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40
setembro de 2014
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
Presidente
Luciano Coutinho
Vice-presidente
Wagner Bittencourt de Oliveira
Editor
Antônio Marcos Hoelz Ambrozio
BNDES Setorial
Publicação semestral editada em março e setembro
Resumo
Desenha-se um cenário de concorrência mais acirrada no mercado farma-
cêutico brasileiro nos próximos anos, para o qual novas estratégias serão
necessárias a fim de manter a competitividade da indústria no país. O tra-
balho aprofunda as motivações de uma estratégia particular, a inserção
internacional, distinguindo entre movimentos de aquisição de novas com-
petências e alavancagem das vantagens competitivas atuais. Na conclusão,
discutem-se os possíveis papéis do BNDES no apoio a essa estratégia, como
o financiamento à internacionalização e às exportações.
*
Respectivamente, economista, engenheira, economista, estagiário de economia e gerente setorial do
Departamento de Produtos para a Saúde da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem às em-
presas e instituições visitadas, o apoio dos colegas das áreas Internacional e de Exportação do BNDES
e os comentários críticos de Pedro Palmeira, Antônio Ambrósio e Eduardo Costa.
6 Introdução
Alavancada pela pujança do mercado doméstico e pelas oportunidades
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES
Antes restrito aos países desenvolvidos, nas últimas décadas, tem-se ob-
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US$ bilhões correntes
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1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
nadas “big pharmas”, gigantes que usualmente figuram na lista das mais
importantes multinacionais do mundo [Fortune (2014)]. As vinte maiores
empresas detêm aproximadamente 60% do mercado e todas possuem receita
anual superior a US$ 10 bilhões (Tabela 1).
EUA
159
Outros 17%
305
34%
Europa
368
Japão
40%
78
9%
2
Os autores levantaram informações das cinquenta maiores empresas em termos de receita no ano
de 2005.
permitiram alguma disseminação do conhecimento do P&D farmacêuti- 17
co, antes restrito aos países desenvolvidos [Gomes et al. (2012); Pieroni
3
Enquanto em 1970 o mercado indiano era claramente dominado por EMNs, após duas décadas da
promulgação da Lei de Patentes, o mercado indiano passou a ser dominado por empresas locais, cuja
participação saiu de 10% em 1970 para 70% em 1989. Em 1996, apenas quatro das dez maiores da Índia
eram multinacionais estrangeiras [Athreye e Godley (2009)].
vam produzir os princípios ativos dos medicamentos que comercializavam 19
[Radaelli e Paranhos (2013)].
4
Lei Hatch-Waxman, de 1984. Antes dos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido já possuíam leis
de medicamentos genéricos. Entretanto, a entrada nesses mercados por empresas indianas era limitada
pela fragmentação e baixa escala da demanda [GaBI (2014a); Kale (2007)].
20 a aquisição de empresas europeias e americanas, maior poder de distribui-
ção, capacitações regulatórias e tecnológicas, além de ativos que pudes-
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES
5
Lei 5.772, de 1971.
6
Lei 9.279, de 1996.
7
Lei 9.787, de 1999.
22 leira, principalmente após a ampliação das barreiras à entrada com a
introdução de patentes. Os genéricos passaram a liderar o crescimento
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8
Foi utilizado o “Índice de Penetração das Importações”, conforme denomina CNI (2014).
24 O forte crescimento da demanda doméstica reflete-se em uma disposição
para exportar inferior à da indústria de transformação brasileira. Entretanto,
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Posicionamento atual
A despeito do sucesso da indústria farmacêutica brasileira na última dé-
cada, em particular das empresas de capital nacional, a continuidade das
estratégias adotadas até o momento pode não ser suficiente para sua sus-
tentação. Um novo cenário de concorrência na indústria delineia-se, com-
posto por pressões nos mecanismos de formação de preços e na dinâmica
de reposição de portfólio.
Tais pressões devem atingir mais diretamente as margens e a rentabili-
dade da indústria, já que as perspectivas de mercado continuam positivas.
Projeta-se que o mercado farmacêutico brasileiro seguirá crescendo a dois
dígitos, com possibilidade de ultrapassar Alemanha e França e se tornar o
quarto maior mercado global já em 2018, atrás de Estados Unidos, Japão e
China [IMS Health (2013)].
No que diz respeito à formação de preços, observa-se crescente
concorrência entre as próprias empresas atuando no Brasil, cada vez
maiores e mais consolidadas, e fortalecimento dos compradores, tanto
das grandes redes de farmácia quanto dos pagadores institucionais pú-
blico e privados. Já as pressões de portfólio referem-se à redução do
horizonte de medicamentos de síntese química com patentes a expi-
rar e à possível equiparação dos medicamentos similares aos genéricos
[Gomes et al. (2014)].
Nesse contexto, novos modelos de negócio, estratégias e compe-
tências tecnológicas são necessários. Uma primeira opção estratégica,
apontada em Reis, Landim e Pieroni (2011), é a produção local de me-
dicamentos biossimilares. Tendo em vista a baixa capacitação do país
para o ingresso nessa nova trajetória, o catch-up poderia envolver trans-
ferência de tecnologia e o estabelecimento de parcerias de codesenvol-
vimento com empresas estrangeiras de base tecnológica. Além disso,
tem sido implementada uma agenda de políticas públicas com o objeti-
vo de induzir esse movimento, envolvendo financiamento, regulação e
compras governamentais.
26 Outra estratégia seria a ampliação dos investimentos em P&D inter-
na, fortalecendo as competências já detidas pelas empresas, em busca de
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES
Resto do mundo
7%
Emergentes**
6%
América Latina
52%
Desenvolvidos*
35%
9
Resolução da Diretoria Colegiada 29, de 2005.
10
Ver ICH (2000).
11
Atualmente, a Anvisa possui mais de trinta atos internacionais com agências sanitárias de outros países.
28 O tamanho do mercado e a regulação também fazem do Brasil
uma das portas de entrada para as empresas estrangeiras que dese-
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES
Países desenvolvidos
Alemanha X X X
Coreia do sul X X X
Dinamarca X X
Estados Unidos X X X
França X X
Itália X X X
Japão X X X
Noruega X X X
Reino Unido X X
Suíça X X X
Países em
desenvolvimento
Brasil X X
China X X X
Índia X X X
Fontes: Além (2005) e CNI (2013).
Em relação à experiência recente de apoio público à inserção internacio- 31
nal de empresas, merece destaque o desempenho dos países asiáticos, em
quando passou a apoiar também o IED, tornou-se a principal instituição do Estado brasileiro engajada
no apoio à inserção internacional de empresas brasileiras [CNI (2013)].
34 das vantagens competitivas, fundamentam as motivações principais para a
inserção internacional de uma empresa: exploração de vantagens compe-
Inserção internacional das empresas farmacêuticas:
motivações, experiências e propostas para o BNDES
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Saneamento Ambiental
BNDES Setorial 40, p. 43-92
Marcos H. F. Vital
Martin Ingouville
Marco Aurélio Cabral Pinto*
Resumo
O presente artigo analisa a política nacional para resíduos sólidos urbanos
(RSU) residenciais nos municípios brasileiros, estimando-se o investimento
necessário para a disposição final adequada (em aterros sanitários). Para
tanto, foram realizadas estimativas para atingir uma das metas previstas
no Plano Nacional de Resíduos Sólidos: a extinção de lixões até agosto de
2014.1 Conforme se pôde concluir, serão necessários recursos na ordem de
R$ 2,5 bilhões para constituição de infraestrutura de aterros sanitários que
atendam ao desafio de erradicar os vazadouros a céu aberto (lixões) e os
aterros controlados no Brasil.
*
Respectivamente, economista e engenheiro do Departamento de Meio Ambiente da Área de Meio
Ambiente do BNDES; e engenheiro do Departamento de Gestão Pública da Área de Infraestrutura Social
do BNDES. Colaboraram com o trabalho: Ana Elisa F. Vital, Odette Lima Campos, Raphael Duarte Stein,
Guilherme Martins, Marcos Ferran, José Guilherme Cardoso, Gabriel Rangel Visconti e Thaíse Nunes.
1
Na data de publicação do presente artigo, ainda não se havia cumprido a referida meta.
44 Introdução
A disposição inadequada de RSU pode gerar tanto custos sociais quan-
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019
Saneamento Ambiental
Para cumprir esse objetivo, depois desta introdução, o artigo está estru-
turado em mais quatro seções. Na próxima seção, examina-se a PNRS. A
terceira expõe e analisa diagnóstico da situação dos RSU no Brasil, com a
finalidade de obtenção de parâmetros necessários para aplicação no modelo
de estimativa de investimentos proposto. A lógica que permeia as estima-
tivas bem como a análise dos resultados são apresentadas na quarta seção.
As conclusões e propostas compõem a quinta seção.
Princípios
Prevenção e precaução
Os princípios de prevenção e precaução induzem o poder público e a
coletividade a agir de modo a evitar ou prevenir a ocorrência de ações dolo-
sas para a sociedade. Em seu livro Direito Ambiental Brasileiro, Rehbinder
define o princípio da precaução como:
(...) o princípio da precaução reflete o conhecimento de que as ativi-
dades humanas tendo um impacto sobre o ambiente, muitas vezes têm
consequências negativas que não podem ser completamente previsí-
veis ou verificáveis antes da ação. Em sua aplicação, o princípio da
precaução requer que uma ação não deva ser executada se ela coloca
um risco desconhecido de dano. Procedimentalmente, o princípio da
precaução impõe, sobre aqueles que desejam empreender uma ação,
o ônus da prova de que ela não prejudicará o ambiente [Rehbinder
apud Wolfrum (2004, p. 28)].
Poluidor-pagador e protetor-recebedor
Enquanto o princípio do poluidor-pagador pode ser encontrado em
diferentes normativos brasileiros de cunho ambiental, o princípio do
protetor-recebedor é relativamente novo. Conforme é possível inferir, tais
princípios têm como objetivos imputar penalidades aos poluidores do meio
46 ambiente e incentivar os agentes econômicos que atuem de modo contrá-
rio – premiando quem conserva e protege o ecossistema em que se insere.
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019
Desenvolvimento sustentável
Outro princípio que norteia a PNRS é o de desenvolvimento sustentá-
vel. De acordo com UN (1987), o desenvolvimento econômico de uma dada
nação pode ser dito “sustentável” (ao longo do tempo) se o uso de recursos
no presente para atender às “necessidades do presente” não compromete a
disponibilidade de recursos para que outras gerações satisfaçam suas “ne-
cessidades no futuro”.2
O reaproveitamento dos RSU apresenta relação direta com o cresci-
mento econômico e com o conceito de desenvolvimento sustentável, uma
vez que o uso econômico dos RSU recicláveis reduz as pressões sobre
matérias-primas específicas – como papel e papelão (intensivos em terra e
água) e petróleo e nafta (emissores de CO2).
Responsabilidade compartilhada
Um dos pilares da PNRS é o da responsabilidade compartilhada en-
tre consumidores, comerciantes e distribuidores, fabricantes, importadores
e o poder público sobre a gestão do ciclo de vida dos produtos, ou seja, do
retorno de parte dos produtos recicláveis para o sistema de produção e/ou
da disposição adequada/tratamento de resíduos. O princípio está em linha
com as melhores práticas internacionais, mas seu êxito depende de mu-
danças significativas na cultura de como entender, tratar e relacionar-se
com os resíduos.
Os sistemas de logística reversa3 são a materialização do princípio da
responsabilidade compartilhada, por meio do qual os agentes econômicos
(fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, consumidores e
titulares de serviços públicos de limpeza e manejo) definem seus papéis
2
“Humanity has the ability to make development sustainable to ensure that it meets the needs of the
present without compromising the ability of future generations to meet their own needs” [UN (1987)].
3
Sistemas de logística reversa são bastante complexos, contemplando, de modo genérico: (i) sistemas de
coleta seletiva ou postos de coleta; (ii) estações de transbordo e/ou triagem; (iii) reutilização/reciclagem;
(iv) tratamento e disposição ambientalmente adequada dos resíduos.
em cada etapa do ciclo de vida do produto, desde a fabricação até a desti- 47
nação adequada dos resíduos. Vale notar que, de acordo com a referida lei,
Saneamento Ambiental
os sistemas de logística reversa são obrigatórios para os seguintes setores:
(i) agrotóxicos, seus resíduos e embalagens; (ii) pilhas e baterias; (iii)
pneus; (iv) óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; (v) lâmpadas
fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; (vi) produ-
tos eletroeletrônicos.
Enquanto alguns setores, por já possuírem legislação específica anterior
à Lei 12.305/10, apresentam sistemas de logística reversa mais evoluídos
(óleos lubrificantes usados e contaminados, embalagens de agrotóxicos e
pneus inservíveis, por exemplo), outros setores ainda possuem acordos se-
toriais em fase de elaboração ou apreciação pela sociedade civil organizada
(eletroeletrônicos, pilhas e baterias e lâmpadas mercuriais) – através da sub-
missão a audiências públicas ou mesmo a normativos federais específicos.4
Dessa forma, os produtos citados na lei e mencionados no texto não cons-
tituem conjunto exaustivo, finito ou estático. Outrossim, o desenvolvimento
tecnológico das nações (com viés em elevado ritmo de inovações de pro-
duto, notoriamente, em bens de consumo)5 e a diversificação dos produtos
fabricados imputam caráter dinâmico às questões associadas à fabricação,
ao consumo e ao descarte de produtos.
Reutilização e reciclagem
O reconhecimento do resíduo sólido reutilizável como bem econômico
abre oportunidades industriais, comerciais e financeiras na exploração de
todas as etapas, desde a produção até a reabsorção pela natureza, incluindo
o duplo caráter (social e econômico) da participação dos catadores e de sua
inclusão nos sistemas de logística reversa, qual seja: a geração de empre-
gos formais e renda.
O conjunto de todos os princípios que norteiam a Lei 12.305/10 encon-
tram-se no Anexo II.
Objetivos e diretrizes
Constam da PNRS mais de 15 objetivos (e diretrizes), enunciados no
Anexo III, dos quais se destacam os explicitados a seguir.
4
O Ministério do Meio Ambiente fará a avaliação das propostas de acordo setorial apresentadas.
5
Vale notar a dinâmica associada à indústria e ao mercado de produtos eletroeletrônicos.
48 Proteção à saúde pública
A disposição inadequada de RSU no país tem gerado bolsões de miséria
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019
6
Líquido escuro, de odor desagradável e altamente poluente que escoa de massas de lixo orgânico ou
de aterros sanitários, resultante da decomposição física, química e biológica de resíduos e da lixiviação
por água das chuvas.
7
O termo “doença negligenciada” data da década de 1970 e se refere a doenças causadas por agentes
infecciosos e parasitários.
de produção e consumo com menor utilização de insumos (aumento na 49
eficiência do uso dos recursos).
Saneamento Ambiental
Adoção e aprimoramento de tecnologias limpas
A PNRS cria espaço para o desenvolvimento de novas tecnologias8 que
possam reduzir os impactos ambientais (uso de matérias-primas e tratamento
dos rejeitos) dos processos de produção e consumo.
Vale notar que, do ponto de vista intertemporal, gastar menos com tra-
tamento adequado de resíduos no presente significa gastar mais com saúde
pública no futuro.
Nesse sentido, vale lembrar o conceito de ecodesign, no qual os pro-
cessos e produtos são concebidos de forma a ter menor impacto am-
biental ao longo de todo o seu ciclo de vida. São exemplos: (i) redução
na quantidade/volume de embalagens geradas por unidade de produto
fabricado; (ii) utilização de tecnologias capazes de gerar produtos com
maior grau de degradabilidade e absorção pelo meio ambiente 9; (iii)
utilização de materiais passíveis de serem reciclados; (iv) aumento da
durabilidade dos produtos.10
Pode-se argumentar que não é parte do fenômeno inflacionário nacional
a elevação dos custos de tratamento e disposição final, mas sim a internali-
zação dos custos relacionados a coleta, transporte e tratamento adequados
de resíduos, anteriormente ignorados. Vale notar que a sociedade já arca-
va com tais custos, não na forma de uma parcela dos preços dos produtos,
mas na forma de custos sociais e ambientais (externalidades negativas do
processo de produção e consumo), como internações médicas e remediação
de solos e corpos hídricos.
No que concerne a padrões de produção e consumo e geração e tratamento
de resíduos sólidos, ressaltam-se os principais aprimoramentos capazes de
resultar em impactos relevantes sobre as variáveis discutidas:
i) metanização da fração orgânica do lixo;
8
O termo “tecnologias limpas” refere-se a processos produtivos que se utilizem de menos matérias-primas,
energia e outros materiais além de produzirem bens menos agressivos ao meio ambiente.
9
O aprofundamento dos conceitos de economia ecológica pode ser encontrado em Ruth (1993).
10
Entre fabricantes geradores de resíduos industriais, de um lado, e consumidores geradores de resíduos
domiciliares urbanos, encontram-se empresas de gerenciamento de resíduos que terão a oportunidade de
diversificar seu portfólio de tecnologias e oferecer serviços de valor agregado mais elevado.
50 ii) implementação de sistemas de coleta seletiva;
iii) triagem de resíduos;
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019
Saneamento Ambiental
com os seus resíduos sólidos, os estados têm a essencial função de articular
os municípios de modo a criar soluções que permitam o compartilhamento
e a minimização dos custos. Um bom exemplo é o que ocorreu em Minas
Gerais, onde o governo estadual, em parceria com os municípios, desen-
volveu um edital de concessão para os serviços de tratamento e disposição
final de RSU que abrange a região metropolitana de Belo Horizonte, com
exceção da própria capital.
Outros responsáveis
Por fim, a PNRS incumbiu aos grandes geradores de resíduos sólidos
e aos geradores de resíduos perigosos a obrigatoriedade de desenvolver
tratamento e destinação final dos resíduos por eles gerados e respondem civil
e criminalmente pelos seus danos ambientais, mesmo que terceirizem esses
serviços a empresas especializadas. Seus planos deverão ser apresentados e
aprovados pelos órgãos ambientais competentes e servirão como condição
para a renovação de suas licenças ambientais.
Saneamento Ambiental
Com base em estudos [Abrelpe (2013); Fade e BNDES (2013)], apre-
senta-se uma síntese de diagnóstico da situação da geração e destinação de
RSU no Brasil, em 2012.
100
90
80
Destinação adequada (%)
70
57,6% 58,1% 58%
56,8%
60 54,8%
50
40,6% 38,6%
40
30
20 11%
10 4,7%
0
1991 1995 2000 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Saneamento Ambiental
Tabela 1 | Geração e destinação do RSU por região do Brasil (2012), em t/dia
RSU Aterros Aterros Lixões Total Total de RSU
gerado sanitários controlados (%) de lixo destinado
(t/dia) (%) (%) D destinado inadequadamente
A B C de modo (t/dia)
inadequado
(C+D)
(%)
Norte 13.754 35,1 29,8 35,1 64,9 8.926
Nordeste 51.689 35,4 33,0 31,6 64,6 33.391
Centro-Oeste 16.055 29,4 48,1 22,5 70,6 11.335
Sudeste 98.215 72,2 17,3 10,5 27,8 27.304
Sul 21.345 70,3 18,2 11,5 29,7 6.339
Brasil 201.058 48,48 29,28 22,24 51,52 103.585
Fonte: Abrelpe (2013).
Saneamento Ambiental
maior índice de densidade demográfica (86,9 hab./km2).
Em 2012, na Região Sudeste, foram geradas 98 mil toneladas por dia
de RSU, das quais 72% destinadas a aterros sanitários. O restante, cerca de
27.300 t/dia de RSU (ou 26,3% do total de RSU tratado de modo inadequa-
do no país), ainda necessitava ser tratado (Tabela 1).
A Tabela 4 apresenta a geração de RSU por estado da Região Sudeste,
bem como a quantidade ainda destinada de modo inadequado (fração não
tratada) em cada estado.
O estado de São Paulo foi o maior responsável pela geração dos RSU do
Brasil (25%), seguido do Rio de Janeiro (10,5%), de Minas Gerais (8,75%)
e do Espírito Santo (1,5%).
Das regiões brasileiras, o Sudeste apresenta a maior concentração de
habitantes (83,8% dos indivíduos) em municípios de médio e grande por-
tes (acima de 30 mil habitantes), sendo mais de 50% deles residentes em
municípios com população superior a 250 mil habitantes, percentual equi-
valente a aproximadamente 40 milhões de indivíduos. Apenas 16% da po-
pulação da região reside em municípios com menos de 30 mil habitantes,
como mostra Tabela 5.
Tal configuração espacial da população e, consequentemente, da
geração de RSU requer soluções com porte/dimensões compatíveis,
conforme discussão de resultados, exposta na subseção “Resultados”
na quarta seção.
58 Tabela 5 | Perfil dos municípios – Sudeste
Habitantes Número de População % da população
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019
municípios
Até 30 mil 1.301 12.919.464 16,08
Entre 30 mil e 250 mil 362 25.555.424 31,80
Entre 250 mil e 1 milhão 44 19.632.630 24,43
Acima de 1 milhão 4 22.246.206 27,69
Total 1.711 80.353.724 100,00
Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010).
Saneamento Ambiental
Fonte: IBGE (2010).
Nordeste
Composta por nove estados, a Região Nordeste abriga 53 milhões de
brasileiros em um território de 1,5 milhão de quilômetros quadrados, per-
fazendo índice de 34,15 hab./km2.
De acordo com Abrelpe (2013), foram geradas 51,7 mil toneladas
por dia de RSU no Nordeste, em 2012 (Tabela 6). Naquele ano, o per-
centual de RSU destinado a aterros sanitários na região foi de apenas
35,4%, restando, portanto, aproximadamente, 33,4 mil toneladas por dia
de RSU, ainda destinadas a lixões e aterros controlados, necessitando
tratamento adequado.
Saneamento Ambiental
população reside em municípios com população inferior a 30 mil habitantes
e outro terço reside em municípios com população entre 30 mil e 250 mil
habitantes. O perfil de concentração populacional do Nordeste permite inferir
que os RSU também se encontram mais esparsos no território, o que pode
requerer soluções individualizadas, com menor possibilidade de associações
entre municípios e menores escalas de aterros sanitários.
Como foco de soluções de médio porte, apontam-se as regiões ao redor
de Campina Grande (PB), Vitória da Conquista (BA) e Itaúna (BA). Me-
recem atenção os municípios com população entre 250 mil e 1 milhão de
habitantes, passíveis de investimentos em aterros com capacidade para tra-
tamento de 500 t/dia a 1.000 t/dia. Destacam-se Teresina (PI), Picos (PI),
Codó (MA), Sobral (CE), Iguatu (CE), Mossoró (PB), Aracaju (SE), Feira
de Santana (BA), Iatuba (BA) e Vitória da Conquista (BA).
Centro-Oeste
Com extensão territorial de aproximadamente 1,6 milhão de quilôme-
tros quadrados e população de apenas 14 milhões de habitantes, a região
se ressalta pelo baixo índice de densidade demográfica (8,75 hab./km2). A
região possui outras peculiaridades, como elevado percentual de habitantes
residentes em municípios de pequeno porte. Tal conjunção de fatores requer
soluções específicas, conforme será discutido na próxima seção.
Na Região Centro-Oeste, foram geradas, em 2012, cerca de 11,3 mil
toneladas por dia de RSU (Tabela 9). Desse volume, 70% (equivalentes a
cerca de 7,9 mil t/dia) foram dispostos de modo inadequado (vazadouros a
céu aberto e aterros controlados).
Assim, o Centro-Oeste brasileiro se ressalta não pelo elevado ní-
vel absoluto de geração de RSU, mas pela elevada fração não trata-
da. Do ponto de vista socioambiental, investimentos que elevem a 63
taxa de destinação adequada de RSU na região podem ter impactos
Saneamento Ambiental
bastante relevantes.13
13
Vale ressaltar que os grandes municípios das regiões menos desenvolvidas são aqueles passíveis
de implementação de sistemas mais modernos de tratamento de RSU. Isso porque uma vez que tais
regiões não possuem sequer as etapas iniciais de coleta, ao serem implementados, os novos sistemas de
tratamento podem ser instalados, desde sua concepção, já contemplando a coleta seletiva, estações de
triagem, reciclagem e outras alternativas de extração de riqueza dos RSU.
64 Figura 4 | Distribuição da população no Centro-Oeste
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019
Norte
Com aproximadamente 3,8 milhões de quilômetros quadrados de ex-
tensão (equivalentes a 40% do território nacional) e população de apenas
15 milhões de habitantes, a Região Norte apresenta a menor densidade po-
pulacional do país (4,12 hab./km2), sendo responsável por apenas 10% dos 65
RSU gerados no Brasil em 2012.
Saneamento Ambiental
Na região, foram geradas cerca de 13,7 mil toneladas por dia de RSU,
em 2012 (Tabela 11). Desse volume, 65% foram destinados de modo ina-
dequado (8,9 mil toneladas por dia).
municípios região
Até 30 mil 338 3.987.710 25,13
Entre 30 mil e 250 mil 109 6.472.369 40,79
Entre 250 mil e 1 milhão 6 2.211.043 13,94
Acima de 1 milhão 2 3.194.556 20,14
Total 455 15.865.678 100,00
Fonte: Elaboração própria, com base em IBGE (2010).
Sul
A Região Sul do país apresenta a melhor situação geral de tratamento
de RSU no país. Com território de 563.000 km2 e população de 27 milhões
Saneamento Ambiental
Em 2012, foram geradas cerca de 21,3 mil toneladas por dia de RSU
na Região Sul do Brasil (Tabela 13). Desse total, 70% foram destinados a
aterros sanitários, restando-se aproximadamente 6,3 mil toneladas de lixo
a serem tratadas (apenas 6,1% do total de RSU destinado de modo inade-
quado no país).
Saneamento Ambiental
Figura 7A | Geração de RSU (t/ano)
381,6 383,6
0,4%
certas regiões pode ser considerado possível fator explicativo para as dis-
crepâncias observadas.
Com crescimento de 1,3% na geração total de resíduos e 0,9% da po-
pulação brasileira, observou-se elevação de 0,4% no índice de geração de
resíduos per capita no Brasil, conforme ilustrado Figura 7.
Municípios pequenos apresentam elevados valores de geração (em
kg/hab./dia), enquanto municípios maiores apresentam valores menores.
Parâmetros de modelagem
As estimativas propostas dependem fundamentalmente de três parâmetros:
1) quantidade de resíduos disposta inadequadamente no Brasil em cada
região (Tabela 1);
2) custo de implementação de aterros sanitários de diferentes por-
tes – pequeno (100 t/dia), médio I (500 t/dia), médio II (1.000 t/dia)
e grande (2.000 t/dia); e
3) distribuição espacial dos RSU destinados de modo inadequado no
território nacional (utilizou-se como proxy a distribuição espacial da
população de cada estado).
A fração ainda não tratada ou disposta inadequadamente em 2012, por
região, é apresentada na Tabela 16, os custos de implementação de aterros
sanitários de diferentes tamanhos são apresentados nas tabelas 17 e 18, e a
distribuição da população por estado e porte de município utilizada como
peso para ponderação dos resultados na Tabela 19.
Fração de RSU não tratada no Brasil, por região 71
A fração de RSU destinada de modo inadequado em cada região do país
Saneamento Ambiental
foi analisada na Tabela 1. As informações relevantes para fins de estimativa
são reproduzidas na Tabela 16.
Com base em Abetre e FGV (2009), foi possível estimar o custo das
etapas iniciais de pré-implantação e implantação de aterros de diferentes
portes, conforme Tabela 17. Optou-se por considerar apenas os custos de
pré-implantação e implantação por dois motivos: em primeiro lugar, a im-
plantação de empreendimentos costuma gerar demanda por recursos; em
segundo lugar, o objetivo do estudo é estimar a necessidade de capital inicial
a ser imobilizada de modo a implantar a quantidade necessária de aterros
para tratar os RSU ainda não tratados em 2012.
Adotou-se como premissa que, uma vez implantado o aterro e aber-
ta a primeira célula, a atividade de prestação de serviços de aterramen-
to ao longo da vida útil da primeira célula (em média, quatro anos) gera
receitas suficientes para cobrir os custos de operação e as necessida-
des de investimento futuras para a expansão das novas células. Portan-
to, a abertura das células subsequentes e as etapas de encerramento e
pós-encerramento não representam necessidade de novos recursos. A ren-
tabilidade média, bem como fluxo de caixa de aterros sanitários, pode ser
vista em Martins (2014).
Vale notar que, uma vez que a base de dados disponível apresentava
valores nominais de 2007, foi necessária atualização desses valores. Para
tanto, tomou-se por base a evolução do Índice Nacional da Construção
Civil – Disponibilidade Interna (INCC-DI), calculado pela Fundação Getu-
lio Vargas, entre 2008 e 2014. A Tabela 18 mostra tanto os valores nominais
de 2007 como o valor total de implementação atualizado.
Tabela 18 | Custos de implementação de aterros (em R$) 73
Grande – Médio I – Médio II – Pequeno –
Saneamento Ambiental
2.000 t/dia 1.000 t/dia* 500 t/dia* 100 t/dia
Pré-implantação 4.065.461 2.032.730 1.355.153 608.087
Implantação 18.169.781 9.084.890 6.056.593 2.669.178
Total 22.235.242 11.117.620 7.411.746 3.277.265
Total atualizado 34.760.000 18.012.000 11.060.000 5.135.000
Fonte: Elaboração própria, com base em Abetre e FGV (2009).
* Abetre e FGV (2009) apresentam custos para três tamanhos de aterro (100 t/dia, 800 t/dia e
2.000 t/dia). Procedeu-se à construção de uma curva de economia de escala com esses três pontos
da qual se puderam obter, por extrapolação, os custos dos aterros de 1.000 t/dia e 500 t/dia.
Saneamento Ambiental
Passo 2: Ponderação dos RSU não tratados em função da concentra-
ção da população em diferentes portes de municípios
Em seguida, multiplicou-se o resultado obtido no passo 1 pela fração
de habitantes correspondente a cada classe de município (Tabela 19) com
a finalidade de se estimar a quantidade de resíduos gerados em cada estado
da federação, por porte de município.
Passo 3: Módulos de investimento
Foram especificados quatro módulos de investimento em aterros
sanitários, em função da capacidade (módulo I: 100 t/dia; módulo II: 500 t/dia;
módulo III: 1.000 t/dia; módulo IV: 2.000 t/dia).
Passo 4: Estimativa da quantidade de aterros, por escala e porte de
município
Para estimar o número de aterros de cada porte a ser implantado em
cada estado da federação, procedeu-se o seguinte cálculo: (1) obteve-se a
quantidade de RSU não tratado em cada estado de acordo com a classe de
município; (2) dividiu-se o resultado encontrado (t/dia) de RSU não tra-
tado em municípios de pequeno porte em dado estado pela capacidade do
aterro módulo 1. O mesmo procedimento foi repetido para municípios de
portes superiores.
Passo 5: Investimentos necessários
Determinada a quantidade de aterros, por porte de município em cada
estado da federação, multiplicou-se essa pelos respectivos custos de in-
vestimentos para estimar os custos de implementação dos respectivos
mix de aterros.
Dessa forma, o modelo permite estimar a quantidade de investimentos
necessária para tratar os resíduos dispostos de modo inadequado em cada
estado da federação por escala de aterro, por período de três a quatro anos
(tempo de vida útil de cada célula), conforme análise a seguir.14
Vale notar que a problemática envolvendo os RSU consiste em um fenômeno dinâmico. Como tal,
14
os conceitos de “estoque” (passivo ambiental ou RSU acumulado no tempo) e “fluxo” (RSU gerado a
cada ano) se fazem presentes. O estoque ou passivo ambiental consiste nos RSU acumulados nos últimos
anos. O fluxo consiste na quantidade de RSU ainda a ser gerada nos próximos anos, dependendo do
crescimento populacional e do PIB.
76 Resultados
Sudeste
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019
Saneamento Ambiental
Vale notar que as duas colunas à direita apresentam números fraciona-
dos. Adotou-se tal procedimento pela seguinte razão: entende-se que meio
aterro de grande escala (com capacidade para processar 2.000 t/dia) equiva-
leria a um aterro de 1.000 t/dia; que meio aterro de 1.000 t/dia equivaleria
a um aterro de 500 t/dia; e assim por diante. De outro modo, o arredonda-
mento do valor 0,3 aterro de 2.000 t/dia levaria, por exemplo, à conclusão
de que o ES não necessitaria de nenhum aterro de grande escala (uma vez
que 0,3 seria arredondado para baixo), distorcendo as conclusões. De fato,
0,3 x 2.000 t/dia = 600 t/dia. Assim, a leitura dessas colunas merece atenção.
A Tabela 21, por sua vez, apresenta a distribuição da necessidade estimada
de investimentos em aterros sanitários, por porte de aterro e estado da região.
De acordo com as estimativas, o Sudeste necessitaria de investimentos
de R$ 652 milhões para implementar seu parque de aterros sanitários.
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013), IBGE (2010) Abetre e FGV (2009).
Nordeste
A Tabela 22 permite inferir com base nas estimativas do modelo proposto
que a Região Nordeste necessitaria da construção de 121 aterros de peque-
no porte (100 t/dia), além de outros 27 aterros médios I (500 t/dia), quatro
78 aterros médios II (1.000 t/dia) e outros dois grandes aterros (2.000 t/dia).
Novamente, vale notar as duas colunas à direita, com números fracionados.
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019
Saneamento Ambiental
de econômica.
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013), IBGE (2010) e Abetre (2009).
Centro-Oeste
A Tabela 24 permite inferir, com base nas estimativas do modelo propos-
to, que a Região Centro-Oeste necessitaria da construção de 150 aterros de
80 pequeno porte (100 t/dia), além de outros sete aterros médios I (500 t/dia),
dois aterros médios II (1.000 t/dia), além de um grande aterro (2.000 t/dia)
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019
para atender a Brasília (DF). Assim como nas outras regiões, o número de
1,6 aterro de 1.000 t/dia poderia ser substituído por um aterro de 1.000 t/dia
e outro de 500 t/dia.
Saneamento Ambiental
canteiros, balanças, custo da terra etc.) podem ser compartilhados por mais
de um município.
Norte
A Tabela 26 permite inferir, com base nas estimativas do modelo pro-
posto, que a Região Norte necessitaria da construção de 22 aterros de pe-
queno porte (100 t/dia), além de outros sete aterros médios I (500 t/dia),
um aterro médio II (1.000 t/dia) e um grande aterro (2.000 t/dia). No-
vamente, note que o estado do Amazonas necessita de 0,5 aterro de
2.000 t/dia, ou seja, de um aterro de 1.000 t/dia, ou, ainda, dez aterros de
100 t/dia. Já o estado do Pará necessitaria de 0,3 aterro de 2.000 t/dia (ou
seja, um aterro de 600 t/dia) e 0,37 aterro de 1.000 t/dia (equivalente a qua-
tro aterros de 100 t/dia). A configuração final do parque de aterros de cada
região acaba por ser definida com base na distribuição espacial dos RSU
em cada uma.
O resultado apresentado pelo modelo proposto sugere a implementação
de 22 pequenos aterros (100 t/dia) para atender à totalidade dos 338 com
população abaixo de 30 mil habitantes na região.
82 Tabela 26 | Número de aterros necessários para tratar os RSU
destinados de modo inadequado na Região Norte
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019
Saneamento Ambiental
100 t/dia 500 t/dia 1.000 t/dia 2.000 t/dia
AC 5,47 2,04 3,03 0,00 10,53
AP 3,78 1,77 4,07 0,00 9,62
AM 26,67 14,89 0,00 22,26 63,82
PA 40,13 46,03 7,28 12,75 106,20
RO 12,63 7,08 3,83 0,00 23,54
RR 4,37 0,00 2,61 0,00 6,97
TO 19,99 6,82 0,00 0,00 26,81
Total 113,04 78,63 20,82 35,01 247,50
Fonte: Elaboração própria, com base em Abrelpe (2013) e Abetre e FGV (2009).
Sul
A Região Sul do país não somente gera menos RSU que outras regiões
do país (apenas 10 % dos RSU gerados) como, além disso, destina elevado
percentual a aterros sanitários, sendo responsável por apenas 5% dos RSU
tratados de modo inadequado.
A Tabela 28 permite inferir que a Região Sul necessitaria da construção
de 19 aterros de pequeno porte (100 t/dia), além de outros cinco aterros
médios I (500 t/dia) e um aterro médio II (1.000 t/dia).
Conclusões e propostas
O Plano Nacional de Resíduos Sólidos estabeleceu metas a serem
cumpridas até agosto de 2014. No momento da publicação deste artigo, parte
das metas ainda não havia sido cumprida. Entre elas, observa-se a previsão
de extinção de todos os lixões (vazadouros a céu aberto) no Brasil. O pre-
sente estudo trata o tema com enfoque nas necessidades de investimentos
necessárias para a destinação dos RSU em aterros sanitários.
Procurou-se estimar a monta de investimentos necessários para a substi-
tuição dos lixões (e também dos aterros controlados) por aterros sanitários.
Para tanto, foram utilizados dados informados por Abrelpe (2013) acerca
da geração e destinação de RSU no Brasil.
A sugestão de uma modelagem de cálculo de estimativas de investimen-
tos apresenta, de modo geral, dois desafios: (i) o desenvolvimento da lógica
com a qual as varáveis se inter-relacionam de modo a obter os resultados;
e (ii) a existência de dados que possam definir as condições de cálculo. No
caso do presente artigo, observou-se dificuldade em obter base de dados
atualizada e sistematizada com valores nominais do custo de implementa-
ção de aterros sanitários de diferentes escalas.
Os resultados do modelo apontam para algumas conclusões. As regiões
Nordeste e Sudeste respondem, juntas, por 70% do total de RSU gerados no
país e também por 70% do total de RSU destinado de modo inadequado no 85
Brasil. Dessa forma, mostram-se regiões prioritárias como alvo de políticas
Saneamento Ambiental
públicas para o setor.
As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste têm os maiores déficits de
aterros sanitários, com apenas 30% dos resíduos sendo tratados com essa
tecnologia, enquanto Sul e Sudeste destinam, em média, 70% de seus RSU
a aterros.
As regiões brasileiras, por possuírem distribuição populacional bastante
heterogênea, apresentam também heterogeneidade na concentração/dispersão
dos RSU no território, que se refletem nas tecnologias a serem implantadas
em cada região.
Com relação às estimativas de investimento, de acordo com o mo-
delo proposto, estimou-se a necessidade de investimentos da ordem de
R$ 2,5 bilhões em aterros sanitários de diferentes portes para atender à ne-
cessidade de tratamento de RSU que até o ano de 2012 ainda eram destina-
dos a lixões e aterros controlados no Brasil. A distribuição de investimentos
por região é sumariada na Tabela 30.
Saneamento Ambiental
Tais argumentos apontam necessidade de soluções para tratamento dos
resíduos na fonte de geração, por meio de outras tecnologias a depender da
composição do resíduo.
O Sul e o Sudeste contam com boa cobertura de serviços de coleta e
destinação adequada de resíduos, em comparação com o restante do país.
No Sudeste, entretanto, o estado de São Paulo ainda é responsável por
58% dos resíduos dispostos de forma inadequada na região e deve ser prio-
rizado na instalação de aterros de médio e grande portes. A densidade demo-
gráfica é propícia aos consórcios intermunicipais. A tendência nessas regiões
é a difusão de outras tecnologias que visam à valorização de resíduos, seu
aproveitamento energético e econômico na indústria. Implementação de
sistemas de logística reversa, reciclagem, compostagem, coprocessamento,
entre outras tecnologias de maior valor agregado e investimento já começam
a surgir dentro dos portfólios de empresas nessas regiões. Os locais onde
estão instalados os aterros sanitários acabam por transformar-se em parque
industrial de valorização de resíduos. Apoiar essa transformação pode ser
uma perspectiva desejável para as regiões Sul e Sudeste.
O modelo sugere que há regiões, principalmente onde se verificam
maiores concentrações populacionais, onde os consórcios entre municípios
viabilizam o compartilhamento de aterros sanitários. Percebe-se que essa
modalidade de atuação ainda tem sido pouco utilizada. Em Minas Gerais, o
governo do estado lançou um edital de parceria público-privada englobando
a região metropolitana, exceto Belo Horizonte, que poderia ser replicado
em outras regiões.
O modelo sugere ainda que, em outras regiões, principalmente no Nor-
te e no Centro-Oeste, o consórcio entre municípios é insuficiente para so-
lucionar, de forma economicamente viável, o problema da destinação dos
RSU apenas via aterros sanitários. Para essas regiões, deve-se verificar a
aplicabilidade de outras tecnologias.
Ressalta-se, portanto, a necessidade de políticas regionais específi-
cas (taylor made) para o tratamento dos RSU, dependendo da região
analisada, uma vez que existem diferenças significativas no perfil de
88 geração de RSU, na distribuição de riqueza e renda, assim como nas
taxas de coleta, destinação e tratamento entre as regiões brasileiras.
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019
(Continua)
(Continuação) 89
Capítulo II – Art. 3 Das definições
Saneamento Ambiental
XI – Gestão Conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os
integrada de resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política,
resíduos sólidos econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e
sob a premissa do desenvolvimento sustentável.
XII – Logística Instrumento de desenvolvimento econômico e social
reversa caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos
e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos
resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento,
em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos ou outra destinação
ambientalmente adequada.
XIII – Padrões Produção e consumo de bens e serviços de forma a atender
sustentáveis de as necessidades das atuais gerações e permitir melhores
produção e consumo condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o
atendimento das necessidades das gerações futuras.
XIV – Reciclagem Processo de transformação dos resíduos sólidos que envolve
a alteração de suas propriedades físicas, físico-químicas ou
biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos
produtos, observadas as condições e os padrões estabelecidos
pelos órgãos competentes do Sisnama e, se couber, do SNVS e
do Suasa.
XV – Rejeitos Resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades
de tratamento e recuperação por processos tecnológicos
disponíveis e economicamente viáveis, não apresenta outra
possibilidade que não a disposição ambientalmente adequada.
XVI – Resíduos Material, substância, objeto ou bem descartado resultante de
sólidos atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se
procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder,
nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos
em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável
o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos
d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente
inviáveis em face da melhor tecnologia disponível.
XVII – Conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos
Responsabilidade fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos
compartilhada consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza
urbana e de manejo dos RSU, para minimizar o volume de
resíduos e rejeitos gerados.
XVIII – Processo de aproveitamento dos resíduos sólidos sem sua
Reutilização transformação biológica, física ou físico-química, observadas as
condições e os padrões estabelecidos pelos órgãos competentes
do Sisnama e, se couber, do SNVS e do Suasa.
XIX – Serviço Conjunto de atividades previstas no art. 7º da Lei nº 11.445,
público de limpeza de 2007.
urbana e de manejo
de resíduos sólidos
90 Anexo II | Princípios e Objetivos (Cap. II, Art.6 e Art. 7, Lei 12.305/10)
Princípios Objetivos
Estimativa de investimentos em aterros sanitários para atendimento de metas
estabelecidas pela Política Nacional de Resíduos Sólidos entre 2015 e 2019
Anexo III | Instrumentos selecionados pelos autores (Cap.II, Art. 8, Lei 12.305/10)
Instrumentos
I – Os planos de resíduos sólidos
II – Os inventários e o sistema declaratório anual de resíduos sólidos
(Continua)
(Continuação) 91
Instrumentos
Saneamento Ambiental
III – A coleta seletiva, os sistemas de logística reversa e outras ferramentas
relacionadas à implementação da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida
dos produtos
IV – O incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras
formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis
V – O monitoramento e a fiscalização ambiental, sanitária e agropecuária
VI – A cooperação técnica e financeira entre os setores público e privado
VII – A pesquisa científica e tecnológica
VIII – Educação ambiental
IX – Incentivos fiscais, financeiros e creditícios
X – O Fundo Nacional de Meio Ambiente e o Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico
XI – Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão de Resíduos Sólidos (Sinir)
XII – Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa)
XIII – Os conselhos de meio ambiente e, no que couber, os de saúde
XIV – Os órgãos colegiados municipais destinados ao controle social dos serviços
de resíduos sólidos urbanos
XV – O Cadastro Nacional de Operadores de Resíduos Perigosos
XVI – Os acordos setoriais
XVII – No que couber, os instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente
XVIII – Os termos de compromisso e os termos de ajustamento de conduta
XIX – O incentivo à adoção de consórcios ou de outras formas de cooperação
entre os entes federados, com vistas à elevação das escalas de aproveitamento e à
redução dos custos envolvidos.
Fonte: Brasil (2010a).
Referências
Abetre – Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos;
FGV – Fundação Getulio Vargas. Estudo sobre os aspectos econômicos e
financeiros da implantação e operação de aterros sanitários. Rio de Janeiro:
FGV, 2009.
Abrelpe – Panorama dos resíduos sólidos no Brasil. 2012. 2013. Disponível em:
<www.abrelpe.org.br>. Acesso em: 11 jun. 2014.
Brasil. Casa Civil da Presidência da República, Lei 12.305, de 2 de agosto de
2010. Diário Oficial da União, 3 ago. 2010a.
Resumo
O presente trabalho traz um panorama da evolução recente do setor de bebi-
das através da análise de dados oficiais de produção, consumo, investimentos
e balança comercial. Além disso, comentam-se as principais características
de mercado que atualmente impactam a competitividade das empresas pro-
dutoras de bebidas. Busca-se, assim, analisar dados e organizar informações
a fim de traçar perspectivas para o setor nos próximos anos.
*
Respectivamente, engenheiro, gerente, economista e estagiários do Departamento de Bens de Consumo,
Comércio e Serviços da Área Industrial do BNDES.
94 Introdução
Este artigo discute alguns dos principais temas relativos ao setor de
O setor de bebidas no Brasil
Bebidas
competição, oferecendo produtos premium destinados ao público da classe
de consumo A. A quinta seção aborda esse fenômeno ao estudar três casos:
cervejas especiais, cachaça artesanal e exploração turística do vinho.
Com demanda correlacionada diretamente ao crescimento econômico e
a novos padrões de consumo, o setor de bebidas possui boas perspectivas
de expansão, sobretudo nos segmentos de maior valor agregado. A última
seção deste artigo, além de apresentar as conclusões, deixa reflexões sobre
os desafios e oportunidades associados ao setor de bebidas.
1
A Lista de Produtos da Indústria (Prodlist-Indústria) é uma lista detalhada de bens e serviços industriais
investigados através da PIA-Produto, elaborada segundo conceitos de harmonização e articulação entre
a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), a Classificação Nacional de Atividades Econômicas
(CNAE) e a Classificação Central de Produtos (Central Product Classification – CPC).
96 Tabela 1 | Composição do setor de bebidas, segundo valor das vendas
e volume produzido – Brasil, acumulado 2005-2011 (em %)
O setor de bebidas no Brasil
Segmento Participação
Na classe No setor
Valor Volume Valor Volume
Refrigerantes e outras 100,0 100,0 45,7 46,5
bebidas não alcoólicas
Refrigerantes 73,1 96,9 33,4 45,1
Preparações em xarope 23,9 0,4 10,9 0,2
para elaboração de
bebidas, para fins
industriais
Bebidas não alcoólicas 1,5 1,8 0,7 0,8
de outros tipos, exceto
guaraná natural, sucos ou
refrescos de frutas
Bebidas isotônicas 1,0 0,6 0,5 0,3
Águas minerais ou 0,3 0,3 0,1 0,1
águas gaseificadas
com adoçantes ou
aromatizantes
Bebidas energéticas 0,1 0,1 0,1 0,0
Preparações em xarope 0,1 0,0 0,0 0,0
para elaboração de
bebidas, exceto para fins
industriais
Malte, cervejas e chope 100,0 100,0 42,7 37,3
Cervejas ou chope 100,0 100,0 42,7 37,3
Aguardentes e outras 100,0 100,0 6,6 5,0
bebidas destiladas
Aguardente de cana- 48,8 79,0 3,2 3,9
de-açúcar (cachaça ou
caninha); rum ou tafiá
Bebidas alcoólicas 24,8 10,6 1,6 0,5
destiladas, de outros tipos
(aguardente de frutas, gim,
genebra etc.)
Uísques 11,2 1,7 0,3 0,1
Vodca 10,7 6,3 0,7 0,3
Aguardente de vinho ou de 4,5 2,5 0,7 0,1
bagaço de uva (conhaque,
brande etc.)
(Continua)
(Continuação) 97
Segmento Participação
Bebidas
Na classe No setor
Valor Volume Valor Volume
Vinhos 100,0 100,0 2,8 1,3
Vinhos de uvas, exceto do 57,9 64,9 1,6 0,8
tipo champanha
Misturas de bebidas 18,5 20,2 0,5 0,3
fermentadas ou de bebidas
não alcoólicas com
fermentadas
Vinhos de uvas frescas, 14,3 6,1 0,4 0,1
tipo champanha
Sidra ou outras bebidas 6,4 5,8 0,2 0,1
fermentadas
Vermutes ou outros 2,9 3,0 0,1 0,0
vinhos de uvas frescas
aromatizados
Águas envasadas 100,0 100,0 2,3 9,9
Águas minerais naturais, 99,2 97,1 2,2 9,7
sem adoçantes ou
aromatizantes, inclusive
gaseificadas
Água purificada 0,8 2,9 0,0 0,3
adicionada de sais
minerais, sem adoçantes
ou aromatizantes, inclusive
gaseificadas
Fonte: IBGE – PIA-Produto.
na quantidade produzida.
(Continua)
(Continuação) 99
Segmento Região natural Total
Bebidas
(%)
Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-
(%) (%) (%) (%) Oeste
(%)
Fabricação de 6 36 37 12 9 100
águas envasadas
Fabricação de 8 24 44 12 11 100
refrigerantes e de
outras bebidas não
alcoólicas
Total emprego no 6 28 43 13 10 100
setor de bebidas
População (2010) 8 28 42 14 7 100
Fontes: MTE – Rais 2012; IBGE – Censo Demográfico 2010.
2
Segundo informação obtida em vista a um grande fabricante, o volume de chope (cerveja não pasteu-
rizada) produzido e consumido no Brasil representa entre 2% e 3% do volume da cerveja.
100
grafico 01
Gráfico 1 | Índice acumulado do crescimento da produção
física de bebidas – Brasil, 2004-2013 (2003=100)
O setor de bebidas no Brasil
160
150
140
130
120
110
100
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
grafico 02
Gráfico 2 | Produção de cervejas – Brasil, 2005-2013 (em milhões de litros)
16.000
14.220 13.937
14.000 13.743
13.043
12.576
12.000
10.849
10.450
9.905
10.000 9.216
8.000
6.000
4.000
2.000
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013*
Bebidas
20.000
18.000 17.540
16.516 16.569 16.908
16.000
13.627 14.171
14.000 13.078
12.000 11.552
10.594
10.000
8.000
6.000
4.000
2.000
0
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013*
1.500
1.143
1.000
473
500 339
352
271
210
0
(264)
(500)
(790)
(1.000)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
as importações cresceram em média 6,9% a.a. e, de 2006 a 2012, essa taxa su-
biu a 15,8% a.a.
O Gráfico 5 desagrega os resultados da balança comercial em três grupos:
bebidas alcoólicas, bebidas não alcoólicas e maltes – principal insumo agríco-
la para a fabricação da cerveja. Na média do período analisado, os grupos de
grafico 05
bebidas alcoólicas e não alcoólicas responderam, respectivamente, por 50%
e 4% do déficit. O restante (46%) foi representado pela importação de maltes.
Gráfico 5 | Composição do déficit da balança comercial
brasileira de bebidas – 2001-2012 (em milhões de US$)
50
0
62
(50)
(100)
(150)
(200)
(250)
(324)
(300)
(350)
(400)
(408) (404)
(450)
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Bebidas
Bebida 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Vinhos 12,40 14,80 17,70 18,90 16,60 18,30 18,50
Destilados 2,70 3,30 3,20 2,80 2,70 3,50 4,40
Refrigerante e 0,25 0,23 0,25 0,29 0,28 0,28 0,43
outras bebidas
não alcoólicas
Cervejas 0,02 0,03 0,06 0,10 0,08 0,10 0,21
Águas 0,06 0,09 0,12 0,14 0,09 0,11 0,19
Fonte: AliceWeb/MDIC.
grafico 06
o Gráfico 6, o consumo brasileiro é inferior apenas ao verificado nos Estados
Unidos da América (EUA) e na China.
Gráfico 6 | Maiores consumidores mundiais de cervejas e
refrigerantes, 2011 (em milhões de hectolitros)
EUA
69% 31%
China
21% 79%
Brasil
57% 43%
México
71% 29%
Alemanha
48% 52%
Refrigerantes Cervejas
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Kirin Beer University (para cervejas) e da IndexMundi
(para refrigerantes).
104 Por outro lado, no que tange ao consumo per capita, os números brasi-
leiros são relativamente tímidos. Ao consumir uma média de 67 litros de
O setor de bebidas no Brasil
A produção de cerveja
Com relação à cerveja, a Tabela 4 lista os dez países que mais produziram
em 2012, conjunto que respondeu por 66,4% da produção mundial. A tabela
também apresenta um comparativo com os respectivos desempenhos no ano
de 2000. Nesse intervalo, Brasil, Rússia e Alemanha alternaram posições
no ranking entre as colocações três e cinco. No entanto, a partir de 2010, o
Brasil consolidou-se como o terceiro maior produtor mundial.
Cabe destacar o grande aumento na produção dos chamados BRICS:
Brasil (+61%); Rússia (+77%); Índia3 (+254%); China (+123%); e África
do Sul4 (+28,6%). Por outro lado, entre os dez maiores produtores, as re-
duções mais acentuadas couberam ao Reino Unido (-24%), Japão (-22%)
e Alemanha (-14%).
Tabela 4 | Principais produtores de cerveja do mundo nos anos 2000 e 2012
3
Índia não figura na tabela, pois ocupa a 20ª posição no ranking 2012.
4
África do Sul não figura na tabela, pois ocupa a 11ª posição no ranking 2012.
(Continuação) 105
País Ranking Produção Market share
Bebidas
(milhões hectolitros) 2012
2012 2000 Variação 2012 2000 Variação Por Acumulado
país
Alemanha 5o 3o ↓2 94,618 110,429 -14,3 4,8 53,5
México 6 o
6o
- 82,500 57,812 +42,7 4,2 57,7
Japão 7o 5o ↓2 55,465 70,998 -21,9 2,8 60,6
Reino 8o 7o ↓1 42,049 55,279 -23,9 2,2 62,7
Unido
Polônia 9o 12o ↑3 37,800 24,000 +57,5 1,9 64,7
Espanha 10o 9o ↓1 33,000 26,400 +25,0 1,7 66,4
Demais 656,135 457,503 +43,4 33,6 100,0
Mundo 1.951,281 1.392,421 +40,1
BRICS 739,900 363,000 +103,8 37,9
Mundo 1.211,381 1.029,421 +17,7 62,1
sem
BRICS
Fonte: Barth-Haas Group.
(milhões de
Por Acumulado
hectolitros)
companhia (%)
(%)
SABMiller** Reino Unido 190,000 9,7 27,8
Heineken Holanda 171,700 8,8 36,6
Carlsberg Dinamarca 120,400 6,2 42,8
China China 106,200 5,4 48,2
Resources
Snow
Breweries Ltd.
Tsingtao China 78,800 4,0 52,3
Brewery Group
Grupo Modelo México 55,800 2,9 55,1
Molson-Coors EUA e Canadá 55,100 2,8 58,0
Yanjing China 54,000 2,8 60,7
Kirin Japão 49,300 2,5 63,3
Demais 717,081 36,7 100,0
companhias
Total 1.951,281
Fonte: Barth-Haas Group.
*
Ainda sem considerar a incorporação do Grupo Modelo, concluída em jun. 2013.
**
Sem considerar a joint venture com a China Resources Snow Breweries Ltd.
O case da Ambev
A Ambev resultou da associação, em 1999, entre a companhia Cervejaria
Brahma e a companhia Antarctica Paulista. Foi criada com o objetivo de se
transformar em uma empresa com atuação multinacional, de porte compatí-
vel com os players já estabelecidos no exterior e em condições de competir
no mercado mundial de cervejas e refrigerantes, em especial na América
Latina. Atualmente, é responsável pelas operações do Grupo AB-Inbev nas
Américas, operando em 14 países.
Quando de sua criação, em 1999, a produção de cerveja das companhias
Brahma e Antarctica foi de aproximadamente 52,3 milhões de hectolitros.6
Segundo dados divulgados pela Ambev, sua produção no país, em 2013,
atingiu 83,0 milhões de hectolitros de cerveja e 30,2 milhões de hectolitros
6
Segundo estatísticas do Sindicerv. Não foi possível encontrar o dado referente a refrigerantes.
Bebidas
hectolitros, considerando todos os produtos comercializados.
Hoje a Ambev possui um parque fabril de 35 plantas no país e 42 no
exterior.8 Sua rede de distribuição no Brasil está presente em aproxima-
damente 1 milhão de pontos de venda (o país possui cerca de 1,2 milhão
de pontos de venda). A estrutura de distribuição nacional está dividida em
uma rede de 153 distribuidores terceirizados exclusivos e um sistema pró-
prio composto de 83 centros de distribuição direta, próximos às grandes
regiões urbanas.
Os fortes investimentos de expansão realizados pela companhia ao lon-
go dos últimos anos contaram, além de captações nos mercados de capital
nacional e internacional, com linhas de crédito disponibilizadas pelos prin-
cipais bancos estrangeiros e brasileiros, entre os quais o BNDES. A classifi-
cação de risco da companhia como “grau de investimento” pelas principais
classificadoras de risco internacionais proporcionou à empresa acesso a
instrumentos adequados de financiamento.
Cadeias produtivas
Uma forma possível de descrever as cadeias produtivas das bebidas in-
dustrializadas consiste em agrupar seus processos em três conjuntos, ten-
do como elo central a fabricação, como elo a montante o fornecimento de
insumos e, por fim, como elo a jusante a distribuição do produto acabado
até o ponto de venda.
Com base nesse critério, as cadeias produtivas dos dois principais pro-
dutos do setor brasileiro de bebidas – cerveja e refrigerante – serão ca-
racterizadas a seguir. As duas bebidas oferecem grandes oportunidades
de economias de escopo e, por esse motivo, são muitas vezes produzidas
em uma mesma unidade industrial. Contudo, seus processos de fabricação
guardam diferenças importantes em nível de complexidade. Dessa forma, o
7
De acordo com relatórios disponibilizados no website da Ambev, a representatividade dos mercados
na receita líquida em 2013 está assim agrupada: Brasil (cervejas – 52,9% e refrigerantes e não carbona-
tadas – 10,4%); América Latina Sul – Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Chile (20,3%); Canadá
(12,2%); e Hila-Ex – El Salvador, Equador, Guatemala, Nicarágua, Peru e República Dominicana (4,1%).
8
Assim localizadas: Argentina (13); Bolívia (8); Canadá (6); Uruguai (4); Peru (2); Paraguai (2);
Guatemala (2); República Dominicana (2); Equador (1); Chile (1); Saint Vicente (1); e Dominica (1).
108 compartilhamento de operações entre as duas bebidas acontece no início da
cadeia, na aquisição de embalagens, e ao fim, quando os produtos entram
O setor de bebidas no Brasil
no sistema de distribuição.
Cerveja – fornecedores
Insumos agrícolas
A cerveja é produzida a partir do malte, produto resultante da germi-
nação parcial dos grãos da cevada. No entanto, a legislação9 brasileira
permite que parte do malte seja substituída por outras fontes de carboi-
dratos fermentáveis, denominadas adjuntos cervejeiros, em uma propor-
ção de até 45% em peso. A lei considera adjuntos cervejeiros os cereais
aptos ao consumo humano e os amidos e açúcares de origem vegetal,
sendo o milho e o arroz os mais empregados pelas cervejarias brasilei-
ras. Dessa forma, a cadeia produtiva da cerveja se inicia no campo, com
a possibilidade de utilização dos insumos agrícolas que oferecerem os
melhores preços.
Maltarias
Depois de colhida – entre fim de outubro e início de dezembro, no
Brasil –, a cevada segue para a maltaria. Nessa etapa, os grãos recebem água,
a fim de desencadear um processo de germinação. Estocados em ambiente
com temperatura e umidade controladas, a germinação é interrompida por
meio de secagem. Após um processo de torrefação, a cevada está transfor-
mada em malte.
A produção das maltarias brasileiras atende a cerca de um terço da deman-
da interna, e está concentrada em quatro unidades industriais: Rio Grande
do Sul (2); Paraná (1); e São Paulo (1). Como visto na seção sobre a ba-
lança comercial, o malte é um produto em que o Brasil é deficitário. Entre
os anos de 2005 a 2012, as importações líquidas cresceram a uma taxa de
24% a.a., totalizando no acumulado do período um déficit de aproximada-
mente US$ 2 bilhões. Os grandes volumes são provenientes do Uruguai e
da Argentina, contudo, a produção das chamadas cervejas gourmet e cer-
vejas artesanais demanda maltes específicos, provenientes em sua maioria
de países da Europa.
9
Decreto 6.871, de 4 de junho de 2009, Art. 36.
As companhias que adotam a estratégia de verticalização costumam 109
possuir maltarias próprias. É o caso da empresa líder do setor no Brasil
Bebidas
(Ambev S.A.), que possui duas maltarias no Rio Grande do Sul, duas no
Uruguai e três na Argentina.
Máquinas e equipamentos
Os principais bens de capital empregados nas cervejarias consistem em
silos de armazenagem, moinhos, filtros, tanques, caldeiras, trocadores de
calor e esteiras. Esse maquinário é comum a outras indústrias, principal-
mente as do setor de alimentos. Seu estágio tecnológico é considerado ma-
duro, e as principais fontes de melhoria estão relacionadas a temas como
diminuição do consumo de água e de energia e redução das emissões de
CO2 e de resíduos.
Com relação aos equipamentos de envase, cabe ressaltar que as grandes
empresas, que operam fábricas com linhas de alta velocidade de enchimento
de latas e garrafas, dispõem de poucas opções de fornecedores. Tais máqui-
nas possuem um conteúdo tecnológico dominado por poucos fabricantes10
de atuação mundial. Já as unidades produtivas de menor capacidade podem
contar com fornecedores locais.
Embalagens
O suprimento para embalagens envolve garrafas de vidro, rótulos, rolhas
metálicas (“tampinhas” para garrafas) e latas de alumínio. A empresa líder do
setor verticaliza toda sua necessidade de rótulos e rolhas metálicas e parte de
sua necessidade de garrafas. O restante da demanda da indústria cervejeira é
atendido por empresas atuantes no Brasil. Também são fornecidos pelo mer-
cado interno materiais como caixa-cartão, engradados, pallets, filmes plásti-
cos, entre outros.
Cerveja – fabricação
Cervejarias de grande porte
Embora existam variações de aromas e sabores entre as cervejas fabri-
cadas pela grande indústria e aquelas produzidas por microcervejarias, ou
mesmo por cervejeiros artesanais, elas são produzidas seguindo basicamente
10
Os principais fabricantes são: Krones (Alemanha); KHS (Alemanha); e Sidel (Suíça).
110 o mesmo processo de fabricação. A descrição de um processo genérico pode
ser sintetizada em quatro etapas: mostura; fervura; fermentação; e maturação.
O setor de bebidas no Brasil
Microcervejarias
Em uma indústria caracterizada pela concentração de mercado, as micro-
cervejarias vêm despontando regionalmente. Estima-se que o Brasil possua
cerca de duzentas microcervejarias. A maior parte delas está localizada nas
regiões Sul e Sudeste, porém a atividade vem se tornando popular nas de-
mais regiões do país.
11
Lúpulo é a flor de uma planta trepadeira, responsável pelo aroma e amargor característicos da cerveja,
além de atuar como conservante natural. Embora seja um insumo totalmente importado, sua participação
no valor da produção da cerveja é marginal.
12
Levedura é um fermento natural responsável pela transformação dos açúcares do malte em álcool
e gás carbônico.
As microcervejarias, em sua maioria, prezam pelo cumprimento da Lei 111
Alemã de Pureza,13 com o objetivo de ofertar no mercado uma bebida ela-
Bebidas
borada e de características especiais, sem visar à concorrência em preço
com as marcas das grandes companhias.
O crescimento da renda da população tem sido um fator importante para
a migração dos consumidores para produtos mais caros. Contudo, em vir-
tude do limitado raio de distribuição, esses fabricantes costumam atender
apenas ao município onde estão instalados.
Cervejeiros artesanais
Os cervejeiros artesanais são apreciadores da bebida que exercem a pro-
dução como um hobby. Trata-se de um mercado para os insumos da fabrica-
ção artesanal, e não da bebida em si. Apesar de ainda incipiente no Brasil,
se comparado às experiências vistas nos EUA e na Europa, o comércio de
maltes, leveduras e lúpulos especiais – em sua maioria importados – é uma
atividade que tem apresentado bom ritmo de crescimento no país.
Cerveja – distribuição
O modelo de distribuição usual das grandes cervejarias consiste em
dois canais: centros próprios de distribuição direta e contratos com em-
presas terceirizadas. Através dos centros próprios de distribuição direta, as
companhias atendem a importantes clientes das grandes regiões urbanas.
Já as distribuidoras contratadas buscam os produtos diretamente nas fá-
bricas para realizar outras entregas. O comércio atacadista completa esse
elo da cadeia atuando nos pontos de venda que não são atendidos direta-
mente pelos centros de distribuição ou pelas distribuidoras terceirizadas.
Refrigerante – fornecedores
Matérias-primas
Os refrigerantes são bebidas constituídas basicamente pela mistura de
quatro ingredientes: água; açúcar (ou edulcorantes); extratos concentrados
e gás carbônico. Participam também substâncias coadjuvantes, principal-
mente conservantes, acidulantes e antioxidantes.
13
A Lei Alemã de Pureza limita em quatro os ingredientes utilizados na fabricação da cerveja: água,
lúpulo, malte (de cevada ou de trigo) e levedura. É proibido o uso de qualquer conservante ou cereal
não maltado.
112 Os extratos concentrados são os responsáveis pelas características
de cor, aroma e sabor dos refrigerantes. Os tipos mais consumidos no
O setor de bebidas no Brasil
Brasil são o tipo cola, o guaraná e o sabor frutas (laranja, limão, uva
etc.). São produzidos em unidades industriais próprias – principalmen-
te a fim de guardar sua fórmula sob segredo industrial – e depois entre-
gues aos fabricantes de refrigerantes. Como visto na seção sobre o perfil
da produção brasileira, os xaropes concentrados apresentam alto valor
agregado. Na classe de refrigerantes e outras bebidas não alcoólicas, res-
ponderam, no período analisado, por 24% do valor da produção e apenas
0,4% do volume.
O açúcar é utilizado para conferir sabor doce e encorpar a bebida. É
totalmente adquirido no mercado interno e possui preço atrelado a cota-
ções internacionais e ao dólar. Nos refrigerantes de baixa caloria, o açúcar
é substituído por edulcorantes, sendo os mais empregados a sacarina e o
ciclamato. Os edulcorantes também são adquiridos no mercado interno.
O dióxido de carbono é um gás industrial de inúmeras aplica-
ções. É um insumo que pode ser comprado de empresas fornecedoras,
ou produzido dentro da própria fábrica de refrigerantes. Injetado nas
bebidas – processo conhecido como carbonatação –, sua função é realçar
o paladar e a aparência do produto. A expansão do gás quando o líquido é
ingerido confere a sensação de refrescância característica dos refrigerantes.
Máquinas e equipamentos
Os bens de capital empregados consistem em tanques, filtros, equipa-
mentos de geração de frio, carbonizadores (máquinas que injetam o gás
carbônico no líquido), esteiras, sopradores de pré-formas de embalagens
PET, entre outros. Tais equipamentos são comuns a outras indústrias, sua
tecnologia é difundida e podem ser adquiridos internamente.
Da mesma forma que na cadeia produtiva da cerveja, no que se refe-
re ao maquinário de envase em linhas de alta velocidade nas grandes fá-
bricas, são poucas as opções de fornecedores, e os principais fabricantes
são estrangeiros. Já as unidades produtivas de menor capacidade podem
contar com fornecedores locais, principalmente para o envase de emba-
lagem PET.
Embalagens 113
Os refrigerantes são envasados em garrafas de vidro, latas de alumínio
Bebidas
e predominantemente em embalagens PET.14 O PET inicia seu processo
em uma fábrica de bebidas em pré-forma, que consiste em um tubo de
pequenas dimensões que é aquecido e soprado dentro de um molde, no
formato da garrafa que receberá a bebida. Em grandes fábricas, o PET
chega em granulado, para ser transformado em pré-forma. As garrafas de
vidro e as latas de alumínio também são adquiridas no mercado nacional,
bem como engradados, pallets e filmes plásticos.
Refrigerante – fabricação
Grandes fabricantes
A produção dos refrigerantes resume-se à mistura de poucos ingre-
dientes, sendo consideravelmente simples se comparada à fabricação das
cervejas. Apesar de os grandes fabricantes e pequenas empresas regio-
nais diferirem substancialmente quanto à escala de produção, o proces-
so de fabricação é basicamente o mesmo, consistindo na diluição dos
extratos concentrados em água carbonatada e adoçada (com açúcar ou
edulcorantes). Também são adicionados antioxidantes, que previnem a
influência negativa do oxigênio na bebida, acidulantes, que realçam o
sabor, e conservantes.
Os grandes fabricantes responderam em 2013 por aproximadamen-
te 78% do market share do mercado de refrigerantes. A maior com-
panhia mundial está presente no Brasil desde 1942. A The Coca-Cola
Company atua no país através do Sistema Coca-Cola Brasil, formado pela
Coca-Cola Brasil em parceria com grupos empresariais independentes,
chamados de fabricantes autorizados. Em regime de franquia, essa estru-
tura deteve em 2013 aproximadamente 60% de market share no mercado
brasileiro de refrigerantes.
A Ambev S.A., por sua vez, possui instalações próprias para a fabri-
cação de suas marcas e também é responsável pela produção e distribui-
ção dos produtos da PepsiCo no Brasil. A companhia adota a estratégia
da verticalização na produção do guaraná utilizado na fabricação de seu
Como será visto mais à frente, dados do Sicobe mostram que 77% do volume de refrigerante produzido
14
Fabricantes regionais
As empresas de menor porte, fabricantes das chamadas “tubaínas”
ou refrigerantes de “marca B”, representaram aproximadamente 22% do
market share de refrigerantes em 2013. De atuação regional, elas atendem
à demanda próxima de suas fábricas, uma vez que não possuem sistemas
de distribuição como os das grandes companhias. A introdução das emba-
lagens PET foi o grande impulso ao crescimento desse tipo de fabricante,
que pôde colocar seus produtos em supermercados, em embalagens de
grande volume.
Refrigerante – distribuição
Refrigerantes e cervejas produzidos pelas grandes companhias são es-
coados através dos mesmos canais: centros próprios de distribuição direta
e via empresas distribuidoras contratadas. Já os refrigerantes “tubaínas”
realizam entregas diretas a pontos de venda próximos às fábricas, especial-
mente supermercados, e contam com os comércios atacadistas para escoar
o restante da produção.
Bebidas
Cerveja Refrigerante
Outras
Heineken 1,6%
8,4% Ambev/Pepsi
18,4%
Brasil Kirin
10,8% Ambev Coca-Cola
67,9% 59,9%
Petrópolis
11,3%
Outros
21,7%
Fonte: Ambev.
Distribuição
Outra grande barreira à entrada de novos competidores no setor de
bebidas é a distribuição. Nesse elo da cadeia, a competição entre as
companhias é agressiva, e não raro ela chega a ser motivo de dispu-
tas judiciais, quando acordos de distribuição são caracterizados como
concorrência desleal.
A eficiência logística dos fabricantes nacionais, que vencem o desa-
fio de levar suas bebidas a milhares de pontos de vendas espalhados pelo
Brasil, é talvez a principal barreira à entrada de companhias internacio-
nais. Fusões, aquisições e parcerias acabam sendo a melhor estratégia para
empresas estrangeiras ingressarem no mercado interno, que conta com
algo em torno de 1,2 milhão de pontos de venda.
Grandes centros de distribuição próprios e acordos com várias reven-
das terceirizadas são o modelo usual entre os maiores fabricantes de be-
bidas. Além disso, a atuação de equipes de vendas providas de sistemas 117
on-line de registro de pedidos é crucial para a distribuição alcançar agili-
Bebidas
dade na entrega a custos competitivos. Algumas companhias adotam prá-
ticas de compartilhamento de caminhões com outras empresas, inclusive
de fora do setor de bebidas. Os exemplos mais comuns incluem parcerias
com fabricantes de alimentos e outros produtos comercializados nos mes-
mos pontos de venda.
Construção de pavilhões para estocagem, aquisição de frota de cami-
nhões e equipamentos de movimentação de carga são os itens de maior
participação nos investimentos das empresas que firmam contratos de dis-
tribuição com os fabricantes.
Embalagens
As estratégias de concorrência de mercado entre as principais compa-
nhias incluem as embalagens nas quais os produtos são envasados. O design
de recipientes é uma importante ferramenta para os fabricantes atingirem
diferentes classes de consumidores, seja em razão do apelo visual atribuído
ao produto, seja atendendo a preferências e hábitos de consumo. Além dis-
so, o uso de determinados tamanhos, materiais e formatos é um facilitador
para a distribuição.
Com base nos dados fornecidos pelo Sicobe, da Receita Federal, expres-
sos na Tabela 7, os tipos de embalagens utilizados para envase de cervejas
e refrigerantes ficaram assim distribuídos:
Tabela 7 | Tipos de embalagens utilizados para o envase de
cervejas e refrigerantes (em %), por região brasileira
Cervejas (2010-2014)
Brasil Norte Nordeste Centro- Sudeste Sul
Oeste
Lata 39 34 30 48 41 43
Vidro 58 66 69 52 55 52
retornável
Vidro 3 1 2 0 4 4
descartável
e outros
(Continua)
118 (Continuação)
Refrigerantes (2010-2014)
O setor de bebidas no Brasil
Bebidas
e na maioria das regiões, o país tem um ambiente ideal para o consumo
de bebidas geladas. O contingente populacional, com aproximadamente
202 milhões de pessoas (em maio de 2014), também se configura em grande
demanda potencial, especialmente por boa parte da população ser jovem.
Tendo em vista essas condições naturais, o crescimento da renda da
população é o principal propulsor das vendas das companhias de bebidas.
Uma vez que os produtos do setor não são itens de primeira necessidade nas
escolhas de consumo das pessoas, o aumento do poder aquisitivo é o fator
que materializa o potencial natural da demanda brasileira.
Com base na relação observada, por meio do Gráfico 8, entre o cresci-
mento do PIB e o crescimento das vendas dos principais produtos do setor
(cervejas e refrigerantes), tem-se uma amostra de como a demanda interna
pode responder de forma elástica ao incremento da renda, ao que se acres-
centam os movimentos redistributivos que, independentemente de variações
na renda total, têm gerado camadas médias de consumo de produtos não
essenciais por meio da migração de famílias das classes de consumo E e D
grafico 08
para as classes C e B.
Gráfico 8 | Crescimento acumulado do PIB e das vendas
de cervejas e refrigerantes – Brasil, 2005-2011
170
160 158
150 149
140
130 128
120
110
100
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Cervejas especiais
Embora não haja uma definição universalmente aceita do que se conven-
cionou chamar de cervejas especiais, pode-se dizer que estas compreendem
as variedades produzidas a partir de matérias-primas superiores, por meio
de processos produtivos que primam pela qualidade do produto final. Já as
cervejas artesanais, um subconjunto das especiais, são definidas por crité-
rios mais objetivos. Segundo a Brewers Association, as cervejas artesanais
são aquelas produzidas em baixa escala (até 6 milhões de barris por ano),
por produtores independentes (o mestre cervejeiro detém, pelo menos, 75%
do capital da cervejaria) e sob a égide de determinada tradição, que pode
ser entendida como a perpetuação de características singulares do produto.
O consumo dessas cervejas apresenta alta elasticidade-renda, e a pre-
ferência dos consumidores por esses produtos é pautada mais por critérios
de qualidade e de diversidade de ingredientes, aromas e sabores do que
por seu preço em si. Sua demanda também é influenciada pelo desejo de
diferenciação, isto é, pelo status social proporcionado pelo consumo de
rótulos especiais. Inclui-se aí o consumo personalizado, isto é, a demanda
por rótulos desenvolvidos sob encomenda, que atendem a especificações
elaboradas pelos clientes.
A produção e o consumo de cervejas especiais no Brasil vêm crescen-
do a um ritmo acelerado nos últimos anos. Segundo matéria publicada na
Folha de São Paulo,15 no período 2007-2013, as vendas de cervejas espe- 121
ciais fabricadas no país cresceram 131%, enquanto as de cervejas de origem
Bebidas
importada cresceram 184%. O aumento do poder aquisitivo das famílias,
a melhoria da distribuição de renda e a sofisticação do padrão de consu-
mo (que tipicamente acompanha esses processos) são os principais fatores
explicativos desse fenômeno. Apesar disso, em comparação com outros
países, em especial os EUA, onde as cervejas artesanais representaram
7,8% do volume e 14,3% do faturamento do mercado cervejeiro em 2013
(Brewers Association), o mercado brasileiro ainda é pouco expressivo: no
mesmo ano, a Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) estima que o vo-
lume produzido de cervejas artesanais no Brasil tenha respondido por me-
nos de 1% do total.
O mercado de cervejas especiais no Brasil é composto pelas artesanais
(nacionais e importadas) e por cervejas de qualidade superior, controladas
por grandes grupos, como a Baden Baden e a Eisenbahn. A produção na-
cional de cervejas especiais é empreendida, principalmente, em microcer-
vejarias e em cervejarias de médio porte. Segundo o Portal Cervesia16 e o
Sindicerv, em 2011 o Brasil contava com cerca de 170 microcervejarias e
trinta cervejarias regionais. A maior parte das empresas do país está loca-
lizada nas regiões Sul e Sudeste (80%), com destaque para os estados de
São Paulo (24%), Rio Grande do Sul (17%) e Santa Catarina (13%). Essas
regiões concentram também a maior parte da produção domiciliar, isto é,
os microprodutores caseiros, que distribuem seus produtos para clubes de
cerveja, ou desenvolvem a atividade como um hobby.
A comercialização das cervejas especiais é realizada principalmente por
meio de lojas especializadas, bares e clubes de cerveja, ou diretamente por
algumas cervejarias. No entanto, a oferta de rótulos em redes de supermer-
cados tem se tornado cada vez mais comum. Ao contrário da grande indús-
tria, cuja diferenciação depende de vultosos investimentos em marketing,
os produtores de cervejas especiais adotam outras estratégias para divulgar
seu portfólio: matérias em revistas especializadas, concursos, feiras regio-
nais, nacionais e internacionais, formação de beers sommeliers e cursos
de cervejeiro. Ressalte-se que as revistas, os concursos e feiras cumprem
15
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/01/1400627-cerveja-premium-ganha-
-espaco-ate-em-favelas-brasileiras.shtml>. Acesso em: 9 jun. 2014.
16
<www.cervesia.com.br>.
122 não só a função de divulgar e difundir rótulos, mas também de estimular
a criação e o aperfeiçoamento de receitas e de influenciar as preferências
O setor de bebidas no Brasil
dos consumidores.
Na atual conjuntura, espera-se que o mercado de cervejas especiais,
bem como sua produção nacional industrial e caseira, continue se expan-
dindo a um ritmo acelerado. De acordo com a Abrabe, a perspectiva do
mercado é de que o market share das cervejas artesanais suba, em até dez
anos, para 2%.
Cachaça artesanal
A bebida alcoólica tipicamente associada ao Brasil, conhecida por di-
versos nomes populares, como cachaça, aguardente, pinga, caninha, bran-
quinha etc., possui dez variedades, segundo a legislação brasileira. A maior
parte delas corresponde a atributos (adição de açúcar e tempo envelheci-
mento) imputados aos dois tipos básicos da bebida: a aguardente de cana e
a cachaça. Segundo a Instrução Normativa 13, de 29 de junho de 2005, do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a primeira é definida
como a bebida com graduação alcoólica de 38% a 54%, a 20ºC, obtida do
destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar ou pela destilação do mosto
fermentado do caldo de cana-de-açúcar. A segunda é a denominação típica e
exclusiva da aguardente de cana produzida no Brasil, com graduação alcoó-
lica de 38% a 48%, a 20ºC, obtida pela destilação do mosto fermentado do
caldo de cana-de-açúcar, com características sensoriais peculiares, poden-
do ser adicionada de açúcares até 6 g/l. Com vistas a simplificar a análise,
o presente trabalho utilizará a denominação “cachaça” para representar as
supracitadas variedades existentes.
Boa parte da população brasileira tem a visão de que a cachaça é um pro-
duto forte, de qualidade inferior a destilados típicos de outros países, como
o uísque. Essa ideia é diretamente relacionada com a alta percentagem do
consumo da chamada cachaça industrial no país, cujos preços convidativos
e o maior acesso aos canais de distribuição as tornam mais presentes no
comércio varejista do Brasil. Contudo, há outro segmento do mercado de
cachaça, o das bebidas artesanais, que, por contar com produtos de alta qua-
lidade e preços inferiores aos produtos premium do mercado internacional,
possui potencial de expansão, tanto no mercado interno como no externo.
A cachaça industrial é produzida em larga escala por meio de equipa- 123
mentos conhecidos por colunas de destilação que, em geral, são fabricados
Bebidas
de aço inoxidável, material que compromete algumas características sen-
soriais do produto final. Já a cachaça artesanal geralmente é produzida em
alambiques de cobre, material dotado de propriedades que resultam em uma
bebida mais fina quanto a sabores e aromas.
Características próprias dos processos de fabricação também influen-
ciam no diferencial de qualidade dos produtos obtidos por métodos indus-
triais e artesanais. Rota (2008) explica que, durante a produção da cachaça
artesanal, a destilação do mosto é empreendida de forma descontínua, per-
mitindo melhor eliminação de compostos secundários. Nesse processo,
a separação das substâncias dotadas de diferentes graus de volatilidade é
realizada em distintas etapas. O volume destilado é separado em três par-
tes: a cabeça, onde estão as substâncias mais voláteis (de pior qualidade),
a cauda, onde estão as substâncias menos voláteis (também de baixa qua-
lidade), e o coração, que é a fração intermediária e mais nobre. Esta última
parte corresponde a aproximadamente 80% do volume total destilado. Já a
produção industrial é empreendida de forma contínua. Esse processo conta
com a vantagem de ser relativamente rápido, porém tem como consequên-
cia uma separação menos apurada da parte nobre da cachaça, acarretando
perda de qualidade.
Em função de economias de escala na produção, o custo médio da cacha-
ça industrial é inferior ao da artesanal, o que implica em uma segmentação
do público-alvo desses produtos. A primeira geralmente é consumida por
pessoas de menor poder aquisitivo, enquanto a segunda é mais demandada
pelo público de renda relativamente elevada, que foca mais a qualidade do
produto que seu preço.
O Brasil possui uma capacidade de produção de cachaça da ordem de
1,4 bilhão de litros anuais, segundo informações da ExpoCachaça.17 A maior
parte dessa capacidade (mais de 80%) destina-se a obter a bebida pelo mé-
todo industrial. O estado de São Paulo destaca-se como o maior produtor
por esse método, enquanto Minas Gerais lidera a produção artesanal.
De acordo com o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), existem no
país cerca 40 mil produtores de cachaça, dos quais 98% são constituídos de
6 jun. 2014.
124 micro e pequenos empresas (MPME). Estima-se que 85% dessas MPME
encontram-se operando de maneira informal. Um dos desafios para tornar
O setor de bebidas no Brasil
18
Disponível em: <http://www.sebraemercados.com.br/oportunidades-para-a-cachaca-no-mercado-
-interno-e-externo/>. Acesso em: 6 jun. 2014.
deiras, a instalações destinadas à produção e ao armazenamento de vinhos, 125
além de lojas, bares ou restaurantes dedicados à venda, à degustação ou à
Bebidas
harmonização da bebida com pratos especiais.
Além de ampliar as receitas dos produtores, o enoturismo gera exter-
nalidades positivas para a região em que é desenvolvida. O turismo na
Serra Gaúcha, por exemplo, antes concentrado nas cidades de Gramado e
Canela, vem ampliando suas fronteiras, dado o desenvolvimento do eno-
turismo no Vale dos Vinhedos, região que compreende os municípios de
Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul. Valduga (2012) des-
taca que, a reboque do enoturismo, algumas atividades da região vêm
apresentando crescente dinamismo, sobretudo pequenas firmas como res-
taurantes, queijarias, hotéis etc. Em 2011, a região recebeu 228 mil pes-
soas, um aumento de mais de 60% em relação a 2007, evidenciando o
progresso do setor.
Além dos passeios turísticos, o enoturismo no Brasil conta também com
eventos tradicionalmente realizados em regiões produtoras. Dentre eles,
destacam-se, a Festa Nacional do Vinho, a Festa do Champanha, a Festa da
Vindima e a Festa Nacional da Uva. Esta última corre desde a década de
1930 e em 2013 mais de 600 mil pessoas passaram por ela.
A despeito dos bons resultados já obtidos pelo enoturismo na Região
Sul do Brasil, ainda há espaço para sua ampliação. Em roteiros tradicio-
nais da Europa, sobretudo da França, Espanha, Portugal e Alemanha, o
enoturismo chega a competir com visitações a museus e importantes mo-
numentos históricos. Reconhecendo o potencial do enoturismo no Brasil, o
Ministério do Turismo vem promovendo algumas iniciativas que contem-
plam incentivos ao setor. O projeto Talentos do Brasil Rural busca promo-
ver a comercialização de produtos e serviços da agricultura familiar. Entre
os roteiros que o integram, estão incluídos o Caminhos do Vinho (PR) e o
Vale dos Vinhedos (RS). O projeto Economia da Experiência tem por obje-
tivo fortalecer os pequenos negócios, apoiando os empreendedores locais
agregando valor aos produtos turísticos do país. Nesse projeto, a Região da
Uva e Vinho novamente se faz presente. Por fim, o ministério divulgou um
mapa completo do Brasil, por meio do qual analisa o turismo por unidade
da federação. Nesse estudo, o Vale do São Francisco, na Bahia, é apontado
como nova fronteira para o enoturismo do país.
126 O apoio do BNDES
Os financiamentos do BNDES para o setor de bebidas tiveram um
O setor de bebidas no Brasil
1.600
1.400
1.200
1.000
800
600
400
200
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: BNDES.
Bebidas
de bebidas 2005-2007 2008-2010 2011-2013
Aguardentes e 3,0 2,7 3,2
outras bebidas
destiladas
Águas envasadas 1,5 1,7 4,1
Fontes: BNDES; IBGE – PIA-Produto.
Considerações finais
Os números apresentados no presente trabalho evidenciam a importância
da produção de bebidas para a economia brasileira. Com importante contri-
buição para o valor adicionado da indústria de transformação, o volume de
produção coloca o Brasil na terceira posição entre os maiores produtores
e consumidores de cervejas e refrigerantes no mundo. O setor é relevante
também em função do número de pessoas que emprega, bem como pela
distribuição regional de suas plantas produtivas, que favorece a criação de
postos de trabalho por todo o território nacional.
O setor destaca-se ainda como um notório exemplo de uma indústria
tradicional que soube aproveitar bem as oportunidades geradas pelo cres-
cimento econômico brasileiro nos últimos anos e pela emergência de uma
nova classe de consumo no país. Reconhecendo o quadro econômico favo-
rável, as empresas do setor investiram em capacidade produtiva, obtiveram
ganhos de produtividade e ampliaram a variedade de produtos ofertados.
Como consequência, as vendas do setor cresceram proporcionalmente mais
do que o PIB do país.
128 Ainda que a conjunção de eventos tão favoráveis a essa indústria não
venha a ocorrer em um futuro próximo, a indústria de bebidas conta ainda
O setor de bebidas no Brasil
Referências
Abrabe – Associação Brasileira de Bebidas. Categorias. Disponível em:
<http://www.abrabe.org.br/categorias/>. Acesso em: 9 jun. 2014.
Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução
Normativa 13, de 29 de junho de 2005. Dispõe sobre os destilados de
cana. Diário Oficial da União, 30 jun. 2005.
Brewers Association. Brewers Association: craft continues to brew
growth. Press Releases. Boulder, 18 mar. 2013. Disponível em:
<http://www.brewersassociation.org/pages/media/press-releases/
show?title=brewers-association-craft-continues-to-brew-growth>. Acesso
em: 4 jun. 2014.
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Figueiredo, R. Diferenças entre Cachaça Artesanal X Cachaça Industrial.
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mapadacachaca.com.br/artigos/diferencas-entre-cachaca-artesanal-e-
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Disponível em: <http://www.brewsnews.com.au/2011/01/what-is-craft-
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Reinold, R. M. O mercado cervejeiro brasileiro atual: potencial de
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Telles, D. Dossiê Cerveja Artesanal. Revista Galileu, Porto Alegre,
n. 270, p. 30-41, jan. 2014.
Valduga, V. O desenvolvimento do enoturismo no Vale dos Vinhedos.
Revista de Cultura e Turismo, Ilhéus, n. 2, jun. 2012.
Sites consultados
Alambique da Cachaça – <www.alambiquedacachaca.com.br>.
ExpoCachaça – <www.expocachaca.com.br>.
Aeronáutica
BNDES Setorial 40, p. 131-162
Resumo
O setor de transporte aéreo apresenta muitas especificidades, notada-
mente quanto aos aspectos econômicos e operacionais das empresas.
Nesse contexto, o presente artigo apresenta os principais indicadores
econômico‑operacionais utilizados no mercado, a fim de situar determina-
da empresa ou grupo de empresas em seu espaço de atuação. Indicadores
como ASK, RPK, load factor, RASK, CASK, utilização diária da frota,
etapa média, peso da conta de combustível, entre outros, são muito utili-
zados no mercado. Valores típicos desses indicadores, tanto para empre-
sas como agregados para países como o Brasil e os Estados Unidos da
América (EUA), são exibidos e comentados. Isso permite obter-se um
quadro inicial mais completo que serve de base para a subsequente análise
econômico-financeira, pilar para a concessão (ou não) do crédito bancário.
Na conclusão, o artigo aponta que o RASK e o CASK são os dois indica-
dores mais importantes de todos e mostra o porquê disso.
Aeronáutica
cipais indicadores de desempenho econômico-operacional das empresas de
transporte aéreo e, assim, permitir que a análise, feita por meio desses in-
dicadores, leve rapidamente à composição do quadro econômico-operacio-
nal associado a qualquer empresa aérea – ou mesmo ao setor –, seja em
sua expressão por país, por região do mundo ou mesmo de forma global.
É importante destacar que, no setor de transporte aéreo, a análise de de-
sempenho econômico-operacional, assunto deste artigo, forçosamente prece-
de a análise baseada em indicadores financeiros, ou seja, aquela com fulcro
nas demonstrações financeiras consolidadas. Isso porque essa última análise
é vista como o desdobramento final da primeira e só poderá ser entendida,
em sua plenitude, de forma conjunta com aquela. Tal particularidade do se-
tor de transporte aéreo deve-se a sua natureza essencial e às especificidades
a ela associadas.
Tanto isso é verdade, que boa parte dos indicadores que serão aqui
apresentados integra uma convenção, assinada pela maior parte dos países,
inclusive pelo Brasil. Conhecida como a Convenção de Chicago de 1944,
esta foi, na verdade, a ocasião que fundou a Organização da Aviação Civil
Internacional (ICAO, na sigla em inglês) – órgão vinculado à Organização
das Nações Unidas (ONU), com sede em Montreal, no Canadá. Por com-
promisso entre os estados-membros que integram a ICAO, a autoridade
aeronáutica de cada país fornece, anualmente, ao banco de dados daquela
organização os valores dos principais indicadores econômico-operacionais
que são o objeto deste artigo, apurados por empresa aérea e também de
forma agregada para o país.
Isso faz com que o transporte aéreo seja um dos ramos da atividade
econômica mundial com mais disponibilidade de dados acerca de seu de-
sempenho ao longo do tempo. Complementando a proposta mencionada an-
teriormente, popularizar as análises que se tornam possíveis por meio de
indicadores econômico-operacionais é, assim, o outro objetivo do presente
artigo. Além disso, serão apresentadas comparações entre valores de indi-
cadores de empresas americanas e brasileiras, elaboradas com base em da-
dos publicados pela ICAO, demonstrativos financeiros de empresas aéreas
e dados extraídos do banco de dados The Airline Analyst.
134 O artigo encontra-se dividido em quatro seções, com esta introdução.
Na segunda, são apresentados os conceitos dos indicadores de tráfego, eco-
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos
Indicadores de tráfego
Entende-se por tráfego, em transporte aéreo, a movimentação de pes-
soas, carga aérea, mala postal etc., enfim, tudo aquilo que se desloca pelo
ar, por meio de aeronave comercial, de um local A para outro local B.
Desnecessário dizer que praticamente todo esse tráfego é pagante, porém,
por diversos motivos, as empresas transportam sempre um resíduo de trá-
fego não pagante, boa parte do qual é constituído por seus próprios em-
pregados em deslocamentos entre as bases da empresa. Compreendendo-se
assim que o transporte aéreo envolve tanto pessoas como coisas sendo
deslocadas espacialmente, chega-se à formulação do que constitui oferta –
de serviços de transporte aéreo – e demanda – por viagens aéreas, sinteti-
zadas por meio dos dois indicadores fundamentais do setor: ASK e RPK.
Aeronáutica
De Revenue pax.km (passageiros pagantes Para as americanas, é o RPM
demanda: transportados vezes quilômetros): (converter usando o fator 1,609,
RPK resultado da multiplicação do número como em ASK). É um número
de passageiros pagantes transportados cuja ordem de grandeza situa-se na
pela distância percorrida em cada casa dos bilhões para a maioria das
voo. É, assim, o número de unidades empresas aéreas.
vendidas pela empresa ao longo do
ano na modalidade transporte
de passageiros.
Fonte: Elaboração própria.
grafico 01
Gráfico 1 | Evolução da oferta (ASK), da demanda (RPK) e do aproveitamento (LF)
das empresas brasileiras, no período de 2007 a 2012
90
160
85
140
80
120
74,5%
ASK e RPK (bilhões)
72,4% 75
60
40
55
20
50
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
grafico 02
Gráfico 2 | Evolução da oferta (ASK), da demanda (RPK) e do aproveitamento (LF)
das empresas norte-americanas, no período de 2007 a 2012
1.800 90
1.600
82,2% 82,2% 82,9% 85
80,1% 79,8% 80,5%
1.400 80
1.200
ASK e RPK (bilhões)
75
Load factor (%)
1.000
70
800
65
600
60
400
200 55
0 50
2007 2008 2009 2010 2011 2012
Aeronáutica
Indicador Definição Observação
grafico 03
Gráfico 3 | Pax transportados nos mercados domésticos brasileiro e americano no
período de 2007 a 2012
600
191% 200
177%
500
Pax transportados (milhões)
150%
150
400
125%
118%
300 100% 95% 97% 98% 100%
92% 100
200
89 50
100 69 82
45 52 57
0 0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
Aeronáutica
300 70
68
ATK e RTK (milhões de toneladas-quilômetros)
250
66
64
200 62,4% 62,5%
61,9%
60,8% 61,0% 62
60,4%
LF-geral (%)
150 60
58
100
56
54
50
52
0 50
2007 2008 2009 2010 2011 2012
70
20
18 68
ATK e RTK (milhões de toneladas-quilômetros)
16 66
14 63,2% 63,4% 64
12 62
LF-geral (%)
10 59,0% 60
57,6%
8 58
6 56
53,6% 53,0%
4 54
2 52
0 50
2007 2008 2009 2010 2011 2012
Indicadores econômicos
Aeronáutica
RASK Sigla de revenue per Quando comparado ao custo por
(RASM nos available seat.km ou revenue ASK, dá uma ideia do equilíbrio da
EUA) per available seat.mile. É empresa de acordo com seu output
obtido dividindo-se a Receita real. Valores em centavos de
Operacional Líquida (ROL) US$/ASK.
pelo ASK. Conceitualmente, A diferença entre RASK e CASK dá a
é a receita por unidade margem operacional da empresa, em
produzida (mas não centavos de US$/ASK, ou seja, por
necessariamente vendida). unidade de produção.
PRASK Sigla de pax revenue per É geralmente uma parcela do RASK,
(PRASM nos available seat.km ou pax pois este incluirá receitas auxiliares
EUA) revenue per available seat. (embarque prioritário, despacho de
mile. É obtido dividindo-se a bagagens, marcação de assentos etc.).
receita de venda de passagens A subtração do CASK dá a margem na
aéreas (que é geralmente venda de passagens, em centavos de
inferior à ROL) pelo ASK. US$/ASK.
Break-Even É o ponto de equilíbrio Comparado com o LF, serve para
Load da empresa, abaixo do demonstrar quão longe (ou perto) a
Factor (%), qual ela dará prejuízo com empresa está do prejuízo operacional
ou seja, a venda de passagens. se considerar-se exclusivamente a
BELF É obtido dividindo-se o venda de passagens. Indica também
CASK pelo yield. Também quantos ASK restam para ela
conhecido como ocupação ou preencher até chegar à saturação
aproveitamento de equilíbrio. (aproximadamente 90% de LF).
Fonte: Elaboração própria.
grafico 06
Gráfico 6 | Comparação da evolução entre os custos unitários
médios (CASK) das empresas aéreas brasileiras e americanas
14
12
10
CASK (centavos de US$)
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
Brasil EUA
Aeronáutica
o RASK. Este nada mais representa do que a receita auferida ao se “voar”
um assento, vazio ou ocupado, por um quilômetro. Assim, caso o RASK
supere o CASK, em magnitude de centavos de US$, pode-se inferir rapi-
damente que a empresa apresenta lucratividade operacional, ou seja, uma
constatação fundamental para o início de qualquer análise.
Fica, porém, a pergunta: por que tratar isso no nível unitário de recei-
tas (RASK) e custos (CASK) e não simplesmente no nível agregado to-
tal, como em qualquer outro tipo de negócio ou empresa? A resposta é
que, ao se descer ao nível unitário de RASK e CASK, está‑se apurando
o que ocorreu, respectivamente, com as receitas e despesas da empresa
vis-à-vis os assentos-quilômetros ofertados (ASK). Estes, por sua vez,
refletem como a empresa operou no mercado em termos da capacidade
de assentos de cada voo, das frequências desses voos (ao longo do ano) e
das distâncias percorridas (os quilômetros) ao longo do ano, isto é, todo
o esforço de transporte realizado. Daí a denominação de indicadores
econômico‑operacionais e que, dessa forma, agregam mais informação do
que as tradicionais rubricas contábeis padronizadas aplicáveis a qualquer
empresa ou tipo de negócio.
A seguir, tem-se o caso da criação do PRASK (vide Gráfico 7), em
complementação ao RASK. Com a proliferação das empresas de baixos
custos e (às vezes) baixas tarifas, conhecidas universalmente pela sigla
LCC (sigla em inglês de low-cost carrier), houve a disseminação nos
últimos dez anos, em todo o mundo, da chamada fragmentação tarifária,
conhecida universalmente pela expressão fare unbundling. Tendo como
objetivo oferecer tarifas cada vez mais baixas e atraentes, as empresas
LCC – e agora, cada vez mais, aquelas que não seguem esse modelo de
negócios – passaram a cobrar, separada e opcionalmente para o passagei-
ro por itens originalmente inclusos no preço de qualquer passagem aé-
rea: refeições a bordo, bebidas de todos os tipos, despacho de bagagens,
marcação de assentos, embarque preferencial etc. Esse tipo de receita
recebeu a denominação de receitas auxiliares, e o usuário do transporte
aéreo passou assim a ter, diante de si, um verdadeiro cardápio de ser-
viços tarifados independente. Com isso, os analistas do setor sentiram
dificuldades em rastrear o verdadeiro comportamento das tarifas aéreas
144 stricto sensu e o que elas representavam no agregado de receitas
da empresa.
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos
grafico 07
Gráfico 7 | Comparação da evolução entre as receitas médias auferidas
exclusivamente nas vendas de passagens (sem receitas auxiliares), por unidade
ofertada (PRASK), das empresas aéreas brasileiras e americanas
10
8
PRASK (centavos de US$)
0
2007 2008 2009 2010 2011 2012
Brasil EUA
O PRASK veio a preencher essa lacuna, uma vez que, em seu nume-
rador, entra o valor apurado essencialmente com a venda do transpor-
te stricto sensu do usuário, o qual reflete, de fato, o core business da
empresa (a título exemplificativo tem-se o comportamento do PRASK
dos mercados norte‑americano e brasileiro no Gráfico 7). Nesse novo
ambiente, auferir receitas auxiliares crescentes tornou-se meta a ser
perseguida por praticamente todas as empresas. Em algumas LCCs,
tais como a Ryanair, tal rubrica já representa aproximadamente 25% da
ROL, mas, nas empresas tradicionais, conforme se depreende de suas
demonstrações financeiras publicadas, a média ainda está na faixa de
10% a 20% da ROL.
Por fim, tem-se o caso do BELF. Em vista do fato de que, em sua for-
mulação original, o cálculo baseia-se no yield, uma apuração descuidada
desse indicador no ambiente atual de fragmentação tarifária, conforme
visto anteriormente, pode resultar em um valor irrealisticamente alto (vide
Gráfico 8). Se for esse o caso, tal impropriedade pode ser corrigida acres-
centando‑se, ao denominador da fração do BELF (ou seja, ao yield), as 145
receitas auxiliares (divididas pelo RPK), fazendo-se as devidas ressalvas
Aeronáutica
quanto a esse ajuste. Ter-se-á assim um BELF-integral que poderá ser então
corretamente cotejado com o valor de load factor efetivamente registrado
nas operações da empresa aérea.
O caso JetBlue
Para exemplificar o uso de indicadores no contexto empresarial,
apresenta-se o caso da JetBlue, empresa de baixo custo que atua majori-
tariamente no mercado doméstico americano [Fonseca, Gomes e Queiroz
(2014)] – vide gráficos 8 e 9 a seguir. Os números apresentados referem-se à
grafico 08
totalidade da operação da empresa nos mercados doméstico e internacional.
Gráfico 8 | Evolução dos principais indicadores de tráfego da JetBlue: ASK, RPK, LF e BELF
70 95
60 90
50 85
30 75
20 70
10 65
0 60
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
ASK (milhões) 21.945 30.428 38.138 46.008 51.334 52.199 52.386 55.308 59.906 64.481
RPK (milhões) 18.547 25.310 32.502 37.522 41.411 41.948 41.762 45.501 49.393 54.003
Load factor (%) 84,50 83,20 85,20 81,60 80,70 80,40 79,70 79,80 82,40 83,80
BELF (%) 72,76 78,71 87,03 82,06 81,84 84,22 81,91 82,19 91,05 91,73
Fonte: Elaboração própria, com base nos relatórios anuais divulgados pela empresa JetBlue.
com a venda de passagens aéreas eram mais que suficientes para pagar os
custos da operação dos voos. A partir de 2008, essa situação se inverte: o
BELF passa a ser definitivamente superior ao LF, chegando a 11 pontos
percentuais em 2012. Nessa situação, dados os valores de yield pratica-
dos, a empresa passa a não prescindir mais de receitas auxiliares (como
vendas a bordo, cobrança para marcação de assentos, venda de espaço
publicitário, transporte de cargas etc.) para se manter operando com re-
sultado operacional positivo.
Por outro lado, na receita por assento-quilômetro oferecido (RASK),
a empresa (vide Gráfico 9) apresentou crescimento ao longo do período
analisado, porém, os custos cresceram em ritmo maior em 2011-2012. No
entanto, ao se comparar o custo por assento-quilômetro oferecido (CASK)
sem os custos de combustível (CASK ex-fuel), observa-se que os gastos
com combustível foram o principal elemento do aumento de custos. Isso
demonstra que a gestão da empresa conseguiu manter os demais custos
sob controle.
grafico 09
Gráfico 9 | Evolução dos principais indicadores econômico-
operacionais da JetBlue – yield, CASK, CASK ex-fuel e RASK
23
21
19
CASK, RASK e yield
17
(centavos de US$)
15
13
11
7
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
CASK 9,80 9,81 11,23 12,58 13,48 15,88 14,87 15,96 19,47 20,00
CASK ex-fuel 8,06 7,64 7,92 8,35 8,80 9,56 10,19 10,80 10,88 11,25
RASK 11,39 10,76 11,55 13,29 14,34 16,80 16,23 17,51 17,63 18,26
Yield 13,47 12,47 12,90 15,33 16,48 18,86 18,15 19,42 21,38 21,80
Fonte: Elaboração própria, com base nos relatórios anuais divulgados pela empresa JetBlue.
Indicadores de frota 147
Para o grande público, a parte mais visível e tangível de uma empresa aérea
Aeronáutica
são suas aeronaves. Por outro lado, do ponto de vista histórico, o dispêndio
com a compra ou aluguel de aeronaves comerciais a jato era o item número
um dos gastos ou investimentos da empresa, algo só alterado nas últimas
décadas, em razão dos dispêndios com querosene de aviação. Dessa forma,
os indicadores relativos à frota da empresa têm importância fundamental
para o analista determinar se esses ativos estão sendo bem selecionados e
utilizados. Os principais são os seguintes:
grafico 10
Gráfico 10 | Idade média da frota de aeronaves de algumas empresas aéreas
norte-americanas em 2011
18
16
14
Idade média da frota (anos)
12
10
0
American
Jet Blue
Airtran
Republic
Alaska
Continental
Delta
Hawaiian
Spirit
Southwest
Skywest
Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst.
Por outro lado, o indicador utilização média diária tem uma importân-
cia autoexplicável: avião só gera receita para a empresa se voar o máxi-
mo possível (naturalmente, com elevados load factor e yield), dadas as
limitações da infraestrutura aeronáutica (capacidade dos aeroportos e dos
sistemas de navegação e controle do tráfego aéreo) e meteorológicas, além
dos requisitos técnicos de manutenção e operação da própria aeronave
(vide Gráfico 11). A manutenção de aeronave(s) de reserva, para os casos
imprevistos, é medida essencial para assegurar o cumprimento da malha
(rede de rotas) diária da empresa, extraindo-se a máxima utilização média 149
diária de cada aeronave. Ou seja, planeja-se a máxima utilização média
Aeronáutica
diária, ao mesmo tempo em que, em caso de imprevistos, a(s) aeronave(s)
de reserva estará(ão) lá para garantir o cumprimento diário da malha de
rotas da empresa.
grafico 11
Gráfico 11 | Média diária de horas voadas por empresas norte-americanas
em 2011
14
12
Média de horas voadas diariamente
10
0
American
Hawaiian
Jet Blue
Airtran
Republic
Alaska
United
Continental
Delta
Skywest
Spirit
Southwest
Virgin
Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst.
Indicadores de pessoal
Aeronáutica
Receita por empregado em milhares de US$
500
400
300
200
100
0
Us Airways
Shuttle
Frontier
American
American
Jet Blue
Airtran
Republic
Alaska
United
Continental
Delta
Hawaiian
Compasss
Spirit
Southwest
Skywest
ExpressJet
Virgin
Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst.
Indicadores singulares
Nesta seção, foram agrupados quatro indicadores de grande importân-
cia geral, mas que não se enquadram nas categorias anteriores. Isso porque
servem para avaliar aspectos ligados tanto à gestão da empresa quanto à
qualidade do serviço de transporte prestado. Portanto, sua apuração é rigo-
rosamente necessária para se formar um juízo de valor mais preciso sobre
a empresa aérea analisada.
152 Quadro 8 | Indicadores singulares
Peso da conta Percentual dos gastos A faixa normal vai de 25%-45%, com
de combustível com combustível sobre a média em torno de 30%-40% para
as despesas operacionais. as empresas bem administradas (e/ou
É relevante porque a que fazem hedge) e fora de eventuais
atividade de transporte aéreo crises de petróleo.
é extremamente sensível
a variações no preço do
combustível.
Aeronáutica
estruturadas sob a forma de derivativos de crédito, as operações de
hedge permitem que a empresa “trave” o preço unitário do combustível
em determinado valor, por determinado prazo e percentual, de sua conta
de combustível. Ocorre que, se no prazo e valores contratados no hedge,
a variação do preço do combustível for na direção oposta à esperada pela
empresa aérea, esta terá de compensar financeiramente sua contraparte
no contrato, na exata medida da variação ocorrida. Contratar hedge não
se configura assim, hodiernamente, como um seguro em que, pago de-
terminado valor como prêmio, recebe-se a indenização correspondente
em caso de sinistro. O termo “hodiernamente” foi aqui utilizado porque,
embora até exista a contratação de hedge de preço de combustível sob a
forma de seguro, o preço do prêmio cobrado nos mercados internacio-
nais para esse tipo de cobertura é proibitivo para a maioria das empresas
aéreas, que recorrem, quando podem, essencialmente aos mercados de
derivativos de crédito.
Para as empresas norte-americanas, o peso da conta de combustí-
vel tem se situado entre 30% e 40% em média nos últimos cinco anos,
aumentando assim a exposição das empresas a custos não totalmente
administráveis e pressionando as margens de resultado das empresas
(Gráfico 13). Empresas como a Skywest, ExpressJet e Compass sofrem
menos com o peso da conta de combustível por serem regionais, com
contratos de prestação de serviços com as legacy carriers, que em di-
versos casos preveem que o combustível utilizado será fornecido pela
empresa contratante.
Outro problema que afeta a conta de combustível, possivelmente o
mais importante, é o elevado grau de volatilidade historicamente apre-
sentado pelo preço dessa commodity. Variações de até 50% não são inco-
muns, em prazos de apenas alguns meses, nesse insumo que representa
entre um terço e metade dos custos das empresas aéreas. Isso faz com
que as empresas tenham de manter níveis elevados de liquidez corrente
(caixa e disponibilidades de curto prazo), sendo usuais percentuais de
25% a até 50% da ROL dos 12 meses anteriores. Os problemas de ges-
tão financeira que tal situação acarreta para as empresas aéreas em geral
não devem ser subestimados.
154 grafico 13
Gráfico 13 | Participação da conta de combustível na composição dos custos
operacionais de empresas aéreas atuantes no mercado norte-americano em 2011
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos
45
Participação do combustível nos custos da empresa (%)
40
35
30
25
20
15
10
0
Airtran
Jet Blue
Virgin
American
Delta
United
Us Airways
Continental
American
Alaska
Frontier
Republic
Shuttle
Compasss
Spirit
Southwest
Skywest
ExpressJet
Hawaiian
Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst.
Aeronáutica
Etapa média É a média aritmética das Do inglês, average stage length. É a
voada (km) distâncias percorridas em medida por excelência utilizada para
ou mapa de cada ligação realizada verificar se as comparações feitas entre
rotas pela empresa aérea ao duas ou mais empresas são razoáveis ou
longo de um ano. não. Na ausência desse dado, usa-se, em
uma primeira aproximação, o mapa de
rotas da empresa.
Tamanho É a média do número de Do inglês, average aircraft capacity.
médio de assentos oferecidos em Como o parâmetro anterior, é utilizado
aeronave cada aeronave da frota da para verificar se as comparações feitas
(TMA) ou empresa aérea. entre duas ou mais empresas são
tipo de frota razoáveis ou não. Na ausência desse
dado, comparam-se as composições da
frota de cada empresa de maneira geral.
7,0
Skywest
5,0
Southwest
4,5
Jet Blue
4,0
0 500 1.000 1.500 2.000 2.500
Fonte: Elaboração própria, com base em dados extraídos do The Airline Analyst.
Algumas inferências
Uma vez que o conjunto de quase trinta indicadores aqui apresentados
tenha sido bem compreendido pelo analista de transporte aéreo, é natu-
ral que se faça a pergunta: como eles podem ser utilizados para se extrair
uma conclusão sobre a real situação econômico-operacional de determi-
nada empresa aérea, ou mesmo sobre o agregado do setor de transporte
aéreo de um país, região ou de todo o planeta? A resposta passa necessa-
riamente pela análise conjunta dos valores dos indicadores, cada um dos
quais revelará um aspecto relevante de um enredo cuja coerência o analista
busca racionalizar.
Ora, para além dos nexos causais existentes entre diversos dos indi-
cadores listados, que são aparentes já a partir da própria definição des-
ses indicadores, existe a experiência acumulada, ao longo das últimas
décadas, pelos analistas de mercado que cobrem, por dever profissional,
o mercado de transporte aéreo. Essa experiência, refletida em livros, ar-
tigos da imprensa financeira especializada, de pesquisas acadêmicas etc.,
permite que se façam algumas inferências que representam, de fato, uma
espécie de consenso básico no setor de transporte aéreo. Entre as mais 157
significativas, podem ser citadas:
Aeronáutica
• Em mercados com total liberdade tarifária (EUA, Brasil, Europa
etc.), as empresas aéreas não têm como elevar imediatamente as
tarifas, por exemplo, em uma crise de petróleo ou, em alguns
casos, em uma simples ameaça de crise. A saída é reduzir a ofer-
ta, ou seja, reduzir o ASK; em um primeiro momento, isso leva
ao aumento do load factor e do RASK; em uma etapa a seguir, ao
aumento no yield.
• No exemplo anterior, é prudente analisar-se o comportamento do
CASK. Este deve subir, refletindo o aumento de custo do combus-
tível, embora tal subida possa hipoteticamente ser amortecida por
uma eventual política de hedge no preço de combustível. Mas o
comportamento do CASK ex-fuel, isto é, com a exclusão da conta
de combustível (fora do controle da empresa), é que revelará se a
gestão da empresa foi a contento ou não.
• Mercados – aqui, na acepção de pares de cidades – em que há
concorrência elevada tendem a apresentar, por parte das empresas
que os servem, load factors elevados (acima de 80%) e yields re-
lativamente baixos; o oposto ocorre em mercados em que há baixa
ou nenhuma concorrência, mas, nesse último caso, a lucratividade
tende a ser maior. Isso pela possibilidade de a empresa operar com
uma aeronave dimensionada exatamente para o tráfego demandado,
o que otimizará custos e receitas.
• Situações na qual a empresa (ou o país, ou a região etc.) deve redu-
zir a oferta – diminuição de ASK – se a queda de ASK for inferior
à queda de RPK (resultando em aumento do load factor), a empresa
“operou” na direção certa; também o fez na situação oposta, ou
seja, se ao aumento de ASK no mercado colheu um aumento supe-
rior de RPK (resultando novamente em aumento do load factor).
• A análise da situação descrita no item anterior não estará comple-
ta se não for analisado o que ocorreu com o yield e o RASK no
mesmo período. Estes têm de se mover essencialmente na direção
positiva, dado que o transporte aéreo é um negócio que apresenta,
historicamente, margens líquidas muito baixas, além de oscila-
158 rem em torno de zero ao longo dos ciclos do capitalismo (vide
grafico 15
gráficos 15 e 16).
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos
3,1% 3,3%
3,1%
10 1,7% 2,0% 1,7% 1,5% 1,5% 2
1,5% 2,1%
1,6%
0,9%
0 0,4% 0
-0,8% -0,9%
-1,9%
-10 -2
-2,5% -2,5% -2,4%
-20 -4
-3,9%
-4,4%
-30
-5,2% -6
-7,1% -7,1%
-40 -8
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Lucro líquido Lucro operacional Margem líquida
grafico 16
Gráfico 16 | Evolução da Receita Operacional Líquida (ROL) e margem operacional
do setor aéreo mundial – agregado dos países participantes da ICAO
500 8
300 2,0%
0,5% 1,4%
250 0,4% 0
-0,6%
-0,7%
200 -1,0% -1,2% -1,3%
-2,0% -2
150
-4
100
-5,1%
50 -6
0 -8
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Aeronáutica
longo do presente artigo foi originalmente concebido para fornecer uma
ferramenta valiosa ao analista. A proposta é que este possa formar um juízo
de valor preliminar sobre uma empresa aérea qualquer, sobre o agregado
das empresas de determinado país, região do mundo ou mesmo sobre o que
ocorre no planeta.
Tal orientação ganha relevância quando se considera que, como negó-
cio, o transporte aéreo parece fugir a alguns paradigmas aplicáveis à maio-
ria dos outros tipos de negócios. De outra forma, como explicar o fato de
que – em um contexto global – empresas aéreas de porte relativamente pe-
queno (Transbrasil), de porte médio a grande (Varig) e megatransportadoras
(American Airlines) operassem anos a fio com patrimônio líquido negativo
até que se tornasse imprescindível sua liquidação ou recuperação judicial?
Como explicar que, durante esses mesmos períodos, tais empresas obti-
veram crédito de seus fornecedores, inclusive para a compra ou aluguel
de aeronaves?
A resposta a tais indagações, segundo o consenso do setor, passa por
dois aspectos fundamentais e, o que é mais intrigante, complementares.
O primeiro refere-se ao fato de que qualquer empresa aérea, a partir de
certo porte, tem um número razoável de stakeholders que, assim a história
demonstra, farão todo o possível para fomentar seu sucesso, ou ao menos a
continuidade de sua operação no mercado. Aqui entram governos em geral,
incluindo-se a legislação,1 fabricantes e empresas de leasing de aeronaves,
agentes do sistema financeiro (capital markets, fusões & aquisições etc.),
consultorias e fornecedores dos mais variados tipos.
O segundo aspecto é a própria natureza do negócio, que faz com que
ele seja percebido, por boa parte dos stakeholders, como essencialmente
constituído por um gigantesco, permanente e maleável fluxo de caixa. Isso
porque, ao mesmo tempo em que a empresa fatura vendas de passagens
24 horas por dia, 365 dias por ano (via website acessível de qualquer do-
micílio do planeta), o pagamento de fornecedores, de pessoal, de credores
1
Nos EUA (assim como no Brasil), a lei de bankruptcy protection permite que a empresa aérea em
concordata continue operando normalmente, enquanto o conjunto de credores encomenda um plano de
recuperação judicial para ser – dentro de certos prazos estabelecidos pelo juiz – eventualmente aprovado
em uma Corte de Justiça especializada.
160 etc. pode sempre ser “flexibilizado” em função da percepção desse fluxo
contínuo de recebíveis e do interesse na continuidade do negócio por essa
Análise econômico-operacional do setor de transporte aéreo – indicadores básicos
comunidade de stakeholders.
Não é por outro motivo que, para muitos analistas de mercado, os dois
indicadores mais importantes e frequentemente citados são justamente o
RASK e o CASK. No limite, o critério básico (grass roots) para o “atestado
de vida” da empresa aérea passa a ser que a diferença entre eles seja posi-
tiva, que as disponibilidades da empresa sejam elevadas (20% ou mais da
ROL) e que o CASK – ajustado pela etapa média voada – esteja alinhado
com as demais empresas que atuam em seus mercados.
Nesse contexto, o conjunto de indicadores aqui apresentados poderá
fornecer um quadro mais completo para análise, complementando as di-
ligências e demais avaliações e projeções das demonstrações financeiras
auditadas que tanto o BNDES como os demais agentes financeiros do
país já praticam cotidianamente em suas atuações no setor de transporte
aéreo mundial.
Referências
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Agroindústria
BNDES Setorial 40, p. 163-204
Resumo
Lançado em maio de 2013 e encerrado em maio de 2014, o Edital de
Seleção Pública Conjunta MCTI/BNDES/Finep de Apoio à Inovação
Tecnológica no Setor do Agronegócio recebeu uma demanda não qualifica-
da de R$ 5,7 bilhões em planos de negócio (PN) de 171 empresas líderes.
Ao fim do edital, foram selecionados 49 PNs, no valor de R$ 2,1 bilhões.
Em razão da abrangência temática do edital, foram envolvidos sete depar-
tamentos do BNDES e sete técnicos do Departamento de Agronegócio e
Alimentos da Finep – Inovação e Pesquisa na análise dos PNs. Este artigo
apresenta o histórico e as estatísticas do edital, contextualiza os temas pas-
síveis de subvenção, analisa os resultados preliminares e descreve algumas
dificuldades e oportunidades percebidas pelas equipes que participaram
desse instrumento de apoio conjunto à inovação.
*
Respectivamente, gerente, economista e engenheiro do Departamento de Agroindústria (DEAGRO) da
Área Agropecuária e de Inclusão Social do BNDES. Os autores agradecem a colaboração da estagiária Júlia
Soihet Martins, dos demais colegas do DEAGRO, de Felipe dos Santos Pereira, André Camargo Cruz e
Letícia Magalhães da Costa, do Departamento de Indústria Química do BNDES, e de André do Nascimento
Moreno Fernandes e Marcelo Luiz Campos Valente, do Departamento de Agronegócio e Alimentos da
Finep, isentando-os de qualquer responsabilidade por incorreções porventura existentes no artigo.
164 Introdução
O artigo está dividido em seis seções, com esta introdução. A próxima seção
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio
Agroindústria
versas instituições públicas e o uso coordenado de seus instrumentos de
apoio (crédito, renda variável e recursos não reembolsáveis), bem como
uma gestão integrada com redução de prazos e simplificação administrativa.
Entre os objetivos do Inova Empresa, estão o fomento e a seleção de PNs
que contemplem atividades de pesquisa, desenvolvimento, engenharia e/ou
absorção tecnológica, produção e comercialização de produtos, processos
e/ou serviços inovadores, e demais ações necessárias para que estes sejam
levados ao mercado de forma competitiva, visando ao desenvolvimento
de empresas e tecnologias brasileiras. Além do PAISS e Inova Petro 1 e 2,
o Inova Empresa compreendia, em junho de 2014, Inova Energia, Inova
Saúde, Inova Aerodefesa, Inova Agro, Inova Sustentabilidade, Inova Telecom
e PAISS Agrícola.
O Inova Agro busca apoiar o desenvolvimento tecnológico nas três etapas
do agronegócio, denominadas no edital de “linhas temáticas”: de insumos
agropecuários, de processamento de alimentos e de máquinas e equipa-
mentos voltados para o agronegócio. Como o apoio ao setor canavieiro foi
contemplado no âmbito do PAISS, esse setor foi excluído explicitamente
das linhas do edital do Inova Agro.
As linhas temáticas e os temas do edital são os seguintes:
• Linha 1: Insumos (exceto cana-de-açúcar)
a) genética e melhoramento genético animal e vegetal;
b) produtos fitossanitários para controle de pragas, doenças e plantas
daninhas, incluindo processos;
c) fertilizantes, incluindo produtos, processos e equipamentos para
produção;
d) medicamentos e vacinas para saúde animal;
e) unidades de demonstração de novas tecnologias e de práticas de
manejo mais eficientes, incluindo fazendas-modelo.
• Linha 2: Processamento (exceto cana-de-açúcar e derivados)
a) tecnologias aplicadas ao desenvolvimento de alimentos com
alegação de propriedades funcionais – conforme o item 3.3 da
166 Resolução 18/1999 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), ou resolução que venha revogá-la e substituí-la – e/ou à
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio
Agroindústria
Em 9 de abril de 2013, foi aprovado o Acordo de Cooperação Técnica
entre o BNDES e a Finep, visando operacionalizar o edital do Inova Agro
pelas duas instituições, lançado oficialmente em 28 de maio de 2013.
No dia 17 de junho de 2013, foi apresentado pelas equipes do BNDES
e da Finep, no auditório do centro de estudos do BNDES, o edital Inova
Agro para as empresas que solicitaram participar do evento. Na ocasião,
foram respondidas as dúvidas levantadas pelo público presente. Depois
dessa data, foram feitas apresentações pelas equipes também na Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e na Associação Brasileira
da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq).
Em 15 de agosto de 2013, data-limite para o envio das Cartas de Mani
festação de Interesse (CMI) por parte das empresas e institutos de ciência e
tecnologia (ICT), foram apresentadas 370 cartas, das quais 171 de empresas
líderes, 112 de empresas parceiras e 87 de ICTs.
Desse total, 132 empresas líderes foram classificadas para a etapa de
workshop, bem como 132 empresas parceiras (incluindo as líderes que fo-
ram reclassificadas) e as 87 ICTs. O Workshop de Instrução e Fomento de
Parcerias, realizado no Centro de Convenções SulAmérica, em 21 de outu-
bro de 2013, foi uma oportunidade para as empresas e ICTs se conhecerem
e conversarem sobre futuras parcerias.
Em 6 de dezembro de 2013, foram apresentados 83 PNs pelas empre-
sas líderes, representando uma demanda consolidada de R$ 2,9 bilhões.
Desses PNs, foram qualificados 71, e as empresas líderes responsáveis
por eles foram convidadas a ir ao BNDES apresentar e defender seus
PNs para as equipes do BNDES e da Finep no período de 13 de janei-
ro de 2014 a 16 de janeiro de 2014. Das 71 empresas convidadas, ape-
nas uma não participou da sabatina. Nos PNs enquadrados nas linhas
com recursos não reembolsáveis, houve participação de especialistas
ad hoc na sabatina.
Com base nos projetos apresentados nos PNs e nas informações pres-
tadas pelos representantes das empresas, foram selecionados 49 PNs para
receberem oferta de apoio da Finep e/ou do BNDES, totalizando uma de-
manda de R$ 2,1 bilhões (Tabela 1).
168 Tabela 1 | Resumo das etapas do Inova Agro: empresas líderes
Edital Estimativa Parceiros Fase do edital (posição 30.5.2014)
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio
conjunto de recursos/
lançamento Submissão Seleção das Submissão Seleção de
das Cartas de empresas de planos de planos de
Manifestação líderes negócio negócio
de Interesse
Norte 0 0 (0%)
Total 2.110.779 49
A distribuição das empresas líderes, por porte, pode ser vista no Gráfico 1.
O cronograma final do edital do Inova Agro terminou com os prazos
indicados na Tabela 3.
Em 17 de abril de 2014, as 49 empresas líderes receberam e-mail com o
Plano de Suporte Conjunto (PSC) oferecido pelas instituições apoiadoras.
Dos 49 PNs, trinta receberam oferta de apoio do BNDES – crédito e/ou Fundo
Tecnológico (Funtec) –, totalizando R$ 1.145,1 milhões; e 21 receberam
oferta de apoio da Finep via crédito e/ou subvenção econômica, totalizando 169
R$ 965,6 milhões.
Agroindústria
Diante da abrangência dos temas contemplados no edital, optou-se por
discorrer apenas sobre os temas passíveis de apoio com recursos não reembol-
sáveis. A próxima seção apresenta uma breve contextualização desses temas.
4%
8%
27%
10%
51%
Etapa Data-limite
Agroindústria
e mitigação de riscos biológicos e químicos”.
• Implementos para horticultura, na Linha Temática 3, em “(b) má-
quinas, equipamentos e implementos agropecuários”.
• Pecuária de precisão: tecnologias e equipamentos, na Linha
Temática 3, em “(f) agricultura e pecuária de precisão: tecnologias
e equipamentos”.
Agroindústria
• desenvolvimento de cultivares não OGMs de soja e milho.
O primeiro subitem busca incentivar o desenvolvimento de OGMs no Brasil
pelas empresas, já que, dos 32 eventos OGMs registrados no país, apenas um
não tem como detentor da tecnologia uma empresa estrangeira2 [Brasil (2014)].
O segundo subitem busca viabilizar alternativas convencionais ao culti-
vo transgênico da soja e do milho, já que ainda há, no mercado internacio-
nal, a percepção de que a versão convencional desses grãos seria preferível
aos similares transgênicos, apesar destes últimos serem mais vantajosos ao
produtor rural.
Em termos de área plantada no Brasil, a produção transgênica já respon-
de por 92% do total na soja, 90% no milho e 47% no algodão, de acordo
com relatório do International Service for the Acquisition of Agri-biotech
Applications (ISAAA), somando 40,3 milhões de hectares plantados
[Escobar (2014)].
Assim, dados a importância das culturas da soja e do milho no Brasil,
a participação da transgenia e o receio internacional de sua adoção nessas
culturas, é recomendável que o Brasil não fique totalmente dependente
dessa tecnologia. A existência de alternativas convencionais competitivas
reduziria o risco, para o país, da perda de eficácia ou da descoberta de efei-
tos indesejados de eventos transgênicos nessas culturas.
1
Também chamado de transgênico, é usado para os organismos que receberam genes de outra(s)
espécie(s), animal(is) ou vegetal(is), através de engenharia genética. No Brasil, estão autorizados
eventos de modificação genética em soja, milho, algodão e feijão [CTNBIO (2014)], e a empresa que
os desenvolve passa a deter a tecnologia por 15 anos (Lei de Proteção de Cultivares, artigo 11).
2
Estão registrados cinco eventos OGMs para a soja, 18 para o milho, nove para o algodão e um para o
feijão. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) detém sozinha a tecnologia do evento
do feijão, e parcialmente, com a BASF, de um evento da soja.
3
O termo pescados inclui peixes, crustáceos e moluscos.
174 Embora a pesca extrativa (ou de captura) ainda tenha representado qua-
se 59% da produção de pescados em 2011 [FAO (2012)], esse percentual
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio
vem caindo consistentemente nas últimas décadas, como pode ser visto no
Gráfico 2. Isso se deve tanto à estagnação da produção da pesca extrativa, que
desde meados da década de 1990 oscila em torno de 90 milhões de toneladas,
quanto ao crescimento acelerado da aquicultura.
160
140
4%
8%
120 27%
100
80
60
10%
40
51%
20
0
1950 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010
Agroindústria
em toneladas.
Apesar de ter ficado mais bem ranqueado internacionalmente na aqui-
cultura do que na pesca extrativa (17° e 25°, respectivamente), a produção
pesqueira brasileira mais relevante é a extrativa: em 2010, foram produzidos
cerca de 785 mil toneladas de pescados nessa modalidade, perante apenas
479 mil toneladas através da aquicultura [Brasil (2011)].
Em 2011, a aquicultura brasileira cresceu para 628 mil toneladas de
pescados (dados internacionais por país ainda não disponíveis para aquele
ano), das quais 544,5 mil toneladas de peixes e o restante de camarões
(principalmente) e mexilhões, ostras e vieiras. Dentre os peixes, desta-
cam-se a tilápia (47% do total de peixes), o tambaqui (20%), o tambacu
(9%) e a carpa (7%).
Apesar do cenário atual dos pescados no Brasil, o Rabobank, prin-
cipal financiador agrícola do mundo, projeta que o Brasil tem potencial
de se tornar um grande fornecedor mundial de pescados aquícolas até
2022, por possuir um litoral extenso, uma das maiores reservas de água
doce do mundo e ampla oferta de grãos, milho e soja, para a produção
de rações aquícolas [Mendes (2013)].
Dentre os produtos apontados com maiores potenciais, destacam-se a tilápia
e outros peixes, respondendo, na previsão deles, por 87% da expansão no perío-
do até 2022. Os moluscos e outros crustáceos responderão pelos 13% restantes.
Para concretizar esse potencial, a genética é o elo mais importante da
cadeia piscícola, pois
Sem alevinos de boa qualidade, toda a cadeia fica comprometida: as
taxas de conversão caem, não há padronização, a qualidade da carne
é inferior e os custos de produção sobem. Algumas empresas, cientes
dessa importância têm investido na verticalização de suas atividades
também nessa fase, realizando estudos e pesquisas e passando a
produzir alevinos [Sidonio et al. (2012, p. 450)].
quisas (várias empresas gastando recursos, que são escassos, para pesquisas
semelhantes) e desvio de parte dos investimentos produtivos para as pesqui-
sas, ocasionando a evolução mais lenta do segmento.
Assim, o incentivo à cooperação entre as empresas, e destas com univer-
sidades e institutos de pesquisa, bem como à constituição e fortalecimento de
empresas especializadas em genética de peixes, tende a produzir melhores re-
sultados para a piscicultura brasileira quando comparado a iniciativas isoladas.
Agroindústria
Os fertilizantes são usados na agricultura para: (i) suplementar a disponi-
bilidade natural do solo com a finalidade de satisfazer a demanda das culturas
que apresentam um alto potencial de produtividade e levá-las a produções
economicamente viáveis; (ii) compensar a perda de nutrientes decorrentes da
remoção das culturas, por lixiviação ou perda gasosa; e (iii) melhorar condi-
ções adversas ou manter as boas condições do solo para produção das culturas.
O Brasil é um gigante na agroindústria mundial, pelo volume da pro-
dução e exportação, e, além disso, é um dos poucos países do mundo com
enorme potencial para aumentar sua produção agrícola, seja pelo aumento
de produtividade, seja pela expansão da área plantada. Por outro lado, o gi-
gantismo do agronegócio brasileiro, que representa cerca de 30% do Produto
Interno Bruto (PIB) nacional, contrapõe-se à altíssima dependência externa
de importações de nutrientes para a agricultura.
GÁS NATURAL
PETRÓLEO ENXOFRE NATURAL ROCHA FOSFÁTICA
ROCHA POTÁSSICA
RESÍDUOS PESADOS PIRITAS “IN SITU”
NAFTA
MATÉRIAS-PRIMAS
PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS
ÁCIDO ÁCIDO
NÍTRICO SULFÚRICO
ÁCIDO
FOSFÓRICO
FERTILIZANTES BÁSICOS
NITRATO DE SULFATO DE
UREIA TERMOFOSFATO
AMÔNIO AMÔNIO
SUPERFOSFATO ROCHA
TRIPLO PARCIALMENTE
ACIDULADA
NITROCÁLCIO MAP
SUPERFOSFATO
SIMPLES
CLORETO
MAP
DE POTÁSSIO
DISTRIBUIÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
Agroindústria
sulfato de amônio; ureia; cloreto de potássio; termofosfatos; e rocha fosfática
parcialmente articulada.
O quarto elo contempla o processo de granulação e mistura dos ferti-
lizantes, que origina os fertilizantes finais, mais conhecidos como NPK.
Por fim, estes são distribuídos e comercializados no quinto elo, sendo uti-
lizados pelo produtor rural na agricultura.
Agroindústria
tipos de fertilizantes.
Tendo em vista a importância estratégica dos fertilizantes para o país,
é necessário reduzir a participação das importações no consumo nacional,
elevando a capacidade de produção interna e reduzindo os custos de pro-
dução. A manutenção desse cenário de dependência externa tende a im-
pactar consideravelmente a competitividade das principais commodities
produzidas pelo Brasil no futuro. Tal fato realça a necessidade de fo-
mento ao investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D) no setor
e à busca por inovações que minimizem esses efeitos adversos sobre o
agronegócio nacional.
Agroindústria
Alimentação (Abia), com o objetivo principal de elaborar propostas para a
reformulação dos alimentos processados. A primeira conquista dessa coopera-
ção foi a redução no uso de gorduras trans em grande parte das categorias de
alimentos no país, vinculada às metas de eliminação. A partir de 2010, a redu-
ção dos teores de sódio foi incluída como nova pauta nessa agenda conjunta.
A construção de estratégias para a redução do teor de sódio em alimentos
processados faz parte de um conjunto de iniciativas para diminuir o consu-
mo desse nutriente no Brasil – dos atuais 12 g de sal por pessoa ao dia para
menos de 5 g por pessoa por dia (2.000 mg de sódio), conforme recomen-
dação da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2020.
As reduções nos teores de gordura e de sódio nos alimentos processados
exemplificam bem como a regulação pode induzir as inovações no setor, ao
exigir das indústrias de alimentos e química pesquisa de compostos mais
saudáveis que não modifiquem os processos, a conservação e o sabor dos
alimentos, uma vez que o hábito e a memória alimentar do brasileiro asso-
ciam sabor a grandes quantidades de sal e açúcar [Sidonio et al. (2013)].
O mercado mundial de alimentos funcionais tem crescido a taxas anuais
superiores a 10% [Bianco (2008)]. Os maiores produtores são, geralmente,
companhias internacionais com recursos para subsidiar pesquisas funda-
mentais e arcar com os custos de desenvolvimento. Algumas delas são
Unilever, Bestfoods, Kellogg’s, Nestlé, Danone e PepsiCo. Para o Brasil,
esse mercado revela-se um campo fértil de pesquisa e oportunidades comer
ciais, trazendo o desafio de investir em tecnologias aplicadas ao desen-
volvimento de alimentos com alegação de propriedades funcionais. Nesse
contexto, as parcerias entre empresas do setor de alimentos e instituições
de ciência e tecnologia são fundamentais para o surgimento de novas tec-
nologias no setor de alimentos.
Agroindústria
tanto, seguros do ponto de vista sanitário para os consumidores, ocorre
graças a boas condições higiênico-sanitárias, à utilização de programas de
controle de qualidade microbiológica sistemáticos e eficazes e à existên-
cia de processos seguros, utilizados durante o processamento, transporte,
armazenamento e distribuição dos alimentos.
Para tanto, é de extrema importância utilizar as análises adequadas,
que permitam assegurar a inocuidade do alimento. Os métodos tradicio-
nais que são utilizados atualmente têm as vantagens de sensibilidade e
baixo custo, mas são muito demorados e requerem muito mais tempo
para obter resultados. Na última década, houve avanços significativos no
desenvolvimento de testes rápidos para a análise de microrganismos pa-
tógenos em alimentos, nos quais o principal objetivo é obter resultados
confiáveis e em menor tempo [Gandra et al. (2008)].
Para controle microbiano em alimentos, o processamento térmico
constitui-se no tratamento mais eficaz, uma vez que pode resultar em sua
esterilização, e é amplamente utilizado atualmente [Guedes et al. (2009)].
No entanto, não é aplicável para alguns produtos. Daí o crescente interes-
se no uso de outros métodos físicos para descontaminação de alimentos,
seja na superfície de sólidos, seja no volume de líquidos.
Alguns processos não térmicos vêm sendo aplicados para a preser-
vação de alimentos sem causar os efeitos adversos do uso do calor. Um
desses processos é a irradiação de alimentos com luz ultravioleta de on-
das curtas (UV-C), que tem sido bastante estudada por sua eficiência na
inativação microbiológica em água e superfície de diversos materiais. A
tecnologia de radiação UV constitui processo emergente e não térmico
para descontaminação de alimentos e, potencialmente, pode fornecer pro-
dutos alimentícios com melhores características e mais frescos [Guedes
et al. (2009)].
O advento de novas técnicas de análise de contaminantes e de tecno-
logias voltadas para a garantia da segurança de alimentos tem valorizado
os produtos que são submetidos a esse controle de qualidade e, portan-
to, oferecem menos riscos à saúde humana. Além disso, a intensificação
de barreiras sanitárias restritivas ao comércio internacional é outro fator
186 que tem impulsionado a P&D de inovações nos métodos ou processos de
controle e redução de patógenos em alimentos.
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio
Agroindústria
possa ser comercializado [Cortez et al. (2002)]. Por essa razão, na fase da
colheita, a mais sensível para o aspecto final do produto, o índice de meca-
nização geralmente é muito baixo. Além disso, são, geralmente, praticadas
em unidades menores de produção, em comparação com as grandes cultu-
ras, e, dada sua maior perecibilidade, tendem a se situar mais próximas dos
centros consumidores.
Essas características exigem não só implementos agrícolas8 menores,
mas também que tenham especificidades próprias a cada cultura, por cau-
sa da fragilidade dos produtos finais. Como apresentam escalas produtivas
muito menores em relação às grandes culturas, a horticultura em geral des-
perta menor interesse das grandes fabricantes de implementos agrícolas em
desenvolver produtos específicos para ela.
Dessa forma, a horticultura faz parte das chamadas “culturas agrícolas
negligenciadas”, ou seja, culturas que, apesar de importantes, não recebem
grande atenção das empresas que desenvolvem novas tecnologias de produ-
tos e processos, por apresentarem mercados pequenos e com características
diferenciadas em relação às grandes culturas.
Um exemplo disso é o fato de que as culturas da soja e da cana apre-
sentam, isoladamente, no Brasil, um VBP maior que o de todas as culturas
hortículas somadas.
Desafios
Embora existam desafios técnicos e tecnológicos nas fases de plan-
tio e trato cultural, a fase da colheita/embalagem é mais crítica para
os produtos hortícolas, especialmente naqueles consumidas in natura
[Cortez et al. (2002)]. Nesses casos, há um predomínio da colheita/embalagem
manual, situação que ocorre também com as frutas.
Com o encarecimento e a crescente falta de mão de obra no campo, alia-
dos à insuficiência de implementos adequados, essas culturas ficam muito
vulneráveis na fase da colheita, já que demandam muita mão de obra nes-
se período. Apesar de os horticultores poderem repassar ao consumidor o
8
Implementos agrícolas são equipamentos mecânicos que, acoplados a um trator ou animal, desem-
penham funções específicas na agricultura, como o arado, a grade, a plantadeira, a colheitadeira, o
pulverizador e a raspadora ou niveladora.
188 custo maior da mão de obra, uma parte da colheita pode estragar por não
chegar a tempo no mercado, além de se criar um aumento indesejado no
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio
Agroindústria
produção sejam otimizados, tendo como elemento-chave o gerenciamento
da variabilidade espacial da produção e dos fatores nela envolvidos.
De acordo com Coelho (2005), desde a década de 1980, a agricultura de
precisão vem sendo apresentada sob vários conceitos que englobam aspectos
da variabilidade dos solos, clima, diversidade de culturas, performance de
máquinas agrícolas e insumos (físicos, químicos e biológicos) naturais ou
sintéticos, usados na produção das culturas em diversos países.
Esse mesmo autor cita um conjunto de tecnologias disponíveis para a
agricultura de precisão que também são adotados na pecuária de precisão,
conforme citado por Carvalho (2009); Chizzotti et al. (2013); Laca (2009):
I) Computadores e programas – tal como na agricultura, a
pecuária de precisão requer aquisição, manejo, processamen-
to e análise de grande quantidade de dados que variam no
espaço e no tempo. Programas de computadores que podem
facilmente armazenar, manipular e analisar esses dados são
de grande importância para o desenvolvimento da pecuária de
precisão, principalmente para a gestão e controle dos sistemas
de produção.
II) Sistema de Posicionamento Global (GPS) – o GPS é uma
tecnologia que possibilita determinar a posição em qualquer
parte do globo terrestre. Desenvolvido pelo Departamento de
Defesa dos Estados Unidos, está disponível para diversos usos
civis, desde a pesca até a navegação. O uso de colares com
GPS em ruminantes tem possibilitado o registro detalhado de
informações sobre o posicionamento dos animais por longos
períodos, permitindo melhor compreensão dos hábitos e causas
da distribuição espacial dos animais.
III) Sistemas de Informação Geográfica (SIG) – SIGs são definidos
como um conjunto de programas, equipamentos, metodologias,
dados e pessoas (usuários), perfeitamente integrados, de forma
a tornar possível a coleta, o armazenamento, o processamento e
a análise de dados georreferenciados, bem como a produção de
informação derivada de sua aplicação [Tozi (2000)]. Entre as
possibilidades de utilização dos SIGs na pecuária de precisão,
190 citam-se: localização e comportamento dos animais, pastoreio e
alimentação remotos, controle sanitário e rastreabilidade.
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio
Agroindústria
Enfim, a aplicação das tecnologias de pecuária de precisão no Brasil re-
quer estímulos ao setor, especialmente aos fabricantes de máquinas e equi-
pamentos, para que se invista em novas tecnologias com custos de produção
factíveis com as características da pecuária brasileira.
ria dos PNs demandou mais de um tema e, em muitos casos, mais de uma
linha temática.
Na Tabela 4, verifica-se que a maior demanda e aprovação no edital
pelas empresas líderes concentrou-se na Linha Temática 1, que envolveu
os temas ligados aos insumos agropecuários. Os temas que atraíram mais
empresas líderes nessa linha foram os de unidades de demonstração (tema
“e”, com 46 propostas e 13 selecionadas) e de fertilizantes (tema “c”, com
41 propostas e 11 selecionadas).
Agroindústria
demandada¹ selecionada²
Subtema 1.a)i desenvolvimento de 6 5
OGMs e não OGMs
Subtema 1.a)ii melhoramento 1 1
genético de peixes
Subtema 1.c) desenvolvimento de 17 8
fertilizantes de novas fontes
Subtema 2.a) desenvolvimento de 10 7
alimentos com propr. funcionais
Subtema 2.d) redução de patógenos 2 1
em alimentos
Subtema 3.b) implementos para 6 5
horticultura
Dificuldades
Prazos entre as etapas do edital inadequados
Entre o prazo final de submissão das CMIs do edital do Inova Agro (15 de
agosto de 2013) e a estruturação dos PSCs (26 de maio de 2014), decorreram
cerca de nove meses. Ao somar a esse espaço de tempo a tramitação dos PSCs
nas instituições apoiadoras (IA), o prazo total entre a submissão das propostas
e sua contratação pode levar mais de 12 meses para ser concluído.
Em experiências anteriores, como no caso do PAISS, o intervalo médio
entre as etapas do edital foi de cerca de quatro meses. No Inova Agro, a média
dos prazos entre as etapas originalmente foi de apenas um mês. Contudo, o
alto volume de operações demandadas, o excesso de documentações físicas
exigidas pelo edital e a capacidade de análise dos pleitos pelas equipes impli-
caram em quatro prorrogações no cronograma do Inova Agro. Dessa forma,
o prazo médio entre as etapas ficou em aproximadamente três meses.
Outra consequência das prorrogações no cronograma original foi o nível
de envolvimento de especialistas externos às IAs no processo seletivo, opção
prevista no item 8.2 da chamada pública. Em decorrência de o período das en-
trevistas ter coincidido com o período de férias acadêmicas, apenas um terço
das empresas que disputavam recursos não reembolsáveis contaram com os
especialistas internos.
Apesar disso, a qualidade da avaliação não foi comprometida, uma vez que
os projetos apresentados não possuíam conteúdo tecnológico desconhecido
pelas equipes internas de análise das IAs.
Após a conclusão do edital com a indicação dos instrumentos de apoio
por parte das instituições apoiadoras, as empresas precisam se submeter aos
processos de análise e concessão de crédito de cada uma dessas instituições,
o que resulta em um tempo adicional para o recebimento do apoio financeiro.
Em virtude desse longo tempo dispendido, é necessário refletir sobre
os ganhos das empresas que passaram por todas as etapas sem que estives-
sem enquadradas nos temas que dispunham de apoio não reembolsável. As
condições oferecidas a essas empresas foram as mesmas já disponíveis para
apoio pelas duas instituições.
Por essa razão, as IAs propuseram, após a realização do workshop, que 195
essas empresas saíssem do edital, para que seus projetos já começassem a ser
Agroindústria
analisados. Entretanto, nenhuma empresa aceitou a proposta, permanecendo
todas até a conclusão das etapas do edital.
Esse fato, aliado ao observado na fase de sabatina, leva à percepção de que
as empresas creditaram ganhos em marketing ao ter seus projetos selecionados
pelo edital; ou tiveram receio em sair e perder algum benefício que não estava
sendo explicitado; ou não estavam com seus PNs maduros suficientes a essa
altura do edital. Contudo, dados o custo e o tempo despendidos para as IAs,
talvez seja mais adequado que os próximos editais não envolvam temas que
contem apenas com recursos reembolsáveis. Ou, caso se mantenham linhas
apoiáveis apenas com reembolsáveis, que o trâmite nesses casos seja mais
simplificado, com menos etapas.
Diversidade de temas
Diferentemente do PAISS, que teve como base um diagnóstico prévio
e amparado na estratégia de elevado nível de focalização e articulação,
com o intuito de induzir as empresas brasileiras a investir no desen-
volvimento de novas tecnologias dedicadas ao setor sucroenergético
[Nyko et al. (2013)], o Inova Agro envolveu 17 temas e subtemas compreen-
didos nas categorias de insumos, processamento e máquinas e equipamen-
tos, o que impediu uma análise prévia mais aprofundada dos temas. Para
dar conta dessa enorme abrangência, foi necessária a participação de seis
departamentos do BNDES nas etapas de análise das CMIs e PNs, além da
ajuda de consultores externos.
196 Restrições na dotação orçamentária de recursos subvencionáveis
No edital do Inova Agro, foram previstos R$ 30 milhões para apoio através
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio
Agroindústria
Uma alternativa que poderia ser estudada seria a criação de um fundo
garantidor para perdas com projetos de inovação, o qual teria como funding
recursos não reembolsáveis. Esse fundo permitiria às IAs arriscarem mais,
apoiando algumas empresas que normalmente não teriam acesso ao crédito
daquelas instituições.
Outra alternativa possível seria a constituição de um fundo de renda
variável exclusivo para apoio às operações dos Inovas, com característi-
cas mais adequadas ao perfil de empresas que têm participado dos editais.
Oportunidades
Integração entre equipes de departamentos
do BNDES e entre BNDES e Finep
Tendo em vista a abrangência temática do edital e a setorialização da es-
trutura organizacional do BNDES, a participação de outros departamentos
198 no processo de análise e seleção de PNs foi fundamental para dar maior con-
sistência ao processo seletivo. Além disso, permitiu a identificação de temas
A experiência do edital Inova Agro:
dificuldades e oportunidades do plano de fomento conjunto à inovação no agronegócio
Considerações finais
O Plano Inova Empresa foi criado como um novo modelo de fomento
à inovação, prevendo a articulação dos programas de diversas instituições
públicas e o uso coordenado de seus instrumentos de apoio.
A experiência do Inova Agro, no âmbito do Plano Inova Empresa, trou- 199
xe à tona algumas fragilidades e oportunidades de aperfeiçoamento desse
Agroindústria
instrumento para apoio à inovação.
Dentre as principais fragilidades, destacam-se: a abrangência dos temas
contemplados no edital, impedindo um aprofundamento do conhecimento
sobre estes; a ausência de instrumentos de apoio adequados por parte das
IAs para determinados tipos de projetos e empresas com elevado conteúdo
tecnológico, porém não enquadráveis nos requisitos para concessão de cré-
dito das IAs; e a pequena dotação orçamentária para a subvenção econômica
perante os recursos disponíveis no edital.
Já entre as maiores oportunidades desse instrumento de apoio à inova-
ção, elencam-se: fomento e atração de novas empresas para as carteiras das
IAs, mesmo aquelas desclassificadas; estímulo às operações de maior ris-
co através dos recursos não reembolsáveis; e incentivo à cooperação entre
empresas e entre elas e as ICTs.
O maior volume de projetos apresentados e selecionados nos temas do
setor de insumos, sobretudo fertilizantes, enseja um aprofundamento fu-
turo das razões para tal tendência; como proposta, sugere-se uma reflexão
sobre essas razões e a criação de novos instrumentos de apoio financeiro à
inovação por parte das IAs.
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Metalurgia
BNDES Setorial 40, p. 205-234
Resumo
Este artigo tem o propósito de apresentar um quadro da indústria de geração
de energia fotovoltaica no mundo e no Brasil e, em particular, da produ-
ção de seu principal insumo, o silício cristalino em grau solar (SiGS), com
o qual se produzem as células fotovoltaicas. Inicialmente, apresentam-se
as características e a ocorrência do silício e suas principais aplicações,
enfatizando sua utilização na produção de módulos fotovoltaicos. Em
sequência, discorre-se sobre a produção e o mercado global tanto de energia
fotovoltaica quanto de SiGS. São feitas considerações sobre a viabilidade
da produção, no Brasil, de SiGS pela rota metalúrgica, para suprimento do
mercado interno e para que possa vir a ser um fornecedor em nível mundial,
bem como para incentivar e ampliar o uso da energia fotovoltaica no país.
Por fim, apresenta-se o papel que o BNDES pode desempenhar no estímulo
ao desenvolvimento e fortalecimento da produção doméstica desse insumo.
Respectivamente, gerente, economista e geólogo do Departamento de Indústria de Base da Área de
*
Insumos Básicos do BNDES. Os autores agradecem a colaboração do pesquisador João Batista Ferreira
Neto, do Centro de Tecnologia em Metalurgia e Materiais do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do
Estado de São Paulo (IPT), e da Companhia Ferroligas de Minas Gerais (Minasligas).
206 O silício e suas aplicações
Silício
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?
Metalurgia
Outros
10,6%
África do Sul
1,7%
França
2,2%
Noruega
2,3%
Brasil
3,0%
EUA
4,7%
Rússia China
9,1% 66,4%
Ocorrência na natureza
O silício não é encontrado no estado nativo; apenas seus compostos po-
dem ser encontrados na natureza. É o segundo elemento mais abundante e
perfaz mais de 28% da massa da crosta terrestre. Em abundância, fica atrás
apenas do oxigênio, que compõe quase a metade da crosta. Na água do mar,
sua concentração é relativamente baixa, com apenas três miligramas por
litro. No espaço, pode-se encontrar um átomo de silício para cada 30 mil
átomos de hidrogênio.
O principal componente mineral em que o silício está presente, e principal
fonte de exploração, é o quartzo (SiO2), um dos mais abundantes minerais
da crosta. O elemento está presente ainda nos minerais de argila, como a
caulinita (silicato de alumínio hidratado) e a montmorillonita (silicato de
alumínio, magnésio e cálcio hidratado). O silício também é um componente
essencial da maioria das rochas que formam a crosta terrestre, por exemplo,
arenitos e granitos.
Aplicações
O silício é um elemento indispensável em várias indústrias. A areia
quartzosa e a argila, por exemplo, são importantes constituintes na
1
Denomina-se junção P-N a estrutura fundamental dos componentes eletrônicos comumente denomi-
nados semicondutores, principalmente diodos e transistores. É formada pela junção metalúrgica de dois
cristais, geralmente silício e germânio, de natureza P (positivo) e N (negativo), segundo sua composição
em nível atómico. Esses dois tipos de cristais são obtidos ao se doparem cristais de metal com impurezas,
normalmente algum outro metal ou composto químico, como o boro e o fósforo [Wikipédia (2007)].
esse elétron. Esse tipo de silício dopado com fósforo é chamado tipo N 209
(N, de carga negativa).
Metalurgia
Quando o silício é dopado com boro (elemento do Grupo III da Tabela
Periódica), que tem três elétrons na última camada, restará uma lacuna
(ausência elétrons) para ser ocupada por um elétron. Constitui-se, assim,
um silício do tipo P (P, de carga positiva).
Na junção P-N, ocorre um desequilíbrio de cargas e, consequentemente,
um campo elétrico é formado.
A incidência de luz (fótons) excita os elétrons, o que os faz fluir de um
lado a outro. Esse fluxo de elétrons produz uma corrente elétrica e uma di-
ferença de potencial elétrico. Assim funciona a geração fotovoltaica.
Fonte: Elaboração própria, com base em Centro de Pesquisa em Energia Elétrica (Cepel).
2
Redução é diminuição algébrica da carga formal ou do número de oxidação de uma espécie quí-
mica. Forçosamente, isso se dá através da transferência de elétrons vindos de outra espécie química
[Wikipédia (2004)].
2HSiCl3 → Si + 2HCl + SiCl4 211
O silício obtido por esse método e por outros similares apresenta uma
Metalurgia
fração de impurezas de uma parte por bilhão ou menos e é denominado si-
lício policristalino.
O processo DuPont consiste em reagir tetracloreto de silício, à tempe-
ratura de 950°C, com vapores de zinco, na reação:
SiCl4 + 2Zn → Si + 2ZnCl2
Esse método, entretanto, está repleto de dificuldades (por exemplo, o clo-
reto de zinco, subproduto da reação, solidifica-se e provoca a obstrução das
linhas de produção), por isso foi abandonado em favor do processo Siemens.
O silício policristalino pode ser produzido em diferentes graus de pu-
reza. O silício de grau eletrônico (SiGE) apresenta o mais alto grau de
pureza e é utilizado para a fabricação, pelo método Czochralski, do silício
monocristalino, que é usado nas indústrias de semicondutores e fotovoltai-
ca. Esse silício de alta pureza requer mais energia para sua purificação em
comparação com o SiGS, de pureza inferior, que é utilizado para fabricar
lingotes ou faixas policristalinas. A vantagem do silício monocristalino re-
side em resultar em módulos de mais alta eficiência quando comparado ao
silício policristalino.
Pelo fato de a indústria fotovoltaica permitir o uso de silício menos puro
do que a indústria de semicondutores, os passos da rota química tradicional
foram modificados para consumir menos energia. A destilação, nesse caso,
pode ser conduzida mais facilmente e a deposição do silício pode ser feita
em um reator de leito fluidizado, em vez de em um reator de tipo Siemens.
Outra possibilidade é a purificação do silício de grau metalúrgico
(SiGM) por meio de rota metalúrgica para a produção do chamado silício
de grau metalúrgico melhorado (SiGMM), a partir do qual se obtém o SiGS
[De Wild-Scholten (2008)].
A cadeia fotovoltaica
A indústria fotovoltaica é composta pelas empresas envolvidas nas di-
versas etapas de produção de sistemas fotovoltaicos, como mostrado pela
Figura 2.
Metalurgia
os produtores dos demais componentes que integram o sistema de geração
(baterias, controladores de carga e inversores), a exemplo das brasileiras
Moura e Weg. O elo final da cadeia é o investidor que decide pela aqui-
sição dos sistemas fotovoltaicos, a partir da análise dos ganhos potenciais
com a geração da energia.
Os módulos fotovoltaicos são formados por células, produzidas a par-
tir dos wafers (lâminas) de silício cristalino, que, por sua vez, derivam de
processos de cristalização do SiGS.
A produção mundial de silício cristalino, estimada em 228 mil tonela-
das em 2013, é muito concentrada em um número pequeno de empresas,
as quais respondem por 90% da produção total. Os principais líderes em
produção são as empresas Wacker Chemie (Alemanha), Hemlock (EUA),
GCL Solar (China) e OCI Company (Coreia do Sul).
Já a produção de wafers tende a ser mais pulverizada, enquanto a pro-
dução de células é muito concentrada na China, liderada pela Suntech
Power, que também é a maior produtora mundial de módulos. Em geral,
a montagem do módulo é realizada nas unidades produtoras de células,
sendo estas as etapas com maior ocorrência de verticalização na cadeia
produtiva. Em alguns casos, a montagem pode ser realizada em unidades
menores próximas aos mercados consumidores, a fim de reduzir o custo
de transporte.
Trata-se de uma cadeia pouco verticalizada, com fluxo importante de
comércio entre as diversas etapas, o que é refletido na alternância de po-
sição das empresas entre as líderes de produção em cada etapa.
A cadeia tem vivenciado uma situação de sobreoferta nos últimos anos,
o que tem pressionado as margens e elevado a pressão sobre os custos,
levando à migração de unidades produtivas para países asiáticos, com
custos mais competitivos.
Somando-se a isso o avanço da política chinesa de desenvolvimento
interno da tecnologia fotovoltaica, o mercado deverá observar, nos próxi-
mos anos, uma concentração ainda maior da cadeia em produtores chine-
ses e de demais países asiáticos.
214 Evolução da energia fotovoltaica e da
demanda por silício de alta pureza
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?
120.000
100.000
80.000
60.000
40.000
20.000
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Metalurgia
Esses programas, associados à definição de regras claras para a geração
e comercialização e à redução progressiva do custo de geração, levaram ao
crescimento robusto da nova capacidade instalada a cada ano, com refle-
xo direto na elevação da demanda por SiGS, o qual representa atualmente
90% da demanda total mundial por silício cristalino. Em 2012, a demanda
mundial pela indústria fotovoltaica foi de aproximadamente 6,5 vezes a
demanda da indústria de semicondutores.
A evolução ocorrida nos últimos anos demonstra uma dependência
muito grande do volume anual de novas instalações de sistemas de ge-
ração fotovoltaicos em relação aos programas de incentivos adotados.
Como exemplo, o mercado observou taxas explosivas de crescimento en-
tre 2004 e 2011, suportadas principalmente pela expansão em dois países,
Alemanha e Itália, como reflexo de elevados incentivos implementados
por ambos. Por conta disso, a projeção da demanda futura é um grande
desafio para os analistas, que constantemente subestimam a demanda real
observada a cada ano.
A evolução irregular da demanda, associada ao longo prazo e elevado
investimento para implantação de novas plantas, tem levado historicamen-
te a um comportamento cíclico do mercado, alternando entre períodos de
escassez e excesso de oferta, com reflexo direto nos preços do silício, que,
por sua vez, replicam esse comportamento cíclico, com elevada amplitude
entre os preços máximos e mínimos nos últimos anos.
O cenário recente do mercado de silício foi marcado por uma bai-
xa taxa de crescimento de novas capacidades em potência fotovoltaica.
Segundo dados de EPIA (2013), o volume instalado no mundo, em 2012,
cresceu apenas 2,32% (Gráfico 3) em relação ao ano anterior, enquanto
na Europa houve no mesmo ano uma redução de 23,43%, parcialmente
explicada por uma relativa estabilização do mercado alemão e pela queda
brusca das novas instalações na Itália, após o boom verificado em 2011.
Assim, o mercado observou uma queda da participação da Europa em
2012, o que deve ser uma tendência também para os próximos anos, com
crescimento mais acelerado nos países com maior potencial de geração
solar (maiores taxas de irradiação) em comparação com um mercado eu-
ropeu mais maduro e menos impulsionado por políticas de governo.
grafico 03
216 Gráfico 3 | Acréscimo anual de capacidade em
potência fotovoltaica (em MW), 2000-2012
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?
35.000
30.000
25.000
20.000
15.000
10.000
5.000
0
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Oferta
Impulsionado pelos programas de incentivos e pelo crescimento acele-
rado da nova capacidade instalada em 2007 (158%) e em 2010 (130%), o
mercado observou uma grande elevação da oferta nas diversas etapas da
cadeia fotovoltaica nos últimos anos.
Segundo relatório de junho de 2012 da Associação Brasileira da Indústria 217
Elétrica e Eletrônica (Abinee) [Abinee (2012)], ao fim de 2011 a capacidade
Metalurgia
anual de produção de células fotovoltaicas era de 57,9 GW, enquanto a de-
manda por nova capacidade nesse ano foi de 30,4 GW. As taxas de cresci-
mento da oferta situaram-se entre 36% e 120%, de 2007 a 2011, notando-se
maior crescimento na Ásia, com China e Taiwan respondendo, juntas, por
68% da oferta mundial em 2011.
A partir do aprofundamento da crise iniciada em 2008, principalmente na
Europa, o mercado observou uma redução da taxa de crescimento da deman-
da, o que agravou o excesso de capacidade da indústria, levando à mais acen-
tuada reversão observada no setor. Segundo Meza (2014), em 2013 os gastos
com equipamentos para geração solar reduziram-se para US$ 1,73 bilhão,
o menor valor em oito anos, em contraste com o pico de gastos de aproxima-
damente US$ 13 bilhões em 2011. O excesso de capacidade levou também
à queda acentuada dos preços dos sistemas de geração nos últimos anos,
causando o fechamento de fábricas de células menos competitivas, obriga-
das a deixar o mercado.
Com base nos dados de EPIA (2013), haveria uma sobrecapacidade ain-
da maior para produção do silício cristalino, o que justificaria a queda mais
acentuada verificada nos preços. O pico dos gastos com equipamentos e a
consequente elevação dos preços do silício cristalino levaram ao aumento
da capacidade produtiva, em um cenário que já era de sobreoferta de siste-
mas de geração. O excesso de capacidade para produção de silício levou à
queda significativa das taxas de utilização mesmo dos grandes produtores
de baixo custo, ocasionando queda acentuada dos preços.
A elevada disponibilidade de oferta de silício e a difusão de tecnologias
de purificação mundialmente configuram um mercado muito competitivo,
de margens operacionais reduzidas. Além disso, a expansão futura da ge-
ração de energia fotovoltaica depende da competitividade dessa fonte em
relação às demais fontes de energia, o que pressiona ainda mais a indústria
a reduzir os custos de produção dos sistemas geradores.
A queda do preço da energia solar, possibilitada pela queda dos cus-
tos dos sistemas de geração, observada ao longo dos anos, gera um oti-
mismo em relação ao alcance futuro da paridade de preços com formas
convencionais baseadas em combustíveis fósseis, o que levaria a enorme
expansão do mercado fotovoltaico. Segundo o prêmio Nobel de Economia
218 Paul Krugman [Krugman (2011)], “se a tendência de queda de preços
continuar – e parece que de fato está se acelerando –, em poucos anos atin-
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?
Preços
Nos primeiros quatro meses de 2011, em função da expectativa favorá-
vel de aumento da demanda por energia fotovoltaica, o estoque mundial de
painéis atingiu um volume equivalente a 10 GW. Nesse processo de estoca-
gem, toda a cadeia produtiva sofreu pressão de alta de preços, especialmente
os preços do silício cristalino, produto de maior consumo na fabricação de
módulos fotovoltaicos. Todo esse movimento, entretanto, deu-se em uma
estrutura de oferta que já apresentava sobrecapacidade.
Na segunda metade do ano, três das maiores produtoras mundiais de 219
silício cristalino colocaram em marcha novas capacidades. Além disso, a
Metalurgia
Noruega começou a aumentar a oferta de wafers no mercado spot, fazendo
com que os preços desses produtos e, consequentemente, do silício crista-
lino começassem uma trajetória de queda.
Como consequência desse movimento, muitas pequenas empresas chi-
nesas que operavam, em sua maioria, no mercado spot e apresentavam cus-
tos de produção na casa dos US$ 30,00/kg começaram a sair do mercado,
sendo substituídas por capacidades com maiores escalas e menores custos
médios de produção.
É interessante observar uma alteração na correlação de preços e
de volume de importação de silício cristalino da China. Antes desse
movimento, à medida que aumentavam as importações chinesas, o preço
spot do silício cristalino aumentava. Agora, apesar do aumento das im-
portações, o preço spot tem apresentado queda. Empresas de custos de
produção competitivos, por exemplo, a Hemlock Semiconductor e a REC
Silicon, dos EUA; a OCI, da Coreia do Sul; e a Wacker, da Alemanha,
têm suprido parcela do mercado doméstico chinês, em substituição às
empresas locais menores.
Cabe destacar, que, em outros países, empresas menos competitivas
também pararam a produção, como na Itália, na Rússia e até mesmo na
Coreia do Sul.
Apesar de os grandes produtores operarem com contratos de longo prazo,
os preços desses contratos têm sido influenciados pelo preço spot. Ainda
em 2011, os principais fornecedores renegociaram preços com seus clientes
refletindo o ajuste dos preços spot.
Em 2012, um dos principais movimentos do mercado foi o de desova
de estoques. Empresas chinesas produtoras de silício cristalino, que aban-
donaram as operações, começaram a se desfazer de seus inventários, para
obterem liquidez, vendendo-os no mercado spot, a baixos preços, pressio-
nando ainda mais os preços que já se encontravam muito abaixo da média
dos últimos anos. Como resultado, os níveis de utilização da capacidade
instalada (Nuci) de várias plantas produtoras apresentaram quedas expres-
sivas. Na Coreia do Sul, por exemplo, a OCI chegou a operar em um nível
de utilização da capacidade de 40%, no fim do ano.
220 Durante o ano de 2012, o preço spot internacional caiu 52%, mesmo
depois da queda de 58% observada em 2011, chegando a fechar o ano no
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?
grafico 04
O Gráfico 4, a seguir, apresenta o movimento recente dos preços spot
do silício policristalino.
70
60
50
40
30
20
10
0
2º sem. 2010 1º sem. 2011 2º sem. 2011 1º sem. 2012 2º sem. 2012 1º sem. 2013 2º sem. 2013 mai. 2014
Metalurgia
cluindo todas as tecnologias disponíveis, em 2012, das cerca de 350 mil
toneladas de capacidade instalada, aproximadamente 55% operaram
com custos de produção abaixo de US$ 20,00/kg. Com uma deman-
da mundial por SiGS, em 2012, de 189 mil toneladas, ou seja, com um
Nuci de 54%, o preço de 2012 fechou próximo a esse valor (custos
marginais de produção).
A indústria fechou o ano de 2013 com uma capacidade instalada apro-
ximada de 290 mil toneladas de SiGS e um Nuci de 76%. No ano, cerca
de 77% da capacidade industrial operou com custos de produção abaixo
de US$ 18,00/kg, fazendo com que os preços fechassem próximos a esse
valor (US$ 19,00/kg).
Graças ao movimento anteriormente apresentado pelo mercado, a ten-
dência é que novas instalações, que estão substituindo instalações menos
competitivas, venham a operar com custos abaixo desses valores. Em 2014,
deverão entrar em produção cerca de 60 mil toneladas, com baixos custos.
Cabe destacar uma pequena reação nos preços, nos primeiros meses de 2014,
fazendo o do silício spot atingir o valor de US$ 21,00/kg.
Esperam-se, para os próximos anos, custos marginais entre US$ 15,00/kg
e US$ 17,00/kg, podendo os preços, em cenário de baixa demanda, assu-
mir esses valores.
Mesmo em cenários mais otimistas, dificilmente, nos próximos três anos,
os preços spot chegarão a valores superiores a US$ 30,00/kg.
Metalurgia
Fonte: Elaboração própria.
Metalurgia
tribuída, a Resolução Normativa 482 estabeleceu as condições gerais para
o acesso de micro e minigeração distribuída aos sistemas de distribuição
de energia elétrica, e criou o sistema de compensação de energia elétrica
correspondente (net metering).
O sistema definido na Resolução Normativa 482 tem a finalidade de
regular a troca de energia entre concessionária e usuários/geradores. Com
o sistema, o consumidor pode compensar seu consumo de energia a par-
tir da energia injetada à rede com micro ou minigeração distribuída, que é
abatida no momento da cobrança. O governo lançou em março de 2014 um
caderno para orientação ao público sobre o sistema. Espera-se que o desen-
volvimento do sistema impulsione nos próximos anos uma expansão mais
acelerada de projetos de micro e minigeração de consumidores comerciais
e residenciais, para os quais o custo de geração fotovoltaica já é bem pró-
ximo da tarifa final de energia (paridade de rede).
O ano de 2014 tem sido marcado pelo desabastecimento dos reservató-
rios de água e problemas para geração hidrelétrica, com a necessidade de
acionamento de usinas termelétricas e encarecimento do preço da energia
ao consumidor final. Enquanto os grandes projetos de geração não ficam
prontos, o governo busca promover projetos de geração menores, o que abre
mais espaço para a energia fotovoltaica. As previsões quanto às condições
geoclimáticas brasileiras indicam maior ocorrência de situações extremas
(como ausência prolongada de chuvas), tornando ainda mais representativo
o caráter complementar da energia fotovoltaica no sistema nacional.
Em 27 de dezembro de 2013, o estado de Pernambuco lançou o primeiro
leilão específico de energia solar no Brasil, com a contratação de 122,82 MW
de geração, em torno de seis vezes mais a capacidade acumulada instalada
atual. O leilão garantiu o início da instalação das primeiras seis usinas sola-
res de grande porte no país e estabeleceu um preço mais realista, em média
R$ 228,63/MWh, para futuras concorrências.
A energia solar já havia estreado nos leilões de energia do governo fe-
deral realizados no fim de 2013, mas competindo com usinas eólicas e à
biomassa. No entanto, o valor máximo estabelecido para a energia vendida
nos leilões A-3 (R$ 126,00/MWh) e A-5 (R$ 122,00/MWh), na prática, in-
viabilizava os projetos fotovoltaicos.
226 Com a realização de leilões específicos, espera-se gerar a demanda mí-
nima necessária para a instalação no Brasil das indústrias atuantes nos elos
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?
Metalurgia
No início da cadeia produtiva, há atores relevantes que já fabri-
cam silício metalúrgico. Os principais são os seguintes: Dow Corning,
Liasa, Minasligas e Rima. Dentre esses, destaca-se a iniciativa das
brasileiras Minasligas (em parceria com o IPT e o BNDES) e Rima de inves-
tir em pesquisa, desenvolvimento e inovação (P,D&I) na rota metalúrgica de
produção do SiGS. A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em par-
ceria com a brasileira Tecnometal, também está realizando P,D&I na rota me-
talúrgica, cujo projeto – no âmbito do Fundo Tecnológico (Funtec) – está em
análise no BNDES.
Destacam-se, ainda, investimentos da Pontifícia Universidade Católica
do Rio Grande do Sul (PUC-RS) – que possui acordo de cooperação
com o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel/Eletrobras) – e do
Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec-MG) em P,D&I de
purificação de silício na rota química. Segundo informações no site do Cepel,
a PUC-RS atingiu em seus painéis solares, em testes laboratoriais, níveis de
eficiência energética superiores aos de produtos equivalentes no mercado.
No tocante à produção local de painéis fotovoltaicos, no Brasil, há
a Tecnometal, que possui uma linha de produção de 25 MWp ao ano e
intenciona expandir sua capacidade produtiva.
Vários grupos estrangeiros estão prospectando o mercado nacional, seja
para comercialização de suas tecnologias, seja para a implantação de li-
nhas de produção no país. São exemplos as empresas Oerlikon, SunPower,
Saint-Gobain e CEA-Liten.
Apesar do momento oportuno, o desenvolvimento da indústria foto-
voltaica ainda enfrenta desafios relacionados à capacidade do sistema de
distribuição em receber e gerir um maior volume de energia fotovoltaica,
dada a intermitência natural do recurso que causa súbita queda de geração
no sistema.
Além disso, a situação do setor elétrico, após a Medida Provisória
579/2012 e em um momento de preços mais elevados da energia no curto
prazo, a partir do aumento da geração térmica, tem representado um proble-
ma para a sustentabilidade das indústrias de silício metalúrgico. A produção
de silício metálico é eletrointensiva, a energia elétrica chega a representar
228 até 35% dos custos de produção do silício metalúrgico. Há incerteza quan-
to à energia disponível para negociação futura no mercado livre, o que tem
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?
Metalurgia
produção de SiGS a partir da rota química, há necessidade de aproveitamento
de escala e de escopo de uma unidade de SiGE.
A principal rota de produção do SiGS que está sendo investigada no
Brasil é a rota metalúrgica. Na rota metalúrgica, o desafio é muito mais
tecnológico do que econômico (como é o caso da rota química), já que as
operações envolvidas na purificação do silício por essa rota (por exemplo,
fusão, solidificação controlada, refino piro e hidrometalúrgico) são muito
mais próximas do que é dominado hoje pelas indústrias brasileiras produtoras
de SiGM, facilitando sua adaptação. Além disso, a técnica de purificação até
o grau solar não está ainda totalmente dominada, ou seja, ainda há espaço
para competição, diferentemente da rota química, em que as empresas que
já são produtoras de SiGE levam grande vantagem.
O país conta com institutos de pesquisa que já têm experiência na puri-
ficação do silício metalúrgico, podendo-se citar o IPT e a Unicamp.
Contando com o apoio do BNDES, através de recursos do Funtec, dois
projetos visando à produção de SiGS solar estão sendo desenvolvidos: (i) um
pelo IPT, em parceria com a empresa Minasligas; e (ii) outro pela Unicamp,
com a interveniência da Tecnometal.
No projeto que está sendo desenvolvido pelo IPT em parceria com a
Minasligas, a rota de purificação está praticamente desenvolvida, faltando
apenas definir quais etapas são mais vantajosas do ponto de vista econô-
mico e a qualificação do produto, que será feita por meio das medidas fí-
sicas realizadas em lâminas obtidas após a cristalização do silício. Pode-se
afirmar que se atingiu o refino pretendido, ou seja, aumento da pureza do
silício de 99,5% (SiGM) para um teor maior que cinco noves de pureza
(>99,999% – SiGS).
Apesar de ainda haver possibilidade de ajustes ou pequenas alterações nos
processos desenvolvidos até o momento, a empresa interveniente Minasligas
está iniciando o estudo de viabilidade econômica da rota tecnológica desen-
volvida. Cabe ressaltar que a Minasligas submeteu projeto, no âmbito do
Plano Inova Energia, pleiteando apoio financeiro a seu plano de negócios, o
qual objetivará, em um primeiro momento, a instalação de uma planta-piloto
de purificação de silício com capacidade anual de cem toneladas.
230 Pode-se ainda citar a inciativa da empresa Solven, que, também no âmbi-
to do Plano Inova Energia, está pleiteando financiamento para a construção
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?
O papel do BNDES
A evolução recente observada no setor elétrico brasileiro abre oportuni-
dades para negócios no âmbito de novas fronteiras tecnológicas, incluindo
o desenvolvimento da indústria fotovoltaica brasileira. Com a realização
dos primeiros leilões fotovoltaicos, espera-se gerar uma demanda capaz de
estimular a produção brasileira nos diversos elos da cadeia. A energia solar
também acaba de receber impulso gerado pela recente normatização dos
critérios de inserção e comercialização da geração distribuída pela Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
No mercado, há propostas de empresas com planos de negócios para
explorar tanto a comercialização de equipamentos (por exemplo, painéis
fotovoltaicos) para os consumidores finais quanto a própria implantação de
usinas geradoras. Além disso, também estão em curso projetos de desenvol-
vimento de processos de purificação de silício e produção ao longo da cadeia.
O Programa Inova Energia, lançado em parceria com a Finep – Inovação
e Pesquisa e a Aneel, já selecionou projetos para desenvolvimento produ-
tivo em elos de maior valor, como a produção de SiGS, e pode ser o início
de um período de apoio crescente a novos projetos na cadeia.
Como principal instituição de financiamento de longo prazo para a rea-
lização de investimentos no Brasil, o BNDES possui linhas e programas de
financiamento capazes de suportar projetos que visem ao desenvolvimento
de processos de fabricação e instalação de plantas produtivas da nascente
indústria fotovoltaica no Brasil.
Conclusões 231
Metalurgia
de instalações de unidades de potência fotovoltaica em todo o mundo. Esse
crescimento, mesmo que se dê a taxas menores que as verificadas nesse
período, deve continuar de forma robusta nos próximos anos, ancorado em
uma estratégia consolidada de renovação da matriz energética por meio de
fontes de energia limpas e renováveis.
Um dos aspectos fundamentais no desenvolvimento da cadeia produtiva
fotovoltaica, que tem como etapa de maior desafio tecnológico a produção
de SiGS, é a necessidade de se obterem baixos custos de produção, para
fazer frente a um cenário mundial de instalação de novas capacidades com
custos cada vez menores.
Entre os países com maior potencial solar no mundo, o Brasil, que con-
ta com jazidas de quartzo de alta qualidade – um dos principais fatores de
competitividade na produção de silício metalúrgico –, realizou seu primei-
ro leilão específico e garantiu o início da instalação das primeiras usinas
solares de grande porte.
As recentes iniciativas brasileiras para a promoção da energia fotovol-
taica, que incluem também o incentivo a projetos de micro e minigeração
de consumidores comerciais e residenciais, poderão consolidar demanda
mínima capaz de atrair o interesse de investidores para o desenvolvimento
da produção nas diversas etapas da cadeia fotovoltaica no país.
A exemplo do ocorrido na China, que iniciou sua produção pelas eta-
pas finais da cadeia e atualmente lidera o mercado mundial, o Brasil pode
verticalizar a montante a produção de módulos fotovoltaicos e viabilizar a
produção de SiGS em escala, podendo vir a ser um fornecedor desse im-
portante insumo para a geração de energia fotovoltaica.
Referências
Abinee – Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica.
Propostas para inserção da energia solar fotovoltaica na matriz elétrica
brasileira. [S.l.]: Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica –
Grupo Setorial de Sistemas Fotovoltaicos, jun. 2012.
232 Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica. Micro e minigeração
distribuída: sistema de compensação de energia elétrica. Brasília: Aneel,
A rota metalúrgica de produção de silício grau solar:
uma oportunidade para a indústria brasileira?
Metalurgia
Sites consultados
Cepel – Centro de Pesquisas de Energia Elétrica – <cresesb.cepel.br/
content.php?catid=4>.
SWERA – Solar and Wind Energy Resource Assessment – <en.openei.
org/apps/SWERA/>.
Ferroviário
BNDES Setorial 40, p. 235-282
Resumo
O presente artigo busca traçar um panorama da indústria de material rodan-
te, tendo em vista a perspectiva de aumento do investimento em novas fer-
rovias para carga e para transporte urbano sobre trilhos no Brasil. Para tal,
são apresentados os principais tipos de transporte sobre trilhos, explorando
suas particularidades, aplicações e identificando os maiores produtores glo-
bais. Apesar de ainda pouco relevantes em termos mundiais, o Brasil possui
plantas de algumas das principais empresas do mundo, além de produtores
nacionais. Contudo, até o momento, a produção local tem sido altamente
volátil e marcada por grande incerteza. Discutem-se, portanto, as implica-
ções dos novos investimentos para estabilização e crescimento do mercado
brasileiro, propondo algumas medidas para um planejamento de longo prazo.
Ferroviário
Tabela 1 | Transporte de cargas: participação e custos
operacionais em 2012 (Brasil e EUA)
Meio Brasil EUA
TKU (%) US$/mil TKU TKU (%) US$/mil TKU
Rodoviário 67 133 31 310
Ferroviário 18 22 37 29
Aquaviário 11 30 10 10
Dutoviário 3 25 21 9
Aéreo 0,04 1.060 0,3 1.107
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Ilos (2014).
TKU: toneladas transportadas por quilômetro útil.
Ferroviário
em todo o mundo [Pereira e Schwanen (2013)].
Os investimentos em infraestrutura e transporte sobre trilhos têm o ob-
jetivo justamente de reverter esse quadro. Com o consequente aumento
da demanda por material rodante, o objetivo do presente artigo é traçar
um panorama global dessa indústria e discutir seu atual estágio no Brasil,
possibilitando um maior conhecimento do segmento e subsidiando futuras
ações do BNDES.
9,5 mil km, sendo o governo dono de um terço desse montante [CNT (2013)].
Com a Proclamação da República, houve novo ímpeto para a construção
de novas ferrovias. À época, a economia era fundamentalmente agrícola e
agroexportadora, daí a necessidade de se transportar commodities do interior
para portos exportadores. A ferrovia Madeira-Mamoré, em Rondônia, por
exemplo, foi inaugurada em 1912 com o objetivo de transportar borracha
da Amazônia aos rios para exportação. A mesma lógica balizou os investi-
mentos no Centro-Sul, especialmente durante o ciclo do café [Ipea (2010)].
Contudo, mais uma vez, não houve um planejamento para articular o
território nacional e integrar a rede. Pequenas ferrovias dispersas e isoladas
foram construídas, mas logo perderam sua viabilidade financeira com o fim
dos ciclos econômicos. Em 1922, o país contava com 29.000 km de ferro-
vias, 2 mil locomotivas a vapor e 30 mil vagões [DNIT (2014)].
A partir da década de 1920, houve um aumento do investimento em ro-
dovias, que passaram a competir com as ferrovias pelos recursos públicos.
Com a escassez de verbas e a fragmentação da malha, aumentavam as difi-
culdades de gestão das ferrovias nacionais. Mesmo assim, as ferrovias ga-
nharam sobrevida no país, principalmente em virtude do advento da tração
elétrica, em 1930, em substituição aos trens movidos a vapor, e posterior-
mente, em 1939, pela tração diesel-elétrica, que gerou considerável ganho
de eficiência [CNT (2013)].
A inflexão ocorre de fato na década de 1950. Com o processo de industria-
lização e urbanização do Brasil, houve grande demanda pelo tráfego de car-
gas, que foi atendida pelos crescentes investimentos em rodovias. As ferrovias
ficaram em segundo plano, o que deflagrou diversas falências. O governo,
então, em 1957, decide estatizar diversas companhias ferroviárias e centrali-
zar o comando em duas empresas: a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA),
que uniu 42 ferrovias; e a Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), que englobava
as ferrovias do estado de São Paulo. O objetivo central era eliminar trechos
deficitários e focar em transporte de cargas, em detrimento ao de passagei-
ros [DNIT (2014); Ipea (2010)].
As décadas seguintes foram de grandes dificuldades para as ferrovias.
Com a crise do petróleo nos anos 1970 e as sucessivas crises vividas pelo
Brasil nos anos 1980, o investimento caiu e houve sucateamento da infraes-
trutura e do material rodante. A opção do governo, dessa vez, foi pela 241
privatização das ferrovias sob controle estatal. A RFFSA foi incluída no
Ferroviário
Programa Nacional de Desestatização (PND), entrou em liquidação em 1992
e seus ativos foram leiloados em 1996. A malha da Fepasa foi incorporada à
RFFSA e concedida a investidores privados. A RFFSA foi totalmente extinta
em 2007 e, atualmente, as principais ferrovias nacionais encontram-se sob
gestão de grandes grupos privados [CNT (2013); Ipea (2010)].
vel. Por fim, há uma distribuição melhor do peso, o que admite a operação
em trilhos dimensionados para tensões menores e gera menor desgaste do
material [UIC (2003)].
Os trens unidade podem ser elétricos ou a diesel. Os elétricos são de-
nominados trem unidade elétrica (TUE), ou electric multiple unit (EMU),
e são alimentados via catenária (com corrente alternada) ou terceiro trilho
(com corrente contínua).1 Já os movidos a diesel são chamados trem unidade
diesel (TUD), ou diesel multiple unit (DMU), e são independentes de ali-
mentação externa, já que possuem toda a motorização e todo o tanque de
combustível embarcados. Em compensação, há maior ruído e vibração nos
trens [Delcan Arup (2010)].
Já para o transporte de cargas, a opção mais usual é a tração por locomo-
tivas. Isso ocorre em virtude da maior flexibilidade proporcionada. Desde
que a carga seja mantida dentro da capacidade da locomotiva, qualquer
quantidade de vagões pode ser acoplada. Como cada vagão é projetado para
uma aplicação distinta (conforme será abordado na subseção “Vagões”), a
adoção de uma tração descentralizada resultaria na incorporação de tração
em um número grande de diferentes tipos de vagões. Isso poderia resultar
em um maior custo do material rodante e menor flexibilidade. Com a uti-
lização de locomotivas, podem-se acoplar diversos vagões, de inúmeras
aplicações, às locomotivas, de acordo com a demanda [Railway Technical
Web Pages (2014a); Delcan Arup (2010)].
Carga
Locomotivas
As primeiras locomotivas comerciais datam do início do século XIX.
Eram equipamentos movidos a vapor, gerado pela queima de madeira ou
carvão. Todo o combustível para queima e a água para resfriamento das
caldeiras eram transportados dentro da locomotiva. Esse padrão se manteve
1
Do ponto de vista de transmissão de energia, a corrente alternada (CA) pode ser transmitida a altas
tensões via condutores de menor diâmetro, como as linhas da catenária. Já a corrente contínua (CC)
necessita de um condutor maior, como um próprio trilho, daí a utilização do denominado terceiro trilho.
Em geral, usa-se CA para longas distâncias e CC para curtas, como transporte urbano. Linhas CC, na
maioria das vezes, vão até 3.000 V e linhas CA ficam entre 15.000 V e 50.000 V [Railway Technical
Web Pages (2014b)].
predominante até a Segunda Guerra Mundial, mesmo com o surgimento das 243
locomotivas elétricas, já no fim do século XIX.
Ferroviário
A tração elétrica possui a vantagem de ser muito mais eficiente ener-
geticamente. Nela, a locomotiva capta energia via pantógrafo de linhas
eletrificadas ao longo da via, chamada catenária. Contudo, em virtude de
elevados custos fixos de manutenção da infraestrutura e obsolescência dos
equipamentos, a tração simplesmente elétrica em locomotivas foi sendo
substituída por um modelo híbrido.
Apesar de também datarem do fim do século XIX, os motores de combus-
tão interna a gasolina e a diesel não foram muito aceitos em locomotivas. Os
principais motivos eram o tamanho e o peso extremos, além da dificuldade
em transmitir torque às rodas. A solução foi a adoção de um modelo híbri-
do: um motor a diesel aciona um gerador que produz energia elétrica para
movimentar motores de tração. Nascia, assim, locomotiva diesel-elétrica, o
formato mais adotado no mundo até hoje. Por fim, há também a locomoti-
va diesel-hidráulica. Nessa configuração, a força é transmitida às rodas por
um conversor de torque, que é acionado pelo motor a diesel e movimenta
o fluido que gera movimento.
Vagões
O segundo elemento do material rodante de cargas é o vagão. Há diversos
tipos, para as mais variadas aplicações e tipos de produto transportado. A
norma brasileira de classificação de vagões NBR11691 organiza essa gama
em alguns principais tipos, conforme o Quadro 1.
Passageiros
Existem diversas opções de transporte de passageiros sobre trilhos. Os
tipos e as aplicações se estendem desde pequenos trens movimentando pes-
soas dentro de um complexo, como um aeroporto, até composições de alta
velocidade conectando diferentes cidades. Entre esses diferentes propósitos,
é possível dividir o transporte de passageiros em urbano e regional.
Transporte urbano
O transporte urbano pode, por seu turno, ser subdivido em diferentes ti-
pos, de acordo com a área de abrangência e capacidade de carga.
Para pequenas áreas de abrangência e baixa capacidade, como um par-
que temático ou um aeroporto, o material rodante é comumente chamado de
people mover (Quadro 2A). Segundo a Associação Americana de Transporte
Público (APTA), um people mover é composto por um ou mais carros, tra-
fega em vias eletrificadas e opera de forma automatizada, sem operadores
a bordo. Pode operar tanto em intervalos regulares, ou sob demanda espe-
cífica de passageiros [APTA (2014)].
Apesar de também operarem tradicionalmente em regiões menores,
como parques temáticos, os sistemas de monotrilho não são necessariamen-
te people movers. O que os distingue dos demais tipos de material rodante
é sua concepção. Fundamentalmente, um monotrilho é um sistema consti-
tuído por um único trilho (ao contrário dos sistemas tradicionais de trilhos 245
paralelos), em que o trem é necessariamente maior que a via (Quadro 2B).
Ferroviário
As vias, por sua vez, são sempre eletrificadas e segregadas, sendo a maio-
ria elevadas, mas podem ser também subterrâneas ou ao nível da rua [The
Monorail Society (2014); APTA (2014)].
O monotrilho vem ganhando aplicações de maior porte recentemente.
Algumas cidades usam esse sistema para transporte dentro dos centros urba-
nos (como Seattle, nos EUA) e outras como opção de transporte de massa,
como é o caso da cidade chinesa de Chongqing, que possui a maior linha
de monotrilho do mundo, com 72 km de vias. No Brasil, foram anunciados
investimentos em linhas de monotrilho em São Paulo (linhas 15 – Prata e
17 – Ouro) e no Rio de Janeiro (Linha 3), em ambos como transporte de
massa, não restritas ao centro.
No passado, eram os bondes que dominavam os centros urbanos
(Quadro 2C). Eles serviram em diversas regiões metropolitanas como o
principal meio de transporte de passageiros. Contudo, à medida que as ci-
dades cresceram, os bondes ficaram restritos a um papel coadjuvante ou
apenas turístico, já que sua baixa capacidade de transporte e velocidade
reduzida inviabilizavam uma expansão para os subúrbios [Cervero (1998)].
Com avanços tecnológicos recentes, os bondes ganharam uma ver-
são mais moderna: o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), ou Light Rail
Transit (LRT) (Quadro 2D). Os VLTs podem circular tanto em faixas
compartilhadas com o restante do tráfego (o que diminui o custo de im-
plantação), como em linhas totalmente segregadas, e possuem maior capa-
cidade de carga que os bondes. Esse sistema pode receber, ainda, controle
automatizado pleno, eliminando a necessidade de operadores. Esse siste-
ma possibilita maior aproveitamento do carro, já que não há necessidade
de cabine dedicada à condução, aumentando a capacidade de carga útil.
Esses sistemas são chamados de Advanced Light Rail Transit (ALRT)
[APTA (2014); Cervero (1998)].
Já os sistemas denominados heavy rail,2 como o metrô, transitam em
faixas exclusivas, totalmente segregadas, em geral subterrâneas, a veloci-
dades superiores e com ainda maior capacidade de carga (Quadro 2E). A
2
As denominações em inglês são importantes para o entendimento da capacidade de carga. Light e
heavy denotam justamente a capacidade de carga do sistema; light se refere a uma capacidade de carga
mais “leve” (isto é, menor) e heavy a uma capacidade mais “pesada” (ou seja, maior).
246 tração é elétrica e se utiliza de TUEs. No centro da cidade, as estações são
subterrâneas e pouco espaçadas. À medida que se afastam do centro, as es-
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante
tações ficam mais distantes entre si e o trajeto pode ser realizado pela su-
perfície, em elevado. Uma vez que a implantação demanda obras pesadas
de engenharia, como escavações, além de custos como desapropriações e
um material rodante mais caro, os sistemas de heavy rail só se justificam
em áreas densamente povoadas [Cervero (1998)].
Ferroviário
daí, os passageiros utilizam outros meios, como VLT, metrô ou ônibus, até o
destino final. Um exemplo dessa aplicação são os trens de subúrbio do Rio
de Janeiro. Tais trens conectam municípios vizinhos, como Duque de Caxias
e Magé, até a estação Central do Brasil, nas imediações do Centro do Rio
de Janeiro. De lá, os passageiros têm a opção de trafegar pelo Centro por
outros meios, como metrô e ônibus.
A Tabela 3 busca comparar os principais sistemas urbanos sobre trilhos
com uma opção rodoviária: o Bus Rapid Transit (BRT). Fundamentalmente,
os custos de implementação são menores do que as opções sobre trilhos, já
que utiliza a própria via. Dependendo do projeto, a via pode requerer reforço,
uma vez que suportará cargas maiores oriundas dos ônibus, ou até mesmo
eletrificação, caso seja utilizado ônibus elétrico (trólebus). Já a velocidade
média, como o VLT, depende da segregação da via. Se a via for integrada
ao tráfego, fazendo com o que o transporte pare em sinais de trânsito, a ve-
locidade será naturalmente menor. Se a via for segregada, a velocidade de
ambas as opções aumentará.
Ferroviário
trem. Contudo, segundo a União Internacional de Ferrovias (UIC), não há
uma definição universal e padronizada do que é alta velocidade. O conceito
mais usado deriva da diretiva 96/48/EC do Conselho da União Europeia: para
uma linha ser caracterizada como de alta velocidade, dois critérios devem
ser compatíveis entre si. Primeiramente, a infraestrutura da linha deve ser
construída ou adaptada especificamente para esse uso. Em segundo lugar,
o material rodante deve atingir uma velocidade de, no mínimo, 250 km/h
em linhas construídas especialmente para alta velocidade; ou um mínimo de
200 km/h em linhas preexistentes que foram adaptadas para alta velocidade
[Conselho da União Europeia (1996); UIC (2014)].
Portanto, os trens que não alcançam tais critérios são chamados apenas
de regionais (Quadro 3A). Já os que atendem à norma são denominados de
alta velocidade (Quadro 3B).
3
Mesmo que tais barreiras sejam rompidas, há um limite técnico de velocidade para o trem. Ao se
aproximar da velocidade do som, perto de Mach 0,8 (ou 80% da velocidade do som), o trem entra em
uma zona de escoamento crítica, na qual as ondas de choque causadas pelo eventual rompimento da
barreira do som trariam danos irreparáveis aos trilhos e ao material rodante.
Panorama internacional 251
Ferroviário
A UNIFE – Associação Europeia da Indústria Ferroviária estima que o
mercado ferroviário global movimentou cerca de € 146 bilhões em 2011 e
que deverá crescer a uma taxa anual composta equivalente (CAGR) de 2,6%
ao ano até 2017, chegando a aproximadamente € 170 bilhões.4 A Europa
Ocidental e a Ásia concentram a maior parte dos investimentos, conforme
pode ser visto na Tabela 5. Mesmo com um crescimento bem acima da mé-
dia nos próximos anos, UNIFE (2013) ainda projeta as Américas Central e
do Sul como os menores mercados em volume total de investimento.
4
Não inclui obras civis.
252 sobre trilhos. A aquisição do material rodante ocupa a segunda posição, com
uma estimativa de atingir cerca de € 55 bilhões em 2017.
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante
Ferroviário
influenciado pela diminuição da demanda chinesa, em especial no material
rodante de alta velocidade.
Principais empresas
Há uma grande relação entre os principais mercados ferroviários e a
origem das grandes empresas de material rodante. A Tabela 9 apresenta
as dez maiores empresas de 2009 a 2012, de acordo com a receita em eu-
ros. Estima-se que, em 2012, as dez maiores responderam por 40,6%5 das
receitas do setor. Cabe ressaltar o grande crescimento das chinesas CNR
e CSR, que ocupam as duas primeiras posições, à frente das tradicionais
Bombardier, Alstom e Siemens.
5
Estimativa dos autores.
(Continuação) 255
Empresa 2012 2011 2010 2009
Ferroviário
Stadler 6
Siemens 7 5 5 5
GE Transportation 8 7 10 6
Uralvagonzavod 9
Trinity Industries 10
CAF 8 7 8
Hyundai Rotem 9 8
Kawasaki 10 9 7
EMD 9
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de Leenen (2014) e Leenen e Wolf (2012).
zadas nesse segmento. Justamente essas duas empresas são as únicas que
não fabricam locomotivas, material rodante produzido por todas as outras e
único ramo de atuação em material rodante das americanas EMD (do grupo
Caterpillar) e General Electric (GE).
Outros negócios
Trens de alta velocidade
Monorail (monotrilho)
Empresa
Sede
Locomotivas
Transporte
Vagões
Grupo
Alstom Energia, € € 26.700 França
smart 5,50 20,30
grids
Ferroviário
em 2013
Outros negócios
Trens de alta velocidade
Monorail (monotrilho)
Empresa
Sede
Locomotivas
Transporte
Vagões
Grupo
Stadler - € 2,00 6.000 Suíça
CNR e CSR
Com o estrondoso crescimento da economia chinesa nos últimos anos,
houve aumento considerável na demanda por transporte sobre trilhos para
cargas e passageiros. Em 1949, o país possuía 22.000 km de vias, 43.000 km
em 1978, 52.000 km em 1985, 90.000 km em 2010 e mais de 100.000 km em
2013. O segmento de cargas foi impulsionado pela necessidade de transportar
carvão e minério de ferro do interior para as regiões costeiras industrializa-
das. O segmento de passageiros, tanto urbano como regional, cresceu pela
necessidade de um transporte eficiente entre áreas densamente povoadas.
Tal crescimento foi fruto da priorização do transporte sobre trilhos pelo
governo chinês. Antes do processo gradual de abertura econômica, a China
importava material rodante da antiga União Soviética. Somente a partir de
1978, o país passou a importar também de países ocidentais, em formato
complete knock down (CKD). Em 1986, foi estabelecida, dentro do Ministério
das Ferrovias, a Locomotive and Rolling Stock Industrial Corporation, que
teve seu nome mudado para China National Railways Locomotive and
Rolling Stock Industrial Corporation em 1989. O papel dessa empresa era
258 montar os trens de forma centralizada, inicialmente em CKD e, posterior-
mente, realizando todo o processo produtivo na própria China.
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante
6
Bitola é a distância entre as faces internas das partes superiores dos trilhos, sobre os quais deslizam
as rodas dos veículos. O padrão internacional, adotado na Conferência Internacional de Berna, em 1907,
é denominado standard e possui 1,435 m. As bitolas abaixo desse valor são chamadas estreitas e as que
estão acima, largas. No Brasil, a bitola estreita é a métrica (de 1,0 m) e a larga é a 1,6 m. As vias podem,
ainda, ter três ou mais trilhos, para permitir a passagem de veículos com bitolas diferentes. Nesse caso,
a bitola é denominada mista [ANTF (2014a)].
Tabela 11 | Extensão da malha brasileira por perfil de bitola (em km) 259
Ferrovia Bitolas
Ferroviário
Larga Métrica Mista Total
(1,6 m) (1,0 m)
ALL Malha Norte 617 617
ALL Malha Oeste 1.945 1.945
ALL Malha Paulista 1.463 243 283 1.989
ALL Malha Sul 7.254 11 7.265
Estrada de Ferro Carajás 892 892
Estrada de Ferro Paraná Oeste 248 248
Estrada de Ferro Vitória a Minas 905 905
Ferrovia Centro-Atlântico 7.910 156 8.066
Ferrovia Tereza Cristina 164 164
MRS Logística 1.632 42 1.674
Transnordestina Logística 4.189 18 4.207
Ferrovia Norte-Sul 720 720
Total | Transporte de cargas 5.324 22.858 510 28.692
Metrôs* 216,5 71,7 305,6
VLTs 45,7 45,7
Trens urbanos** 474,1 180,4 671,5
Trens turísticos e culturais 117,4 117,4
Trombetas-Amapá***-Jari 68 35 297
Total | Transporte de passageiros 759 450 1.437
Total geral 6.083 23.308 510 30.129
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de CNT (2013).
* O metrô de São Paulo possui 17,4 km em bitola standard (1,435 m).
** 17 km em bitola de 1,1 m.
*** 194 km em bitola standard (1,435 m).
Produtos
siderúrgicos
3,86%
Minérios, Agronegócio
15,21%
carvão mineral
77,49%
Derivados de
petróleo e etanol
2,86%
Insumos de
construção civil
e cimento
0,58%
Ferroviário
29% do total de ativos, 59% das locomotivas do país possuem mais de trin-
ta anos, com concentração significativa na faixa de trinta a quarenta anos.
Parte desses ativos mais antigos data da época da RFFSA e passam por es-
tudos da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer) e ANTF
para renovação [Revista Ferroviária (2014)].
99% 100%
1.200 1.155
100
88%
80% 90
1.000
849 80
800 70
60
600 50
41%
31% 40
29%
400 316
287 30
252
200 20
74
26 10
0
0
Até 10 10 a 20 20 a 30 30 a 40 40 a 50 50 a 60 acima de 60
2017. Esse montante se divide entre metrôs, trens de subúrbio, VLTs, mo-
notrilhos e BRTs. Excluindo-se os BRTs e olhando só o investimento em
transporte sobre trilhos, o valor é de R$ 46 bilhões.
GE 1.931
EMD 773
Macosa 126
Villares 53
MX 53
ALCO 29
ALL Brasil 19
Hitachi 13
Stadler 7
EFCB 3
Ziyang 2
Toshiba 1
Quantidade de locomotivas
100%
300 95%
100
88%
250 90
226
80
234
Percentual da frota total
200
Quantidade de trens
70
55%
60
150
40% 50
108
32% 40
100
30
59
50 46 36
20
10
0
0
Até 10 10 a 20 20 a 30 30 a 40 40 a 50 50 a 60
Ferroviário
São Paulo corresponde a R$ 26,5 bilhões, com destaque para a construção
de 31 km de metrô nas linhas 2, 5 e 6, além de 57 km de monotrilhos das
linhas 15, 17 e 18. A expectativa é de que a rede passe dos atuais 75 km para
cerca de 163 km na próxima década. O investimento no Rio de Janeiro é de
R$ 12,7 bilhões, com destaque para a Linha 4 do Metrô, a implantação do
monotrilho Niterói-São Gonçalo e o VLT do Centro da cidade. As demais
regiões metropolitanas possuem perspectiva de investimentos metroferro-
viários, como Porto Alegre (15 km), Curitiba (18 km), Salvador (36 km),
Fortaleza (12 km) e Belo Horizonte (15 km).
Tal volume de investimentos impacta diretamente na aquisição de ma-
terial rodante. Tendo em vista os projetos em andamento e as projeções do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é possível estimar os volu-
mes destinados a cada material rodante, tanto em quantidade de carros como
em volume financeiro. Dessa forma, estima-se que até 2017 serão gastos
cerca de R$ 10 bilhões somente na aquisição de material rodante, com o
metrô capturando a maior parte dos investimentos (Tabela 13).
Ferroviário
e gastos sem certeza de viabilização dos projetos. Se os gestores públicos
não têm como planejar-se, a indústria sofre.
8.000
7.000
6.000
5.000
4.000
3.000
2.000
1.000
0
2009
2005
2003
2007
1999
1989
2001
1995
1993
1979
1997
1985
1983
1987
2013
1975
1973
1991
1977
1981
2011
1971
novamente em 2008 para 5.118 e caiu para 1.022 em 2009 (Gráfico 5).
120
100
80
60
40
20
2009
2005
2003
2007
1999
1989
2001
1995
1993
1979
1997
1985
1983
1987
2013
1975
1973
1991
1977
1981
2011
1971
500
450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
2009
2005
2003
2007
1999
1989
2001
1995
1993
1979
1997
1985
1983
1987
2013
1975
1973
1991
1977
1981
2011
1971
Ferroviário
e sua capacidade instalada. A Tabela 14 ilustra essa realidade, mostrando
como o setor operou bem abaixo da capacidade em 2013.
1.600
1.200
800
400
-400
-800
-1.200
-1.600
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1999
1998
2001
2010
1997
2012
2013
2011
100
38 96 253 95 66 44 18 115 155 228 169 427 209 894 606 543 394 75
32 21 50 %
33 74 73 214
72 205
199
41 37 104 223 271
80 458
25
22
18 28 27 27 49 20 33 65 50 48 91 44 197 306 168 159
23 0
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Ferroviário
100
1
4 7 10
12 8 14 23 22 112 152 75 58 27
7 99 75
189 16
3
3 12 18
4
4 5 537
8 271
6 13 50
41
40 25
14 43 167
18 71
13 169
22 24 132 154 25
22
80 18 77
10
48
54 0
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
1.000
500
-500
-1.000
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Ferroviário
Bom Sinal Barbalha (CE) VLTs
Bombardier Hortolândia (SP) Monotrilhos
CAF Hortolândia (SP) Metrôs, trens de subúrbio,
VLTs
Coester São Leopoldo (RS) Aeromóveis, APMs
EIF Três Rios (RJ) Locomotivas
EMD Sete Lagoas (MG) Locomotivas
Empretec Guarulhos (SP) Vagões especiais
GE Contagem (MG) Locomotivas
IESA/Hitachi Araraquara (SP) ***
Monotrilhos
IESA/Hyundai Rotem Araraquara (SP) Trens de subúrbio
MPE/Scomi Rio de Janeiro (RJ) Monotrilhos
Randon Caxias do Sul (RS) Vagões
Araraquara (SP)* Vagões
T’Trans Três Rios (RJ) VLTs
Usiminas Santana do Paraíso Vagões
(MG)
Fonte: Elaboração própria, com base em dados dos sites das empresas.
* Plantas em construção.
** Também possui fábrica em Cruzeiro (SP) para fabricação de peças e componentes.
*** Em estudo.
1.200
968
1.000
800 747
R$ milhões
648 647
600 519
557
400
200
86 69 205 222
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: BNDES.
Nota: Valores em R$ de dezembro de 2013, corrigidos pelo IGP-DI (FGV).
Ferroviário
novas ferrovias para carga e no transporte urbano sobre trilhos, há uma na-
tural tendência de crescimento da demanda por material rodante novo. O
presente artigo buscou, portanto, traçar um panorama dessa indústria e as
perspectivas para o desenvolvimento desse setor no Brasil.
Historicamente, o meio ferroviário no país sofreu com um crescimento
desordenado, sem planejamento ou priorização, e à margem do rodoviário.
Outros países, ao contrário, sempre tiveram os trilhos como prioridade, seja
para carga ou para passageiros. É o caso do Japão, da China, dos EUA e de
europeus, como Alemanha e França. Justamente esses países são sede de
algumas das principais empresas de material rodante, impulsionadas pelos
fortes mercados interno e regional.
É importante notar que, mesmo em países desenvolvidos, o investimento
em infraestrutura possui forte participação estatal. O crescimento da demanda
por material rodante no Brasil, acima da média mundial, é justamente
atrelado a esse movimento. Com isso, apesar de ainda pequeno em relação
aos demais mercados globais, o brasileiro começa a demonstrar boas
perspectivas, evidenciado pela atração de alguns dos grandes players glo-
bais. Contudo, para se desenvolver, o Brasil precisa focar em alguns pontos.
O primeiro desafio é a estabilização da produção local, que ainda é ex-
tremamente volátil e marcada por incerteza. Como se trata de uma produção
com elevados custos fixos, a necessidade de escala é fundamental. Mas a
própria natureza do segmento ferroviário pode auxiliar nesse processo. Por
se tratar de investimentos vultosos e de longo prazo de execução, é possível
transmitir aos fornecedores de material rodante certa previsibilidade. Se uma
cidade, por exemplo, planeja construir um sistema de metrô e essa execução
irá demorar cinco anos, é possível passar esse planejamento à empresa de
material rodante com razoável antecedência, facilitando seu planejamento
produtivo. Com um plano nacional consistente e de longo prazo, e não ape-
nas investimentos pontuais, essas demandas se espalham ao longo do tempo,
aumentando a previsibilidade. Para tanto, é necessária uma continuidade
nos descontigenciamentos para que exista previsibilidade nas contratações.
Da mesma forma, é necessário que a indústria local esteja pronta para
responder à demanda. Para tal, é importante o desenvolvimento da cadeia de
fornecedores. Medidas como índice de nacionalização mínimo para material
274 rodante em obras financiadas com recursos públicos estimulam fabricantes
locais, mas, dependendo do número de fornecedores disponíveis e das cur-
Transporte sobre trilhos no Brasil: uma perspectiva do material rodante
Apêndice
Classificação de vagões
A classificação de vagões obedece ao critério representado na Figura A1.
A categorização, o Bloco 1, é composta por três letras. A primeira (X1) de-
termina o tipo de vagão, a segunda (X2) o subtipo e a terceira (X3) seu peso
bruto máximo, também chamado de “manga do eixo”. As duas primeiras
são apresentadas na Tabela A1 e a terceira na Tabela A2.
Ferroviário
vagão
1ª letra 2ª letra Detalhamento
vagão
1ª letra 2ª letra Detalhamento
Ferroviário
Bitola Carga máxima por eixo (t) Peso bruto máximo (t)
1,0 m 1,6 m
A O 7,50 30
B P 11,75 47
C Q 16,00 64
D R 20,00 80
E S 25,00 100
F T 30,00 120
G U 35,00 140
Fonte: Elaboração própria, com base em dados de ANTF (2014c).
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Ferroviário
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Transportation and Development Policy (ITDP), 2003.
Aeronáutica e Defesa
BNDES Setorial 40, p. 283-322
Resumo
As indústrias aeronáutica e de defesa, em virtude do uso intensivo de
tecnologia e alto valor agregado de seus produtos, assumem grande im-
portância para a política pública. No Brasil, o desenvolvimento desses
setores está diretamente associado ao sucesso da Embraer, que se con-
solidou como um dos maiores fabricantes mundiais de aeronaves civis,
e cuja atuação vem crescendo em produtos do setor de defesa. Assim, a
efetiva contribuição ao desenvolvimento do setor requer a articulação do
apoio com as necessidades estratégicas da empresa. Este artigo analisa as
estratégias adotadas pela Embraer e discute potenciais implicações para
o apoio do BNDES, destacando algumas iniciativas que o Banco poderia
desenvolver, tais como: parcerias com instituições financeiras multilate-
rais, estatais e privadas na África, Leste Europeu e Ásia; aprofundamento
da parceria com empresas de arrendamento de aeronaves; financiamento
de aeronaves usadas; e aumento do apoio ao setor de defesa.
Histórico da Embraer1
A história da Embraer confunde-se com a história da indústria aeronáutica
brasileira. A Embraer foi criada em 19 de agosto de 1969, como uma com-
panhia de capital misto e controle estatal, fruto de um processo iniciado pelo
Estado brasileiro na década de 1940, quando foram constituídos uma escola
de engenharia aeronáutica – o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) – e
um centro de pesquisas e desenvolvimento em seu entorno – o então Centro
Técnico da Aeronáutica (CTA) –, com o intuito de dotar o país do domínio
da tecnologia aeronáutica e assim reforçar o exercício de sua soberania.
1
Esta seção foi elaborada com base em Gomes (2012).
Desde o início, a empresa desenvolveu-se com base na demanda 285
associada às compras do governo brasileiro para o segmento militar e
Aeronáutica e Defesa
no desenvolvimento de aeronaves civis destinadas ao nicho de mercado
de aviação regional nos Estados Unidos da América (EUA) e na Europa.
Já na década de 1970, a primeira aeronave civil desenvolvida pela em-
presa, o Bandeirante, destacou-se no mercado internacional, iniciando
a vocação exportadora da Embraer.
Na década seguinte, a empresa concebeu e fabricou o EMB-120 Brasília,
que teve mais de 350 unidades exportadas para empresas aéreas nos cinco
continentes entre as décadas de 1980 e 1990. Ainda na década de 1980, no
mercado militar, a empresa desenvolveu e fabricou aeronaves em parceria
com as italianas Aeritalia e Aermacchi, sob a égide de um acordo entre
os governos do Brasil e da Itália. Nesse período, o desenvolvimento do
Programa AMX, aliado ao sucesso de vendas do Brasília, proporcionou à
empresa um salto de capacitação e desenvolvimento, com investimentos
em máquinas e equipamentos de última geração, treinamento e capacita-
ção de pessoal e domínio de novas tecnologias aeronáuticas. A Embraer
também forjou nesse período uma estratégia de sucesso utilizada ao lon-
go de sua história de formação de parcerias internacionais com relevan-
tes empresas do setor para capacitação em tecnologias como materiais
compostos, software embarcado e projetos digitalizados em computador.
Na década de 1990, em meio a dificuldades financeiras oriundas de um
contexto econômico adverso, da menor demanda e da redução do apoio
do governo brasileiro, a Embraer foi incluída no Programa Nacional de
Desestatização, vindo a ser privatizada em dezembro de 1994. Os no-
vos controladores capitalizaram a empresa com recursos da ordem de
US$ 500 milhões e concluíram o desenvolvimento de um novo jato regio-
nal de cinquenta assentos, o ERJ-145, em parceria de risco com diversos
fabricantes internacionais de partes da aeronave, tais como a fabricante
de motor Rolls‑Royce. O ERJ-145 foi um sucesso, suprindo as necessida-
des da aviação regional norte-americana, representando, assim, a redenção
da empresa nos anos subsequentes. No fim da década de 1990, a Embraer
lançou uma nova família de jatos regionais, para atender ao segmento de
setenta a 120 assentos, replicando a estratégia de parceria de risco com de-
mais fabricantes. Mais uma vez a empresa foi bem-sucedida e tornou-se,
em poucos anos, a líder de mercado nesse segmento.
286 Ainda como marcos pós-privatização destacam-se: (i) o aprofundamen-
to do processo de internacionalização da empresa, com operações fabris,
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento
Fonte: Embraer.
Segmento da Bovespa para empresas que atendem a critérios de elevados padrões de governança corporativa.
2
empresa também possui ações na Bolsa de Valores de Nova York por meio 287
de American Depositary Receipts. Os principais acionistas da empresa são
Aeronáutica e Defesa
fundos de investimento e previdência, como o Oppenheimer Funds (9%),
Thornburg Investment (8%), Previ (7%) e Blackrock Inc. (5%), além da
BNDESPAR (5%). O governo brasileiro possui uma ação de classe espe-
cial (golden share), que lhe dá direito de veto em algumas matérias estra-
tégicas para a empresa e para o Estado brasileiro.
Aeronáutica e Defesa
zindo a participação da aviação comercial no total da receita de 95%,
em 2001, para 53%, em 2013,3 como mostra o Gráfico 1. Essa evolução
foi resultado da combinação de sua entrada paulatina na aviação execu-
tiva a partir de 2001 e da diversificação de sua atuação na indústria de
defesa nos últimos anos. Com a criação da subsidiária integral Embraer
Defesa & Segurança em 2010, a empresa ampliou o escopo de sua atua-
ção para além das aeronaves militares, incluindo veículos aéreos não tri-
pulados (Vant); radares; satélites; e sistemas integrados de inteligência,
vigilância e reconhecimento.
grafico 1
Gráfico 1 | Evolução da receita da Embraer por segmento de negócio
100 2%
5% 6% 7% 8% 9%
3% 12% 11% 11% 15%
90 6% 15% 17% 19%
7% 14% 14% 11% 1%
8% 11% 13% 1% 1%
80 7% 1%
8% 7%
70 16% 16% 14% 22% 20%
95% 16% 21%
27%
60 89%
50
75%
71% 71% 67%
40 64% 64% 64%
62% 61% 60%
30 53%
20
10
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: Embraer.
financeiros que chegaram a ser superiores aos de seus pares em anos recentes.
As margens positivas obtidas, nos últimos anos, por todas as empre-
sas pesquisadas indicam que a atual estrutura da indústria proporciona
bom nível de lucratividade para as fabricantes de aeronaves, seja pelo ta-
manho e tendência de crescimento do mercado, seja pela concentração entre
os participantes. Esses fatores tendem a proporcionar aos fabricantes relati-
vo equilíbrio de forças ou maior poder de barganha com os compradores e
com os fornecedores da indústria, a depender do segmento de atuação e do
porte da fabricante.
Embraer - Aviação comercial (53%) US$ 6,2 US$ 18,2 19 mil 10% / 11%
(Brasil) - Aviação executiva (27%) bilhões bilhões
- Defesa e segurança (19%)
- Outros (1%)
Bombardier - Transporte ferroviário (49%) US$ 18,2 US$ 69,7 72 mil 5% / 5%
(Canadá) - Aviação executiva (27%) bilhões bilhões
- Serviços aeronáuticos (10%)
- Aviação comercial (7%)
- Outros (7%)
Boeing - Aviação comercial (61%) US$ 86,6 US$ 441 168 mil 9% / 9%
(EUA) - Defesa (39%) bilhões bilhões
Airbus - Aviação comercial (67%) US$ 83 US$ 960 144 mil 4% / 5%
(Europa) - Defesa e espacial (21%) bilhões bilhões
- Helicópteros (12%)
General - Sistemas militares (41%) US$ 31,2 US$ 46 92 mil 3% (*2012)
Dynamics/ - Sistemas de informação bilhões bilhões
Gulfstream e TI (33%)
(EUA) - Aviação (26%)
Lockheed - Aviação militar (31%) US$ 47,2 N/d 116 mil 9% (*2012)
Martin - Sistemas de bilhões
(EUA) informação (19%) (*2012)
- Sistema aeroespacial (18%)
- Outros – defesa (32%)
(Continua)
(Continuação) 291
Fabricante Atuação Receita Carteira Pessoal Margem
Aeronáutica e Defesa
(% receita vendas 2013) (2013) (dez. 2013) operacional
(2012-2013)
Características do mercado
A seguir, apresenta-se uma breve análise dos segmentos de aviação
comercial, executiva e de defesa e segurança com base na “metodologia
das cinco forças” de Porter (2008).4
Aviação comercial
Segundo estudo de mercado para aviação comercial publicado pela
Embraer denominado Market Outlook 2012-2031, após quarenta anos de
forte crescimento da aviação civil, estimulado pela globalização da econo-
mia, pelo desenvolvimento tecnológico e pelo crescimento econômico de
países como EUA e da região da Europa Ocidental e da Ásia, espera-se que
a demanda por transporte aéreo siga crescendo a uma taxa de 4,5% a.a., com
base no crescimento econômico e na ascensão de nova classe média nos paí-
ses emergentes. Essa expansão deverá gerar uma demanda por 32.800 novas
aeronaves, com valor estimado de US$ 3,6 trilhões nos próximos vinte anos.
Hoje existem 19.615 aeronaves em serviço no mundo, das quais 21%
pertencem ao segmento de trinta a 120 assentos. A previsão para 2031 é de
que o total passe a 36.595, das quais 20% no segmento de trinta a 120 as-
sentos. O mercado potencial estimado pela Embraer para esse segmento nos
próximos vinte anos é de 6.795 novas aeronaves com valor de mercado de
US$ 315 bilhões, das quais 3.765 (55%) no segmento de 91 a 120 assentos
e 2.625 (39%) no segmento de sessenta a noventa assentos. Do total, 47%
4
A metodologia das cinco forças é um modelo de análise da lucratividade de uma empresa com base
na caracterização da indústria em que atua, considerando cinco aspectos, ou forças: rivalidade entre
concorrentes; ameaça de novos entrantes; ameaça de substituição; poder de barganha dos compradores;
e poder de barganha dos fornecedores. As cinco forças determinam a atratividade da indústria, refletindo
o padrão de lucratividade nesta.
292 devem responder ao crescimento do mercado e 53% atenderão à necessidade
de substituição de frota.
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento
Aeronáutica e Defesa
concebidos para esse nicho de mercado (enquanto o produto da Bombardier
é oriundo de seus jatos executivos), e à maior diversificação de mercados
e aplicações de suas aeronaves (especialmente no subsegmento de noventa
a 120 assentos).
Aeronáutica e Defesa
Já a chinesa Comac, com os projetos do ARJ 21 para a faixa de setenta
a cem assentos e do C-919 para a faixa de 150 a 190 assentos, não deverá
representar uma concorrência forte, pois não conta com a nova versão de
motores que irá equipar o C-Series da Bombardier, o E2 da Embraer e o
MRJ da Mitsubishi, além de ter adiado o prazo para entrada em operação do
primeiro jato consistentemente, passando da previsão original de 2006 para
a estimativa atual de 2015. O projeto do C-919 não tem previsão de entrada
em serviço, mas, segundo o site especializado <www.aviationweek.com>,
isso não deverá ocorrer antes de 2017. Ainda segundo essa mesma fonte, a
Comac é oriunda de uma agência do governo chinês e não tem tradição na
produção e venda de aeronaves.
Por fim, completa a nova fase de acirramento da concorrência na aviação
comercial o lançamento de novas aeronaves C-Series 100 e C-Series 300 da
Bombardier e da nova versão dos E-Jets da Embraer, remotorizada e com
nova asa e sistemas, denominada E-2.
Não obstante o gradual aumento da concorrência no nicho de atuação da
Embraer na aviação comercial ao longo dos próximos anos, os novos entrantes
devem demorar alguns anos para se consolidar no mercado, e alguns desses
novos projetos possivelmente não lograrão sucesso internacional (ainda que
contem com certa reserva de mercado em seus países de origem, no caso da
China e da Rússia), pois ainda não contam com a reputação de excelência
técnica e consagrado apoio pós-venda dos fabricantes estabelecidos.
Outras barreiras de entrada que os novos entrantes terão de superar são:
(i) a necessidade de cumprimento de uma série de requisitos técnicos para
certificação da aeronave pelos órgãos reguladores de países como os EUA
e os da União Europeia; e (ii) a construção de uma diversificada e ampla
carteira de clientes operando as aeronaves, de forma a conferir liquidez ao
ativo e valorizá-lo no mercado perante clientes e financiadores.
Dada a determinação e os recursos disponíveis dos governos da Rússia,
China e Japão para apoiar suas respectivas fabricantes, a tendência é que
em médio e longo prazos o aumento da concorrência se concretize, ainda
7
Além do setor de aviação, a Mitsubishi atua nos setores automobilístico, de mineração, telecomuni-
cação, serviços financeiros, seguro, eletrônico, estaleiro, petróleo e gás e construção.
296 que nessa primeira onda de novos projetos a maior parte não obtenha sig-
nificativa participação de mercado.
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento
Ameaça de substituição
A ameaça de produtos substitutos na indústria é limitada a algumas
missões ou aplicações, mas não de forma universal. Não há, no horizon-
te previsível, possibilidade de algum novo produto substituir de forma
economicamente viável viagens aéreas internacionais de longo alcan-
ce, tal como ocorreu com o advento da aviação comercial em substi-
tuição à navegação marítima. Por outro lado, a difusão de trens de alta
velocidade pode substituir, em certa medida, as aeronaves como opção
de transporte de média distância em mercados com ampla e moderna
infraestrutura ferroviária.
Aeronáutica e Defesa
entrada etc. Nesse contexto, a relação de poder de barganha entre fabricantes
de aeronaves e seus principais fornecedores varia caso a caso. No caso dos
motores, ela é favorável aos fornecedores, graças à concentração da ofer-
ta, a barreiras à entrada e à alta complexidade da produção. Os setores de
aviônicos e estruturas aeronáuticas, por sua vez, têm uma menor concen-
tração de fabricantes e são caracterizados por um “equilíbrio” entre o po-
der de barganha dos compradores e vendedores [Coelho Netto (2005)].
Por fim, a relação é amplamente favorável aos fabricantes de aeronaves
no caso dos fornecedores de partes, equipamentos e serviços de menor
valor agregado.
Destaca-se ainda que essa relação de poder também varia em função do
tamanho da fabricante. Nessa dimensão, a Embraer apresenta uma desvan-
tagem competitiva quando comparada às demais fabricantes estabelecidas
no mercado, dado seu porte relativamente menor de produção.
Aviação executiva
O mercado de aviação executiva é dividido em nove segmentos por cri-
tério de tamanho e alcance de voo das aeronaves, descritos no Quadro 3.
Segundo dados da Embraer, o mercado de aviação corporativa totalizou
US$ 21,2 bilhões em vendas no ano de 2013. A frota mundial de jatos exe-
cutivos supera 19 mil aeronaves, com cerca de 63% nos EUA, seguidos
de 4% no Brasil e 3,7% no México [Davies (2014)].
(Continua)
298 (Continuação)
certificação alcance
Aeronáutica e Defesa
alcançar 14% de participação no mercado.
grafico 2
Gráfico 2 | Projeção de mercado 2014-2023
Large
1270
600
Supermid 920 64,7
400 Midsize 1140
Midlight 31,1
200 1780 17,8
Light
17,3
0 Entry 900 15,8 4,2
Entregas Receitas
2009
2020
2008
2022
2010
2023
2016
2019
2018
2014
2012
2021
2015
2013
2017
2011
Total 2014-2023
Fonte: Embraer.
70
6%
60 13% 7%
19% 9% 10%
50 16%
18% 22% 15% 17%
40 12%
30
23% 21% 25% 35%
21% 27%
20
Fonte: Embraer.
Aeronáutica e Defesa
segmento, em que respondeu por 47% das vendas, conforme se observa no
Gráfico 4. Ainda em 2008, a Embraer lançou o Lineage 1000, oriundo do
jato comercial E-190, para ocupar o segmento de mercado ultra-large. A
mais recente iniciativa da empresa na aviação executiva foi o lançamento de
dois novos modelos para ocupar os segmentos intermediários do mercado, o
Legacy 450 e o Legacy 500, que devem entrar no mercado em 2015 e 2014,
respectivamente. Assim, faltará a Embraer entrar apenas no segmento mais
competitivo e de maior valor agregado, o ultra-long range, com alcance
capaz de unir quaisquer duas cidades no planeta.
grafico 4
Gráfico 4 | Evolução do market share do Phenom 300
2% 1% 6% 4%
100 2%
11% 11% 2%
90 8% 12%
5% 13%
11%
80 12% 10% 12%
Porcentagem – total receita US$
30 17%
39%
20
34% 34%
30%
10 24%
0 1%
2009 2010 2011 2012 2013
SJ-30-2 H 400XP Learjet 40/70 Premier IA CJ2+ CJ3 CJ4 Phenom 300
Fonte: Embraer.
Ameaça de substituição
Na aviação executiva, a ameaça de substituição guarda semelhança com
a análise feita para aviação comercial, devendo-se destacar, porém, que a
própria aviação comercial e a opção por substituir reuniões de negócios
presenciais por videoconferências (ou outras formas de trabalho remoto em
equipe) podem substituir parcialmente a demanda por voos executivos em
momentos de crise econômica.
Aeronáutica e Defesa
cionadas à produtividade, como possibilidade de trabalhar com privacidade
durante o voo e a alta capilaridade que se traduz no acesso a aeroportos mais
convenientes e/ou não servidos pelas empresas aéreas comerciais.
A maior concentração e o maior tamanho das fabricantes de aeronaves
quando comparados com a variedade e pulverização dos compradores indica
que as primeiras têm maior poder de barganha. Por outro lado, comprado-
res especializados em oferecer serviços de propriedade compartilhada de
aeronaves, como no caso da norte-americana Flight Options, apresentam
maior poder de barganha na compra de modelos novos no mercado, por sua
capacidade de popularizar tais modelos entre os usuários.
Por fim, o estudo de Correa Filho et al. (2013) ressalta ainda que, uma
vez consolidado um determinado produto de defesa pela demanda inicial
do governo de dado fabricante, este passará a buscar clientes entre outros
governos, configurando assim um relevante mercado internacional de
produtos de defesa. O comércio exterior de equipamentos de defesa movi-
mentou US$ 247 bilhões nos dez anos compreendidos entre 2003 e 2012,
destacando-se aeronaves (US$ 108 bilhões), navios (US$ 37,7 bilhões),
mísseis (US$ 32,7 bilhões) e veículos blindados (US$ 29,3 bilhões).
Aeronáutica e Defesa
P&D e da consequente concentração de grandes conglomerados no mer-
cado, bem como da intensiva participação dos Estados nacionais no setor,
existe uma forte barreira de entrada para novas empresas, as quais tendem
a buscar nichos específicos de atuação e dependem de incentivos dos res-
pectivos governos nacionais para prosperarem nesse mercado.
Ameaça de substituição
Tendo em vista a natureza peculiar dos produtos de defesa e segurança,
não foi possível identificar ameaças de produtos substitutos para aeronaves
militares ou outros segmentos específicos. Porém, existem produtos substi-
tutos dentro do próprio contexto dos equipamentos de defesa, como o Super
Tucano da Embraer – uma aeronave turboélice que, por sua eficiência ope-
racional a baixo custo de aquisição e operação, substitui aeronaves a jato
no nicho de missões de ataque leve e treinamento.
Aeronáutica e Defesa
em seu segmento de atuação, expandindo a base de clientes, trabalhando no aper-
feiçoamento dos E-Jets e buscando a excelência no modelo de suporte ao cliente.
Em linha com sua meta declarada, a Embraer decidiu remotorizar sua
atual família de E-Jets, lançando o E2, projetado para economizar de 16%
a 23% de consumo de combustível por assento, utilizando-se para tal fim:
(i) da mesma tecnologia de motor Pratt&Whitney utilizada pela Bombardier
e pela Mitsubishi em suas novas aeronaves, C-Series e MRJ, respectiva-
mente; (ii) de uma nova asa com aerodinâmica mais moderna; e (iii) de
melhorias nos sistemas e no design da cabine da aeronave. A versão E2
contará com três aeronaves (em vez de quatro como na versão original
dos E-Jets) elencadas por ordem de entrada em serviço: E2-190 (2018),
E2-195 (2019) e E2-175 (2020).10
Destaca-se ainda a decisão da empresa de aprimorar a versão atual do
E-175 ainda em 201311 com introdução de novo winglet na asa e outros
ajustes que proporcionaram economia de cerca de 6% de consumo de com-
bustível, reforçando o posicionamento competitivo dessas aeronaves nas re-
centes disputas bilionárias por campanhas de empresas norte-americanas.12
O modelo aprimorado do atual E-175 foi, ao lado do lançamento do E2,
um dos principais responsáveis pelo excepcional ano de vendas da Embraer
em 2013, quando obteve aproximadamente 350 novas encomendas, aumentan-
do sua carteira de pedidos firmes de 185 para 42913 aeronaves, um crescimento
de 132% sobre o ano anterior.
Outra decisão estratégica relevante que a distinguiu da estratégia segui-
da pela Bombardier e pela novata Comac foi a de não entrar no segmento
inferior de atuação da Airbus e da Boeing para aeronaves na faixa de 125
a 150 assentos. Conforme pôde ser observado no Quadro 2, o programa
E2 ampliou o escopo de atuação da Embraer apenas marginalmente, au-
mentando seu segmento de atuação de setenta a 120 assentos para oitenta
10
A Embraer sairá do segmento de setenta a oitenta assentos relativo ao E-170, lançando o E2-175 para
faixa de oitenta a 88 assentos (com uma fileira adicional em relação à versão original), o E2-190, de 97 a
106 assentos, e o E2-195, de 118 a 132 assentos (com três fileiras adicionais em relação à versão original).
11
Essa é a razão pela qual o E2-175 foi definido como último dos novos modelos a entrar em operação.
12
A Embraer obteve cerca de 80% do total de mais de US$ 5 bilhões contratados pelas empresas
norte-americanas.
13
Das 429 aeronaves em carteira, 188 aeronaves são de E-175 e 150 são dos três novos modelos E2.
308 a 132 assentos. Nessa faixa a Embraer se posiciona, através de seu mode-
lo E2-195 (118 a 132 assentos), em concorrência apenas com os modelos
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento
Aeronáutica e Defesa
de clientes por meio da parceria com essas empresas, sendo significa-
tivo o fato de a ILFC, uma das maiores empresas de arrendamento de
aeronaves do mundo, ter sido o cliente lançador dos modelos E2-190 e
E2-195, com encomenda firme de cinquenta aeronaves e outras cinquenta
opções de compra.
Como resultado das ações anteriormente citadas, a Embraer ampliou
sua liderança em vendas no segmento de setenta a 130 assentos em 2013,
alcançando 51% de participação de mercado contra a média de 40% que
vinha apresentando nos anos anteriores.
Aviação executiva
Na aviação executiva, a meta é consolidar-se como um dos principais
fabricantes de jatos executivos no mundo, conquistando participação de
mercado compatível com crescimento da margem de lucro, investindo no
desenvolvimento de novos produtos e mantendo elevados níveis de satis-
fação dos clientes no que se refere aos serviços de atendimento e suporte.
As principais ações da Embraer para alcançar seus objetivos nes-
se segmento têm se concentrado: no desenvolvimento dos novos mo-
delos Legacy 450 e 500; no investimento na fábrica da empresa em
Melbourne (EUA) para produção dos Phenom 100 e 300 e dos Legacy 450
e 500 destinados ao mercado norte-americano; e no investimento no
aumento de centros de serviços ao cliente próprios e autorizados em
todo o mundo (em 2013, a Embraer aproximou-se da marca de setenta
centros de serviços).
Alguns indicadores que demonstram que a Embraer tem sido bem-sucedida
em alcançar a maior parte de seus objetivos nesse mercado são: (i) a evolu-
ção de seu market share na soma dos segmentos em que a empresa atua, que
evoluiu de 5% em 2002, quando estava presente apenas em um segmen-
to com o Legacy 600, para 22% em 2013, ano em que sua atuação já cor-
responde a cinco dos nove segmentos do mercado de jatos executivos;
(ii) a liderança obtida pelo Phenom 300 em seu segmento, com 47% de
participação nas vendas de 2013; e (iii) o aumento na participação da uni-
dade de aviação executiva na receita total da Embraer de 7% em 2005
para 27% em 2013.
310 Defesa e segurança
No segmento de defesa e segurança, a Embraer pretende ser protagonista
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento
Aeronáutica e Defesa
vas de diversificação para além de seus três consagrados segmentos de ne-
gócios. No início de 2013, chegou a anunciar uma parceira com a italiana
AgustaWestland para produzir localmente modelos de helicópteros da empre-
sa controlada pela Finmeccanica para uso civil (principalmente para atender
ao setor de petróleo e gás) e militar no Brasil e na América Latina. Porém,
o acordo com a parceira italiana não foi concluído e a Embraer desistiu
do negócio por ora.
Após a desistência da iniciativa no setor de helicópteros, a Embraer
anunciou, ainda em 2013, a criação da Embraer Sistemas, por meio da qual
pretende alavancar sua capacitação em integração de sistemas a outras
áreas industriais além de aeronáutica e defesa e segurança, tendo como alvo
principal o setor de petróleo e gás.
Em relação a essa última iniciativa de diversificação, vale destacar,
conforme se pode observar no Quadro 1, que as duas empresas com maior
foco na indústria de defesa também apresentam forte atuação no segmen-
to de sistemas de informação e serviços de soluções tecnológicas, o que
indica a correlação entre esses últimos segmentos e a indústria de defesa,
configurando um precedente positivo para a Embraer diversificar e am-
pliar seu campo de atuação, guardando sinergias com as competências
centrais da empresa.
Resultados obtidos
Analisando os indicadores financeiros e resultados divulgados pela em-
presa ao longo dos últimos anos, pode-se perceber que a Embraer tem tido
relativo sucesso em seus objetivos corporativos. Desde 2001, a empresa
viu sua receita crescer mais de 100% com ampla diversificação entre os
três segmentos de negócios, aliada à manutenção e, mais recentemente, ao
aumento de sua margem de lucro.
O Gráfico 5 mostra que a receita da Embraer aumentou 113% entre 2001
e 2013, saindo do patamar de US$ 2,9 bilhões para US$ 6,2 bilhões. Isso
representou um crescimento anual médio de 6% nesse período. Esse cresci-
mento sofreu dois momentos de interrupção, o primeiro em 2002-2003, em
virtude da crise deflagrada pela bolha da internet e ampliada pelo atentado
312 de 11 de setembro de 2001, e o segundo em 2009-2010, em razão da crise
econômica deflagrada a partir de 2008.
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento
grafico 5 barras
Gráfico 5 | Evolução receita operacional e volume de entregas de aeronaves
300
7.000
250 6.000
200 2 5.000
98
34
US$ milhões
77
Unidades
13 126 83 90 90 4.000
150 5
35
8 21
14
22 3.000
100 13 27 18 16 29 30
2.000
50 153 121 87 134 120 98 130 162 122 100 105 106 90 97
1.000
0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 0
Fonte: Embraer.
Destaca-se o papel relevante da disponibilidade de financiamento para as vendas dos jatos Phenom
14
no Brasil pelo BNDES na alavancagem das vendas desse modelo a partir de 2009.
grafico 6 barras
Gráfico 6 | Evolução dos indicadores de lucratividade 313
Aeronáutica e Defesa
800 11,4%
12
700 9,9%
10
600
8,5%
7,3%
500 8
6,9% 5,5% 5,6% 5,5%
400 6,2%
6
300
379 465 392 330 713 342 4
200
1,9% 612 348
100 2
328 112
0
0
2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: Embraer.
Aviação comercial
Quanto a volume de desembolso, a aviação comercial é o segmento no
qual a Embraer contou com mais apoio do BNDES.
Entre meados das décadas de 1990 e de 2000, o apoio concentrou-se na
exportação do ERJ-145. No total, 624 aeronaves dessa família tiveram a
exportação financiada através da linha BNDES-Exim Pós-Embarque. Uma
característica dessa fase foi a concentração quanto ao destino das aeronaves
apoiadas, com predominância dos EUA. Em particular, o apoio do BNDES
foi determinante nas grandes aquisições pelas empresas American Eagle e
Continental, que resultaram na colocação de mais de trezentas unidades
ERJ-145 no concorrido mercado americano.
314 A partir de 2004, com o advento dos E-Jets, observa-se crescente parti-
cipação do mercado no financiamento das vendas da Embraer. Como mos-
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento
100
50
90
45
80
40
70
50% 35
63% 53%
60
73% 80% 30
50
85% 21% 25
100% 100% 100% 100% 18% 18%
40
15% 20
30
9% 15
20 50% 37% 47%
5% 10
10 27% 20%
0% 0% 0% 0% 5
15%
0
0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Fonte: Embraer.
Aeronáutica e Defesa
operadores e países com aeronaves de sua fabricação. Esses fatores intro-
duzem a necessidade de novas formas de suporte pelo BNDES.
No que se refere à estratégia de maior penetração em empresas de arren-
damento de aeronaves, destacam-se duas operações que receberam o apoio
do BNDES, as quais figuram entre as primeiras empresas de arrendamen-
to que estabeleceram parceria com a Embraer, a saber: a norte-americana
Jetscape e a irlandesa Aldus. Ambas as empresas, apesar de terem uma par-
ticipação relativamente baixa no mercado de arrendamento de aeronaves
(vide Tabela 1), destacam-se por seu foco no produto da Embraer (no caso
da Aldus, esta trabalha exclusivamente com E-Jets). O apoio do BNDES à
operação de financiamento para Aldus mereceu o prêmio Regional Jet Deal
of the Year de 2011 do Airfinance Journal por sua estrutura financeira ino-
vadora, apoiada em uma carteira de arrendamentos diversificada que conta
com uma série de mitigantes e regras de alocação de risco. Nesse sentido,
vislumbra-se como oportuna a possibilidade de estruturar novas operações
customizadas para empresas de arrendamento de aeronaves, que, além de
serem alvo estratégico da Embraer, também atuam de forma alinhada aos
interesses do BNDES como credor, uma vez que têm no ativo dado em
garantia o eixo de seu negócio.
Aviação executiva
O apoio do BNDES às atividades no ramo de aviação executiva é mais re-
cente, tendo como início o financiamento às vendas domésticas do Phenom 100
a partir de 2009. Essa operação destacou-se como importante fator de sus-
tentação das vendas da Embraer no segmento executivo, diante do contexto
da crise financeira de 2008 [Gomes (2012)]. A primeira operação de apoio
à exportação foi o financiamento de uma aeronave Lineage 1000 à empresa
dos Emirados Árabes Unidos Al Jaber, em dezembro de 2010. Além desta,
o BNDES apoiou a empresa norte-americana Flight Options, que já finan-
ciou sete aeronaves Phenom 300 entre 2012 e 2013. Além da comerciali-
zação de jatos executivos, o BNDES ofereceu suporte ao desenvolvimento
da aeronave Legacy 500 por meio duas operações. Em 2011, foi celebrado 317
contrato de R$ 384 milhões para o desenvolvimento do novo modelo e,
Aeronáutica e Defesa
em 2014, um financiamento suplementar de R$ 206 milhões foi aprovado
(com o financiamento ao desenvolvimento do E2), destinado à realização
de ensaios e certificações do modelo, cujo primeiro voo de teste foi reali-
zado no fim de 2013.
No mercado executivo, no qual a Embraer é a nova entrante, o maior de-
safio para a empresa está na rivalidade com as concorrentes estabelecidas.
A empresa precisa seguir investindo em consolidar sua marca e ampliar o
suporte ao cliente com novas bases de apoio nos diversos mercados em que
atua, antes de ter condições de tentar entrar no último segmento do mercado,
o de aeronaves de longo alcance, que é também o de maior participação em
receita no mercado executivo.
Um mercado promissor no que se refere à formação de uma base de
clientes, dado o grande potencial de crescimento, é a China, país em rápi-
do desenvolvimento econômico de grande extensão territorial, mas onde a
aviação executiva começou a se desenvolver apenas recentemente. Outras
regiões com potencial para crescimento da aviação executiva são África,
a Índia e países do Sudeste Asiático. A exemplo da iniciativa para diversi-
ficação de clientes na aviação comercial, o BNDES vem estudando opor-
tunidades de parceira com instituições financeiras estatais na China e com
órgãos multilaterais e bancos comerciais na África e na Índia.
Além dos mercados externos emergentes, espera-se que as aeronaves
executivas dos segmentos médio e médio-leve tenham grande potencial de
inserção no mercado brasileiro. Assim, a experiência do BNDES no finan-
ciamento de bens de capital pode ser usada para reproduzir o sucesso do
apoio ao Phenom 100 no mercado doméstico.
Defesa e segurança
O apoio do BNDES à Embraer no setor de defesa e segurança está
concentrado no financiamento de aeronaves Super Tucano, normalmente
associadas a pacotes de serviços e material de reposição (pacotes logís-
ticos). Atualmente, o volume acumulado de exportações financiadas no
segmento alcança US$ 181 milhões.
Além do crédito para exportação, o BNDES tem participado da for-
mulação e implementação da política governamental para o setor. No mo-
318 mento, destaca-se o papel do banco no Inova Aerodefesa, programa que
envolve também a Finep – Inovação e Pesquisa, o Ministério da Defesa e
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento
Aeronáutica e Defesa
Outra frente que se abre e que poderá vir a demandar apoio oficial, tanto
da parte do orçamento da União, quanto de financiamentos de longo prazo
do BNDES, está relacionada à aquisição de 36 aeronaves de caça da sueca
SAAB, o Gripen NG, que será em grande parte produzido e montado no
Brasil. Dadas sua experiência e sua capacidade como integradora, espera-se
que a Embraer venha a ter uma participação relevante nele.
Conclusão
Os setores aeronáutico e de defesa caracterizam-se em todo o mundo
por demandarem elevados investimentos e pelo apoio dos países a seus res-
pectivos fabricantes como forma de desenvolver um setor estratégico para
a economia e a soberania nacional. No Brasil, não obstante as limitações
orçamentárias, o Estado foi o indutor do nascimento da Embraer e sempre
atuou ativamente no financiamento aos investimentos e às exportações da
empresa através, principalmente, do BNDES.
Nas últimas décadas, a Embraer adquiriu maior destaque em seus nichos
de atuação, notadamente na aviação civil comercial de até 120 assentos,
obtendo ampla aceitação de seu produto no mercado aeronáutico e finan-
ceiro. Além da estratégia de lançar uma nova geração de jatos regionais
para defender a liderança nesse segmento diante de novas entrantes de peso,
a empresa também tem logrado diversificar seus negócios, introduzindo
novos produtos no mercado de aviação executiva e adquirindo empresas
no mercado de defesa.
Nesse contexto, vislumbra-se que o BNDES continuará exercendo re-
levante papel no apoio à estratégia de crescimento da Embraer tanto na
aviação civil, em que a introdução da nova geração de aeronaves na avia-
ção comercial e de novas aeronaves na aviação executiva bem como a
crescente diversificação de clientes em ambos os segmentos requerem a
diversificação das formas de apoio do Banco, como na aviação militar e
demais segmentos do setor de defesa, em que a atuação do BNDES ainda
é pequena e limitada ao apoio à exportação de aeronaves.
Para isso, dentre algumas iniciativas que já têm sido avaliadas e, em
alguma medida, implementadas pelo BNDES e que merecem um estudo
320 mais aprofundado para melhor orientar a atuação futura do Banco, mere-
cem destaque: (i) a parceria com instituições financeiras multilaterais, es-
Perspectivas para o apoio do BNDES à Embraer à luz de seu posicionamento competitivo
e estratégia de crescimento
Referências
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BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 34, p. 95-132, set. 2011.
Porter, M. E. As cinco forças competitivas que moldam a estratégia. 321
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Aeronáutica e Defesa
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e de sua estratégia de crescimento. Monografia (MBA Executivo) –
COPPEAD/UFRJ, Rio de Janeiro, 2014.
Produtos Florestais
BNDES Setorial 40, p. 323-384
Resumo
A demanda brasileira por painéis de madeira reconstituídos vem apresen-
tando crescimento acelerado, acima do Produto Interno Bruto (PIB) e da
construção civil, sobretudo o Medium Density Fiberboard (MDF) e, em
menor medida, o Medium Density Particleboard (MDP). Esses produtos
foram beneficiados pelas condições macroeconômicas que resultaram em
um melhor ambiente para os bens de consumo no país e pela substituição
de serrados e compensados. O principal cliente da indústria de painéis de
madeira é o fragmentado setor moveleiro, que possui pouco poder de bar-
ganha em relação à concentrada indústria de painéis, a qual ainda se favo-
rece de uma baixa concorrência internacional, dado que seu produto não é
costumeiramente transacionado por longas distâncias. Entretanto, a oferta
brasileira vem crescendo em ritmo mais vigoroso do que a demanda e exis-
tem indícios de ociosidade, apesar de os dados de rentabilidade de várias
empresas do setor indicarem margens elevadas.
*
Respectivamente, administrador e gerente setorial do Departamento da Indústria de Base Florestal
Plantada da Área de Insumos Básicos do BNDES.
324 Introdução
Motivação e objetivos
Panorama de mercado – painéis de madeira
Siderurgia e
carvão vegetal
4,1%
Madeira processada
mecanicamente
10,3%
Painéis de madeira
industrializada
11,6% Celulose e papel
53,7%
Móveis
20,3%
Produtos Florestais
Caracterização técnica
Descrição dos produtos
Esta seção traz uma breve descrição dos serrados e dos painéis de madei-
ra, com base em ABIMCI (2013), Biazus, Da Hora e Leite (2010), Mattos,
Gonçalves e Chagas (2008), Remade (2003a; 2003b; 2007) e informa-
ções da Associação Brasileira da Indústria de Painéis de Madeira (Abipa)
e da Associação Brasileira da Indústria de Piso Laminado de Alta
Resistência (Abiplar).
PMR
Os PMR são fabricados com base no processamento químico da madei-
ra, que passa por diferentes processos de desagregação. Costumeiramente,
326 dividem-se em dois grupos: os formados por partículas de madeira e os
compostos por madeira em estágio ainda mais avançado de desagregação,
Panorama de mercado – painéis de madeira
Produtos Florestais
Os principais tipos de PMR são:
• Chapa de fibra: também conhecida como chapa dura (hardboard),
é uma chapa de espessura fina, que resulta da prensagem a quente
de fibras de madeira, costumeiramente por meio de um processo
úmido, que reativa os aglutinantes naturais da própria madeira (sem
a adição de resinas) e confere ao produto alta densidade. É utiliza-
da na fabricação de móveis, principalmente em fundo de gavetas e
fundo de armários, mas vem perdendo participação para o MDF e
seus correlatos.
• Insulation board: também chamado de chapa de fibra isolante, possui
baixa densidade, sendo produzido a partir de fibras de madeira. É
empregado o processo úmido de fabricação, e a secagem das chapas
é uma fase muito importante para sua consolidação. Em função de sua
constituição em baixas densidades, as chapas isolantes são empregadas
para aplicações que requeiram isolamentos térmico e acústico, como
divisórias e forros.
• MDP: também conhecido como aglomerado. Como matéria-prima,
no mundo, são empregados especialmente resíduos e madeiras de
qualidade inferior. Porém, no Brasil, utiliza-se madeira de florestas
plantadas. A partir da metade da década de 1990, as empresas brasi-
leiras investiram em modernização tecnológica, passando do processo
de prensagem cíclica para prensagem contínua, o que conferiu ao
produto melhores características de resistência, e implementaram a
modificação da nomenclatura para MDP, ou painel de partículas de
média densidade, em uma tentativa de dissociar o novo produto do
aglomerado tradicional. É majoritariamente utilizado na fabricação
de móveis retilíneos (tampos de mesas, laterais de armários, estantes
e divisórias).
• MDF: similar ao MDP, com a diferença de que, no processo produtivo,
as partículas são cozidas, o que leva a um maior grau de desagregação
(fibras). Como possui maior consumo de madeira e resina por metro
cúbico do que o MDP, seu valor é mais elevado. Uma das principais
vantagens do MDF em relação ao MDP é que suas características
328 mecânicas o aproximam da madeira maciça, permitindo grande
capacidade de usinagem, usos e aplicações mais versáteis do que o
Panorama de mercado – painéis de madeira
Demanda
Produtos Florestais
Globalmente, o consumo de painéis de madeira1 guarda forte ligação
com a construção civil (pela construção direta de escritórios e residências,
acabamento ou mobiliário). Tomando a produção de cimento como uma
proxy da construção civil, pode-se observar que o consumo de painéis de
madeira vem apresentando desempenho inferior ao registrado por esse
setor (indicando que a madeira pode estar perdendo terreno para outros
materiais). Entretanto, seu desempenho desde 1995 é superior ao PIB e
muito melhor do que a estagnação registrada pelos serrados. O Compound
Annual Growth Rate (CAGR, taxa composta anual de crescimento) da
produção global de cimento, entre 1995 e 2012, foi de 5,9% e o do con-
sumo de painéis de madeira foi 4,7%; enquanto o PIB registrou 3,7% e os
serrados, 0,3%. É válido destacar o choque ocorrido no consumo global
de madeira decorrente da crise financeira de 2008 que afetou drastica-
mente os mercados imobiliários desenvolvidos: apenas em 2011, o con-
sumo de painéis de madeira recuperou o patamar registrado em 2007 e,
em 2012, o consumo de serrados ainda foi 6% inferior ao nível pré-crise.
O Gráfico 3 mostra a evolução histórica no consumo de painéis2 e
serrados, entre os países emergentes e desenvolvidos. A queda no con-
sumo de 2012 versus de 2007 nos países desenvolvidos foi de 26% nos
serrados e de 21% nos painéis. Em contrapartida, nos emergentes, houve
crescimento de 25% nos serrados e de 44% nos painéis. É válido notar
a maior predileção pelo consumo de painéis em detrimento dos serrados
no caso dos emergentes (46% versus 54%), comparados aos desenvolvi-
dos (35% versus 65%). Além de questões relacionadas à qualidade dos
produtos ofertados localmente, existem fatores culturais que impactam o
consumo de madeira. Por exemplo, nos EUA, no Canadá, na Austrália, na
Nova Zelândia e em muitos países da Europa (maioria dos que compõem
o grupo dos desenvolvidos), é bastante difundido o uso de serrados para
1
Nesta seção, os dados de PMR incluem consumo de OSB na Europa, Estados Unidos da América
(EUA) e Canadá, conforme dados da United Nations Economic Commission for Europe (UNECE), e
de insulating board, conforme a Food and Agriculture Organization (FAO).
2
Ao contrário do Gráfico 2, neste não consideraram-se os dados de OSB, em razão da limitação na
disponibilidade de dados fora dos países cobertos pela UNECE.
330 a construção de casas, enquanto em muitos emergentes, é mais comum o
uso de cimento, ferro e tijolo.
grafico 02
Panorama de mercado – painéis de madeira
280
260
240
220
200
180
160
140
120
100
80
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1995
1997
2012
2011
Cimento PIB Painéis de madeira Serrados
5,9% a.a 3,7% a.a 4,7% a.a 0,3% a.a
grafico 03 A
Gráfico 3 | Consumo em países emergentes e desenvolvidos
Gráfico 3A | Serrados
300
250
200
Milhões m³
150
100
50
0
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1995
1997
2012
2011
Emergentes Desenvolvidos
grafico 03 B
Gráfico 3B | Painéis 331
Produtos Florestais
300
250
200
Milhões m³
150
100
50
0
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1995
1997
2012
2011
Emergentes Desenvolvidos
Total 140.124 238.641 306.480 100 100 100 6,9 2,8 12.315 7.538
grafico 04
Gráfico 4 | Consumo de painéis de madeira no mundo
120
100
80
Milhões m³
60
40
20
0
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1995
1997
2012
2011
Produtos Florestais
portância relativa (passando de 39% do total em 1995 para 27% em 2012),
esse painel ainda apresenta crescimento. É válido destacar que os dados da
The International Tropical Timber Organization (ITTO) revelam um consu-
mo anual de compensados ao redor de 14.000.000 m3, acima do reportado
pela FAO, porém com CAGR total menor (de 2003 a 2012, de 1,3%, contra
1,7% divulgado pela FAO). A ITTO informa estatísticas de compensado se-
gundo o tipo de árvore: tropical, conífera e demais (Gráfico 5). Dessa ma-
neira, segundo a organização, a participação do compensado tropical caiu de
28% do total em 1995 para 19% em 2012, fruto tanto do aumento dos preços e
da concorrência por outros produtos quanto das maiores restrições à madeira
ilegal, oriunda de desmatamento, sejam por maior fiscalização nos países de
origem da madeira, sejam por maiores restrições dos compradores (exigindo
grafico 05
certificações e comprovantes sobre a origem da madeira).
50
4,1% a.a.
45
40
1,2% a.a.
35
30
Milhões m³
25
-0,2% a.a.
20
15
10
0
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1995
1997
2012
2011
Fonte: ITTO.
ria dos produtores possui linhas com capacidade inferior a 30.000 m3/ano,
ao passo que, no resto do planeta, 69% das linhas possuem patamar supe-
rior a 100.000 m3/ano [Research in China (2010)]. Na China, apenas 20%
da capacidade instalada é composta por plantas contínuas de tecnologia
importada, o que acarreta diferenças relevantes no padrão de qualidade dos
produtos ofertados entre as empresas.
Além da China, outro grande consumidor são os EUA, com 13% do mer-
cado e com a maior parte do consumo (49%)3 voltada para o MDP (chamado
no país de painel de partículas e majoritariamente fabricado com resíduos).
Nos EUA, existem diversos clusters produtivos, nos quais as toras de ma-
deira mais grossas são destinadas à produção de serrados e as toras finas
e os resíduos são direcionados à produção de PMR ou celulose. À ex-
ceção desses dois países, o consumo de painéis é bastante disperso pelo
globo (Tabela 2).
China 6.273 131 47.261 13.156 34.920 101.741 35,5 73,9 1.377.065
EUA 330 4.848 2.344 18.449 11.994 37.964 13,3 119,6 317.505
Alemanha 1.146 1.552 606 7.276 1.215 11.795 4,1 142,5 82.800
Turquia 248 (16) 3.955 4.108 255 8.550 3,0 115,6 73.997
Canadá 202 569 602 3.734 3.166 8.274 2,9 237,5 34.838
França 152 164 1.185 3.420 577 5.498 1,9 86,0 63.937
Demais 3.955 1.731 16.573 31.433 22.511 76.203 26,6 16,6 4.600.657
países
Mundo 13.698 9.612 80.606 98.452 84.017 286.385 100,0 40,6 7.058.086
Fonte: FAO.
3
Importante destacar que esse percentual não leva em conta o consumo de OSB, que é bastante relevante
no país: 12,5 milhões de metros cúbicos em 2012, segundo a UNECE.
O Brasil, que aparece como oitavo maior consumidor, representou ape- 335
nas 3% do mercado, mas parece haver potencial para mais: dos dez maiores
Produtos Florestais
consumidores, é o que registrou o menor consumo per capita (42 m3 por mil
habitantes), atrás de emergentes como Turquia (116 m3), Rússia (83 m3) e
China (74 m3), mas acima do consumo no restante da América do Sul (18 m3).
Porém, como já destacado, o consumo de painéis guarda mais relação
com padrões culturais, hábitos e oferta local de produtos do que com de-
senvolvimento econômico, ainda que a relação renda versus consumo
seja maior nos painéis do que nos serrados. Os dados de 2012 de uma
regressão linear entre PIB per capita em US$ Purchasing Power Parity
(PPP, paridade de poder de compra) e consumo per capita de serrados4
(Gráfico 6) indicam um coeficiente de determinação (R2) de apenas 0,22,
ao passo que a relação entre renda e consumo de painéis é um pouco
mais forte (0,43).
grafico 06 A
Gráfico 6 | PIB per capita em US$ PPP e consumo per capita
700
600
Consumo (m³) per capita
500
400
300
2
R² =0,43
200
100
0 20 40 60 80 100
Considerando 167 países, que respondem por mais de 98% do consumo mundial de serrados e painéis.
4
grafico 06 B
336 Gráfico 6B | Serrados
Panorama de mercado – painéis de madeira
700
600
Consumo (m³) per capita
500
2
R² =0,2244
400
300
200
100
0 20 40 60 80 100
PIB (mil US$ PPP) per capita
EUA 377 4.876 2.083 15.265 9.493 32.095 11,1 37.964 (5.870)
Alemanha 2.297 1.288 1.478 6.781 178 12.022 4,2 11.795 226
Polônia 165 648 2.363 4.879 388 8.443 2,9 7.455 988
(Continua)
(Continuação) 337
País Produção de painéis de madeira Consumo Saldo
Produtos Florestais
aparente comercial
Chapa Insulating MDF MDP Compensados Total % do
de board painéis total
fibra
Demais 2.112 1.800 14.690 36.966 14.398 69.965 24,2 85.645 (15.680)
Total geral 13.188 9.429 82.288 98.470 85.576 288.951 100,0 286.385 2.566
Fonte: FAO.
grafico 07
10% nos serrados.
Produtos Florestais
Gráfico 7 | Preço médio das exportações mundiais de serrados e painéis
900
800
700
3
US$ de 2012/m³
600
500
400
300
200
100
0
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1995
1997
2012
2011
Chapa de fibra MDF MDP Compensados Serrados
grafico 08
Gráfico 8 | Exportações globais de serrados, PMR e compensados
160
120
Milhões de m ³
100
80
60 5% a.a.
40
20
1,6% a.a.
0
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1995
1997
2012
2011
Fonte: FAO.
340 Ainda segundo dados da FAO, em 2012, o maior coeficiente de expor-
tação foi registrado pelo compensado (30%), seguido dos serrados (29%),
Panorama de mercado – painéis de madeira
chapa de fibra (28%), MDP (24%) e MDF (20%), como mostra o Gráfico 9.
No caso do MDF, a queda nos últimos anos em seu coeficiente de exporta-
ção reside em um efeito estatístico da participação cada vez maior da China
no mercado (uma vez que o país apresenta baixo coeficiente de exportação,
por sua vez explicado pelo baixo nível de qualidade do produto ofertado no
país). Se fosse considerado o coeficiente de exportação mundial excluindo
a China, em 2012, tal razão estaria ao redor de 40%.
grafico 09
Gráfico 9 | Coeficientes de exportação de painéis de madeira e serrados
70
60
50
40
%
30
20
10
0
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1995
1997
2012
2011
Fonte: FAO.
Panorama nacional
Demanda
O Gráfico 10 ilustra que de 1996 a 2012 o CAGR no consumo de painéis
de madeira no Brasil foi de 7,9%, acima do registrado pelo cimento (4,4%),
do PIB (3,0%), da construção civil (2,6%) e dos serrados (-1,5%). Esse
crescimento registrado pelos painéis de madeira foi positivamente impac-
tado não apenas pelo desempenho da construção civil e da substituição dos
serrados, mas também pelo avanço do poder aquisitivo da população, dado 341
pelo aumento da massa salarial, pela melhor distribuição de renda e pela
Produtos Florestais
maior disponibilidade (e menor custo) do crédito.
340
300
260
220
180
140
100
60
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2010
2001
1997
2012
2011
Painéis de madeira Cimento PIB Construção civil Serrados
7,9% a.a. 4,4% a.a. 3,0% a.a. 2,6% a.a. -1,5% a.a.
12
10
6
%
4
-2
-4
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1997
2012
2013
2011
Construção civil PIB
Fonte: IBGE.
Produtos Florestais
logísticas; e (iv) baixa taxa de retorno econômico-financeiro da ativi-
dade. Por outro lado, também existem restrições na demanda: (i) maior
número de consumidores conscientes exige madeira legal e rastreada,
seja no exterior ou no mercado local; e (ii) concorrência dos compensa-
dos com PMR com propriedades cada vez melhores graças às constantes
inovações de produto.
Em relação ao consumo de serrados (Gráfico 12), é interessante obser-
var que, apesar de o CAGR acumulado do período 1996 a 2012 ter sido
de -1,5%, houve retração apenas nos anos mais recentes (CAGR 2007 a
2012 de -8%), puxada pela queda no consumo de serrado tropical.
25.000 70
60
20.000
50
15.000
40
%
Mil m³
10.000 30
20
5.000
10
0 0
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1997
2012
2011
Fonte: ABIMCI.
90
1800
80
1600
1400 70
1200 60
1000 50 %
800 40
600 30
400 20
200
10
0
0
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1997
2012
2011
Fonte: ABIMCI.
Produtos Florestais
9.000 60
8.000
50
7.000
6.000 40
Mil m³
5.000
30
%
4.000
3.000 20
2.000
10
1.000
0
0
2000
2006
2009
2004
2008
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1997
2012
2013
2011
Chapa de fibra MDF MDP MDF/total
grafico 15
Fonte: Abipa.
40
35
30
25
%
20
15
10
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
MDF MDP
24
22
20
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
MDF MDP
Produtos Florestais
cimento do MDF e do MDP em relação ao PIB seja inferior ao registrado
nesses últimos anos.
É válido destacar que, a despeito de falta de estatísticas oficiais, existe um
incipiente consumo de OSB no país. A única planta do Brasil iniciou opera-
ções ao fim de 2002, com capacidade de 350.000 m3/ano. Nos últimos anos,
o consumo deve ter oscilado entre 120.000 m3 (caso a planta tenha operado
a 50% da capacidade) e 300.000 m3 (planta operando a 100% da capacida-
de). Quando a fábrica ainda era da Masisa, a Abipa divulgava alguns dados
sobre os usos de OSB no país, que indicavam que a construção civil res-
pondia por 40% das vendas internas, seguida da indústria de móveis (25%),
embalagens (20%), outros (13%) e construção seca (2%). É justamente
a resistência do OSB que permite seu maior uso na construção civil, in-
clusive substituindo os compensados. Entretanto, desde sua introdução
no mercado brasileiro, o consumo de OSB segue em patamares bastante
reduzidos, ao contrário do enorme crescimento registrado na América do
Norte e Europa.
Tabela 6 | Aplicações das vendas domésticas de PMR no Brasil (em %), 2012
Aplicações MDP MDF Chapa de Total
domésticas fibra
Indústria de 95 45 42 68
móveis
Revenda 4 46 9 25
Construção 0 1 14 1
civil
Pisos 0 3 0 2
Outros 1 5 35 4
Vendas 3.230 3.563 263 7.056
domésticas
(mil m3)
Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa.
indústria de móveis representa 91% das vendas de PMR (ou 68% do total),
sendo essa dependência maior no caso do MDP (99% das vendas diretas).
Setor moveleiro
Segundo Galinari, Junior e Morgado (2013), a fabricação de móveis,
em especial os de madeira, pode ser considerada uma das mais tradicio-
nais atividades da indústria de transformação. O setor reúne características
como elevada utilização de insumos de origem natural, emprego relativa-
mente intensivo de mão de obra, reduzido dinamismo tecnológico e alto
grau de informalidade.
Existem baixas barreiras à entrada, em virtude do reduzido investimen-
to em ativos físicos para se iniciar na atividade. As inovações tecnológicas
concentram-se nos fornecedores de insumos e bens de capital, e as condi-
ções de apropriabilidade de uma das principais fontes de diferenciação de
produtos, o design, são extremamente baixas.
É grande a heterogeneidade do setor no tocante ao uso de tecnologias.
Alguns tipos de produto admitem processos de fabricação com eleva-
da automação, como os móveis retilíneos (majoritariamente elaborados
com PMR), enquanto outros demandam grande quantidade de trabalhos
manuais, como os móveis artesanais de madeira maciça.
Pelo critério de processo de fabricação, as empresas podem ser agrupa-
das nas seguintes categorias:
i) Seriados: Isto é, móveis padronizados, cujas características físi-
cas não podem ser alteradas pelos consumidores. A maior parte é
composta por móveis retilíneos, produzidos por empresas médias e
grandes, utilizando redes atacadistas nacionais como distribuidores.
ii) Modulados: semelhantes ao seriado, mas produzidos em módulos
adaptáveis a um determinado projeto.
iii) Planejados: são móveis modulados, porém com pequenas adap-
tações e ajustes de acordo com as necessidades do cliente.
iv) Sob desenho: tudo é feito a partir do zero, de acordo com o projeto
definido pelo cliente.
Embora o setor moveleiro em geral seja constituído por um enorme 349
número de micro e pequenas empresas, no segmento de móveis seriados
Produtos Florestais
verifica-se um formato de negócios “business to business” no qual as re-
des varejistas são atendidas por diversos médios e grandes fabricantes de
móveis, muitos deles com maquinário moderno e competitivo. A indústria
de móveis seriados também evoluiu o processo tecnológico de impressão
sobre painéis de madeira, que lhe assegurou redução de custo, simplifi-
cação e menor dependência na administração de padrões. Essas empresas
são importantes clientes dos produtores de PMR, geralmente realizando
compras diretas de painéis MDP não revestidos.
É válido ainda destacar o caso da empresa Móveis Bartira, fundada
pelas Casas Bahia, que se integrou a montante. A companhia informa que
possui capacidade de produção de 28.000.000 m2 de chapas de madeira/
ano. Se considerar-se o tamanho-padrão de espessura de chapa de PMR ao
redor de 15 mm, isso equivale a um consumo de painéis de 420.000 m3,
suficiente para suportar uma planta industrial em porte ótimo.
Já os fabricantes de móveis modulados estabeleceram a comercializa-
ção por meio de rede própria de franquias (como a Todeschini), desenvol-
vendo assim suas marcas e relacionamento direto com os consumidores
e influenciadores de opinião. Esse grupo de empresas também compra
diretamente dos fabricantes de PMR, e sua característica é o consumo de
painéis revestidos. As demais micro e pequenas empresas são tradicional-
mente atendidas pelas revendas de matéria-prima.
Os fabricantes de móveis localizam-se em polos especializados, cuja vo-
cação para essa atividade desenvolveu-se ao longo do tempo. Os principais
polos localizam-se no Sul e no Sudeste (Figura 1), a despeito do forte acrés-
cimo da demanda no Norte e Nordeste em anos recentes.
Segundo a Associação das Indústrias de Móveis do Estado do Rio
Grande do Sul (Movergs), considerando apenas a produção de móveis
(excluindo colchões), em 2012, os 11 principais polos moveleiros do país
responderam por 28,9% das 17,5 mil empresas instaladas no país, empre-
gavam 58% dos quase 300 mil empregados no setor e produziram 59%
das 272 milhões de peças fabricadas. O Gráfico 17 demonstra como a pro-
dução é mais concentrada, dado que Bento Gonçalves produziu 18,1% do
total de peças fabricadas no país e os cinco maiores polos, 48,1% do total.
350 Figura 1 | Concentração de empresas moveleiras no Brasil, 2012
Panorama de mercado – painéis de madeira
grafico 17
Gráfico 17 | Milhões de peças fabricadas nos principais
polos do país e % do total, 2012
Linhares 0,8%
Grande RJ 1,5%
Grande BH 2,3%
Curitiba 2,4%
Interior SP 5,7%
Ubá 6,4%
Arapongas 8,9%
Grande SP 9%
0 20 40 60 80 100
Produtos Florestais
que, em 2012, o saldo comercial do setor foi quase zero. Entretanto, o país
nunca foi um exportador relevante no cenário internacional, respondendo por
menos de 1% das exportações globais desde 2002, em um mercado dominado
pela China. Os dados parecem indicar que, mantidas as condições de compe-
titividade atuais, o crescimento da produção de móveis de madeira no Brasil
deve se pautar pelo crescimento do mercado interno e não das exportações, o
grafico 18 barras
que limita o crescimento do consumo de PMR.
900 18
800 16
700 14
600 12
500 10
400 8
300
6
200
4
100
2
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Oferta
Assim como no caso da demanda, a produção nacional de PMR também
foi bastante superior à dos compensados, que, por sua vez, foi acima da re-
gistrada pelos serrados. De 1996 a 2012, o CAGR da produção nacional
foi de 10% para os PMR, 2,7% para os compensados (Gráfico 20) e -1,5%
para os serrados (Gráfico 19). Isso decorre não somente do consumo inter-
no (conforme visto na seção anterior), mas também do enfraquecimento das
7
Como alguns itens de comércio exterior de móveis são informados em unidades e outros em peso,
calcularam-se os coeficientes de exportação e importação em termos monetários.
352 exportações e das restrições ao setor de compensados e serrados oriundos
de florestas tropicais.
Panorama de mercado – painéis de madeira
30.000 70
60
25.000
50
20.000
40
%
Mil m³
15.000
30
10.000
20
5.000 10
0 0
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1997
2012
2011
Tropical Pínus Pínus/total
-5% a.a. 3,6% a.a.
Fonte: Abimci.
4.500 90
4.000 80
3.500 70
3.000 60
Mil m³
2.500 50 %
2.000 40
1.500 30
1.000 20
500 10
0
0
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1997
2012
2011
Fonte: Abimci.
Segundo Abimci (2013), cerca de 90% das 538 empresas do setor de ma-
deira processada mecanicamente são de pequeno porte, em geral descapitali-
Produtos Florestais
melhores equipamentos, melhor qualidade dos produtos ofertados e, muitas
vezes, integração à produção florestal.
No caso do pínus, existe um encolhimento cada vez maior das áreas plan-
tadas com esse gênero florestal no país, especialmente fora da Região Sul.
Dados de Abraf (2013) demonstram que, de 2006 a 2012, as áreas planta-
das com pínus no país recuaram em 324 mil hectares, um CAGR negativo
de 3%. A produção sustentável teórica8 anual se reduziu em 3,3 milhões de
metros cúbicos, uma queda de 5% em relação ao valor de 2006 (Gráfico 21).
Para a indústria de serrados e compensados existe um fator de pressão adi-
cional: a migração de plantios de pínus para ciclos mais curtos (que geram
menor volume de toras largas do que ciclos mais longos), fato que não ocorre
nos PMR (que trabalham com toras finas).
80
2.000
1.800 70
1.400
50
1.200
1.000 40
800 30
600
20
400
10
200
0 0
2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
8
Área total plantada multiplicada pela produtividade média das árvores cortadas naquele ano.
Produtos Florestais
comprou a linha de OSB da Masisa em 2008.
Além dos produtores de compensados migrando para a produção de
PMR, paira no setor a ameaça de integração a montante de empresas mo-
veleiras. Segundo a Wood Based Panels International (WBPI), a Todeschini
estaria estudando a instalação de uma planta de MDP no Rio Grande do Sul.
Se esse projeto for adiante, a Todeschini teria toda a integração na cadeia,
desde a produção da chapa de madeira até o atendimento ao consumidor
final. Caso esse projeto seja efetivamente implementado e funcione, tal-
vez se vejam outros fabricantes de móveis, como a Bartira, integrando-se
a montante na cadeia.
Outro projeto de novo entrante que tem sido noticiado é o da Placas do
Brasil, formada por 48 empresários de ramos diversos (entre os quais, su-
postamente, vários do ramo moveleiro), para a instalação de uma fábrica de
MDF em Pinheiros, norte do estado do Espírito Santo, visando ao estabeleci-
mento de um novo polo moveleiro na região. Algumas fontes relatam start-up
para 2015 e outras para 2019, e a capacidade instalada também varia, entre
180.000 m3/ano e 300.000 m3/ano. Outro possível novo entrante é oriundo do
grupo paulista Asperbras, que possui negócios diversos, incluindo pecuária
e plantio de eucalipto no Mato Grosso do Sul, e que pretende instalar uma fá-
brica de MDF nesse estado, no município de Águas Claras, com partida em
2017 e capacidade instalada de 200.000 m3/ano.
Adicionalmente, as grandes empresas do setor também têm planos de
expansão: a Berneck deve colocar uma linha de MDP de 800.000 m 3/ano
(que inicialmente operaria limitada a 430.000 m3/ano), em sua planta de
Curitibanos (SC) com início previsto para 2015. A Fibraplac também tem
planos para uma nova linha em Glorinha (RS), de MDP, com capacidade de
600.000 m3/ano e suposto início para 2016. E a Duratex anunciou aquela que
será a maior fábrica de painéis de madeira do Brasil, localizada no Triângulo
Mineiro, com duas linhas de MDP e MDF, de 700.000 m3/ano cada, e start-up
previsto para 2016 e 2017, respectivamente.
O Gráfico 22 ilustra dois costumeiros índices de concentração apli-
cados à capacidade instalada de PMR no Brasil (incluindo OSB): o já
citado HHI e o CR4 (participação de mercado dos quatro principais
players). Ambos os índices revelam trajetória muito semelhante: vinham
356 em um lento processo de declínio de 1996 até 2009, quando movimen-
tos de fusões e aquisições alteraram o panorama da indústria nacio-
Panorama de mercado – painéis de madeira
nal, pela fusão da Duratex com a Satipel e pela compra da Tafisa pela
Arauco. Posteriormente, a entrada de diversos produtores de compensados
traduziu-se em uma pequena queda da concentração. Entretanto, é válido
notar, o CR4 nunca foi abaixo de 60% no Brasil.
0,25
90
80
0,20
70
60
0,15
CR4 (%)
HHI
50
40 0,10
30
20 0,05
10
0,00
0
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1996
1999
1998
2001
2010
1997
2012
2013
2011
CR4 HHI
Produtos Florestais
Floraplac, no Pará.
Fibraplac
8%
Eucatex
8%
Duratex
38%
Masisa
9%
Berneck
13% Arauco
14%
Berneck
13%
Fibraplac
10%
Eucatex
9%
Duratex
41%
Sudati
Panorama de mercado – painéis de madeira
Floraplac 3%
3%
Guararapes
3%
Masisa Arauco
5% 22%
Fibraplac
8%
Eucatex
5%
Berneck
15%
Duratex
36%
Produtos Florestais
anos). Dentre os motivos, podem-se destacar: (i) falta de mão de obra qualifi-
cada, prejudicando a vertente industrial desse tipo de investimento; (ii) porte
relativamente pequeno e grandes distâncias entre polos moveleiros existentes
nessas regiões; e (iii) concorrência com os produtos fabricados com madeira
de lei (o serrado e o compensado tropical), sem a devida fiscalização.
Fonte: Elaboração própria, com base em empresas, Abipa, STCP, WBPI e Movergs.
porém, pela primeira vez, no 3T09 (que, como será visto, foi o pri-
meiro ano de grande queda na capacidade instalada do mercado), fez
um ajuste de ramp-up no uso da capacidade instalada. No 4T10, pas-
sa a informar a “capacidade efetiva”, sem explicitar seu conceito. Já
no 2T11, pela primeira vez, a companhia definiu “capacidade efetiva”
como um ajuste “nas linhas já instaladas, após os períodos de ramp-up
e investimentos periféricos”, calculando não apenas sua própria “capa-
cidade efetiva”, mas também a de todo o mercado, com ajuste dos da-
dos divulgados pela Abipa. Até o presente momento, a Duratex, em
todos os resultados trimestrais, ajusta sua capacidade e a do resto do
mercado, para termos “efetivos” e “disponíveis” (“sem investimentos
periféricos mencionados”).
Acredita-se que um fator que contribui para essa divergência origi-
na-se da capacidade nominal da prensa em relação ao que a empresa
pode efetivamente produzir: em anos recentes, algumas empresas re-
alizaram investimentos em grandes prensas, que ficavam limitadas à
capacidade inferior até a realização de investimentos adicionais em des-
gargalamentos de processos auxiliares, para que a prensa pudesse atingir a
capacidade total.
Segundo a visão do Sr. Bernard Fuller, presidente da Cambridge Forest
Products Associates, existe sobreoferta de PMR no Brasil, e o país pa-
rece apresentar comportamento similar ao da China, ou seja, o de estar
colocando capacidade sem planejamento adequado. Ele acredita que os
números da Abipa, se estiverem superdimensionados, o estão apenas mar-
ginalmente. Segundo seu conhecimento, no mercado norte-americano, a
produção de MDF e MDP sempre teve nível de utilização da capacidade
instalada (Nuci) entre 80% e 90% (à exceção da crise atual), sem a reali-
zação de qualquer ajuste para capacidade “efetiva”. Ele ainda afirmou que
nos EUA se produzem painéis com as mais diferentes espessuras e dimen-
sões sem que isso tenha qualquer impacto extremo no uso da capacidade,
como alegam as empresas brasileiras. Adicionalmente, mencionou que as
modernas prensas contínuas que foram instaladas no Brasil nos últimos
vinte anos são ainda mais eficientes na troca de espessuras e tempo de
set-up do que as antigas prensas cíclicas.
Isso posto, tomando por base a capacidade instalada de PMR de 361
cada ano divulgada pela Abipa, o Gráfico 24 ilustra a variação líqui-
Produtos Florestais
da de capacidade de MDF e MDP desde 1995, além do percentual que
essa adição representou diante da capacidade instalada dos dois tipos
de painéis no ano anterior. Acrescentou-se também a capacidade que
será adicionada no mercado até 2018 (com base nos projetos mapeados)
ajustando por ramp-up.
O investimento se dá em ciclos, com três fases de altos investimen-
tos bem delineadas: uma em 1996, outra de 2001 a 2003 e a mais recen-
te, de 2009 a 2011. É válido destacar que o ano de 2009, justamente o
que coincidiu com o mais forte reflexo para o Brasil da crise financei-
ra internacional, foi também o ano em que se observa grande volume de
investimentos em termos absolutos e percentuais. Para o futuro, com
base nos projetos anunciados até o momento, há um mercado um pou-
co mais estável, mas ainda com crescimento médio de capacidade
em torno de 5% a.a.
2.000 40
1.800
35
30
1.400
25
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1.000 20
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0
0
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2011
Fonte: Abipa.
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2003
2007
1996
1999
1998
1994
2001
2010
1995
1997
2012
2013
2011
Fonte: Abipa.
Produtos Florestais
em volume abaixo de seu potencial teórico.
5) A manutenção de elevada capacidade ociosa reflete-se em barreiras
de entrada a potenciais novos players.
Hipótese 1
O Gráfico 26 ilustra o Nuci de cada um dos três produtos divul-
gados pela Abipa (excluíram-se os dados de 1994 a 1996, pois nes-
se período ainda não havia produção de MDF no Brasil). A chapa de
fibra, produto que está em declínio e que perdeu quase 30% de sua ca-
pacidade instalada no período, é o que registra o melhor Nuci, além
de apresentar a menor variabilidade nessa taxa, inclusive nas diferen-
ças entre os dois períodos, o que mostra que a Hipótese 1 está correta,
ou seja, o problema está focado no MDF e MDP, com mais intensidade
neste último.
105
95
Média 1997-2008 = 86%
85
%
75 Média 2009-2013 = 85%
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2000
2006
2009
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2002
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1997
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2011
364 Gráfico 26B | MDP
Panorama de mercado – painéis de madeira
105
95
85
Média 1997-2008 = 75%
% 75
Média 2009-2013 = 66%
65
55
45
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1999
1998
2001
2010
1997
2012
2013
2011
Gráfico 26C | MDF
105
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% 75
Média 2009-2013 = 69%
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2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1999
1998
2001
2010
1997
2012
2013
2011
Fonte: Abipa.
Hipótese 2
Com base nos únicos dados disponíveis de empresas (a extinta Satipel
e a Duratex) sobre o uso de capacidade instalada nominal (antes e após a
fusão), calcularam-se dois Nucis: o da Duratex9 e o do restante do mercado
9
Foi necessário fazer alguns ajustes em determinados períodos por falta de dados.
(baseou-se em dados da Abipa, mas, dada a limitação de informações dis- 365
poníveis, só foi possível calcular os dados a partir de 2003). O Gráfico 27
Produtos Florestais
ilustra esses valores (mantendo a mesma escala dos gráficos 26 e 25 para
facilitar a comparação visual).
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2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
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2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Hipótese 3
Conforme já exposto, acredita-se que a Abipa realiza ajustes de ramp-up,
o que provavelmente explica parte da discrepância no Nuci da Duratex ante
o resto do mercado, conforme exposto no Gráfico 27 e na Tabela 7.
Para testar essa hipótese, realizou-se uma simulação com ajustes de
ramp-up a partir dos dados originais divulgados pela Abipa, de maneira
que, em cada ano, apenas 50% da variação líquida de capacidade é efetiva-
mente disponível naquele ano, sendo os demais 50% alocados no ano se-
guinte, com o resultado ilustrado no Gráfico 28. No caso do MDP, produto
que teve menor dinamismo nas expansões, o efeito de ajuste no ramp-up
foi praticamente nulo. No caso do MDF, haveria um aumento de 7 p.p. no
Nuci durante o primeiro período e de 1 p.p. no segundo período. Porém,
tal ajuste levaria o Nuci do MDF em 2001 para impossíveis 114%, contra
102% nos dados originais da Abipa para o ano de 2000, o que leva a crer
que muito possivelmente a associação já realiza algum ajuste de ramp-up 367
em sua série de dados.
grafico 28A
Produtos Florestais
Gráfico 28 | Nuci ajustado por ramp-up de MDF e MDP no Brasil
105
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2008
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2010
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2012
2013
2011
Hipótese 5
A favor dessa hipótese está o fato de que os mais recentes e plane-
jados investimentos de novos entrantes estão todos fora do raio de atua-
ção das plantas com menor Nuci da indústria: a Floraplac lançou-se em
um mercado novo, no Norte, enquanto a Sudati e a Guararapes atuam
em Santa Catarina, a Repinho no Paraná e as supostas futuras entran-
tes Placas do Brasil e Asperbras se localizariam no Espírito Santo e em
Mato Grosso do Sul, respectivamente. Adicionalmente, para essas pe-
quenas empresas, pode não ser interessante colocar plantas próximas
às das empresas líderes, dado seu poder de mercado. A atuação em ni-
chos fica favorecida pelo fato de os PMR não serem produtos que ab-
sorvam fretes de longa distância no preço, especialmente em um país
de dimensões continentais e de sistema logístico complexo e oneroso,
como o Brasil.
Como exercício de projeção, com base nos projetos mapeados e con-
siderando efeitos de ramp-up (como se acredita que a Abipa considera),
o Gráfico 29 ilustra a evolução da capacidade instalada de MDP em três
cenários de CAGR da demanda para o período 2014-2018, de 2%, 4% e
6% (como comparação, o CAGR da demanda no período 2009-2013 foi
de 4,9%). No primeiro caso, a média do Nuci seria de 61%; no segundo,
64%; e, no terceiro, 68%. Portanto, a menos que a demanda cresça em
patamares muito elevados ou que parte desses projetos sejam adiados ou
cancelados, o Nuci do MDP continuará em níveis ainda bastante reduzidos.
grafico 29 2%
Gráfico 29 | Nuci de MDP no Brasil até 2018 em diferentes cenários de demanda 369
Produtos Florestais
105
95 Média 2014-2018
Dem @ 6% = 68%
Média 1997-2008 = 75%
Dem @ 4% = 64%
85 Dem @ 2% = 61%
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2017
2011
grafico 30 4%
Fonte: Elaboração própria, com base em Abipa.
105
95 Média 2014-2018
Dem @ 12% = 90%
85 Dem @ 8% = 81%
Dem @ 2% = 72%
% 75
65
45
2000
2006
2009
2008
2004
2002
2005
2003
2007
1999
1998
2001
2010
2016
2018
2014
1997
2012
2015
2013
2017
2011
Competitividade
A tecnologia não é um entrave para a entrada no segmento de PMR,
entretanto não quer dizer que não se constitua um elemento de dife-
renciação competitiva, uma vez que tanto a escala quanto a qualida-
de do equipamento costumam ter a contrapartida de maior eficiência
produtiva e melhores margens operacionais, além de um produto com
qualidade ligeiramente superior (em compensação, requerem maior
intensidade de capital).
Hoje, as empresas brasileiras de PMR podem ser agrupadas em dois
grandes clusters: um, de grandes empresas, com maquinário moderno,
de linhas contínuas e com plantas de escala superior a 200.000 m3/ano,
formado por Duratex, Berneck, Arauco, Fibraplac, Eucatex, Masisa e
LP. O segundo cluster de empresas possui plantas de escala inferior a
200.000 m3/ano de prensas cíclicas, em um grupo formado por Bonet,
Guararapes, Floraplac, Sudati e Repinho. Geralmente o segundo cluster
também possui uma oferta de produtos mais restrita e de menor qualidade,
competindo no mercado com o cluster das grandes empresas por preço ou
com atuação restrita a nichos.
Entre as grandes empresas, diferenciais competitivos residem: (i) em
uma eficiente gestão florestal, com o menor raio médio possível entre as
florestas e a unidade fabril e com alta parcela de integração nas atividades
florestais; (ii) em uma logística do produto acabado para o cliente também
eficiente; (iii) no aumento da escala; (iv) na integração com a produção
de resinas,10 insumo mais relevante nos custos produtivos depois da ma-
deira (no caso dos painéis não revestidos); (v) na diversidade e qualidade
dos revestimentos de painéis ofertados; e (vi) na integração produtiva da
planta industrial, isto é, diferentes produtos (inclusive energia a partir de
biomassa) sendo fabricados na mesma unidade, de modo a maximizar o
uso da madeira.
Sobre os preços de venda de PMR no Brasil, não existe qualquer fon-
te pública de dados. Em função da não uniformidade na divulgação pela
Como é o caso da planta de resinas da Duratex em Agudos (SP), ou mesmo de plantas de fornecedores
10
externos dedicadas.
Eucatex (empresa de capital aberto) de informações relativas à Receita 371
Líquida, a única maneira de analisar os preços no mercado local ao lon-
Produtos Florestais
go do tempo se dá pelos dados disponibilizados pela líder de mercado
Duratex e pela extinta Satipel. O Gráfico 31 ilustra a Receita Líquida e
o EBITDA por metro cúbico da “antiga” Duratex, da Satipel e da “nova”
Duratex (dados pré-fusão calculados pelo somatório da Satipel com a “an-
tiga” Duratex11). O preço médio de venda da “nova” Duratex apresentou
CAGR de 2004 a 2013 de 3,2%, inferior à inflação no período, ao passo
que o EBITDA unitário elevou-se em 5,1% a.a. Porém, nos anos após a
fusão, observa-se maior aceleração desses indicadores: de 2009 a 2013,
o CAGR da Receita Líquida unitária foi de 6% e do EBITDA unitário
de 12%. Entretanto, é válido notar que, como os dados não distinguem o
tipo de produto ou a destinação das vendas, essa evolução deve ser vista
grafico 31
com ressalvas.
1.000
800
600
R$/m³
400
200
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2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
11
No caso da Duratex, considerou-se apenas a unidade de negócio “madeira”.
12
A Eucatex possui outras unidades de negócios (a mais relevante é a de tintas), e a divisão de PMR
responde entre 70% a 80% da receita da empresa.
372 “antiga” Duratex era superior ao da Satipel, resultado provavelmente expli-
cado pelo mix de venda com produtos de maior valor agregado, pela maior
Panorama de mercado – painéis de madeira
grafico 32
“nova” Duratex, tendo apresentado margem EBITDA, de 2009 a 2013,
8 p.p. a 15 p.p. menor.
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% 25
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2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
13
Dados anteriores a 2009 obtidos pelo somatório das antigas VCP e Aracruz.
14
Também inclui o valor do ativo biológico.
É válido destacar que o investimento em manutenção das florestas pró- 373
prias (além de manutenção industrial) não se reflete no EBITDA e é bastante
Produtos Florestais
expressivo em ambas as indústrias. Como nem sempre as empresas divul-
gam o investimento (CAPEX) entre expansão e manutenção, não é possível
montar uma série temporal precisa da razão EBITDA subtraída do CAPEX
de manutenção pelo ativo imobilizado (uma melhor proxy de retorno sobre
o capital empregado). A Tabela 8 ilustra alguns dados e estimativas próprios
para esse indicador, para as três empresas no ano de 2013. A Fibria foi a úni-
ca que explicitou quanto do investimento foi destinado à manutenção e, no
caso da Eucatex e Duratex, buscou-se uma estimativa bastante conservadora
(CAPEX de manutenção elevado). Tanto no caso da Duratex quando no da
Eucatex, a redução na rentabilidade do ativo imobilizado, ao levar em conta
o CAPEX de manutenção, foi menor do que no caso da Fibria, indicando
que esse investimento é proporcionalmente mais relevante para o negócio
de celulose do que para o de PMR. Isso indica que a melhor rentabilidade
grafico 33
sobre capital empregado do setor de PMR em relação à celulose, ilustrada
no Gráfico 33, é ainda maior.
45
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% 25
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0
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013
Adoção do novo padrão contábil internacional (IFRS), entre 2009 e 2010, resultou em um aumento do
15
ativo das companhias florestais, especialmente pela reavaliação do ativo biológico (madeira), a preços
de mercado em vez do custo histórico de formação.
374 Tabela 8 | EBITDA/ativo imobilizado da Duratex, Satipel e Fibria, em 2013
Indicadores Fibria Duratex Eucatex
Panorama de mercado – painéis de madeira
Produtos Florestais
Gráfico 34A | Custo dos produtos vendidos R$ 621/m³3
Resina
16%
Combustíveis
3%
grafico 34B
Gráfico 34B | Custo-caixa R$ 644/m³3
Combustíveis
3%
Resina
Energia elétrica 16%
7%
Mão de obra
11%
Gráfico 35 | Abertura dos custos da Eucatex por tipo de painel produzido no 3T13
grafico 35A
Gráfico 35A | Chapa de fibra
Depreciação
10%
Madeira
17%
Energia térmica
7%
Outros materiais
Mão de obra 25%
25%
grafico 35B
Gráfico 35B | MDF/HDF
Depreciação
11%
Energia elétrica
6%
Mão de obra
8%
Outros materiais
13%
Resina
36%
Produtos Florestais
Depreciação
7%
Madeira
Energia térmica
14%
4%
Energia elétrica
5%
Mão de obra
7%
Revestimento
27%
Resina
20%
Outros materiais
16%
grafico 35D
Gráfico 35D | Pisos laminados
Resina
15%
Revestimento
61%
Outros materiais
11%
Fonte: Eucatex.
Produtos Florestais
Entretanto, a manutenção da alta ociosidade da capacidade instalada
da indústria, bem como a complexidade operacional, cria algum grau
de dificuldade para potenciais novos entrantes.
• Poder dos fornecedores: é médio. A madeira, principal insumo
produtivo, é, em sua maior parte, detida pelos fabricantes de PMR.
Porém, o fornecimento de resinas e de papéis para revestimento é
feito por terceiros, que são empresas especializadas e com boa parcela
dos custos atrelada a preços internacionais. Em relação ao CAPEX,
o fornecimento de equipamentos também é bastante concentrado, es-
pecialmente no caso das prensas contínuas, nas alemãs Siempelkamp
e Dieffenbacher.
• Rivalidade na indústria: é baixa. Por se tratar de um mercado regio-
nal, as unidades fabris das empresas atendem aos polos moveleiros
próximos a sua região geográfica, o que faz com que a competitividade
seja mais regional do que nacional.
Para entender o futuro e as perspectivas da indústria de PMR brasilei-
ra, valeu-se de outra ferramenta, a análise SWOT. Do lado das forças, a
indústria: (i) trabalha apenas com florestas plantadas, em sua maioria pró-
prias e com um dos maiores índices de produtividade florestal do planeta;
(ii) possui grande poder de negociação em relação a seu principal cliente, a
fragmentada indústria moveleira; (iii) em sua maior parte, detém um parque
industrial moderno, com máquinas no estado da arte e de elevada escala; e
(iv) é concentrada, com empresas bastante organizadas.
Em contrapartida, podem-se listar como fraquezas da indústria: (i) a
distância geográfica não permite que as exportações sejam viáveis do pon-
to de vista econômico, o que restringe a atuação das empresas ao mercado
interno; (ii) a dependência do setor moveleiro; (iii) assim como no caso das
exportações, a distância da maioria das plantas industriais para as regiões
Norte e Nordeste do Brasil (onde o consumo tem crescido a taxas superiores
à média nacional) encarece o frete do produto e tira parte de sua competi-
tividade; e (iv) exposição cambial em parcela relevante dos custos, sem a
contrapartida de receitas, em nível semelhante, atreladas a moedas externas.
No campo das oportunidades, existem diversos vetores positivos, como:
(i) espaço para substituição de serrados e compensados; (ii) o ainda eleva-
380 do déficit habitacional brasileiro; (iii) ampliação do uso, que ainda é bas-
tante insipiente, de PMR na construção civil; (iv) crescimento de plantios
Panorama de mercado – painéis de madeira
Principais conclusões
Nos últimos anos, a despeito da crise financeira internacional que afe-
tou fortemente os mercados imobiliários das economias desenvolvidas, o
consumo global de painéis de madeira apresentou crescimento acima do
registrado pelo PIB mundial. Apesar de ser positivamente correlacionada
com renda, a distribuição de consumo de painéis entre os países (bem como
outros produtos de madeira sólida, como serrados) é mais afetada por há-
bitos, padrões culturais e oferta local de produtos.
Globalmente, na ótica da oferta, os maiores produtores (o Brasil é o
sexto) costumam ser os mesmos países que se encontram entre os maiores
consumidores, uma vez que os painéis de madeira não são amplamente ne-
gociados internacionalmente, ainda que produtos com maior valor agregado, 381
como o MDF, a chapa de fibra e os compensados, apresentem coeficientes
Produtos Florestais
de exportação maiores.
Em se tratando da demanda no Brasil, os painéis de madeira obtiveram
crescimento muito acelerado nos últimos anos (acima do PIB ou da cons-
trução civil), sobretudo o MDF e, em menor medida, o MDP. Os PMR be-
neficiaram-se das condições macroeconômicas que resultaram em aumento
de demanda por bens de consumo no país (dado que são majoritariamente
utilizados na confecção de móveis), na redução do déficit habitacional e
na substituição dos serrados e compensados. Nesse sentido, o prognóstico
para os próximos anos é misto, pois, se de um lado ainda existe espaço para
substituição de compensados e serrados, do outro, o modelo econômico bra-
sileiro baseado em consumo pode estar chegando a seu limite.
No caso da oferta de PMR, produto que revela baixos coeficientes
de exportação e importação, a indústria nacional tem adicionado novas
capacidades mais do que suficientes para atender à elevação da deman-
da. As barreiras a novos entrantes são baixas, o que se revela nas novas
companhias que iniciaram produção no país recentemente. De acordo
com projetos anunciados na mídia, existem pelo menos três novos entran-
tes potenciais para os próximos anos. Apesar de ter observado o ingres-
so de novos players, a indústria segue bastante concentrada, e projetos
previstos para as grandes companhias do setor devem manter a baixa
dispersão produtiva.
Especificamente sobre a capacidade instalada de PMR no Brasil, apesar
das dificuldades em obterem-se números precisos, os dados da Abipa suge-
rem que houve uma queda no Nuci de MDF e MDP no período 2009-2013
ante o período 1997-2008. Para o futuro, com base nos projetos anunciados,
continua-se enxergando um Nuci em níveis menores, especialmente no MDP.
No que tange à rentabilidade, a despeito da elevada ociosidade na capaci-
dade instalada, o setor apresenta números bastante saudáveis com elevadas
margens EBITDA e indicador EBITDA/ativo imobilizado igual ou maior
do que o registrado pela brasileira Fibria, maior produtora de celulose de
mercado do mundo. A baixa força dos produtos substitutos (seja dos serrados
e compensados ou de PMR importados) e dos clientes (são 12 empresas de
PMR perante 17 mil no setor moveleiro) ajuda a explicar a força dessa in-
dústria, a despeito do alto risco de novos entrantes. É válido ainda destacar
382 a exposição cambial em parcela relevante dos custos, em uma indústria que
tem suas receitas fundamentalmente atreladas à moeda interna.
Panorama de mercado – painéis de madeira
Referências
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Mecanicamente. Estudo Setorial 2013 – Ano-Base 2012.
Curitiba, 2013.
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Anuário Estatístico Abraf 2013 – Ano-Base 2012. Brasília, 2013.
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WBPI – Wood Based Panels International – <www.wbpionline.com>.
Automotivo
BNDES Setorial 40, p. 385-426
Resumo
A indústria automotiva brasileira é uma das mais relevantes econômica,
técnica e politicamente na economia nacional. No mundo, ela figura tam-
bém como uma das grandes fontes de inovação. Vários países dispõem de
políticas setoriais para o setor automotivo. No Brasil, o setor passou por
fases com maior e menor presença de empresários locais e, atualmente,
é dominado por empresas multinacionais. Neste artigo, propõe-se, com
base na análise de casos em países emergentes, no histórico da indústria
automotiva no Brasil e no panorama atual, construir um modelo que auxilie
a proposição de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento tecnológico
e à aceleração da trajetória de acumulação de conhecimento no setor.
Automotivo
Quanto a essa mudança de papéis, Ferdows apresenta alguns
mecanismos que poderiam ser utilizados para impulsioná-la; ba-
sicamente, trata-se de aumentar a competência da unidade, que
gradativamente assume maiores responsabilidades, passando, na
sequência, pela manutenção dos processos, pela seleção de forne-
cedores e gestão da logística local, pela melhoria dos processos,
pelo desenvolvimento de fornecedores, pelo desenvolvimento de
processos, pela melhoria de produtos, pelo seu desenvolvimento
completo, pelo fornecimento dos produtos a mercados globais até
tornar-se um centro mundial de conhecimento de produto e/ou pro-
cesso. Entretanto, a passagem de um “nível” para outro, a aquisição
de maiores responsabilidades, passa sempre pelo crivo da matriz,
em se tratando de subsidiárias, ainda que estas possuam certa au-
tonomia. A sequência proposta por Ferdows faz mais sentido para
o estabelecimento de estratégias do ponto de vista da matriz, que
optaria pelo progresso tecnológico de suas filiais, delegando a elas
maiores responsabilidades, e não da subsidiária que deseje aumentar
suas competências, nem dos países onde as filiais estão localizadas e
que desejem atrair para seu território atividades de desenvolvimento
tecnológico [Dias (2003, p. 109)].
300
250
200
150
100
50
0
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Automotivo
ção, as montadoras de capital nacional em operação serão abordadas; e, na
sexta seção, serão apresentadas as perspectivas de atuação do BNDES e as
considerações finais.
Índia
Caso Tata
A Tata Motors foi constituída em 1945 e pertence ao Grupo Tata, fun-
dado em 1868 e que compreende mais de cem empresas atuando em sete
ramos de negócios (comunicações e tecnologia da informação, engenharia,
materiais, serviços, energia, bens de consumo e químicos). O Grupo Tata
é o maior empreendimento privado da Índia e tem o capital aberto em bol-
sa de valores. A Tata Motors começou produzindo locomotivas. Em 1954,
iniciou a produção de comerciais médios sob licença da Daimler AG. Após
um avanço lento, cresceu a partir de fins da década de 1980 e início da dé-
cada de 1990. Em 1986, foi produzido o primeiro veículo comercial leve
desenvolvido localmente, o Tata 407. Em 1991, o primeiro veículo de pas-
sageiros, o Tata Sierra, foi lançado. Desde então, vários modelos leves e
pesados foram lançados em ritmo mais intenso. Os mais famosos são o Tata
Indica e o Tata Nano, projetado para ser o automóvel mais barato do mundo.
Em 2008, a Tata Motors adquiriu a Jaguar Land Rover da Ford. A monta-
dora permanece firmando joint ventures com montadoras de outros países,
390 como exemplo, com a italiana Fiat e a brasileira Marcopolo, ambas as par-
cerias realizadas em 2006. O Grupo Tata Motors faturou US$ 32,5 bilhões
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil
Caso Mahindra
O Grupo Mahindra foi fundado em 1945 e sua entrada no segmen-
to automotivo se deu em 1947, produzindo o Jeep Willys sob licença.
Atualmente, o grupo opera em 18 indústrias, tendo alcançado faturamen-
to de US$ 7,3 bilhões no exercício financeiro 2012-2013.3 Com maior
tradição em utilitários, a empresa produz veículos em todos os segmen-
tos (automóveis, comerciais leves, ônibus e caminhões), fornecendo uma
gama relativamente vasta de modelos. A Mahindra desenvolveu e produz
o carro elétrico Mahindra e2o, que utiliza tecnologias modernas, como a
de frenagem regenerativa. Em 2011, a Mahindra adquiriu a sul-coreana
Ssangyong Motor, fabricante de utilitários leves, ampliando sua atuação
no setor automotivo.
Outros casos
Também merece destaque a Ashok Leyland, montadora com atuação
marcante no segmento de veículos pesados e que, por meio de joint venture
com a Nissan, entrou no segmento de comerciais leves. A empresa é a quar-
ta maior fabricante de ônibus do mundo e a 16ª maior de caminhões. O fa-
turamento da empresa no exercício 2012-2013 foi de US$ 2,3 bilhões.4 A
empresa faz parte do Grupo Hinduja, de origem indiana, mas agora sediado
no Reino Unido. Há também algumas montadoras de menor porte, como
a Hindustan Motors, que fabrica o Ambassador, tradicional táxi indiano, a
Premier Ltd, que produz a Sport Utility Vehicle (SUV)5 Rio e o comercial
Roadstar, e a Bajaj Auto, que fabrica o tradicional triciclo conhecido popu-
larmente como tuk-tuk.
1
Faturamento consolidado do Grupo Tata Motors em rúpias indianas convertido para dólar, de acordo
com a taxa de câmbio de 13 de maio de 2014 (US$ 1 = 59,4749551 rúpias indianas). O ano financeiro
na Índia vigora de abril a março.
2
Fonte: Tata Motors.
3
Idem ao cálculo realizado para a Tata.
4
Fonte: Ashok Leyland.
5
SUV é um veículo baseado no conceito das caminhonetes, desenvolvido para suportar percursos
fora de estrada.
China 391
Automotivo
nesa vem se expandindo a taxas muito elevadas. Em 1999, a China produ-
ziu 1,8 milhão de veículos e figurava apenas como o nono maior produtor
mundial. Uma década depois, a China tornar-se-ia o maior produtor de
veículos do mundo. Em 2009, produziu 13,8 milhões de veículos. No mes-
mo ano, o Japão, então segundo produtor mundial, produziu 7,9 milhões.
Em 2013, a produção chinesa alcançou 22,1 milhões de veículos, mais do
que o dobro dos EUA, que, desde 2011, passou a ocupar o posto de se-
gundo produtor mundial. A taxa de crescimento anual média ponderada
(CAGR) da produção de veículos foi de 19,5% no período de 1999 a 2013.
Concomitantemente a esse ganho de importância, surgiram mais de cem
montadoras nos últimos anos na China [Bomey (2013); Shirouzu (2012)].
Há, todavia, uma grande concentração em torno de algumas grandes mon-
tadoras. A SAIC, maior empresa automotiva chinesa, tem cerca de 23%
do mercado local.6 Dongfeng, FAW, Changan, Beijing, Ghangzou, Chery,
JAC, BYD, Brilliance e Geely são outros players locais bastante represen-
tativos no setor. A despeito da má qualidade das informações, é possível
observar padrões recorrentes. Com exceção da Geely, todas as empresas
mencionadas são estatais. A maior parte possui marca(s) própria(s) e tam-
bém atua por meio de joint ventures com empresas de outros países, produ-
zindo veículos de marcas estrangeiras. A SAIC, que possui joint ventures
com a Volkswagen, a General Motors e a Iveco; a FAW, com a Toyota
e a General Motors; a Dongfeng, com a Peugeot Citroën e a Nissan; a
Changan, com a Ford; e a Brilliance, com a BMW, são alguns exemplos das
parcerias mais importantes.
Coreia do Sul
Caso Hyundai
Em 2011, o Grupo Hyundai era o segundo maior chaebol (conglome-
rado de empresas) coreano, atrás apenas da Samsung e à frente de outros
importantes, como a SK Group, a Hanwha, a LG, a Lotte, a Kumho etc.
Em 2011, a Hyundai Motor foi responsável por 11% do PIB da Coreia
6
Fonte: SAIC Motor.
392 do Sul [Lee (2013)]. A Hyundai Motor teve faturamento consolidado de
US$ 85,2 bilhões em 2013.7
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil
Caso Kia
A fundação da Kia ocorreu em 1944. Inicialmente, a Kia dedicou-se à
fabricação de bicicletas. Posteriormente, fabricou veículos e equipamentos
militares. Em 1962, lançou o primeiro caminhão produzido na Coreia, o
K-360, e, em 1974, o primeiro automóvel Kia, o Brisa, que também con-
tava com uma versão tipo caminhonete. Um ano depois, iniciou a expor-
7
Faturamento convertido para dólar de acordo com a taxa de câmbio de 15 de maio de 2014
(US$ 1 = 1.025,33 won coreanos).
8
O modelo Pony foi apresentado em 1974 no Salão Automóvel de Turim, na Itália. Contudo, o Pony
utilizava tecnologia da Mitsubishi, como o motor, a transmissão e a suspensão, e foi desenhado pelos
estúdios de design italianos da Giugiaro.
9
Fonte: OICA.
tação do Brisa. Mesmo com o lançamento de veículos importantes, como 393
o Bongo, em 1981, e a Sportage, em 1993, a Kia passou por dificuldades
Automotivo
financeiras na década de 1990. Como comentado, em 1998, foi adquiri-
da pela Hyundai. Os anos seguintes marcaram uma ampla reestruturação
da empresa. A Kia investiu maciçamente na ampliação e modernização
de seu parque produtivo e na renovação de sua linha de produtos, com
foco em tecnologia, qualidade e design. Além da fábrica coreana, pro-
duz nos EUA (fábrica inaugurada em 2010), na China (três fábricas, a
última iniciou a produção em janeiro de 2014) e na Eslováquia (planta
concluída em 2007). Atualmente, fabrica automóveis e comerciais leves
de sucesso, como o Soul, o Sportage, o Picanto, o Cerato e o Sorento.
Em 2013, a Kia Motors faturou US$ 46,4 bilhões.10 A montadora co-
mercializou 2,83 milhões de veículos em 2013, dos quais 2,29 milhões
fora da Coreia do Sul.11
Turquia
A Turquia ocupa um posto intermediário na indústria automoti-
va. Em 2013, foi o 17º maior produtor mundial, com 1,13 milhão de
veículos. De acordo com a Automotive Industry Exporters’ Union of
Turkey (OIB), entidade representativa do setor, o país possui quatro mon-
tadoras de capital exclusivamente nacional. Todas atuam no segmento de
veículos pesados. A Temsa fabrica ônibus; a Otokar, ônibus, veículos de
defesa e modelos da Land Rover Defender sob licença; a BMC produz
ônibus e caminhões; e a Karsan, ônibus de marca própria e caminhões
sob licença da Hyundai Motor. Em conjunto, as quatro montadoras têm
capacidade produtiva de 133 mil veículos por ano.12 Além disso, há outras
três montadoras de capital majoritariamente turco que produzem veícu-
los de marcas estrangeiras sob licença (Tofas Fiat, Anadolu Isuzu e Ford
Otosan). As três têm capacidade para produzir 743 mil veículos por ano.
Como a capacidade instalada total da indústria turca é de 1,58 milhão, as
empresas de capital exclusivamente ou majoritariamente turco respondem
por 55,4% desse valor.
10
Idem ao cálculo realizado para a Hyundai.
11
Fonte: Kia Motors.
12
Os dados referentes à capacidade da indústria turca são do ano de 2013.
394 Rússia
Caso Avtovaz
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil
13
Fonte: focus2move.com.
Síntese 395
Automotivo
Quadro 1 | Síntese das experiências internacionais selecionadas
País Principais Perfil mapeado
produtos automotivos
milhão de unidades
Produção (milhões
Exportações de
(USD bilhões)
Patentes* por
locais
de veículos)
de veículos)
produzidas
Patentes*
2013 2012 2011
Coreia 4,5 1,5 Hyundai, Kia - Chaebols 72 149,67 32,1
do Sul (conglomerados)
- Presença de
marcas próprias
Rússia 2,2 3 Avtovaz, - Presença de 1 11 5,5
Gaz Group estatais
- Presença de
marca própria
- Produção sob
licença
China 22,1 22 SAIC Motor, - Presença de 43,1 85,41 4,6
Dongfeng, estatais
FAW, - Joint ventures
Chang’an, com estrangeiros
Beijing, - Presença de
Ghangzou, marcas próprias
Chery,
JAC, BYD,
Brilliance,
Geely
Índia 3,9 3,2 Tata Motors, - Joint ventures 10 18,01 4,6
Mahindra, com estrangeiros
Ashok - Produção sob
Leyland, licença
Hindustan, - Algumas
Premier, aquisições de
Bajaj Auto montadoras
estrangeiras
- Conglomerados
- Presença de
marcas próprias
(Continua)
396 (Continuação)
País Principais Perfil mapeado
produtos automotivos
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil
milhão de unidades
Produção (milhões
montadoras
Vendas (milhões
Exportações de
(USD bilhões)
Patentes* por
locais
de veículos)
de veículos)
produzidas
Patentes*
2013 2012 2011
Turquia 1,1 0,9 Temsa, - Marcas locais 14,8 3,98 3,3
Otokar, restritas a
BMC, veículos pesados
Karsan, Tofas - Produção
Fiat, Anadolu sob licença em
Isuzu, Ford veículos leves
Otosan - Joint ventures
com estrangeiros
Brasil1 3,7 3,8 Agrale, - Presença de 13 4,35 1,3
Hyundai marca própria em
Caoa, MMC veículos pesados
e comerciais
leves
- Produção
sob licença em
veículos leves
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da pesquisa, OICA (2014), OECD (2014), WTO
(2013) e das empresas.
* Refere-se a depósitos de patentes internacionais por país de residência do inventor de tecnologias
para “redução de emissões e eficiência energética em transportes”. Há casas decimais porque há
alocações proporcionais quando uma patente tem mais de um inventor.
1
Listado para fins de comparação. Dados sobre o Brasil estão disponíveis nas seções subsequentes.
Automotivo
uma análise das políticas para o setor nesses países, o que não é objetivo
deste artigo, a estrutura da indústria tende a transparecer essa preocupação.
De certa forma, o Brasil também transitou por algumas dessas políticas
durante o período de implantação de sua indústria automotiva. Houve uma
estatal e parcerias com grupos locais, além da produção sob licença, como
será visto a seguir.
Automotivo
produção da produção produzidas*
Engesa 1975 1993 CL, C 4.129 São Paulo
(SP)
Avallone 1976 1990 A 200 São Paulo
(SP)
Bianco 1976 Meados da A n.d. Diadema
década de (SP)
1980
Miura 1977 1992 A 9.500 Porto Alegre
(RS)
Farus 1978 1990 A n.d. Belo
Horizonte
(MG)
Envemo 1979 1995 A, CL 202 São Paulo
(SP)
Corona 1979 1985 A 300 São Paulo
(SP)
Dacon 1983 1995 A 180 São Paulo
(SP)
Companhia 1990 1995 CL 3.000 São Carlos
Brasileira (SP)
de Tratores
(CBT)3
JPX 1992 2001 CL 3.000 Pouso
Alegre
(MG)
Troller 1997 Em operação CL 15.000 Horizonte
(CE)
Bramont4 2007 Em operação CL 4.800 Manaus
(AM)
Fonte: Elaboração própria, com base em Anfavea (2006; 2014), Baldocchi (2014), Bastos (2006),
Berezovski (2002; 2003; 2004; 2005a; 2005b; 2006a; 2006b), Bramont (2014), Cabral (2012),
Castaings (2000; 2001a; 2001b), Ford (2013), Gandra (2005), Laguna (2012), Lopes (2011; 2012),
Monegato (2011), Okubaro (2001), Pereira (2009; 2010), Quatro Rodas (1990), Revista Chapa
(2010), Romi (2011), Samahá (2001; 2002; 2007), Seixas e Arantes (s.d.) e Troller (2014).
Legenda: A = automóveis, CL = comerciais leves, C = caminhões e O = ônibus.
* Estimativa da produção acumulada de veículos (inclui automóveis, comerciais leves, caminhões e
ônibus). Para as montadoras em operação, a produção estimada está acumulada até 2013.
1
A Romi foi fundada em 1930. De 1956 a 1961, a Romi produziu o automóvel Isetta sob licença da
empresa italiana Iso.
2
Em 1965, a Brasinca iniciou a produção do 4200 GT. Em 1966, a Sociedade Técnica de Veículos
(STV) adquiriu os direitos de produção e o fabricou até 1967.
3
A CBT, fundada em 1959, produzia tratores. De 1990 a 1995, produziu o Jipe Javali.
4
A Bramont, fundada em 2007, monta, sob licença, os veículos utilitários da
Mahindra. Em 2011, foi vendida para o grupo chileno Gildemeister.
400 Ao analisar o histórico das montadoras nacionais no país, é possível cons-
tatar algumas características recorrentes. Focando apenas nas iniciativas de
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil
15
Em 1976, a Fiat assumiu o controle da Alfa Romeo.
As empresas Puma, Miura e Gurgel têm algumas semelhanças impor- 401
tantes. Nas três empresas, o projeto dos veículos era nacional e o material
Automotivo
usado na carroceria foi a fibra de vidro, mais barato e mais leve do que o
aço. As diferenças aparecem quanto à fabricação de motor próprio. Puma
e Miura dedicaram-se à produção de modelos esportivos e utilizaram ex-
clusivamente motores de outras empresas, principalmente da Volkswagen.
Embora a Gurgel também tenha utilizado motores de outras empresas
durante grande parte de sua trajetória, a empresa desenvolveu e fabricou
seu próprio motor, o Gurgel Enertron de dois cilindros, que equipou pri-
meiro o BR-800, em 1988, e, posteriormente, o Supermini e outros auto-
móveis da empresa. A Gurgel também produziu o utilitário Itaipu E400,
veículo elétrico movido a baterias, somando 87 unidades entre 1981 e
1985.16 Puma, Miura e Gurgel encerraram suas atividades em 1990, 1992
e 1996, respectivamente. Embora algumas particularidades de cada em-
presa tenham contribuído para o fim dessas iniciativas, algumas caracte-
rísticas comuns são relatadas em notícias da época, tais como dificuldades
financeiras, dívidas, problemas de gestão, baixo volume de vendas, es-
cala de produção reduzida, desconfiança dos consumidores e acirramen-
to da concorrência em virtude da abertura comercial ocorrida no início
dos anos 1990.
A Troller nasceu em 1997 como uma montadora nacional. O pri-
meiro jipe de série desenvolvido e produzido foi o RF Sport. Em
2001, o jipe sofreria modificações diversas, passando a se chamar T4.
O jipe teve grande aceitação, e a marca consolidou-se. O sucesso da
marca e a possibilidade de extensão dos incentivos fiscais para sua
fábrica em Camaçari (BA) atraíram a Ford do Brasil, que, em 2007, ad-
quiriu a empresa e, desde então, conduz o desenvolvimento e a produção
dos Troller T4.
O Quadro 3 traz o detalhamento das iniciativas de maior destaque. Em
razão da dificuldade de se resgatar cada um dos modelos de veículos das
empresas, optou-se por escolher o modelo de maior destaque e, então, apre-
sentar a origem do projeto, o material da carroceria, o motor e o fabricante
do motor.
16
Fonte: Anuário Anfavea.
402 Quadro 3 | Montadoras de capital nacional com atividades encerradas ou em
operação com controle estrangeiro – detalhamento de casos selecionados
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil
Automotivo
ainda que algumas vezes fosse fabricado no Brasil.
Controle do capital
Talvez o atributo mais óbvio seja justamente a nacionalidade do contro-
le do capital societário da montadora. Em países como a China e a Rússia,
como visto anteriormente, o desenvolvimento de uma indústria automotiva
local teve como um de seus pilares a presença do Estado no capital. Já em
países como a Coreia do Sul e o Japão, ainda que o Estado não participasse
do capital das empresas, os chaebols e os keiretsus, respectivamente, eram
grupos empresariais de controle nacional fomentados e favorecidos por polí-
ticas públicas. Mesmo no Brasil, as principais iniciativas nos primórdios da
indústria local tinham capital nacional, como a FNM, a Vemag e a Willys.
Marca própria
O uso de uma marca de terceiros envolve custos de licenciamento e
deixa a empresa a mercê dos interesses do licenciador. Exemplificando, a
exportação pode ficar comprometida, visto que os acordos de uso da mar-
ca normalmente têm restrição regional. Em outras palavras, o domínio de
uma marca gera mais autonomia ao empresário. Todos os países listados no
Quadro 1 têm alguma marca local.
Nos exemplos históricos do Brasil, algumas montadoras locais fracas-
saram, pois suas licenciadoras entraram em crise ou foram adquiridas por
outras empresas.
Por fim, construir uma marca não é algo barato e exige um longo tempo
para a aceitação do produto, assim como sua mera aquisição não é algo tri-
404 vial. Não por acaso, vários dos maiores anunciantes (em volume de recursos
publicitários) no Brasil são ligados à indústria automotiva.
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil
Fabricação local
Uma das principais preocupações de um país que visa se desenvolver é
promover sua indústria local. Os ganhos de produtividade inerentes a esse
processo alavancam o crescimento econômico do país. Assim, a produção
local torna-se algo fundamental para países como o Brasil, assumindo um
ponto central nas políticas voltadas ao desenvolvimento.
Por outro lado, em um mundo globalizado, é frequente, ao menos em
outras indústrias, a fabricação terceirizada. A terceirização não tem frontei-
ras. Várias empresas de calçados e vestuário desenham seus produtos em
suas sedes, mas os produzem em outros países.
Em um produto complexo e regulado como um veículo, em que uma
decisão de terceirização envolve muito mais questões do que em outras
indústrias, a fabricação local ganha outra dimensão. Fatores como a dispo-
nibilidade de peças ou características específicas de cada mercado podem
exigir uma fabricação local, freando esse impulso pela globalização.
Casos como a aquisição da Chrysler pela Fiat, concluída em 2014, e da
Jaguar-Land Rover pela Ford e depois pela Tata Motors em 2008 mostram
que talvez a fabricação local tenha um peso relevante, dado que é muito difícil
conceber que a Chrysler seja meramente italiana, assim como a Jaguar seja
meramente indiana. Há algo que as prende ao país em que foram criadas, que
se inicia na fabricação local, mas que vai mais adiante, com uma cadeia pro-
dutiva estabelecida e uma relação com o próximo tópico, a engenharia local.
Engenharia local
Dois fatores surgem do levantamento realizado. O primeiro é o design
dos modelos comercializados. O desenho industrial dos veículos é protegido
e pode ser licenciado a fabricantes locais. Na história brasileira, há alguns
casos de fabricação sob licença. Ao não criar seus próprios modelos, ainda
que projete derivados de um modelo desenvolvido em outro país, a mon-
tadora torna-se refém da estratégia de sua licenciadora, funcionando quase
como uma subsidiária. Não há autonomia para o lançamento de outros mo-
delos, mesmo havendo interesse da licenciada.
O segundo fator é relacionado à capacitação que um projeto automo- 405
tivo envolve. Portanto, ainda que o projeto conceitual seja criado por
Automotivo
um escritório de design, por exemplo, depende da montadora sua trans-
formação em um produto viável, bem como sua conexão a uma plata-
forma da montadora. O design, o desenvolvimento da plataforma e seu
casamento são trabalhos de engenharia. Criar esse tipo de capacitação
envolve algo além dos bancos das universidades, visto que requer expe-
riência prática, ou seja, depende da existência e diversidade de empresas
em território nacional.
Motorização própria
O motor é o coração do veículo. É possível imaginar um veículo sem
vidros, sem capota, sem pneus (usando esteiras, por exemplo) ou até
sem toda a carroceria, mas nunca sem motor, pois sua utilidade final é
o movimento. Portanto, implantar uma montadora sem fornecimento de
motores torna-se uma tarefa praticamente impossível.
As maiores montadoras de veículos leves no mundo têm fabricação
própria de motores. A escala de produção de veículos leves justifica
esse investimento. Montadoras que não dispõem de motor próprio ficam
sujeitas a acordos de fornecimento, o que pode gerar conflitos caso o
mercado seja de interesse da fornecedora. Os fornecedores de motores,
portanto, tendem a ser: montadoras globalmente menores, que enxergam
nesse fornecimento uma possibilidade de atingir uma escala de produção
mais econômica; ou montadoras fornecendo a parceiros em joint ventures.
Nos veículos pesados, poucas montadoras têm escala suficiente para
produzir toda a gama de motores necessária a suas linhas de montagem.
Em função disso, existem empresas especializadas na fabricação de mo-
tores pesados. Essa independência em relação às montadoras torna mais
simples o fornecimento a novos entrantes.
Em consequência da necessidade de um motor, um padrão aparece na
maior parte das iniciativas de montadoras em países emergentes. As iniciati-
vas em veículos leves normalmente são construídas a partir de joint ventures
com montadoras já estabelecidas em outros países ou por meio de licen-
ciamento. Por outro lado, montadoras de capital exclusivamente nacional
frequentemente se dedicam a veículos pesados.
406 Objetivos do levantamento
Dos cinco atributos, vários deles aparecem ou apareceram em iniciativas
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil
Automotivo
Foi solicitado ao painel de especialistas que marcasse, entre os atribu-
tos a seguir, quais os três mais importantes em uma montadora nacional. O
Gráfico 2 mostra esse resultado.
Os dados mostram um forte alinhamento em torno do atributo “en-
genharia local”, com 79%. De fato, como apontado por Castro, Barros
e Vaz (2014), as atividades de engenharia têm papel fundamental para
a indústria automotiva, configurando-se como “componente importan-
te para a construção de uma indústria automotiva nacional e competitiva
globalmente” (p. 187).
Em seguida, aparece o atributo “controle do capital”, com 65%.
Em uma visão pragmática de que os acionistas são, em última ins-
tância, os responsáveis pela tomada de decisões estratégicas pela em-
presa, o resultado não chega a ser surpreendente. Finalmente, há três
atributos com percentuais muito próximos uns dos outros: “fabricação
local”, com 49%, “matriz localizada no Brasil”, com 47%, e “marca
própria”, com 42%.
Engenharia 79%
local
Controle do 65%
capital
Fabricação 49%
local
Marca 42%
própria
Motorização 19%
própria
0 20 40 60 80 100
Para outros detalhes, vide Ato Declaratório (normativo) 32, de 28 de setembro de 1993, da
17
Automotivo
tecnológico e sobre a cadeia produtiva local?
Foi perguntado, ao mesmo painel de especialistas, que impactos uma
montadora nacional traria ao setor. Os resultados são apresentados na
Tabela 1.
Automotivo
Quadro 4 | Montadoras de capital nacional em
operação (levantamento não exaustivo)
Empresa Cluster Produtos Local Vendas
empregados
Capacidade
Número de
da fábrica
fundação
2013
Ano de
empregados
Capacidade
Número de
da fábrica
Além da engenharia: panorama do capital nacional na indústria automotiva brasileira e
insights para uma política pública rumo ao desenvolvimento de tecnologia automotiva no Brasil
fundação
2013
Ano de
Stara 1953 Tratores Tratores 2.079 Não-Me- n.d. n.d.
agrícolas agrícolas Toque (RS)
Budny 1990 Tratores Tratores 450 Içara (SC) n.d. n.d.
agrícolas agrícolas
Selvagem 1967 Buggies Buggies 19 Parnamirim 120 13
(RN)
BRM 1969 Buggies Buggies 20 São Paulo 240 120
(SP)
Bugre 1970 Buggies Buggies 12 Rio Bonito 240 36
(RJ)
Peixoto 1983 Buggies Buggies n.d. Fortaleza 120 n.d.
Veículos (CE)
(Fyber)
Wake Motors 2009 Buggies Buggies 30 Curitiba 120 120
(Superbuggy) (PR)
Chamonix 1987 Réplicas e Réplicas n.d. Jarinu (SP) 70 n.d.
esportivos
Lobini 1999 Réplicas e Esportivo 4 Cotia (SP) 12 1
esportivos
Fontes: Sites das montadoras, entrevista com as montadoras, Consiglio (2013), Maia (2013), Revista
Quatro Rodas, Tabela FIPE, Fenabrave, AutomotiveBusiness e dAuto.nl.
* Ano de inauguração da fábrica. A Caoa existe como distribuidora de veículos desde 1979.
** Números do grupo.
*** Não inclui veículos importados. Outros fabricantes não listados: Baby Buggy,
Cauype/RDK, Emisul, Fer-Car, Fibravan, Kadron, Kaltec/Magnata (buggies), Americar/
Guedala, Cobra Motosport, Kitcar, Kremer, Sportscar, SS Fiberglass, WW Trevis
(réplicas) e San Vito (esportivos). O Brasil dispõe ainda de uma série de fabricantes
de carrocerias para ônibus e de reboques e semirreboques de capital nacional.
Automotivo
zação diferente do padrão brasileiro de chassi mais carroceria para ônibus e
que se aproxima da lógica das montadoras que atuam na fabricação de co-
merciais leves, motivo pelo qual também foi listada no Quadro 4. As vendas
dos miniônibus da marca Volare alcançaram 5.480 unidades, em 2013. O
Quadro 5 mostra uma síntese dos clusters relacionados às montadoras ins-
taladas no Brasil e uma avaliação em relação a cada atributo. Para fins com-
parativos, foi incluído outro cluster, de montadoras de capital estrangeiro.
Percebe-se que as iniciativas em operação guardam grandes semelhan-
ças com as relacionadas na história da indústria no Brasil e apresentadas
em seção anterior deste artigo. A indústria de capital nacional tem atuado
em nichos de mercado em que o custo de entrada é mais baixo, ou seja,
que dependem de forma menos significativa de ter uma engenharia local
ou uma motorização própria. Em consequência disso, respondem por um
faturamento substancialmente menor que o do segmento das estrangeiras,
que, grosso modo, concentram mais de 90% do faturamento das montadoras.
esportivos especiais e
tratores
Motorização De De De De De Própria
terceiros terceiros terceiros terceiros terceiros
Estimativa de < 0,1 < 0,1 0,5 6,5 n.d. 155
faturamento
do segmento
(R$ bilhões)
Fonte: Elaboração própria.
50
45
40
35
30
% 25
20
15
10
0
2009
2005
2003
2007
1969
1999
1989
2001
1959
1965
1963
1995
1979
1993
1997
1967
1985
1983
1987
2013
1957
1961
1975
1973
1977
1991
1981
2011
1971
Fonte: Elaboração própria, com base em Anfavea (2006; 2014), Baldocchi (2014), Bastos (2006),
Berezovski (2002; 2003; 2004; 2005a; 2005b; 2006a; 2006b), Bramont (2014), Cabral (2012),
Castaings (2000; 2001a; 2001b), Ford (2013), Gandra (2005), Laguna (2012), Monegato (2011),
Okubaro (2001), Pereira (2009; 2010), Quatro Rodas (1990), Revista Chapa (2010), Samahá (2002;
2007), Seixas e Arantes (s.d.), Troller (2014) e Webmotors (2011; 2012).
Nota: A Volkswagen e a Fiat no Brasil tinham participação de capital nacional, embora não
majoritário. Segundo Revista Quatro Rodas (1987), o Grupo Monteiro Aranha detinha 20%
da Volkswagen do Brasil em sua fundação, em 1953, que foram alienados em duas etapas
iguais: uma em 1980 para o Governo do Kuwait e outra em 1987 para a matriz alemã. Já o
Governo de Minas Gerais detinha 18,17% da Fiat, que também foram alienados à matriz.
É possível observar que a indústria brasileira começa com um percentual 415
elevado de participação nacional, girando em torno de 40%. Nos anos de 1967
Automotivo
e 1968, sofre uma grande inflexão, decorrente principalmente da venda
da Willys do Brasil e da Vemag. Com a entrada dos Grupos Caoa e Souza
Ramos na produção de veículos, observou-se um leve aumento na partici-
pação nacional nos últimos anos.
va tem feito parte das políticas de diversos países em diferentes níveis, bus-
cando seus efeitos de transbordamento. A existência de empresas de capital
nacional é disseminada em alguns países, pois possibilita uma indústria de
porte global. Da mesma forma, permite que o país participe da tomada de
decisões estratégicas, como os focos prioritários para pesquisa e desenvol-
vimento, que tendem a estar concentradas nas matrizes.
No Brasil, ainda que as subsidiárias de multinacionais desempenhem
um importante papel na consolidação da indústria automotiva, agregando
gradualmente mais atividades nobres localmente, como a engenharia de
novos modelos, é notório que, por fazer parte de uma corporação com sede
e acionistas em outro país, a decisão final sobre assuntos mais estratégicos
não estará na subsidiária. Embora possa ser idealizada e proposta inicial-
mente pela subsidiária, a construção de uma nova unidade industrial ou o
desenvolvimento de um novo modelo de automóvel dependerá da chancela
da matriz.
A autonomia decisória, portanto, parece ser crucial para o desenvolvimen-
to de tecnologia automotiva local que tenha alguma ambição de uso global.
Em outras palavras, elevar o Brasil nos rankings de inovação envolve ter
empresas em setores mais intensivos em tecnologia com centro de decisão
no país. Tal conclusão reflete-se diretamente nas estatísticas de patentes no
setor automotivo, como visto anteriormente.
As montadoras nacionais no Brasil seguem um desenho semelhante desde
que a indústria local foi implantada. As iniciativas em veículos leves nor-
malmente estão presentes via licenciamento. Isso ocorreu nos casos mais
emblemáticos do passado, como Willys e Vemag, e ocorre nos casos recen-
tes, como os dos Grupos Caoa e Souza Ramos. Já as iniciativas em veículos
a diesel, por vezes, dispensam uma ligação muito próxima das multinacio-
nais, ou seja, dispondo de autonomia estratégica. A diferença entre leves e
pesados decorre fundamentalmente de sua escala de produção.
A grande dependência da escala de produção leva a tratá-la como um
ponto de atenção para o desenvolvimento local de iniciativas mais ousadas.
Ao mesmo tempo, para que o Brasil atinja um estágio de desenvolvedor
de tecnologia automotiva, é preciso galgar outros estágios, como proposto
por Castro, Barros e Vaz (2014). A Figura 1 sugere algumas rotas possíveis
para o fortalecimento da indústria local, rumo ao topo do gráfico, ou seja, 417
com maior desenvolvimento tecnológico.
Automotivo
Figura 1 | Rotas propostas para fortalecimento da indústria automotiva
nicho, o ganho de escala é ponto central para que possam alçar voos mais
longos. A adoção de tecnologias mais modernas de construção veicular,
bem como a diversificação de seu portfólio de produtos, pode contribuir
para esse ganho.
Nas empresas licenciadas, observando-se o que ocorreu em outros paí-
ses e, principalmente, comparando-se ao histórico brasileiro, dois pontos
parecem ser cruciais, a fim de evitar alguns dos problemas do passado: o
desenvolvimento de uma competência em engenharia de novos modelos e
a criação de uma marca própria.
No caso dos veículos pesados, em que o Brasil efetivamente possui uma
montadora local, a rota mais evidente, inspirada no que aconteceu em outros
países, é a entrada gradual em veículos menores, inicialmente comerciais
leves e, via licença ou joint venture, até em automóveis.
Como mencionado em Castro e Ferreira (2010), há uma interessante
oportunidade para a constituição de autopeças nacionais por meio da difu-
são dos veículos elétricos e híbridos. Da mesma forma, um adensamento
tecnológico das montadoras tem que estar acompanhado do desenvolvi-
mento das autopeças.
O BNDES dispõe de diversos instrumentos de apoio a essas iniciati-
vas. O Banco é o maior financiador de projetos de P&D e engenharia no
setor automotivo no Brasil, com projetos contratados que somam quase
R$ 4 bilhões entre 2008 e 2013. Além disso, há linhas de financiamento
voltadas à diversificação da produção. Em iniciativas de grande valor es-
tratégico para o país, a participação acionária em empresas brasileiras pode
ser utilizada, apoiando toda a estratégia de inovação da empresa.
Nas empresas menores, como é o caso de diversas montadoras de nicho,
o BNDES Finame, o BNDES Automático e o Cartão BNDES podem figu-
rar como interessantes alternativas para o financiamento do investimento.
Por fim, há um espaço importante para a constituição de centros de ex-
celência em tecnologias emergentes. No caso da indústria automotiva, a
eletrificação dos veículos aparece como a rota tecnológica mais evidente a
se materializar nos próximos anos ao lado da eletrônica veicular, conside-
rando, inclusive, o desenvolvimento de veículos autônomos. Esse conjunto
relativamente restrito de temas pode ter um valor fundamental na competi- 419
tividade futura da indústria brasileira e no posicionamento local como uma
Automotivo
das matrizes de conhecimento do setor. Em relação à eletrificação veicular,
o BNDES vem estimulando a construção de capacidade produtiva por meio
de condições financeiras diferenciadas no Fundo Clima e a comercializa-
ção de ônibus elétricos, híbridos ou outros modelos com tração elétrica por
meio do BNDES PSI. Ademais, o Banco vem atuando de forma proativa
no fomento a novas operações, na constante elaboração de temas específi-
cos no âmbito do BNDES Funtec, voltados a projetos inovadores de com-
ponentes centrais da tecnologia, e via ações estruturadas como o Plano de
Ação Conjunta Inova Energia em curso, que integra instrumentos de apoio
de outros órgãos do governo.
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Automotivo
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Complexo Eletrônico
BNDES Setorial 40, p. 427-480
Ricardo Rivera
Ingrid Teixeira*
Resumo
Uma nova eletrônica se descortina com o surgimento de novos materiais
orgânicos semicondutores, a eletrônica orgânica (EO). Para fins de com-
paração, a EO está atualmente no estágio de desenvolvimento tecnológi-
co equivalente ao que a eletrônica tradicional baseada no silício estava
há quarenta anos. Entretanto, a EO já é realidade: os displays Organic
Light-Emitting Diode (OLED, Diodo Emissor de Luz Orgânico) embarca-
dos em smartphones premium representam a primeira aplicação em massa
dessa nova tecnologia. Estados Unidos da América (EUA), Europa, Japão,
Coreia e China já posicionaram seus institutos de pesquisa, empresas e
governos para aproveitarem o novo mercado a ser formado pelos dispo-
sitivos flexíveis, transparentes, finos, biodegradáveis e com possibilidade
de serem produzidos a baixo custo, com uso de técnicas de impressão. O
presente artigo mostra os esforços e investimentos feitos pelo Brasil, bem
como apresenta oportunidades para o país alcançar posição de destaque
nesse segmento da eletrônica no futuro.
*
Respectivamente, gerente setorial e engenheira do Departamento de Tecnologia da Informação e
Comunicação da Área Industrial do BNDES. Os autores agradecem ao professor Roberto Faria, do
Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC/USP), e ao professor Marco
Cremona, do Instituto de Física da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (IF/PUC-Rio),
a receptividade durante as visitas, discussões e contribuições sobre o tema e aos revisores anônimos
do texto.
428 Introdução
As tecnologias emergentes, por vezes, substituem outras correntes em
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
1
Por exemplo, impressão de condutores nas janelas dos carros para evitar o embaçamento dos vidros.
dutos que vão dos citados displays OLED a circuitos e sistemas integrados, 429
roupas, papéis etc. e células solares.
Complexo Eletrônico
O mercado estimado pela consultoria IDTEchEx para a EI, ou eletrô-
nica potencialmente impressa, quer envolva os orgânicos, quer os inor-
gânicos, quer os compostos, é de algumas centenas de bilhões de dólares
em 2025. Quando comparados com os do universo da eletrônica baseada em
silício, os números são relativamente tímidos. Mas os benefícios que essa
tecnologia oferece – como baixo custo, robustez pela flexibilidade, leveza,
possibilidade de impressão em grandes áreas,2 transparência, possibilidade
de integração de diversos componentes eletrônicos em objetos inteligentes,
benefícios ambientais e menor consumo de energia – a posicionam como
uma das plataformas mais promissoras na eletrônica, com potencial de tor-
nar-se ubíqua em futuro não tão longínquo.
Não por menos, na Europa já existe mais de quatrocentas instituições e
empresas formando cerca de 17 clusters em 13 países e há intenso incentivo
dos governos, que enxergam na EO e na EI uma possibilidade de reativar
suas economias e empregos [OE-A (2013)]. EUA, Japão e Coreia também
realizam investimentos de monta significativa.
Desde 2008, o BNDES vem tratando a EO como uma área promisso-
ra tecnologicamente, dedicando a ela a qualidade de foco na utilização do
BNDES Fundo de Desenvolvimento Tecnológico (Funtec). Trata-se de uma
das mais nobres fontes de recursos do Banco, composta por parte dos lu-
cros da instituição, destinada a focos setoriais muito específicos que possam
alavancar o desenvolvimento tecnológico brasileiro. Desde então, cerca de
R$ 80 milhões foram enquadrados para estruturação de operações de finan-
ciamento do BNDES na área de EO.
Com a crescente utilização dos recursos não reembolsáveis do Banco,
os autores julgaram pertinente dar luz ao tema (EO) e destacar a EI como
ponto de atenção para as políticas tecnológicas na área, com ênfase especial
em dois campos aparentemente promissores para a entrada do país em ní-
vel competitivo globalmente para o desenvolvimento e produção de células
fotovoltaicas e dispositivos de iluminação. Ambas as aplicações preveem
a produção em tecnologias de impressão no futuro, apresentando potencial
2
Na Europa, usa-se o termo Organic and Large Area Electronics (OLAE) em referência à eletrônica
orgânica, impressa e flexível.
430 de composição de novas cadeias globais de produção e, por conseguinte,
abrindo oportunidade para o país.
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
Conceitos básicos
Semicondutores orgânicos
Os semicondutores são materiais que possuem um valor de condutividade
elétrica intermediário entre os materiais isolantes (como o vidro) e os con-
dutores (como o cobre). Isso se deve, em linhas resumidas, a características
desses materiais quanto ao distanciamento entre as camadas de valência e
de condução, que permitem o controle pelo projetista de suas propriedades
elétricas. São, portanto, muito utilizados na fabricação de componentes ele-
trônicos, elétricos, ópticos e optoeletrônicos. Os semicondutores historica-
mente mais conhecidos são os inorgânicos, dentre os quais, destacam-se o
silício, o germânio e o arsieneto de gálio (GaAs).
Até o início dos anos 1970, os polímeros eram situados na faixa dos ma-
teriais isolantes, com baixíssima condutividade elétrica. Em 1969, o doutor
Kawai demonstrou ser possível gerar eletricidade por meio de um polímero
sintético. Essa descoberta levantou interesse de pesquisa sobre a possibili-
dade de que outros polímeros também tivessem características elétricas. O
professor Shirakawa, estudando a polimerização do acetileno, observou a
formação de um filme brilhante na superfície da solução em análise. Esse
filme ainda não era condutor elétrico. A partir de 1975, Shirakawa uniu-se
a Alan Heeger e Alan MacDiarmid (EUA) e, conjuntamente, em suas in-
vestigações sobre os polímeros, alcançaram em 1977 a produção de políme-
ros condutores, descoberta com enorme impacto na comunidade científica
mundial, atribuindo-lhes o Prêmio Nobel de Química em 2000. Em 1987,
foi apresentado por C. Tang e S. VanSlyke, da Eastman Kodak, o primei- 431
ro dispositivo emissor de luz eficiente baseado nesses materiais, que ficou
Complexo Eletrônico
conhecido por OLED. Desde então, a ciência dos polímeros conjugados
condutores (Figura 1) tem avançado rapidamente, na chamada EO.
Polímeros conjugados
Condutividade (S/m)
10 10 10 10 10 10 10
-16 -12 -8 -4 -4 o 3
Principais rotas da EO
Para fins didáticos, a EO pode ser dividida em duas grandes rotas, com
propósitos diferentes: a miniaturização e a eletrônica de grandes áreas.
Para fins de comparação entre os dois domínios, tome-se o referencial
dado pela Lei de Moore,3 na qual se estabeleceu que, a cada 18 ou 24 meses,
seria possível integrar na mesma área o dobro de transistores. Caminhando-se
no sentido da miniaturização, na busca de mais funcionalidades, tem-se o
subdomínio do More Moore. A inovação é feita a fim de atender a requisitos
de processamento, capacidade de armazenamento e comunicação intensos
em escalas reduzidas e de baixo consumo de energia. O objetivo é, por-
tanto, o de auxiliar a rota tecnológica estabelecida a superar seus desafios,
usando-se outros materiais, como o grafeno.
Pode-se ir além da miniaturização dos transistores, o que se denomina
beyond CMOS4 ou beyond Si (Silício), com o emprego de nanotecnologia
para se conseguir aumento de desempenho, em que, no limite, um átomo
3
Gordon E. Moore, cofundador da Intel Co., quem apresentou, em 1965, a tendência de que o número
de transistores iria dobrar a cada 18 ou 24 meses.
4
Complementary Metal-Oxide Semiconductor (CMOS) é uma tecnologia empregada na indústria de
semicondutores convencional para construir os transistores e os circuitos integrados.
Figura 2
nalidades biológicas (sensores).
Sistemas
Domínio
nm 10s nm mm mm a cm (poucos) mm x cm
Complexo Eletrônico
dos aditivos (como impressão) em substratos flexíveis (como papel, filmes
plásticos ou folhas de metálicas).
Cadeia de valor
A cadeia de valor da indústria de semicondutores orgânicos pode ser
organizada conforme indicado na Figura 3.
Figura 3
Figura 3 | Cadeia de Valor da EO
Processos Componentes e
Materiais Aplicações
produtivos dispositivos
Fonte: BNDES, adaptado de OE-A (2013). Imagens © CSEM Brasil, © CSEM Suíça e © CERTI.
Embora há mais de vinte anos Europa, EUA, Japão e Leste Asiático in-
vistam no desenvolvimento tecnológico e industrial para dominar a cadeia
de valor, ainda há muito o que se desenvolver quanto a processos, novos
materiais e aplicações. Por conseguinte, existe uma forte necessidade de
integração e colaboração nessa cadeia, pois uma inovação em um dos elos
pode afetar o direcionamento de todos os outros.
434 Materiais e processo de produção
As formas como os componentes são criados dependem intimamente do
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
Semicondutor Semicondutor
p-type n-type
Pentaceno
Fluoreno
+ V -
Figura 4B
Figura 4B | OLED 435
Complexo Eletrônico
Ânodo (ITO)
Catodo (AI)
+
Alq 3 (ETL + EML)
Luz
Figura 4C
Figura 4C | Transistor
Eletrodos
Metais
Materiais condutores
Nanopartículas
V GS Materiais poliméricos
Dielétrico
G Polímeros isolantes
s D
Semicondutor
Polímero conjugado
V DS Poly-3-alkylthiophene (P3AT)
Filme fino
Poliéster
poli metil metacrilato, entre outros, podem ser usados como dielétricos e são
comercialmente disponíveis com um baixo custo de produção.
Normalmente, os componentes e dispositivos orgânicos utilizam uma ou
mais camadas semicondutoras orgânicas. Os semicondutores são a classe
de materiais cujas propriedades são mais difíceis de controlar e os mais
complicados para se depositar, sendo a pureza dos materiais e sua reprodu-
tibilidade de importância fundamental para o sucesso do dispositivo final.
Os materiais que compõem essa classe podem ser as pequenas moléculas e
os polímeros (grandes moléculas).
O sucesso do dispositivo orgânico depende também das características
do substrato onde ele é fabricado. Os substratos mais utilizados são o vidro
(em que se busca superfície extremamente plana, transparente, com baixa
rugosidade, baixo conteúdo de impurezas), e os tipo poliméricos (flexibili-
dade, estabilidade temporal, ou seja, minimizar os efeitos de temperatura e
umidade na variação dos compostos orgânicos). Dependendo da técnica de
deposição do material, devem-se observar também a resistência a altas tem-
peraturas e a interação com os demais materiais durante o processo produtivo.
Além do tipo de material e do substrato utilizado, o encapsulamento tem
um papel essencial na construção dos dispositivos, pois evita a deterioração
das camadas, causada principalmente pela água e pelo ar em contato com
o material ativo orgânico. A camada de encapsulamento pode ser forma-
da por vidro cavado, desumidificador e camada adesiva. Encapsulamento
com vidro rígido normalmente leva a maior tempo de vida, superior a dez
anos, mas obviamente compromete a flexibilidade da aplicação. O uso de
polímeros como substrato pode permitir a flexibilidade, mas traz desafios
para a construção (podem se movimentar durante o processo de produção)
e de durabilidade mais limitada.
Os processos de produção (deposição dos materiais) podem ser por:
• Deposição por vapor: usada com pequenas moléculas, o material
é depositado por meio de vaporização física das moléculas no
5
Ressalta-se que na construção de dispositivos tidos como da área da EO, como os displays OLED,
há em geral a presença de compostos inorgânicos, como o óxido de índio com estanho – ITO (um
óxido de metal), utilizado na camada de touch panel por apresentar alto índice de transparência e boa
estabilidade térmica e química.
substrato em câmaras a vácuo. Esse processo é mais difundido na 437
produção de displays e iluminação OLED – dominado pelos Small
Complexo Eletrônico
Molecules OLEDs (SMOLEDs) –, pois confere maior eficiência
(todas as cores disponíveis com alta luminância e tempos de vida
adequados das três cores básicas) e há ampla disponibilidade de for-
necedores de matérias-primas em função da menor complexidade de
produção se comparada com a dos polímeros, que possuem poucos
fornecedores, como a japonesa Sumitomo e a Merck. A principal
crítica à atual tecnologia SMOLED é a baixa eficiência do processo
em razão do alto desperdício de material.6
• Solução-processada (impressão): a camada semicondutora orgâni-
ca é depositada por processamento de solução no substrato, via téc-
nicas de impressão. Apesar de disponível para pequenas moléculas,
esse processo surgiu com os polímeros, que apresentam como grande
vantagem a maior flexibilidade para adicionar funcionalidades sem
alterar os atributos existentes, por exemplo, incorporar uma nova
molécula que absorve luminosidade em uma faixa do espectro não
absorvida pelas outras do polímero original.
A impressão pode utilizar o formato folha a folha (sheet-to-sheet ou S2S)
ou rolo a rolo (roll-to-roll ou R2R), e este último tende a ser mais econô-
mico para grandes volumes, embora de maior complexidade no controle do
processo de produção. Dado o potencial de redução de custos pela escala
e a versatilidade de tamanhos e características que podem ser produzi-
dos por meio de impressão R2R, as células Organic Photovoltaic (OPV),
baterias, sensores e outros diversos dispositivos estão tendo esse tipo de
impressão como principal rota de desenvolvimento. Inclusive os displays
podem no longo prazo convergir para técnicas de impressão [IDTEchEx
(2013); Melnick (2012)].
As diferentes formas de impressão para EO em geral derivam de
técnicas existentes para a produção de bens não eletrônicos e são apre-
sentadas no Quadro 1. A EI tende a se apropriar de alguma(s) dessas
técnicas atuais e desenvolver os ajustes para construção de dispositi-
vos eletrônicos.
6
Muito embora o grau de aproveitamento utilizando a técnica de Organic Vapor Physical Deposition (OVPD),
da empresa alemã Aixtron AG, venha sendo aprimorado ao longo do tempo.
438 Quadro 1 | Técnicas de impressão em EI
Técnicas de Exemplos Descrição Vantagens Desvantagens
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
impressão
Impressão Silkscreen A tinta passa Permite uma grande Não é aplicável
de grandes por uma faixa de viscosidade a filmes finos.
áreas tela onde das tintas. Relativa Resolução atual
o desenho facilidade em 35 µm, taxa
está feito, grandes formatos. de produção
os buracos Flexibilidade e e interações
na trama facilidade de uso. em impressões
permitem a Escalabilidade multicamadas.
passagem da provada
tinta. industrialmente.
Impressão Gravura Utilizado em Muito rápido, Quantidade de
de grandes embalagens, relativamente tintas, custo de
áreas publicações, simples, imagens capital, tinta com
laminados. com mais qualidade. baixa viscosidade,
Resolução sem rota clara de
25 µm-30 µm. escalonamento
produtivo.
Impressão Flexografia Aplicações Independência Limitação
de grandes gráficas para da espessura da espessura
áreas embalagens e do filme e da do filme
publicidade. imagem, resolução (2 µm-10 µm),
melhorada (30 µm), durabilidade/
alta velocidade (500 deformação dos
m/min), impressão rolos devido aos
suave. solventes usados.
Sem rota clara de
escalonamento
produtivo.
Impressão Inkjet É um Rota clara de Deposição das
digital processo escalonamento gotículas, filmes
(impressão bastante produtivo, finos, taxa
sem difundido em grande base de de produção,
impacto) uso. Permite conhecimento limitação de
um controle científico, sem partículas.
digital da contato, controle
impressão e digital, menor
customização volume de líquido,
a cada uso. resolução 50 µm.
Estamparia/ Estamparia a Transfere Alta velocidade, Limitação do
relevo quente folha por calor e independência da uso de substratos
pressão para espessura do filme e devido à alta
o substrato a da imagem. temperatura.
tinta fluida.
(Continua)
(Continuação) 439
Técnicas de Exemplos Descrição Vantagens Desvantagens
Complexo Eletrônico
impressão
Outros Nanolitografia É o processo Filmes finos, Apenas em
mais popular resolução e filmes finos,
usado nas qualidade, complexidade
gráficas. experiência. para fabricação da
Livros, máquina, controle
revistas, e setup, limitada a
embalagens reologia “grossa”,
etc. sem rota clara de
escalonamento
produtivo.
Fonte: BNDES, adaptado de Dörsam (2013).
7
Essas duas camadas, conhecidas também por junção p-n, possibilitam a injeção de portadores e o
transporte elétrico, ao estarem submetidas a uma tensão elétrica.
8
No OLED, na camada ativa, as cargas emitidas pelos eletrodos se recombinam, emitindo luz. No
OPV, ocorre o processo inverso, na camada ativa, há absorção de energia da luz solar e há dissociação
de cargas capturadas pelos eletrodos.
por efeito de campo – Organic Thin Film Transistor/Organic Field Effect 441
Transistors (OTFT/OFETs). Sua estrutura é um pouco mais complexa do
Complexo Eletrônico
que a do diodo, por conter três eletrodos: fonte, dreno e porta, sendo esta
última a que controla a passagem e a intensidade da carga entre fonte e dre-
no. Os dispositivos criados com os transistores podem ser, por exemplo,
papel eletrônico, memórias, circuitos integrados e sensores.
Atualmente, os transistores orgânicos de filmes finos, OTFT, são ainda
de baixo desempenho em mobilidade elétrica quando comparados com
os construídos por semicondutores inorgânicos (cerca de 1% destes).9
Pode-se dizer que em EO a tecnologia para processadores, por exemplo,
compara-se ao nível que estava a eletrônica tradicional de semiconduto-
res décadas atrás.
Em 2011, quarenta anos após o primeiro microprocessador de silício ser
produzido, Intel 4004, Interuniversity Microelectronics Centre (IMEC) e o
centro de pesquisa Holst (holandeses) apresentaram o primeiro processador
plástico totalmente produzido a temperaturas abaixo de 250oC [Lombaers
(2013)]. Esse dispositivo revolucionário foi considerado o “micropro-
cessador mais lento do mundo”, pois tinha frequência de operação de até
40 Hz. Entretanto, em 2013, foi apresentado um novo microcontrolador de
propósito geral de oito bits, que opera até 2,1 kHz, mais avançado, porém
ainda 1 milhão de vezes mais lento que os processadores dos computadores
pessoais, que operam na ordem de GHz. Naturalmente, os primeiros nichos
de mercado são os que não requerem elevado processamento, mas que não
podem utilizar os semicondutores tradicionais, seja, por exemplo, pela in-
flexibilidade, seja pela biocompatibilidade, seja por questões ambientais.
Todavia, pode-se pensar que a EO irá evoluir segundo uma nova Lei de
Moore, que está em desenvolvimento.
Existe uma diversidade de áreas de conhecimento e tecnologias en-
volvidas, e não é possível afirmar que exista uma solução única de
material-deposição-substrato-encapsulamento para todas as aplicações.
Trata-se de um momento da evolução da EO caracterizado por um intenso
processo de investigação e experimentação. Como se trata de uma tecno-
logia não madura, espera-se que um conjunto de tecnologias conviva, cada
uma ocupando um determinado nicho de mercado, até que o surgimento
de um novo material, processo ou tecnologia modifique o quadro vigente.
9
Fonte: <http://www.hpl.hp.com/techreports/2012/HPL-2012-66.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2014.
442 Aplicações
Segundo Associação de Eletrônica Orgânica e Impressa da União
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
Complexo Eletrônico
A EO é composta pela ciência e tecnologia dos materiais, sendo uma
tecnologia transversal nas áreas de conhecimento da física, química, enge-
nharia eletrônica e outras engenharias para definição de processos, quali-
dade, deposição dos materiais etc. Há desafios em toda a cadeia produtiva,
que, todavia, encontra-se em formação, desde a produção dos materiais
orgânicos, passando pelos produtores de máquinas e equipamentos até o
produto final, sendo necessário um olhar integrado sobre toda a cadeia de
valor [IDTEchEx (2013)].
Atualmente, a maior concentração de empresas (60%) está na produ-
ção dos componentes e dos dispositivos – displays OLED, iluminação
OLED, filmes fotovoltaicos orgânicos, transistores, baterias etc. – vide
Figura 6. Outro grupo expressivo, 27%, concentra os fornecedores de
química, tintas, papéis. Dessa forma, percebe-se que há um maior es-
forço das empresas em empurrar a tecnologia – technology push – em
oposição a empresas de integração e design dos produtos, com 3% de
empresas pensando nas necessidades dos usuários – user pull. Por isso, o
estudo IDTEchEx observa que a tendência, pelo menos enquanto a massi-
ficação tecnológica da EO não ocorrer, é de que as empresas estejam en-
volvidas não somente com o produto, mas também com os dispositivos,
Figura 6
materiais e processo de produção.
Technology push
Fornecedores de
química, tintas, User pull
filmes e papéis Grande
27% Poucas empresas de
número de
integração ou
componentes
designers envolvidos
e dispositivos
Produção de 3%
60%
máquinas e
conhecimento
10%
Materiais
Como as rotas tecnológicas inorgânicas seguem em evolução, o avanço
nos materiais orgânicos é chave para que a EO se consolide nos diferentes
segmentos de mercado. Entre outros desafios, os materiais orgânicos preci-
sam de melhorias de desempenho elétrico, processamento, escala (custos),
estabilidade e compatibilidade com os solventes (para EI) para atender a
aplicações mais complexas.
Figura 7A
Figura 7 | Fluxo elétrico formado nos polímeros condutores e no silício
Transparent anode
+
-
-
Polymer
Aluminum cathode
Figura 7B
Figura 7B | Fluxo elétrico no silício 445
Complexo Eletrônico
SI SI SI SI
Elétron
Átomo Lacuna Livre
boro
B SI P SI
Elétrons
Átomo partilhados
fósforo átomos
próximos
SI SI SI SI
Processos
Dada a característica morfológica dos materiais orgânicos, o desafio
da reprodutibilidade no processo de produção na EO (e especialmente
na EI) é sensivelmente superior ao da indústria tradicional de semicon-
dutores, que utiliza materiais inorgânicos muito estáveis, com processo
de deposição a vácuo extremamente preciso, em que as propriedades
mecânicas e elétricas são controladas a nível atômico.
Outra restrição que aparece na EO com relação aos processos pro-
dutivos é a necessidade de se atender a requisitos de velocidade, tem-
peratura, solventes, condições de ambiente, vácuo, entre outros fatores,
para cada aplicação. Por exemplo, o uso de substratos plásticos tipo PET
possui requisitos tais que impedem o uso de métodos de produção que
envolvem altas temperaturas, como o laser printing.
10
Entrevista com o pesquisador Alberto Salleo, Universidade de Stanford, EUA, concedida ao Boletim
da SBPMat.
446 A redução da dimensão (pitch) conseguida pela técnica de impressão
está atualmente em 0,5 µm e parece insuficiente para algumas aplicações,
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
Encapsulamento
Além de vencer os desafios de construção, o tempo de vida e a con-
fiabilidade dos produtos devem ser prolongados. Para tanto, é necessá-
rio que o substrato e o encapsulamento possuam baixa permissividade
à água e ao oxigênio, além de resistência elevada a variações térmicas,
ao calor e à luz ultravioleta (UV) – por exemplo, no silício amorfo, a
resistência à luz UV nas células solares é superior a dez anos, e sua
eficiência energética é estável ao longo desse tempo, o que ainda não
ocorre na célula OPV. Conseguir encapsulamentos flexíveis e transpa-
rentes a baixo custo continua sendo um grande desafio [OE-A (2013)].
Substratos não rígidos significam produtos mais robustos. O vidro,
por mais leve que seja, apresenta trincas quando sujeito a pressões me-
cânicas. Conseguir a substituição, por exemplo, do vidro (LCD) usado
nos displays dos smartphones, tablets e computadores pelos displays
OLED certamente irá conferir aos produtos maior resistência a quedas.
Outros benefícios seriam: maior leveza, menor espessura, facilidade
no transporte e maior facilidade em montagem do produto acabado.
Os desafios não podem ser tratados independentemente. Melhores materiais
podem reduzir os requisitos de encapsulamento. A resolução depende das técni-
cas de produção envolvidas e da vazão necessária para atingir-se a economia de
escala na aplicação (OPV, OLED iluminação, OLED displays, etiquetas RFID
etc.). Portanto, as variáveis aqui levantadas pretendem mostrar brevemente
a complexidade de buscar soluções tecnológicas para um ambiente bastante
heterogêneo em área de conhecimento que viabilizem as aplicações de EO.
Complexo Eletrônico
tribuíram para que essa visão não fosse alcançada no prazo vislumbrado.
A visão de longo prazo da OE-A para EO, comparativamente com o
ecossistema dos semicondutores e a indústria de displays tradicionais, pode
ser vista no Gráfico 1.
grafico 1
Gráfico 1 | Expectativa de crescimento do mercado de EO
250
200
Semicondutores
150
100
Displays tela plana
Eletrônica orgânica
50
0
1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020
Complexo Eletrônico
como o estágio atual de lucratividade das aplicações e tendências de evo-
lução no curto-médio prazo.
Iluminação
OLED
Iluminação Cinco anos
bilhões
US$ 15
ü ö
OLED
Eletrônicos Sensores Dez anos
milhões
US$ 160
Ï ö
e
componentes
milhões ü ö
Fotovoltaico Filmes Dez anos Sem
fotovoltaicos
orgânicos/
dados Ï ð
DSSC
Fonte: BNDES, adaptado de IDTEchEX (2013).
OLED displays
Posicionamento da tecnologia
Os displays OLED representam mais de 85% no mercado projeta-
do para EI em 2023 [IDTEchEx (2013)]. Os fornecedores de displays
LED-LCD estão sob maior risco com a viabilidade econômica dos
displays OLED. As vantagens dos displays OLED sobre os atuais de LED
backlight LCD podem ser resumidas em: (1) melhor imagem, melhor
contraste, cores mais vivas e melhor taxa de refresh; (2) menor consumo
de energia; (3) melhor ângulo de visão; (4) possibilidade de ser cons-
truído de forma curva, flexível, dobrável e em substratos transparentes,
pois não precisam do backlight; (5) mais finos e leves.
Inicialmente comercializados em massa em displays pequenos –
smartphones, câmeras fotográficas etc. –, os displays OLED tendem a avan-
çar sobre aplicações maiores, como TVs e monitores. Os recentes investi-
mentos anunciados pela LG para construção de uma fábrica de geração 8,
que permitiria a produção econômica de TVs de 55 polegadas, indicam
que os principais desafios tecnológicos vêm sendo superados.
450 Os grandes fabricantes usam processo de produção baseado na eva-
poração a vácuo utilizando pequenas moléculas,11 no qual o desperdício
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
Panorama competitivo
Como uma das tecnologias críticas que garantem vantagem competitiva
na indústria eletrônica – uma vez que boa parte dos produtos hoje em dia
carrega algum tipo de display embarcado nos mais diversos setores da eco-
nomia (eletrônica de consumo, automotivo, aeroespacial, defesa etc.) –, os
displays historicamente tiveram a liderança do desenvolvimento das
tecnologias nos EUA, Europa e Japão. Na tecnologia vigente do LCD,
a despeito de a produção ter se deslocado para o Sudeste Asiático, a PI
dos insumos e equipamentos manteve-se em boa parte com esses três
atores [IDTEchEx (2013)].
O OLED parece ser uma ruptura nesse paradigma, com as empresas
do Sudeste Asiático, especialmente as coreanas LG e Samsung, liderando
o desenvolvimento tecnológico e a produção de dispositivos e produtos
para displays OLED, puxadas pela crescente adoção dessa tecnologia em
smartphones e tablets. A aquisição de fornecedores-chave, como a Novaled,12
e participação de 5% na Sharp, pela Samsung, e a divisão OLED da Kodak,
pela LG, exemplificam como a participação dessas empresas nos insumos
críticos deverá ser sensivelmente maior do que foi no LCD. Ambas lança-
ram, a partir de 2013, TVs OLED de grande dimensões (entre 55” e 77”),
flexíveis ou curvas, reforçando o comprometimento desses dois maiores
fabricantes de displays e TV do mundo.
As empresas taiwanesas como a CMI e a AUO13 bem como as chine-
sas BOE, China Star e Visionox e as japonesas TDK e Pioneer também
11
Uma das exceções que podem ser destacadas seria a Panasonic, que produz displays a partir da
tecnologia impressa (inkjet) de polímeros da CDT/Sumitomo [IDTEchEx (2013)]. Todavia, em 2013,
Sony e Panasonic desfizeram uma joint venture para fabricar painéis OLED com a tecnologia PLED.
Fonte: <http://news.oled-display.net/sony-and-panasonic-stop-their-oled-tv-partnership/>. Acesso em:
ago. 2014.
12
Empresa alemã que participou dos esforços de desenvolvimento da comunidade europeia nos FP6
e FP7 para tecnologia de OLED e foi comprada pela Samsung em 2013.
13
Terceiro e quarto maiores fabricantes de painéis do mundo.
concorrem no mercado de displays OLED, embora ainda estejam majo- 451
ritariamente focadas em displays de menor tamanho.
Complexo Eletrônico
Apesar de ainda caros e com desafios tecnológicos e produtivos a
serem superados, os displays já ultrapassaram a barreira “lab-to-fab”,
já tendo se consolidado com produção em escala. De acordo com
IDTEchEx (2013), as receitas com displays OLED devem alcançar
US$ 30 bilhões em 2020.
Posicionamento da tecnologia
O OLED apresenta alguns atributos especiais (conforme mostra Quadro 5)
que o qualifica como tecnologia promissora de iluminação, entre os quais
a possibilidade de construção de luminárias de grandes áreas com baixo
consumo energético, baixo brilho, designs diferenciados, cores ajustáveis
452 e mornas, utilizando materiais ambientalmente sustentáveis,14 e principal-
mente, com potencial de custos extremamente reduzidos via processo de
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
Fonte: ©CERTI.
14
Lâmpadas fluorescentes utilizam mercúrio.
15
O US DoE (2013) posiciona como meta a taxa de 190 lm/W para o OLED em 2025.
Quadro 5 | Comparativo entre os diferentes tipos de iluminação 453
Complexo Eletrônico
Descrição Eficácia Tempo de Vantagens Desvantagens
luminosa vida (h)
(lm/W)
(Continua)
454 (Continuação)
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
Complexo Eletrônico
se tornem competitivos em custos e eficiência, poderiam penetrar nos seg-
mentos empresarial e industrial (Gráfico 2).
grafico 2
Gráfico 2 | Eficácia luminosa histórica e prevista para as fontes de luz
200
lâmpada LED
Eficiência luminosa (lumens per Watt)
branca
150
0
1940 1960 1980 2000 2020
Panorama competitivo
grafico 3
Gráfico 3 | Projeção de mercado de iluminação OLED
Bi US$
1,4
1,2
1,0
0,8
0,6
0,4
0,2
0
2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023
16
Talvez a única exceção relevante de tecnologia de polímeros para OLED iluminação.
• Materiais e processo produtivo – como o processo produtivo mais 457
propagado atualmente se baseia em moléculas pequenas e deposi-
Complexo Eletrônico
ção a vácuo, que demandam escala, eleva-se a barreira de entrada
para investimentos fabris na área. Soma-se a esse fato a presença de
grandes fabricantes de fontes de luz, como Philips, OSRAM e LG
investindo valores consideráveis nessa tecnologia. Por outro lado, os
avanços obtidos no processo de displays serão incorporados por esses
fornecedores de materiais e processos de produção para iluminação,
o que tende a aumentar a concorrência na área. Posto isso, parece
pouco provável que haja oportunidades para o país alcançar o passo
(leapfrog) do core dessa tecnologia em processo ou materiais.
Contudo, há que se levar em conta uma estratégia de atração de
investimentos nessas áreas, ainda mais se considerado o roadmap
produtivo em processo contínuo (R2R), quando os valores de inves-
timentos deverão ser relativamente baixos.
• Dispositivos e aplicação – dados os recentes desenvolvimentos da
tecnologia LED quanto a consumo, vida útil e qualidade de cores, o
horizonte de médio prazo aponta para uma aplicação de nicho de alto
valor agregado para o OLED em iluminação, em que a qualidade de
uma luz distribuída uniformemente possa ser valorizada, como no setor
moveleiro, automotivo, aeronáutico, entre outros. O desenvolvimento de
luminárias e novas estruturas de encapsulamento parece ser uma grande
oportunidade para o Brasil, haja vista a diversidade industrial presente
no país, com a possibilidade de desenhar produtos (carros, móveis etc.)
considerando os ganhos que a iluminação OLED pode oferecer.
Para apoiar esse desenvolvimento tecnológico, há um conjunto de insti-
tutos de tecnologia que trabalham com tecnologia OLED para iluminação,
destacando-se o Inmetro, que possui maquinário para fabricar em escala
protótipo OLEDs de 10 cm x 10 cm.
O BNDES apoiou recentemente um projeto envolvendo a CERTI
e a Philips, no qual a instituição tecnológica brasileira: (1) construiu
uma tecnologia de encapsulamento do OLED fornecido pela Philips e
luminárias-conceito; (2) iniciou o desenvolvimento de mercado junto a
fabricantes de mobiliários; e (3) estruturou um laboratório e linha-piloto
para interconexão, montagem e encapsulamento das fontes de luz, assim
como a cadeia de fornecedores nacionais da eletrônica embarcada e do
encapsulamento.
458 Entre outros resultados, foram criadas a placa controladora da luminá-
ria living sculpture, apresentada na Euroluce 2013, em Milão, que integra
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
Fonte: BNDES.
17
Strengths, Weakness, Opportunities, Threats (Força, Fraqueza, Oportunidade e Ameaça).
Células fotovoltaicas orgânicas (OPV) 459
Posicionamento da tecnologia
Complexo Eletrônico
Quadro 7 | Comparativo entre tecnologias de energia solar
Silício Silício (Si) amorfo Células Filmes finos Orgânico
junção
(III-V)
c-Si (cristalino) a-Si DSSC GaAs (single CdTe CIGS OPV
junction)
Eficiência da célula
em laboratório
13,4% 29%
24,7% 11,4% 18,7% 20,4% 12%
(LG (Alta
(Panasonic) (NIMS) (First Solar) (EMPA) (Heliatek)
Electronics) Devices)
evoluindo
o aumento de degradação temperatura custo de módulos e reciclagem •Degradação com
temperatura induzido pela •Degradação produção rígidos apenas •Custo e UV
•Qualidade luz com UV •Toxicidade e escassez
do material •Processo de reciclagem (In, Se)
baixa (defeitos manufatura •Custo e
de cristal + de alto custo escassez
impureza) (Te, Cd)
Fonte: BNDES, adaptado de PV: research and applications (2011) e Science & Technology trends.
460 As tecnologias fotovoltaicas podem ser classificadas em: (1) silício
cristalino, utilizado em quase 88% dos módulos [Wolden et al. (2010)];
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
(2) filmes finos inorgânicos (a-Si, DSSC, CdTe, CIGS); (3) filmes finos
orgânicos (OPV); (4) semicondutores III-V, utilizados em satélite e con-
densadores de energia. As principais vantagens e desvantagens são apre-
grafico 4
sentadas no Quadro 7.
Flexibilidade
10
8
Bandgap Estado da tecnologia
6
Complexo Eletrônico
produção por materiais processáveis ou impressão (por exemplo, CSEM
Brasil e Beletric).
Acredita-se que, ao conseguir superar a barreira “psicológica” dos
10-10 (10% de eficiência e dez anos de tempo de vida), será possível tornar
as células solares orgânicas bastante competitivas no mercado de geração
fotovoltaica de filmes finos, particularmente porque os custos de manufatu-
ra esperados são muito pequenos. Considerando os materiais e dispositivos
existentes, o payback energético do OPV é estimado entre 0,3 a 3 anos18
[Wolden et al. (2010)].
grafico 5
Gráfico 5 | Maturidade das tecnologias solares e algumas aplicações
18
Essa faixa elevada de tempo deve-se ao grau de premissas usadas a essa tecnologia em maturação.
462
grafico 6
Gráfico 6 | Evolução de eficiência da célula (%)
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
44%
32%
29%
25%
24%
20%
20% 19%
18%
15%
13%
12% 12%
11%
11%
3%
Complexo Eletrônico
de operação em nichos por pelo menos dez anos alcançando US$ 86,5 milhões
em 2023. Essa estimativa aparentemente é conservadora, já que novas apli-
cações em desenvolvimento, como os módulos OPV flutuantes em superfície
de lagos bem como colocados sobre os tetos de automóveis, podem elevar
as previsões de mercado atuais.
As empresas formadas para explorar o mercado de OPV são jovens, tendo
a Konarka representado um marco para o avanço da tecnologia e, por outro
lado, uma ruptura no desenvolvimento do mercado ao ter declarado falência
em 2012.19 Essa empresa, fundada pelo prêmio Nobel Alan Heeger, recebeu
mais de US$ 170 milhões em capital de risco e mais de US$ 20 milhões em
recursos governamentais e chegou a atingir eficiências produtivas superiores
a 8%. Com um hall de tecnologias na área de polímeros impressos, parte
das patentes da Konarka foi adquirida pela Merck.
Em outra rota tecnológica, a de moléculas pequenas, a alemã Heliatek20
afirma ter alcançado eficiência de 12%, em 2013, ante 6%, em 2009, de-
monstrando a rápida evolução da tecnologia. A empresa tem parceria com
a AGC, uma das maiores empresas de vidro do mundo para o fornecimento
de painéis solares integrados (BIPV) às janelas para construção civil.
19
Após ser envolvida nos debates políticos para a eleição presidencial sobre os milionários incentivos
para a indústria solar, a falência da Solyndra e o default de cerca de US$ 500 milhões de empréstimos
públicos [SI Staff (2008)].
20
Que tem, entre outros acionistas de venture capital, a Basf e Bosch.
464 As americanas Solamer e Plextronics, as europeias Armor, Eight19, Disa
Solar entre outras, compõem um quadro geral de empresas pequenas e mé-
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
Forças Fraquezas
CSEM Brasil: projeto na fronteira Dificuldade de retenção de mão de obra
tecnológica mundial, com equipe
qualificada e parcerias tecnológicas com
principais centros de P&D
Elevada incidência solar Dificuldade de articular projetos existentes
e concentrar recursos de P&D
Existência de clientes locais (indústria Atrair empresas com porte para levar
automotiva, de vidro, agentes do setor soluções ao mercado
elétrico etc.)
(Continua)
(Continuação) 465
Forças Fraquezas
Complexo Eletrônico
Fontes de recurso para P&D – Aneel, Ainda que em construção, cadeia
BNDES, Finep etc. produtiva encontra-se fora do Brasil
(principalmente Europa)
Oportunidades Ameaças
Janela de oportunidade tecnológica Tecnologia OPV pode não se consolidar
relativamente ampla no mercado ou haver desistência de
grandes fornecedores de insumos
(polímeros)
Fonte: BNDES.
Complexo Eletrônico
especialmente atrativa para os sistemas inteligentes.
Panorama de mercado
O mercado para sensores orgânicos é estimado em US$ 1 bilhão em 2023,
ao passo que o de baterias não chegará a US$ 200 milhões [IDTEchEx (2013)].
Em ambos os casos, a perspectiva é que a EO e a EI ocupem um percentual
diminuto do mercado total.
Empresas baseadas em soluções inteligentes ou são start-ups advin-
das de universidades (como CDT), ou surgiram como spin-offs de gran-
des empresas (como a PolyIC, originada na Siemens), caracterizando
o período como um período ainda nascente da tecnologia. Pela mes-
ma razão, diversas empresas encerraram suas atividades com transisto-
res orgânicos (por exemplo, Motorola, Seiko Epson, PrintedSystems e
PolymerVision), e outras se reposicionaram (como a PolyIC, que trocou
seus investimentos em RFID para uma aplicação mais imediata em filmes
condutores transparentes).
Focos estratégicos
A Europa está fortemente comprometida com essas áreas, enxergando
nelas uma alternativa para construir um novo ecossistema, após a perda
da cadeia de semicondutores tradicionais para a Ásia. Entre 2007 e 2013,
mais de € 120 milhões de recursos públicos foram aplicados via chamada
FP7 para criar o ecossistema (infraestrutura de P&D e arranjos produtivos).
Mais de quatrocentas entidades (institutos de ciência e tecnologia, pequenas
e grandes empresas) formam mais de 17 clusters em 13 países europeus
(Alemanha, Inglaterra, Áustria, Suíça, Holanda, França, Finlândia, Grécia)
[OE-A (2013)]. A região tem liderança na base da cadeia (materiais orgâni-
cos) e processo produtivo (impressão e deposição a vácuo), contudo enfrenta
dificuldades para estimular as gigantes empresas de tecnologias da infor-
mação e comunicação – com exceção à área de iluminação OLED. Esse
diagnóstico embasa o novo framework Horizon 2020, no qual os objetivos
da União Europeia se estendem para estimular novos modelos de negócios
e empreendedorismo na área.
Por a questão energética ser estratégica para os EUA, seu departamen-
to de energia (USDOE) acompanha as áreas de iluminação e energia foto-
voltaica. Investimentos significativos foram feitos em tecnologia orgânica,
como pela Konarka – falida em 2012 –, e em projetos OLED de ilumina-
ção, havendo atualmente maior ênfase em tecnologias inorgânicas, entre
as quais o CIGS (fotovoltaico) e LED (iluminação) [IDTEchEx (2013);
US DoE (2013)]. Há forte interesse na EI, com liderança mundial no núme-
ro de produtos impressos já desenvolvidos [IDTEchEx (2013)], e empre-
sas start-ups em componentes e sistemas surgindo especialmente no Vale
do Silício (Santa Clara e San Jose) e no entorno de universidades fortes no
tema (Filadélfia e Massachusetts).
Na Ásia, Japão e Coreia têm se destacado no principal mercado –
displays – e também nos esforços de criação do TFT orgânico/impresso
para alcançar, nos médio e longo prazos, a produção por impressão de
displays. Esses avanços serão fundamentais para a evolução da tecnologia de
transistores – que possibilitarão a criação de chips orgânicos e impressos
com desempenho superior. Nesses países, a presença das grandes empresas 469
é intensa – e menor de start-ups –, e elas estão voltadas não somente para o
Complexo Eletrônico
fornecimento de materiais, mas também de equipamentos e produtos finais.
Apesar de poucas informações disponíveis, IDTEchEx (2013) entende que,
em dez anos, a China também estará fortemente presente em EI.
Todavia, todas essas regiões estão desenvolvendo tecnologia de im-
pressão para transistores (por estes se empregarem em diversas aplicações
eletrônicas) e fotovoltaicos (pela questão energética) [IDTEchEx (2013)].
Modelos de desenvolvimento
Em todos os países citados, o papel do Estado para organizar, incentivar
e principalmente financiar os desenvolvimentos é central. Os institutos de
tecnologia estão entre os principais protagonistas, uma vez que a tecnolo-
gia ainda tem muito para evoluir até atingir mercados de grandes volumes.
E o empreendedorismo é outro elemento incentivado, dada a agilidade das
novas empresas em testar os nichos de mercado iniciais.
Na Europa, um modelo muito interessante é o adotado pelo VTT, prin-
cipal instituto de tecnologia da Finlândia, com papel central no desenvol-
vimento da Nokia, entre outras empresas. O instituto é responsável pelo
amadurecimento da tecnologia, com especial foco no desenvolvimento de
soluções híbridas – orgânica e inorgânica – impressas, e tem forte intera-
ção e parceria com os demais centros de P&D no mundo, além de realizar
a prestação de serviços tecnológicos para as empresas que orbitam o seu
ecossistema. Um grande programa para promoção de start-ups – incluin-
do coaching, rodadas de venture foruns, aceleração etc. – é executado para
estimular os novos empreendedores. Em 2014, esse programa já promoveu
três business cases com 10 mil a 100 mil peças produzidas com base em
18 empresas aceleradas.
Nos EUA, são utilizados os instrumentos tradicionais para inovação:
grants dos departamentos de energia e defesa – embora relativamente tí-
midos [IDTEchEx (2013)] –, as universidades e (em poucos casos ainda)
os fundos de venture capital.
No Japão, a organização e articulação entre academia, institutos de pes-
quisa e indústria é notória, tendo a Japan Advanced Printed Electronics
Technology Research Association (JAPERA), com cerca de trinta institutos
de P&D, a função de estimular e promover as parcerias necessárias tanto
470 das grandes quanto das pequenas empresas. Quadro semelhante é encon-
trado na Coreia, com a Korea Printed Electronics Association (KOPEA)
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
21
Fonte: <http://nano.mct.gov.br/investimentos/>. Acesso em: 5 jun. 2014.
foram submetidos mais de R$ 80 milhões em pedidos de apoio na área, 471
envolvendo projetos de displays e iluminação OLED, OPV e impressão
Complexo Eletrônico
de antenas para etiquetas RFIDs. Até junho de 2014, o Banco possuía
R$ 47 milhões contratados em EO.
Em 2013, Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), BNDES e
Finep – Inovação e Pesquisa lançaram uma chamada conjunta no setor de
energia elétrica, buscando combinar os instrumentos de apoio das três insti-
tuições – crédito, subvenção, participação acionária e recursos obrigatórios
em P&D dos agentes do setor elétrico – em planos integrados de inovação,
denominando-se Plano Inova Energia. Com temáticas diversas, ao todo,
foram aprovados cerca de R$ 3,6 bilhões, dos quais R$ 57 milhões foram
destinados a um plano de inovação para desenvolvimento de tecnologia
fotovoltaica orgânica (OPV), tendo sido esse plano contemplado inclusive
com subvenção econômica.
Embora haja uma razoável disponibilidade de recursos humanos e fi-
nanceiros para EO, até o presente momento essas ações estão concen-
tradas ou no âmbito científico – mais especificamente no campo dos
materiais –, com pouco resultado tecnológico mensurável, ou em pou-
cos exemplos de projetos de produtos finais que ainda não alcança-
ram escala comercial, como a língua eletrônica – Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) –, nariz eletrônico – Petrobras e
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)/Universidade Católica de
Pernambuco (Unicap) –, OPV – CSEM Brasil – e OLED para iluminação
(Fundação CERTI-Philips).
Não por menos, apenas 16 pedidos de patentes22 foram realizados na
área, e o esforço para formação de recursos humanos especializados acaba
sendo dispersado pela ausência de empresas e institutos capazes de reter
esses talentos.
22
Contabilizadas patentes de instituições vinculadas ao Ineo.
472 já atingiu maturidade razoável, a EO demanda uma atuação ativa do poder
público para compartilhamento de riscos e apoio na organização do setor.
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
23
Por exemplo: em 2007, a japonesa Sumitomo adquiriu a britânica CDT por R$ 285 milhões; a
Samsung adquiriu, em 2013, a alemã Novaled por US$ 350 milhões.
24
Por exemplo: em 2013, a LG anunciou investimentos de US$ 650 milhões em fábrica de geração
8 de displays OLED.
O quadro atual (2014) indica que, no médio prazo, há oportunidades para 473
o desenvolvimento em células fotovoltaicas (OPV) – pelo fato de existir
Complexo Eletrônico
projeto no Brasil na fronteira tecnológica em processo de produção –, em
sensores e sistemas inteligentes, pois as cadeias produtivas ainda estão em
formação no mundo em todos os seus elos – nos materiais, processos de
produção, dispositivos, produtos e, fundamentalmente, nos mercados.
Em iluminação OLED, a presença de grandes players de iluminação e
os avanços que são compartilhados com a já dinâmica indústria de OLED
para displays dificultam o desenvolvimento de tecnologias centrais de ma-
teriais, produção ou do bare-OLED. Há ainda potencial significativo de
diferenciação em luminárias e projetos arquitetônicos, além de ser possí-
vel atrair investimentos fabris desses players para compartilhar o risco de
escalar a tecnologia.
Em todos os segmentos, a virtual ausência de uma indústria de química
fina brasileira, somada com o fato de que há grandes players envolvidos,
torna pouco provável que o país tenha protagonismo no desenvolvimento
de materiais, sejam pequenas moléculas ou polímeros. Todavia, há de se
observar que, no longo prazo, em alguns segmentos, o domínio tecnológico
do elo dos materiais torna-se relevante para a manutenção da competitivi-
dade – por exemplo, Samsung adquiriu a NovaLed.
Displays OLED
Iluminação OLED
OPV
Componentes e
Sistemas Inteligentes
Fonte: BNDES.
474 No longo prazo, há um conjunto de competências que serão relevantes
caso o Brasil deseje ter protagonismo não só nas áreas de EO, mas também
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
Instituto Empresas
Institutos e de tecnologia estrangeiras
Fotovoltaicos
universidades
parceiras
Start-ups
Sensores
Conhecimento Técnicas de Técnicas de e Spin-offs
em materiais produção integração
Universidades orgânicos e (foco: em novos
brasileiras inorgânicos impressão) dispositivos
Empresas locais
Sistemas
(ex.: gráficas) inteligentes
Financiamento
Complexo Eletrônico
P&D como um dos principais problemas do sistema de inovação no país
e foi um dos principais motivadores da criação da Empresa Brasileira de
Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
Tal modelo seria muito importante para complementar a cesta de ins-
trumentos de financiamento para todo o ciclo de amadurecimento tecno-
lógico até a chegada ao mercado. Na base, o financiamento da pesquisa
básica em materiais, engenharia etc. deveria ser feito com ênfase em for-
mação e fortalecimento de universidades na área – por exemplo, Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). No ex-
tremo oposto, o financiamento para estimular parcerias entre institutos
de ciência e tecnologia e empresas – por exemplo, Embrapii, BNDES
Funtec e Finep ICT-Cooperativo e Plano Inova Empresa – bem como in-
centivo ao empreendedorismo – por exemplo, Serviço de Apoio às Micro
e Pequenas Empresas (Sebrae), Agência Brasileira de Desenvolvimento
Industrial (ABDI) etc. – são essenciais.
Cumpre comentar que, como em qualquer área dependente do sur-
gimento de novas empresas, o ambiente de negócios e a facilidade
para abrir e fechar empresas são dificuldades brasileiras estruturais
que devem ser consideradas.
Todavia, há uma importante lacuna a ser preenchida no âmbito da
pesquisa pré-competitiva, realizada na Europa por instrumentos como os
frameworks FP7 e Horizon 2020. Recursos destinados à pesquisa tecnoló-
gica de longo prazo são essenciais para o amadurecimento da tecnologia.
A inserção internacional por meio de parcerias com institutos tec-
nológicos e o rápido acesso a insumos e componentes para pesquisa e
produção local são partes indispensáveis no desenvolvimento de qual-
quer plataforma tecnológica hoje no mundo.
Por fim, a formação de pessoal deve ser considerada em contexto
multidisciplinar – pois envolve áreas do conhecimento diversas, entre as
quais química, materiais, eletrônica e engenharia – e internacional (por
exemplo, Ciência Sem Fronteiras), já que essa nova eletrônica está se de-
senvolvendo fora do Brasil.
476 Conclusões
O tão falado “bonde da história” não passa apenas uma vez quando se
Perspectivas para a eletrônica orgânica no Brasil
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