Vous êtes sur la page 1sur 12

CAPÍTULO III há muito desaparecera.

O fato de que, na mesma época, se


efetuou a separação do Brasil de Portugal, embora o govêrno
dêste país, aliado da Inglaterra, haja se instalado de 1808
a 1821 na própria colônia, põe a claro o fundo mesmo do
A Primeira Metade do Século XIX problema. As novas condições criadas pelo avanço da Re-
volução Industrial na Inglaterra e pelo contrôle progressivo
'· que êste país pôde exercer sôbre transportes marítimos, teriam
que resultar em uma política de portos abertos em todo o
Encerramento da era colonial continente americano, política essa incompatível com o tipo
de relações que prevaleciam entre a Espanha e suas colônias.
A desorganização dos impérios espanhol e português,
A vastidão destas e a incapacidade da Metrópole para su-
na época das guerras napoleônicas, constitui o ato final de
pri-las de produtos manufaturados, exigiriam necessàriamen-
complexo processo histórico que se estende por todo o sé-
te modificações profundas na estrutura de um império or-
culo XVIII e se liga diretamente às transformações eco-
ganizado em tôrno à exploração de metais preciosos, três
nômicas e políticas ocorridas na Europa. As tentativas es-
séculos antes.
panholas de diversificar as economias das colônias america-
No caso de Portugal, a transição tivera início em fase
nas enfrentaram dois obstáculos maiores: as barreiras pro- (, muito anterior. O acôrdo de Methuen, firmado em 1703,
tecionistas criadas nos principais mercados europeus pelo
dera à Inglaterra uma situação privilegiada no comércio
mercantilismo e a incapacidade da própria Espanha de abas-
brasileiro. Por êsse acôrdo, Portugal, em troca de alguns
tecer as colônias de produtos manufaturados. Em face dessa
favores no mercado inglês para os seus vinhos, abriu o pró-
situação, as colônias tenderam a buscar uma saída, seja na
prio mercado e das colônias, d.e forma irreversível, às ma-
procura direta de mercados (o que se realizava através do nufaturas inglêsas. A produção brasileira de ouro, que co-
contrabando), seja na produção interna dos artigos de que meçou no segundo decênio do século XVIII, imprimiu um
necessitavam. Um ou outro caminhos levavam ao conflito di- grande dinamismo à demanda luso-brasileira de manufaturas,
reto com a Metrópole. Nas regiões de desenvolvimento agrí- criando possibilidades extraordinárias para os produtores in-
cola para a exportação, como a Venezuela, ou de intensa ati- glêses. Desta forma, o ouro do Brasil encaminhou-se em sua
vidade comercial, como Buenos Aires, a tomada de consciência totalidade para a Inglaterra, permitindo que êste país acumu-
dêss.es problemas f êz-se precocemente, ao impulso da penetra- lasse vultosas reservas internacionais, sem as quais não lhe
ção das idéias liberais que se irradiavam da Inglaterra e da teria sido fácil enfrentar as guerras napoleônicas.1 A pe-
França. Aberto o processo das guerras napoleônicas, o isola- netração inglêsa no Brasil, se possibilitou a Portugal sobre-
mento da Espanha e a rápida penetração comercial inglêsa viver como potência colonial durante o século XVIII, pre-
criaram situações d-e difícil reversibilidade, ao instalarem-se go- parou a liquidação dos vínculos da Colônia com a Metrópole,
vernos locais autônomos em distintas regiões. Na maioria dos cuja posição de entrepôsto excresc-ente se fêz cada vez mais
casos, êsses governos nasceram de situações em que não ha- notória. Transferindo-se a Coroa portuguêsa para o Rio de
via qualquer hostilidade à Metrópole, então ocupada pelos Janeiro, em 1808, os interêsses inglêses articularam-se dire-
franceses. Entretanto, a dinâmica mesmo do processo le- tamente com a Colônia, transformada em sede do império
varia à ruptura, a qual em certos casos tomaria a forma de
luta cruel e prolongada em razão da obstinação com que
os espanhóis pr'etenderam restaurar uma situação que de fato
..! ! C!. W. Cunn!nghnm The Growth o/ Modern lnd1lstry and Commerce.
Modem 7'imes parte I (Cambridge, 1921) pp. 400-1.

42 43
lusitano. Também neste caso o processo seria irreversível. tendentes a romper as estruturas de dominação impostas pelo
o que em tempo compreendeu a própria Coroa portuguêsa, regime colonial, que visam a integrar as massas indíg·enas
1
no quadro político-social e a definir uma personalidade cul- 1
pondo um de seus membros à frente do movimento separa-
tista. tural autônoma. O primeiro dos movimentos indicados pre-
1

l'fJ L/
A primeira metade do século XIX está marcada, na dominou amplamente durante o século XIX. Veremos mais
América Latina, pelas lutas de independência e pelo processo adiante que, sómente na segunda metade dêsse século, veio
êle a frutificar plenamente. O segundo movimento passou ao
de formação dos estados nacionais. Nas colônias espanholas
o movimento independentista irradiou-se de três pólos: Ca-
primeiro plano no século atual. que se iniciou para a América
Latina com a Revolução Mexicana.
1
racas, Buenos Aires e México. Os dois primeiros eram as
regiões que mais rápido desenvolvimento haviam tido no sé-
culo XVIII, desenvolvimento êsse em grande parte reflexo
do debilitamento do poder naval espanhol e da penetração Formação dos estados nacionais
dos interêsses inglêses. A independência, nessas regiões, A estruturação dos estados nacionais ocorreu de for-
deveria permitir a ascensão de uma burguesia mercantil, de ma acidentada em quase tôda a América Latina. As bur-
idéias liberais, progressistas, no sentido de europeize.nte, mas guesias liberais que lideraram ou apoiaram os movimentos
prisioneira da ideologia do laissez-fa ire. A situação no México de independência em Buenos Aires e em Caracas, não esta-
era diversa, pois a produção de prata, em fase de relativa pros- vam em condições de organizar sistemas de poder capazes
peridade, continuava a constituir a base da economia regio- de substituir-se à antiga Metrópole. Conforme já assinala-
nal. Demais, a população indígena mexicana, que voltara a
crescer no último século da dominação colonial, começava
mos, a evolução geral vinha se fazendo no sentido da aufo-
nomfzaÇãõ -regionâ[ -crecoÍ:rência . do aebilüàmenfo dos anti-
a pressionar a estrutura latifundiária, de poder baseado na gos pókis- de crescimento. Na ausência de vínculos econô-
grande propriedade e na exploração das comunidades indí- micos. mais sigrí!ficativos, o loCaJlsmo .põlffic-é). tendia a pre-
genas, introduzindo nas lutas de independência um caráter valecer. No norte; ortd.e o póJo·mineiro se mantivera mais
social que permaneceu como um fermento e marcou a evo- vigoroso, e onde preexistira à conquista espanhola uma tra-
lução dêsse país por mais de um século. Assim, nas lutas dição de centralismo administrativo, conservou-se a unida-
de independência, são perceptíveis dois movimentos que estão de política do que fôra a Nova Espanha. No sul, as ca-
presentes na evolução subseqüente latino-americana: de um pitanias de Venezuela e Chile transformaram-se em unida-
lado, surge uma burguesia europeizante, que pretende liqui- des políticas independentes, a Nova Granada dividiu-se em
dar com decretos o passado pré-colombiano e colonial 2 , que Colômbia e Equador e o recém-criado Vice-Reinado do Rio
busca integrar as distintas regiões nas correntes em expansão da Prata desarticulou-se dando origem à Argentina, ao
do comércio internacional; de outro, manifestam-se fôrças Uruguai, ao Paraguai e à Bolívia.
Rompidos os vínculos com a Metrópole, por tôda parte
!, o poder tendeu a deslocar-se para a classe de senhores da
2 Representante conspícuo dessa. corrente libera.! é o Libertador Simão
Bolivar que em decretos de 1824 e 1825, expedidos em Trujlllo e Cuzco. terra. A estruturação dos novos Estados foi condicionada
decreta a. dissolução de comunidades Indígenas, constituindo a. proprie- por dois fatôres: a inexistência de interdependência real
dade privada camponesa e declarando proprietários das terras que tinham
om sua posse aos "denomina.doa índios", a. fim de que possam "vendê-la.a entre os senhores da terra, que se ligariam uns aos outros ou se
ou aliená-las de qualquer modo". Essas medidas não ch,egaram a ser postas
em prática nessa época mas uma. clara Indicação do eapi- submeteriam a um dentre êles em função da luta pelo poder;
rl to europelzan te doa líderes das guerras de Independência. VeJ a.-se a a ação da burguesia urbana, que manteria contactos com
êsse respeito Artur9 Urquldl Borales, "Las Comunidades Indígenas y su
perspectiva histórica" ln Problemes Agraires des Amériq1tes Latine& o exterior e exploraria tôda possibilidade de expansão do
(Pal'ls, 1967).

44 45
intercâmbio externo, ao qual se iriam vinculando segmentos Também assinalamos a importânda da presença inglêsa para
do setor rural. Assim, na medida em que surgiriam possi- a ruptura do monorólio comercial e a criação de interêsses
bilidades para uma ou outra linha de exportações, o grupo urbanos europeizantes. Convém, entretanto, observar que a
urbáno tendeu a consolidar-se, ao mesmo tempo que se in- p·enetração inglêsa nos primeiros decênios do século XIX,
tegrou com algum subgrupo rural, criando-se condições para constituiu muito mais um elemento de desagregação da or-
a estruturação de um efetivo sistema de poder. Nos países dem social e econômica existente, do que fator capaz de con-
em que a economia mineira era predominante, como o Mé- tribuir para consolidar os novos Estados em formação. .A
xico, o Peru e a Bolívia, o contrôle dessa atividade era su- presença inglêsa assumia essencialmente a forma de orga-
ficiente para definir o poder estatal. Os vínculos dêste com nização de um comércio importador. Surgiam as casas im-
grande: parte da população, organizada nos grandes domí- portadoras, que difundiam as manufaturas européias, prin-
nios rurais, eram pràticamente inexistentes. Contudo, ne- cipalmente inglêsas, modificando hábitos de consumo e acar-
nhum senhor regional dispunha de meios para desafiar a retando a desagregação de atividades artesanais locais. Em
autoridade do Estado, cujo· contrôle constituía o principal muitos países a pressão dêsse aumento de importações le-
objetivo das lutas políticas. Nas regiões de econômia agrí- vou à depreciação cambial e obrigou os governos a contrair
cola, a consolidação do poder estatal estêve na dependência empréstimo externos para regularizar a situação da balança
da abertura de linhas de exportação que, favorecendo uma de pagamentos. Por outro lado, as casas importadoras de
região, permitia a esta sobrepor-se às demais. Na Colôm- produtos inglêses acumulavam reservas líquidas e ·se trans-
bia, onde nenhuma região chegou a possuir uma base eco- formavam em poderosos centros financeiros.
nômica suficientemente grande para sobrepor-se, as guerras As burguesias locais, que se ligavam aos interêsses in-
civis se prolongaram, dizimando contingentes da população. glêses nos negócios d.e importação, deviam fazer face ao pro-
Na Argentina a posição privilegiada do pôrto de Buenos
blema da insuficiência da capacidade de pagamentos no ex-
Aires permtiu à região do litoral. após prolongadas guerras
terior. O acúmulo de dívida externa e as crises de balança
civis, impor-se como centro de um sistema nacional de po-
der. 8 de pagamentos engendravam problemas fiscais e cambiais,
Assinalamos que o isolamento em que se encontraram acarretando emissões de papel-moeda inconversível e perma-
a.s colônias da Metrópole espanhola, provocado pelas cir- nente depreciação do poder aquisitivo externo e interno, das
cunstâncias da política européia, abriu o caminho às guerras moedas nacionais. As populações urbanas, mais penalizadas
de independência, sob a influência de b1Jrguesias locais for- pelas altas periódicas de preços, chegaram muitas vêzes a
-,
'· madas ao influxo da diversificação comercial durante o úl- revoltar-se. Essa situação, que requeria aumento das expor-
,/ timo século da era colonial, as quais se localizavam em zonas tações, induziu as burguesias locais a voltarem-se para o in-
y/ beneficiárias de um comércio mais diversificado. O México terior, na busca de produtos exportáveis, e para o exterior,
constituiu um caso à parte, no sentido de que o isolamento na procura de mercados potenciais. Ora, durante a primeira
da Metrópole: teve projeções mais profundas, abrindo um metade do século passado, os mercados exteriores resultaram
processo de contestação à própria ordem ·social, o que deu limitados e de difícil acesso. A Revolução Industrial, nessa
maior profundidade à luta pelo poder e criou uma situação primeira fase, apresentou duas características que se refle-
de instabilidade que se prolongou por todo o século XIX. tiram negativamente nos países latino-americanos. A primeira
era sua concentração na Inglaterra, país possuidor de colô-
nias capacitadas para supri-lo de produtos primários, parti-
3 Sõbre o papel d,,a "autocracia unificadora" na formação do Estado Na- cularmente os tropicais. A segunda era sua concentração na
cional na Argentina, veja-se Glno Germanl, Política y en una
época de transicíón, (Buenos Aires, 1962). t indústria têxtil algodoeira, cuja matéria-prima pôde ser pro-

46 47
lj

!
<luzida em larga escala nos Estados Unidos, à base de mão-
de-obra escrava e a uma distância muito menor, numa época !.
5
ticularmente favoráveis no que respeita ao comércio exterior.
em que os transportes marítimos eram precários. ,, Possuía êle um núcleo de economia mineira, à base de pro-
;1 dução de prata e cobre:, o qual se expandiu durante essa
De uma maneira geral, os países ]atino-americanos en-
fase. Por outro lado, dispunha êle de um excedente agrícola
frentaram grandes dificuldades para abrir linhas de co-
mércio nos três ou quatro decênios que se seguiram às guer- 'l de zona temperada, particularmente de trigo, que o colocou
ras de independência. Afora os metais preciosos e os couros em posição privilegiada na zona do Pacífico na época da
e peles, nenhum outro produto encontrou condições favorá- descoberta do ouro na Califórnia e na Austrália. 4 Assim,
veis de mercado. O algodão, cujo consumo cresceu na Ingla- durante um período limitado mas crucial, o Chile pôde trans-
terra de duas mil para um quarto de milhão de toneladas, rr formar-se em supridor estratégico de alimentos da costa dos
vinha sofrendo uma forte baixa de preços, sendo impraticável Estados Unidos. est_r1:1t1:1rªcl_()__
concorrer com os produtos do sul dos Estados Unidos. O li llticamente de forma estável permitiu ao Chile tirar partido
açúcar e demais produtos tropicais sofreram acentuada baixa "
li
coJ:ldiÇÕes favorãveis - -de "demanda externa: ou foram
II
. de preços, a partir do fim das guerras napoleônicas. Tem-se estas últimas condições que consolidaram uma estrutura
\j e_) argumentado que o desenvolvimento das exportações foi di- J' lítica que dava os primeiros passos. é questão secundária:
'ficultado pela instabilidade política que prevalecia na quase 1: Evidentemente, houve interação eiitre os. dois fatôres.
i
·ro\..
totalidade dos países. Entretanto, o argumento inverso tam-
bém pode ser defendido: as dificuldades encontradas nos t i;e pode ignorar, entretanto, que as condições de mercados
externos que conheceti- o Chile constituíram úm caso especial.
mercados externos, para abrir linhas de exportação, deixou Nenhum outro país latino-americano da zona do Pacífico


os grupos urbanos, que haviam liderado as lutas de indepen- dispunha de iguais potencialidades agrícolas, e de uma tra-
dência, sem condições para organizar de forma estável um dição de exportação nesse setor. Por outro lado, dadas as
sistema de poder. Exceção interessante a esta regra, que a condições de transporte da época, nenhum país atlântico, la-
confirma, constitui o caso do Chile. t;;ste país, capitania au- tino-americano ou não, podia com êle concorrer.
tônoma na época colonial, singularizava-se pelo fato de que jí
A situação brasileira, durante essa fase, também apre-
nem era centro exportador de metais preciosos (sua produção
senta aspectos particulares, cuja análise ajuda a compreen-
de ouro declinara ràpidamente), nem era região exportadora
der a natureza das estruturas políticas que estão na base dos
para o exterior de produtos agropecuários. Na verdade, o
Estados latino-americanos. Ao contrário do que ocorreu na
Chile era uma região agropecuária articulada com o pólo
peruano. A diferença de outras burguesias comerciais, for- 1
região de ocupação espanhola, no Brasil as atividades agrí-
madas no comércio de contrabando e sob forte influência "i' colas e a exportação de um excedente de produtos agrícolas
inglêsa. os interêsses exportadores chilenos estavam integra- foram a própria razão de ser da Colônia. Os portuguêses
dos com os interêsses agropecuários da região e se haviam metropolitanos monopolizaram as atividades comeTciais, o que
formado no quadro legalista do monopólio organizado pela impediu o surgimento de uma burguesia local ligada às ati-
Metrópole. Por esta e outras razões a classe dirigente chi- vidades de comércio exterior. Na região produtora de ouro
lena não sofreu conflitos internos maiores e um decênio de- e diamantes, o contrôle das atividades exteriores pela Me-
pois das guerras de independência lograva estruturar um trópole era ainda mais intenso. Entretanto, nesta última re-
sistema de poder estável. A Constituição de Portales, de gião, cujo mercado interior de animais de tração desenvol-
1833, formalizou um sistema de poder representativo de bâse
oligárquica, qu,e se manteve estável até fins do século XIX. lí.
4 Para uma síntese da evolução econômica chilena no século XIX, veja-se
Por outro lado, o Chile pôd·e tirar partido de condições par- Anibal Pinto Santa Cruz, Chile, un caso de desarrollo frustrado (San-
tiago de Chile, 1962).

48
49

1
.!
veu-se consideràvelmente, formou-se e consolidou-se uma marginal no sistema de poder que se formou no Brasil. En-
classe de comerciantes de gado, com contactos em várias a nova agricultura de exportação ·se estruturou
como
regiões do país. Ssses homens transportavam grandes récuas em grandes unidades, formou-se entre ela e os velhos lati-
de mulas do Rio Grande do Sul para São Paulo, onde, em fúndios uma solidariedade fundamental, que possibilitou a
grandes feiras de animais, vinham abastecer-se os tropeiros êstes conservar o contrôle do poder local nas regiões res-
que serviam à região das minas e qu.e asseguravam a ligação pectivas, cabendo àquela o contrôle hegemônico do poder
desta com o litoral. Com a Independência, os interêsses do nacional. 5
comércio exterior permaneceram em mãos de portuguêses, que
se serl'tiam cobertos pela continuidade da Coroa, ou transf e-
riram-se para o contrôle inglês. Desta forma, na região açu-
careira não houve modificação sensível, conservando-se as
velhas estruturas sob um contrôle mais direto de interêsses
inglêses. As modificações mais significativas ocorreriam no
sul. onde a economia mineira vinha em declínio desde fins do
século XVIII. A redução progressiva da produção de ouro
a uma têrça ou quarta parte, ao mesmo tempo que cresciam 1
as despesas administrativas com o trabalho da Côrte e em .\

seguida com a criação de um govêrno autônomo, criaram


um desequilíbrio geral na economia, o qual se traduziu em
endividamento externo e emissões de papel-moeda que ràpi-
damente se depreciava. A inflação criou descontentamento
nas zonas urbanas e fôrças centrífugas se manifestaram em
;(.
várias regiões. Contudo, o desenvolvimento da produção de
café, cujas possibilidades se manifestaraw já nos anos qua-
renta do século passado, permitiu a formação do núcleo que
deveria servir de base à nova estrutura d.e poder. Os homens
que estabeleciam a ligação entre as regiões mineiras e o litoral
foram um fator decisivo na implantação da economia cafeeira
no vale do Paraíba, de onde ela se expandiu meio século
depois para o altiplano paulista. Desta forma, o café se de-
senvolveu fora das estruturas latifundiárias estabelecidas em
fases anteriores, pela iniciativa de indivíduos de mentalidade
mercantil. Assim, a atividade econômica que foi o ponto d.e
apoio do Estado brasileiro em sua fase de formação e con- 5 Uma apresentação sintética da história latino-americana no período da
independência encontra-se em Victor-L. Taplé, Histoire de l'Amerique La-
solidação, surgiu diretamente como uma atividade agrícola- tine au XIXe Siecle (Paris, 1945). Essa obra possui amplas indicações bi-
exportadora, o que lhe facultou apresentar uma frente per- bliogruficas. Para referências bibliográficas gerais veja-se a Bibliográfica
rJ histórica de Espafía y Hispano-América publlcada em Barcelona a partir
feitamente consolidada de interêsses agrários e mercantis, à de 1953 por Jaime Vlcens Vives e também Robert A. Humphreys, Latin
American History: A Guide to the Literature in English (Londres 1000).
se.melhança do ocorrido no Chile. O latifúndio tradicional, o llvro de Ja&ques Lambert, Amérique Latine, Structures Sociales et lns-
:tlituttons Politiques, cuja segunda edição atuallzada apareceu em 1968, cons-
de . economia principalmente de . Igualmente valiosa fonte de referências b.lbllográflcas.
.!'

{
50 51
.>-·
CAPÍTULO IV

Transformação do Comércio Interna-


cional na Segunda Metade do Século XIX
.>,
e Seus Efeitos na América Latina
A divisão internacional do trabalho
Durante a primeira metade do século XIX a Revolução
Industrial se apresentou como um fenômeno essencialmente
inglês, razão pela qual é na própria evolução estrutural da
economia inglêsa que se encontram as explicações das trans-
formações que, durante essa época, ocorrem no conjunto da
·\-
economia mundial. Os economistas que testemunharam o co-
mêço dessas transformações e as interpretaram do ponto-de-
vista da Inglatena logo compreenderam que estava no
interêsse dêsse país transformar-se em uma grande fábrica
e abrir as portas a produtos primários provenientes de todo
o mundo. Com efeito, a atividade industrial escapando à lei
J dos rendimentos decrescentes significava modificações qua-
litativas sem precedente nos processos econômicos.
Em economias em que o avanço tecnológico era muito
lento ou inexistente, e que se baseavam essencialmente na
atividade agrícola, existia uma consciência clara de que as
proporções dos fatôres de produção não podiam ser modi-
ficadas arbritràriamente. A partir de certo momento, o ren-
dimento por unidade de solo tenderia a decrescer necessària-
mente, qualquer que fôsse a quantidade de mão-de-obra adi-
cionada, o que significava que a disponibilidade de terra co-
'·' mandava o emprêgo dos demais fatôres. Ora, a atividade
'
industrial permitia romper essa barreira. Nela o próprio cres-
cimento, ao criar a possibilidade de aprofundar a divisão do
trabalho e de utilizar máquinas em maior quantidade e mais
complexas, transformava-se em fonte d.e aumento de produ-
tividade, o que significava rendimentos crescentes. Sendo as-
sim, mesmo que os preços dos produtos agrícolas importados

55

L
fôssem .estáveis e idênticos aos da produção nacional, poder {>
dos barcos. A partir de então, a tonelagem da marinha mer-
pagá-los com produtos industriais constituía óbvia vantagem cante mundial aumentaria com extraordinária rapidez: de
para um país escasso de terras, como era a Inglaterra. Por 6,7 milhões de toneladas em 1840, passou a 12,8 milhões em
outro lado, uma vez constituído um núcleo industrial impor- 1860 e atingiu 43 milhões em 1913. A repercussão nas ta·
tante nesse país e consolidada uma posição de avanço relati- rifas de longa distância foi considerável, ocasionando em
vamente aos demais países, não seria difícil demonstrar, muitos casos reduções de setenta a noventa por cento dos
no quadro do teorema das vantagens comparativas conside- ),,
preços anteriores. A baixa subseqüente dos preços das ma-
rado em têrmos estáticos, que para êsses demais países tam- térias-primas, particularmente a do algodão, veio reforçar
bém era vantajoso adquirir na Inglaterra os produtos indus- a posição competitiva da Inglaterra. Lançando-se na polí-
triais pagando-os com matérias- primas. :t:::sse modêlo de de- tica de livre-câmbio e reduzindo substancialmente as próprias
senvolvimento, não obstante as enormes vantag.ens que apre- atividades agrícolas, pôde êsse país beneficiar-se em sua ple-
sentava para a Inglaterra, pois implicava nada menos que nitude da baixa de preços das matérias-primas decorrente
concentrar nesse país as atividades em que se realizava o da redução das tarifas marítimas. Dessa forma, as manufa-
progresso tecnológico, encontrou resistência da parte dos in- turas inglêsas 'internalizavam' as economias externas produ-
terêsses agrícolas e sua aceitação foi mais l·enta do que em zidas pela revolução tecnológica nos meios de transporte.
geral se supõe. Durante tô_da a primeira metade do século, Cabe recordar que, nos primeiros decênios da segunda me-
a agricultura inglêsa continuou a gozar de proteção eficaz tade do século XIX, duas têrças partes das manufaturas
através do mecanismo da tarifa móv.el, o qual permitia elevar •.\..
que circulavam no mercado internacional eram de origem in-
automàticamente a barreira alfandegária tôda vez que os pre- glêsa.
ços internacionais descessem abaixo de certa cota crítica. A No correr do século compreendido entre os anos de
resistência teve, entretanto, que ir ced·endo em face do poder 1800 e o primeiro conflito mundial, implantou-se um esquema
crescente da burguesia industrial, e, entre 1846 e 1849, a ln· de divisão internacional do trabalho e tomou forma um sis-
glaterra eliminou as barreiras ao comércio exterior, s·em es- tema de economia mundial. As atividades econômicas de uma
perar reciprocidade dos demais países. parcela crescente da população mundial passaram a com-
A vitória total das idéias livre-cambistas encerrou, de
portar-s·e como elementos interdependentes de um conjunto
alguma forma, a primeira fase da Revolução Industrial, du- articulado. Ssse sistema de economia mundial apresentou al-
rante a qual se criou e consolidou na Inglaterra o núcleo gumas características que convém assinalar. Em primeiro
propulsor que levaria, na segunda metade do século, à for- lugar está a elevação da taxa de crescimento econômico de
mação d·e um sistema de divisão internacional do trabalho
muitos dos países que o integraram, não sõmente daqueles
com base num mercado mundial. De importância decisiva,
que se .especializaram em atividades beneficiárias de rápido
na transição da primeira para a segunda fase da Revolução
Industrial, foi a penetração da tecnologia, desenvolvida em progresso tecnológico, mas também de outros que utilizaram
conexão com as indústrias manufatureiras, nos meios de mais racionalmente os seus recursos naturais. É êste um fe-
transporte. As estradas-de-ferro fizeram possível a rápida in- nômeno de amplas projeções históricas, pois, até então, as
tegração dos mercados internos nos países europeus, e a me- taxas de crescimento haviam sido irregulares e, quando as-
canização dos transportes marítimos modificou a fundo as cendentes a longo prazo, suficientemente fracas para que no
condições do comércio internacional. A invenção da hélice horizonte d.e uma geração carecessem de real significação as
ocorreu em tôrno de 1840 e, no correr do decênio seguinte, modificações das condições d·e vida. Era natural, portanto, que
começou-se a vtilizar navios de casco de ferro, o que per- se admitisse, como o faziam os mercantilistas, que o enrique-
mitiria reduzir a r·esistência da água e aumentar as dimensões cimento ocasional de uma comunidade tinha como contrapar-

56 57
tida necessária o empobrecimento de outra. A partir da Re- mecanismo de exportação de capitais que seria fator deci-·

volução Industrial, a aceleração do ritmo de crescimento da sivo para a estruturação do sistema econômico mundial e
produção de bens e serviços criou a possibilidade de duplica- para a formação de novas formas de hegemonia fora dos.
ção, no correr de uma geração, do poder de compra exer- quadros tradicionais das administrações coloniais.
cido por uma comunidade. Como conseqüência da ação conjugada dêsses fatôres,
A segunda modificação significativa a assinalar consis- a economia mundial cresceu, durante todo o século que referi-
tiu na dinamização do quadro demográfico. A taxa de cres- ;, mos, integrando-se, isto é, ao mesmo tempo que se intensifi-
cimento da população elevou-se graças à urbanização, à me- cava a divisão internacional do trabalho. O comércio mundial
lhoria dos serviços públicos e à elevação dos salários reais. expandiu-se com rapidez: sua taxa de crescimento foi bem
Logo em seguida, e devido a progressos consideráveis na superior à do produto interno das proprias nações que lide-
ciência médica, prolongou-se de forma considerável a expec- raram o processo de transformação da economia mundial.
tativa de vida. Dispor de uma vida mais longa e poder vê-la Com efeito, o valor do comércio mundial, que não superava
modificar-se de forma significativa é ter consciência de que 1,5 milhões de dólares nos anos vinte do século passado,
o horizonte de possibilidades abertas ao homem é elástico, alcançou 3,5 bilhões no decênio dos quarenta e atingiu 40 bi-
tanto no plano individual como no social. Os grandes movi- lhões às vésperas do primeiro conflito mundial. cresci-
mentos coletivos, que no passado haviam tido inspiração re- mento se traduziu em "internacionalização" crescente das
ligiosa ou militar, orientar-se-iam de forma crescente para economias industrializadas, particularmente da inglêsa. As-
.\,
o conhecimento e contrôle do mundo físico e para a recons- sim, o coeficiente de comércio exterior da Grã-Bretanha, 2 que
trução das estruturas sociais. em 1805-19 era de 8,5 por cento, em 1910-13 havia alcançado
A terceira característica a reter é a formação e rápida 29,4 por cento. De uma maneira geral, êsse coeficiente se
expansão de um fundo de conhecimentos técnicos transmis- elevou nos países europeus que durante essa época se inicia-·
síveis, relacionados com as formas de produção. 1 Na época ram no processo de industrialização. Fenômeno idêntico ob-
pré-industrial, as técnicas de produção haviam sido o resul- servou-se nos países exportadores de produtos primários, a
tado de lenta acumulação de conhecimentos empíricos, cuja exemplo dos latino-americanos, nos quais o desenvolvimento
transmissão se fazia, via-de-regra, de geração a geração, atra- das exportações se fêz às expensas de atividades econô-
vés do aprendizado no trabalho. A atividade produtiva nascia micas de subsistência. Já o mesmo não se observou nos países
dela mesma, como uma geração nasce da anterior. Na me- cujo desenvolvimento constitui essencialmente um desloca-
dida em que foi tomando significação uma indústria de equi- mento da fronteira econômica européia, isto é, nos países que
pamentos portadores de uma tecnologia de vanguarda, os se formaram mediante a transferência de mão-de-obra e ca-
dados dêsse problema tenderam a transformar-se cabalmente. pitais europeus, tais corrio os Estados Unidos, 3 o Canadá, a
A transmissão da técnica assumiu a forma de simples ope·
ração comercial, sendo possível a transformação de todo um
setor produtivo com rapidez que antes seria inconcebível. Ao 2 Define-se como coeficiente de comércio exterior a relação entre o valor
,. médio das importações e exportações, e o produto interno. Para dados his-
criar uma indústria de equipamentos de transporte, a Ingla- tóricos veja-se e. P. Kindleberger, Foreign 7'rade and the Nacional Eco-
nomy (Yale University Press, 1962) pg. 180.
terra pôs em marcha um processo de transformação dos meios
d'e transporte em todo o mundo. Mais ainda: ao dotar-se essa 3 A referência aos Estados Unidos se limita à expansão de sua frontei-
ra a.i:;ricola, particularmente na região cerealifera. O desenvolvimento dês-
indústria de meios de financiamento adequados, criou-se um se país constitui um caso à parte que não comporta nenhum paralelo.
Na época da independência Já existia um núcleo de atividades manu!atu-
reiras, Inclusive siderúrgica e de construção naval. Durante as guerras.
napoleónicas, como pais neutro, os Estados Unidos se beneficiaram con-
slderàvelmente, e passaram a dispor da segunda marinha mercante mundial,
1 C!. Simon Kuznets, Moàern Economic Growth, cit, pg. 286. tôda de barcos construidos no próprio pais. A instalação de indústrias

58 59·

Austrália e a Nova Zelândia. O desenvolvimento dêstes paí- 1. dade, a de equipamentos; êsse núcleo é também o centro.
ses, quando assumiu a forma de incorporação de novos ter- financiador das exportações mundiais de bens de capital.
ritórios, constituiu uma ampliação do espaço econômico euro- controlador da infra-estrutura de meios de transporte do co-
peu, cuja base de recursos naturais, assim enriquecida, per- mércio internacional e principal mercado importador de pro-
mitia que se elevasse a p:.:odutividade agrícola. Evitava-se a dutos primários.
tendência aos rendimentos decrescentes na agricultura me- b) Formação de um sistema de divisão internacional
diante o aumento da oferta de terras de boa qualidade. Desta .\
do trabalho sob a hegemonia do pólo de crescimento ante-
forma, a produção agrícola inglêsa se reduziu e os preços dos riormente indicado; o estímulo à especialização favorece o
produtos agrícolas puderam ao mesmo tempo reduzir-se, gra- rápido povoamento dos grandes espaços vazios das regiões
ças à incorporação de terras de zonas temperadas na Amé- de clima temperado e a articulação de outras áreas ao mer-
rica do Norte e na Oceania. A economia destas novas áreas cado mundial mediante a exportação de matérias-primas.
já surgia especializada, isto é, com um elevado coeficiente c) Criação de uma rêde de transmissão do progresso.
de comércio exterior. e também com alto nível de produtivi- tecnológico, subsidiária do sistema de divisão internacional
dade e renda, sem o q.ue não teriam condições para atrair do trabalho; essa rêde facilita a exportação de capitais e,
as populações européias de cuja mão-de-obra dependiam. ao mesmo t.empo, liga essa exportação ao referido esquema
Eram áreas que já nasciam para a vida econômica com um de divisão do trabalho, que ela tende a consolidar; como a.
mercado de produtos industriais relativamente importante e ·\
produção de bens de capital se localiza no núcleo antes re-
com mão-de-obra apta para a atividade industrial, o que ex- ferido, a criação de novas técnicas de produção também
plica sua precoce industrialização. Como as indústrias que permanece concentrada geogràficamente, beneficiando
iam surgindo concorriam com as manufaturas importadas, aquelas atividades com respeito às quais existe experiência
explica-se que o coeficiente de comércio exterior, de início na economia dominante ou que interessam a esta mais dire-·
·elevado, haja apresentado tendência ao declínio ou à esta- tamente. Daí ter sido a própria evolução da tecnologia con-
·,bilização, e não à elevação como nos dois casos ant.eriores. dicionada pelo sistema de divisão internacional do trabalho
Em síntese, no processo de formação de um sistema eco- surgido com a Revolução Industrial. 4
nômico mundial, cabe destacar, por sua significação na estru-
turação das relações internacionais, os pontos seguintes:
a) Existência de um núcleo com um avanço conside- Tipologia das economias exportadoras
rável no processo de capitalização, o qual concentra grande de matérias-primas
parte da atividade industrial e, pràticamente em sua totali-
A inserção dos países latino-americanos nas novas linhas.
em expansão do comércio internacional realizou-se a partir·
têxteis modernas teve início no comêço do século passado e Já nos anos dos anos quarenta do século passado. Nesse processo de in-
vinte dêsse século se instalou a indústria de máquinas têxteis. Por outro
.lado, as exportações de algodão produzido com mão-de-obra escrava au- . serção tendem a configurar-se três grupos de países expor-
mentaram conslderàvelmente o que permitiu manter um elevado nível de tadores de produtos primários: a) países exportadores de·
importações em benefício das regiões do país que se industrializavam. A
grande expansão agrícola do melo-oeste se apoiou no mercado da região produtos agrícolas de clima temperado, b) países exporta-.
comercial-industrial do leste e no da região do sul, de agricultura especia-
lizada. Foi a articulação dos três pólos dinâmicos - o Industrial-comercial
do leste, o exportador do sul e o produtor de alimentos do melo-oeste - que
imprimiu ao sistema econômico dos Estados Unidos o seu extraordinário
dinamismo. Contudo, a expansão da fronteira agrícola nesse país, criando 4 Sôbre as relações entre desenvolvimento e comércio Internacional no..
importantes excedentes exportáveis, teria os mesmos efeitos estimulantes século XIX, veja-se Ragnar Nurkse, ''Trade Theory and Development.
sôbre a européia que o povoamento dos demais espaços vazios Po!lcy", ln Economic Development for Latin America dirigido por H. S ..
. das áreas de clima temperado. Ellls (Nova Iorque, 1961) .

60 61'
:dores de produtos agrícolas tropicais, e c) 2aíses exP.orta- \ como certas regiões do México e da Venezuela. A inserção
·dores de produtos minerais. Em cada um dêsses casos, o co- dêstes países no comércio internacional se realizou em con-
·mércio exterior contribuiu para configurar uma estrutura corrência com áreas coloniais e com a região sul dos Estados
econômica particular, cujas características devem ser tidas Unidos. O açúcar e o fumo conservaram suas caracter-ísticas
·em conta no estudo de sua evolução subseqüente. de produtos tipicamente coloniais até fins do século XIX.
O primeiro grupo de países foi essencialmente consti- Foi a rápida expansão da demanda de café e cacau, a partir
·tuído pela Argentina e o Uruguai. A produção agrícola ex- de meados do século passado, que permitiu aos produtos
·portável bas·eou-se, neste caso, no uso extensivo da terra e tropicais desempenharem um papel dinâmico na integração
se destinou a concorrer com a própria produção interna dos da economia latino-americana no comércio internacional du-
países em rápida industrialização. O uso extensivo de terras rante a fase que estamos considerando. Neste caso, a sig-
·de boa qualidade permitiu, desde o início, alcançar índkes nificação direta das modificações estruturais ocorridas na
de rentabilidade elevados. Por outro lado, o próprio caráter economia inglêsa foi muito menor, pois o mercado inglês
·extensivo dessa agricultura e o volume considerável de carga continuou a ser fartamente abastecido pelas regiões colo-
:que ela criou exigiram a estruturação de um importànte sis- niais de mão-de-obra abundante e baixos salários. Coube
tema de transportes, o que teve, como conseqüência indireta neste caso, aos Estados Unidos, e em menor escala aos
a rápida unificação do mercado interno em tôrno dos gran- países continentais europeus, o papel de centro dinâmico. Os
des portos de exportação. grupo de países apresentou .\ produtos tropicais, se bem que permitiram abrir importantes
·características similares às regiões a que anteriormente fi- .áreas ao povoamento, tiveram de uma maneira geral signi-
·zemos referência como constituindo simples fronteira da eco- ficação reduzida como fator de desenvolvimento. Por um lado,
nomia européia em processo de industrialização. Essa fron- os seus preços permaneceram sob a mfluência dos baixos
teira, para a qual se transplantou inicialmente a tecnologia salários das regiões coloniais que os produziam tradicional-
:agrícola européia, transformar-se-ia ela mesma em impor- mente. Por outro, dadas as suas características, êles em geral
tante centro criador de novas técnicas agrícolas. Tanto a J
não exigiram a construção de uma importante infra-estrutura;
:agricultura de grandes espaços como o transporte, a silagem pelo contrário, em muitas regiões os meios de transporte tra-
e o embarque em grande escala de cereais, são técnicas que dicionais continuaram a ser utilizados. Finalmente, sendo
tiveram sua origem nos Estados Unidos. Em síntese, os paí- produzidos em áreas que não contavam em si mesmas com
:Ses do grupo que estamos considerando, pelo fato mesmo de capacidade de criação de novas tecnologias, tenderam os
.que concorriam com a produção interna dos países de mais produtos tropicais a permanecer no quadro de economias
alto nível de desenvolvimento e com as regiões de recente tradicionais. Contudo, em certas regiões, a agricultura tro-
;povoamento europeu que se caracterizavam por um alto nívd pical de exportação chegou a desempenhar papel importante
de vida, estiveram desde o início integrados em um setor como fator de desenvolvimento. Quiçá o exemplo mais sig-
_produtivo da economia mundial que se caracterizava por um nificativo seja o da região cafeeira de São Paulo, no Brasil.
:permanente avanço tecnológico. Em tôda a fase de expansão ·'' As características físicas e químicas dos solos propiciaram a
:de seu comércio exterior, êstes países apresentaram elevadas plantação extensiva do café em grandes áreas. A produti-
taxas de crescimento. vidade relativamente alta da mão-de-obra e a grande ex-
O segundo grupo, formado pelos países exportadores de tensão da área plantada, favoreceram a construção de uma
_produtos agrícolas tropicais, congregou mais da metade da infra-estrutura e ensejaram a criação de um mercado in-
população lati.uo-americana. Nêle s-e incluíram o Brasil, a terno. O caráter especial dêste caso se evidencia quando se
Colômbia, o Equador, a América Central e o Caribe, bem tem em conta que o planalto paulista, em fins do século pas-
.62 63
......

t.·
f
1.
i um reduzido fluxo de salários, êsse tipo de atividade em
sado, contribuía com duas têrças partes da produção mundial nenhuma parte contribuiu de forma significativa para a cria-
de café. ção de um mercado interno. As suas pot.encialidades como
O terceiro grupo de países, constituído pelos expor- fator dinâmico sõment.e se tornaram conhecidas quando o Es-
tadores de produtos minerais, foi bàsicamente formado pelo tado interferiu para obrigar ess3s emprêsas a adquirir den-
Í''
México, o Chile, o Peru e a Bolívia. A Venezuela, como tro do país parte de seus insumos e para captar, sob a forma
exportador de petróleo, se integrou ao grupo a partir do se- de impostos, uma parte significativa do fluxo de renda que
gundo decênio do século atual. A revolução nos meios de tradicionalmente era remetido ao estrangeiro.
transport.es da segunda metade do século passado, ao criar
um 'mercado em rápida expansão de metais industriais, pro- 1
vocou uma radical transformação da mineração !atino-ame- '!
h
ricana. Por um lado, os metais preciosos, mais precisamente
a prata, perderam ràpidamente significação. Por outro, a pro-
dução de tipo artesanal ou semi-artesanal foi progr.essiva-
mente substituída pela produção em grandes unidades con-
troladas por capitais estrangeiros e administradas do estran-
geiro. O crescimento considerável da demanda mundial de
metais não-ferrosos foi acompanhado de grande progresso
tecnológico na produção dos mesmos, o que permitiu ou exi-
giu concentrar a produção em grandes unidades. :Ssse pro-
cesso de concentração, efetuado inicialmente no principal país
produtor - os Estados Unidos - logo passou a estender-se
a outras áreas, cuJos produtores locais foram marginalizados
por organizações americanas dotadas de grand.e poder finan-
ceiro e de capacidade tecnológica para tratar minerais de
baixa lei. Desta forma, o avanço da indústria mineira de ex-
portação se fêz com a desnacionalização da mesma, e com
a implantação de um setor produtivo que, dado o seu grande í;
F
avanço tecnológico e elevada densidade de capital, tendeu
a isolar-se e a comportar-se como um sistema econômico
\:,
à parte, ou melhor, como parte do sistema econômico a que
pertencia a matriz da unidade produtora. O contrôle estran- r
g.eiro de uma atividade altamente capitalizada e que utilizava 1·
pequena quantidade de mão-de-obra, significaria desvincular
da economia interna a parte principal do fluxo de renda
J
f
a que dá orig.em essa atividade. Em tais condições, o seu \
valor como fator de transformação direta das estruturas in- 1

ternas ·se reduziu a quase nada. Demais, como a infra-es-


trutura criada para servir as indústrias mineiras de expor-
tação veio a ser altamente especializada, escassas ou nulas
foram as economias externas que da mesma resultaram para

64
,.

Vous aimerez peut-être aussi