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lusitano. Também neste caso o processo seria irreversível. tendentes a romper as estruturas de dominação impostas pelo
o que em tempo compreendeu a própria Coroa portuguêsa, regime colonial, que visam a integrar as massas indíg·enas
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no quadro político-social e a definir uma personalidade cul- 1
pondo um de seus membros à frente do movimento separa-
tista. tural autônoma. O primeiro dos movimentos indicados pre-
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l'fJ L/
A primeira metade do século XIX está marcada, na dominou amplamente durante o século XIX. Veremos mais
América Latina, pelas lutas de independência e pelo processo adiante que, sómente na segunda metade dêsse século, veio
êle a frutificar plenamente. O segundo movimento passou ao
de formação dos estados nacionais. Nas colônias espanholas
o movimento independentista irradiou-se de três pólos: Ca-
primeiro plano no século atual. que se iniciou para a América
Latina com a Revolução Mexicana.
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racas, Buenos Aires e México. Os dois primeiros eram as
regiões que mais rápido desenvolvimento haviam tido no sé-
culo XVIII, desenvolvimento êsse em grande parte reflexo
do debilitamento do poder naval espanhol e da penetração Formação dos estados nacionais
dos interêsses inglêses. A independência, nessas regiões, A estruturação dos estados nacionais ocorreu de for-
deveria permitir a ascensão de uma burguesia mercantil, de ma acidentada em quase tôda a América Latina. As bur-
idéias liberais, progressistas, no sentido de europeize.nte, mas guesias liberais que lideraram ou apoiaram os movimentos
prisioneira da ideologia do laissez-fa ire. A situação no México de independência em Buenos Aires e em Caracas, não esta-
era diversa, pois a produção de prata, em fase de relativa pros- vam em condições de organizar sistemas de poder capazes
peridade, continuava a constituir a base da economia regio- de substituir-se à antiga Metrópole. Conforme já assinala-
nal. Demais, a população indígena mexicana, que voltara a
crescer no último século da dominação colonial, começava
mos, a evolução geral vinha se fazendo no sentido da aufo-
nomfzaÇãõ -regionâ[ -crecoÍ:rência . do aebilüàmenfo dos anti-
a pressionar a estrutura latifundiária, de poder baseado na gos pókis- de crescimento. Na ausência de vínculos econô-
grande propriedade e na exploração das comunidades indí- micos. mais sigrí!ficativos, o loCaJlsmo .põlffic-é). tendia a pre-
genas, introduzindo nas lutas de independência um caráter valecer. No norte; ortd.e o póJo·mineiro se mantivera mais
social que permaneceu como um fermento e marcou a evo- vigoroso, e onde preexistira à conquista espanhola uma tra-
lução dêsse país por mais de um século. Assim, nas lutas dição de centralismo administrativo, conservou-se a unida-
de independência, são perceptíveis dois movimentos que estão de política do que fôra a Nova Espanha. No sul, as ca-
presentes na evolução subseqüente latino-americana: de um pitanias de Venezuela e Chile transformaram-se em unida-
lado, surge uma burguesia europeizante, que pretende liqui- des políticas independentes, a Nova Granada dividiu-se em
dar com decretos o passado pré-colombiano e colonial 2 , que Colômbia e Equador e o recém-criado Vice-Reinado do Rio
busca integrar as distintas regiões nas correntes em expansão da Prata desarticulou-se dando origem à Argentina, ao
do comércio internacional; de outro, manifestam-se fôrças Uruguai, ao Paraguai e à Bolívia.
Rompidos os vínculos com a Metrópole, por tôda parte
!, o poder tendeu a deslocar-se para a classe de senhores da
2 Representante conspícuo dessa. corrente libera.! é o Libertador Simão
Bolivar que em decretos de 1824 e 1825, expedidos em Trujlllo e Cuzco. terra. A estruturação dos novos Estados foi condicionada
decreta a. dissolução de comunidades Indígenas, constituindo a. proprie- por dois fatôres: a inexistência de interdependência real
dade privada camponesa e declarando proprietários das terras que tinham
om sua posse aos "denomina.doa índios", a. fim de que possam "vendê-la.a entre os senhores da terra, que se ligariam uns aos outros ou se
ou aliená-las de qualquer modo". Essas medidas não ch,egaram a ser postas
em prática nessa época mas uma. clara Indicação do eapi- submeteriam a um dentre êles em função da luta pelo poder;
rl to europelzan te doa líderes das guerras de Independência. VeJ a.-se a a ação da burguesia urbana, que manteria contactos com
êsse respeito Artur9 Urquldl Borales, "Las Comunidades Indígenas y su
perspectiva histórica" ln Problemes Agraires des Amériq1tes Latine& o exterior e exploraria tôda possibilidade de expansão do
(Pal'ls, 1967).
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intercâmbio externo, ao qual se iriam vinculando segmentos Também assinalamos a importânda da presença inglêsa para
do setor rural. Assim, na medida em que surgiriam possi- a ruptura do monorólio comercial e a criação de interêsses
bilidades para uma ou outra linha de exportações, o grupo urbanos europeizantes. Convém, entretanto, observar que a
urbáno tendeu a consolidar-se, ao mesmo tempo que se in- p·enetração inglêsa nos primeiros decênios do século XIX,
tegrou com algum subgrupo rural, criando-se condições para constituiu muito mais um elemento de desagregação da or-
a estruturação de um efetivo sistema de poder. Nos países dem social e econômica existente, do que fator capaz de con-
em que a economia mineira era predominante, como o Mé- tribuir para consolidar os novos Estados em formação. .A
xico, o Peru e a Bolívia, o contrôle dessa atividade era su- presença inglêsa assumia essencialmente a forma de orga-
ficiente para definir o poder estatal. Os vínculos dêste com nização de um comércio importador. Surgiam as casas im-
grande: parte da população, organizada nos grandes domí- portadoras, que difundiam as manufaturas européias, prin-
nios rurais, eram pràticamente inexistentes. Contudo, ne- cipalmente inglêsas, modificando hábitos de consumo e acar-
nhum senhor regional dispunha de meios para desafiar a retando a desagregação de atividades artesanais locais. Em
autoridade do Estado, cujo· contrôle constituía o principal muitos países a pressão dêsse aumento de importações le-
objetivo das lutas políticas. Nas regiões de econômia agrí- vou à depreciação cambial e obrigou os governos a contrair
cola, a consolidação do poder estatal estêve na dependência empréstimo externos para regularizar a situação da balança
da abertura de linhas de exportação que, favorecendo uma de pagamentos. Por outro lado, as casas importadoras de
região, permitia a esta sobrepor-se às demais. Na Colôm- produtos inglêses acumulavam reservas líquidas e ·se trans-
bia, onde nenhuma região chegou a possuir uma base eco- formavam em poderosos centros financeiros.
nômica suficientemente grande para sobrepor-se, as guerras As burguesias locais, que se ligavam aos interêsses in-
civis se prolongaram, dizimando contingentes da população. glêses nos negócios d.e importação, deviam fazer face ao pro-
Na Argentina a posição privilegiada do pôrto de Buenos
blema da insuficiência da capacidade de pagamentos no ex-
Aires permtiu à região do litoral. após prolongadas guerras
terior. O acúmulo de dívida externa e as crises de balança
civis, impor-se como centro de um sistema nacional de po-
der. 8 de pagamentos engendravam problemas fiscais e cambiais,
Assinalamos que o isolamento em que se encontraram acarretando emissões de papel-moeda inconversível e perma-
a.s colônias da Metrópole espanhola, provocado pelas cir- nente depreciação do poder aquisitivo externo e interno, das
cunstâncias da política européia, abriu o caminho às guerras moedas nacionais. As populações urbanas, mais penalizadas
de independência, sob a influência de b1Jrguesias locais for- pelas altas periódicas de preços, chegaram muitas vêzes a
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'· madas ao influxo da diversificação comercial durante o úl- revoltar-se. Essa situação, que requeria aumento das expor-
,/ timo século da era colonial, as quais se localizavam em zonas tações, induziu as burguesias locais a voltarem-se para o in-
y/ beneficiárias de um comércio mais diversificado. O México terior, na busca de produtos exportáveis, e para o exterior,
constituiu um caso à parte, no sentido de que o isolamento na procura de mercados potenciais. Ora, durante a primeira
da Metrópole: teve projeções mais profundas, abrindo um metade do século passado, os mercados exteriores resultaram
processo de contestação à própria ordem ·social, o que deu limitados e de difícil acesso. A Revolução Industrial, nessa
maior profundidade à luta pelo poder e criou uma situação primeira fase, apresentou duas características que se refle-
de instabilidade que se prolongou por todo o século XIX. tiram negativamente nos países latino-americanos. A primeira
era sua concentração na Inglaterra, país possuidor de colô-
nias capacitadas para supri-lo de produtos primários, parti-
3 Sõbre o papel d,,a "autocracia unificadora" na formação do Estado Na- cularmente os tropicais. A segunda era sua concentração na
cional na Argentina, veja-se Glno Germanl, Política y en una
época de transicíón, (Buenos Aires, 1962). t indústria têxtil algodoeira, cuja matéria-prima pôde ser pro-
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<luzida em larga escala nos Estados Unidos, à base de mão-
de-obra escrava e a uma distância muito menor, numa época !.
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ticularmente favoráveis no que respeita ao comércio exterior.
em que os transportes marítimos eram precários. ,, Possuía êle um núcleo de economia mineira, à base de pro-
;1 dução de prata e cobre:, o qual se expandiu durante essa
De uma maneira geral, os países ]atino-americanos en-
fase. Por outro lado, dispunha êle de um excedente agrícola
frentaram grandes dificuldades para abrir linhas de co-
mércio nos três ou quatro decênios que se seguiram às guer- 'l de zona temperada, particularmente de trigo, que o colocou
ras de independência. Afora os metais preciosos e os couros em posição privilegiada na zona do Pacífico na época da
e peles, nenhum outro produto encontrou condições favorá- descoberta do ouro na Califórnia e na Austrália. 4 Assim,
veis de mercado. O algodão, cujo consumo cresceu na Ingla- durante um período limitado mas crucial, o Chile pôde trans-
terra de duas mil para um quarto de milhão de toneladas, rr formar-se em supridor estratégico de alimentos da costa dos
vinha sofrendo uma forte baixa de preços, sendo impraticável Estados Unidos. est_r1:1t1:1rªcl_()__
concorrer com os produtos do sul dos Estados Unidos. O li llticamente de forma estável permitiu ao Chile tirar partido
açúcar e demais produtos tropicais sofreram acentuada baixa "
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coJ:ldiÇÕes favorãveis - -de "demanda externa: ou foram
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. de preços, a partir do fim das guerras napoleônicas. Tem-se estas últimas condições que consolidaram uma estrutura
\j e_) argumentado que o desenvolvimento das exportações foi di- J' lítica que dava os primeiros passos. é questão secundária:
'ficultado pela instabilidade política que prevalecia na quase 1: Evidentemente, houve interação eiitre os. dois fatôres.
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totalidade dos países. Entretanto, o argumento inverso tam-
bém pode ser defendido: as dificuldades encontradas nos t i;e pode ignorar, entretanto, que as condições de mercados
externos que conheceti- o Chile constituíram úm caso especial.
mercados externos, para abrir linhas de exportação, deixou Nenhum outro país latino-americano da zona do Pacífico
os grupos urbanos, que haviam liderado as lutas de indepen- dispunha de iguais potencialidades agrícolas, e de uma tra-
dência, sem condições para organizar de forma estável um dição de exportação nesse setor. Por outro lado, dadas as
sistema de poder. Exceção interessante a esta regra, que a condições de transporte da época, nenhum país atlântico, la-
confirma, constitui o caso do Chile. t;;ste país, capitania au- tino-americano ou não, podia com êle concorrer.
tônoma na época colonial, singularizava-se pelo fato de que jí
A situação brasileira, durante essa fase, também apre-
nem era centro exportador de metais preciosos (sua produção
senta aspectos particulares, cuja análise ajuda a compreen-
de ouro declinara ràpidamente), nem era região exportadora
der a natureza das estruturas políticas que estão na base dos
para o exterior de produtos agropecuários. Na verdade, o
Estados latino-americanos. Ao contrário do que ocorreu na
Chile era uma região agropecuária articulada com o pólo
peruano. A diferença de outras burguesias comerciais, for- 1
região de ocupação espanhola, no Brasil as atividades agrí-
madas no comércio de contrabando e sob forte influência "i' colas e a exportação de um excedente de produtos agrícolas
inglêsa. os interêsses exportadores chilenos estavam integra- foram a própria razão de ser da Colônia. Os portuguêses
dos com os interêsses agropecuários da região e se haviam metropolitanos monopolizaram as atividades comeTciais, o que
formado no quadro legalista do monopólio organizado pela impediu o surgimento de uma burguesia local ligada às ati-
Metrópole. Por esta e outras razões a classe dirigente chi- vidades de comércio exterior. Na região produtora de ouro
lena não sofreu conflitos internos maiores e um decênio de- e diamantes, o contrôle das atividades exteriores pela Me-
pois das guerras de independência lograva estruturar um trópole era ainda mais intenso. Entretanto, nesta última re-
sistema de poder estável. A Constituição de Portales, de gião, cujo mercado interior de animais de tração desenvol-
1833, formalizou um sistema de poder representativo de bâse
oligárquica, qu,e se manteve estável até fins do século XIX. lí.
4 Para uma síntese da evolução econômica chilena no século XIX, veja-se
Por outro lado, o Chile pôd·e tirar partido de condições par- Anibal Pinto Santa Cruz, Chile, un caso de desarrollo frustrado (San-
tiago de Chile, 1962).
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veu-se consideràvelmente, formou-se e consolidou-se uma marginal no sistema de poder que se formou no Brasil. En-
classe de comerciantes de gado, com contactos em várias a nova agricultura de exportação ·se estruturou
como
regiões do país. Ssses homens transportavam grandes récuas em grandes unidades, formou-se entre ela e os velhos lati-
de mulas do Rio Grande do Sul para São Paulo, onde, em fúndios uma solidariedade fundamental, que possibilitou a
grandes feiras de animais, vinham abastecer-se os tropeiros êstes conservar o contrôle do poder local nas regiões res-
que serviam à região das minas e qu.e asseguravam a ligação pectivas, cabendo àquela o contrôle hegemônico do poder
desta com o litoral. Com a Independência, os interêsses do nacional. 5
comércio exterior permaneceram em mãos de portuguêses, que
se serl'tiam cobertos pela continuidade da Coroa, ou transf e-
riram-se para o contrôle inglês. Desta forma, na região açu-
careira não houve modificação sensível, conservando-se as
velhas estruturas sob um contrôle mais direto de interêsses
inglêses. As modificações mais significativas ocorreriam no
sul. onde a economia mineira vinha em declínio desde fins do
século XVIII. A redução progressiva da produção de ouro
a uma têrça ou quarta parte, ao mesmo tempo que cresciam 1
as despesas administrativas com o trabalho da Côrte e em .\