exigido nas sociedades ocidentais
a partir da Jdade Moderna é preciso ter claro que ainda nos dias atuais existem sociedades
nas quais o autocontrole demandado é mínimo, bem semelhante àquele encontrado nas
sociedades medievais. Deve-se levar em conta ainda que dentro de uma mesma sociedade
vários subgrupos podem apresentar graus de autocontrole diferenciados (diferença observada
nos hábitos, nas noções de individualidade, nas relações interpessoais), ou seja, o processo
de refinamento do autocontrole não aconteceu uniformemente entre as sociedades e nem
no interior de cada uma delas.
Grupos são beneficiados em diversos aspectos com o exercício do autocontrole
pelos indivíduos que os compõem e, por isso, tal comportamento ó geralmente reforçado
socialmente. Por meio do autocontrole o grupo garante a manutenção de relações
interpessoais - com a troca de benefícios entre pessoas ou entre grupos - e a produção
de conhecimento científico, por exemplo. O autocontrole permite que indivíduos se
comportem no presente produzindo uma sociedade do futuro.
Durante a Idade Módia as pessoas já se comportavam visando à produção de
conseqüências positivas para o grupo como um todo, mas esse era um comportamento
claramente imposto pelo grupo - o que pode ser chamado de controle externo. O que
mudou com a transição da Idade Módia para a Idade Moderna ó que o indivíduo passou a
ser formado para o autocontrole e as emoções"controladas" passaram a ser vivenciadas
como algo privado, interno, uma ocorrência no homem e desvinculada de suas relações
com os outros.
Agindo de maneira autocontrolada o indivíduo se comporta de acordo com os
interesses do grupo e em sintonia com os demais indivíduos, preservando a complexa teia
de relações interpessoais e garantindo os benefícios (para o grupo e para o indivíduo) que
poderiam ser provenientes dela. Quanto a essa questão, Elias (1987/1994a) diz que:

Sobre Comportiirncnto e CoflnivJo 3 5 3


à medida que mais e mais pessoas se tornaram mutuamente dependentes,
como espocialistas deste ou daquele tipo nessas redes de funções distintas,
tornou-se cada vez mais necessário harmonizar suas funções o atividades.
Também por esse aspecto, a mudança das rotações humanas em direção a
grandes grupos mais centralizados e especializados lovou a um maior
cerceamento dos impulsos individuais momontâneos. A princípio, isso talvez
tonha sido imposto ou mantido pelo temor direto dos outros, dos supervisores
ou das pessoas designadas pelo governante central. Mas aos poucos o elomonto
de autocontrole na harmonização das pessoas com as atividades umas das
outras passou a ser uma coisa mais tida por certa (pp. 114-115).
A maior possibilidade do indivíduo se destacar dos demais e desempenhar diversas
funções envolvia o risco de dissolução do grupo. As sociedades vinham de um longo
período (séculos) em que o comportamento de cada indivíduo, ou sua função, era
determinado pela classe social a qual ele pertencia. Dessa forma, ainda que as emoções
fossem expressas abertamente e de uma maneira menos refinada que aquela que se
considera aceitável nos dias atuais, era possível prever o comportamento dos indivíduos e
assim estar preparado para reagir a esse comportamento. No entanto, com a mudança
nas configurações sócio-econômicas a origem do indivíduo deixou de determinar a função
social que ele poderia exercer, o tipo de comportamento que ele poderia emitir, as relações
interpessoais que ele poderia travar. Se por um lado isso possibilitou que o indivíduo
tivesse maior liberdade ou mobilidade, por outro dificultou - e muito - a previsão do
comportamento desse indivíduo por parte do grupo. Mesmo porque, se antes das mudanças
era possível prever o comportamento "dos colonos", ou “dos artesãos", ou "da nobreza"
como coletividades, na Idade Moderna (e ainda mais acentuadamente nos dias atuais), o
foco passou a ser cada indivíduo.
O fortalecimento dos códigos de civilidade pode ser entendido como uma tentativa
de reduzir a variabilidade dos comportamentos dos indivíduos e assim aumentar a chance
de prevê-los corretamente. Além disso, como ressaltado anteriormente, as punições
prescritas nos códigos de civilidade para comportamentos inadequados também eram
muito polidas, de maneira a garantir a mudança de comportamento sem rejeição ou
represália do indivíduo “mal comportado". Sendo assim, pode-se dizer que os códigos de
civilidade proviam aos grupos meios tanto de prever quanto de controlar o comportamento
dos indivíduos.
Estimular a especialização das funções sociais poderia funcionar, para o grupo,
como uma maneira de manter os diversos indivíduos dependentes uns dos outros, apesar
da autonomia que as novas configurações parecem permitir. Dessa forma, o grupo mantém-
se vivo, composto por relações de forte dependência entre seus membros.

O autocontrole e a aquisição de conhecimento


Com relação ao conhecimento da realidade o autocontrole adquiriu importância a
partir do século XVII com o racionalismo e o empirismo, movimentos filosóficos mais
significativamente representados por René Descartes e Francis Bacon, respectivamente.
Tais movimentos consideravam o controle das emoções e a disciplina como pré-requisitos
para se chegar ao conhecimento puro e objetivo (fosse por meio da razão, para Descartes,
fosse por meio da experiência sensível, para Bacon), sem distorções da “imaginação",
das "paixões” ou dos sentidos (cf. Descartes, 1637/1973; Pereira, 1996). Também para

354 Vlvi.in M<iril)o/lnl-Cunh.i( I mm.wuicl Aiyjury lourinlto


Immanuel Kant, representante do racionalismo predominante na França e na Alemanha
no século XVJII, o controle sobre os próprios sentimentos e “impulsos" era necessário para
se chegar ao conhecimento (cf. Figueiredo & Santi, 1997). Kant sugeria a disciplina e a
ação dentro de limites como uma forma do homem desenvolver-se plenamente, não só no
processo de conhecimento, como também na vida em sociedade (cf. Gianfaldoni &
Micheletto, 1996).
Nota-se que, assim como nas relações sociais, a partir da Idade Moderna, também
na reflexão sobre as condições para um conhecimento seguro da realidade o sucesso
seria alcançado por meio da análise da situação, do controle das emoções e da observação
de regras gerais sobre a ordem das coisas. Passaram a ser valorizadas as investigações
científicas que trariam algum benefício para a vida prática da sociedade, não havendo mais
espaço para o conhecimento contemplativo. O autocontrole e o método são fundamentais
para a investigação científica ainda nos dias atuais, proporcionando a produção de
conhecimento nas mais diversas áreas, efetivamente trazendo benefícios para a sociedade.
Ao estimular e valorizar formações acadêmicas cada vez mais longas (ensino fundamental,
médio, pós-médio, superior, especializações, mestrados, doutorados, pós-doutorados) a
sociedade exige dos indivíduos um grau cada vez maior de autocontrole. É necessário
muito mais tempo de preparação (ou seja, um número muito maior de respostas) até que
as conseqüências de uma vida profissional sejam alcançadas.

4 - 0 que se perde com o autocontrole?


Elias (1987/1994a) levanta alguns aspectos negativos do autocontrole e que podem
dificultar a emissão de comportamentos desse tipo. Um dos aspectos é a satisfação
pessoal, que pode ficar comprometida quando o indivíduo se comporta sob controle de
conseqüências de longo prazo que não têm a magnitude esperada, ou que não
“compensam" todo o esforço e a privação no decorrer do processo. Conforme Elias,

[com o autocontrole] podo-se atingir metas que dão sentido e realização ao


esforço pessoal e assim encontrar a felicidade esperada. ... [Por outro lado]
talvoz a realidade se revelo menos extasianto do que o sonho. .. O esforço da
longa jornada pode ser tão grande que a pessoa perde a capacidade do desfrutar
a realização ou de vê-la como uma realização satisfatória, (p. 109)
É o caso, por exemplo, da formação acadêmica, ou ainda de indivíduos que se
esforçam para adquirir bens ou realizar projetos valorizados pelo grupo - como uma casa
no melhor bairro da cidade, um carro importado, uma viagem ao exterior. As realizações
valorizadas pelo grupo na Idade Módia eram compatíveis com a probabilidade que o indivíduo
tinha de consegui-las, limitado por sua classe social, seu gênero, o ramo de atividade de
sua família. Não se esperava de um indivíduo muito mais do que ele poderia fazer. Crianças
eram iniciadas em ofícios com idades inaceitáveis para indivíduos do século XXI (vide
campanhas atuais de repúdio ao trabalho infantil) e não demoravam muito para serem
consideradas profissionais (cf. Elias, 1987/1994a). Já nos dias atuais fala-se em “crise
dos 25 anos", que acometeria indivíduos que já passaram por um longo processo de
preparação para a vida adulta, tanto em termos de habilidades sociais como formação
acadêmica e profissional, mas ainda assim não se sentem aptos a enfrentar as
responsabilidades de cuidar da própria vida sem o apoio direto da família ou outra instituição
(a Universidade, o Estado). Esses indivíduos já têm uma longa história comportamental,

Sobre ('o m portdm enlo c C'o#nli:.1o 3 5 5


mas ainda não entraram em contato com muitas das conseqüências de seus
comportamentos - pelo menos não aquelas que o grupo descreve e exige: sucesso
profissional, relacionamento amoroso estável, situação financeira confortável etc1. E como
durante o tal processo de preparação (adolescência e o período da graduação) é
compreensível e até mesmo permitido que o indivíduo mantenha-se alheio a
responsabilidades como trabalho, pagamento de contas, cuidados com outras pessoas
etc, ao ser exigido pelo grupo que tenha um desempenho adulto esse indivíduo pode
fracassar, pois não desenvolveu repertório para isso.
Não atingir o objetivo esperado pode levar o indivíduo a questionar as escolhas
autocontroladas que fez ao longo do caminho, as habilidades que deixou de desenvolver,
as situações que deixou de vivenciar porque não produziriam conseqüências positivas
para o grupo (cf. Elias, 1987/1994a). É provável que, depois de tantas conseqüências
aversivas ou privações, ao se deparar no final do processo com as conseqüências ainda
negativas para si mesmo, o indivíduo tenda a se comportar impulsivamente.
Como mencionado anteriormente, os indivíduos de um grupo que demanda autocontrole
perdem a noção de interdependência. O indivíduo produzido pelas sociedades ocidentais a
partir da Idade Moderna é muito voltado para si mesmo, para as sensações que vivência só
(por serem contidas), para o que ele considera serem suas próprias necessidades, seus
próprios desejos e objetivos. Há uma noção de autonomia, ou seja, o indivíduo credita a
satisfação de suas necessidades exclusivamente ao seu próprio esforço, sem levar em
consideração que está direta ou indiretamente ligado a cada membro de seu grupo. Cada
indivíduo tem uma função muito específica dentro do grupo a que pertence, sendo cada uma
fundamental para a manutenção do grupo como um todo; no entanto, nas sociedades de
indivíduos autocontrolados, privatizados, só se vê a própria função e o que ela pode trazer de
conseqüências para o próprio indivíduo - e quando essas conseqüências para o indivíduo não
são positivas essa função é logo abandonada, mesmo sendo vantajosa para o grupo.
Diante dos comportamentos impulsivos dos indivíduos o grupo precisa criar
estratégias para estimular comportamentos altruístas, que sejam voltados para o todo, o
que não era necessário na Idade Média, por exemplo, quando os homens comportavam-
se, principalmente, sob controle de conseqüências compartilhadas com o grupo (cf. Elias,
1939/1994b). Certos aspectos da vida cotidiana na Idade Média eram opostos ao que
ocorre nos dias atuais. Enquanto os homens medievais priorizavam o bem comum por não
terem uma forte noção da diferença entre eles (não havia a noção de individualidade), os
indivíduos modernos e contemporâneos comportam-se sob controle de conseqüências
imediatas para si, que por vezes conflitam com conseqüências esperadas pelo grupo.
Elias (1987/1994a) aponta também a dificuldade dos indivíduos das sociedades
ocidentais modernas adequarem-se às exigências contraditórias da sociedade: destacar-se
dos demais, sendo diferente, melhor, ao mesmo tempo em que deve ser como os outros.
Indivíduos devem ter desempenhos apenas acima da média, não muito mais do que isso,
sob o risco de serem rotulados como excêntricos, arrogantes etc. Nas palavras de Elias,

Dosdo a infância, o indivíduo ó troinado para dosonvolvor um grau bastante elevado


de autocontrole e independência possoal.... Apronde desde cedo... que ó desojável
distinguir-se dos outros por qualidades, esforços e realizações pessoais: e aprondo

1 É bom deixar claro que a população acometida pela "crise dos 25" é composta de jovens de classe média,
que tAm condições de passar por todo o processo de íormaçAo acadêmica sustentados pelos pais, mas
depois precisam arcar com sua própria manutenção.

3 5 6 Vlvi.m M.ircho/Inl-Cunh.i, Kmm.mucl /.iflury lourinho


a encontrar satisfação nesse tipo de sucesso. Mas ao mesmo tempo, em todas as
sociedades, há rígidos limites estabelecidos quanto à maneira como o sujeito
pode distinguir-se e os campos em que podo fazê-lo. Fora desses limites espera-
se exatamente o inverso. Ali, não se espera que a pessoa se destaque das outras:
fazô-lo sena incorrer em desaprovação e, muitas vezes, em reações negativas
muito mais fortes. O autocontrole do indivíduo, por conseguinte, é dirigido para ele
não sair da linha, ser como todos os demais, conformar-se. (p. 120)
Provavelmente a regulação do desempenho dos indivíduos ê feita como uma maneira
de manter harmonizadas as funções sociais dos indivíduos, marcai a noção de que eles
fazem parte de um grupo e que não devem se esquecer que as normas desse grupo
devem prevalecer. Ao mesmo tempo, atividades individuais de destaque devem ser
estimuladas pelo grupo por constituírem um meio de crescimento para o grupo (quanto
maior a variabilidade comportamental, maiores as chances do aparecimento e seleção de
práticas que favorecem a sobrevivência do grupo). O aspecto negativo dessa prática dos
grupos, apontado por Elias (1987/1994a) no trecho anterior, consiste no conflito para o
indivíduo entre comportar-se produzindo conseqüências reforçadoras em geral ou regular
seu comportamento de maneira a se esquivar de desaprovação de seu grupo social.
As informações apresentadas no presente trabalho sugerem que condições sociais,
políticas e econômicas às quais o indivíduo se encontra exposto constituem importantes
fatores na produção de seus padrões de comportamento, apontando assim para a
necessidade da psicologia se voltar também para a análise de contingências culturais
como uma maneira de compreender melhor o ser humano e suas relações.

Referências
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Sobre Comportamento c Cojjnlçáo 3 5 7


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1974).

3 5 8 Vlvi.in M.irchc/Inl-Cunli.i, Fmm.inucl /.ttfury lourmbo


==.===^==_.^,= Capítulo 33

O amor: da mitologia a ciência do


comportamento
WtinJcrC. M . Pcrcini diSilvü*

Na cultura ocidental o amor ó uma palavra largamente empregada para descrever


uma série de sentimentos. E são amplas as formas de se comportar e sentir incluídas na
categoria amor, temos aí inclusive aqueías que trazem dor e sofrimento. E existe uma
literatura extensa sobre o amor. São livros e mais livros, sites, textos, artigos de jornais
etc. as visões são as mais distintas.
No entanto, percebemos pelo menos duas características basilares em toda essa
literatura: 1) o amor é tratado como uma espécie de construto reificado - aquele tipo de
conceito que ganha vida própria e passa a ser tratado como coisa em si mesma, ou algo
que existe aíém dos limites da própria linguagem que o produz; 2) abordam o amor como
algo interno (sentimento) que causa certos comportamentos. Essa primeira característica
aguça a curiosidade das pessoas para buscar essa "coisa", no coração, na cabeça, nas
relações, na natureza, na nossa biologia e assim por dianto. A segunda, leva a querer saber
O QUE a pessoa sente e não o que ela FAZ (ou fez para sentir) quando sente o que sente.
Este trabalho pretende oferecer uma contribuição para a compreensão do termo
amorna perspectiva do comportamento. Inicialmente, iremos resgatar alguns mitos gregos
antigos que no nosso entender estão na base de muitas explicações sobre o que as
pessoas chamam de amor. E, por último, apresentaremos um esboço do que seria uma
análise comportamental do amor.

O amor na mitologia grega antiga


Muito do que nós falamos, e por conseqüência, sentimos, do amortem sua origem
na mitologia grega. São conceitos, regras, modelos explicativos e termos que utilizamos
para descrever, explicar e dar sentido às nossas manifestações afetivas.

* Universidade Católica de Brasília e Instituto Braslliense de Análise do Comportamento

Sobre C om poil.im ento e C o g n iç io 3 5 9


A mitologia grega é um conjunto de narrativas, ou seja, um tipo de conhecimonto
que resume valores, costumes e memórias. Seu surgimento está ligado à tradição religiosa
politeísta dos gregos antigos, essas crenças seriam oriundas de diversas tradições
religiosas e cultos antigos da Mesopotâmia, índia, dentre outros. Para esses povos os
deuses eram serem imortais, com poderes sobre humanos. Na cultura grega, porém,
ganham feições humanas e emocionalidades terrenas. Os mitos eram transmitidos
oralmente por poetas como Homero e Hesíodo (séc. IX a.C. e VIII a.C.) que diziam serem
inspirados por divindades. As narrativas mitológicas, portanto, estavam ligadas à tradição
oral e não a escrita e a emoção e menos ao logos.
Alguns desses mitos serão descritos a seguir, de uma maneira sucinta, com
intuito de fornecer um cenário no qual as noções de amor, que ainda hoje são utilizadas,
podem ter tido sua origem.
O primeiro mito a ser descrito ó o da origem do mundo. Sua leitura oferecerá ao
leitor um marco inicial a partir do qual outros relatos mitológicos se apóiam.

O mito da origem do mundo


Segundo o que se conhece a partir da obra de Hesíodo, o mundo começa com
Caos, a existência indistinta; depois nasceram a Terra (Gaia) e Eros. De Caos surgiram a
Noite, que gerou o Dia. A Terra gerou o Céu (Urano), as Montanhas e o Mar; uniu-se ao
Céu (Urano) e gerou os Titãs, Réia, Têmis, Memória, os Ciclopes, fabricantes do raio, os
Gigantes, de cinqüenta cabeças e cem braços, e Cronos, o tempo. Guiados por Eros, os
deuses se reproduzem: há os filhos’da Noite, entre os quais estáo a Morte, o Sono, os
Sonhos... (fragmentos de Teogonia de Hesíodo).
O que se dizia de Urano era que ele não era um bom pai e marido. Odiava os
filhos, punia enfiando-os na terra. Gaia sua esposa, enfurecida por ver aquilo fez com que
seus filhos se revoltassem contra o pai. Coube a Cronos, o mais moço, castrar o pai com
uma foice, e jogar suas genitálias no oceano. Do sangue de Urano surgiram os Gigantes,
as Ninfas e as Erínies. Do mar onde suas genitálias caíram, nasceu Afrodite. Cronos,
portanto, inicia o domínio da segunda geração de deuses.
Diz a mitologia que Cronos sabia que iria ter um destino semelhante ao do seu pai,
ou seja, teria a revolta de seus filhos contra si, então os engolia à medida que iam nascendo
do ventre de Réia, sua esposa. Quando Zeus nasceu, Réia deu uma pedra para Cronos
engolir e escondeu o filho, que cresceu e destronou o pai, fazendo-o vomitar seus irmãos.
Com Zeus tem início a terceira geração de deuses. Ele repartiu o mundo com
seus irmãos: Posêidon ficou com os mares, Hades com o mundo subterrâneo, e a ele
próprio coube o céu.
Nos dois mitos relatados a seguir encontraremos retratada a origem do amor e a
união entre amor e alma. Talvez a origem da saga do "amor proibido" que tanto inspira
autores das mais diversas épocas, ou talvez do "finai feiiz" esperado por aqueles que
amam, após tantas idas e vindas.

Mito do amor e do ódio


Segundo a mitologia, Afrodite, nascida do mar onde as genitálias de Urano foram
jogadas, foi recolhida ao nascer por zéfiro, um dos oito ventos olímpicos, que a levou às
Horas, filhas de Zeus, que a criaram. Afrodite cresceu e se casou com Hefesto, mas, mantinha

3 6 0 W.imlcr C. M. Pereiru il.i Silv.i


relacionamento com outros Deuses do Olimpo, entro seus amantes estava o Deus da Guerra
Áres. Certa vez, por um descuido, Apoio pegou os dois amantes em pleno relacionamento e
contou para Hefesto que prendeu os dois numa rede invisível e chamou os outros Deuses
para que vissem a cena. Irados os Deuses condenaram o filho surgido daquela relação de
traição a ser eternamente criança até que tivesse um irmão. O filho de Afrodite e Áres era
Eros, o Deus do amor. Para quebrar o encantamento, Afrodite teve um outro filho com Ares,
Anteros (Anti-Eros) a repulsa, o ciúme e o ódio, o oposto de seu irmão.

Amor e alma: o mito de Eros e Psique


Por causa do castigo imposto pelos deuses Eros, o amor, tanto pode ser
representado por uma criança alada alçando flechas para tomar as pessoas apaixonadas,
quanto por um lindo rapaz.
Na vida adulta Eros se apaixona por Psique, a alma. Psique era umas das três
filhas de um rei, e por ser belíssima atraia atenção de todos e ninguém mais visitava os
templos de Afrodite, mãe de Eros e deusa da beleza. Todos se rendiam à formosura de
uma simples mortal: a princesa Psique.
Enciumada Afrodite enviou Eros para vingar-se: ele deveria, com suas flechas,
fazer Alma apaixonar-se pela criatura mais desprezível e feia do mundo. Mas, o inesperado
acontece: Eros se fere com suas flechas e se apaixona por Psique. Num ato de paixão,
Eros mente à mãe dizendo que ela estava livre da rival.
Por outro lado os pais de Psique estavam muito preocupados com o fato de que
ela, por ser muito bela, não conseguir um marido, pois todos temiam sua beleza. Dessa
maneira, seus pais procuraram os orácuJos, que eram divindades que ficavam em lugares
afastados das cidades onde as pessoas buscavam aconselhamento sobre o futuro. Eros
influenciou na decisão do oráculo para que pudesse se casar secretamente com Psique.
Dessa forma, por instrução do oráculo, os pais de Psique vestiram-na com roupas
de casamento e a deixaram no aJto de um rochedo. Zéfiro a carregou e a depositou no
fundo de um vale. Psique adormeceu. Quando acordou, se viu num maravilhoso castelo.
A noite, percebeu a presença de seu esposo predestinado pelo oráculo. Este lhe
disse que seria o melhor dos maridos, mas que ela jamais poderia vê-lo, se não iria perdê-
lo para sempre. E assim foram seus dias: seu marido lhe trazia o mais profundo amor,
mas nunca o poderia vê-lo. Com o tempo, Psique sentiu saudades dos pais e pediu para
visitá-los. Os oráculos advertiram que essa viagem não seria boa, pois poderia afasta-los,
mas ela implorou... ató que seu marido cedeu.
Suas irmãs ao vê-la tão bem, se encheram de inveja e ao saoerem que ela nunca
tinha visto o marido, convenceram-na de fazê-lo; com a intenção de prejudicá-la. De volta,
Psique estava curiosa e tão logo veio a noite, acendeu uma vela para ver o marido, ficou
embevecida com tamanha beleza. A vela derreteu-se e um pingo de cera caiu sobre o peito
de Eros, seu marido oculto, fazendo-o acordar. Eros, ao vê-la disse-lhe: "O amor não vive
sem confiança". Com a quebra da promessa, Eros partiu, fazendo cumprir a sentença do
oráculo.
Abandonada sentindo-se só e infeliz, Psique, a Alma, passou a vagar pelo mundo
na companhia de Tristeza e Inquietude. Psique sofreu tanto que entregou-se à morte, e
caiu num profundo sono. Eros, não suportando ver a esposa passar por tanta dor, implorou
a Zeus que tivesse compaixão deles. E com a permissão deste tirou-a do sono eterno

Sobre Comportamento e CoRnivilo 361


com uma de suas flechas e uniu-se a ela: um deus e uma mortal, no Monte Olimpo.
Assim, Eros e Psique (o Amor e a Alma) permaneceram felizes por toda a eternidade.
Os mitos seguintes serão trazidos como corolário para a compreensão de
pressupostos importantes a respeito de alguns conceitos e regras ligados à noção de
amor na atualidade. A primeira alegoria versa sobre a origem da mulher, e nos fornece uma
dica inicial que nos ajuda a entender o “peso" que a figura feminina tem carregado na
sociedade machista. A segunda retrata a origem dos seres humanos como seres duplos
e esféricos. A questão da homossexualidade permeia este mito, juntamente com a idéia,
muito difundida na cultura ocidental, do alma-gêmea ou cara-metade.

O mito da criação da mulher


A primeira mulher surgiu como um castigo de Zeus aos homens. Segundo a mitologia
o titã Jápeto, irmão de Cronos, tinha dois filhos: Prometeu (o astuto) e Epimeteu (o que só
aprende depois do erro). Estes se compadeceram da condição em que os humanos viviam
e tentaram partilhar o plano divino com eles. Prometeu roubou dos deuses a metalurgia, a
tecelagem e o fogo, e os deu ao homem. Foi castigado por sua ousadia e ficou acorrentado
por trinta mil anos no pico mais alto do Cáucaso, tendo o fígado picado por um pássaro.
Enquanto isso, Zeus criou a mulher na sua forma humana para oferece-la como
castigo aos homens.

“...em lugar do fogo eu darei um mal e/todos se alegrarão no ânimo, mimando


muito este mal (...) e aí pôr humana voz e/força, e assemelhar de rosto às dousas
' imortais/esta bela e deleitável forma de virgem; (...) ensinar mentiras, sedutoras
palavras e dissimulada conduta (...) E a esta mulher chamou /Pandora ..."
(Hesíodo, Os trabalhos e os dias).

O mito dos seres duplos e esféricos


Aristófanes relata que no início os seres humanos eram duplos e esféricos, e os
sexos eram três: 1) duas metades masculinas, 2) duas metades femininas e 3) uma
metade masculina outra feminina. Zeus separou-os em dois para enfraquecê-los. Desde
então, o amor recíproco entre os humanos consiste na busca da outra metade que nos
completa. Também por esse motivo a busca entre seres do mesmo sexo é valorizada.
É interessante notar a força do mito como forma de explicar os sentimentos
humanos, apesar de todo o desenvolvimento da psicologia e disciplinas afins. Da mesma
forma, como vicejam os "best-sellers" contendo explicações ocultistas e metafísicas dos
fenômenos naturais, apesar dos enormes avanços da ciência física, ou mesmo, a
constatação diária de que todo o desenvolvimento alcançado pela astronomia não conseguiu
fazer com que as pessoas deixassem de ler o horóscopo antes de sair de casa. O mito
permanece. Isso nos leva a pensar que essas explicações têm cumprido algum papel na
nossa sociedade. Ou vocês acham que se não houvesse reforçamento essas práticas
culturais ainda estariam grassando por ai?
Os mitos são os ingredientes de muitas práticas culturais. Por exemplo, não
seria um exagero pensar que o papel desfavorável que a mulher tem na nossa cultura tem
suas raízes na idéia de que ela é um castigo ou que foi ela que tentou o homem a comer

3 6 2 W.imler C, M. Pereini d.i Silva


o fruto proibido. Essas noções além de trazer à tona o preconceito, escondem relações de
controle importantes para uma análise do comportamento.
Freqüentemente, nos deparamos com pessoas em nossos consultórios sofrendo
por causa da perda ou porque não encontraram ainda a sua cara-metade, a sua alma-
gêmea. O problema é que ficar sob controle desse tipo de regra impede o contato com
contingências de reforçamento necessárias para amar efetivamente alguém.
Mas, é provável que tenhamos que continuar a conviver com esse tipo de explicação
por mais tempo que possamos imaginar. Será que adotar a postura de somente negar ou
deixar de reconhecer essas explicações mitológicas seria o caminho mais apropriado
para a ciência do comportamento? Essas explicações fazem parte da cultura mediana
das pessoas, virou senso comum.
As explicações cientificas tomarão seu lugar na medida em que elas se mostrarem
mais efetivas para explicar o fenômeno. Mas, entào, temos que fazer com que uma
explicação cientifica ou pelo menos uma tentativa chegue até as pessoas.
Precisamos aumentar a comunidade verbal dos cientistas do comportamento que
falam sobre o amor, dos terapeutas, alunos, por fim, dos cidadãos comuns que buscam a
ajuda na ciência do comportamento.
A literatura está cheia de noções de um sedutor poder estético. São rimas métricas
e enredos que levam as pessoas a se engajarem em comportamentos equivocados.
Lembram dessa histormha que reproduzo abaixo?
Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita.
Sou uma raposa, disse a raposa.
Vem brincar comigo, propôs o princípe, estou tão triste...
Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
(...) - O que quer dizer cativar ? (...) - é uma coisa muito esquecida, disse a
raposa. Significa criar laços...
Criar laços?
Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto
inteiramente Igual a cem mil outros garotos.
E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu
me cativas, nós teremos necessidade um do outro. (...) Minha vida 6 monótona.
E por isso eu me aborreço um pouco.
Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. (...) E depois, olhai
Vés, lá longe, o campo de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é Inútil. Os
campos de trigo não mo lembram coisa alguma. E isso é trlstel Mas tu tens
cabelo cor de ouro. E então será maravilhoso quando me tiverdes cativado. O
trigo que é dourado fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento do
trigo...
A raposa então calou-se e considerou muito tempo o príncipe:
Por favor, cativa-me! disse ela.
Bem quisera, disse o principe, mas eu não tenho tempo (...)
Os homens não tem tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo

Sobre Com port.im cnlo e (.'ognitfo 3 6 3


prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não
têm mais amigos. Se tu queres uma amiga, cativa-mol Os homens esqueceram
a verdade, disse a raposa.
Mas tu não a dovos esquecer Tu to tornas eternamente responsável por aquilo
que cativas (O pequeno príncipe, Antoine de Saint-Exupéry)

Qual adolescente não se deliciou lendo este trecho e o reproduzindo-o em seus


cadernos? Pois ele permanece como firme prescrição nos blogse flogs na internet.
O que há de errado em acreditar que nos tornamos eternamente responsáveis por
aquilo que ativamos? Temos encontrado muitas pessoas que não conseguem dar a fim
certos relacionamentos amorosos porque se sentem responsáveis por aquela pessoa que
os ama. Sofrem com isso, e náo conseguem desenvolver um repertório assertivo porque
estão sob controle dessas regras inadequadas. Claro que esta não é a única variável que
entra na análise, mas ela é muito importante. No mínimo funcionam como respostas
socialmente aceitáveis para a falta de habilidade social.
Então, esses tipos de regras difundidas pela literatura romântica não são tão
inocentes como alguém possa pensar. Elas influem o comportamento das pessoas e
podem torná-los inadequados.

Amor e comportamento
Para começarmos a pensar uma formulação comportamental do amor teríamos
que começar por considerar que o que estamos analisando não é o amor, mas o
comportamento de amar.
Portanto, estamos interessados nas relações de funcionalidade que o
comportamento de amar matem com o ambiente. Apenas lembrando que o ambiente deve
ser entendido de uma forma ampla, como continunn onde as relações comportamentais
se originam e se organizam. Esse contínuo vai além da existência de um organismo,
passando pela história da espécie e pela evolução da cultura.
Uma análise funcional do comportamento de amar, portanto, tem que considerar:
(1) as características herdadas. Predisposições emocionais, padrões fixos e sensibilidades
a estímulos eliciadores; (2) a história de relações com o ambiente passado e presente da
vida de uma pessoa, que resultam em formas particulares de sentir e se comportar dos que
amam. Uma história particular de reforçamento e punições que gera padrões de respostas
(adequadas e inadequadas), operações de motivadoras, sensibilidades a reforços etc.
Além disso, (3) as grandes definições culturais que regulam, valoram as ações dos
indivíduos. Elas entram na análise das causas do comportamento de amar como os mitos, a
literatura, a música, o cinema, a moda, dentre outros. Há um componente verbal forte em toda
forma humana de amar, oriundos de uma história social e verbal. Uma regra, um tipo de descrição,
que funciona como especificador de contingências de reforçamento e operação motivadora.
A interação entre esses níveis de determinantes do comportamento faz com quo
o comportamento de amar possua uma topografia muito vasta. Mas, por mais estranhas
que pareçam certas formas de amar, sempre encontraremos razões para sua existência
nessas contingências selecionadoras filogenéticas, ontogenóticas e culturais.
A análise do comportamento entende que o que a pessoa sente ó um sub-produto
do que ela faz. Se você quiser sentir coisas diferentes comporte-se diferente, essa é a regra.

3 6 4 W iim lc r C \ M . 1’creir.i il.i Silvd


Somos tentados a dizer que o comportamento de amar está sempre sob controle de
contingências de reforçamento positivo. Ou seja, que quando uma pessoa está amando
alguém, o seu comportamento está sendo reforçado positivamente. Pode ser um engano,
pois sào muitas as possibilidades de controle desse tipo de comportamento. Contingências
aversivas que geram condutas reforçadas negativamente podem ser produzidas em uma
relação de amor. E eis aqui outra característica de uma análise do comportamento de amar:
ela não julga o valor bom ou mal, mas a função do comportamento, que é sempre adaptativa.

Conclusões
Defender que uma definição comportamental seria a única a dar conta do que a
cultura nomeia como amor parece-nos pedante demais e perigosamente reducionista. O
papel da ciência, de um modo geral, é descrever as variáveis que se relacionam
funcionalmente com os fenômenos físicos. Uma ciência do comportamento não pode abrir
mão disso. E esta pode ser a grande contribuição da análise do comportamento para a
compreensão do amor. Principalmente, no auxílio àquelas pessoas que sofrem com amor.
Por fim, sobre aquela idéia difundida de que a ciência cessa a beleza e o romantismo
do amor humano, a analogia que nos ocorre ó que restam dúvidas sobre se o céu de Icaro
é realmente mais belo que o de Galileu. Isso vai depender do seu referencial de beleza e
romantismo. Até porque, enquanto estivemos esse tempo todo tentando alçar vôos com
asas de cera, não fomos além de alguns belos tombos.

Referências :
Hoslodo. (1990).Os trabalhos e os dias (Primeira Parte,). (3* edição). São Paulo: Iluminuras.
Homero (1989). A Ilíada (forma narrativa/ Tradução de Carlos Albertos Nunes. Rio de Janeiro:
Ediouro,
Nagel, L. H. (1998). Ilíada: uma análise na contramão. In Boletim de Estudos Clássicos. Instituto
de Estudos Clássicos da Universidade de Coimbra. Coimbra. N° 29.
Bernabó, A. (1989). Generaciones de dioses y sucesión ininterrumpida. El mito hitita do Kumarbi,
la Teogonía de Hesíodo' y la dei 'Papiro Derveni', Madrid: AOr 7.
Saint-Exupóry, A. O (1992). Pequeno príncipe. (41. edição) Rio de Janeiro: A gir.

Sobre Comportamento c (.‘oRnl^o 365


A Terapia Comportamental e a Terapia
Cognitivo-comportamental têm se expandido
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consistência de resultados, tais como nos contextos
hospitalar, de ensino, das organizações. O presente
livro é um instrumento indispensável a todos os
estudantes e profissionais da Psicologia,
interessados no desenvolvimento e nas contribui­
ções da abordagem comportamental como ciência
e como aplicação.

Os organizadores

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