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Universidade de Juiz de Fora – UFJF

Aila Kathleen Sais da Silva

Resenha do livro “Em costas negras” escrito por Manolo Florentino.

O autor Manolo Florentino, graduado em História pela Universidade Federal


Fluminense (UFF), mestre em estudos africanos pelo El Colegio de México, realizou como tese
em seu doutorado na primeira instituição citada, orientado por Ciro Flamarion Cardoso, o que
hoje temos consolidado como uma das maiores contribuição para a historiografia brasileira,
“Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro (séculos
XVIII e XIX)”, obra esta que se destaca pela sua riqueza em análise de documentação,
demonstrando uma ampla pesquisa de fontes primárias feitas pelo autor, apresentando
tabelas, gráficos e estatísticas trabalhadas por Manolo demonstrando uma pesquisa
quantitativa e qualitativa, movimento este que deu destaque ao seu trabalho acadêmico.

Em sua escrita, Florentino diante de uma escassez sobre o tráfico negreiro do atlântico
sul em relação ao Rio de Janeiro, cita a importância de um balanço inicial de como o comércio
negreiro se insere nos clássicos modelos explicativos, sumariando todo o contexto. O autor faz
uma análise social e econômica sobre as demandas do tráfico de escravos para o Brasil, pondo
em questão as dimensões internas e externas, tratando sobre quem procura, ou seja, sobre
quem é destinada a demanda deste mercado, a lógica empresarial embutida, a questão do
volume e dos desembarques, e claro, evidenciando, com números e porcentagens o número
de escravos que aqui chegavam, pondo até em questão o desequilíbrio etário e sexual dentre
os mesmos. É neste ponto que surge o primeiro estranhamento e desconforto diante da
leitura do livro que irei tratar mais adiante.

Ao que tange a demanda, o autor também discorre sobre a oferta, escrevendo sobre
como os escravos eram vistos, tratados, da onde eram retirados, evidenciando a pluralidade
de povos diferentes contidos na escravidão, abordando sobre as repercussões do processo nas
sociedades da África, e claro, a violência e seu duplo sentido. Manolo também retrata sobre a
lógica do traficante, atribuindo várias partes do livro para entender as formas de circulação
dos escravos, a dominação estabelecida no estado do Rio de Janeiro, a dinâmica usada entre
as empresas nesse comércio e a lucratividade do negócio. Mais a frente do livro o autor
relaciona o tráfico com a sociedade de uma perspectiva econômica, finalmente evidenciando a
questão do tráfico e do poder, relação esta que o autor nos mostra que em resumo, a
estrutura dos negócios negreiros não se pautava apenas na impessoalidade racional
capitalista, mas sim na confiança mútua presente nas relações que perpassavam o âmbito
econômico, mas configuravam a sociedade da época.

Contudo, o livro é divido basicamente em quatro partes, a primeira trazendo uma


escrita sobre a historiografia, a segunda sobre a demanda e a oferta do tráfico negreiro, a
terceira sobre a lógica do traficante e a quarta sobre as relações do tráfico com a sociedade e a
economia do Rio de Janeiro. O livro apresenta também um volume extenso de apêndices,
sendo seguido pelas notas e as fontes utilizadas pelo autor.
Durante a leitura, como já comentado, obtive alguns estranhamentos e desconfortos
com afirmações feitas pelo autor, tentarei expor as mesmas contrapondo com outros autores
e explicitando tal incomodo. Comentarei sobre quando Manolo faz a seguinte afirmação:

“Detectei, ademais, o predomínio relativo dos homens doentes às mulheres enfermas


(na proporção de 2 por 1), dado que poderia estar ligado a preponderância dos homens nos
plantéis, mas também a própria lógica de funcionamento da empresa escravista rural, que não
somente preferia escravos do sexo masculino, como também os submetia a condições mais
duras do que as mulheres. ” pag. 56

É interessante como o autor trata a desigualdade presente no predomínio de homens


em relação às mulheres dentro dos plantéis, porém é de extrema superficialidade ao que
tange a análise da condição feminina no contexto de escravidão na época, pois como dito por
Leila Mezan Agranti, em sua tese de doutorado elaborada na Universidade de São Paulo (USP),
as mulheres escravas eram submetidas a situações de abuso sexual, pois, segundo a autora
“Ela não somente era subjugada pela sua condição de mulher - numa sociedade dominada
pelos homens- mas o homem que a dominava não era nem seu pai, nem seu marido, mas sim
seu senhor. Suas experiências eram marcadas dessa forma, pela sua identidade feminina, mas
também pelo estatuto da escravidão, vigente na sociedade e presente em todas as relações
que assumia com os indivíduos livres.”. Ou seja, comparar as condições submetidas as
mulheres como “menos severas” pois, na funcionalidade da empresa escravista rural as
mulheres não serem majoritariamente postas à serviços braçais, é um erro extremamente
grande, pois além de ignorar por completo as condições internas em que as mulheres escravas
eram postas, compara condições que não são comparáveis em grau de exploração. Como
também mencionado pela autora, na literatura e historiografia esta repleto de exemplos dos
abusos sexuais praticados pelos senhores contra as escravas, revelando uma sociedade
dominada por homens brancos que interpretavam que as mulheres negras não obtinham
virtudes, sendo violentadas e vitimas de injuria.

Portanto, a falta de uma análise mais profunda e menos superficial sobre a condição
da mulher escrava abre brecha pra uma interpretação rasa da questão levantada, abrindo
lacunas de entendimento que reafirmam imaginários que perpetuam com o silenciamento da
mulher negra na história. Ademais, o autor nesta afirmação ignora o quanto a mulher escrava
também foi submetida a trabalhos que precisavam sim do seu uso da força, como relembra a
filósofa Angela Davis em seu livro “Mulher, raça e classe”, abordando como as mulheres
negras não eram vistas como frágeis e castas, o que vai contra a visão totalmente fragilizada
que o Manolo passa ao suavizar a exploração das mulheres diante dos homens escravos. Davis
ainda salienta em sua escrita o quanto a mulher era posta diante dos mesmo trabalhos que os
homens eram submetidos no que tange a escravidão colonial, pelo diferencial de que as
mulheres escravas além de exploradas pelo trabalho escravo ainda tinham seus corpos
violados pelo estupro. É de suma importância ao abordar as condições em que se eram
submetidos homens e mulheres escravos relatar sobre a relação de colonização e a cultura do
estupro, debate que precisa estar presente diante das análises do período colonial como um
todo.
Já o segundo ponto intrigante no momento de leitura é quando o autor abre o debate
sobre a desigualdade sexual e etária dentre os escravos, apontando que tal desequilíbrio tem
peso de participação por parte dos africanos:

“A simples comparação destes índices é suficiente para demonstrar terem sido os africanos os
principais responsáveis pelos desequilíbrios estruturais anteriormente indicados”

Mesmo apresentando dados sobre a quantidade de homens nos plantéis serem


predominantes em relação as mulheres por exemplo, a afirmação fica ainda muito nebulosa
quanto ao entendimento, já que, diante de uma estrutura tão violenta, responsabilizar
inteiramente os africanos por serem os principais responsáveis por esse desequilíbrio não
parece tão simples.

Contudo, o livro é bastante representativo no que tange a questão que ele aborda,
sempre sendo fonte de pesquisa para estudos do tema. É um livro informativo, e que atinge o
objetivo do autor, que é singularizar um fluxo migratório que não cabe apenas ao termo
“compulsório”. Manolo questiona a visão reducionista de Wallerstein, além de conseguir
comprovar que o tráfico era controlado pelo capital mercantil carioca e conclui o livro
estabelecendo três ordens, que ao tratar sobre os traficantes se esta a frente à própria elite
empresarial da colônia levando em conta a adaptação da periferia frente as conjunturas
internacionais, impulsionando o traço da autonomia, e a importância do trafico, pois ele que
pautava as relações sociais básicas.

Manolo Florentino ainda ressalta como seria realizador se esse trabalho todo de
singularização, que veio do manejo de variados documentos, servisse de pelo menos oferecer
subsídios confiáveis a questão do tema, e ainda evidencia que ao que se refere sobre o tráfico
de escravos, o debate na historiografia sempre estará aberto, pois é algo a sempre ser
discutido.

Referencias:

ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e Devotas: Mulheres na colônia. São Paulo: USP, 1998.

DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe.

RIBEIRO, Djamilla. Cultura do estupro: o que a miscigenação tem a ver com isso?. Carta Capital,
2016.

BÔSCARO, A.P.D. Senhores de poucos escravos: análise de uma área periférica – Alto do Termo
da Borda do Campo/MG, século XIX. Temporalidades: Revista de História, 2015.

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